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Revista Boa Notícia (Outubro/2021)

Revista digital dedicada à divulgação da Ciência por meio do Jornalismo Científico. Os temas abrangem profissionais do mercado e pesquisadores na área de Comunicação Social, visando aprofundar a troca de saberes entre mercado e Academia. @FernandoRingel

Revista digital dedicada à divulgação da Ciência por meio do Jornalismo Científico. Os temas abrangem profissionais do mercado e pesquisadores na área de Comunicação Social, visando aprofundar a troca de saberes entre mercado e Academia.
@FernandoRingel

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Outubro/2021-n°1

Existe

diferença entre

webjornalismo

e jornalismo

appficado? pág.57

Deitada ou

invertida, qual

ganha o duelo

das pirâmides?

pág.38 e 54

Memória no jornalismo?

Esqueceu? Relembre

na pág.51

Quem são

os avós dos

smartphones?

p.69


EXPEDIENTE

REDAÇÃO, DIAGRAMAÇÃO E ILUSTRAÇÃO

Fernando Ringel - fernando.ringel@gmail.com

Publicação trimestral com distribuição digital: outubro de 2021 /n°1

Trabalho experimental com orientação do professor Alexsandro Teixeira Ribeiro,

como requisito para obtenção do grau de bacharel em Jornalismo.



O JOGO DA CIÊNCIA

Um jogo, um QR Code ou uma cidade? Olhe

para a imagem abaixo e responda:

1) Dois jogos de videogame foram usados como

referências visuais: um com peças que caem do alto da tela,

devendo ser encaixadas pelo jogador, e outro popularmente

chamado de “Come-come”. Quais são esses jogos?

2) Onde está o ícone da Revista Boa Notícia?

3) Principal influência na produção desta

ilustração, personagem famoso pela série

“Onde está ______?”.

4

RESPOSTAS: 1) Tetris e Pacman. 2) Na lateral do “prédio localizado aqui ao lado”, à esquerda

deste texto. 3) Wally, famoso pela série de livros e pelo desenho animado “Onde está Wally?”.

5



RELEASE NOTÍCIA DE BOA

Revista digital propõe diálogo entre

mercado e Academia com entrevistas

e experimentos audiovisuais

Publicação trimestral aprofunda artigos científicos

discutindo temas de interesse para profissionais e

estudiosos da área de Comunicação Social

A

Revista Boa Notícia foi desenvolvida entre o

final de 2020 e 2021, como requisito para a

obtenção do título de bacharel em Jornalismo

pelo Centro Universitário Internacional (UNIN-

TER). Projeto de autoria do aluno Fernando Ringel,

sob a orientação do professor Alexsandro Ribeiro, o

trabalho foi realizado totalmente online, sendo a entrevistada

da primeira edição, professora Dra. Alexandra

Fante Nishiyama, residente em Maringá, o orientador

em Curitiba, Paraná, e o formando, em Brusque, Santa

Catarina.

De acordo com Fernando, “a ideia é divulgar os

dados científicos relacionando-os com demandas do

público. Esta percepção foi originada na seleção de bibliografia

em bancos de dados online e em sebos, sendo

gritante a falta de apelo visual do material acadêmico

em relação ao do mercado profissional de Comunicação”,

analisa.

6

Em cada edição da Revista Boa Notícia, um artigo

previamente publicado em periódico científico é

diagramado sem alteração no texto original. Trata-se de

uma decisão para evitar distorções na divulgação científica.

Como complemento, a análise do artigo selecionado

serve como base para a criação da pauta e execução

da entrevista com os responsáveis

pela pesquisa. A ideia é fazer

com que o autor explique o conteúdo

com suas próprias palavras,

tornando mais acessíveis os principais

trechos do artigo científico.

Pretende-se cativar o leitor,

a partir da história pessoal dos

entrevistados e dos bastidores da

pesquisa, como introdução para

questões teóricas, visando desmistificar

o ambiente acadêmico.

Na primeira edição, o diálogo relaciona

também temas do artigo

científico com a experiência da

entrevistada no mercado de Comunicação, de forma a

tornar o produto interessante para pesquisadores e profissionais

da área.

7

A ideia é

fazer com que

o autor explique

o conteúdo com

suas próprias

palavras,

tornando mais

acessíveis

os principais

trechos do artigo

científico



RELEASE NOTÍCIA DE BOA

Após a finalização do conteúdo escrito, é desenvolvida

a diagramação com ilustrações, além de trechos

grifados em amarelo e notas explicativas, simulando terem

sido feitas à mão.

De acordo com a pesquisadora Alexandra Fante,

“aceitei o convite para a entrevista por achar o projeto

super viável”. Nas palavras do orientador,

professor Alexsandro Ribeiro, “embora

tenham sido consideradas referências

do mercado, como a Superinteressante, a

abordagem desenvolvida no TCC é mais

profunda”, complementa.

Técnicas do mercado a serviço

da divulgação científica

A Revista Boa Notícia é o aprofundamento de

projetos realizados anteriormente pelo formando e aprofundados

no curso de Jornalismo da Uninter. ”Na época,

intuitivamente comecei a utilizar técnicas de diagramação

para jornais na divulgação de trabalhos acadêmicos.

Depois, essa concepção foi enriquecida ao estudar sobre

Jornalismo Científico, além da pesquisa em publicações

como Cadernos de Jornalismo e Comunicação, editado

pelo jornalista Alberto Dines, e os projetos gráficos do

jornal O Pasquim e da série As Grandes Ideias de Todos

os Tempos”, finaliza Fernando Ringel.

O artigo científico é a

base de informação para o desenvolvimento

de cada edição, A partir de sua

análise, são desenvolvidos os aspectos

relacionados à diversão, que a diagramação

pretende criar, orientada pelos

valores editoriais da Revista Boa

Noticia. Tudo é feito de forma a

enriquecer o conteúdo da entrevista.

8

A série As Grandes Ideias de Todos os Tempos e O Pasquim são algumas das influências

para o desenvolvimento do projeto gráfico da revista Boa Notícia

9



bastidores da NOTÍCIA ediçãoDE

BOA

Jornalismo Científico - 4

Divulgação Científica - 2

Jornalismo Científico - 0

Divulgação Científica - 59

Youtube

41%

Spotfy

Revistas

4% 6%

Blogs

30%

Como complemento ao conteúdo escrito, foi

criado o canal de podcast Revista Boa Notícia, onde o

leitor pode ouvir os principais trechos da entrevista com

os pesquisadores. A escolha foi motivada por este formato

exigir menos velocidade de conexão de internet,

tendo em vista o projeto visar a popularização a Ciência.

As edições da revista digital serão postadas a

cada três meses na plataforma Issuu e no blog Revista

Boa Notícia, em PDF, podendo ser lidas em dispositivos

eletrônicos ou impressas em centrais de fotocópias e impressoras

domésticas.

Jornalismo Científico - 1

Divulgação Científica - 8

Sites

19%

Jornalismo Científico - 2

Divulgação Científica - 25

Jornalismo Científico - 1

Divulgação Científica - 43

No desenvolvimento do

trabalho, foi realizada

pesquisa no Google, que

apontou 145 veículos

dedicados à divulgação

científica em língua portuguesa.

Poucos destes

são específicos sobre

Jornalismo Científico,

sendo o Spotify a única

plataforma em que que

este panorama se inverteu.

Como os

QR Codes

serão

entendidos

em 3021?

CHARGE

PARTIU

TROCAR

MEMES,

FIGURINHAS

E ARTIGOS

CIENTÍFICOS

NO ZAPZAP?

Ficou com vontade de colaborar com

o projeto? Mande um e-mail para

revistadigitalboanoticia@gmail.com

ou entre em contato pelo grupo

do WhatsApp!

10

11



ENTREVISTA

ARTIGO CIENTÍFICO

Os trechos

utilizados

para o

desenvolvimento

da

entrevista

e ilustrações

estão

grifados

em amarelo,

blz?

Arquiteturas da noticia em apps jornalísticos:

características e tendencias

RESUMO

Com o conceito de mobilidade, possível pelos dispositivos,

a conexão à internet banda larga e a popularização do

aparato tecnológico, a sociedade demanda novas qualidades

a narrativa jornalística. A partir de um ecossistema

que envolve o conteúdo jornalístico, os smartphones

(hardware) e os aplicativos jornalísticos (software), questionou-se

quais as características da arquitetura da notícia

para dispositivos móveis em aplicativos jornalísticos

de empresas de comunicação brasileiras e portuguesas,

considerando os atributos e as potencialidades do suporte.

O estudo apresenta uma análise feita a partir da observação

de conteúdo jornalístico, publicado em aplicativos

de notícias brasileiros e portugueses, traça perspectivas,

discute as estruturas narrativas adotadas e apresenta as

configurações das arquiteturas das notícias veiculadas

pelo suporte, indicando tendências.

