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Povos Indígenase <strong>Universidade</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>:Contextos e perspectivas, 2004-2008Antonio Carlos de Souza LimaMaria Macedo Barroso[orgs.]Rio de Janeiro, 2013


© Antonio Carlos de Souza Lima e Maria Macedo Barroso. Todos os direitos reservados aosautores. É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio,sem a prévia autorização dos editores. Impresso <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.ISBN: 978-85-7650-388-0Projeto Trilhas de Conhecimentos: o ensi<strong>no</strong> superior de Indígenas2ª etapa: 2009-2010 (http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br)CoordenaçãoAntonio Carlos de Souza Lima (DA/Museu Nacional/UFRJ)SubcoordenaçãoMaria Macedo Barroso (PPGSA/IFCS/UFRJ)Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (http://www.laced.etc.br)SEE/Departamento de AntropologiaMuseu Nacional/UFRJQuinta da Boa Vista, s/n. – São Cristóvão – Rio de Janeiro – <strong>Brasil</strong>Cep: 20940-040 Tel: 5521 2562-6091Coordenação Editorial da SérieAntonio Carlos de Souza LimaAssistente de Coordenação EditorialLuis Felipe dos Santos CarvalhoProjeto gráfico e capaAndréia ResendeRevisão e preparação de textosMariza de Carvalho SoaresRevisãoHelô CastroO presente trabalho foi publicado com recursos da doação n. 1040-0422-2 da Fundação Fordpara a realização da segunda etapa do Projeto Trilhas de Conhecimentos. Resultou, ainda, deinvestimentos realizados com recursos: 1) da Finep obtidos na concorrência do Edital de CiênciasSociais em 2006 para o projeto Diverso – Políticas para a Diversidade e os Novos Sujeitos de Direitos:estudos antropológicos das práticas, gêneros textuais e organizações de gover<strong>no</strong> (Convênio Finep/FUJB n. 01.06.0740.00, REF: 2173/06), 2) da Faperj, por meio de Bolsas Cientistas do NossoEstado concedidas a Antonio Carlos de Souza Lima para os períodos 2007-2009 (processo n.E-226/100.460/2007) e 2011-2013 (processo n. E-26/102.926/2011); 3) do CNPq, através de bolsasde produtividade em pesquisa (nível IB), para o mesmo pesquisador, <strong>no</strong>s períodos 2009-2012(processo n. 300904/2008-8), e 2012-2015 (processo n. 308048/2011-3).Disponível para download gratuito em: http://www.laced.etc.br/livrosÀ venda em versão impressa <strong>no</strong> site da Editora E-papers: http://www.e-papers.com.brRua Mariz e Barros, 72, sala 202 – Praça da Bandeira – Rio de Janeiro – <strong>Brasil</strong> CEP 20.270-006CIP-<strong>Brasil</strong>. Catalogação na FonteSindicato Nacional dos Editores de Livro, RJP894Povos indígenas e universidade <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> : contextos e perspectivas, 2004-2008 /organização Antonio Carlos de Souza Lima , Maria Macedo Barroso. – 1. ed. – Rio deJaneiro : E-papers, 2013.346 p. ; 23 cm. (Abrindo Trilhas ; 2)Inclui bibliografia e índiceISBN 97885765038801. Índios do <strong>Brasil</strong>. 2. Índios do <strong>Brasil</strong> – Aspectos sociais. 3. Antropologia. I. Lima,Antonio Carlos de Souza. II. Barroso, Maria Macedo. III. Série.13-05083 CDD: 980.41CDU: 94(=87)(81)


SumárioNota editorial 13Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008:as bases e diálogos do Projeto Trilhas de Conhecimentos 15Antonio Carlos de Souza LimaA presença indígena na construção de uma educação superioruniversal, diferenciada e de qualidade 45Antonio Carlos de Souza LimaMaria Macedo BarrosoDa formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursosuniversais: o “Trilhas” e a superação da tutela pelo ensi<strong>no</strong> superior 79Maria Macedo BarrosoO ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas: a contribuição da Funaipara a constituição de políticas públicas 109Maria Helena S. S. FialhoGustavo Hamilton MenezesAndré R. F. RamosEducação superior indígena: de que estamos falando? 119Renata Gérard BondimIndígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduaçãoda Fundação Ford e os aportes do Trilhas de Conhecimentos 133Fúlvia RosembergLeandro Feitosa Andrade


O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativaspara o acesso de negros e indígenas ao ensi<strong>no</strong> superior 163Nina Paiva AlmeidaA diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 195Susana Grillo GuimarãesEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 207Kleber Gesteira MatosNegros e indígenas cotistas da Uems: desempenho acadêmico doingresso à conclusão do curso 241Maria José de Jesus Alves CordeiroAções afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 273Marcos Moreira Pauli<strong>no</strong>Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsaspara universitários indígenas do Vigisus/Funasa 307Guilherme Martins de MacedoBibliografia 331Sobre os autores 347


Lista das abreviaturasAA Ação Afirmativa (Afirmative Action)ABRAPPS Associação <strong>Brasil</strong>eira de Pesquisadoras e Pesquisadores pelaJustiça SocialAIS Agente Indígena de SaúdeAnaí Associação Nacional de Ação IndigenistaAndifes Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições FederaisApib Articulação dos Povos Indígenas do <strong>Brasil</strong>Apoinme Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Geraise Espírito SantoArpinsul Articulação dos Povos Indígenas do SulArpipan Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e RegiãoCentro-OesteBID Banco Interamerica<strong>no</strong> de DesenvolvimentoCadai Comissão Assessora de Diversidade para Assuntos IndígenasCadara Comissão Assessora de Diversidade para AssuntosRelacionados aos Afro-descendentesCafi Centro Amazônico de Formação IndígenaCapes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperiorCedi Centro Ecumênico de Documentação e InformaçãoCeei Comitê de Educação Escolar IndígenaCesi Comissão Especial para Políticas de Educação SuperiorIndígenaCGAEI Coordenação-Geral de Apoio às Escolas Indígenas (depoisCGEEI)CGDIE Coordenação-Geral de Diversidade e Inclusão EducacionalCGE Coordenação Geral de EducaçãoCGEEI Coordenação-Geral de Educação Escolar Indígena (antesCGAEI)CGTT Conselho Geral da Tribo TicunaCimi Conselho Indigenista MissionárioCinep Centro Indígena de Estudos e PesquisasCNBB Conferência Nacional dos Bispos do <strong>Brasil</strong>


