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SETOR ÁFRICA

Material do Professor - África - Museu Afro-Brasileiro - Universidade ...

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CENTRO DE ESTUDOS AFRO-ORIENTAIS / UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA<strong>SETOR</strong> <strong>ÁFRICA</strong>Projeto de Atuação Pedagógica e Capacitação de Jovens MonitoresMATERIAL DO PROFESSOR


fessores das escolas atendidas no Museu para preparação deatividades relacionadas à visita. Este material constitui-se, ainda,em recurso de pesquisa para elaboração do planejamentono que tange ao ensino interdisciplinar de história e culturas daÁfrica. Ele contém:· Um texto introdutório que auxiliará a compreensão das formasde organização social e política nas sociedades africanas, bemcomo o papel da arte nas mesmas.· Um mapa político e étnico da África, destacando os povos representadosna exposição.· Fotografias de oito objetos da exposição (cinco dos quais constamno Material do Estudante).· Exercícios de leitura de imagem e informações específicas sobreestas peças, passíveis de utilização durante e após a visita,em sala de aula.O texto introdutório procura abordar os temas dos roteiros dosetor África: Família, ancestralidade e fertilidade; Rituais de iniciaçãoe marcas corporais; Papéis masculinos e femininos nasociedade; Tradição oral e linguagem proverbial; Ancestralidadee poder nos reinos africanos: as insígnias de reis e chefes. Otexto oferece também um panorama sobre os diversos gruposétnicos africanos aportados no Brasil, segundo sua área de procedência(os “sudaneses” do Golfo do Benin e os bantu da ÁfricaCentro-ocidental).Durante a visita o monitor abordará alguns destes temas, a partirdas peças da exposição. É importante frisar que o visitante desempenhaum papel ativo neste processo, uma vez que o monitornão age como guia que apenas “deposita” seus conhecimentos,mas sim procura estimular o olhar e a percepção do visitanteatravés de uma leitura dialogada dos objetos, fornecendo-lheinformações históricas e antropológicas sobre as sociedadesque os produziram, para que ele possa, além de fruir esteticamentea visita, ter uma melhor compreensão dos significados dosobjetos em seu contexto original de produção e consumo.Desejamos a todos uma agradável e proveitosa visita às nossasraízes africanas e a seus frutos afro-brasileiros!


<strong>ÁFRICA</strong>Madeira (Portugal)Ilhas Canárias (Espanha)MarrocosTunísiaMar MediterrâneoSaara OcidentalArgéliaLíbiaEgitoMar VermelhoCabo VerdeSenegalGâmbiaGuiné BissauSerra LeoaMauritâniaGuinéLibériaCosta do MarfimMaliBurkina FassoTogo BeninGanaGuiné EquatorialSão Tomé & PríncipeGRUPOS ÉTNICOS REPRESENTADOSNA EXPOSIÇÃO DO MAFRO1 Yoruba2 Bini3 Fon4 Igbo5 Akan/Ashanti6 Wolof7 Bobo6Oceano Atlântico8 Kongo9 Tchokwe10 Luba11 Kuba12 Ndengese13 Lulua14 TurkanaRio Níger7531Golfo da Guiné2Nigéria4NígerCabinda (Angola)ChadeRep. Centro AfricanaCamarõesGabãoLago ChadeRep.do Congo8Rep. Dem. do Congo12AngolaNamíbiaRio Congo91113SudãoZâmbiaBotsuanaRio OrangeÁfrica do SulLago Albert10Rio ZambezeUgandaRuandaBurundiTanzâniaQuêniaMalawiMoçambiqueZimbábueLesotoRio NiloLago VitóriaLago TanganicaLago MalawiSuazilândiaEritréiaEtiópia14Lago TurkanaCanal de MoçambiqueDjibutiComoresSomáliaSeychellesMadagascarOceano Índico


Africanidade: diversidade e unidade nassociedades africanasUMA OUTRA VISÃO DE <strong>ÁFRICA</strong>O continente africano é marcado por uma enorme diversidadede climas e paisagens (deserto, sahel, savana,floresta equatorial, montanhas de altitude superior a5000 m, paisagens mediterrânicas), nas quais se desenvolvemformas diferentes de produção da vida econômica(caça, coleta, pesca, agricultura, pastorício, comércio),por povos que diferem muito entre si, em termos lingüísticos,culturais, religiosos e no fenótipo (aparência física).É preciso ressaltar a grande diversidade que há na África,com o objetivo de questionar os estereótipos que representamo continente como um só bloco indiferenciado. Hámesmo quem chegue a pensar que a África é um país, enão um continente. E, normalmente, esse “país” é pensadocomo um lugar onde habitam povos “primitivos”, que vivemem “tribos”, em meio à floresta cheia de animais selvagens,abatidos pela fome, por desastres naturais, comoenchentes e secas terríveis, além de epidemias. O objetivoda ação educativa do Projeto de Atuação Pedagógica doMAFRO é desconstruir tais estereótipos exaustivamenterepetidos pela mídia e pela própria educação formal,através dos livros didáticos e currículos. Desta forma,procuramos dar ao professor informações que alarguemseu conhecimento e sua visão sobre a África.Foi o pensamento europeu do fim do século XIX, consideradoentão científico, que construiu essas imagens negativas sobrea África, os africanos e seus descendentes nas Américas.Para justificar a dominação colonial em território africano,forjou-se o conceito de raças humanas, pressupondo uma hierarquiaem cujo topo estava, evidentemente, o branco (“caucasiano”).Na base estariam os povos africanos e outros depele escura, como os aborígines australianos, vistos como“incapazes”, “preguiçosos”, “atrasados”, “selvagens”, que sópoderiam ser salvos pela ação da colonização européia e daevangelização. Enquanto isso, as companhias de comércioeuropéias e os representantes dos Estados europeus invadiamo continente, obtendo enormes lucros com minérios,marfim, cacau, cera, borracha e, claro, com o trabalho “compulsório”dos africanos, eufemismo para as novas formasde servidão que se constituíam e legitimavam, no lugar daescravidão stricto senso.Tal conceito de “raças humanas” não tem nenhuma validadedo ponto de vista biológico, considerado hoje completamenteequivocado pela comunidade científica, queunanimemente afirma que a única raça é a raça humana.No entanto, sabemos que “raça” continua sendo um conceitoimportante do ponto de vista político, econômicoe social, já que a diferença entre brancos e negros éevidente em termos de renda per capita, taxa de desemprego,expectativa de vida, acesso à educação e à saúde,violência policial, entre outros. As mulheres negras, particularmente,são as que ocupam o último degrau da hierarquiasocial, pela dupla incidência do racismo e domachismo. Desta forma, quando movimentos sociais,como o movimento negro, reivindicam políticas públicasespecíficas para a “raça” negra, não quer dizer que elesnão saibam que “raça não existe”, mas justamente mostramsua luta para que a diferença “racial” deixe de seruma forma de desigualdade social.Sabendo-se que as imagens negativas associadas ao continenteafricano foram criadas para servir aos objetivos políti-