Palavras-chave: Arquitetura da notícia. Jornalismo móvel. Apps jornalísticos

Autora: Dra. Alexandra Fante Nishiyama

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7694763665171271

E-mail: alexandrafante@gmail.com

12

V

Entre convergências e divergências comunicacionais

A

convergência das mídias foi possível com os

avanços tecnológicos na computação em meados

dos anos 1990 (Deuze, 2004) e a partir de

então, a Internet “tornou-se a alavanca na transição de

uma nova sociedade – a sociedade de rede [...]” (Castells,

2003, p. 17).

No jornalismo tem se abordado com frequência

as tendências convergentes que envolvem tecnologias,

mídias, empresas e funções do jornalista (Salaverría,

2003). Para o pesquisador, a dimensão empresarial pode

ser explicada pelo “surgimento da Internet como uma

nova plataforma para o jornalismo, em que existe a obrigação

de rever os modelos de articulação dos meios de

comunicação dentro dos grupos de comunicação”1 (Salaverría,

2003, p. 33). A dimensão tecnológica implica

na revolução instrumental para a composição, produção

e distribuição da notícia. A profissional refere-se à

mudança nas rotinas produtivas do jornalista, surgindo

o profissional “multiplataforma”. E, por fim, a dimensão

multimídia que traz novas linguagens ao jornalismo.

1. No original: La aparición de Internet como nueva plataforma para el

periodismo, que há obligado a revisar los modelos de articulación de los

medios en el seno de los grupos de comunicación

13



ARTIGO CIENTÍFICO

Boa frase

Há ainda a convergência social, cultural e mercadológica

(Jenkins, 2009) que acontecem ao mesmo

tempo, no mesmo espaço. Nesse processo os sujeitos, a

partir da interação com a mídia, passam a ter um novo

comportamento de relações sociais, culturais e econômicas.

Ao falar de uma comunicação convergente é

preciso destacar a divergência. Pontua-se como divergente

a não apropriação ou a subutilização dos meios de

comunicação digitais e das ferramentas disponíveis nos

suportes, que desfavorecem o diálogo amplo, multidirecional,

descentralizado e colaborativo.

Ao somente transpor o conteúdo jornalístico ou

fazer uma adaptação mínima e superficial é ignorar as

características e potencialidades e divergir sobre o objetivo

de cada meio. A divergência comunicacional ignora

o objetivo de informar em diversos meios, diferentes

linguagens e canais distintos, conceito presente no

jornalismo contemporâneo, em que diversas narrativas

contribuem para a construção de novas arquiteturas da

notícia. Ignorar as características dos suportes, que fornecem

mobilidade, conexão e interação, é divergir dos

objetivos para os quais foram idealizados.

Jornalismo móvel: evolução do webjornalismo

O webjornalismo se mostrou inovador e, ao mesmo

tempo, desafiador para as empresas de comunicação

e para os jornalistas, tendo como parâmetro os modelos

tradicionais, dotados de características isoladas, que estavam

presos aos seus canais nativos. É válido afirmar

que jornalismo móvel é uma evolução do webjornalismo,

pois utiliza a Internet, mas ganha mobilidade e dinamicidade

do suporte de acesso. É neste contexto que

surgem os sites responsivos, que se adaptam automaticamente

aos diferentes formatos de tela, e os apps – como

novo modelo de negócio.

Com a adoção dos dispositivos móveis, o jornalismo

é estimulado a inovações. Com conexão always on

(Pellanda, 2009) e mobilidade, o jornalismo móvel também

passa a ser ubíquo, o conteúdo apropriado para telas

menores, para ser lido também em movimento, além

de necessitar plataformas adequadas, os apps jornalísticos.

O jornalismo digital, até chegar ao jornalismo

móvel passou por cinco fases. A primeira, chamada

transpositiva (Mielniczuk, 2001), é a migração do jornalismo

tradicional para a web (Canavilhas, 2001, 2007;

IMPOR-

TANTE:

Webjornalismo

e jornalismo

appficado

são

a mesma

coisa?

Confira mais

na página 57.

14

15



ARTIGO CIENTÍFICO

informações pelos links ou oferecer contato direto com

os jornalistas e as redações – os hipertextos se apresentam

como inovação e a web como novo suporte informativo.

A terceira fase, ou geração, é caracterizada pela

exploração das características da web a favor da notícia.

A partir de então, denomina-se o jornalismo na web

como webjornalismo (Canavilhas, 2001; Mielniczuk,

2001) e diferencia-se das demais ao cunhar novas estruturas

narrativas, com a multimidialidade. Na quarta

fase, porém, é que o jornalismo se apropria com maior

força da multimidialidade. É nessa geração também que

as bases de dados se consolidam como elemento estruturante

do jornalismo, instituindo a capacitação das

equipes, novos elementos estruturantes na organização

da informação, integração de arquivos que remetem

à memória e o oferecimento de mais dados (Barbosa,

2013) – esta foi a geração mais complexa, desafiadora

e cara do que as anteriores, resultou em diferentes velocidades

de migração e adaptação pelas redações. Para

Barbosa (2013), o jornalismo está na quinta geração,

envolve a convergência jornalística impulsionada pelas

mídias móveis, num processo que a estudiosa afirma ser

de um novo ciclo de inovação, com os apps nativos ou

autóctones.

16

Características do webjornalismo

O jornalismo móvel é a evolução do webjornalismo

e as características permanecem incorporadas ao

novo cenário comunicacional sendo, a memória, a instantaneidade,

a interatividade, a hipertextualidade, a

multimidialidade, a personalização e a ubiquidade (Canavilhas,

2014).

A memória na web foi possível com o upload

de informações e assim, aconteceu a “virtualização do

mundo fora do lugar” (Lemos, 2009a, p. 90), criando

os territórios informacionais e a memória2 tecnológica.

“[...] todas as tecnologias são extensões dos nossos sistemas

físico e nervoso, tendo em vista o aumento da energia

e da velocidade” (Mcluhan, 1964, p. 109). A memória

é uma característica potencial que acaba por se tornar

uma ferramenta. “A informação eletrônica passa a ser

acessada, consumida, produzida e distribuída de todo e

qualquer lugar, a partir dos mais diferentes objetos e dispositivos”

(Lemos, 2009a, p. 92). Palacios complementa

que “acresce-se o fato de que na Web a memória torna-

2. Memória caracteriza a capacidade de reter ou relembrar informações. A

Internet e os dispositivos de armazenamento de informações como os computadores

e HDs acabam se tornando extensões do corpo, aumentando a

capacidade do cérebro humano.

17

IMPORTANTE



ARTIGO CIENTÍFICO

Este artigo

foi escolhido

por

complemntar

a discussão

do TCC que

embasou a

Revista

Boa Noticia

-se coletiva, através do processo de hiperligação entre

os diversos nós que a compõe” (Palacios, 2003, p. 4). Na

produção jornalística, a memória hospedada nos bancos

de dados do ciberespaço, permite ao profissional ir

além da sua recordação e das informações disponíveis

nos servidores dos meios de comunicação e a retomada

de dados para complementação na produção de novas

notícias, criando uma continuidade de múltiplos fluxos.

Se houvesse a necessidade de pontuar em poucas

palavras o conceito da instantaneidade seria “ser o

primeiro” (Bradshaw, 2014). Gleick (2000, p. 58) afirma

que “a transmissão de dados em tempo real é uma

obsessão do século XX, alimentada por um desfile de

novas tecnologias”. Com esses aparatos e a conexão à Internet,

as notícias são recebidas imediatamente e estão

sendo atualizadas, segundo a segundo, disponibilizadas

em todo o mundo. O jornalismo e o tempo sempre estiveram

ligados intrinsecamente. Prova disso é a corrida

contra o deadline33na entrega das matérias e até mesmo

a busca pelo furo da notícia, dada em primeira mão. Por

sua vez, o deadline deixa de ocorrer no webjornalismo e

3. O webjornalismo tendo como uma de suas características a instantaneidade,

o conceito de deadline deixou de existir. As notícias são, em maioria,

produzidas e postadas imediatamente na web. Essa característica dos meios

digitais conectados causou uma disrupção no processo de produção e

divulgação da notícia.

18

no jornalismo móvel, com a dissolução do tempo (Palacios,

2002) e as atualizações ininterruptas.

A interatividade, segundo Rost (2014, p. 55), é

definida “[...] como a capacidade gradual que um meio

de comunicação tem para dar maior poder aos utilizadores

tanto na seleção de conteúdos (interatividade seletiva)

como em possibilidades de expressão e comunicação

(interatividade comunicativa)”.

Quadro 1 – O processo de midiamorfose das telas, do cinema ao celular

Dispositivo

Produtos jornalísticos

19

Contexto de

consumo

1ª tela Cinema Cinejornal Público,

coletivo

2ª tela Televisão Telejornal Privado,

coletivo

3ª tela PC - Internet Websites,

portais, fóruns,

listas de e-mails

4ª tela Telefone

Celular

Fonte: Mielniczuk, 2013, p. 116

Alertas SMS,

acesso WAP,

sites adaptados

à mobilidade,

aplicativos

Privado,

individual

Público /

Privado,

individual



ARTIGO CIENTÍFICO

Até a segunda tela4 havia apenas receptores. A

partir da era digital, com a conexão à Internet, o público

– em termos potenciais – passa a ser também produtor

de conteúdo e tem acesso a espaços/suporte para disponibilizar

as informações produzidas (Mielniczuk, 2013,

p. 115). A interatividade, sem coerção ou mediação,

tem como característica a individualidade e não seria

errôneo afirmar que se torna uma forma de personalização

dos participantes na construção de uma notícia.