CNECNEEICNPICNPICNPICNPqCoiabCominConsedCopiamCopiarCPI/ACCPI/RJCPI/SPCrubCTICuiaDEMDepesDOUDSEISECO-92EnemFFFiocruzFNDEFoirnForgradFunaiFunasaConselho Nacional de EducaçãoComissão Nacional de Educação Escolar Indígena (antesCNPI)Comissão Nacional de Política IndigenistaComissão Nacional de Professores Indígenas (depois CNEEI)Conselho Nacional de Proteção ao Índio.Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTec<strong>no</strong>lógicoCoordenação das Organizações Indígenas da Amazônia<strong>Brasil</strong>eiraConselho de Missões entre ÍndiosConselho Nacional dos Secretários de EducaçãoComissão dos Professores Indígenas da AmazôniaComissão dos Professores Indígenas do Amazonas e RoraimaComissão Pró-Índio do AcreComissão Pró-Índio do Rio de JaneiroComissão Pró-Índio de São PauloConselho de Reitores das <strong>Universidade</strong>s <strong>Brasil</strong>eirasCentro de Trabalho IndigenistaComissão <strong>Universidade</strong> para os ÍndiosDiretoria de Ensi<strong>no</strong> MédioDepartamento de Política da Educação SuperiorDiário Oficial da UniãoDistritos Sanitários Especiais IndígenasConferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e oDesenvolvimento – 1992Exame Nacional do Ensi<strong>no</strong> MédioFundação Ford (Ford Foundation)Fundação Oswaldo CruzFundo Nacional de Desenvolvimento da EducaçãoFederação das Organizações Indígenas do Rio NegroFórum de Pró-Reitores de GraduaçãoFundação Nacional do ÍndioFundação Nacional de Saúde


FundebGIZGTIAAIamáIbamaIBGEIESIesalcIfesIFFIFPIHSInepInpaIOIphanISALacedLDBLPPMCTMECMeiamMJMMAMNMPFFundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica ede Valorização dos Profissionais de EducaçãoDeutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit(Agência de Cooperação Técnica Alemã)Grupo de TrabalhoInstituições de Acompanhamento e AvaliaçãoInstituto de Antropologia e Meio AmbienteInstituto <strong>Brasil</strong>eiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Re<strong>no</strong>váveisInstituto <strong>Brasil</strong>eiro de Geografia e EstatísticaInstituição de Ensi<strong>no</strong> SuperiorInstituto Internacional para a Educação Superior na AméricaLatina e <strong>no</strong> CaribeInstituições Federais de Ensi<strong>no</strong> SuperiorInternational Fellowships FundInternational Fellowships ProgramIndian Health ServiceInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio TeixeiraInstituto Nacional de Pesquisas da AmazôniaInstituição OperadoraInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico NacionalInstituto SocioambientalLaboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura eDesenvolvimentoLei de Diretrizes e Bases da Educação NacionalLaboratório de Políticas PúblicasMinistério da Ciência e Tec<strong>no</strong>logiaMinistério da EducaçãoMovimento de Estudantes Indígenas do AmazonasMinistério da JustiçaMinistério do Meio AmbienteMuseu NacionalMinistério Público Federal


MSTOGPTBOIOITONGONUOpanOpirPACPDPIPDTPDUPFLPHEPHEIPobidPIC-PIPMDBPNADPNASPIPNEPNGATIPNPGPNUDPPCORPPGAS/MNProlindPromedProuniPTMovimento dos Trabalhadores Sem TerraOrganização Geral de Professores Tikuna BilínguesOrganização IndígenaOrganização Internacional do TrabalhoOrganização não governamentalOrganização das Nações UnidasOperação Anchieta (hoje Operação Amazônica Nativa)Organização dos Professores Indígenas de RoraimaPrograma de Aceleração do CrescimentoProjetos Demonstrativos dos Povos IndígenasPartido Democrático TrabalhistaPrograma de Diversidade na <strong>Universidade</strong>Partido da Frente LiberalPathways to Higher EducationPathways to Higher Education InitiativePrograma Institucional de Bolsa de Iniciação à DocênciaProjetos I<strong>no</strong>vadores de Cursos – Professores IndígenasPartido do Movimento Democrático <strong>Brasil</strong>eiroPesquisa Nacional por Amostra de DomicílioPolítica Nacional de Atenção à Saúde dos Povos IndígenasPla<strong>no</strong> Nacional de EducaçãoPolítica Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de TerrasIndígenasPla<strong>no</strong> Nacional da Pós-graduaçãoPrograma das Nações Unidas para o DesenvolvimentoPrograma Políticas da CorPrograma de Pós-Graduação em Antropologia Social doMuseu NacionalPrograma de Apoio à Educação Superior e LicenciaturasIndígenasPrograma de Melhoria e Expansão do Ensi<strong>no</strong> MédioPrograma <strong>Universidade</strong> para TodosPartido dos Trabalhadores


PTCReuniSEBSecadSecadiSecrieSeducSeeaSeifSemtecSeppirSesuSetecSetiSIESILSPISSISTFSUSTITIRSSUCDBUEAUELUEMUemsProjeto Trilhas de Conhecimentos: o ensi<strong>no</strong> superior deindígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Programa de Apoio ao Pla<strong>no</strong> de Reestruturação e Expansãodas <strong>Universidade</strong>s FederaisSecretaria de Educação BásicaSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização eDiversidadeSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização eDiversidade e InclusãoSecretaria do Programa Bolsa-Escola em Secretaria deInclusão EducacionalSecretaria Estadual de EducaçãoSecretaria Extraordinária Nacional de Erradicação doAnalfabetismoSecretaria de Ensi<strong>no</strong> FundamentalSecretaria de Ensi<strong>no</strong> Médio e Tec<strong>no</strong>lógicoSecretaria Especial de Políticas de Promoção da IgualdadeRacialSecretaria de Educação SuperiorSecretaria de Educação Profissional e Tec<strong>no</strong>lógicaSecretaria de Tec<strong>no</strong>logiaSecretaria de Inclusão EducacionalSociedade Internacional de Linguística (antigo SummerInstitute of Linguistics)Serviço de Proteção aos ÍndiosSubsistema de Saúde IndígenaSupremo Tribunal FederalSistema Único de SaúdeTerra IndígenaTerra Indígena Raposa Serra do Sol<strong>Universidade</strong> Católica Dom Bosco<strong>Universidade</strong> do Estado do Amazonas<strong>Universidade</strong> Estadual de Londrina<strong>Universidade</strong> Estadual de Maringá<strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grosso do Sul


