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Frente a tal repressão, não raro os judeus encontraram na conversão um caminho para
permanecerem inseridos nas dinâmicas sociais da Europa cristã. Assim, no bojo do
processo de combate à fé judaica, milhares de judeus recorreram às autoridades
eclesiásticas a fim de aderirem ao cristianismo. Estes recém conversos, por sua vez,
passaram a ser reconhecidos como “cristãos-novos”, categoria que desempenhou um
papel essencial na definição das hierarquias sociais no início da modernidade. Contudo,
a despeito terem aparentado uma genuína conversão, muitos desses judeus logo
voltaram a praticar seus antigos ritos religiosos. Recusaram-se, por exemplo, a comer
determinados elementos tidos por impuros, mantendo, desse modo, suas tradições
ancestrais. Para os cristãos, tais ocorrências foram interpretadas como uma prova de que
nem mesmo as águas sacramentais do batismo eram suficientes para extirpar a fé
judaica da Europa, uma vez que o judeu parecia conservar a herança dos “pecados de
Israel”. Nesta lógica, o antijudaísmo cristão, sem deixar de ser teológico, tornou-se
também racial, e o judeu passou a ser visto não apenas como o responsável pela
crucificação de Jesus, mas também como o detentor de um sangue impuro
(DELUMEAU, 2009, p.452).
Em meio às tramas multifacetadas dos processos simbólico-culturais que permearam o
entardecer do medievo no ocidente europeu, observa-se, assim, a emergência de uma
categoria de exclusão social que se manteve por toda a modernidade, sendo resignificada
pela ideologia nazista na primeira metade do século XX. Nesta perspectiva,
os judeus e, consequentemente, os cristãos-novos, foram colocados em um plano de
inferioridade sanguínea em relação aos demais cristãos, realidade que, somando-se às
questões religiosas, produziu novos ordenamentos sociais. Sintomático desse processo
foi o estatuto municipal publicado na cidade de Toledo em 1449. Pela primeira vez na
Espanha, um corpo legal, baseando-se nos princípios do direito canônico e do direito
civil, enumerou uma série de heresias e crimes cometidos pelos cristãos-novos, que
foram então considerados indignos de ocupar cargos privados e públicos na cidade em
função de seu “sangue impuro” (DELUMEAU, 2009, p.453).
Por seu turno, a criação desses estatutos restritivos se espalhou por toda Europa a partir
de finais do século XV. Nas sociedades ibéricas do Antigo Regime, a política de
“pureza de sangue” se expressou em uma série editos, decretos, regimentos e
ordenações que proibiam os detentores de um “sangue impuro” de ingressar em ordens
militares, confrarias, cargos públicos e eclesiásticos etc. É importante demarcar, a esse