15.12.2022 Views

Nome-de-Guerra - Almada Negreiros

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

descontando, é claro, o autor e a circunstância de ter gozado esta vista apenas

uma vez.

No cais as pessoas são bem as das respetivas casas. A aglomeração de gente

é como a do casario. Um mercado justifica aquela frequência. Além disto, a

carga e a descarga das fragatas ocupa uma quantidade imensa de mulheres e de

homens, mas sobretudo mulheres. É uma raça diferente da do mercado.

Poucas vezes me foi dado compreender melhor o que significam aquelas

palavras: ganhar o pão de cada dia, do que ao ver essas mulheres que iam e

vinham sobre duas grossas e compridas pranchas de madeira lançadas desde a

borda da fragata até ao cais, numa distância parecida com uns dez metros. O

equilíbrio dessas mulheres não tinha uma hesitação à altura de três homens da

água, e em menos de três palmos de largura durante os dez metros.

Acrescente-se a isto que levavam à cabeça as canastras, umas vezes vazias e

outras vezes cheias até acima, em pirâmide, conforme iam ou vinham da

fragata. Daquela vez não me lembro que descarregavam; apetecia-me que

fossem laranjas, mas não insisto com a memória; tenho, contudo, ainda na

mente a maneira rápida como davam conta daquele serviço, conservando

sempre um tempo ginástico, e não digo militar, porque, além dos gestos

sóbrios e simplificados, corrigidos para o próprio trabalho repetido em que

andavam, havia também uma beleza de linhas e de formas à qual não era

estranha a sua natureza feminina. O gesto de abaixarem-se para acertar a

cabeça ao meio da canastra carregada, a marcha sobre a prancha com o peso

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!