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Bancos de Terras - Verbo Jurídico

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Parecer sobre os vários projetos apresentados na Assembleia da<br />

República subordinados à questão dos <strong>Bancos</strong> <strong>de</strong> <strong>Terras</strong><br />

Através <strong>de</strong> vários projetos-lei (PL), os partidos subscritores dos<br />

mesmos e o governo visam a criação <strong>de</strong> bancos ou bolsas (a terminologia<br />

varia) <strong>de</strong> prédios rústicos que reúnam boas condições para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s agrícolas ou florestais com o objetivo <strong>de</strong><br />

dinamizar o arrendamento rural (art. 1º e 3º do PL do PSD e exposição <strong>de</strong><br />

motivos do Projeto <strong>de</strong> Resolução do CDS); facilitar o acesso à terra através<br />

do seu arrendamento rural, venda ou outro tipo <strong>de</strong> cedência (art. 3º d a<br />

proposta do governo); promover o arrendamento rural, tendo em vista o<br />

redimensionamento das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção, melhorando as suas<br />

condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho técnico e económico <strong>de</strong> prédios rústicos e a parte<br />

rústica <strong>de</strong> prédios mistos com boas condições para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

ativida<strong>de</strong> agrícola e florestal (art. 1º e 2º do PL do BE), e <strong>de</strong> criar melhores<br />

condições técnicas e económicas para o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s<br />

agrícolas e florestais através da intervenção na configuração, dimensão,<br />

qualificação e utilização produtiva dos prédios rústicos (art. 1º do PL do<br />

PS).<br />

Os terrenos passíveis <strong>de</strong> integrar esses bancos <strong>de</strong> terras seriam todas<br />

as que hoje integram o domínio público ou privado do Estado e das<br />

autarquias, com exceção dos baldios e das matas estatais, mais as que<br />

viessem a ser integradas voluntariamente pelos seus proprietários (art. 7º do<br />

PL do PSD e art. 4º do PL do BE); todos os prédios rústicos, mistos e os<br />

baldios (art. 2º da proposta do Governo); os terrenos ou prédios que foram<br />

adquiridos em anteriores medidas <strong>de</strong> emparcelamento, adquiridos no<br />

quadro <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> emparcelamento integral, consi<strong>de</strong>rados sem dono, e<br />

os prédios rústicos integrantes do património do estado, com exceção das<br />

matas públicas e aquelas com aptidão agrícola ou florestal que sejam objeto<br />

<strong>de</strong> afetação ao banco <strong>de</strong> terras por acordo celebrado entre os proprietários e<br />

a entida<strong>de</strong> gestora, i<strong>de</strong>ntificadas em situação <strong>de</strong> abandono, mas com dono<br />

conhecido (art. 50º e 51º do PL do PS).<br />

A gestão <strong>de</strong>sses bancos <strong>de</strong> terras ficaria a cargo <strong>de</strong> Associações<br />

Gestoras (associações <strong>de</strong> agricultores e/ou municípios e juntas <strong>de</strong> freguesia<br />

a nível das comunida<strong>de</strong>s intermunicipais), apoiadas por comissões técnicas<br />

(art. 4º do PL do PSD); Ministério da Agricultura e do Mar…. (art. 4º da<br />

proposta do Governo, art. 3º do PL do BE ); organismo da administração<br />

pública (art. 53º do PL do PS), a quem competiria promover o<br />

arrendamento <strong>de</strong> prédios rústicos ali incorporados, transmitir aos serviços<br />

<strong>de</strong> finanças a listagem dos prédios <strong>de</strong>clarados abandonados e dirimir<br />

conflitos entre intervenientes do contrato <strong>de</strong> arrendamento rural da Bolsa<br />

<strong>de</strong> <strong>Terras</strong> (art. 5º do PL do PSD); celebrar, em nome do Estado, contratos<br />

que tenham por objeto a cedência a terceiros <strong>de</strong> terras disponibilizadas, a


celebração com os proprietários dos contratos para a cedência <strong>de</strong> terras para<br />

o banco, a divulgação da informação respeitante à disponibilida<strong>de</strong> das<br />

terras e o auxílio na celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> cedência <strong>de</strong> terras (art. 4º,<br />

9º e 10º da proposta do Governo); celebrar contratos com as entida<strong>de</strong>s a<br />

quem os prédios estejam afetos para ali os integrar (art. 4º do PL do BE);<br />

manter, administrar, arrendar, ven<strong>de</strong>r e permutar terrenos integrantes do<br />

banco <strong>de</strong> terras (art. 53º do PL do PS).<br />

Relativamente às proprieda<strong>de</strong>s que se viesse a verificar estarem<br />

“abandonadas”, ficariam os seus proprietários sujeitos ao agravamento<br />

tributário em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> IMI (art. 8º do PL do PSD e 6º do PL do BE) ou os<br />

proprietários privados que voluntariamente integrassem os seus prédios no<br />

banco teriam benefícios fiscais nessa mesma se<strong>de</strong> <strong>de</strong> tributação ( proposta<br />

do Governo).<br />

Transversalmente a todos os projetos correm os conceitos <strong>de</strong><br />

“terrenos abandonados” e <strong>de</strong> “terrenos sem dono”. Sendo que, para o PL do<br />

PSD e para o PL do PS, “terrenos abandonados” serão os prédios rústicos<br />

com aptidão agrícola ou florestal que se encontrem incultos sem motivo<br />

justificado, ou que, não sendo objeto <strong>de</strong> qualquer intervenção <strong>de</strong> gestão ou<br />

manutenção, são, por esse motivo, suscetíveis <strong>de</strong> causar prejuízo (art. 9º e<br />

art. 52º do PL do PS). “Terrenos sem dono” serão aqueles que, durante a<br />

tramitação do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> abandono, se viesse a evi<strong>de</strong>nciar<br />

inexistir proprietário conhecido (art. 12º do PL do PSD). Já para a proposta<br />

do Governo consi<strong>de</strong>ram-se abandonadas as terras que, não estando a ser<br />

utilizadas para fins agrícolas, florestais ou silvo pastoris e não tenham dono<br />

conhecido, sejam reconhecidas enquanto tais (art. 8º). Para o PL do BE<br />

compete à Direção Regional da Agricultura (DRA), em colaboração com os<br />

municípios, as associações <strong>de</strong> agricultores e os serviços <strong>de</strong> finanças,<br />

proce<strong>de</strong>r ao recenseamento <strong>de</strong> todos os terrenos com aptidão agrícola, em<br />

situação <strong>de</strong> abandono, a partir da observância da ausência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

agrícola, florestal ou pecuária por <strong>de</strong>terminado período <strong>de</strong> tempo a regular<br />

pelo Governo, com exclusão dos prédios mistos cuja parte rústica seja<br />

inferior a 0,2ha (art.7º).<br />

A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> terreno abandonado e sem dono pela entida<strong>de</strong><br />

gestora leva a que esta informe a entida<strong>de</strong> responsável pela atualização do<br />

cadastro predial, com vista a, <strong>de</strong>corrido o prazo legalmente previsto sem<br />

que seja feita prova da proprieda<strong>de</strong>, seja reconhecido o abandono do prédio<br />

para efeitos do disposto no art. 1345º do Código Civil (CC) ; o<br />

reconhecimento do prédio como abandonado <strong>de</strong>termina a sua<br />

disponibilização na bolsa <strong>de</strong> terras; enquanto não estiver concluído o<br />

processo, o prédio po<strong>de</strong> ser gerido pelo Estado e disponibilizado na bolsa,<br />

não po<strong>de</strong>ndo ser arrendado por mais <strong>de</strong> um ano e só po<strong>de</strong>ndo ser<br />