UEP Unidade Executora do ProjetoUEPG <strong>Universidade</strong> Estadual de Ponta GrossaUerj <strong>Universidade</strong> Estadual do Rio de JaneiroUF <strong>Universidade</strong> da FlorestaUfac <strong>Universidade</strong> Federal do AcreUfam <strong>Universidade</strong> Federal do AmazonasUfba <strong>Universidade</strong> Federal da BahiaUFF <strong>Universidade</strong> Federal FluminenseUFG <strong>Universidade</strong> Federal de GoiásUFGD <strong>Universidade</strong> Federal da Grande DouradosUFMG <strong>Universidade</strong> Federal de Minas GeraisUFMT <strong>Universidade</strong> Federal de Mato GrossoUfpa <strong>Universidade</strong> Federal do ParáUFRJ <strong>Universidade</strong> Federal do Rio de JaneiroUFRR <strong>Universidade</strong> Federal de RoraimaUFRRJ <strong>Universidade</strong> Federal Rural do Rio de JaneiroUnB <strong>Universidade</strong> de BrasíliaUneb <strong>Universidade</strong> Estadual da BahiaUnemat <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato GrossoUnesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciênciae a CulturaUnespar <strong>Universidade</strong> Estadual do ParanáUNI União das Nações IndígenasUniafro Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nasInstituições Públicas de Educação SuperiorUnicamp <strong>Universidade</strong> de CampinasUnicentro <strong>Universidade</strong> Estadual do Centro-OesteUnifap <strong>Universidade</strong> Federal do AmapáUnigram Centro Universitário de Grande DouradosUnioeste <strong>Universidade</strong> Estadual do Oeste do ParanáUnitins <strong>Universidade</strong> Estadual do TocantinsUSP <strong>Universidade</strong> de São PauloVigisus Projeto de Modernização da Vigilância e Controle deDoenças


Nota editorialOs textos que integram esta coletânea foram elaborados ao longo de2008 e devem ser lidos com as marcas daquele momento. O coordenadoreditorial desta publicação assume a responsabilidade da demorapara a publicação do livro.Nota editorial 13


Cenários da educação superior de indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008: as bases e diálogos doProjeto Trilhas de ConhecimentosAntonio Carlos de Souza LimaEste livro trata do contexto prévio e simultâneo à implementação deuma experiência de fomento e de produção de subsídios à presençaindígena em universidades, intitulada Projeto Trilhas de Conhecimentos:o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (PTC). O projeto foiconcebido como ação temporária de uma equipe de pesquisadoressediados em uma Instituição de ensi<strong>no</strong> superior (IES) para o fomentode experiências-piloto de suporte ao acesso e permanência de indígenasem universidades. Sua realização deu-se <strong>no</strong>s quadros de recursose <strong>no</strong>rmas da Pathways to Higher Education Initiative (PHEI) daFord Foundation, com financiamento da Fundação Ford, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.China Filipinas 1O projeto foi desenvolvido entre os a<strong>no</strong>s de 2004 e 2010. Apósas duas doações oriundas dos fundos da PHEI e da decisão de nãomais financiar recursos, embora formalmente encerrado em 2010ainda hoje a PHEI apresenta desdobramentos. Sob a coordenaçãode Antonio Carlos de Souza Lima e Maria Macedo Barroso, 2 o PTCfoi desenvolvido <strong>no</strong> âmbito do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade,Cultura e Desenvolvimento (Laced). O Laced é um laboratóriouniversitário de pesquisas e intervenções com coordenação conjuntade João Pacheco de Oliveira e Antonio Carlos de Souza Lima. Está1 Para o site da Fundação Ford, ver: http://www.fordfoundation.org/. A PHEI estádisponível em: http://www.fordfoundation.org/pdfs/library/pathways_to_higher_education.pdf.2 Para Souza Lima ver: http://lattes.cnpq.br/0201883600417969; para MacedoBarroso (ex-Barroso Hoffmann) ver: http://lattes.cnpq.br/0346342034718575.Acesso em: 6 abr. 2013.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 15


vinculado ao Setor de Et<strong>no</strong>logia e Et<strong>no</strong>grafia/Departamento de Antropologia/MuseuNacional (UFRJ). 3Nosso objetivo nesta publicação é refletir sobre os desafios implícitos<strong>no</strong>s debates acerca da formação de indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> contemporâneo. Considera-se aqui o esforço dosmovimentos indígenas de se qualificarem para efetivamente pensara questão da redefinição da relação dos indígenas com o Estado <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>. Trata-se, portanto, de mostrar como, <strong>no</strong> momento atual da(s)história(s) indígena(s) a reconfiguração imaginária do <strong>Brasil</strong> comopaís pluriétnico impõe a necessidade de dominar conhecimentos eformas de transmissão de saber sem abandonar ou escolarizar valores,tradições culturais e histórias diferenciadas próprias a cadasegmento da população indígena.Breves informações sobre os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>contemporâneoMais de duas décadas depois da promulgação da Constituição de1988 que declarou o <strong>Brasil</strong> como uma nação pluriétnica é possível dizerque o “cidadão comum”, o “brasileiro médio”, a “opinião pública”(ou qualquer outro constructo de existência imaginária) tem parcasinformações sobre os povos indígenas do país. Esta constataçãoreflete a formação obtida <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> fundamental e médio, e muitasvezes (quando se chega a tanto), também <strong>no</strong> nível universitário e napós-graduação. O sistema de ensi<strong>no</strong> brasileiro, como instituição, é incapazde se contrapor à avalanche de preconceitos do senso comum;é também desinteressado e desatualizado sobre o que se passou e sepassa na história indígena. Leis à parte, <strong>no</strong>s conteúdos curricularescontinuam a prevalecer verdadeiros guetos de conhecimento. 43 Informações disponíveis em: http://www.laced.etc.br/site Acesso em: 6 abr. 2013.4 Em 2011 a Fundação Perseu Abramo realizou uma extensa pesquisa de opiniãointitulada: “Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: demandas dos povos e percepções da opiniãopública”, coordenada pelo Professor Gustavo Venturi, da <strong>Universidade</strong> de SãoPaulo (USP). A pesquisa mostra o baixo conhecimento sobre a realidade dospovos indígenas, seus problemas e conflitos, direitos e ameaças às suas terras.Mostra também as percepções dos índios que vivem nas cidades em relação atemas como intolerância, preconceito e discriminação. Ver: http://bit.ly/14q5MhsAcesso em: 6 abr. 2013. Os resultados da pesquisa estão publicados em Venturae Bokany, 2013.16 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Fato é que muito pouco se sabe (ou se quer saber) sobre os817.963 indivíduos autodeclarados indígenas <strong>no</strong> Censo de 2010 doInstituto <strong>Brasil</strong>eiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles representamcerca de 0,4% da população brasileira, estão distribuídos emtodos os estados da federação, divididos em cerca de 274 povos, falando180 línguas distintas. 5 Para fazer frente a este descaso, as liderançasindígenas envolvidas <strong>no</strong> processo reagem a tais imagens comindignação e com a certeza de que precisam estar preparadas para sefazer presentes na esfera pública brasileira. Como dizem, precisamsubstituir arcos, flechas, bordunas, enxadas e machados por canetas,computadores e diplomas.As ações políticas dos povos indígenas viabilizaram mudançassignificativas incorporadas à Constituição de 1988 e à ratificação daConvenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) etêm sido marcos contra desmandos dos poderes públicos. 6 Em funçãode muita luta, desde os a<strong>no</strong>s 1970 até hoje, os indígenas tiveramsuas demandas materializadas em 688 terras indígenas dispersas porquase todos os estados da federação, numa área total de 112.960.604hectares. 7 Segundo estimativas do Instituto Socioambiental (ISA),417 delas encontram-se na Amazônia Legal, correspondendo a umtotal de 111.192.360 hectares (21,73% do território brasileiro). Éaí que se concentra o maior número de “organizações indígenas”,nas quais, sobretudo após 1988, os índios buscam se articular paraa luta política e para o monitoramento das ações de Estado a elesdirecionadas. As terras indígenas perfazem em tor<strong>no</strong> de 13,1% detodas as terras brasileiras; e estão entre as mais ricas e cobiçadas emrecursos naturais (biodiversidade e recursos minerais).Os líderes indígenas sabem dessas conquistas, mas sabem tambémo quanto esses grandes avanços podem ser precários e reversíveis.As lideranças também sabem que o conhecimento público daquestão indígena é superficial. Mesmo <strong>no</strong>s grandes centros onde a5 No tocante à população indígena os dados do Censo de 2010 estão disponíveis emhttp://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf. Acesso em: 6 abr. 2013.6 A Convenção 169/OIT foi aprovada <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> pelo Decreto Legislativo n. 143de 20.06.2002. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=131 Acesso em: 19 <strong>no</strong>v. 2007.7 Para dados do ISA ver: http://bit.ly/18fFZKa Acesso em: 6 abr. 2013.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 17


