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Uma “sociologia crítica do conhecimento”: Michael Löwy e ... - UEM

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<strong>Uma</strong> <strong>“sociologia</strong> <strong>crítica</strong> <strong>do</strong> <strong>conhecimento”</strong>: <strong>Michael</strong> <strong>Löwy</strong> e suaproposta de sociologia <strong>do</strong> conhecimentoRodrigo Bischoff Belli ∗Resumo: Este texto vem apresentar o resulta<strong>do</strong> de uma série de leituras iniciais sobre o estu<strong>do</strong><strong>do</strong>s limites de uma sociologia <strong>do</strong> conhecimento de influência marxista. Para tal empreitada,toma-se como ponto de partida, e objeto da análise deste artigo, alguns textos <strong>do</strong> sociólogo<strong>Michael</strong> <strong>Löwy</strong> sobre o assunto. Sua escolha foi definida pelo tratamento crítico específico queo autor aplica à tradição sociológica referente aos estu<strong>do</strong>s sobre a atividade <strong>do</strong> conhecimento,partin<strong>do</strong> das premissas <strong>do</strong> materialismo histórico-dialético.Palavras-chave: Marxismo, Sociologia <strong>do</strong> Conhecimento, <strong>Michael</strong> <strong>Löwy</strong>Abstract: This text comes to present the result of initial readings about the limits of asociology of knowledge of Marxist influence. For such taskwork, the starting point and objectof this article is <strong>Michael</strong> <strong>Löwy</strong>'s texts about the subject. His choice was defined by the specificcritical treatment that the author applies to the sociological tradition regarding the studiesabout the activity of knowledge, leaving of the premises of the historical-dialectic materialism.Key words: Marxism, Sociology of Knowledge, <strong>Michael</strong> <strong>Löwy</strong>∗ Gradua<strong>do</strong> em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (<strong>UEM</strong>). Email: digaobelli@bol.com.br


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178ApresentaçãoAs ciências humanas, e em especial asciências sociais, se caracterizam como umcampo científico distinto <strong>do</strong>s demais devi<strong>do</strong>à ênfase atribuída ao subjetivismo – emboraisso nem sempre seja reconheci<strong>do</strong>, atémesmo em seu interior. Subjetividade estadeterminada pela relação particular entresujeito e o objeto. Ao contrário <strong>do</strong> queocorre em outras ciências, o cientista social,ao estudar um determina<strong>do</strong> fenômeno, écapaz de conceituá-lo e abstraí-lo a ponto derelacionar essa experiência ao seu mo<strong>do</strong> devida, proporcionan<strong>do</strong>, em maior ou menorgrau, uma reflexão <strong>crítica</strong> de sua posição nasociedade. Ocorre também a situação de queo objeto estuda<strong>do</strong> é consciente e capaz deestabelecer uma relação mais complexa como cientista <strong>do</strong> que nas outras ciências; umgrupo social que não concordasse comaquilo que um cientista escrevesse sobreeles, mesmo que ele estivesse correto,exerceria, certamente, uma coerção maiorsobre o pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que qualquer outroobjeto das ciências naturais sobre opesquisa<strong>do</strong>r desta área. 1 Dada essa situaçãoespecífica entre sujeito e objeto <strong>do</strong> saber, énecessário definir qual é relação entre osvalores <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r social e a produção<strong>do</strong> conhecimento. Traça<strong>do</strong>s esses limites,seria preciso então utilizar um méto<strong>do</strong> maisadequa<strong>do</strong> para uma melhor compreensão da1 Seria difícil imaginar que uma rocha reclamasse daclassificação que um geólogo atribuiu a ela demaneira equivocada ou que uma espécie da fauna ouda flora desenvolvesse uma crise de identidade numasituação semelhante. É claro que se deve ressaltar queestu<strong>do</strong>s equivoca<strong>do</strong>s nos ramos das ciências naturaisdenotam uma série de conseqüências problemáticastanto quanto nas ciências humanas. E isto é próprio daatividade científica. Entretanto, nas ciências humanas,a <strong>crítica</strong> pode vir <strong>do</strong> próprio objeto de estu<strong>do</strong>,enquanto que noutras vertentes científicas a <strong>crítica</strong>surge ao cientista quase que exclusivamente de seuspares.realidade social. Estas são as afirmações quenorteiam a análise de <strong>Löwy</strong> na formulaçãode uma meto<strong>do</strong>logia própria às ciênciashumanas e na elaboração de uma <strong>“sociologia</strong><strong>crítica</strong> <strong>do</strong> <strong>conhecimento”</strong> (LÖWY, 1994, p.9).A tese geral de <strong>Löwy</strong> é desenvolvida pelopróprio autor através da análise e síntese detrês correntes específicas dentro das ciênciassociais – positivismo, historicismo emarxismo – que proporcionaram osparadigmas epistemológicos emeto<strong>do</strong>lógicos para os estu<strong>do</strong>s sobre aconstrução social <strong>do</strong> conhecimento,distinguin<strong>do</strong>-se, assim, <strong>do</strong> tratamento da<strong>do</strong>pela filosofia a este objeto até então. <strong>Löwy</strong>descreve os determinantes históricos de cadacorrente, ou seja, quais as condiçõeshistóricas que proporcionaram o surgimento,a reprodução e a superação de cada maneirade pensar. Sua tese geral é formada por trêsaspectos:Primeiro: o objeto das ciências sociais écompletamente distinto <strong>do</strong> das ciênciasnaturais, pois que ele está diretamenteliga<strong>do</strong>, em maior ou menor grau, a vida <strong>do</strong>pesquisa<strong>do</strong>r. A eficácia de compreensão <strong>do</strong>objeto aumenta à medida que o pesquisa<strong>do</strong>rconhece os determinantes sociais de seupensamento, ao contrário <strong>do</strong> que pensam osadeptos da neutralidade científica.Segun<strong>do</strong>: essa posição distinta da <strong>do</strong>s outroscientistas evidencia o caráter político daatividade <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r social. Por maisque ele tente manter uma posição deresguar<strong>do</strong> com relação ao restante dasociedade, o produto de seu trabalho provocauma série de reações dentro da mesma.Terceiro: da<strong>do</strong> o caráter histórico daconstrução e reprodução <strong>do</strong> saber, quelegitima uma certa forma de <strong>do</strong>minaçãosocial que se apresenta incoerente edestrutiva, alia<strong>do</strong> ao reconhecimento da152


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178posição intervencionista <strong>do</strong> cientista nasociedade, é possível conceber a existênciade um ponto de vista calca<strong>do</strong> nas relaçõessociais capaz de fornecer uma melhorcompreensão <strong>do</strong> real. Conseqüentemente,abre-se a possibilidade da a<strong>do</strong>ção de umaprática transforma<strong>do</strong>ra da realidade maiseficaz.Apresentamos agora como <strong>Löwy</strong> desenvolvesua análise.A recusa <strong>do</strong> modelo científico-natural deobjetividade às ciências sociaisUm <strong>do</strong>s fundamentos da tese de umasociologia <strong>crítica</strong> <strong>do</strong> conhecimento é a deque não se pode utilizar nos estu<strong>do</strong>s dasciências sociais a mesma meto<strong>do</strong>logia deanálise aplicada aos fenômenos naturais. Osfenômenos sociais apresentam uma série deespecificidades que inviabilizam a aplicação<strong>do</strong> modelo científico-natural de objetividadepelas ciências sociais.Segun<strong>do</strong> <strong>Löwy</strong>, o méto<strong>do</strong> de observaçãoadequa<strong>do</strong> às ciências sociais devereconhecer que seu objeto de estu<strong>do</strong> possuium caráter histórico, ou seja, suscetível detransformação pela ação humana (LÖWY,1978, p. 15). Também deve ser observa<strong>do</strong>que a relação entre sujeito e objeto <strong>do</strong>conhecimento é completamente parcial.Disto, apreende-se que o objeto de estu<strong>do</strong>s<strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r social se apresenta comoparte atuante de sua vida, levan<strong>do</strong>-o aperceber que a análise que ele empreendenão é apenas a <strong>do</strong> objeto em si, mas de suarelação com aquele e <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is