O objetivo da personalização é o de responder

às necessidades individuais e “a ideia principal é reunir,

classificar e filtrar o conteúdo disponível, incluindo as

notícias mais interessantes” (Lorenz, 2014, p. 138). O

pesquisador começa um de seus artigos com uma frase

que acaba por definir o conceito da personalização, “o

futuro da oferta de informação irá diferenciar-se entre a

comunicação para muitos, para poucos ou apenas para

um leitor” (Lorenz, 2014, p. 137). Canavilhas (2007)

afirma que a hipertextualidade, a multimidialidade e

a interatividade são características do webjornalismo,

que juntas abrem uma oportunidade única para que

4. Neste caso, o autor se refere à evolução das telas, pontuando como se fossem

as gerações, diferente do termo usado para se referir a um dispositivo

eletrônico adicional (como smartphone, tablet ou computador) utilizado

pelo indivíduo enquanto ele faz uso de um dispositivo eletrônico principal.

qualquer indivíduo faça uma leitura personalizada, navegando

pelos links disponíveis, tornando-se um jornalismo

“póst-massmediático”, personalizado, individual

e único, que relaciona o sujeito aos conteúdos “em uma

esfera mais privada e emocional” (Canavilhas, 2007, p.

7).

O hipertexto, outra característica do webjornalismo,

pode se dar no contexto de conexão ou agregação

de informações, no acesso de mais informações dentro

da mesma notícia, em forma de texto ou multimídias.

Esse processo permite a imersão no conteúdo, por meio

de níveis informacionais, defendidos por Canavilhas

(2006) e, a recuperação de memória. A hipertextualidade

(Bardoel e Deuze, 2001; Canavilhas, 2014) é um

grande diferencial em relação aos meios tradicionais.

Por meio dessa ferramenta, o interagente não fica preso

ao lead e a uma estrutura linear, mas pode navegar por

textos, vídeos, fotos, gráficos, ilustrações, sites, sons etc.,

relacionados ao assunto da notícia.

Outra característica, a multimidialidade, ganha

força pela simplificação dos processos audiovisuais na

web, com a presença nas redes sociais, que geram engajamento;

nas multifunções disponíveis nos smartphones;

e no oferecimento de diferentes formatos de mídia

20

21



ARTIGO CIENTÍFICO

pelas empresas de comunicação (Salaverría, 2014, p. 47-

48). Em resumo, com a multimidialidade, dispensa-se

o uso e a necessidade de vários aparelhos tecnológicos.

Basta-lhe apenas a conexão, um suporte tecnológico de

acesso (Smart TV, tablet, notebook, PC, smartphone) e

a decisão de escolha.

A última característica a ser abordada, a ubiquidade

(Pavlik, 2014), tem o conceito de estar, simultaneamente,

em todo lugar, em todo o tempo e pretende

obter desta forma, maior alcance e mobilidade. “Com

a banda larga ubíqua, especialmente com a tecnologia

wireless, a conectividade móvel está redefinindo os preceitos

básicos do jornalismo e da mídia” (Pavlik, 2014,

p. 164).

Características de hardware nos dispositivos móveis

Pontua-se como características de hardware nos

dispositivos móveis a conectividade (rede celular, wi-fi

e bluetooth), a localização (GPS), as saídas (vibração, alto-falante

e tela) e os sensores (touch screen, câmera,

5. No original: Los teléfonos móviles suponen un reto importante para las

empresas periodísticas a la hora de producir contenidos capaces de ser transmitidos

en un nuevo contexto em que la información se consume en movilidade.

microfone, acelerômetro e giroscópio). O objetivo de

pontuá-las e descrevê-las é mostrar como esses recursos

alteram os contextos de interação no jornalismo móvel.

Em si, os dispositivos móveis foram concebidos

para atender aos anseios de uma sociedade cada vez

mais conectada e em movimento. Assim, os smartphones

se propõem a funções de personalização, ubiquidade

e mobilidade (Canavilhas, Satuf, 2013). Mas, como

essas características dos dispositivos móveis afetam e

remodelam o jornalismo contemporâneo? “Os telefones

celulares representam um desafio importante para

empresas de jornais ao produzir conteúdo que pode ser

transmitido em um novo contexto em que a informação

é consumida em um ambiente móvel”5 (Rodrígues,

García e Bran, 2015, p. 270).

A localização GPS é um recurso oferecido, porém

foi apropriado apenas por apps comerciais, não

tem sido explorado pelos meios jornalísticos, não por

razões técnicas, já que os comerciais usam a tecnologia

para obter e fornecer dados dos consumidores, mas

talvez pelo custo ou falta de interesse, entre outras hipóteses.

Ressalta-se que acontece a solicitação para a

localização do sujeito durante o download de acesso,

contudo não há o oferecimento de serviços decorrentes

22

23



ARTIGO CIENTÍFICO

desse dado.

As saídas do smartphone incluem a vibração, alto-falante

e a tela. A função de vibração, principalmente,

quando as pessoas estão em movimento, serve para

fazer a vez do toque sonoro. E é usada para o alerta de

notificações push news (Luna e Fante, 2017), se assim o

indivíduo quiser e personalizar a opção no app. Nessa

conjuntura, o periodismo das mídias tradicionais deixa

de existir. As outras saídas, tela e o alto-falante, juntas

ou separadamente, têm papel primordial na adoção da

convergência de mídias, em especial, na adoção de vídeos

e áudios. Com esses recursos, o jornalismo móvel

pode adotar diferentes arquiteturas de notícias, estimulando

a interação e imersão no conteúdo publicado e

provocando inovações na forma e contar histórias. A

tactilidade altera a concepção da interatividade com as

possíveis possibilidades de funcionalidades de diferentes

toques. Neste sentido, é mister afirmar que há uma

inovação no acesso da notícia e de uma nova “gramática

gestual” para interagir com a notícia (Palacios e Cunha,

2012).

O giroscópio refere-se à funcionalidade de girar

o dispositivo para que o conteúdo possa ser visualizado

na vertical ou na horizontal. Para acionar o sensor

basta inclinar o aparelho. A posição na horizontal favorece

a leitura, com letras maiores e menor interferência

de imagens, na vertical o aspecto visual é valorizado,

incluindo infográficos, fotografias e elementos visuais

(Palacios e Cunha, 2012, p. 669).

Outro sensor, o acelerômetro, auxilia na movimentação

vertical para a leitura da notícia ou a navegabilidade

na plataforma. No sentido de percorrer,

pode ser comparado, em parte, pela função do mouse.

Por fim, a câmera (fotográfica e de vídeo) e o microfone

instauram também uma nova fase ao jornalismo,

especificamente na produção da notícia e na interação

com o conteúdo. Com os recursos os indivíduos podem

enviar para os meios de comunicação sugestões de pautas

por meio de áudio e vídeo, além de comentário. Ou

então, criar canais alternativos (blogs e redes sociais,

por exemplo) e tomar para si a função de informar e

produzir conteúdo.

Metodologia de pesquisa

A pesquisa de cunho exploratório e descritivo,

que abarca os métodos qualitativo e quantitativo, adotou

a análise de conteúdo como técnica de investiga-

24

25



ARTIGO CIENTÍFICO

ção. Foram desenvolvidas duas fichas de análises. Uma

objetiva analisar o conteúdo da notícia e a outra avalia

software (app jornalístico) e hardware (smartphone). Os

apps jornalísticos analisados totalizam seis, os brasileiros

- Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo e, os portugueses

- Observador, Público e Expresso.

Após a decisão pela amostra, prosseguiu-se à

etapa de determinação do conteúdo a ser colhido em

cada app. O período de recolha de dados se deu durante

o segundo semestre de 2016, que tem 26 semanas

– tempo determinado devido a inclusão da diversidade

de acontecimentos, não concentrando eventos que

poderiam comprometer a análise, como a realização

das Olimpíadas, eleições municipais, o momento atual

de crise política – com o processo de impeachment da

Presidente da República, Dilma Rousseff e, por fim em

ambos os países, o natal. Com o objetivo de compreender

um período significativo, a observação de cada app

foi feita em 14 dias distribuídos de julho a dezembro de

2016, resultando em duas semanas construídas.

Foi analisado a cada dia uma notícia dos apps

escolhidos, sendo objeto a décima notícia elencada na

editoria de últimas notícias. A escolha dessa editoria

se deu para garantir a atualidade e diversidade de temas,

já a décima notícia foi proposta para que houvesse

tempo de participação dos sujeitos. Os horários de observação

se alternavam durante o dia, tarde ou noite, a

fim de garantir a diversidade de temas. No momento da

observação as questões referentes às matérias já eram

respondidas com o preenchimento da ficha de análise.