cos da dominação européia durante o colonialismo, é nossopapel desconstruir tais imagens, que inferiorizam os africanose seus descendentes na América. É preciso fazer umduplo movimento de reconhecer a grande diversidade daspaisagens naturais, das culturas, das formas de organizaçãosocial e política do continente africano, e ao mesmo tempoidentificar certos elementos comuns que, a despeito de tantadiversidade, estão presentes em grande parte das sociedadesafricanas, especialmente ao sul do deserto do Saara.A existência de tal conjunto de características comuns, quecomporta, porém, a diversidade e a pluralidade, constitui oque alguns autores têm denominado de africanidade.No pensamento e na vida do Ocidente, economia é economia,política é política, religião é religião. Estas são esferas autônomas,com instituições em grande parte independentes:uma coisa é o Estado nacional, outra as igrejas, outra os bancos,e assim por diante. Porém, na África (especialmenteantes da colonização, mas de certa forma até hoje), essasesferas são inter-relacionadas e interdependentes. Ou seja,é muito difícil dizer se determinado fenômeno é “político”,“econômico” ou “religioso”, pois a visão de mundo dos africanosnão divide a realidade nestas categorias. Quando asutilizamos, devemos ter em mente que estamos nos valendode um instrumento de análise estranho à própria visão demundo tradicional africana. Procuraremos, assim, compreenderesta visão de mundo, valendo-nos de generalizaçõesque não se aplicam totalmente a nenhuma sociedadeafricana, mas que podem ser úteis para uma primeiraabordagem destas realidades múltiplas e complexas. Apartir disso, será possível compreender o papel da arte emtais sociedades, seus usos e sentidos.INDIVÍDUO, FAMÍLIA E ANCESTRALIDADEO indivíduo se reconhece e ganha existência social nas sociedadesafricanas, fundamentalmente, como membro deuma família. A família é a instância mais importante desocialização do indivíduo, bem como da organização e controleda vida em sociedade.O modelo de família africana, porém, não é o mesmo que ode família burguesa ocidental. Não se restringe a pai, mãee filhos. Lá, existe o que a Antropologia chama de famíliaextensa, que inclui um homem com uma ou mais esposas,suas filhas e filhos, por vezes com cônjuges e filhos, sobrinhoscom suas esposas e filhos, chegando a englobar,em uma mesma célula familiar, quatro ou cinco geraçõesde parentes vivos.Sim, parentes vivos, pois na verdade a família não começanem acaba nas gerações vivas. Ela começa muito antes, comtodos os ancestrais da linhagem, cujos nomes são guardadospela tradição oral, e, antes deles, aqueles de quem jánão se sabe os nomes e que passam a ocupar um lugarde intermediários entre os vivos da linhagem e o próprioSer Supremo. Mas a família tampouco termina na geraçãomais nova dos vivos, ela se estende no futuro até todas asgerações posteriores, que garantirão a continuidade donome e da memória dos vivos.Cada pessoa é, assim, fruto do casamento não só de umhomem e uma mulher, mas de duas linhagens, a materna ea paterna. No entanto, a herança que um indivíduo recebe– os bens materiais e o status social que ostenta – nãovem em geral das duas linhagens, mas sim de uma só. Casoesta transmissão da herança venha por parte da mãe, estasociedade é chamada de matrilinear. Do contrário, serápatrilinear. Se a herança, as responsabilidades e a participaçãopolítica do indivíduo no grupo social são herdadas dalinhagem da mãe, quem exerce a autoridade sobre ele é seutio materno (o irmão da mãe). Por sua vez, nas sociedadespatrilineares, a autoridade emana do pai e da sua linhagem.O poder sempre é exercido por homens, mesmo nassociedades matrilineares, nas quais o homem mais velhoassume o comando da linhagem. Essa pertença de um in-


divíduo a uma linhagem não quer dizer que a outra nãotenha influência em sua vida. Normalmente, se a herançados cargos e bens materiais (ou seja, o poder no planoterreno) vem da linhagem da mãe, é da linhagem do paique virá a herança do poder espiritual, o conhecimentoreligioso e mágico. O inverso também é verdadeiro: em sociedadespatrilineares, é da linhagem da mãe que vem opoder mágico-religioso.Neste sistema, quanto mais velho se é, mais prestígio einfluência se tem. O respeito é devido a todas as pessoasmais velhas (anciãos). Um homem da geração do pai, mesmosem ser da família, é tratado com o mesmo respeitoque o pai, assim como uma mulher da geração da mãe érespeitada e obedecida como a mãe.O CONCEITO DE FORÇA VITALDe onde vem este poder? Ele se fundamenta na idéia, presenteem praticamente todas as sociedades africanas,de que existe uma força vital, um princípio dinâmico daexistência, presente em todos os seres. A fonte primeirada força vital é o Criador. Os ancestrais divinizados, ouseja, homens que viveram há muito tempo e cuja históriafoi incorporada pelos mitos, como os grandes fundadoresde cidades e reinos e heróis civilizadores, são, depois doCriador, os que mais possuem força vital. Depois deles vêmos ancestrais das linhagens. Em seguida, nesta escala, estãoos homens vivos. Dentre estes, os mais velhos são osque mais possuem força vital. Assim, entendemos porqueeles têm mais prestígio e poder nas sociedades. É precisolembrar, porém, que todos os seres humanos, e tambémanimais, vegetais e minerais possuem, segundo a visão demundo africana, força vital, que pode ser aumentada, dividida,manipulada, diminuída. As religiões afro-brasileirastambém reconhecem o princípio da força vital, chamadapelos yoruba de axé.


GRUPOS DE IDADE E INICIAÇÃOUma divisão importante que existe nas sociedades africanasé a dos grupos de idade, ou seja, das diferentesgerações vivas na sociedade. É preciso notar que o quecaracteriza um grupo de idade não é apenas o fato de seusmembros terem idades cronológicas próximas entre si, masespecialmente o fato de terem passado pelos rituais de iniciaçãojuntos. Tais rituais envolvem uma série de aprendizagense vivências compartilhadas por um grupo de adolescentes,durante as quais adquirem habilidades necessáriasao desempenho de funções na vida adulta. Essa aprendizageminclui momentos de companheirismo, solidariedade,partilha de alegrias e também de momentos difíceis e atémesmo dolorosos.O apogeu do processo de iniciação é o momento em que osjovens recebem alguma marca corporal que permanecerápara o resto de suas vidas, como uma tatuagem ou escarificação,ou ainda a circuncisão, momento que geralmente éseguido de uma grande festa, na qual os jovens são inseridosnovamente na comunidade, agora já na condição de iniciados,isto é, adultos que têm direitos e deveres para comsuas famílias e a sociedade em geral. As escarificaçõesdevem ser entendidas, assim, como atestados de pertençaao grupo e de preparação para o desempenho de papéissociais. A vivência do processo de iniciação em geral é tãomarcante que cria laços especiais por toda a vida entreos que passaram juntos por ele. É importante frisar quemeninos e meninas são iniciados separadamente, cadaum aprendendo a desempenhar seus papéis, que são bemdiferentes, como veremos adiante.RELAÇÃO COM A NATUREZA, O CULTIVO DATERRA E A NOÇÃO DE FERTILIDADEAs pessoas de cada unidade familiar cultivam a terra de formacoletiva. A terra, até muito recentemente, nunca foi vistacomo propriedade, muito menos como propriedade privada,na África. Os homens é que pertencem à terra, e não o contrário.A riqueza, desta forma, é ligada ao controle do trabalhodos membros da família, e não à posse de terras. Quantomaior o número de dependentes que tenha o chefe de umalinhagem, tanto maior será sua riqueza e seu prestígio (mastambém maior será sua responsabilidade, na função de redistribuidordesta riqueza e de mediador das relações entreos numerosos membros de sua linhagem).Podemos dizer então que a unidade sócio-política debase não é definida por um determinado território, maspela existência de um grupo familiar, controlado por umchefe, que é em geral o homem mais velho da linhagem.As fronteiras fixas e fechadas, tais como as conhecemosnos modernos Estados nacionais, evidentemente não têmsentido neste sistema. Quando uma parcela da terra seesgota pelo cultivo, o grupo muda-se em busca de novasterras férteis. No entanto, a utilização da terra, que temum caráter sagrado, enquanto morada dos ancestrais,depende da realização de pactos com os seus espíritosguardiões, que de tempos em tempos devem ser renovados.O mesmo pode-se dizer em relação às fontes d’água erios. Estes pactos garantem a fertilidade, propiciando boascolheitas, a reprodução do gado e também a fertilidade dasmulheres. A fertilidade e a prosperidade são vistas comodecorrência da manutenção do equilíbrio na relação coma natureza e com os ancestrais (que, como membros maisvelhos, portanto mais poderosos da linhagem, são os quezelam por sua continuidade). As alterações neste equilíbrio,causadas, entre outras coisas, pela ruptura dos pactos, podemacarretar a esterilidade dos campos, dos animais edas mulheres, o que significa, nestas sociedades agrícolas,desordem, escassez e mesmo a morte. Os pactos devem sermantidos tanto com os ancestrais masculinos, como com osfemininos, através da realização de oferendas e respeito a tabuse proibições. Homem e mulher são opostos que se complementam,cada qual desempenhando um papel específico.