com o restanteda sociedade. A atividade científica não seapresenta como uma esfera dissociada <strong>do</strong>restante da atividade social; os problemasvivi<strong>do</strong>s pelo cientista em sua relação com asvárias determinações de sua existênciainfluenciam na maneira como ele analisa ecompreende o seu objeto, assim como namaneira de utilizar o conhecimento. Oconhecimento produzi<strong>do</strong> pelas ciênciassociais é, pois, defini<strong>do</strong>, em grande medida,pela visão de mun<strong>do</strong> da classe social da qualo cientista pertence:A realidade social, como toda arealidade, é infinita. Toda ciênciaimplica uma escolha, e nas ciênciashistóricas essa escolha não é um produto<strong>do</strong> acaso, mas está em relação orgânicacom uma certa perspectiva global. Asvisões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> das classes sociaiscondicionam, pois, não somente a últimaetapa da pesquisa científica social, ainterpretação <strong>do</strong>s fatos, a formulação dasteorias, mas a escolha mesma <strong>do</strong> objetode estu<strong>do</strong>, a definição <strong>do</strong> que é essenciale <strong>do</strong> que é acessório, as questões quecolocamos à realidade, numa palavra, aproblemática da pesquisa (LÖWY, 1978,p. 15, grifo <strong>do</strong> autor).A posição meto<strong>do</strong>lógica defendida por <strong>Löwy</strong>vai de encontro às concepçõesmeto<strong>do</strong>lógicas positivistas, em suas diversasvariações históricas. Tanto naquilo quepoderíamos identificar como positivismoclássico, liga<strong>do</strong> às figuras de Auguste Comtee Èmile Durkheim, quanto em autores nãopositivistas que, apesar de seus discursos,não superaram certos paradigmas dessacorrente, caso de Max Weber. Vejamosrapidamente as características principaisindicadas por <strong>Löwy</strong> de cada variaçãopositivista.O positivismo clássico a<strong>do</strong>ta uma postura dehomogeneidade epistemológica entreciências naturais e sociais (LÖWY, 1978, p.10). Em outras palavras, significa que osobjetos de ambas as ciências são concebi<strong>do</strong>scomo possui<strong>do</strong>res das mesmascaracterísticas, exigin<strong>do</strong> <strong>do</strong> cientista social omesmo méto<strong>do</strong> e a mesma postura <strong>do</strong>cientista que se encarrega de estudar osfenômenos naturais. Com esta concepção,deixa-se de la<strong>do</strong> a constatação de que ocientista é, apesar de suas especificidades153


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178psicológicas e sociológicas, um ser socialcomo outro qualquer, e que, portanto, suaspaixões e preconceitos estão intimamentevincula<strong>do</strong>s com o produto de seu trabalho.O caso de Max Weber é curioso. Este autorclássico da sociologia supera os autorespositivistas ao considerar a necessidade deuma meto<strong>do</strong>logia própria às ciências sociais,dada a constatação de que os fenômenosestuda<strong>do</strong>s por este ramo <strong>do</strong> conhecimentopossuem características diversas às <strong>do</strong>soutros ramos científicos, em especial no quetange a problematização <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>.Weber reconhece que os valores <strong>do</strong>observa<strong>do</strong>r, nas ciências sociais,desempenham um papel destaca<strong>do</strong> naseleção <strong>do</strong> objeto da pesquisa científica,na determinação da problemática [...].Mas ele assinala que as respostasfornecidas, a pesquisa mesma [...],devem estar livres de qualquervaloração[...] (LÖWY, 1978, p. 14, grifo<strong>do</strong> autor).Entretanto, Weber ainda admite anecessidade, própria da atividade científica,de que a análise e a exposição <strong>do</strong> objetodevem ser os mais livres possíveis de juízosde valor. Isso porque o papel <strong>do</strong> cientista é ode esclarecer os fatos, e não o de mudar osrumos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, atributo próprio <strong>do</strong> sujeitopolítico.