“opinião pública” lhes é favorável, a ig<strong>no</strong>rância justifica toda sortede violências. Se esse é o cenário atual, não custa lembrar que <strong>no</strong>súltimos 40 a<strong>no</strong>s diversas foram as mudanças nas relações entre oEstado Nacional e os povos indígenas. A partir dos a<strong>no</strong>s 1990, deuma política desenvolvimentista marcada por um assimilacionismodesenfreado chegamos até a demarcação de extensas partes do territóriobrasileiro, sob a figura jurídica de terras indígenas. Até 1988os índios eram legalmente “tutelados” pelo Estado, equiparados emtermos de Direito Civil, aos brasileiros não indígenas me<strong>no</strong>res de18 e maiores de 16 a<strong>no</strong>s. Eram considerados apenas parcialmenteresponsáveis por seus atos e necessitados, para efeitos da estruturajurídico-administrativa brasileira, da mediação e da condução de umtutor. Por efeito da <strong>no</strong>va Constituição passaram a ser reconhecidoscomo civilmente capazes de se representar juridicamente por meiode suas organizações. Outra conquista importante foi terem tido oestatuto de povos reconhecido por força da ratificação pelo gover<strong>no</strong>brasileiro da Convenção 169/OIT, decisão ratificada pelo CongressoNacional, em junho de 2002.Desde então, os grupos indígenas são coletividades reconhecidascomo povos que contam com demandas por sustentabilidade e desenvolvimentodiferenciado. Tais demandas são identificadas e atendidasatravés de ações combinadas e parcerias, através de projetos.Todas as partes envolvidas nesta parceria, e especialmente as organizaçõesindígenas estão legalmente aptas a discutir e decidir sobrequalquer decisão que as afete. Dentre os principais parceiros estãodiversas organizações de intervenção indigenista. Destacamos entreelas as organizações não governamentais (ONGs) indigenistas, hojealtamente profissionalizadas, que exercem funções de gover<strong>no</strong>; e asagências de cooperação técnica governamentais e não governamentais(bi ou multilaterais), dentre as quais redes ambientalistas conservacionistas.Nos movimentos indígenas e em suas organizaçõesevidencia-se a incorporação do léxico (neo)desenvolvimentista comomodo de expressar necessidades amplas e interesses multifacetadosnum cenário de tentativas de mudança social induzida (externas) ede transformações aceleradas (internas), com grandes decalagens entreas gerações indígenas.18 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


No pla<strong>no</strong> governamental, comparando os a<strong>no</strong>s 1990 e iníciodos a<strong>no</strong>s 2000, em aparência tão promissores de mudanças e <strong>no</strong>vasperspectivas, à primeira vista as últimas décadas parecem desanimadoras.Entretanto, hoje é possível constatar que aqueles temposdeixaram pouco ou nada institucionalizado. A entrada do gover<strong>no</strong>Lula trouxe inúmeras expectativas, expressas na maciça adesão eleitoraldos indígenas a Luís Inácio Lula da Silva. Mas já <strong>no</strong> primeiroa<strong>no</strong> do gover<strong>no</strong> as frustrações eram grandes. O primeiro gover<strong>no</strong>Lula (2003-2006) estabeleceu pouca ou nenhuma interlocução efetivacom os povos indígenas e suas organizações <strong>no</strong> tocante a temascomo terra, saúde e educação, dentre outros. Um dos principaistemas da pauta do movimento indígena foi longamente evitado: acriação de um conselho propositor e deliberativo para as políticasindigenistas, paritário entre Estado e organizações indígenas, comparticipação da sociedade civil organizada e do Ministério PúblicoFederal (MPF).A ideia de um conselho dessa natureza, sedimentada durante areunião do Fórum Social Mundial de 2003, foi apresentada aos diversossetores de gover<strong>no</strong> (à própria Funai, ao Ministério da Justiça, àCasa Civil etc.) e insistentemente apresentada por uma ampla articulaçãode atores indígenas e pró-indígenas, que resultaria na organizaçãodo Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, barrada por setoresespecíficos em momentos de tramitação bastante avançada. Comoum suposto teste à criação do conselho, em 22 de março de 2006, foicriada a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).A dispersão das políticas indigenistas, saudável pela quebra datutela, gerou grande estilhaçamento de ações, por total falta de coordenação,quando não por concorrência entre elas. A escolha doantropólogo Mércio Gomes, que ocupou a presidência da Funaide setembro de 2003 a março de 2007 (em seguida à demissão deEduardo Almeida, primeiro presidente da Funai <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Lula,que presidiu o órgão de fevereiro a agosto de 2003) representou avitória das alianças interpartidárias contra os compromissos assumidospelo PT e por Lula com o movimento indígena ao longo dacampanha. Isso acarretou na total quebra de diálogo e <strong>no</strong> retor<strong>no</strong> deperspectivas pró-tutelares, com direito inclusive a efusivas comemo-Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 19