PAPÉIS MASCULINOS E FEMININOSNA SOCIEDADEIsto também é visível na divisão do trabalho: há trabalhosfemininos e trabalhos masculinos. As mulheres são encarregadasde grande parte dos trabalhos agrícolas, da provisãode água, lenha, da transformação e preparação dosalimentos, da criação dos filhos e, em muitas sociedades,de várias atividades comerciais. Alguns ofícios artesanais,como a fiação do algodão, a confecção de cestas e cerâmicae em alguns casos a tecelagem, também podem ser feitospor mulheres. Os homens são aqueles que desbastam asterras para a agricultura, caçam, pescam, cuidam do gadoe realizam também o comércio e alguns ofícios artesanaistradicionais, especialmente a forja do ferro e a curtiçãodo couro, além da tecelagem e confecção de instrumentosmusicais e de estátuas e máscaras. Há muito a dizer sobreo papel destes objetos na vida dos africanos, bem comoo significado dos ofícios artesanais. De antemão, podemosafirmar que cada uma destas atividades é acompanhadade fórmulas e rituais que garantem a permissão para a realizaçãodos trabalhos que possuem dimensões sagradas,pois envolvem a transformação da natureza.Homens e mulheres formam também associações ou sociedadesseparadas, com o objetivo de garantir seus interessese sua representação no conjunto da sociedade. Este é o caso,por exemplo, da sociedade Geledé, dos yoruba, formada pormulheres. Realiza-se anualmente um festival da associação,no qual as máscaras Geledé dançam, dramatizando os conflitose tensões sociais entre homens e mulheres. Neste festivalhomenageiam-se as Ia Mi Oxorongá, as mães ancestrais dopovo yoruba, reverenciando desta forma todas as mulherese seu poder mágico sobre a fertilidade e bem-estar da sociedade.Estas máscaras, porém, são usadas por homens. Estaé uma forma de mostrar que as mulheres, apesar de nuncaexercerem diretamente o poder político, também têm umpapel importante na ordem social. Suas opiniões devem serlevadas em conta na tomada de decisões. Além dos yoruba,


inúmeros outros povos africanos têm associações femininasque cumprem papel semelhante.CENTRALIZAÇÃO DO PODER: A FORMAÇÃO DECHEFIAS E REINOS AFRICANOSEstamos nos referindo, até então, a realidades agrícolas,nas quais as densidades populacionais são muito baixas eos grupos produzem tudo ou quase tudo que é necessárioao sustento do grupo familiar. Neste contexto, trata-se deuma ou mais linhagens que vivem em aldeias próximasaos campos de cultivo e/ou de pastagem. A prosperidadedesta produção por vezes gerou excedentes, que passarama ser trocados com outras aldeias. Algumas delastornaram-se centros de troca, com feiras que reúnemprodutos e comerciantes de diferentes regiões.Estes, desde uma época muito remota, comercializam osprodutos entre o interior e a costa (e vice-versa), entrea região da floresta e a savana e entre esta e as regiõespara além do deserto do Saara (no caso da África Ocidental),estabelecendo rotas e mercados que perdurarampor séculos. Este comércio favoreceu uma produção maisespecializada e uma dependência maior das trocas paraobter produtos de outras regiões.São criadas assim sociedades baseadas não mais naprodução auto-suficiente de uma aldeia composta por algumaslinhagens, mas sim em uma economia fundada nacomplementaridade das trocas comerciais entre diversosgrupos, que fundaram cidades para tornar este comérciomais permanente. A crescente especialização permitiu queos ofícios artesanais passassem a ser, em alguns casos,exclusivos de uma ou algumas famílias, que transmitemos conhecimentos técnicos para o seu fazer, de geraçãoem geração. A gestão política não está mais em mãos dochefe da linhagem, respaldada no controle da produção de


sua família. O chefe agora deve ser o mediador dos interessesde muitas linhagens, assumindo o controle dastrocas comerciais. Para isso, é assistido por um conselhode notáveis, composto pelos mais velhos das linhagens, quesão responsáveis pela resolução dos conflitos, através delongos debates.É claro que esse tipo de organização social e política pressupõeuma maior diferenciação e hierarquização social. Éimportante notar que o poder exercido pelo chefe destaunidade política maior, cujo centro é uma cidade, não incidediretamente sobre as aldeias como unidades sóciofamiliares.Lá, o chefe da linhagem continua exercendosuas funções. A submissão a um poder mais centralizado,exercido a partir das cidades, se dará em forma de pagamentode tributos, no envio de soldados para os exércitose em alianças confirmadas pelos casamentos e pela trocade presentes que funcionam como bens de prestígio,isto é, bens que, para além de seu valor material, têm umvalor simbólico, que evidencia o status de seu possuidor.De toda forma, o chefe ocupa uma posição que muitasvezes não é hereditária, mas sim negociada, atravésda obtenção de um consenso dos notáveis em torno deseu nome. A fonte de sua autoridade e legitimidade, assimcomo a dos chefes de linhagem, continua a ser agrande força que lhe era atribuída, advinda de sua relaçãoprivilegiada com seus ancestrais e com os espíritosda natureza. Toda sua vida era ritualizada, pautada porprescrições e proibições que visavam manter o equilíbriodesta relação, já que o bem-estar da comunidade estavaintrinsecamente relacionado ao bem-estar do chefe. Viade regra, ele exercia um poder político respaldado pelopoder mágico-religioso.A sucessiva agregação de aldeias e chefias de linhagem àesfera de influência de um chefe podia levar à formação deunidades políticas muito maiores, que foram, por falta devocábulo mais preciso, chamadas de reinos. É preciso lembrarque estes reis tinham pouco em comum com os monarcasabsolutos europeus. Este rei era o primeiro entre seuspares, os outros chefes, que reconheciam seu poder. Alémdisso, suas ações eram fundadas na redistribuição dosbens e na reciprocidade devida a seus pares. Por vezes,ainda, ocorreu um alargamento ainda maior da esfera deinfluência militar e comercial de um reino, formando algunsimpérios, especialmente na África Ocidental, que floresceramentre os séculos VIII e XVI, devido especialmenteao controle das rotas de comércio transaariano, tais comoo Reino do Gana, o Império do Mali e o Império Songhay.Também na África Central, entre os povos de língua bantu,surgiram reinos entre os séculos XV e XIX, como o Reino doKongo, o Reino Lunda e o Reino Luba.Estas formas de poder político foram profundamente alteradas,primeiramente com o tráfico de escravos, quecausou grandes desequilíbrios nas sociedades africanasa partir do século XVI, e depois com a invasão européia e ocolonialismo, no século XIX. A violência colonial, apesar deter dissolvido o poder político dos reinos e impérios africanos,não conseguiu acabar com as formas básicas de organizaçãosocial nas aldeias, onde até hoje as chefias delinhagem e as chefias locais, com o auxílio dos conselhosde anciãos e das associações masculinas e femininas, controlama vida política local. Por isso não devemos pensarque ao falarmos de ancestralidade, linhagens, divisão dasociedade em metades masculina e feminina e entre gruposde idade, chefias político-religiosas, estamos falandoapenas da realidade da África pré-colonial, existentesomente até o fim do século XIX. Ao contrário, até hojeestes conceitos são fundamentais para entendemos a organizaçãodas sociedades africanas, bem como a visão demundo de seus membros.Veremos a seguir como e entre quais povos ocorreu oprocesso do tráfico de escravos e seus desdobramentosaqui, na outra margem do Atlântico.