É interessante observar o que pronunciou opróprio Weber em duas palestras que setransformaram em textos sobre ciência epolítica como vocações distintas (Cf.WEBER, 1999). Inicialmente, ele afirma que“só aquele que se coloca pura esimplesmente ao serviço de sua causapossui, no mun<strong>do</strong> da ciência,‘personalidade’” (WEBER, 1999, p. 27,grifo <strong>do</strong> autor). Porém, o entusiasmo e apaixão provin<strong>do</strong>s da causa <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>rparecem ser nocivos em outro momento <strong>do</strong>texto:Costuma-se dizer, e eu concor<strong>do</strong>, que apolítica não tem seu lugar nas salas deaulas das universidades. [...] Com efeito,uma coisa é tomar uma posição políticaprática, e outra coisa é analisarcientificamente as estruturas políticas eas <strong>do</strong>utrinas <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s (WEBER,1999, p. 38).Weber, por mais que aparente superar aposição positivista da eliminação <strong>do</strong>spressupostos num primeiro momento,assimila na totalidade de sua meto<strong>do</strong>logia adicotomia entre ciência e política; maisprecisamente, a dicotomia entre ciência eatividade social prática. Deste mo<strong>do</strong>, tantoWeber quanto os outros positivistas nãovislumbram a contradição existente em suasconcepções: a saber, se o pesquisa<strong>do</strong>r orientasua pesquisa a um determina<strong>do</strong> nível deisenção, não estaria ele predispon<strong>do</strong> sipróprio e o objeto em questão a um roteirode investigação determina<strong>do</strong>? Sim, eleestará. E é por isso que constituição de umameto<strong>do</strong>logia que promova uma maioreficácia de compreensão <strong>do</strong> real está, entreoutras tarefas, na superação das contradições<strong>do</strong> ideário positivista.A necessidade media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> relativismoA negação da neutralidade científica traz àtona a necessidade de se conceber ummodelo de objetividade para as ciênciassociais que leve em consideração aconstatação de que to<strong>do</strong> conhecimento sobreo social “é relativo a uma certa perspectiva,orientada para uma certa visão social demun<strong>do</strong>, vinculada a um ponto de vista deuma dada classe social em um momentohistóricodetermina<strong>do</strong>(Stan<strong>do</strong>rtgebundenheit)” (LÖWY, 1994, p.204, grifo <strong>do</strong> autor). Cabe ressaltar,entretanto, que não se trata de umrelativismo absoluto, que considera válidaqualquer tentativa de explicação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>por acreditar que a objetividade <strong>do</strong>154


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178conhecimento seja puramente subjetiva 2 . Orelativismo a que <strong>Löwy</strong> se refere reconheceque certas posições sociais, em determina<strong>do</strong>sperío<strong>do</strong>s históricos, são mais favoráveis àverdade objetiva <strong>do</strong> que outras. Qual seria,então, o ponto de vista de classe maisprivilegia<strong>do</strong> epistemologicamente para oconhecimento da realidade social atual?<strong>Löwy</strong> busca a resposta analisan<strong>do</strong> asconcepções de Mannheim e <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>smarxistas historicistas (Gramsci, Lúkacs,Goldmann e Bloch).Mannheim reconhece o caráter relativo <strong>do</strong>conhecimento, tal como <strong>Löwy</strong> apresenta(LÖWY, 1998, p. 78-9). Entretanto,Mannheim considera que o marxismo, visãode mun<strong>do</strong> que originalmente aponta arelatividade <strong>do</strong> conhecimento, não foracapaz de desenvolver suas premissasepistemológicas entre os seus adeptos(MANNHEIM, 1982, p. 151). Aliás,nenhuma ideologia teria si<strong>do</strong> capaz dedesenvolver essa atitude reflexiva.Constatação que leva Mannheim a conceberque to<strong>do</strong> o conhecimento produzi<strong>do</strong> pelasociedade sobre ela mesma seria unilateral efragmenta<strong>do</strong>. Para uma compreensão maiseficaz da realidade seria necessário umasíntese de perspectivas, capaz de adequar osdiferentes conhecimentos produzi<strong>do</strong>s numaunidade coerente e dinâmica (MANNHEIM,1982, p. 172-8).2 Um exemplo dessa atitude epistemológica no campoda sociologia é o