As telas com a matéria jornalística completa também

foram capturadas e arquivadas.

Cinco dos apps analisados possuem lastro em

jornais impressos de grande prestígio no país de origem

e um é nativo digital. Foram coletadas 84 matérias jornalísticas

e recolhidos o total de 1692 dados diretos.

Constatações

Sobre a multimidialidade constatou-se que o

texto e foto continuam como no impresso, a contemplar

o conteúdo no jornalismo móvel e, há apenas uma mudança

sensível e acanhada na adoção de outras mídias

pelos meios de comunicação. Das 84 notícias, apenas

duas apresentam vídeo em sua composição estrutural

e outras sete oferecem a opção para acessar galeria de

fotos, trazem prints de telas do Twitter, ilustração ou

linha do tempo. O Estadão e o Expresso optaram pela

26

27



ARTIGO CIENTÍFICO

O que é

SHOVELWARE?

Tem mais sobre

esse tema

na página 56.

publicação apenas de textos e fotos, na amostra geral.

O Público expôs 3% do conteúdo com a inserção de

prints do Twitter, além dos textos e fotos. O Observador

trouxe 4% das notícias com prints do Twitter e 4%

com a inserção de vídeos. O Globo usou a ilustração em

4% das notícias. A Folha agregou 13% do seu conteúdo

com galerias de fotos e linha do tempo. O que chama a

atenção na observação é que há apenas duas editorias

que adotam mais interatividade, a de política e a de esporte.

A análise revela que o número de notícias que

28

não possuem nenhum hipertexto em

sua estrutura chega a 68%. Considera-se

neste sentido, que o jornalismo móvel

continua, em parte, disposto no modelo

de shovelware, denominado por Salaverría

e Negredo (2009), como a transposição

do jornalismo off-line para o

online. A partir dos resultados, tem-se

a hipótese que os meios de comunicação

se mostram mais preocupados em

apresentar seus conteúdos em uma nova

plataforma, os apps, ignorando as novas

potencialidades ou ainda, protelando as

adaptações.

Ressalta-se que o número de

hipertextos disponíveis após a notícia

é, contudo, inversamente proporcional

aos números inseridos na notícia. Com

exceção do O Globo que não adota a característica,

em 75% das notícias veiculadas

nos outros apps pesquisados apresentavam

a hipertextualidade referentes

a assuntos relacionados (74%) ou recomendados.

29

A análise

revela que

o número de

notícias que

não possuem

nenhum hipertexto

em

sua estrutura

chega a 68%.

Considera-se

neste sentido,

que o jornalismo

móvel continua,

em parte,

[...] como a

transposição

do jornalismo

off-line para o

online



ARTIGO CIENTÍFICO

Ainda em consonância com a característica da

hipertextualidade procura- se saber de que forma estrutural

o texto era apresentado, por meio da pirâmide invertida,

deitada, encaminhamento para sites ou outros.

Esta abordagem se deu, pois, o modelo da pirâmide

deitada, proposto por Canavilhas (2007, 2008), propõe

a organização do texto jornalístico em blocos de informação,

acessíveis por links.

De forma correspondente a quantificação de

notícias que não possuem a hipertextualidade, a composição

da notícia mais adotada nos apps foi a da tradicional

estrutura da pirâmide invertida (Erbolato,1991).

30

Observou-se que devido o conteúdo não incorporar o

novo formato de texto jornalístico em pequenos blocos

ligados pela hipertextualidade, dado na pirâmide deitada

(Canavilhas, 2006) – mais apropriada para as pequenas

telas, para a ação de interação nos smartphones é

necessário utilizar o recurso de hardware, a tactilidade,

por meio da rolagem (scroll). Entre os apps observados,

a Folha apresentou a maior porcentagem de conteúdo

no formato da pirâmide deitada, sendo de 71%. Já a

plataforma do O Globo adotou 100% do conteúdo em

forma da pirâmide invertida, ou seja, sem qualquer hipertextualidade.

31

A autora

explica

mais sobre

esse tema,

com dados

atualizados,

no final da

entrevista.

Página 51



ARTIGO CIENTÍFICO

A geolocalização

pode

aumentar

o público?

Confira na

página 55

Diretamente proporcional ao uso da pirâmide

invertida, a maior incidência de resgate de memória se

apresentou na própria narrativa jornalística, totalizando

74%.

Da amostra, 4% referem-se à informação publicada

em formato de nota, sem nenhuma menção de

resgate de memórias ou orientando o indivíduo sobre

o tema – casos verificados no O Globo e Estadão. O

conteúdo do Observador se destaca entre todos, publicando

em 36% das matérias, a memória por meio de

hipertextos.

32

As análises acerca da personalização começam

pela verificação da possibilidade de identificação automática

de geolocalização do interagente pelo app. Embora

seja possível que os meios de comunicação obtenham

facilmente este dado, após o download, ao solicitar a permissão

do indivíduo, a exemplo O Globo e o Estadão,

nenhum dos apps utiliza o dado para o envio de notícias

que tenham a proximidade física como critério. Sobre

outras possibilidades de personalização, constatou-se

que há a configuração para o recebimento de alertas,

pela tecnologia push news, em todos os apps observados

e também alguma forma de ajuste permanente. É o caso

dos portugueses Observador - que permite a personalização

do tamanho da fonte e, o Público - em que se pode

determinar a ordem das seções, guardar notícias como as

mais importantes e alterar o tamanho da fonte.

Com referência à interatividade, verificaram-se

quais as possibilidades permitidas para a participação e

colaboração com o conteúdo veiculado. O app do O Globo

padroniza as publicações e em nenhuma delas há o

campo para inserção de qualquer forma de colaboração,

em um formato dialógico unidirecional. Os demais apps

não adotaram um modelo padrão, optam ou não, em diferentes

conteúdos, por permitir comentários – aliás, a

33



ARTIGO CIENTÍFICO

única forma de participação permitida, sendo proibido o

post de links, vídeos, áudios ou fotos. O Expresso se destaca

por permitir em 93% da amostra a autorização para

comentários. Pela participação ser permitida apenas por

textos, considera-se que os apps estão em um primeiro

estágio de interação, pontuado como seletiva (Rost,

2014), reativa (Primo, 2011) ou participativa (Suau, Masip,

2011), que não pressupõe um grande envolvimento.

na maioria, ignoradas pelos desenvolvedores dos apps

jornalísticos. Apenas o toque (tap) rápido sobre a superfície

da tela que ativa um botão e a função rolar (flick),

do modo scroll para rolar as opções de menu ou um

texto, estão presentes em todos os apps observados. O

duplo toque (double tap) rápido do dedo na superfície

da tela para selecionar um item está disponível apenas

no Público, Folha, O Globo e Observador. O comando

de pinçar (pinch), que usa dois dedos para ampliar ou

diminuir uma imagem é utilizado pelo Público e Globo.

Somente a Folha permite a ação de pressionar (press),

ao segurar o dedo sobre a superfície da tela por mais

tempo, com o objetivo de selecionar um item. A função

de giroscópio é possível no Observador, após a última

atualização no fim de 2016.

TACTILIDADE

Confira mais

na entrevista,

página 57.

Sobre a tactilidade percebida como forma de

interatividade, as possibilidades de movimento, pontuadas

por Palacios e Cunha (2012), totalizam 11 e são,

34

35



ARTIGO CIENTÍFICO

A pesquisa também abarca observações acerca

da instantaneidade. Contemplou-se na teoria e, pode-se

averiguar na prática, que a notícia passa a ter a característica

do imediatismo, a partir da web. Constatou-

-se que todos os apps oferecem a opção de uma aba ou

editoria chamada Últimas notícias. Sem considerar o

acesso, os apps em conjunto com smartphones também

podem alertar sobre as últimas notícias, através da tecnologia

push news (Luna e Fante, 2017).

Considerações finais

Ressalta-se que o termo arquitetura da notícia

é sinônimo de um complexo de elementos que contemplam

a notícia planejada com diferentes elementos

multimídia, estruturada textualmente, apresentada por

gênero e formato(s), que perpassa pelo design gráfico

e uma plataforma e permita a interação, a partir das

funcionalidades do software (app) e do hardware (smartphone)

e as características do webjornalismo.

Verifica-se, na amostra, que a adoção da multimidialidade,

que deveria agregar o uso de outros meios

ao texto, é baixa. Fator que pode ser resultado pela falta

de jornalistas que dominem diversas funções, redução

de custos ou ainda, ser opção da empresa a publicação

36

imediata da notícia, reduzindo o tempo de produção.

No jornalismo móvel, a instantaneidade inova

com relação ao conteúdo, devido aos dispositivos móveis

e conectados que seguem juntos aos corpos. A instantaneidade

é constatada no app ao oferecer a possibilidade

de recebimento de notificações pela tecnologia

push news, que são recortes mais atuais do cotidiano ou

a partir de temas de interesses. Em poucos caracteres,

que invocam a leitura rápida (scanning), o sujeito recebe

a notícia, como pílulas informacionais (Luna e Fante,

2017), que tem mais detalhes ao ser acessada, no app.