<strong>de</strong>finitivamente transmitido após 10 anos sobre a data <strong>de</strong> disponibilização<br />

na mesma; <strong>de</strong>monstrado, ao longo do processo quem é o dono do prédio, a


este é restituído o mesmo, não se prejudicando os direitos <strong>de</strong> terceiros <strong>de</strong><br />

boa-fé que se encontrem na sua posse ou <strong>de</strong>tenção; tem o proprietário<br />

direito a receber as rendas e/ou outros proventos auferidos, <strong>de</strong>duzido do<br />

valor das <strong>de</strong>spesas e/ou benfeitorias necessárias; havendo contrato <strong>de</strong><br />

arrendamento o proprietário assume a posição <strong>de</strong> locador não po<strong>de</strong>ndo esse<br />

contrato ser unilateralmente extinto (art. 8º e 13º da proposta do Governo).<br />

Já os terrenos que vierem a ser <strong>de</strong>clarados abandonados, mas com dono<br />

conhecido, serão afetos ao banco <strong>de</strong> terras (art. 51º do PL do PS).<br />

A preferência no arrendamento ou na venda está prevista nos<br />

aludidos projetos: contiguida<strong>de</strong> em 1º lugar e ser-se jovem agricultor, em 2º<br />

lugar, pessoas singulares ou coletivas com ativida<strong>de</strong> agrícola, em 3º lugar e<br />

cooperativas <strong>de</strong> produção agrícola (art. 15º do PL do PSD); jovens<br />

agricultores em 1º lugar, membros <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> produtores,<br />

cooperativas, socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agricultura <strong>de</strong> grupo ou agrupamentos<br />

complementares <strong>de</strong> exploração agrícola, em 2º lugar e confinantes<br />

proprietários ou exploradores <strong>de</strong> terras, em 3º lugar (art. 11º do PL do<br />

Governo, apenas para a cedência <strong>de</strong> terras do Estado); arrendatário do<br />

Estado relativamente ao prédio arrendado, em 1º lugar, proprietários <strong>de</strong><br />

prédios contíguos, em 2º lugar, jovens agricultores, em 3º lugar, outros<br />

agricultores em 4º lugar e outras entida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>monstrem interesse<br />

justificado e consistente com o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável dos territórios<br />

rurais, em 5º lugar (art. 55º do PL do PS); contiguida<strong>de</strong> em 1º lugar, jovens<br />

agricultores em 2º lugar, pequenos agricultores em 3º lugar, cooperativas<br />

<strong>de</strong> produção agrícola em 4º lugar e candidatos não proprietários <strong>de</strong> outras<br />

terras que queiram iniciar a ativida<strong>de</strong> agrícola e instalar-se como<br />

agricultores a tempo inteiro, em 5º lugar (art. 12º do PL do BE).<br />

Feito este breve resumo, importa fazer uma primeira análise.<br />

Para quem como nós os leu com algum cuidado (não todo por<br />

manifesta falta <strong>de</strong> tempo), uma conclusão imediata se retira: a <strong>de</strong> que com<br />

eles se preten<strong>de</strong> aproximar duas realida<strong>de</strong>s aparentemente conciliáveis que<br />

hoje se vivem em Portugal. Por um lado, a existência <strong>de</strong> terras que não se<br />

encontram a ser utilizadas e, por outro, a existência, fruto <strong>de</strong> uma taxa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>semprego que, sendo perigosamente alta, teima em não <strong>de</strong>scer <strong>de</strong> um<br />

verda<strong>de</strong>iro exército <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra disponível para alterar essa situação.<br />

Tudo isto, tendo em vista reduzir a <strong>de</strong>pendência agrícola do país e o<br />

<strong>de</strong>semprego através do que hodiernamente se <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />

empreen<strong>de</strong>dorismo agrícola.<br />

Quando cumprimos o serviço militar obrigatório e havíamos <strong>de</strong> fazer<br />

provas <strong>de</strong> orientação, eram-nos dadas cartas militares on<strong>de</strong>, por um lado,<br />

teríamos <strong>de</strong> nos localizar e, por outro, localizar o ponto para on<strong>de</strong> nos<br />

<strong>de</strong>veríamos dirigir. Ao <strong>de</strong>finir esse trajeto era-nos permanentemente<br />

incutido que nem sempre a linha mais reta a unir esses dois pontos (e por


isso a mais curta em termos <strong>de</strong> distância percorrida) seria a mais rápida em<br />

termos <strong>de</strong> distância/tempo. Na verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria haver curvas <strong>de</strong> nível ou<br />

linhas <strong>de</strong> água (por exemplo) que impossibilitassem a progressão.<br />

Faço referência a este facto para caracterizar o trabalho que o<br />

legislador terá tido na abordagem <strong>de</strong>sta questão dos bancos ou bolsas <strong>de</strong><br />

terras: ao constatar a existência das duas realida<strong>de</strong>s acima <strong>de</strong>scritas ( a <strong>de</strong><br />

terras não exploradas e a <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra disponível), não terá cuidado<br />

saber da razão <strong>de</strong> ser das mesmas, pelo que o caminho que escolheu para as<br />

ligar encalhará nessa insuficiência <strong>de</strong> análise.<br />

Há terras que não estão a ser exploradas e há <strong>de</strong>semprego porque não<br />

há economia, <strong>de</strong>signadamente agrícola, em Portugal.<br />

Os proprietários <strong>de</strong> terras ou os <strong>de</strong>sempregados, se a exploração<br />

agrícola fosse minimamente rentável (não estou a falar <strong>de</strong> agricultura <strong>de</strong><br />

lazer, das pequenas hortas citadinas para libertação do stress) obviamente<br />

que explorariam todas as proprieda<strong>de</strong>s rústicas que tivessem aptidão para<br />

tanto. Se o não fazem é porque os proventos que retiram <strong>de</strong>sse trabalho não<br />

compensam as <strong>de</strong>spesas que o mesmo acarreta.<br />

Pelo menos nestes últimos 70/80 anos, Portugal tem vindo a assistir,<br />

quase sistematicamente, a políticas agrícolas que, objetivamente, têm tido<br />

como consequência o abandono das terras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a florestação forçada do<br />

interior do país pelos Serviços Florestais, o que levou ao êxodo dos anos 60<br />