méto<strong>do</strong> fenomenológico propostopor Alfred Schutz. Para este autor, e para outros queconcordam com sua teoria, seria real apenas aquiloque se apresenta a nossa experiência primeira, ouseja, à simples aparência. Como existem diversasmaneiras de apreender o real, a realidade seriaconformada de acor<strong>do</strong> com a prática transcendentedas diversas percepções. A objetividade passaria a serformada pelo confronto de diversas interpretações <strong>do</strong>fenômeno observa<strong>do</strong>, e não mais pela análise material<strong>do</strong> próprio objeto (Cf. SCHUTZ apud WAGNER,1979).A questão mais uma vez se coloca: quemfaria esta síntese? Mannheim responde: osintelectuais; a intelligentsia sem vínculos.Antes liga<strong>do</strong>s a uma determinada classe, osintelectuais teriam assumi<strong>do</strong> uma novaposição social com o desenvolvimento daatividade científica, a ponto dereconhecerem a si próprios como umaclasse.[...] (existe) entre to<strong>do</strong>s os grupos deintelectuais, um vínculo sociológico deunificação, ou seja, a educação, que osenlaça de mo<strong>do</strong> surpreendente. Aparticipação em uma herança culturalcomum tende progressivamente asuprimir as diferenças de nascimento,status, profissão e riqueza, e a unir osindivíduos instruí<strong>do</strong>s com base naeducação recebida.[...] o homem instruí<strong>do</strong> é determina<strong>do</strong>,quanto ao seu horizonte intelectual, demúltiplas maneiras. Essa herançacultural adquirida sujeita-o à influênciade tendências opostas na realidadesocial, enquanto a pessoa cuja orientaçãoface ao to<strong>do</strong> não se processa em virtudeda sua instrução, mas que participadiretamente no processo social deprodução, tende simplesmente aabsorver a Weltanschauung (visão socialde mun<strong>do</strong>) desse grupo particular e aagir exclusivamente sob a influência dascondições impostas por sua situaçãosocial imediata (MANNHEIM, 1982,p.180-1).O que Mannheim não percebe, segun<strong>do</strong><strong>Löwy</strong>, é que a posição <strong>do</strong>s intelectuaisparece ser uma tentativa de conciliação <strong>do</strong>radicalismo <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> e <strong>do</strong>conserva<strong>do</strong>rismo da burguesia. Um ponto devista próprio da classe média, da pequenaburguesia da qual boa parte <strong>do</strong>s intelectuaisestá ligada (LÖWY, 1998, p. 85). Osintelectuais, portanto, não estariamdesvincula<strong>do</strong>s das já existentes posições155


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178sociais. A ciência se apresenta mais umavez, com contornos menos defini<strong>do</strong>s <strong>do</strong> queno positivismo, como que distinta daatividade social.Descartada a possibilidade de uma soluçãoeclética para o problema <strong>do</strong> ponto de vistaepistemologicamente privilegia<strong>do</strong>, <strong>Löwy</strong>busca no marxismo não positivista a respostada questão.Alguns marxistas consideram que o ponto devista favorável ao conhecimento estariavincula<strong>do</strong> à atividade revolucionária. Elesteriam deduzi<strong>do</strong> isso de algumas passagensde Marx, que atenta como a burguesia foicapaz de colocar como históricas asinstituições feudais outrora tachadas deeternas, mas que não conseguiu aplicar esta<strong>crítica</strong> a suas próprias instituições, tarefa quecaberia ao proletaria<strong>do</strong>.[...] vimos que os meios de produção ede troca que serviram de base àformação da burguesia foram gera<strong>do</strong>s nasociedade feudal. Em certo estágio <strong>do</strong>desenvolvimento [...], as condições dapropriedade feudal deixaram decorresponder às forças produtivas jádesenvolvidas. Entravavam a produçãoem vez de a incrementarem.Transformaram-se em meros grilhões.Era preciso arrebentá-los, e assimsucedeu.[...]Diante de nossos olhos, desenrola-se ummovimento análogo.