CASA ASSOMBRADA OU CIRCO DOS HORRORES ... - Anpap
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19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas<br />
“Entre Territórios” – 20 a 25/09/2010 – Cachoeira – Bahia – Brasil<br />
anomalias, coisas estranhas, objetos desajeitados nas muitas casas existentes nos<br />
principais centros urbanos do mundo ocidental, inclusive na cidade do Rio de<br />
Janeiro. De certo que as críticas negativas focalizavam os chamados novos ricos,<br />
famílias decadentes e as classes medianas. Não custa lembrar as falas doutrinárias<br />
de John Ruskin sobre a decadência de gosto e o papel da educação pela arte,<br />
reinterpretadas em ações pelos participantes do movimento Artes e Ofícios e<br />
transformados em objetos assépticos nas mãos dos designers modernistas. O gosto<br />
pela arte seria o último produto de uma sociedade civilizada.<br />
Acreditava-se que se uma pessoa estivesse circundada por ‘coisas belas’, ela, por<br />
uma espécie peculiar de osmose, poderia absorver a beleza em sua vida e alcançar<br />
um alto grau de moralidade. Por isso, as coisas feias não deveriam estar ali, diziam<br />
as críticas. Essas criaturas, para usar expressão de Thomas Mitchell (MITCHELL,<br />
2005), pareciam desajustadas ao espaço doméstico, ao mesmo tempo que, se ali<br />
estavam, haviam sido escolhidas e acolhidas, tornando-se coisas familiares e<br />
conformadas àquele lar. As coisas feias, por esse prisma, teriam abrigo no<br />
aconchego dos lares e a possibilidade de alcançarem um destino sabido: ‘o que é<br />
feio pode ficar em casa’ e, quem sabe, até se tornarem uma imagem idolatrada na<br />
intimidade da alcova, enquanto do lado de fora poderiam ser alvo de atitudes<br />
iconoclastas (MITCHELL, 2005: 125-144).<br />
O território da domesticidade, aquele lugar da metáfora da interioridade, parecia<br />
carregar uma aura de proteção aos mal afortunados, como se essas criaturas<br />
estivessem resguardadas em um lugar de dentro porque o lado de fora exporia suas<br />
anomalias. Nos espaços interiores a forma estranha seria relevada porque a<br />
companhia de muitas outras coisas amenizaria sua estranheza. Essa era uma das<br />
vantagens da decoração doméstica: o efeito do conjunto encobria defeitos.<br />
Contudo, muitas vezes um objeto poderia ser tão instigante que se afirmaria no<br />
espaço em que foi inserido, destacando-se das demais peças. É o caso, por<br />
exemplo, da jarra Beethoven (MALTA, 2009), obra cerâmica de Bordalo Pinheiro,<br />
executada em 1895, cujo tamanho descomunal e profusão de detalhes foram tão<br />
imperiosos que fez com que a sala de música do cliente se tornasse totalmente<br />
incompatível, diminuta, inferior. Para aquela sala, a jarra era um monstro. Seu lugar,<br />
conforme a tradição, poderia ser um circo dos horrores.<br />
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