no século passado, à Política Agrícola Comum imposta pela União<br />

Europeia em razão da nossa a<strong>de</strong>são à então <strong>de</strong>nominada CEE, que<br />

financiou o abando das explorações agrícolas. Tudo isto tem contribuído<br />

para o <strong>de</strong>finhar do nosso setor agrícola.<br />

Para além disso, a inexistência <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> emparcelamento<br />

agrícola verda<strong>de</strong>iramente a<strong>de</strong>quadas e aplicadas, leva a que ainda hoje se<br />

mantenha uma estrutura fundiária, <strong>de</strong>signadamente no Centro e Norte do<br />

país, caracterizada pelo minifúndio, o que impe<strong>de</strong> a existência <strong>de</strong> áreas<br />

continuadas <strong>de</strong> exploração que garantam ganhos neste setor da ativida<strong>de</strong><br />

económica e que o tornem rentável.<br />

Depois, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que há comércio que o setor agrícola vive <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

da comercialização. Para se rentabilizar a produção <strong>de</strong> batatas é necessário<br />

assegurar o seu escoamento para o consumidor final.<br />

Ao lado negativo da bigorna, <strong>de</strong>scrito acima, junta-se o do martelo,<br />

representado pelas políticas <strong>de</strong> apoio à concentração da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

intermediação entre o produtor e o consumidor. Hoje a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comercialização dos produtos agrícolas está entregue a um conjunto cada<br />

vez mais reduzido <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empresas que impõem as suas leis (não é o<br />

mercado a impô-las!...), <strong>de</strong>signadamente esmagando eventuais lucros dos<br />

produtores para satisfazerem só os seus perante os consumidores através <strong>de</strong><br />

campanhas agressivas <strong>de</strong> marketing, o que tem levado a que seja


manifestamente <strong>de</strong>sigual a relação que presentemente se estabelece entre os<br />

produtores agrícolas e as ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> distribuição e <strong>de</strong> venda.<br />

Se a isso associarmos um baixíssimo nível <strong>de</strong> valorização pelo que é<br />

nosso, já que a crise leva a que a generalida<strong>de</strong> das famílias escolha o mais<br />

barato em <strong>de</strong>trimento da produção nacional (calhe ainda po<strong>de</strong>r fazê -lo)<br />

temos, assim, a combinação explosiva que, em abstrato, garantirá a<br />

inviabilida<strong>de</strong> do empreen<strong>de</strong>dorismo nesta área.<br />

Ainda não há muito que ouvimos um empresário dizer a um<br />

trabalhador, pedindo-lhe um dia para ir apanhar as batatas: “ouve lá ó<br />

rapaz, com o dinheiro que hoje vais per<strong>de</strong>r compravas mais quilos <strong>de</strong><br />

batatas na gran<strong>de</strong> superfície do que as que vais tirar da terra”. Ou, então,<br />

aquele meu amigo que nas conversas mantidas durante as sessões <strong>de</strong><br />

jogging, me disse: “se em vez <strong>de</strong> ir para as terras, for para o café, logo que<br />

aí não gaste muito, acabarei por ter um prejuízo menor ao fim do dia”.<br />

O exército que hoje temos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados caracteriza-se pela<br />

elevadíssima qualificação técnica e científica. É exatamente por isso que os<br />

<strong>de</strong>sempregados sabem fazer contas e facilmente concluem hoje que ser-se<br />

empresário agrícola, em Portugal, constitui uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elevadíssimo<br />

risco em termos <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong> financeira das empresas a constituir para<br />

esse fim.<br />

Feita esta primeira abordagem mais genérica, abor<strong>de</strong>mos agora<br />

algumas das questões jurídicas que os vários projetos levantam.<br />

Comecemos por dar relevância ao facto <strong>de</strong> alguns dos PL, e também<br />

a proposta do Governo, integrarem no banco <strong>de</strong> terras as proprieda<strong>de</strong>s<br />

pertencentes ao domínio público do Estado ou das autarquias locais,<br />

admitindo, assim, o arrendamento ou venda das mesmas. Ora, o regime<br />

legal do domínio público do Estado (DL nº 280/07 <strong>de</strong> 7/8) apenas permite o<br />

arrendamento <strong>de</strong> prédios integrantes do domínio privado do Estado (art.<br />

59º). Já quanto à venda, apenas é permitida relativamente a prédios que<br />

integrem no mesmo domínio privado (art. 77º/1), residualmente se<br />

admitindo a venda <strong>de</strong> “imóveis afetos a fins <strong>de</strong> interesse público, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

fique assegurada a continuida<strong>de</strong> da prossecução <strong>de</strong> fins <strong>de</strong>ssa natureza”.<br />

Isto é, genericamente, os imoveis integrantes do domínio público do Estado<br />

ou das autarquias locais estão fora do comércio jurídico, pelo que não se<br />

compreen<strong>de</strong> como, sem se alterar o diploma legal acima referido, o<br />

legislador pretenda colocar os imóveis integrantes <strong>de</strong>ssa esfera dominial do<br />

Estado ou das autarquias como objeto <strong>de</strong> negócios que, legalmente, se não<br />

lhes po<strong>de</strong> aplicar, sendo esses negócios, por isso, nulos (art. 280º e 281º do<br />

CC).<br />

Dito isto, e <strong>de</strong> acordo com o nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, os prédios<br />

rústicos ou urbanos têm <strong>de</strong> ter um proprietário, seja ele oriundo do setor<br />

privado, público, cooperativo, comunitário ou social (art. 82º da CRP). Isto<br />

é, não há “res nullius”. É exatamente por isso que, nos termos do art.


1.345º do CC, “as coisas imóveis sem dono conhecido consi<strong>de</strong>ram-se<br />

património do Estado”.<br />

A aplicação do disposto no normativo citado <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da constatação<br />

<strong>de</strong> que <strong>de</strong>terminado prédio não tem dono. Ora, como a inscrição registral<br />

faz presumir a titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse prédio em nome do titular inscrito (art. 7º<br />

do Cod. Reg. Pred.) e a inscrição matricial indicia pelo menos a boa-fé<br />

<strong>de</strong>ssa titularida<strong>de</strong>, as mesmas bastarão para que se não possa aplicar<br />

automaticamente o aludido normativo, já que se presume que o prédio em<br />

questão tem dono. Depois, mesmo que não esteja inscrito na matriz ou na<br />

conservatória em nome <strong>de</strong> alguém, tal não <strong>de</strong>verá significar, <strong>de</strong> per se, que<br />

esse prédio não tem dono. Para tanto bastará lembrarmo-nos dos terrenos<br />

baldios que têm “dono” e que, enquanto fora do comércio jurídico, não<br />

necessitam (não <strong>de</strong>vem) <strong>de</strong> estar matricialmente inscritos ou <strong>de</strong>scritos na<br />

conservatória, já que não constituem prédios rústicos, senão meros terrenos<br />

afetos ao uso comunitário. Por fim há que ter em atenção se o prédio se<br />

encontra ou não a ser possuído e a que título. Se é possuído com corpus e<br />

animus possi<strong>de</strong>ndi, então esse prédio pertencerá ao seu possuidor, quanto<br />

mais não seja, por aplicação do disposto no art. 1.268º do CC: “o possuidor<br />

goza da presunção da titularida<strong>de</strong> do direito”. Se quem possuir o prédio o<br />

fizer a título <strong>de</strong> mera <strong>de</strong>tenção, ou em nome <strong>de</strong> terceiro, será o próprio o<br />

titular do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sobre o prédio.<br />