A memória, que pode se apresentar em diferentes

modos, encontra a maior adoção na narrativa

textual, apesar de todas as possibilidades de hardware e

software oferecidas, remetendo a atividade presente no

jornalismo impresso. Apesar da possibilidade de inovação,

o recurso da hipertextualidade muitas vezes é descartado.

Pontua-se como formas de personalização o

recebimento de alertas, a determinação de ajustes de

layout, arquivamento de conteúdo no app e a decisão

pela escolha das opções de leitura. A tecnologia push

news é optativa em todas as plataformas. A determinação

de ajustes permanentes, que surge no webjornalis-

37

O que o

mercado

está exigindo

dos

profissionais

hoje?

Leia na

entrevista

com a

professora

Alexandra

Fante,

página 52.



ARTIGO CIENTÍFICO

Perdeu,

pirâmide

invertida,

kkk

mo, continua no jornalismo móvel e traz a possibilidade

de escolher tipo e tamanho da fonte, cores e de ordenar

seções e guardar notícias no próprio app.

O hipertexto é apresentado após as notícias de

forma maciça – com exceção de O Globo que não adota

a característica. A ação, contudo, é desproporcional

quando se trata da hipertextualidade na matéria jornalística.

Desta forma, constata-se que há baixa adoção do

recurso da hipertextualidade no jornalismo móvel.

Com a promessa de ser uma plataforma interativa,

mais democrática e aberta, a Internet chega. Esperava-se

que no jornalismo não fosse diferente. As

empresas de comunicação, no entanto mantiveram a

participação restrita apenas a comentários, na melhor

das hipóteses. A diferença para esta característica da

notícia em apps é o uso do touchscreen, resultado de

um nível primário de interatividade, apenas em resposta

à navegabilidade permitida.

Sobre a estrutura da notícia, a partir dos formatos

das pirâmides, considerou-se como requisito para

a classificação da pirâmide deitada a presença de, no

mínimo, um hipertexto no conteúdo da notícia. Constata-se

que de forma diretamente proporcional à falta

de adoção de hipertexto, o conteúdo, nos apps, se apresenta,

em grande porcentagem, com a estrutura da pirâmide

invertida.

A partir das observações, o que o app muda na

notícia hoje? Dá a possibilidade de uma nova narrativa

textual, dividida em blocos menores adequados para

as pequenas telas, lincados por hipertextos; estabelece

o imediatismo através das contínuas atualizações das

notícias; possibilita a notificação constante dos últimos

acontecimentos com a tecnologia push news; e apresenta

uma nova possibilidade de interatividade com a tactilidade.

Apesar das mudanças tecnológicas que influenciaram

e inovaram o jornalismo, verifica-se que referente

ao conteúdo no jornalismo móvel, a essência tradicional

permanece. Salvo as características presentes

no webjornalismo (multimidialidade, memória, personalização,

ubiquidade, hipertextualidade, interatividade

e instantaneidade) e as qualidades técnicas, como a

conectividade permite a mobilidade.

A pesquisa leva a crer que os meios de comunicação

veem os apps jornalísticos como extensões dos

sites, nos quais há pouca produção especifica para a

plataforma (com exceção do Observador que é um app

jornalístico nativo), desprezam recursos importantes

38

39



ARTIGO CIENTÍFICO

como a geolocalização e todas as possibilidades tácteis

que o dispositivo aceita, além de manter uma arquitetura

que se assemelha, em grande parte do conteúdo, ao

jornalismo off-line, sem possibilidades de interatividade

e multimidialidade.

Constata-se que o jornalismo móvel transita

entre as características do off-line e do online. Não há

a adoção de um padrão, tecnológico ou de conteúdo,

adotado pelos meios de comunicação. Nem tradicional,

nem inovador. Assim, se apresenta, em um movimento

dialógico. Com base nos resultados obtidos comprovou-se

a hipótese de que os conteúdos jornalísticos produzidos

para dispositivos móveis e publicados em apps

jornalísticos possuem arquiteturas semelhantes, com

características próximas do webjornalismo, evidenciando

níveis diferentes de usos dos recursos disponíveis

para smartphone, porém apenas algumas possibilidades

do suporte são adotadas.

Quer saber mais sobre o artigo?

Acesse o texto com as referências bibliográficas

40

41



UMA VIAGEM

pela galáxia de Gutenberg

Tem gente que passa pela infância, adolescência,

juventude, enfim, a vida toda se perguntando

por que as coisas são como são. Alguns estudam,

investigam, e vivem encontrando novas perguntas

em cada resposta. É o pessoal que quer saber, não importa

o quê. Uns permanecem simplesmente fofoqueiros,

outros viram jornalistas e alguns... pesquisadores.

Pessoas que um dia se tornam artigos, reportagens, entrevistas

ou livros. Um caminho que leva tempo, porque

imprimir a alma em letras, entrar na na galáxia

de Gutenberg, não é fácil. É como se o autor pegasse o

leitor pelas mãos e caminhasse por um caminho feito

por palavras, frases... que só ele vê, guiado pelo desejo

de mostrar o valor de algo ainda desconhecido.

Os astronautas da galáxia de Gutenberg escrevem

como quem envia uma carta para destinatários

desconhecidos, talvez lida em outras cidades, estados,

países ou até mesmo depois de décadas. O estilo do texto

é como a impressão digital do autor, cristalizando o

tempo que se levou na escolha de cada palavra, apurando

os dados, relacionando-os com os fatos. Todo este

42



ENTREVISTA

processo é um esforço de quem tenta vencer a morte,

uma viagem através do tempo pelo mundo das ideias.

Uma carta do passado para um presente que pode se

tornar realidade.

Por meio do Jornalismo, estas cartas podem

ser provocadas. Como? É muito mais simples explicar

algo conversando. Por isso, as entrevistas abrem a possibilidade

de sintetizar, por meio das palavras do entrevistado,

sua gesticulação e expressão facial, o que nem

sempre é possível compreender apenas pelo texto. Isso

é importante quando se pretende mostrar ao público

mais do que as palavras podem expressar, principalmente

quando os temas envolvem a divulgação da Ciência

no Brasil.

Antes da pandemia, nosso país tropical tinha

213 milhões de habitantes, sendo que 56,4 milhões frequentavam

escola ou creche. Neste contexto, 17,4% da

população tinha o ensino superior completo, de acordo

com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

(PNAD), divulgada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o Ministério

da Educação (MEC), “o Brasil tem 122.295 estudantes

de pós-graduação, dos quais 76.323 são de mestrado

acadêmico, 4.008 de mestrado profissional e 41.964 de

44

doutorado”. Estes dados demonstram como o acesso à

Educação não abrange toda a população, realçando a

trajetória incomum de uma mulher: aluna do ensino

público, na periferia de Maringá, Paraná, trabalhou no

Japão para, após retornar ao Brasil, pagar sua graduação

em Jornalismo. Formada em escolas públicas, graduada

e pós-graduada em instituições privadas.

Trata-se da pessoa mais ocupada que conheço.

Tanto que a entrevista teve que ser desmarcada algumas

vezes, sendo finalmente realizada via Google Meet, em

uma tarde de sábado, quase no limite para publicação.

Esta pessoa se chama Alexandra Fante Nishiyama, jornalista

e professora universitária. Embora seja a autora

do artigo Arquiteturas da notícia em apps jornalísticos,

as perguntas que se seguem visam entrevistar, também,

a menina que nasceu no noroeste do Paraná, e que, em

suas palavras, “tinha apenas a esperança de conseguir

um emprego digno”. Será que os sonhos nascidos antes

da graduação em Jornalismo ainda permanecem vivos

na pós-doutora em Comunicação?

Fernando Ringel: Para quem quer quer fazer graduação,

e vai conhecer a sua história nesta entrevista,

vamos disponibilizar o link da sua tese de doutorado.

45

Confere lá

na coluna

Extra!

Página 69



ENTREVISTA

concentrada... eu ia muito à biblioteca pública folhear

livro. Era muito bom. Não podia trazer amigos em casa,

então eu ia muito na casa de amigos estudar. Ao mesmo

tempo, isso foi me dando muito prazer, sabe? [...] Eu

sabia que eu queria ser jornalista, desde cedo. Sabia que

era a minha única opção de mudar de vida que, a partir

do momento em que eu fizesse uma graduação, eu ia sa-

Reticências

entre

chaves

significa que

um trecho

da fala foi

suprimido,

para que a

entrevista

não ficasse

muito longa.

Porém,

essas

falas estão

completas

no canal da

Revista Boa

Notícia no

Spotify.

Ouça, curta

e compartilhe!

Na sua epígrafe, você cita uma letra do Renato Russo.

Para você, “quem acredita sempre alcança”?

Alexandra Fante: Sim. A vida não é fácil, é uma luta, então

com as pedras do caminho eu construí um castelo.