[...]As armas que a burguesia usou paraabalar o feudalismo voltam-se agoracontra ela mesma (MARX & ENGELS,2001, p.32-4).Porém, essa tese nega a capacidade <strong>do</strong>scientistas que a<strong>do</strong>tam o ponto de vistaconserva<strong>do</strong>r em produzir conhecimentoobjetivo. Não são raros os casos em quecientistas afina<strong>do</strong>s ao status quo são maisperspicazes em reconhecer as contradiçõessociais <strong>do</strong> que aqueles que se colocam comorevolucionários. A<strong>do</strong>tar essa tese é, emultima ratio, ceder a solução ecléticaproposta por Mannheim.O que deve ser percebi<strong>do</strong> de leituras maisatentas <strong>do</strong>s textos marxianos e marxistas é a“especificidade <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong>proletário com relação ao das classesrevolucionárias <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>” (LÖWY, 1994,p. 207, grifo <strong>do</strong> autor). Ao contrário daburguesia, o proletaria<strong>do</strong> só pode cumprir oseu papel revolucionário se reconhecer etomar como bandeira a busca pela verdade,pois seu objetivo é o fim da luta de classes.O proletaria<strong>do</strong> não pode esconder os motivosde sua luta e nem tampouco se fiar na sortepara o estabelecimento de uma nova ordem;sua posição social exige uma açãoconsciente, atrelada o máximo possível coma realidade.Esta necessidade vital, que permite ao pontode vista <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> o atual privilégioepistemológico, não pode ser entendidacomo uma posição científica suprema, comose fosse a garantia de um conhecimentoverdadeiro. O próprio Marx reconhece,segun<strong>do</strong> <strong>Löwy</strong>, a importância superior dasanálises de Ricar<strong>do</strong>, um ideólogo burguês,em relação com as de Sismondi, teóricosuíço anticapitalista (LÖWY, 1998, p. 101).A ciência, pois, é uma atividade que nãopode ser concebida simplesmente peloslimites da luta de classe. Ao tomar estaposição, como fazem os chama<strong>do</strong>s marxistaspositivistas ao enfatizarem a existência deuma ciência proletária e uma ciênciaburguesa (LÖWY, 1978, p. 24), comete-seerro semelhante ao <strong>do</strong>s positivistas:considera-se de maneira unilateral,incompleta, uma atividade social totalizante.A ciência perde, com os positivistasclássicos, seu caráter particular, histórico; já156


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178para os marxistas positivistas a ciência perdeseu caráter universalmente humano, queperpassa a condição de classe. Evitan<strong>do</strong> oerro destas concepções, <strong>Löwy</strong> admite aexistência de uma ”autonomia relativa daciência social” (LÖWY, 1978, p. 33, grifo<strong>do</strong> autor).A realidade e o cientista como umapaisagem e um artista<strong>Löwy</strong> demonstra essa autonomia científicarecorren<strong>do</strong> a metáfora <strong>do</strong> artista. Para ele, aatividade <strong>do</strong> cientista é semelhante a de umartista. O objeto de estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cientistasocial se assemelha a paisagem que o artistaprocura retratar. Para ambas as atividades écrucial o ponto de observação daquilo queserá examina<strong>do</strong> ou retrata<strong>do</strong>. A posição <strong>do</strong>artista ou <strong>do</strong> cientista vai definir o que podeser observa<strong>do</strong>. Um artista que se estabeleceaos pés de uma montanha poderá desenharapenas aquilo que se apresenta a ele: amontanha e qualquer outro objeto que estejapróximo à sua base; se ele sobe a montanhae faz <strong>do</strong> cume o seu mirante de observação,terá, de certo, um horizonte inteiro a retratar.O mesmo ocorre com o cientista, claro quede uma maneira mais complexa, mas nãomenos inteligível de se compreender secomparada a este exemplo tópico. Comoto<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> de <strong>Löwy</strong> deixa perceber, o quedefine o mirante <strong>do</strong> cientista é o ponto devista de classe que ele toma paracompreender a realidade, a paisagem a serretratada (LÖWY, 1994, p. 212-3).Mas apenas a posição <strong>do</strong> mirante não écapaz de garantir um retrato pleno dapaisagem. Apresenta-se como determinantea técnica <strong>do</strong> artista. É a sua experiência quedefine como a paisagem será retratada. Parao cientista, sua técnica é o méto<strong>do</strong> depesquisa. Méto<strong>do</strong> este que não se defineexclusivamente pelo ponto de vista quetoma, mas sim por uma imensidão depesquisas anteriores que, fracassadas ou não,contribuíram para o seu desenvolvimento.Mesmo influenciada por determina<strong>do</strong>spontos de vista, a atividade científica possuium propósito claramente universal: oconhecimento da realidade. Se se esqueceessa premissa, a ciência se tornaexclusivamente instrumento de <strong>do</strong>minação(LÖWY, 1994, p. 214).