Assim, “prédio sem dono” será todo aquele que, não integrando o<br />

património público ou privado do Estado e das autarquias, o património<br />

privado <strong>de</strong> pessoas singulares <strong>de</strong> direito privado, ou coletivas <strong>de</strong> direito<br />

privado, público ou comunitário, não esteja na posse <strong>de</strong> quem quer que<br />

seja. Esta <strong>de</strong>ve ser a <strong>de</strong>nsificação que <strong>de</strong>verá integrar o conceito jurídico<br />

ínsito no art. 1.345º do CC.<br />

Diga-se, em abono da verda<strong>de</strong>, que ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong><br />

trabalho numa zona eminentemente agrícola, florestal, silvícola ou silvopastoril,<br />

como são os Distritos <strong>de</strong> Viseu, Vila Real, Guarda e Aveiro, área<br />

por on<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong> o trabalho do nosso escritório, e em que a larga maioria<br />

das questões jurídicas abordadas se integra na área do “Direito das Coisas”,<br />

<strong>de</strong>signadamente, as relacionadas com os direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />

servidão <strong>de</strong> prédios rústicos e direito dos baldios, nunca, mesmo nunca,<br />

nem nós nem quem nos antece<strong>de</strong>u, incluídos todos os Ilustres Advogados<br />

ou Sr.s Juízes com quem partilhamos este tipo <strong>de</strong> litigância, alguma vez se<br />

referiu ter-se cruzado com qualquer questão relacionada com prédios “sem<br />

donos”. Admitimos, em tese, que possam existir, e é exatamente por isso<br />

que o legislador levou ao CC a supra citada disposição legal. Contudo, e<br />

em razão <strong>de</strong>la, sempre que tal se vier a constatar, isto é, sempre que se vier<br />

a verificar existir um prédio “sem dono”, o mesmo terá dono: o Estado.<br />

Tendo em vista a afirmação do primado constitucional da <strong>de</strong>fesa da<br />

do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e, bem assim, evitar eventuais abusos contra os


proprietários, entendo que <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão judicial a <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> pertença ao Estado do prédio que cumpra tais requisitos através <strong>de</strong><br />

competente ação judicial.<br />

Como se <strong>de</strong>ixou expresso, para que se possa qualificar <strong>de</strong>terminado<br />

prédio como “sem dono”, tem <strong>de</strong> se verificar dois tipos <strong>de</strong> requisitos:<br />

formais – inexistência da sua inscrição na matriz ou <strong>de</strong>scrição na<br />

conservatória; materiais – inexistência <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> posse sobre o mesmo.<br />

Assim, se sobre esse prédio não há atos <strong>de</strong> posse, isto é, se <strong>de</strong>le não é<br />

retirado, seja a que título for, qualquer uma das suas potencialida<strong>de</strong>s<br />

produtivas, mormente, e no que tange aos prédios rústicos, agrícolas,<br />

florestais, silvícolas, silvo-pastoris, ou <strong>de</strong> qualquer outro tipo,<br />

<strong>de</strong>signadamente exploração <strong>de</strong> pedras, apicultura, etc., será porque esse<br />

prédio se não encontra utilizado. De acordo com a terminologia popular,<br />

está “a monte”, Quanto aos requisitos formais, ainda que o prédio possa<br />

estar inscrito na matriz ou na conservatória em nome <strong>de</strong> alguém, se esse<br />

alguém faleceu e não <strong>de</strong>ixou ou lhe não são conhecidos quaisquer<br />

sucessíveis i<strong>de</strong>ntificados nas al.s a) a d) do nº 1 do art. 2.133º do CC, então,<br />

esse prédio, por força do disposto na al. e) daquele normativo, é do Estado<br />

por ser o único e universal her<strong>de</strong>iro.<br />

A figura do “abandono” é usada no nosso or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />

<strong>de</strong>signadamente em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito das coisas, no instituto da posse: art.<br />

1.267º do CC, com a epígrafe <strong>de</strong> “perda da posse”: “o possuidor per<strong>de</strong> a<br />

posse pelo abandono”. De acordo com Antunes Varela e Pires <strong>de</strong> Lima, no<br />

seu CC Anotado, “o abandono das coisas imóveis não é admitido como<br />

carater geral em nenhuma disposição do CC. Excecionalmente, prevê o<br />

art. 1.397º o abandono <strong>de</strong> águas originariamente públicas, além <strong>de</strong> casos<br />

<strong>de</strong> renúncia, como processos do renunciante se eximir <strong>de</strong> uma obrigação<br />

real (art.s 1.411º/1; 1.472º/3; 1.567º/4 e 1.428º/3/4) o art. 1.386º/1/a)<br />

refere-se também ao abandono <strong>de</strong> águas que nascem ou caem em prédio<br />

particulares. Não se trata, porém, neste caso <strong>de</strong> abandono do direito à<br />

água como coisa imóvel, mas do abandonar a água que corre à superfície<br />

e, portanto, como coisa móvel”.<br />

Também na Lei dos Baldios ( Lei 68/93 <strong>de</strong> 4/9), o legislador veio<br />

trazer o conceito <strong>de</strong> “abandono” para fundamentar os institutos da<br />

“utilização precária”, “após três anos <strong>de</strong> ostensivo abandono <strong>de</strong> um baldio<br />

(…)” (art. 27/º/1), e da “expropriação”: “os baldios po<strong>de</strong>m, no todo ou em<br />

parte, ser objeto <strong>de</strong> expropriação por motivo <strong>de</strong> (…) abandono” (art.<br />

29/º/1).<br />

É nosso entendimento que é incorreta a utilização do vocábulo<br />

“abandono”, quanto mais não seja porque a posse sobre os terrenos baldios,<br />

<strong>de</strong> acordo com Coutinho <strong>de</strong> Abreu, in Da Empresarialida<strong>de</strong>, p. 112/113<br />

(nota 268), “a posse referida no art. 82º/4 [da CRP] não coinci<strong>de</strong> com a<br />

prevista no art. 1.251º e ss do CC: esta é primordialmente formal, aquela é


causal (funda-se num direito, sendo <strong>de</strong>le expressão); a segunda é o po<strong>de</strong>r<br />

que se manifesta quando alguém atua por forma correspon<strong>de</strong>nte ao<br />

exercício do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> outro direito real”. Logo, in<br />

caso, mais do que “abandono”, no que se <strong>de</strong>veria falar seria <strong>de</strong> <strong>de</strong>safetação,<br />

tal como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Jaime Gralheiro in Comentário à Nova Lei dos Baldios,<br />

p. 180. De acordo com este autor, “dada a natureza jurídica dos baldios e a<br />

sua instituição, o legislador <strong>de</strong>veria ter utilizado o termo <strong>de</strong>safetação, pois<br />

este é que é o conceito correto para <strong>de</strong>finir o que se passa com o abandono<br />

injustificado dos baldios. Na verda<strong>de</strong>, se o baldio se constitui ou institui<br />

com a afetação à satisfação das necessida<strong>de</strong>s comunitárias <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada<br />

população (“comunida<strong>de</strong>s locais”), lógico é que quando tal afetação <strong>de</strong>ixe<br />