Naquela época, o valor da mensalidade da universidade

era mais do que eu ganhava então eu não tinha qualquer

condição. [...] Aí eu fui para o Japão, trabalhei lá e

fiz o meu dinheiro para pagar o curso. Voltei e no vestibular

seguinte eu estava matriculada, já em sala de aula.

Sempre existe uma forma. Acho que é determinação e

resiliência. Nunca desistir e buscar caminhos alternativos.

Eu sabia que seria jornalista, não sabia como nem

quando, mas sabia que seria.

FR: Como nasceu essa visão de que o estudo ia mudar

a sua história?

AF: A única possibilidade de mudar a minha história

era pelo estudo. Eu não tinha qualquer possibilidade de

mudar de vida, por mais que eu trabalhasse em empregos

em que eu estava crescendo, que era legal, né? Eu fui

empacotadeira de loja, eu limpei a casa dos outros, fui

babá, trabalhei como balconista em loja de fotografia...

Eu sabia que aquilo era digno, mas não era onde eu queria

estar. Então, por onde eu passei, eu tentava aprender

46

o máximo que podia. Eu falo com muito carinho do

tempo em que eu era empacotadeira. [...] Na empresa

que vendia filme, que fazia revelação de foto, também

aprendi muito sobre câmera, flash, gostei muito. Então,

todos esses aprendizados me levaram para lugares

de conhecimento, mas não era o suficiente. Meu coração

não estava feliz, eu sabia que não era aquilo que eu

queria. Eu sabia que só a educação poderia me tirar da

condição que eu vivia com a minha

família. Meus pais se separaram, eu

era muito bebê ainda. Depois minha

mãe se casou de novo, teve mais dois

filhos. Eu tenho um histórico de violência

doméstica dentro de casa, então

talvez o estudo tenho sido o meu

refúgio. Eu estudava muito porque

eu estava ali em um mundo fechado,

47

Eu falo com

muito carinho

do tempo em

que eu era

empacotadeira



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

Se você

concorda com

a professora

Alexandra, leia

O Narrador,

escrito por

Walter Benjamin.

Muito

interessante!

ber mais. Então, conhecer as coisas me atrai muito. [...]

FR: Existe todo um universo para quem estuda se especializar.

Você poderia ter partido para outras áreas,

por que o Jornalismo?

AF: Em casa, a minha mãe sempre cultivou essa questão

de a gente assistir o jornal. Na hora do almoço, a

gente estava chegando da escola, ela estava fazendo

comida e a televisão ficava em volume mais alto. E a

minha mãe ouvia muito esse jornalismo na hora do almoço.

[...] Então eu gostava muito, mas o que me fascinava

no jornalismo era receber informação. Como

aquele texto era bem falado, como ele era bem escrito,

como era a estrutura porque se contava uma história.

Eu receber, por meio da televisão, histórias que não ia

poder conhecer pelas pessoas que estavam ao meu redor,

ou conhecer países, culturas que talvez eu nunca

fosse acessar de uma outra forma que não fosse pela

TV. [...] Eu gosto muito disso, desse

48

jornalismo como uma janela

para o mundo.

FR: Você teve essa percepção logo de início, então?

AF: Sim, decidi que eu queria ser jornalista com sete

anos. [...] Eu comecei a minha faculdade muito tarde,

aos 25 anos. Foi o tempo de trabalhar, fui para o Japão,

voltei, um tempo bem tardio. Mas o meu certificado de

láurea está aqui atrás, no escritório, da faculdade de jornalismo.

Me orgulho bastante.

FR: De tudo o que você pensava ser a vida do jornalista,

quanto dessa expectativa se realizou quando você

se tornou assessora parlamentar?

AF: O jornalista tem a possibilidade de ter uma visão

muito próxima dos acontecimentos, de entender, ter

acesso à informações que nem toda a população tem.

E isso eu tive uma experiência muito forte quando eu

estava assessora na Câmara dos Deputados, de acompanhar

as sessões, votações, analisar as documentações.

A gente tem essa proximidade de saber o que acontece.

Você está muito perto da informação para poder entendê-la.

Isso me fascina muito no jornalismo, ao mesmo

tempo em que você aprende muita coisa. A Câmara dos

Deputados foi uma pós-graduação para mim. Nos quase

sete anos em que eu estive em Brasília... poxa, política!

Isso me fascina muito no jornalismo! Dentro da

49



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

faculdade, eu falava: “olha, não vai ser possível, mas um

dia eu queria trabalhar com política”. Mas era um sonho

guardadinho, né? Nunca trabalhei para que isso acontecesse...

Aconteceu! Eu fui convidada a ser assessora em

Brasília, então foi uma surpresa, um presentão de vida,

que me trouxe muito conhecimento. O Jornalismo te

leva para lugares obscuros, porque a política tem seus

lugares obscuros, mas ele te traz a luz de muitos conhecimentos.

Então essa proximidade com a informação,

com a fonte, é o que me fascina no Jornalismo.

FR: Sobre a divulgação de conhecimento por meio

do Jornalismo, veículos como a Revista Veja e a Folha

de S. Paulo liberam a totalidade de seus arquivos

digitalizados apenas para assinantes. São exemplos

de como a memória disponibilizada via internet se

tornou também um argumento para ampliação do

público. Entretanto, no que diz respeito à produção

da notícia, seu artigo aponta que, “da amostra, 4%

referem-se à informação publicada em formato de

nota, sem nenhuma menção de resgate de memórias

ou orientando o indivíduo sobre o tema – casos verificados

no O Globo e Estadão. O conteúdo do Observador

se destaca entre todos, publicando em 36% das

50

matérias, a memória por meio de hipertextos” (2018,

p. 4). Na atualidade, qual é o papel memória no produto

jornalístico?

AF: Quando a gente está no jornalismo impresso, a

memória está no resgate do texto, quando o jornalista

resgata o acontecimento e atualiza o leitor. Como isso

muda no dispositivo móvel, diante desse jornalismo

móvel? A memória vai estar por hyperlinks, aquele textinho

grifado, que te leva para outros lugares. Ele pode

te levar para uma matéria datada anteriormente, no início

do acontecimento, pode te levar para um documento,

um vídeo, uma galeria de fotos. Ele te resgata vários

acontecimentos sem citar no texto. Isso é memória, que

também está nos comentários que as pessoas colocam.

No caso do conteúdo do artigo, o Observador é um jornal

português, é o primeiro jornal de Portugal autóctone,

ou seja, ele já nasceu no formato de app. Ele não vem

da TV, ele não vem do rádio, ele não vem do impresso.

Ele nasceu na web, como app. [...] O jornal O Globo,

dentre os seis que eu pesquisei, é o que menos oferece

possibilidade de interação. É o que mais dá o CTRL+C

e CTRL+V do impresso para o digital. [...] Eles não se

preocupam com um jornalismo que seja mais interagente

ou que a pessoa possa personalizar a leitura dele

51

metalinguagem,

sua linda, kkk

memória

aplicativo



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

através do aprofundamento do informações. Eles consideram

o app como “mais um”.

FR: Você define o jornalista como “profissional multiplataforma”,

em que, “[...] os sujeitos, a partir da interação

com a mídia, passam a ter um novo comportamento

de relações sociais, culturais e econômicas”

(2018, p. 2). Neste contexto, você consegue estabelecer

relação entre as suas pesquisas e o que você produz

como jornalista?

AF: Sim, antes a gente tinha o formato do jornalista especialista

em alguma coisa: ou ele escrevia, ou ele fotograva,

ou ele editava, ou ele gravava ou ele diagramava. É

uma discussão que vai envolver sindicatos, outras abordagens,

mas hoje o jornalista precisa saber um pouco

de tudo. E isso é principalmente por causa disso aqui

(mostra o celular). [...] E aí você fala, “poxa, mas será

que eu vou fazer tudo bem feito?” Tem uma coisa, duas,

que você vai fazer muito melhor, mas é necessário nesse

mundo de hoje, a gente precisa entender um pouco

mais. Vejo alguns jornalistas um pouco mais velhos que

se recusam a aprender. Não gostam de toda essa tecnologia.

Muito medo de aprender coisas novas. E aprender

dói! Aprender tira a gente de um lugar cômodo. [...]

52

Sabe aqueles seletores de TV antiga, que a gente mudava

o botãozinho? Eu acho que é meio isso, sabe? A gente

tem que fazer várias coisas, ir mudando o

olhar e o botãozinho para acompanhar.

Sim, o jornalista hoje tem que

ser multifuncional, saber

fazer várias coisas, operar

vários equipamentos,

porque a tendência é

realmente essa.

53



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

personalização

e push

news

Não é um

Doritos, é

a pirâmide

deitada

feliz, kkk

FR: Para definir o conceito de personalização, você

usa a seguinte citação: “o futuro da oferta de informação

irá diferenciar-se entre a comunicação para

muitos, para poucos ou apenas para um leitor” (LO-

RENZ, 2014, p. 137). Como você explica essa perspectiva

no mercado profissional de Comunicação atual?

AF: Tem vários vieses quando a gente fala personalização.