ações pelos 30 a<strong>no</strong>s do caduco e inconstitucional Estatuto do Índio(Lei 6.001/1973).Do mesmo modo que o compromisso de homologação da demarcaçãoda Terra Indígena-TI Raposa Serra do Sol só se efetivaria em2005, a demanda pelo conselho só se viu satisfeita em abril de 2008.Sua criação foi <strong>no</strong>ticiada em meio às manifestações do Abril Indígena,mês de intensa mobilização anual dos povos indígenas em tor<strong>no</strong>da data de celebração do Dia do Índio, em 19 de abril. O acimareferido conselho, com caráter deliberativo, até o momento não foiimplementado. Em seu lugar continua a existir a Comissão Nacionalde Política Indigenista, carente de representatividade, eficácia e emlarga medida hegemonizada pela Funai.A mobilização indígena durante o gover<strong>no</strong> Lula finalmente redundouna substituição de Mércio Gomes pelo antropólogo MarcioMeira que, junto com Gilney Vianna, fizera o relatório sobre políticaindigenista para a equipe de transição ao gover<strong>no</strong> Lula. Gilney Viannarecebeu, em primeira mão, muitas reivindicações ainda hoje válidas.Meira procurou, num primeiro momento, retomar a busca pelaresolução dos problemas fundiários indígenas, sobretudo os situadosfora da Amazônia, bem como esboçar uma articulação com osórgãos de outros ministérios encarregados de políticas indigenistas.Pouco a pouco sua administração cedeu ao fôlego desenvolvimentistagovernamental em que o crescimento econômico é o imperativoprincipal, sem estar alicerçado necessariamente em parâmetros sustentáveisou em horizontes em que a propalada dimensão pluriétnicado Estado-Nação brasileiro, pós-1988, esteja de fato reconhecido.Nesse perfil ideológico já bastante conhecido, a Funai passou a deterfunções importantes, muitas vezes atropeladas por instâncias superiores,como as de responsabilizar-se pelo componente indígena dolicenciamento ambiental sob o controle último do Instituto <strong>Brasil</strong>eirodo Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Re<strong>no</strong>váveis (Ibama).As metas e projetos que organizam esse raid desenvolvimentistade cunho neonacionalista em sua retórica estão enfeixados em tor<strong>no</strong>do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A resistência indígenatem sido grande, e aqui a chance de uma retomada de rumosmais políticos que “técnicos” singularmente tem-se por vezes esboçado,para logo depois desaparecer. O caso emblemático do momen-20 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


to e que tem suscitado inúmeros posicionamentos, é sem dúvida odo licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte. A registrar, <strong>no</strong> roldas ambiguidades, deve-se ressaltar que esse mesmo desenvolvimentismoestá voltado para outras relações com o empresariado e comas classes populares. O empresariado cresce em controle de partesdo território brasileiro pela e<strong>no</strong>rme auto<strong>no</strong>mia obtida em espaços demega-empreendimentos; ao mesmo tempo, por meio de políticas deredistribuição de renda, as classes populares vêm recebendo recursosem última instância vinculados ao crescimento econômico propiciadopelo presente modelo. Assim, tais políticas de redistribuição, dirigidassobretudo às populações das grandes cidades mas que tambématuam entre os povos indígenas, baseiam-se também na extração deminérios e petróleo, <strong>no</strong>s proventos do agronegócio que avassalam asterras dos índios. Comparado ao cenário dos a<strong>no</strong>s 1970, se há similitudes,as diferenças são e<strong>no</strong>rmes.Diante desse amplo quadro delineado ao longo dos dois gover<strong>no</strong>sLula e ainda está em plena vigência <strong>no</strong> de Dilma Rousseff, Meira eseus aliados buscaram redefinir o papel da Funai. Foi uma estratégiaconsoante à diretriz mais geral dos gover<strong>no</strong>s de Lula de fortalecimentode áreas específicas da administração pública, suportada pelaestabilização financeira que colocou, com grande alarde da imprensa,o <strong>Brasil</strong> dentre as potências econômicas emergentes. Não à toasua administração sofreu ataques na imprensa, como se décadas dedesmandos e de funcionamento tutelar pudessem ser rapidamenterevertidas; como se um concerto entre diferentes políticas pudesseemergir sem instrumentos de intermediação. Sua substituição porMarta Azevedo não parece ter alterado o quadro de fortes pressõessobre a agência indigenista para liberação de processos de licenciamentoambiental visando a abertura de grandes empreendimentosem terras indígenas.Muito haveria a recuperar e sistematizar sobre a história recentedas relações entre os povos indígenas e o Estado nacional brasileiro.O regime de preconceitos que se manifesta contra esses povos de diversasformas foi capturado claramente pela já mencionada pesquisa“Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: demanda dos povos e percepções da opiniãopública” que mostra que é grande a ig<strong>no</strong>rância do brasileiro médio,seja das grandes cidades, seja do interior, acerca dos modos de vidaCenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 21


indígenas (Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2013) Nesse regime o “lugar de índioé na floresta”, as mesmas florestas que são devastadas para gerar oconforto das grandes metrópoles.De <strong>no</strong>vidade a se destacar, nesses a<strong>no</strong>s registre-se o associativismoindígena que não se iniciou com a Constituição de 1988 masteve, desde então, um estímulo considerável. Desde os a<strong>no</strong>s 1970-1980, o movimento indígena e suas inúmeras formas de expressãoinstitucional – sobretudo <strong>no</strong> modelo não-autóctone das já mencionadasorganizações indígenas (OIs) – tem feito a diferença. As OIstêm amplitudes de ação muito distintas. Podem representar aldeias,povos, ou mesmo segmentos de âmbito regional ou nacional. Entreelas estão grandes redes de organizações, como a Coordenação dasOrganizações Indígenas da Amazônia <strong>Brasil</strong>eira-Coiab ou a Articulaçãodos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e EspíritoSanto-Apoinme, a Articulação dos Povos Indígenas do Sul-Arpinsul,Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região Centro-Oeste-Arpipan,ou a tentativa de reuni-las na Articulação dos Povos Indígenasdo <strong>Brasil</strong>-Apib. Essas <strong>no</strong>vas organizações se baseiam em padrõesdistintos de tentativas anteriores como a da criação da Uniãodas Nações Indígenas (UNI) (1980) que, na prática, se desarticulou<strong>no</strong> imediato pós-Constituinte. 8As funções das organizações indígenas que eram inicialmentevoltadas para a defesa de direitos e para a ação política foram setecnificando ao longo dos a<strong>no</strong>s 1990, sendo direcionadas à operaçãode projetos e pla<strong>no</strong>s não explicitados de transformação maisabrangente. O protagonismo indígena é a moeda corrente. Trata-sede expressão cara aos movimentos e que marca a busca por auto<strong>no</strong>mia<strong>no</strong>s processos sociais em que os indígenas e seus parceiros8 O livro O índio brasileiro, de autoria de Gersem Baniwa, analisa o tema a partirdo movimento indígena. O autor, da etnia baniwa, é mestre e doutor em Antropologiapela UnB e tem larga experiência de atuação em diversas instâncias participativase postos burocráticos na administração pública brasileira, sendo consideradoum importante ator e pensador da participação indígena nas ações doEstado nas últimas décadas. Foi gerente-técnico do Projetos Demonstrativos dosPovos Indígenas-PDPI do Ministério do Meio Ambiente-MMA, e coordenadorgeral de Educação Escolar Indígena da então Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade-Secad, do Ministério da Educação, tendo sido oprincipal articulador da I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena.Foi membro do Comitê Assessor do PTC ao longo dos seis a<strong>no</strong>s do projeto.22 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