<strong>de</strong> existir por as necessida<strong>de</strong>s terem cessado, naturalmente, se extinga.<br />

(…) [Em] vez <strong>de</strong> expropriação há <strong>de</strong> facto e <strong>de</strong> direito uma <strong>de</strong>safetação<br />

(…)”. Aliás, a “law in action”, claramente, tem vindo a <strong>de</strong>sprezar aqueles<br />

normativos. Basta fazer uma pesquisa na base <strong>de</strong> dados do ITIJ para se<br />

po<strong>de</strong>r constatar que, ao longo dos quase 20 anos <strong>de</strong> vigência daquela lei,<br />

nunca nenhum daqueles institutos foi aplicado. Isto é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a entrada em<br />

vigor da mesma, nunca os Tribunais pátrios foram chamados a <strong>de</strong>clarar a<br />

utilização precária ou a expropriação <strong>de</strong> um terreno baldio ou parte <strong>de</strong>le,<br />

pelo seu abandono. A constatação <strong>de</strong> tal realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser motivo <strong>de</strong><br />

reflexão. Será que os interesses, <strong>de</strong>signadamente <strong>de</strong> todos quanto <strong>de</strong>sejam,<br />

pelos mais variados motivos, apropriar-se das vastíssimas áreas <strong>de</strong> terenos<br />

baldios que ainda existem no nosso território, não foi, <strong>de</strong> alguma forma,<br />

estimulado pela invocação daqueles institutos? Atento o nosso<br />

conhecimento sobre a problemática dos baldios e a vonta<strong>de</strong> que<br />

historicamente se tem mantido no <strong>de</strong>sapossamento da titularida<strong>de</strong> das<br />

populações serranas, leva-nos a concluir que outros terão sido os motivos.<br />

Qual seja, o da absoluta inocuida<strong>de</strong> daqueles institutos, os quais apelam a<br />

uma realida<strong>de</strong> jurídica, o “abandono”, que atenta a sua <strong>de</strong>nsificação, é <strong>de</strong><br />

quase impossível verificação.<br />

Porque os institutos jurídicos, <strong>de</strong>signadamente os que se relacionam<br />

com os direitos reais, resultam do sedimentar milenar <strong>de</strong> saberes e <strong>de</strong><br />

saberes fazer, a utilização <strong>de</strong> vocábulos que encerram conceitos nesta área<br />

do saber e da pratica jurídica, tão sensível ao equilíbrio das nossas<br />

socieda<strong>de</strong>s, já que bule com o direito <strong>de</strong> cada um sobre coisas concretas,<br />

exige o maior cuidado, não se vá, inadvertidamente, abrir verda<strong>de</strong>iras<br />

caixas <strong>de</strong> pandora.<br />

Mesmo sabendo-se que o nomen iuris não é <strong>de</strong>terminante na<br />

interpretação da lei, <strong>de</strong>ve ter-se, mesmo assim, muito cuidado com a<br />

terminologia a aplicar.<br />

Isto para dizer que não concordamos com a introdução da<br />

<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> “terra abandonada” para qualificar as situações em que a<br />

terra ou proprieda<strong>de</strong> se encontra inculta sem motivo justificado ou que, por


causa disso, é suscetível <strong>de</strong> causar prejuízo (PL do PSD: art. 9º, PL do PS:<br />

art. 52º e proposta do Governo: art. 8º) ou por <strong>de</strong>terminado período (PL do<br />

BE: art. 7º). É que, se semântica ou sociologicamente “terra abandonada” é<br />

um conceito que com relativa facilida<strong>de</strong> se consegue <strong>de</strong>nsificar com larga<br />

concordância dos mais variados agentes interessados, a questão que<br />

levantamos tem que ver com a tentativa <strong>de</strong> integrar esse conceito com o <strong>de</strong><br />

“terra sem dono” ( proposta do Governo: art. 8º). São realida<strong>de</strong>s jurídicas<br />

bem diferentes e a utilização conjunta dos mesmos ou a <strong>de</strong>pendência do<br />

“abandono” para aplicação do conceito <strong>de</strong> “terra sem dono”, po<strong>de</strong> vir a<br />

causar as maiores perturbações na <strong>de</strong>finição clássica do direito <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>: ius utendi, fruendi, abutendi ou disponendi. É que, se uma<br />

terra abandonada legalmente se po<strong>de</strong> confundir com uma terra sem dono,<br />

então uma das prerrogativas dos proprietários, a <strong>de</strong> não usar o seu<br />

património, daí não advindo o perigo <strong>de</strong> perda do mesmo, corre sérios<br />

riscos <strong>de</strong> vir as ser posta em causa com graves perigos na segurança<br />

jurídica.<br />

Depois, esse perigo acentuar-se-á sempre que se verificarem os<br />

efeitos previstos nalguns dos projetos, ou seja, sempre que se venha a<br />

apurar essa situação. Assim, na proposta do Governo uma situação <strong>de</strong><br />

“abandono” po<strong>de</strong> vir a causar uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> terra sem dono para<br />

efeitos <strong>de</strong> aplicação do art. 1.345º do CC e, posteriormente, passados 10<br />

anos, à venda <strong>de</strong>sse prédio pelo Estado. Isto é, uma pessoa que, por<br />

qualquer motivo, em menino e moço, e seguindo o conselho do Sr.<br />

Primeiro Ministro, tivesse emigrado para longe, e por aí restasse uma vida,<br />

mais tar<strong>de</strong>, ao regressar à terra com seus her<strong>de</strong>iros para lhes mostrar as<br />

courelas <strong>de</strong>ixadas pelos seus antepassados, bem que po<strong>de</strong>ria ver as mesmas<br />

ocupadas por terceiros que as tinham comprado. A quem? Ao Estado!...<br />

O facto <strong>de</strong> se ter um prédio rústico sem ser utilizado, não significa<br />

que o seu proprietário o tenha votado ao abandono.<br />

Em face do exposto enten<strong>de</strong>mos que se <strong>de</strong>verá retirar da qualificação<br />

<strong>de</strong> terra ou proprieda<strong>de</strong> não explorada o termo “abandonado”, po<strong>de</strong>ndo, em<br />

sua substituição, aplicar-se a expressão “não utilizado”.<br />

Como todas as terras ou proprieda<strong>de</strong>s “sem dono” são, por causa<br />

disso, pertença do Estado, invariável e quase obrigatoriamente, não serão<br />

utilizadas, ainda que nem todas as terras ou proprieda<strong>de</strong>s não utilizadas não<br />

tenham dono, tendo-o, o qual, por qualquer motivo, as não queira ou não<br />

possa trabalhar. Para clarificação <strong>de</strong> toda esta situação parece-nos que se<br />