A <strong>ÁFRICA</strong> NO BRASIL: OS “SUDANESES” DOGOLFO DO BENINMuitos historiadores e antropólogos, ao estudar a procedênciados africanos escravizados aportados ao Brasil,apontaram a existência de dois grandes grupos: sudanesese bantos. Veremos a seguir o que significam exatamenteestes termos.Comecemos pelos “sudaneses”. O termo “Sudão” temorigem no árabe “Bilad al-Sudan”, que quer dizer “Paísdos negros”, e era a forma como os árabes que ocuparamo norte da África se referiam às regiões ao sul do desertodo Saara. “Sudão” era então, a princípio, toda a África subsaariana.Este termo, porém, passou a referir-se especialmenteàs sociedades da África Ocidental situadas ao longodo rio Níger, que mantiveram relações comerciais duranteséculos com os berberes e árabes ao norte do Saara e que,em virtude disso, são em grande parte islamizadas. Estaárea corresponde a partes dos atuais países Mali, Níger,Nigéria, Burkina Fasso, Senegal e Guiné.Os povos que ocupam a costa da África Ocidental, especialmenteo Golfo do Benin, não tiveram contato direto comos povos ao norte do Saara, nem se converteram significativamenteao islamismo até o século XX. Por estarem naÁfrica Ocidental, porém, foram genericamente chamadosde “sudaneses” por pioneiros dos estudos afro-brasileiros,como Nina Rodrigues e Arthur Ramos, nomenclaturaesta que se difunde largamente nos livros didáticos. Assim,quando se fala em “sudaneses” no Brasil, na verdadetrata-se de povos com estreitas relações culturaise comerciais entre si, que habitam há séculos a região doGolfo do Benin compreendida entre o Rio Mono, a oeste,a região de Borgu, ao Norte e o delta do rio Níger, a leste:Yoruba, Aja (compreendendo os sub-grupos Fon, Ewe eGun), Edo (ou Bini).Os Yoruba ocupam territórios nos atuais países Nigériae Benin. Constituem uma área cultural com numerosossub-grupos, presentes no sudoeste da Nigéria, como osOyó, Ibarapa, Ifé, Ijebu, Egba, Egbado, Ondo, Ikale, Ekiti,Owo, Akoko, Awori, bem como na fronteira entre Nigériae Benin, como os Ketu, Ohori, Ifonyin e Anagô. Todos estessubgrupos remontam sua origem histórica à cidade deIfé, onde se originou uma civilização que teve seu apogeuentre os séculos XII e XV. Hoje os achados arqueológicoscomprovam este fato, mantido nos relatos míticos transmitidosoralmente de geração em geração. As cidadesyoruba mantiveram-se em grande parte como unidadespolíticas independentes, apesar de serem unidas pela línguae pela cultura. Exceção a essa maneira dos yoruba seorganizarem politicamente foi o Império de Oyó, um estadocentralizado que, ao longo do século XVIII, consolidouseu predomínio na região.Os Fon ocupam territórios no atual país Benin. Inimigoshistóricos dos yoruba, especialmente dos subgrupos queviviam em suas fronteiras, ou seja, os Ketu e os Anagô,travaram contra estes muitas guerras, que resultaramno apresamento e escravização dos inimigos vencidos,por ambas as partes. Os Fon também formaram um estadocentralizado, o Reino do Daomé, fundado no séculoXVII e submetido por Oyó em 1748, ficando até a década de1820 sob sua dominação.Os Edo, ou Bini, ocupam o território a leste da regiãoyoruba, na Nigéria, até a margem direita do delta do RioNíger. Apesar de estarem bem longe do país atualmentechamado Benin, este povo constituiu nos séculos XVII a XIXo Reino do Benin, a terceira importante formação políticadesta região. Os Bini, assim, como os yoruba, tambémafirmam ser descendentes do fundador mítico e primeirooni (rei) de Ifé, Oduduwa. Isso evidencia que, apesar deserem povos distintos, yorubas e binis são aparentados


histórica e culturalmente e possuem instituições políticase sociais semelhantes.No século XIX, chegaram milhares de africanos escravizadosao Brasil, e especialmente à Bahia, procedentesdo Golfo do Benin, passando aqui a predominar numericamentesobre escravos de outros grupos étnicos deorigem bantu, chegados em séculos anteriores. Este fatofoi resultado das guerras entre povos que, fazendo cativosentre os inimigos de guerra aprisionados, passarama vendê-los aos traficantes europeus e brasileiros. Assim,a presença no Brasil de escravos genericamente identificadoscomo “sudaneses” só se explica pelas guerras travadasentre os yoruba, fon, bini, hausa e fulani.É importante frisar que não havia nenhuma identidade entreestes povos somente pelo fato de serem “africanos” ou“negros”. Estes conceitos na verdade só passaram a fazersentido no fim do século XIX e principalmente no séculoXX, quando os africanos e seus descendentes na diásporapassam a resistir à dominação européia, tentando criaruma unidade pan-africana antes inexistente. Assim, aguerra entre eles não pode jamais ser entendida comoguerra “entre irmãos” apenas por serem todos africanos,uma vez que a identidade que possuíam era yoruba ou fonou bini, ou seja, uma identidade étnica e mesmo a identidadede seu subgrupo (Ketu, Oyó, etc). Os “outros” povose subgrupos eram tidos como inimigos de guerra que poderiamser submetidos e mesmo escravizados.Apesar da participação de africanos no tráfico ser inegável,não podemos esquecer que foram os europeus que fizeramdo escravismo a base do sistema capitalista mercantilista.A escravidão já existia em África sob outras formas,especialmente a chamada escravidão doméstica ou delinhagem. Naquele contexto, no entanto, o escravo continuavaa ser considerado como pessoa, mantendo algunsdireitos: a casar-se, a parte da produção agrícola,a exercer certos ofícios qualificados, podendo ascendersocialmente, ter bens e ocupar cargos de chefia, especialmentena administração pública e no exército. Na maioriados casos, o escravo era ligado à família do senhor e nãopodia ser vendido. A organização social e política de muitassociedades africanas, como vimos, pautava-se pelocontrole exercido pelo chefe de linhagem sobre seus dependentes(filhos, irmãos mais novos, noras, netos). O escravoinsere-se neste sistema como mais um dependente,porém não pertencente à linhagem, mas “estrangeiro”,propiciando prestígio e poder ao chefe. Alguém podia tornar-seescravo em conseqüência de penhora por dívida,de punição por algum crime cometido ou como espóliode guerra.Tal quadro, que prevaleceu até o fim do século XVIII, é muitodiferente do que se delineou com o estabelecimento do escravismomercantilista pelos europeus, que fizeram do tráficoo seu grande negócio. Neste momento, o apresamento


e tráfico se tornam finalidades em si próprias. Desta forma,a escravização passou a não ser mais a conseqüênciade guerras entre povos ou entre linhagens, mas o motivopelo qual as guerras eram feitas, tornando-se guerras decaptura ou razias. O tráfico provocou a desestruturaçãodos Estados e sociedades em que se instalou, criando rivalidadesentre suas elites, que passam a disputar o poder,especialmente segmentos das linhagens reais, gerando umclima de insegurança geral e ruptura do tecido social. O serhumano escravizado deixava de ser pessoa para tornar-semercadoria, perdia direitos políticos e sociais, não podiamais ter bens ou família: tal é a situação do escravizadocomo a conhecemos nas Américas.A <strong>ÁFRICA</strong> NO BRASIL: OS POVOS BANTUO tráfico de escravos da África Centro-Ocidental, dos territóriosnas imediações da foz do rio Congo e outros maisao sul, nas redondezas do rio Cuanza e até o planalto deBenguela, foi o que exportou para as Américas o maiornúmero de pessoas e o mais duradouro na história da escravidãomoderna. Luanda, hoje a capital de Angola, foi omaior porto negreiro da África, de onde, juntamente comos portos de Mpinda e Benguela, saiu a grande maioria dosafricanos escravizados para o Brasil, desde o início doséculo XVI até a extinção do tráfico em 1850.Os povos desta região ao sul da floresta equatorial partilhammuitos traços lingüísticos e culturais. Lingüistaseuropeus do século XIX, ao estudar as línguas da região,perceberam entre elas um traço comum: a grande maioriaidentificava o ser humano pelo radical –ntu, a partir doqual forma-se o substantivo singular muntu (o ser humano,o homem) e o plural bantu (os seres humanos, o povo). Apartir disso, tais povos passam a ser designados comopovos bantu ou banto, de acordo com a forma aportuguesada.É importante entender, assim, que bantu não se