estão envolvidos. Mas como efeito colateral, presenciamos a singulardespolitização da ação de representantes indígenas e, tão ao gosto domundo do desenvolvimento, sua tecnificação. 9Os ganhos e perdas desses processos ainda estão por ser sopesadosadequadamente. Eles não só aportaram muitos <strong>no</strong>vos conhecimentos,mas também implicaram na assunção de responsabilidadespara as quais essas organizações de distintos matizes e naturezas,âmbitos e especializações, não estavam preparadas. No <strong>no</strong>vo contextoelas carecem de subsídios adequados para aquisição de capacidadesvariadas necessárias aos <strong>no</strong>vos papéis e ao intenso trabalho departicipação política. Os movimentos indígenas têm sido críticos dadescontinuidade imposta pelo formato projeto que determina umaespécie de contrato entre um dado financiador e uma organização,onde são previstos conjuntos de ações a serem executadas com certasfinalidades com valores e tempos precisos de execução, sendo o processode formalização de um projeto extremamente criativo na suainterlocução, mas também uma negociação pe<strong>no</strong>sa entre as partesenvolvidas e mesmo entre facções e gerações de um ou mais povosbeneficiários.O mais importante, porém, é o que o texto constitucional temsignificado para a formulação de outra ideia de Estado, como suportepara a imaginação social, onde o reconhecimento dos direitos dosindígenas joga um papel de destaque. A Constituição de 1988, juntocom a Convenção 169/OIT, criou um horizonte de construção de<strong>no</strong>vas práticas administrativas, e consequentemente, de construçãode espaços políticos abertos à necessária participação das organizaçõesindígenas. Esses elementos foram essenciais à quebra da visãounitarista que defendia a necessidade da tutela, supondo-a como essencialmenteprotetora. 10Um convívio mais estreito com os movimentos indígenas mostraque <strong>no</strong> bojo do surgimento e da formação de um intenso ativismo,constitui-se uma intelectualidade de militantes indígenas que têm opotencial (pois tenta fazê-lo em múltiplas escalas) de transformar as9 Sobre os efeitos despolitizantes das intervenções desenvolvimentistas, ver, entreoutros, Ferguson (1994). Dentre os muitos títulos sobre desenvolvimento, ver Escobar(1995) e Rist (1999).10 Sobre a tutela como forma de exercício de poder, ver Souza Lima (1995).Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 23


elações entre o Estado e as suas coletividades. Tal intelectualidademilitante tem buscado pensar e propor relações com os “mundos dosbrancos” e vem se formando <strong>no</strong> bojo da luta política tanto quantode universidades e faculdades não indígenas, produzindo sínteses einterpretações que buscam espelhar as orientações vindas de suascoletividades de origem. Com todas as limitações e contradições, taissínteses apresentam uma fina percepção do que são esses “mundosdos brancos” e do que é o Estado nacional. No limite, esses intelectuaismilitantes podem ser capazes de reconhecer aspectos positivose negativos tanto nas coletividades indígenas quanto <strong>no</strong>s espaços nãoindígenas, estabelecendo bases mais sólidas para a luta política ealianças nas quais os indígenas demonstram estar dotados de basessólidas para a conquista da real auto<strong>no</strong>mia.O ensi<strong>no</strong> superior de indígenas: elementos para pensarContra esse pa<strong>no</strong> de fundo muito impressionisticamente delineado,alguns trabalhos têm surgido como tentativas de construir <strong>no</strong>vos canaisde formação e informação que permitam aos indígenas atuar naesfera pública, prescindindo de mediadores não indígenas. A buscade qualificação que é apresentada como parte do interesse indígenapela formação <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior é também um esforço para entendere dominar a avassaladora entrada das políticas públicas nas aldeiasindígenas, seja na esfera política, seja em outras esferas sociais maisrecônditas como o parentesco e as relações intergeracionais. Neste<strong>no</strong>vo regime de poder a participação dos indígenas nas agênciasde Estado é um imperativo que coloca desafios variados. Contandoou não com a efetiva presença indígena nas etapas de formulação eimplementação das ações governamentais, na prática, a luta por auto<strong>no</strong>miase entretece com as formas tutelares e coloca a necessidadede se conhecer o caráter multifacetado das políticas governamentaisincidentes sobre os povos indígenas. Tal constatação faz com que setorne imperativo proceder a estudos <strong>no</strong>s quais analisar o Estado <strong>no</strong>tocante às políticas indigenistas implique em analisar os povos indígenasnelas entramados.Essa intelectualidade indígena militante em surgimento e consolidaçãovem formulando concepções que partem de seu aprendizado– distributivamente variado – em suas tradições culturais e do que24 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


tais tradições propiciam como chaves de leituras das intervenções deEstado em seus modos de vida, <strong>no</strong>s contextos locais e regionais específicosde seus povos <strong>no</strong> presente. Muito dessa reflexão vem sendocunhada na militância e hoje em espaços acadêmicos de graduaçãoe pós-graduação, cujo crescimento foi exponencial <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s que ostextos deste livro abordam. Mas se tal é o ponto de partida, parece--me que estes intelectuais indígenas buscam adquirir a capacidade deextrapolar seus contextos e formular interpretações sobre as relaçõesentre povos indígenas e Estado em diálogo com outros contextoslocais e regionais, nacionais e internacionais. Em suma, estão emjogo modos indígenas de entender e conceber formas e processos estatais.Foi tendo em mente essas realidades esboçadas e reivindicadasem 2002 que elaboramos, para uma concorrência interna à própriaFundação Ford, as linhas gerais do projeto em tor<strong>no</strong> do qual o Lacedenfeixou suas ações <strong>no</strong> tocante à educação superior de indígenas <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, cujos cenários mais amplos os textos aqui presente delineiam.A Fundação Ford, financiadora do Trilhas de Conhecimentos éuma fundação filantrópica <strong>no</strong> sentido da palavra <strong>no</strong> contexto anglo--saxão. Fica sediada <strong>no</strong>s Estados Unidos da América que atua emdiversos países em padrões de governança muito próximos aos deoutros mecanismos internacionais de financiamento. Estabelecidaem 1936 por Edsel Ford, filho e sucessor de Henry Ford, criador daFord Motor Company, seu objetivo hoje é financiar programas depromoção da democracia, de redução da pobreza e geração de compreensãointernacional. 11 Com ampla atuação <strong>no</strong>s países da AméricaLatina, a Fundação Ford doou importantes quantias para projetos eestabelecimento de instituições e formação especializada de quadrosde diversos níveis. Ainda hoje apresenta uma importância <strong>no</strong>távelem muitos países e em muitas questões, como se evidencia na visi-11 Para breves informações sobre a Fundação Ford, ver: http://www.fordfoundation.org/about-us/historyAcesso em: 6 abr. 2013. Para um balanço muito bemdocumentado sobre os 40 a<strong>no</strong>s de ação da Fundação Ford <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, promovidopor ela mesma, Ver Brooke & Witoshynsky (2002). Disponível em: http://bit.ly/15bxoUK Acesso em: 6 abr. 2013. Ainda que mais interessadas na dimensãode renúncia fiscal, muito recentemente famílias brasileiras de elite (ou instituiçõesbrasileiras que surgiram a partir de empreendimentos industriais ou financeirospor elas controlados) começaram a desenvolver atividades de natureza similar. Demodo geral, se voltam para o campo da “cultura” e estão pouco comprometidascom a transformação social. Acesso em: 6 abr. 2013.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 25