<strong>de</strong>verá laborar com os institutos jurídicos que o nosso or<strong>de</strong>namento nos dá,<br />

tirando <strong>de</strong>les todas as potencialida<strong>de</strong>s e virtualida<strong>de</strong>s que encerram e que<br />

estão adormecidas. Assim, e relativamente às terras ou proprieda<strong>de</strong>s não<br />

utilizadas e sem dono, <strong>de</strong>verá o Estado fazer valer o seu direito sobre tais<br />

prédios, obtendo as <strong>de</strong>cisões judiciais necessárias á sua aquisição, para que<br />

<strong>de</strong>pois os possa usar ao serviço do bem público, <strong>de</strong>signadamente,


integrando-os nos bancos <strong>de</strong> terra, na esfera do seu domínio privado, para<br />

aí serem objeto <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> arrendamento rural ou, ultima ratio <strong>de</strong><br />

venda.<br />

Isto posto para a questão levantada nos projetos quanto à integração<br />

das terras “sem dono” nos bancos <strong>de</strong> terra, parece-nos que, sendo o Estado<br />

diligente na afirmação dos seus direitos, elas não existirão. Toda a terra ou<br />

proprieda<strong>de</strong> existente no espaço geográfico on<strong>de</strong> se aplica o nosso CC não<br />

é “res nullius”.<br />

Relativamente às terras que, tendo “dono”, sem motivo justificado,<br />

não estejam a ser objeto <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> utilização, <strong>de</strong>ve começar por<br />

se salientar que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos e anos <strong>de</strong> sucessivas políticas que,<br />

objetivamente, levaram à <strong>de</strong>struição do nosso tecido produtivo a nível do<br />

setor agrícola, querer vir hoje, por diploma legal, exigir-se aos seus<br />

proprietários que as passem, <strong>de</strong> um momento para o outro, a utilizar<br />

a<strong>de</strong>quadamente é, salvo o <strong>de</strong>vido respeito por opinião contrária, abuso <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r inqualificável. Os vários Governos que têm vindo a administrar<br />

Portugal têm aplicado políticas que levaram ao abandono das terras. Assim<br />

sendo, o principal responsável pelo satos quo atual, ao nível da exploração<br />

da superfície agrícola utilizada, tem sido o conjunto das políticas seguidas<br />

pelos governos. Se as proprieda<strong>de</strong>s rústicas com aptidão agrícola têm<br />

vindo, paulatina, mas progressivamente, a não ser utilizadas, quem menos<br />

culpa disso tem são os seus proprietários. Logo, querer-se, como consta da<br />

proposta do Governo, usar o argumento da terra abandonada para efeitos <strong>de</strong><br />

a po<strong>de</strong>r vir a <strong>de</strong>clarar como pertencente ao Estado, ou para a integrar no<br />

banco <strong>de</strong> terras e aí po<strong>de</strong>r ela ser alvo <strong>de</strong> arrendamento ou venda, é um<br />

verda<strong>de</strong>iro venire contra factum proprium. Isto é legislar <strong>de</strong> manifesta máfé.<br />

Sem prescindir, e atenta a função social a que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre,<br />

inelutavelmente, a proprieda<strong>de</strong> está ligada – embora os ventos liberais que<br />

têm varrido o espaço político e económico nos apontem em sentido<br />

contrário – enten<strong>de</strong>mos que, após a concretização <strong>de</strong> emparcelamentos<br />

fundiários e a existência <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iras políticas <strong>de</strong> apoio à produção<br />

agrícola, a comprovada constatação <strong>de</strong> que a proprieda<strong>de</strong> está<br />

ostensivamente a não ser usada sem motivo justificado, e durante um<br />

período razoável e continuado no tempo, <strong>de</strong>ve levar a que, existindo<br />

projetos com viabilida<strong>de</strong> económica e financeira para a rentabilida<strong>de</strong> da<br />

mesma, quer isoladamente, quer integrando-a num mais vasto conjunto <strong>de</strong><br />

prédios contíguos promovidos por vizinhos ou jovens agricultores, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que não haja comprovada disponibilida<strong>de</strong> do seu proprietário para a colocar<br />

ao serviço da economia, sobre a mesma recaia Declaração <strong>de</strong> Utilida<strong>de</strong><br />

Pública (DUP) da sua gestão, tendo em vista a sua integração no banco <strong>de</strong><br />

terras a promover pelo ministério com a tutela da agricultura, e assegurados


todos os mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ao proprietário, <strong>de</strong>signadamente os<br />

previstos no Código das Expropriações.<br />

Alguns dos projetos associam ao “abandono” o risco que esse estado<br />

<strong>de</strong> não utilização po<strong>de</strong> causar no surgimento <strong>de</strong> danos ou prejuízos.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que este fundamento não <strong>de</strong>verá merecer acolhimento nas<br />

normas em questão (art. 9º/1 do PL do PSD e 52º/1 do PL do PS), uma vez<br />

que é redundante: se o prédio ou terreno é apto para a exploração agrícola e<br />

se nele não é feita qualquer exploração, é do conhecimento <strong>de</strong> todos que a<br />

natureza faz nascer, crescer e <strong>de</strong>senvolver infestantes vários que, sempre<br />

que os níveis <strong>de</strong> humida<strong>de</strong> diminuem, a temperatura aumenta e há vento,<br />

calhe haver uma ignição qualquer, <strong>de</strong>spoletar-se-á, <strong>de</strong> imediato, um<br />

incêndio on<strong>de</strong> esses infestantes atuarão como material altamente<br />

combustível e <strong>de</strong> elevada carga térmica. Depois, a questão do perigo que<br />

esse material possa causar na ocorrência <strong>de</strong> eventos danosos <strong>de</strong>ver ter,<br />

como tem, o seu tratamento em legislação própria: DL 124/06, <strong>de</strong> 28/6,<br />

com a redação dada pelo DL 17/09, <strong>de</strong> 14/1.<br />

Sobre a temática da gestão dos bancos <strong>de</strong> terras, enten<strong>de</strong>mos que o<br />

essencial será garantir total transparência e permanente sindicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

todos os atos processuais que competirem a essas entida<strong>de</strong>s gestoras. Para<br />

tanto, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que todo o ritualismo processual <strong>de</strong>verá ser pautado por<br />

exigentes critérios <strong>de</strong> forma, <strong>de</strong> modo a que, através dos mesmos, se possa<br />

apurar da correção das <strong>de</strong>cisões tomadas. Porque as proprieda<strong>de</strong>s rústicas a<br />

integrar ou a ficar afetas ao banco <strong>de</strong> terra têm uma localização concreta,<br />

enten<strong>de</strong>mos que toda a fase <strong>de</strong> instrução dos processos <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>correr o<br />

mais próximo possível <strong>de</strong>ssa concreta localização. Já as <strong>de</strong>cisões finais<br />