É por isso que as pesquisas de <strong>Löwy</strong>ressaltam o caráter científico da atividaderevolucionária <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> já aponta<strong>do</strong>por Marx, Engels e tantos outros. Oproletário se apresenta como uma classesocial que precisa de verdade para selibertar, permitin<strong>do</strong> àqueles que se colocamem seu ponto de vista reconhecer tanto ocaráter particular quanto o universal <strong>do</strong>conhecimento: respectivamente, o de queconhecer é uma atividade ligadaintimamente a vida <strong>do</strong>s indivíduos e de queesse conhecimento é necessário a todasociedade (LÖWY, 1994, p. 217-8).Considerações finaisA tese de <strong>Löwy</strong>, a <strong>“sociologia</strong> <strong>crítica</strong> <strong>do</strong><strong>conhecimento”</strong>, se constitui, a princípio,como uma tentativa de superação dascontradições meto<strong>do</strong>lógicas existentes nascorrentes teóricas que unilateralizam arelação sujeito-objeto nas ciências humanas.Ao negar o suposto distanciamentovalorativo <strong>do</strong> cientista social diante de seuobjeto, demonstran<strong>do</strong> como a ciência é umaatividade social distinta das outras – masmesmo assim atividade social, <strong>Löwy</strong> propõeum modelo de ação para to<strong>do</strong>s os ramos dachamada ciência humana. A <strong>“sociologia</strong><strong>crítica</strong> <strong>do</strong> <strong>conhecimento”</strong> não seria um novoramo da ciência acadêmica, seria sim ummarco de renovação para todas as ciênciassociais; seria uma tentativa de superação <strong>do</strong>sentraves de uma postura cientificista que sepretende desvinculada da atividade social.157


Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15belli.pdfNº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178É certo que nas obras analisadas no presentetexto, esse plano de ação está muitogeneraliza<strong>do</strong>. Ele aponta apenas ospressupostos necessários para evitar os errosjá cometi<strong>do</strong>s por outros cientistas quetrataram <strong>do</strong> assunto, não descreven<strong>do</strong> umméto<strong>do</strong> propriamente dito. Mas <strong>Löwy</strong> deixaclaro que esse méto<strong>do</strong> é o méto<strong>do</strong> marxista:o materialismo histórico-dialético.ReferênciasLÖWY, <strong>Michael</strong>. “Objetividade e ponto de vista declasse nas ciências sociais”. In Méto<strong>do</strong> dialético eteoria política. 2ª ed. – Rio de Janeiro : Paz e Terra,1978._____________. As aventuras de Karl Marxcontra o Barão de Münchhausen: marxismo epositivismo na sociologia <strong>do</strong> conhecimento[tradução de Juarez Guimarães e Suzanne FelicieLéwy]. 5ª ed. rev. – São Paulo : Cortez, 1994._____________. Ideologias e ciência social:elementos para uma análise marxista. 12ª ed. – SãoPaulo : Cortez, 1998.MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia [tradução deSérgio Magalhães Santeiro]. 4ª ed. – Rio de Janeiro :Zahar, 1982.MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto <strong>do</strong>Parti<strong>do</strong> Comunista [tradução de Suely TomaziniBarros Cassal]. Porto Alegre : L&PM, 2001.SCHUTZ, Alfred. “O mun<strong>do</strong> da vida” e“Transcendências e realidades múltiplas”. InWAGNER, Helmut R. (org.). Fenomenologia erelações sociais: textos escolhi<strong>do</strong>s de Alfred Schutz[tradução de Ângela Melin]. Rio de Janeiro : Zahar,1979, respectivamente, p.72-6 e p.241-3.WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações[tradução de Leônidas Hegenberg & Octany Silveirada Mota]. 14ª ed. – São Paulo : Cultrix, 1999.158

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