ilidade com que tem contado o Programa Internacional de Bolsas(International Fellowships Program), executado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> pela FundaçãoCarlos Chagas, ou na discussão sobre cotas para negros nasuniversidades. 12É certo que podemos encontrar muitos problemas na filantropiainternacional e na <strong>no</strong>rte-americana em especial. Mas, concretamente,<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, diversas iniciativas só se tornaram realidade porqueessas fundações disponibilizaram recursos e deram condições paraque segmentos de <strong>no</strong>ssas as elites intelectuais atuassem em esferasque as elites político-financeiras não tinham qualquer interesse emintervir. 13 Nas Ciências Sociais, a FF foi – e em certos casos aindaé – essencial na estruturação de inúmeros centros de investigação elinhas de pesquisa. Alguns dos primeiros cursos de pós-graduaçãodo <strong>Brasil</strong> foram financiados com recursos da Fundação Ford.No Laced, o PTC teve como antecedentes uma série de investimentosrealizados desde o final dos a<strong>no</strong>s 1990, tanto em pesquisapura quanto aplicada, que redundaram em publicações, seminários ena elaboração de modelos de curso de pós-graduação que hoje se disseminamatravés de seus participantes, muitos dos quais financiadospela Fundação Ford (FF). 14 Foram exatamente estes investimentosque em 2002 levaram a Fundação Ford a aprovar um projeto voltadopara a formação de lideranças indígenas e de “populações tradi-12 Visando influir na mudança de perfil da “liderança mundial”, entre 2001 e 2010,o International Fellowship Program (IFP) foi responsável pela doação de bolsasde estudo a nível de pós-graduação para “segmentos sub-representados” (afrodescendentes,mulheres, povos indígenas etc.) em 22 países. Ver: http://www.fordfoundation.org/about-us/special-initiatives/ifp.Para projeto <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ver: http://www.programabolsa.org.br/ifp_programa.html Acesso em: 6 abr. 2013. Ver tambémo capítulo de Fúlvia Rosemberg e Leandro Feitosa Andrade, nesta coletânea.13 Isto foi especialmente verdade <strong>no</strong> campo da educação em geral e da educaçãosuperior <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Um exemplo foi a criação de cursos de enfermagem, implantados<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> <strong>no</strong> início do século XX, com recursos da Fundação Rockefeller(CASTRO-SANTOS, 1987).14 Dentre outras publicações ver, Souza Lima e Barroso Hoffmann (2002a, 2002b,2002c). Disponíveis on-line em: http://laced.etc.br/site/acervo/livros/; os semináriosBases para uma <strong>no</strong>va política indigenista I e II, estão disponíveis em http://laced.etc.br/site/atividades/seminarios/; e os cursos de pós-graduação realizadosem parceria com a <strong>Universidade</strong> Federal do Amazonas (http://laced.etc.br/site/atividades/cursos/curso-gestao-em-et<strong>no</strong>/)e com a <strong>Universidade</strong> Federal de Roraima(http://laced.etc.br/site/atividades/cursos/curso-gestao-em-et<strong>no</strong>des/). Acesso em:6 abr. 2013.26 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


cionais”, uma forma bastante específica de ação afirmativa-AA. Pormeio das lideranças indígenas com as quais interagia, o Laced tinhacomo objetivo garantir a essas lideranças o poder de atuar sobre elasmesmas e na sua relação com o Estado e outras instituições. O objetivoera, portanto, empoderar (usamos aqui um aportuguesamentoderivado da palavra inglesa empowerment) essas comunidades, oferecendoas estruturas universitárias como espaços de formação quepoderiam ser tornados receptivos a esse formato.O primeiro movimento nessa direção foi um concept paper apresentadopela equipe do Laced em 2002, por solicitação do então assessordo Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento da FF <strong>no</strong>Rio de Janeiro, o eco<strong>no</strong>mista <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> José Gabriel Lopez.Este concept paper, reelaborado por Lopez e ainda sem qualquervinculação com o Laced, foi aprovado como pré-proposta pelo escritórioda FF do <strong>Brasil</strong>. Através dele foram reservados US$1.200.000(um milhão e duzentos mil dólares) para o trabalho com indígenase outras populações tradicionais <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. 15 Em junho de 2003 oprojeto Trilhas de Conhecimentos estava pronto para ser submetidoà avaliação final na sede da Ford Foundation, em Nova Iorque. 16Assim sendo, como já dito, o Trilhas foi desenhado visando contribuirpara a produção de políticas governamentais voltadas para oacesso, a permanência e o sucesso de estudantes indígenas e de outraspopulações tradicionais <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, vistos como via imprescindívelao empoderamento de coletividades territorializadas <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>. A intenção inicial era proceder a uma ampla série de reuniõese seminários entre segmentos de IES públicas e comunitárias, organizaçõese lideranças indígenas, e segmentos governamentais, demodo a produzir uma rede articulada de iniciativas dispostas nacionalmente,com especial atenção para as demandas de formação dosquadros dos movimentos indígenas. O PTC não pretendia atingirindivíduos, ainda que também considerasse os indígenas residentes15 O câmbio à época era extremamente favorável aos financiamentos estrangeiros(US$1,00 = R$3,23).16 Em Souza Lima e Paladi<strong>no</strong> (2012) estão publicados alguns textos sobre as experiênciasdesenvolvidas com indígenas a partir da PHEI; um dos textos destacoletânea trata exatamente do PTC, de modo mais aprofundado. Nesta coletâneaEncontram-se textos relativos ao PTC abordando seus múltiplos aspectos e suasfases (SOUZA LIMA e BARROSO, 2013).Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 27