<strong>de</strong>verão ser da competência do ministério com tutela da agricultura e<br />

florestas. O objetivo será o <strong>de</strong> reduzir os perigos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> favor que<br />

se po<strong>de</strong>rão potenciar se o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório estiver muito próximo dos<br />

concretos interesses em jogo. Deseja-se, da mesma maneira, evitar perigos<br />

iguais, agora a um nível superior, já não relativamente aos vizinhos, mas<br />

antes a uma outra escala, que se po<strong>de</strong>rá mostrar bem mais nefasta quando o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório se afasta da concreta realida<strong>de</strong>.<br />

Antes <strong>de</strong> entrar num outro segmento <strong>de</strong> análise jurídica que fizemos<br />

dos textos dos vários projetos, a impressão que dos mesmos nos ficou, é a<br />

<strong>de</strong> que o legislador terá querido constituir uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> âmbito nacional<br />

cujas funções, no fundo, no fundo, se assemelham às <strong>de</strong> uma qualquer<br />

empresa imobiliária: interposição entre o proprietário <strong>de</strong> prédios (neste<br />

caso, rústicos) e o potencial arrendatário ou comprador dos mesmos. Esta<br />

roupagem que os diplomas não conseguiram, em momento algum,<br />

disfarçar, provavelmente não estará conforme a mens legislatoris, mas essa<br />

é a leitura que <strong>de</strong>les fazemos. Ora, a constatação <strong>de</strong>sse facto é mais um plus<br />

na análise negativa dos mesmos. Se as empresas imobiliárias que hoje<br />

enxameiam o território nacional não conseguem pôr no mercado do


arrendamento ou da venda os prédios que os seus proprietários querem<br />

arrendar ou ven<strong>de</strong>r, a que título é que o Estado, entida<strong>de</strong> sem vocação para<br />

este segmento <strong>de</strong> mercado, e fechado numa teia estrutural que, pelo seu<br />

peso, não é nada maleável e <strong>de</strong> muito difícil adaptabilida<strong>de</strong> a novas<br />

realida<strong>de</strong>s, conseguirá ser mais ágil e profícuo que a iniciativa privada?<br />

Honestamente não nos parece que o seja, pelo que não almejamos gran<strong>de</strong><br />

futuro para esta lei. Dito isto,<br />

Ao longo dos projetos outra questão levanta dúvidas: a da<br />

qualificação dos contratos a celebrar entre os proprietários dos terrenos que<br />

irão integrar os bancos <strong>de</strong> terras e as entida<strong>de</strong>s gestoras: que contratos serão<br />

esses?<br />

Serão contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviço (art. 1.154º a 1.156º do CC)<br />

ou serão <strong>de</strong> mandato (art. 1.157º a 1.184º do CC)? O legislador não <strong>de</strong>fine<br />

com precisão os contornos dos aludidos contratos. Assim, se há um<br />

momento em que eles parecem ser <strong>de</strong> pura prestação <strong>de</strong> serviço, quando os<br />

projetos avançam com a i<strong>de</strong>ia da obrigação das entida<strong>de</strong>s gestoras em criar<br />

e manter atualizada uma base <strong>de</strong> dados on<strong>de</strong> constem os prédios rústicos<br />

disponíveis no banco <strong>de</strong> terras, daí <strong>de</strong>rivando mera obrigação a<br />

proporcionar o resultado do seu trabalho ( colocar, divulgar e manter<br />

atualizada essa base <strong>de</strong> dados, para além <strong>de</strong> manter e administrar esses<br />

prédios: art. 5º do PL do PSD, art. 4º e 9º da proposta do Governo, art. 53º<br />

do PL do PS e art. 14º do PL do BE). Noutros momentos, contudo, esses<br />

contratos mais se assemelham a um verda<strong>de</strong>iro mandato, quando nos<br />

projetos se avança com os po<strong>de</strong>res das entida<strong>de</strong>s gestoras a celebrar, em<br />

nome dos proprietários dos terrenos, com os eventuais interessados, os<br />

contratos <strong>de</strong> arrendamento, venda ou permuta (art. 53º ex vi art. 51º do PL<br />

do PS)<br />

Dever-se-á esclarecer esse tipo <strong>de</strong> contratos, já que da sua<br />

qualificação resultam consequência jurídicas: os direitos e obrigações para<br />

as partes contratantes previstos na lei (CC ), <strong>de</strong>signadamente se com base<br />

neles as entida<strong>de</strong>s gestoras pu<strong>de</strong>rem, em nome dos proprietários, e com<br />

caracter <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong>, celebrar contratos que tenham por objeto esses<br />

prédios ou se, pelo contrário, os proprietários continuarem a dispor <strong>de</strong><br />

todos os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> alienação ou oneração dos seus prédios, sem a<br />

obrigação <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnizações às entida<strong>de</strong>s gestoras.<br />

Sobre a questão dos benefícios versus agravamentos fiscais, é nosso<br />

entendimento que a tributação <strong>de</strong>ve ser usada para o preciso fim a que se<br />

<strong>de</strong>stina. Usá-la para outros fins não só a <strong>de</strong>svirtua como, porque o remédio<br />

não é para o mal que o paciente sofre, naturalmente que não só não<br />

produzirá o efeito pretendido, como ainda, pior que tudo, po<strong>de</strong>rá causar<br />

efeitos secundários nefastos.<br />

Se se quer tributar o património imobiliário rústico, apliquem-se as<br />

normas expressamente previstas para esse segmento do direito tributário.


Se essas normas não forem suficientes, promovam-se as necessárias<br />

atualizações aos diplomas legais que as regulamentam. Não se usem<br />

diplomas que nada têm a ver com questões tributárias para se promoverem<br />

alterações nesse campo do direito. É que remendos, porque remendos são,<br />

não têm em vista a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o sistema em que se inserem,<br />

<strong>de</strong>signadamente no que tange à harmonia das suas normas, mas apenas à<br />

específica questão (o buraco a remendar), correndo-se, por isso, o perigo <strong>de</strong><br />

se pôr em causa a unida<strong>de</strong> do sistema.<br />

Se se quer penalizar os proprietários que <strong>de</strong>ixam as suas terras por<br />

utilizar, usem-se os diplomas legais já existentes que preveem a aplicação<br />

<strong>de</strong> coimas.<br />

Sem prescindir, como diz o nosso povo “quem dá e tira para o<br />

inferno gira”, e a proposta do Governo, ao dar, por um lado, um benefício<br />

aos proprietários que coloquem as suas proprieda<strong>de</strong>s nos bancos <strong>de</strong> terras<br />

que <strong>de</strong>pois lhes retirará quando as mesmas, por exemplo, forem arrendadas,<br />

fazendo-os pagar a tributação que normalmente lhes seria <strong>de</strong>vida por tais<br />

prédios, ao longo do período que houvessem beneficiado da redução <strong>de</strong><br />

taxa, é algo que a mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> linguagem nos limita a dizer ser <strong>de</strong>sonesto.<br />