Vamos falar a partir do interagente, de quem

consome, de quem recebe a notícia. A personalização

começa quando você consegue aumentar o tamanho da

fonte no aplicativo, mudar as cores, salvar as editorias

para receber as push news, que são os alertas que aparecem

na tela. Então fica mais próximo o jornalismo de

você. [...] Quando a gente fala ainda do interagente com

relação à notícia, é a personalização da leitura. Com os

hyperlinks, o público vai definir os caminhos em que vai

buscar conhecimento. É por isso que se tem a pirâmide

deitada, proposta pelo Canavilhas, por níveis. A gente

sai só daquele formatinho lead e vai buscando mais

Como, Onde, Por que, né? Então o leitor define. Se eu

quero saber mais, vou clicando e aprofundando. É muito

provável que a minha busca por notícia seja muito

54

diferente da sua, mesmo que a gente tenha como princípio

sair da mesma notícia, porque a gente vai buscando

contextos diferentes que vão nos interessando mais.

Isso ainda não é possível na TV, no rádio e no impresso,

mas a internet permite que a gente tenha essa personalização.

FR: Você afirma que, “as análises

acerca da personalização começam

pela verificação da possibilidade de

identificação automática de geolocalização

do interagente pelo app”

(2018, p. 16). Em termos de mercado,

a personalização não fica restrita

apenas ao processo de produção

da notícia, mas trata-se também de

uma alternativa para aumentar o

número de leitores e potenciais assinantes?

AF: Quando eu comecei a estudar,

precisei entender também um pouco

dos apps que tinham cunho comercial

porque quando você acessa um

app de vendas, ele pergunta, a primeira coisa, se você

deixa ele identificar a sua localização. [...] A gente não

tem nenhuma vantagem, falando em Jornalismo, com

55

A gente não

tem nenhuma

vantagem,

falando em

Jornalismo,

com essa

geolocalização.

E poderia ser

perfeitamente

possível porque

mídia locativa

está aí, é atual,

relevante



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

essa geolocalização. E poderia ser perfeitamente possí-

vo, de fac-símile. Tem outros nomes para isso. Mas ba-

vel porque mídia locativa está aí, é atual, relevante. Va-

sicamente é o CTRL + C e CTRL + V e a gente vê muito

mos dizer, estou em Maringá, vou para Florianópolis.

ainda. [...] O termo mais fácil para a gente entender é

Automaticamente, como eu permiti que ele me rastreie,

realmente esse, transpositivo. De transpor de uma mí-

ele vai saber que eu estou em Florianópolis e ele deve-

dia para outra, sem qualquer alteração.

ria me mandar alertas com notícias de Florianópolis ou

A segunda questão que você fala é da tactilida-

daquela região. E não, não é feito, ao contrário dos apps

comerciais que fazem isso a favor deles o tempo todo.

de, a questão do tato mesmo. [...] Depois vem a questão

dos dispositivos móveis, que são só dois: os smartphones

Tactilidade

[...] A gente fala muito em convergência midiática, eu

e os tablets. [...] Esse movimento que eu faço com os

chamo de divergência midiática. É uma divergência,

meus dedos é a tactilidade, o que permite muitas coi-

né? Não atende, a ferramenta está ali, a função está ali,

sas: digitar, pinçar para abrir uma foto, para girar, para

mas o meio de Comunicação ignora essa possibilidade.

fechar. É a interação com os dedos e isso esses disposi-

Então, é um ruído na comunicação mesmo.

tivos móveis trazem como uma grande vantagem para

produzir, providenciar a distribuição do jornalismo e

FR: Na leitura do seu artigo, dois termos me chama-

para também consumir e receber a notícia.

ram a atenção: shovelware e tactilidade. Como você

define os dois?

FR: Existe diferença entre webjornalismo e jornalis-

Shovelware

AF: Shovelware, é do Negredo e do Salaverria, do livro

de 2008, Periodismo Integrado. Eles falam muito disso

que, os meios de Comunicação viam a internet como

“mais um meio”. Ninguém sabia se daria certo, como

fazia. Então eles pegavam o conteúdo do jornal impresso

e colocavam no site, na época. Era um CTRL + C e

mo appficado?

AF: O jornalismo sempre considera a plataforma em

que ele está. Então, do jornalismo de TV a gente tem

o telejornalismo, do rádio o radiojornalismo. Quando

o Canavilhas cunhou o termo webjornalismo, ele falou

isso, “gente, não tem outro nome. Se TV é tele, jornalis-

Um salve

para quem

leu a chamada

na

capa e veio

direto aqui,

haha! : )

CTRL + V [...] que o Canavilhas chama de transpositi-

mo em rádio é radiojornalismo, se está na web é web-

56

57



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

jornalismo”. [...] Só que do webjornalismo, ele foi para

AF: A gente vê isso muito na hipertextualidade, né? Tem

os dispositivos móveis. Então, a gente tem um webjor-

que deixar muito claro para o leitor onde é que estão os

nalismo na web, só que quando ele vai para os disposi-

links dele, onde ele vai avançar na leitura e se aprofun-

jornalismo

appficado

tivos móveis ele tem a tactilidade. É algo maior do que

só na tela do computador. Então ele precisa ser chamado

de outro nome, que é o jornalismo móvel, certo? O

jornalismo móvel, hoje, ele abriga esse jornalismo que

estava na web e mais os aplicativos. Quando eu falo em

jornalismo appficado, é o jornalismo que nasce, que é

feito para o aplicativo. É o caso do Observador, o jornal

português. Então ele é diferenciado porque tem características

que ele usa o hardware, que é o nosso smartphone,

e um software diferente. Dos que eu pesquisei, é

dar. É aquela questão da personalização. Fora isso, tem

algumas palavras que são colocadas, tenho visto alguns

textos de jornalismo, dentro da própria matéria, com

hashtags. Alguns usam de forma mais tímida, mas é realmente

como uma forma de destaque.

FR: De acordo com os resultados da sua pesquisa, no

período de 2013 a 2017, “entre os apps observados, a

Folha apresentou a maior porcentagem de conteúdo

no formato da pirâmide deitada, sendo de 71%. Já a

Os

trechos

grifados

em amarelo,

além

do uso de

texto com

e sem negrito,

são

ancestrais

analógicos

do que

hoje é o

scanning

o mais evoluído, que dá mais possibilidades de intera-

plataforma do O Globo adotou 100% do conteúdo em

ção através do smartphone. Por isso, jornalismo appfi-

forma da pirâmide invertida, ou seja, sem qualquer

cado, então é um jornalismo que está dentro dos apps.

hipertextualidade” (2018, p. 10). Sua pesquisa foi pu-

Ele é estudado especificamente neste ambiente.

blicada em 2018. Em 2021, o contexto observado ainda

é assim?

FR: Tendo em vista a instantaneidade “[...] constata-

AF: Tem muitas mudanças já, principalmente pelo for-

da no app ao oferecer a possibilidade de recebimento

mato porque o app pressupõe que o interagente baixe,

de notificações pela tecnologia push news” (2018, p

faça o download do software, e isso vai ocupar espaço

14), você cita o scanning, técnica popular em termos

no celular dele. [...] Então surgiu uma nova tecnologia

de escrita para blogs. Qual é a utilidade do scanning

que é o web app. Na época em que eu fiz as observações

na redação jornalística?

não tinha. Isso surgiu um ano e meio depois, mais ou

58

59



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

DICA:

Na coluna

Extra

tem mais

conteúdo

sobre o

Mcluhan

menos. Então, há muita diferença, hoje, em pouco tempo,

daquilo que eu observei e do que está. [...] É muito

rápido. Tem uma teoria que se chama Midiamorfose,

do Roger Fidler, e ele fala que a midiamorfose explica

a metamorfose das mídias, do conteúdo, do papel

do jornalista, das plataformas de tecnologia. Ele falava

que o Jornalismo seria como super autopistas, muito

velozes, muito rápidas com relação à informação. E ele

previu isso com 20 anos de antecedência. Então muitas

coisas do que ele fala fazem muito sentido. Tem caras

que parecem que pegam uma máquina do tempo, tipo o

Mcluhan: vem aqui, dá uma olhadinha, entende e volta

lá para escrever o livro. Mcluhan escreveu em 1964 um

livro falando que a tecnologia é uma extensão do corpo

humano. E é muito do que a gente vê hoje. [...]

Eu acho que, de todas as características que a

gente puxa do appjornalismo, muito bem apontadas

pelo Canavilhas, que são sete no total, acho que a interatividade

é a que anda com menos velocidade. Até por

conta dos meios de Comunicação não quererem

abrir mão do poder

que eles têm. Então

ela é um pouco

mais cerceada.

60

FR: Nas considerações finais, você descreve que “[...]

a adoção da multimidialidade, que deveria agregar o

uso de outros meios ao texto, é baixa. Fator que pode

ser resultado pela falta de jornalistas que dominem

diversas funções, redução de custos ou ainda, ser

opção da empresa a publicação imediata da notícia,

reduzindo o tempo de produção” (2018, p. 14). Você

pretende investigar essa hipótese em novas pesquisas?