efere a um só grupo étnico, como yoruba ou fon, mas a umcomplexo cultural e lingüístico que engloba vários povos.Os povos bantu do Atlântico Sul, especialmente os Bakongo,Mbundo e Ovimbundo, são responsáveis pela formaçãoinicial e pelas características mais marcantes da culturaafro-brasileira. Manifestações culturais que se tornaramo “cartão postal” do Brasil, como o samba e a capoeira,além de outras de alcance regional, como o maracatu pernambucano,as congadas e moçambiques de Minas Gerais,Goiás, Espírito Santo e São Paulo, as diversas festas deBois, o jongo do Rio de Janeiro e São Paulo, o zambiampungada Bahia e muitos outros, são todos de origem bantu.Também as primeiras manifestações da religiosidade afrobrasileirasão de raiz bantu. Com o passar dos séculos, areligiosidade bantu tomou diversas formas, amalgamandosecom tradições indígenas, católicas e de outros povosafricanos, originando diferentes práticas religiosas, comoo catimbó, a jurema, o catolicismo popular (especialmenteas devoções a santos negros e a Nossa Senhora do Rosário,cultuados por Irmandades de Homens Pretos), a umbandae os candomblés angola ou congo-angola, que cultuam ancestraisdivinizados chamado de inquices.Também a história da resistência à escravidão teve comoprincipais protagonistas os africanos de diversas etniasbantu e seus descendentes. O maior exemplo é o quilombo,que foi a forma mais duradoura de organização social denegros que fugiam de seus senhores nas fazendas, minas ecidades, existindo desde o século XVI e se perpetuando, sobnovas formas, após o fim da escravidão, até os nossos dias,formando territórios negros que, mesmo se relacionandocom o conjunto da sociedade, guardam particularidadeshistóricas e culturais.O quilombo foi inspirado em uma instituição bantu, okilombo, um campo de iniciação dos guerreiros jaga, daparte central de Angola, que incorporava jovens de váriosgrupos étnicos. É interessante que, diferentemente dos ritosde iniciação que vimos acima, nos quais os jovens eramincorporados à vida adulta de seu próprio grupo, aprendendosuas tradições e ofícios, o kilombo (que provavelmenterelaciona-se com a palavra ocilombo, da língua umbundo,que quer dizer prepúcio, referindo-se à circuncisão dosmeninos) é uma instituição militar multiétnica, unindovários povos de língua bantu, com o objetivo comum de resistirà invasão portuguesa e à escravização. Um dos maisimportantes personagens desta história foi a Rainha Nzinga,ou Jinga, que soube utilizar diversas estratégias contra osportugueses, ora através da negociação diplomática, oraaliando-se ao exército jaga kilombola na luta armada.Nzinga foi a rainha dos reinos do Ndongo e Matamba (Angola)no século XVII, não por coincidência a mesma épocaem que viveu na Serra da Barriga, na capitania de Pernambuco,aquele que se tornaria o grande símbolo da resistêncianegra no Brasil, Zumbi dos Palmares, liderando o maiorquilombo que existiu aqui. Há fortes indícios de que estequilombo foi formado por africanos de grupos bantu, algunsdos quais possivelmente tenham sido iniciados no kilomboantes do cativeiro, em Angola. Junto a seus descendentesnascidos no Brasil, indígenas e alguns brancos pobres,formaram Palmares, uma sociedade composta por váriascomunidades, que durou quase 100 anos, chegou a ter 50mil habitantes e necessitou de cerca de vinte expediçõesmilitares do governo colonial para ser derrotada.Assim como no Golfo do Benin, na África Centro-Ocidentalo tráfico também desestruturou sociedades e abalou opoder político de reinos, criando ou fomentando inimizadesentre povos e entre diferentes linhagens de um mesmopovo, para que as guerras entre eles produzissem escravos,ou para que empreendessem razias junto a povose aldeias vizinhas. O Reino do Kongo, do povo Bakongo,localizado na margem esquerda do rio de mesmo nome,forte e poderoso quando da chegada dos portugueses nofim do século XV, acabou por sucumbir às ambições dos


traficantes, após intensas disputas pelo controle do reinoentre diferentes linhagens das suas diversas províncias.Os Bakongo a princípio receberam muito bem os portuguesese tornaram-se o primeiro reino ao sul do equadora se converter ao cristianismo. No entanto, frustraram-seao perceber, como disse um de seus reis ao rei de Portugalem uma carta, que o interesse dos portugueses afinal nãoera pregar o cristianismo, mas sim capturar escravos, atémesmo membros da família real. A partir deste momentocomeça a resistência, que porém não evita sua decadência,já no século XVIII.ARTE AFRICANA, DA <strong>ÁFRICA</strong> AO MUSEUPara compreender os objetos africanos do MAFRO, é precisoao mesmo tempo entender o significado que tinhamem seu contexto original de produção, isto é, nas sociedadesafricanas onde foram criados, e o significado queadquiriram no Ocidente, onde passam a ser mantidos emmuseus, galerias e coleções particulares, consideradosprimeiramente como objetos etnográficos e logo como“arte primitiva”. É importante perceber que, de um contextopara outro, as funções e os sentidos desses objetosmudam muito.Para os africanos que os produzem e utilizam, tais objetossão insígnias de poder, status e prestígio, são objetosque tornam os ancestrais presentes, que auxiliam a manutençãodo equilíbrio do mundo, que propiciam a fertilidade,que apóiam a transmissão da tradição oral. São,portanto, fundamentais para sua existência. Procurou-se,nas páginas precedentes, esboçar as linhas gerais da organizaçãosocial e política das sociedades africanas, paraque se possa entender melhor o papel destes objetos emsua dinâmica sociocultural. Eles nunca ou raramente sãoapenas decorativos ou estéticos, como grande parte daarte ocidental. Muitas vezes eles não eram feitos paraserem admirados; alguns nem sequer podiam ser vistos


por todos. O fundamental nestes objetos era seu sentido, aexpressão de idéias e valores civilizatórios e a propriedadede colocar em ação forças a favor do ser humano. A idéiade “arte pela arte” é estranha aos africanos. O próprio termo“arte”, como atividade autônoma, separada da vida, épraticamente inexistente nas línguas africanas.Apesar disso, tais objetos têm uma evidente qualidade estética,que inclui noções de equilíbrio, proporção, simetria– como expresso no conceito yoruba ojú-onà, que pode sertraduzido como “consciência do design”. Os artistas utilizamcódigos reconhecidos por todo o grupo social, queresultam em características formais e iconografia específicas.Se o aspecto formal dos objetos não era um fim em simesmo, ele não deixava de ser fundamental para expressarvalores culturais. Desta maneira, o famoso “geometrismo”da arte africana, presente na decoração e no design daspeças, através do uso de espirais, zigue-zagues e outrospadrões geométricos, exprime a idéia de prosperidade,fertilidade, continuidade da vida e, mais que isso, procurapropiciá-las. Da mesma forma, a simetria e a dualidade exprimemo equilíbrio entre dimensões complementares davida humana, como masculino e feminino, vivos e ancestrais,passado e futuro. A distorção das proporções naturaisdo corpo humano é usada para evidenciar hierarquias,seja dos atributos do próprio ser humano, associados adeterminadas partes do corpo, seja entre indivíduos de umgrupo social; longe de ser uma “imperfeição” ou “falta detécnica”, como acreditavam os europeus no século XIX, taldistorção é intencional e calculada para produzir sentidose exprimir valores socioculturais.Desde o fim do século XIX, os objetos africanos encontradospelos colonizadores europeus foram muitas vezes pilhados,destruídos, comprados à força ou trocados por produtosmanufaturados, de forma em geral desvantajosa para osafricanos. Quando levados para a Europa, foram exibidoscomo artefatos curiosos de povos em estágio inferior de civilização,passando a integrar coleções de museus etnológi-