Constatamos, também, uma importante lacuna: a da inexistência <strong>de</strong><br />

normas que prevejam soluções para o incumprimento dos objetivos que se<br />

visam atingir com o banco <strong>de</strong> terras. Se a entida<strong>de</strong> gestora po<strong>de</strong> promover a<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> terra abandonada para afetar essa proprieda<strong>de</strong> ao banco <strong>de</strong><br />

terras ou a DUP da sua gestão, que consequências daí advirão, se a terra<br />

continuar abandonada (usando a inexata nomenclatura dos projetos)? E se<br />

as proprieda<strong>de</strong>s integrantes do banco <strong>de</strong> terras forem vendidas e quem as<br />

comprou, em vez <strong>de</strong> as trabalhar, as coloca no mercado da especulação<br />

imobiliária, ven<strong>de</strong>ndo-as a outrem, ou se, por sua vez, esse comprador ou<br />

terceiros compradores continuarem a <strong>de</strong>ixá-las abandonadas, que<br />

consequências daí po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>rivar?<br />

Para a primeira situação enten<strong>de</strong>mos que se <strong>de</strong>verá regulamentar o<br />

tempo durante o qual as proprieda<strong>de</strong>s, uma vez afetadas ao banco <strong>de</strong> terras,<br />

<strong>de</strong>verão permanecer na sua administração sem serem trabalhadas, sendo<br />

que, ultrapassado esse tempo, <strong>de</strong>verá consi<strong>de</strong>rar-se automaticamente<br />

caduca a DUP <strong>de</strong> gestão, revertendo a dita para o proprietário da mesma<br />

com a obrigação da entida<strong>de</strong> gestora lhe pagar os prejuízos que, em razão<br />

<strong>de</strong>sse seu comportamento, lhe causou. Já para a segunda situação,<br />

enten<strong>de</strong>mos que se <strong>de</strong>verá prever uma cláusula <strong>de</strong> reversão, sem direito a<br />

in<strong>de</strong>mnização, dos prédios vendidos à esfera jurídica do anterior<br />

proprietário.<br />

No que tange à hierarquia das preferências no arrendamento ou<br />

venda das proprieda<strong>de</strong>s integrantes do banco <strong>de</strong> terras, <strong>de</strong>ve ter-se em<br />

consi<strong>de</strong>ração a unida<strong>de</strong> do sistema jurídico, <strong>de</strong>signadamente o previsto nos<br />

art.s 1.380º, 1.409º e 1.555º do CC e no art. 31º da Lei do Arrendamento


Rural ( LAR), pelo que, dos diplomas legais, o que mais se aproxima do<br />

<strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato a atingir é o PL do PS (art. 56º).<br />

A mesma unida<strong>de</strong> e harmonia do sistema exigem que se tenha em<br />

atenção o regime <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> rendas e os prazos dos contratos <strong>de</strong><br />

arrendamento rural, fazendo coincidir estes dois institutos do arrendamento<br />

rural, previstos nos projetos, com o que se encontra estabelecido na LAR:<br />

<strong>de</strong>signadamente nos art.s 9º (prazo mínimo <strong>de</strong> 7 anos, salvo para os<br />

arrendamentos <strong>de</strong> campanha, que não po<strong>de</strong>m ser por prazos superiores a 6<br />

anos) e art. 11º (valor da renda sem critérios legais <strong>de</strong> fixação do seu<br />

montante).<br />

Antes <strong>de</strong> se passar a uma análise <strong>de</strong> pormenor sobre a redação dos<br />

vários artigos que integram os diversos projetos, termina-se esta parte do<br />

nosso trabalho com uma alusão aos terrenos baldios. Se os projetos do PSD<br />

e do BE retiram dos bancos <strong>de</strong> terras os baldios, embora o façam<br />

erradamente, porque os integram, como exceção, nos terrenos do domínio<br />

público ou privado do Estado ou das autarquias, já o projeto do governo os<br />

faz, expressamente, integrar no âmbito dos bancos <strong>de</strong> terra. O projeto do PS<br />

nada diz sobre essa questão, ficando-se, assim, com a sustentável dúvida<br />

<strong>de</strong>ssa omissão significar se eles estão fora do banco <strong>de</strong> terras ou não. E<br />

dizemos sustentável dúvida, uma vez que nesse projeto é usada linguagem<br />

própria dos terrenos baldios, exatamente a expressão “terreno”. As<br />

proprieda<strong>de</strong>s privadas ou públicas, no linguajar jurídico, <strong>de</strong>nominam-se <strong>de</strong><br />

prédios. Terrenos são baldios.<br />

Ora, sendo os baldios terrenos possuídos e geridos por comunida<strong>de</strong>s<br />

locais, como logradouro comum, <strong>de</strong>signadamente para efeitos <strong>de</strong><br />

apascentação <strong>de</strong> gados, <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> lenhas ou matos, <strong>de</strong> culturas ou<br />

outras fruições, nomeadamente <strong>de</strong> natureza agrícola, silvícola, silvopastoril<br />

ou apícola (art. 1º e 3º da Lei 68/93, <strong>de</strong> 4/9), integram-se no setor<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> dos meios comunitários (art. 82º/b) da CRP ). De acordo<br />

com a lei que os regulamenta, sobre os terrenos baldios apenas um negócio<br />

não translativo do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> é possível fazer-se: o da cessão <strong>de</strong><br />

exploração (art. 10º).<br />

Em face do exposto, visando-se com o banco <strong>de</strong> terras o melhor<br />

aproveitamento agrícola ou florestal dos prédios (terrenos, n este caso), e<br />

prevendo a proposta do governo (art. 12º) que a cedência <strong>de</strong> terrenos<br />

baldios disponibilizados no banco <strong>de</strong> terras se fará nos termos previstos na<br />

lei dos baldios, se essa remição é feita para a lei atualmente em vigor (e<br />

assim se <strong>de</strong>verá enten<strong>de</strong>r, sob pena <strong>de</strong> má-fé do legislador na elaboração<br />

<strong>de</strong>sta lei, já que terá em mente não a lei em vigor, mas uma qualquer outra<br />

na calha, cujo regime se <strong>de</strong>sconhece), então essa cedência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

<strong>de</strong>liberação da assembleia <strong>de</strong> compartes e não da entida<strong>de</strong> gestora, e <strong>de</strong>verá<br />

ser feita apenas aos compartes (e não a quem, não sendo comparte, se<br />

candidatasse ao banco <strong>de</strong> terras), sem se esquecer nunca que essa cessão


<strong>de</strong>ve garantir, quanto possível, a tradicional utilização do baldio pelos seus<br />

compartes (art. 10º da lei dos baldios), já acima <strong>de</strong>scrita.<br />

Atento o exposto, enten<strong>de</strong>mos que os terrenos baldios <strong>de</strong>verão estar<br />

expressamente excluídos dos bancos <strong>de</strong> terras.<br />

Este é, s.m.o, o meu parecer<br />

S. Pedro do Sul, 01/07/2012<br />

João Carlos Gralheiro

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