AF: A minha pesquisa tem 333 páginas, e eu entreguei

sem estar feliz com ela porque tinha tanta coisa mais

para discutir, né? Não dava mais tempo, já estava um

trabalho muito grande, então eu deixei para um outro

momento. Aí, algumas dessas hipóteses eu trouxe para

o pós-doutorado, então hoje eu investigo essa questão

de tecnologia e jornalismo em três abordagens. Primeiro,

“o que os nossos professores ensinam?” [...]. A

segunda abordagem é, “os nossos

alunos aprenderam ou

61



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

Entre os

assuntos

abordados

nessa

resposta,

está o jornalismo

no

Tik Tok.

Confere

no podcast

da Revista

Boa Notícia,

no

Spotify.

aprendem isso?” [...] Fora essas duas vertentes, eu tenho

a do jornalista que já está no mercado de trabalho,

então: “quantos anos ele tem de experiência?”, Neste

caso, pretende-se descobrir se ele sabe fazer o jornalismo

multimídia, se ele consegue produzir sozinho...

Então, entender essas três nuances, é o objeto do meu

pós-doutorado. [...]

FR: Falando em planos futuros, chegamos à última

pergunta desta entrevista. Isso me lembra do antigo

programa Provocações, criado e apresentado por Antonio

Abujamra, na TV Cultura. A última pergunta

dele era sempre, “o que é a vida?”. O entrevistado respondia

e, assim que terminava, Abujamra perguntava

novamente: “o que é a vida?”. Como quem diz,

“agora seja sincero”. Sendo assim, um dia você quis

ser jornalista e se tornou. Depois quis ser professora

e passou a ser. Hoje é mestre, doutora e pós-doutora

em Comunicação. Tem alguma pergunta que eu não

fiz e que você gostaria de responder?

AF: Essa pergunta que você falou, “o que é a vida?”, automaticamente

me veio à cabeça “aprendizado”. Viver é

aprender. A vida só vai fazer sentido se a gente aprende.

É apaixonante você conhecer histórias, aprender coisas,

62

saber informações. [...] E a pergunta é: “valeu a pena?”,

porque todo mundo tem as suas histórias, os seus desafios,

os seus medos, as suas metas. Mas você tem que

estar em primeiro lugar. É você, se respeitar, entender,

fazer aquilo que você ama, né? Eu acho que é isso.

Eu lembro do meu avô, que morreu com 80

anos. Ele falava que queria viver muito e que não tinha

vivido nada. Ele tinha 80 anos e eu tinha 20. Ele tinha

uma vontade de viver muito grande e a vida era muito

curta. Eu pensava, “nossa, mas 80 anos, né?”. Eu era

uma menina de 20 e não entendia a magnitude do que

ele falava. Hoje estou com 40 e entendo. A vida é muito

rápida, então a gente tem que fazer as coisas que a gente

é apaixonado. Tem aquela fala, “faça o que você ama e

você nunca vai precisar trabalhar”. Você vai trabalhar,

sim. Você vai precisar trabalhar muito! Tem dias em

que você vai estar cansada, tem dias em que você vai

querer fazer outra coisa, e você ama o que faz, mas tem

dias em que você não vai querer. Então são metas, são

determinações que você põe pra vida, buscar fazer o seu

melhor. Mas primeiro é com você mesmo. Escolhas, eu

acho. Nem tudo vale a pena na vida, a gente não tem

que se sujeitar a tudo, mas a gente tem que viver o melhor

possível. Eu acho que é isso.

63



ENTREVISTA EXTRA: os bastidores da edição

FR: Encerrada a chamada no Google Meet, salvo o arquivo,

penso na pesquisa que embasou a entrevista e

lembro de um trecho do artigo publicado pela professora

Alexandra: “na produção jornalística, a memória

hospedada nos bancos de dados do ciberespaço,

permite ao profissional ir além da sua recordação

e das informações disponíveis [...], criando uma

continuidade de múltiplos fluxos” (FANTE, 2018,

p. 4). Por isso, esta entrevista, por isso o artigo, por

isso os livros. São cartas do passado para o futuro.

Que estas palavras frutifiquem em você, leitor.

Quer ouvir a entrevista completa?

Confira em nosso canal no Spotify

25/09/2021

“Navegando pelo

mundo das ideias, de sonho

em sonho, na galáxia de

Gutenbeg”

64

65



EXTRA: os bastidores da edição

Talvez o primeiro “pesquisador pop”, Marshall

Mcluhan foi a principal influência

no título da entrevista, “Uma viagem pela galáxia

de Gutenberg”, referência ao livro de sua

autoria, A Galáxia de Gutenberg. Além de

Os Meios de Comunicação como Extensões

do Homem, citado pela entrevistada, o projeto

gráfico de Os meios são as Mensagens,

desenvolvido em parceria com o designer

Quentin Fiore, foi uma influência fundamental

para a diagramação da Revista Boa

Notícia.

O

s meios são a Mensagem ainda virou

documentário e vinil, explorando

as características de cada mídia.

Enquanto isso, Mcluhan dava aulas, palestras

e fazia participação em TV, rádio e

cinema, como no filme Noivo Neurótico,

Noiva Nervosa, de Woody Allen. Tudo,

décadas antes do Henry Jenkins

escrever Cultura da Convergência,

heim?

Falando em pesquisadores influentes, a redacão da

revista foi desenvolvida de acordo com a

pirâmide deitada, de João Canavilhas.

Em Notícia De Boa, por exemplo,

o primeiro parágrafo responde

as perguntas Quando,

Quem e Onde. O segundo

parágrafo, Por quê e Como, para no final

do texto, contextualizar o assunto, aprofundando

o tema por meio de links externos.

Famosa por polêmicas e pelos perfis que escrevia

nas aberturas de suas entrevistas, o diálogo entre a

jornalista Oriana Fallaci e Dom Helder Câmara foi fundamental

para a definição da abordagem desenvolvida

com a professora Alexandra Fante. Para quem quiser

conferir, está tudo em A Arte da Entrevista, livro organizado

por Fábio Altman, da revista Veja. Recomenda-

-se também Entrevista con la Historia, coletânea com

os melhores trabalhos de Oriana, entre as quais, o

memorável texto de abertura sobre seu encontro

com Golda Meier. Para os amantes do cinema, a

cinebiografia da jornalista está no Amazon Prime.

66

67



EXTRA: os bastidores da edição

68

Jornalismo Interpretativo, de Luiz Beltrão, Universidade

e Comunicação na Edificação da Sociedade,

escrito por Margarida Kunsch, e Jornalismo Científico:

Teoria e Prática, organizado

por José Marques

de Melo, são as principais

referências teóricas da Revista

Boa Notícia. Esta última

obra foi escrita em

coautoria com José Hamilton

Ribeiro, que há décadas

está no Globo Rural. Aquele

mesmo da fatídica reportagem

no Vietnã, que lhe custou uma perna, enquanto

atuava pela revista Realidade.

Além da edição de maio de 1968, de Realidade, a

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional tem a

maior parte do acervo de publicações históricas como

O Pasquim, Cadernos de Jornalismo e Comunicação,

além de revistas como Manchete e Careta. Por falar na

Careta, o semanário contava com as ilustrações incríveis

de J. Carlos. Vale demais o clique!

Promessa é dívida: a primeira pergunta da entrevista

cita a epígrafe da tese defendida pela professora Alexandra

Fante. É só clicar e conferir.

Ainda sobre a entrevista, além do aplicativo, o jornal

Observador, de Portugal, tem uma rádio que

pode ser ouvida por meio de seu site. Com música

e notícia, trata-se de uma ótima opção para quem

está enjoado de CBN, Bandnews ou Jovem Pan.

Para explicar o termo tactilidade, a professora

Alexandra Fante segurou seu celular, com

uma capa que simula o Game Boy. Embora tenha sido

uma coincidência, em videogames

portáteis, como

Game Gear e Atari Lynx,

já estava a interação por

meio dos dedos, como nos

smartphones atuais. Para

quem quiser ter um gostinho

de como era, é possível

rodar os jogos no celular

e computador. Bora?

69



EXTRA: os bastidores + - da edição

CONSIDERAÇÕES OU FINAIS: A CRIAÇÃO

Jornalista não é notícia. Acho que foi o Alberto Dines

quem cunhou a frase, mas pelo que me lembro, passei

a conhecê-la em um almoço qualquer, ouvindo o

Carlos Alberto Sardenberg, no CBN Brasil. Por isso, não

tem foto ou ilustração sobre mim, só de minha autoria.

Como responsável pela revista, minha opinião se restringe

aos critérios de noticiabilidade e hierarquização do

conteúdo, nas mídias selecionadas para contato e veiculação:

e-mail, blog, grupo de WhatsApp, Issuu e Spotify.

Então...

continua na última página

70

71



... A GENTE

SE ENCONTRA

NAS QUEBRADAS

DA INTERNET, BLZ?

NO CRUZAMENTO

ENTRE A

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

COM O JORNALISMO,

ESQUINA COM A

CULTURA GEEK.

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