cos e a figurar nas Exposições coloniais. Em alguns casos,como o dos magníficos bronzes do Benin, pilhados durantea Expedição Punitiva que os britânicos fizeram àquele reinoem 1897 e logo exibidos em Londres, com grande sucessode público, foi mais difícil alegar tratar-se de objetos “primitivos”,tendo em vista seu apuro técnico e estético. A estes foiatribuída uma origem estrangeira, até mesmo européia.É apenas no início do século XX, a partir das obras deartistas de vanguarda, como Picasso, Braque e Matisse,que os ocidentais passam a olhar os objetos africanospropriamente como “arte”. Tais pintores deram origem amovimentos artísticos que buscaram contrapor-se ao academicismoe ao naturalismo da arte européia, buscandosoluções mais sintéticas e abstratas: o Primitivismo, o Cubismo,o Surrealismo. Apesar de terem valorizado excessivamenteseu aspecto formal, as vanguardas foram importantespara começar a mudar o olhar do Ocidente sobre osobjetos africanos. Isto não foi suficiente, no entanto, paralivrá-los completamente do epíteto de “fetiches”, que é amaneira como eram chamados pelos missionários católicos,os quais, sem entender a complexidade de seus significados,afirmavam que os africanos lhes atribuíam poderesmágicos. Identificando neles ainda uma certa “forçamágica”, as vanguardas acabaram por consolidar sua classificaçãocomo “arte primitiva”, muitas vezes destinada aum mercado de arte para turistas, chamada vulgarmentede “arte de aeroporto”.Na África contemporânea, continua a haver a produçãodestes objetos nas comunidades e aldeias, cumprindo aindahoje seus papéis “tradicionais”, sem chegar ao mercado dearte – o qual, por outro lado, é cada vez mais ávido por “arteafricana”. Isso tem criado novos significados, novos usos ecircuitos de circulação para estes objetos, novas relaçõessociais ao seu redor. Eles passam a ter outro lugar na vidados próprios africanos – que agora também os chamamde “arte”. É quase impossível, porém, encontrar neste mer-cado objetos “autênticos”, ou seja, produzidos para uso nocontexto originário. Salvo aqueles coletados no período colonial,até as primeiras décadas do século XX, quase todosos objetos africanos no Ocidente foram produzidos para omercado. Muitos, porém, mantém características formais eiconografia fiéis aos padrões tradicionais. Isso nos mostraque, como a cultura em geral, a arte africana é dinâmica,aberta e sujeita a permanentes ressignificações, o que nosfaz contestar o próprio conceito de “autenticidade”, muitomais relacionado ao fetichismo colecionista europeu que apreocupações propriamente africanas.Esta reflexão é válida para os objetos do MAFRO, que não foramproduzidos para uso em seu contexto originário, e tampoucoforam obtidos através da violência colonial. Feitos sobencomenda, foram doados por embaixadas de países africanosou adquiridos por pesquisadores, como o fotógrafoe etnógrafo Pierre Verger, em viagem à África com tal objetivo.Guardando características formais e iconográficas daspeças “autênticas”, as do MAFRO servem como testemunhoda visão de mundo e da estética das sociedades africanas.As Máscaras (como as geledé, bobo, luba), esculturas(como os bochio dos fon, a akuabá dos ashanti, a bonecaturkana, a maternidade bakongo, o par luba) e emblemas(como os machados duplos e a espada de Gu) são objetosque trazem os ancestrais à presença dos vivos, auxiliandoa manutenção do equilíbrio, garantindo a prosperidadee fertilidade, orientando as ações dos indivíduos e dacomunidade, explicando e dando sentido ao mundo. Jogosdivinatórios, como o de Ifá, e instrumentos musicais sãooutras formas de estabelecer a comunicação entre vivos eancestrais ou com as divindades. Alguns objetos estão diretamenteenvolvidos nos rituais, como as cerâmicas parafazer oferendas aos voduns fon, ou os pilões de Xangô, presentesem seus assentamentos.Insígnias de poder são bens de prestígio ligados a chefese reis. Elas materializam e legitimam seu poder político,


espaldado pelos ancestrais. Na seção “Reinos Africanos”estão reunidas insígnias de caráter comemorativo, comoasséns, cabeças e estátuas de reis, ou simbólico, comobancos e tecidos. No setor “Tecelagem” há outros panosque, como os penteados, também indicam status, mas nãonecessariamente pertencem a chefes. No setor “Metalurgia”,braceletes, anéis e outros adornos cumprem a mesmafunção, e o par de edan indica a pertença de um ancião àassociação ogboni, dos mais-velhos yoruba.Poucos povos africanos desenvolveram escrita silábica oufonética. Muitos, porém, criaram escritas pictográficas ouideográficas, que transmitem, através de símbolos, ensinamentosde fundo moral, histórico e religioso, expressosem provérbios, contos, fábulas, adivinhas, epopéias, mitos,poemas e outras modalidades de literatura oral. Estas formasorais de narrativa transmitem às novas gerações ahistória do grupo e são um importante elemento de suaidentidade. Muitos objetos auxiliam esta transmissão oral,constituindo-se em suportes materiais da memória: os pesosde ouro e tronos ashanti, as máscaras geledé, os tecidosaplicados, os recades e asséns fon.Procuramos tornar inteligíveis ao público visitante todosestes sentidos e funções dos objetos africanos, explorando-oscomo via de acesso à história e às culturas africanas,reconstruídas e reapropriadas no Brasil como importanteelemento de nossa identidade.possível, registre as respostas no quadro ou peça a elesque o façam em uma folha de papel. Acrescente outras perguntas,se achar necessário. Somente depois deste exercíciodê as informações sobre o objeto, seu significado e utilização.UTILIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DELEITURA DOS OBJETOSPara aproveitar melhor as atividades apresentadas aseguir, sugerimos ao professor que peça aos alunos queolhem os objetos apresentados com bastante atenção. Emseguida faça as perguntas sugeridas, que acompanhamcada objeto. Faça as perguntas uma a uma, obtendo a respostasdos alunos antes de passar à pergunta seguinte. Se


1. Que tipo de objeto é este?De que forma ele é usado?2. Para nós, quando é que seusa uma máscara ouuma fantasia?Para que ela é usada?3. Você consegue perceberas diferentes partes destamáscara? O que você vê naparte de cima?E na de baixo?Esta máscara pertence a umaassociação de mulheres do povoYoruba, chamada Geledé, que fazum festival para homenageare acalmar as perigosas e temperamentaisIya Mi Oxoronga,as “mães ancestrais”, saudandoassim todas as mulheres e seupoder mágico de ter filhos. Estaé uma forma de mostrar que asmulheres têm um papel importantena sociedade e que suasopiniões devem ser respeitadas,apesar do poder político estarnas mãos dos homens (que são,também, os que usam estasmáscaras). Elas retratam cenase personagens que representamprovérbios, cujo sentido estimulaa solidariedade e a busca deuma forma pacífica de resolveros conflitos.


Na África, a máscara não serve só para esconder o rostode quem a usa: ela o transforma em alguém diferente, “alguém”que não é uma pessoa, mas um espírito ancestral,um poder do “outro mundo”. Quem usa a máscara não está“fingindo” ou fantasiado: ele é, naquele momento, para osoutros e para si mesmo, outro “alguém”.Essa “transformação” só acontece em ocasiões especiais:momentos rituais, quando toda a comunidade se reúnecom objetivos comuns: cerimônias de iniciação, quandocrianças se preparam para tornar-se adultos; enterros;coroação de chefes e reis; festas da colheita ou plantio;preparação de expedições de caça ou de guerra; rituaisde cura de doenças; cobrança de impostos, policiamento ecumprimento da justiça. Como se vê, as máscaras servempara muito mais que divertir: elas têm funções educativas,religiosas, militares, políticas e econômicas.A máscara não é apenas a peça esculpida em madeira quevocê vê no museu. Ela inclui também a roupa do mascarado,os bastões que ele carrega, os chocalhos amarradosnos tornozelos ou cintura. Mas ela só se torna mesmo umamáscara quando entra em ação, dançando a música dostambores e outros instrumentos, enquanto a comunidadeparticipa olhando, batendo palmas, cantando, estimulandocom gritos e às vezes fugindo, com certo medo e respeito,do grande poder que a máscara transmite.Máscara GeledéEtnia YorubaRep. Pop. do BeninMadeira, tintaEscultor: Casimir Lagnibá


1. Repare bem nos nomesdas regiões yoruba. Vocêconhece o nome de duasdelas por causa da músicapopular na Bahia. Quais são?Por que será que o nomede um ritmo dos afoxés eblocos afro e parte do nomede uma banda são iguais aosdestas regiões? Discuta comseus colegas e com seusprofessores para chegar auma conclusão.REINO DO DAOMÉOyó AntigaOyóIJEXÁ´´OxumREINO DO BENINREINO DO DAOMÉ (POVO FON)UidáIMPÉRIO DE OYÓ (POVO YORUBA)G o l f o d o B e n i nI n í c i o d o s é c . X I XREINO DO BENIN (POVO BINI)Fonte: J.F. Ade. Ajayi e M. Crowder, History of West Africa, Longman, 1974, p. 131A origem histórica do povo Yoruba está na cidade deIfé, onde se desenvolveu uma civilização que teve seuapogeu entre os anos 1100 e 1500 d. C. No século XVIIIa cidade de Oyó formou um vasto império, que unificououtras cidades yoruba e dominou povos vizinhos,como os Haussá e Fulani, ao norte, e os Fon, do Reinodo Daomé, a oeste. No início do XIX, as guerras entre osfon (chamados de jeje pelos yoruba) e os yoruba (chamadosde nagô pelos fon) resultaram em um grandenúmero de prisioneiros, vendidos como escravos paratraficantes brasileiros e portugueses, para seremtrazidos principalmente à Bahia. Esta escultura de umcavaleiro do poderoso exército de Oyó nos conta umpouco da história dessas guerras e nos ajuda a entendermelhor a história do povo negro na Bahia, emgrande parte descendente dos yoruba e dos fon.Região doGolfo do Benin<strong>ÁFRICA</strong>


1. O que se pode reparar notamanho do cavaleiro emrelação ao cavalo?Por que será que o escultorfez esta peça assim?2. Agora observe o corpodo cavaleiro. Quais parteseram consideradas as maisimportantes? Como vocêchegou a esta conclusão?A maior parte das peças de arte africana é consideradanão-naturalista. Isso quer dizer que os africanos não tentamrepresentar as coisas “como elas são”, ou como elasparecem ser. Ao contrário, o escultor africano tenta mostrarnas peças aquilo que, segundo seus valores culturais,é mais importante, mais significativo: ele tenta expressarum ideal. Nesta peça, por exemplo, o cavaleiro é maiorque o cavalo por ser mais importante que ele, segundo avisão de mundo yoruba.Para os yoruba a cabeça, chamada ori, é aparte mais importante do ser humano, poisé o centro da força vital (chamada de axé). Éainda na cabeça que está inscrito o destinodo indivíduo. A cabeça, para os yoruba, serve para muitomais do que pensar: ela é a ponte que liga uma pessoa aseus antepassados e a suas divindades, os orixás. Por issoela recebe tanto destaque nas esculturas deste povo.C a v a l e i r oEtnia YorubaCotonou, Rep. Pop. do BeninMadeiraEscultor: Bouraima Idrissou


1. Que desenhos você vê neste tecido?2. O que um leão simboliza para você?3. Se você tivesse que contar umahistória a partir destes desenhos,como ela seria? Qual seria seu tema?4. Você se lembra de desenhos que vocêvê no seu dia-a-dia que transmiteminformações ou mensagens? Discutacom seus colegas e professores.Tecido Aplicado do DaoméEtnia FonRep. Pop. do BeninTecidoOs tecidos com apliques do povo Fondo Reino do Daomé (“avo”) foram criadoscomo arte da corte no reinado dorei Agadja (1708-1740). Eles celebram onome dado ao rei quando sobe ao trono,assim como fatos importantes de seureinado, especialmente suas conquistasmilitares. O nome escolhido pelo reiexpressa um ou mais provérbios quese relacionam com características pessoaisdo rei, com suas divindades (voduns)ou ainda com as condições emque assumiu o trono. Muitas vezes eleé simbolizado por algum animal conhecidopor sua bravura, força ou sabedoria,como o leão, o búfalo, o tubarão oucertos pássaros.Este tecido celebra o nome do rei Glelé (1858-1889), cujosprovérbios são “O leão poderoso nunca é pequeno paraapanhar sua presa; o rei Guézo, que era um leão, deu àluz a um leão com dentes e garras” e “A faca de Gu fereaqueles que o provocam”. Gu é a divindade (vodun) doferro e da guerra, simbolizado por sua espada, que tambémé o símbolo do Mafro. Guézo foi o pai de Glelé, quereinou entre 1818 e 1858. Os outros desenhos do tecidoreferem-se ao pássaro calau, que esmaga com o bicouma noz de cola, simbolizando a vitória sobre os inimigosmais fortes, e um cavalo com a cabeça de um chefeyoruba, inimigo do rei Glelé, pendurada.Todos os símbolos mostram a força do rei e, como aestátua do cavaleiro yoruba, testemunham a históriados combates entre os diversos povos do golfo do Beninnos séculos XVIII e XIX.


1. O que é este objeto?Como será que ele era usado?2. Quais partes do corpo desta peça sãoressaltadas? Por que será que o escultor afez assim?3. Você sabe o que é um amuleto?4. Se você fosse uma mulher ashanti epudesse usar esta estatueta como amuletopara realizar um desejo, imagine qual seria?5. Se esta peça fosse usada como brinquedo,quem brincaria com ela? Por que?Esta estatueta chama-se akuaba, feita por um escultordo povo Ashanti, de Gana. Quando uma mulher ashantiquer engravidar e ter um filho bonito e saudável, ela encomendauma akuaba para usar como amuleto, amarradajunto ao corpo, para que seu desejo se realize. Ouseja, este objeto é usado para estimular a fertilidadeda mulher, isto é, sua capacidade de gerar filhos. Porisso o escultor ressalta os seios e a barriga (o umbigo)da estatueta, fazendo-a parecida com a futura mamãegrávida. Repare que ele nem se preocupa em fazer osdetalhes do resto do corpo: lembre-se que as esculturasafricanas só representam os traços essenciais,para os quais se quer chamar a atenção. O artistamostra um ideal de beleza e de comportamento para acriança que vai nascer.6. Você se lembra de outras peças daexposição que mostrem o desejo de que afamília cresça e prospere?Boneca AkuabaEtnia AshantiGanaMadeiraAs akuabas são chamadas de “bonecas da fertilidade”. Istoporque, além de amuleto, elas também são usadas pelasmeninas ashanti para brincar de ser mãe, começando aaprender o papel mais importante que vão ter na vida. Ocrescimento da família significa prosperidade, bem-estar eequilíbrio para os africanos. Por isso eles fazem muitos objetospara garantir que as mulheres tenham filhos, semprecontando com a ajuda dos ancestrais, para que a famíliacontinue, continue, continue... agora você já consegue entenderporque há na exposição tantos objetos que mostramas partes sexuais dos homens e mulheres: na Áfricatradicional, o sexo é visto sem preconceito, pois é a formade garantir muitos filhos para que a família nunca acabe,para que a memória dos ancestrais seja sempre preservada,e com ela as tradições e ensinamentos herdados hágerações e gerações...


1. Que tipo de objeto é este? Para que vocêimagina que ele era usado? Quem o usava?2. Descreva a pessoa representada nestapeça (idade, sexo, atitude). Repare tambémnos detalhes do corpo e cabelo.3. Qual é a função desta pessoa no objeto?O que ela está “fazendo”? Qual parte do seucorpo mostra isso mais claramente?Esta peça é um banco. No entanto, ele não é umobjeto utilitário, ou seja, feito para ser usado paraalguém se sentar, mas sim um bem de prestígio,um objeto que mostra o status (posição social)e poder de quem o possui. Quando pertencem areis e chefes, estes objetos também são chamadosde regalias.4. Você acha que na nossa sociedade certosobjetos também mostram o poder econômicoe o status de uma pessoa? Quais?5. Você se lembra de objetos que simbolizamo poder dos reis?Você deve ter se lembrado das coroas e cetros dosreis europeus. Os chefes africanos também possuememblemas de poder, como bastões, coroas,espadas, caça-moscas, caixas de rapé, cachimbos,apoios de cabeça, bancos e tronos. São objetosespeciais, finamente decorados e muitas vezes esculpidosem forma humana. Normalmente são feitospor artistas a serviço da corte ou oferecidoscomo presente por outros chefes. Estes presentesajudam a criar ou manter laços entre famílias e grupos,pois são retribuídos, mantendo uma constantetroca entre essas pessoas.Banco LubaEtnia LubaRep. Dem. do CongoCópia em gessoOriginal - Museu deTervuren, BélgicaPara os Luba e para a maioria dos povos da África Central,uma pessoa pertence à família de sua mãe. Um homem torna-sechefe por ter herdado este cargo de seu tio, irmão desua mãe. Por isso as mulheres são tão importantes, especialmenteas que já morreram, tornando-se ancestrais. Sãoelas que sustentam, de lá do outro mundo, o poder aqui naterra. É o apoio delas que faz com que todos reconheçamalguém como legítimo chefe. A prosperidade e a fertilidadedo reino são o maior sinal de que as ancestrais o apóiam.Por isso se vê no banco esta ancestral, segurando com suasgrandes mãos o banco do chefe.


1. De que é feito este objeto? Você consegueimaginar que técnica o escultor usoupara fazê-lo?2. O que o personagem representado estáfazendo? Você conhece algum instrumentoparecido com este?3. Qual terá sido o papel deste personagem nasociedade bini?4. Sabendo que ele era um funcionário, vocêimagina a serviço de quem ele estava?No Reino do Benin, na atual Nigéria, desenvolveu-se atécnica da cera perdida, herança cultural de Ifé, queos yoruba também dominam. Tal técnica consiste emproduzir um molde vazado, utilizado uma única vezpara fabricar objetos de metal fundido. O molde éfeito sobre uma base de argila, recoberta por umacamada de cera, na qual a peça é esculpida em todosos seus detalhes. Esta peça é recoberta por argilamole e levada para cozinhar em um forno. Assim, aargila da parte de dentro e de fora endurecem, transformando-seem cerâmica, enquanto que a cera vazapor pequenos canais feitos para isso. Por isso a técnicaé chamada de “cera perdida”: ela derrete e se“perde” pelos canais. O resultado é um molde vazadoem argila. O metal fundido, líquido, é colocado no moldeatravés dos mesmos canais por onde a cera vazou.Depois que esfria, o metal endurece e se torna latãoou bronze sólido. Pronto: basta quebrar a argila queestá por fora e eis uma bela peça em metal! Mas issonão parece nada fácil, não é? E não era mesmo: osbini, yoruba, ashanti e outros levaram séculos desenvolvendoesta técnica. Alguns povos africanos foramdos primeiros do mundo a desenvolver tecnologias detrabalho com metais.A música tem enorme importância para os africanos,pois não é apenas uma manifestação artística, mas umaforma de comunicação, seja com os ancestrais, seja entreos próprios homens. Como no candomblé, no qual os atabaquestêm um caráter sagrado, pois têm a capacidade detornar os ancestrais presentes, os instrumentos musicaisafricanos em geral são reverenciados como os própriosancestrais, que ajudam a se manifestar neste mundo. Alémdisso, os instrumentos têm a capacidade de reproduzir avoz humana, e portanto de transmitir mensagens e informaçõescomo se fossem uma pessoa falando. Certos tambores,como este que vemos na escultura, são chamadosde “tambor de fala”, justamente por esta capacidade detransmitir mensagens codificadas, sendo talvez o primeiromeio de telecomunicação (comunicação à distância) dahistória humana.Tocador de tamborEtnia Bini / Reino do BeninNigériaBronzeNo reino do Benin ostocadores eram parteda numerosa corte aserviço do Obá (rei) eanunciavam sua passagemou mensagenspara o povo atravésdos tambores.


1. De que é feita esta escultura?2. O material utilizado tem alguma relação com osobjetos que aparecem representados?3. Quais ferramentas ou instrumentos são representadosno chapéu de Gu? O que eles nos dizem sobreas funções e atributos deste personagem?Gu é uma divindade, um vodun do povo fon do Reino doDaomé. Um vodun é um ancestral muito antigo, que pelaimportância de seus feitos para sua sociedade ou porsuas qualidades excepcionais foi divinizado, ou seja, passoua ser cultuado como uma divindade. Os voduns representamtambém forças da natureza: a força dos ventos,das águas doces ou salgadas, dos raios, do arco-íris, domangue, da mata. Os voduns personificam, ainda, a capacidadede criação humana e de transformação da natureza,através da técnica.Este é o caso de Gu, entidade que, segundo os mitos dosfon, ensinou aos homens o conhecimento da forja do ferro.Este conhecimento provocou uma revolução nas técnicasagrícolas, de caça e de guerra. Afinal, fazer estas atividadescom instrumentos de pedra, osso ou madeira eramuito mais difícil! O ferro trouxe o aumento da capacidadeprodutiva do ser humano e permitiu que ele alargasse seudomínio sobre a natureza. Por isso Gu, o primeiro ferreiro,é considerado um herói civilizador, ou seja, aquele quetransmitiu ao ser humano o conhecimento de uma atividadecentral para a civilização e para a vida em sociedade.O mito de criação dos fon diz que Gu é o filho mais velho dadupla criadora Mawu-Lissa (princípios feminino e masculinoda criação), e foi assistente de Lissa na ordenação domundo, na tarefa de torná-lo habitável pelo ser humano eno ensino dos conhecimentos técnicos aos homens. A espadade Gu, gubassa, é seu símbolo e sua principal ferramenta,que utiliza para abrir os caminhos e derrotar osinimigos. Ela foi adotada também como símbolo do MAFRO.Escultura de GuEtnia FonAbomé, Rep. Pop. do BeninFerroAutor: Simon Akati


1. Você conhece algum oráculo ou jogo divinatório?Para que serve? Como funciona?2. Se você fosse usar este objeto como parte de umoráculo, como o usaria? Quais outros objetos vocêusaria junto com este?Opón Ifá (Bandeja de Ifá)Etnia YorubaCotonou, Rep. Pop. do BeninMadeiraEm muitas sociedades africanas, quando um indivíduoou a comunidade passa por problemas graves (perda debens, doenças, esterilidade, seca, infertilidade dos animaisou dos campos), procura-se descobrir qual é a causa doproblema, através da consulta a um oráculo. O oráculo éum sistema de comunicação com os ancestrais divinizados,baseado em um código que relaciona o arranjo das peçasusadas no jogo com mensagens que fornecem respostasàs perguntas. Cada oráculo tem, assim, sua própria linguagem.Saber “ler” esta linguagem é o papel do adivinho.Normalmente, a causa dos problemas apontada pelo oráculoé a pessoa ter deixado de cumprir com alguma obrigação,como fazer uma oferenda para seus antepassados ou suasdivindades, ou ter feito algo proibido, segundo os princípiosmorais e religiosos daquela sociedade. Isso traz desequilíbriopara todo o grupo social, visto como punição.Os yoruba têm como oráculo o jogo de Ifá, que utiliza comopeças caroços de dendê e é feito sobre o opon ifá, estabandeja que vemos na foto. Há ainda a copa, ou agerê ifá,onde os caroços de dendê ficam guardados, e o irokê Ifá,usado para invocar os orixás a comparecer e “responder” ojogo. Cada arranjo dos caroços de dendê forma um odu. Obabalaô, ou “pai do segredo”, é o sacerdote que conhece os256 odus, longos poemas transmitidos oralmente, aprendidosatravés de anos de estudo com um mestre e usadosna interpretação dos problemas dos clientes.O processo só se completa, porém, com a indicação de umaoferenda. Após identificar a razão do problema, o babalaôindica o sacrifício necessário para restabelecer o equilíbrio(a palavra “sacrificar” significa “tornar sagrado”). A consultaao oráculo é não apenas uma forma de compreendero destino, mas também uma forma de atuar sobre ele, fazendocom que as divindades colaborem na restauração daordem na vida da comunidade ou do indivíduo.Muitos mitos falam da relação entre Ifá (também chamadode Orunmilá) e Exu, que é quem leva as mensagens dosdeuses aos homens, assim como as oferendas dos homensaos deuses. Por isso sua face aparece na parte superior daborda deste opon ifá.


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIANaomar de Almeida FilhoReitorFrancisco José Gomes MesquitaVice-ReitorLina Maria Brandão e ArasDiretora da Faculdade de Filosofiae Ciências HumanasJocélio Teles dos SantosDiretor do Centro de Estudos Afro-OrientaisMaria Emília Valente NevesCoordenadora do Museu Afro-BrasileiroPROJETO DE ATUAÇÃO PEDAGÓGICA ECAPACITAÇÃO DE JOVENS MONITORESJocélio Teles dos SantosCoordenador GeralMaria Emília Valente NevesAssistente de CoordenaçãoJuipurema Alessandro Sarraf SandesCoordenador de Pesquisa e EdiçãoMaria Paula Fernandes AdinolfiCoordenadora Pedagógica e Texto CientíficoAline Silva JabarPesquisadoraDenyse EmerichConsultora — Educação em museusDaniele Santos de SouzaIraci Oliveira dos SantosTatiana Alves de AlmeidaEstagiáriasCelina Souza PinheiroDaza Ifá Ashanti MoreiraElane Cristina Nascimento dos SantosEmily Karle dos Santos ConceiçãoJeferson dos Santos SocorroKellison Jorge Souza dos SantosRamon Bonfim BarrosTainara Santiago do NascimentoTaiwo Pimentel dos SantosThiago dos Santos SantosTiago Mateus Figueiredo SantosViviane Carvalho de AraújoMonitoresRicardo Prado GóesFotografiaWalter MarianoProjeto GráficoGráfica Gensa (Impressor: Altemir Santos)ImpressãoProfessores ColaboradoresDepartamento de Museologia - UFBAJoseania Miranda FreitasMarcelo Nascimento Bernardo da CunhaPATROCÍNIODeputado Federal Luiz Alberto – PT-BACongresso NacionalEmenda Parlamentar n.º 345900012005


Terreiro de Jesus, Antiga Faculdade de Medicina,Centro Histórico, Salvador - Bahia - Brasil - CEP: 40025-010Telefax. (071) 3321 - 2013www.ceao.ufba.br/mafro

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