em centros urba<strong>no</strong>s, mas pensava, neste e em todos os casos, em umanecessária conexão dos universitários com os movimentos sociais,em especial com os movimentos indígenas em suas variadas facetas.O projeto foi lançado formalmente <strong>no</strong> dia 1º de fevereiro de 2004e sua primeira etapa encerrou-se em março de 2007. 17 Por diversasdeterminações, a intenção de atingir e facilitar o acesso ao espaçouniversitário a outras “populações tradicionais”, <strong>no</strong>tadamente aquelas<strong>no</strong> contexto amazônico, foram revistas, e o projeto centrou-seapenas em cenários indígenas. O projeto voltado para empoderarcoletividades formando lideranças, ficou restrito à tarefa de “propiciara mudança das instituições universitárias” a fim de promovertransformações sociais mais amplas via capacitação de indivíduos.Tal cerceamento resultou do predomínio de uma linha de entendimentodos problemas educacionais e da eficácia potencial das açõesafirmativas <strong>no</strong> interior da FF em sua sede estadunidense que alterouas diretrizes da Pathways to Higher Education Initiative, assimcomo das alterações na composição da equipe do escritório FF-RJ.Paralelamente, e como consequência das mudanças nas própriasorientações da PHEI, houve mudanças na equipe do Laced, que atémeados do a<strong>no</strong> de 2003 foi integrada também pelo antropólogo JoãoPacheco de Oliveira. Com isso o projeto teve suas metas revistas<strong>no</strong> segundo semestre de 2003. Os programas de ação desenhadosforam compulsoriamente orientados, segundo as <strong>no</strong>vas linhas diretorasda PHEI naquele momento, a propiciar a ação de universidades,na crença de que a mudança social rumo a sociedades maisequânimes, seria obtida pela transformação de instituições como asuniversidades e pela produção de “lideranças” portadoras de formaçãoadequada, em detrimento da ênfase em articulação política decoletividades para obter a formulação de políticas governamentaisque pautassem uma mudança de maiores escalas. Nessa linha deentendimento, formar núcleos destinados ao acompanhamento dosindígenas em universidades serviria para mudá-las, capacitando-asa formar futuros pós-graduandos que viessem a se configurar como17 Houve, assim, um a<strong>no</strong> e dois meses de preparação prévia entre a elaboração doconcept paper e a concepção de uma proposta a partir de um desenho inicial daPHEI, cujo ponto de partida se deu em 2001.28 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


profissionais indígenas capazes de ingressar <strong>no</strong> mercado de trabalho,lideranças em seus campos de atuação.Na prática e contrariando as diretrizes da PHEI que <strong>no</strong>s foramapresentadas como aquelas que em 2003 deveríamos passar a seguir,executar o PTC foi um permanente exercício de demonstração doserros de avaliação dessa linha focada na “mudança institucional”e na formação de “lideranças individuais” para o caso dos povosindígenas em sua relação com a universidade <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Julgo mesmoque se alguns dos objetivos que mais almejamos ainda estão porser plenamente alcançados isso se deve ao fato de que se produziuuma insuficiente articulação entre indígenas e universidades capazde eficazmente pressionar por orientações e recursos governamentaisadequados.Durante sua primeira etapa (2004-2007) o Trilhas de Conhecimentosteve como objetivos principais: 1) fomentar nas universidadesiniciativas de ação afirmativa de caráter demonstrativo e modelardestinadas a dar suporte ao et<strong>no</strong>desenvolvimento dos povosindígenas, através da formação de indígenas de nível universitário;2) fomentar a capacitação de profissionais universitários para lidarem– juntamente com universitários indígenas em diálogo com suascoletividades – intervenções institucionais visando a democratizaçãodo acesso e da permanência em seus cursos de indivíduos integrantesde povos indígenas; e 3) acompanhar e influenciar as políticas governamentaisdo ensi<strong>no</strong> superior de modo a garantir sustentabilidade ereplicabilidade às experiências universitárias desenvolvidas <strong>no</strong>s quadrosdo projeto.Para isso a equipe sediada do PTC desenvolveu um conjunto deatividades específicas:1) coorde<strong>no</strong>u, por demanda incentivada, a seleção de propostas anúcleos de docentes vinculados a universidades que se propuserama participar do projeto e estimular e viabilizar o acesso epermanência de indígenas em cursos universitários, visando suatitulação <strong>no</strong> terceiro grau;2) acompanhou, junto aos núcleos docentes, criação e implementaçãode programas destinados à preparação de alu<strong>no</strong>s indígenasportadores do título de conclusão do ensi<strong>no</strong> médio para o exameCenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 29


vestibular e posteriormente para seu acompanhamento tutorialna universidade;3) coorde<strong>no</strong>u esforços para, através da rede dos núcleos, acumulare potencializar a capacidade operacional e investigativa, contribuindopara tornar as instituições de ensi<strong>no</strong> superior mais democráticase plurais;4) acompanhou, em parceria com organizações indígenas, os debatessobre as políticas governamentais que afetam os povos indígenas<strong>no</strong> tocante às demandas por profissionais indígenas ao níveldo terceiro grau, de modo a influenciá-las, construindo as basessociais da sustentabilidade dessas iniciativas;5) coorde<strong>no</strong>u investigações sobre este processo de intervenção socialbem como sobre as instituições de ensi<strong>no</strong> superior em seucotidia<strong>no</strong> organizacional, gerando o conhecimento crítico necessárioà ampliação dos efeitos do processo.Partindo dessas linhas de ação, o PTC pode ser melhor descritopor meio do agrupamento de suas diversas atividades. Ainda na suaprimeira etapa o PTC teve como suas principais realizações:1) ações de incentivo à demanda: o estabelecimento de inúmeroscontatos com universidades e organizações indígenas desde o iníciode 2004 até o final de 2005, incentivando-se a apresentação deduas propostas plenamente aprovadas envolvendo três universidades,compondo-se experiências-modelos em uma universidadefederal, a <strong>Universidade</strong> Federal de Roraima (UFRR), por meiodo então Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena; 18 umauniversidade estadual, a <strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grossodo Sul (Uems); e uma universidade confessional, a <strong>Universidade</strong>Católica Dom Bosco (UCDB). 19 As duas primeiras públicas e gratuitas;e a terceira comunitária e paga.2) monitoramento do trabalho dos núcleos contratados, feito entre2005 e 2007, por meio de visitas periódicas, leitura e análise de18 Hoje Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena.19 Para chegar a este formato final foram feitos diversos contatos. Duas outras universidadeschegaram a apresentar propostas, uma enviada duas vezes; e outrapré-proposta chegou a ser apresentada. Nenhuma delas foi plenamente desenvolvidapor desistência das equipes face às exigências apresentadas.30 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


elatórios juntamente com um Comitê Assessor do PTC, idealizadopela Fundação Ford para dirimir qualquer possível dúvida; 203) organização do seminário “Desafios para a educação superiordos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>”, de âmbito nacional financiadopela FF e pelo Fundo de Inclusão Social/Banco Interamerica<strong>no</strong>de Desenvolvimento-BID. Realizado em Brasília em 30 e 31 deagosto de 2004 contou com ampla participação de organizaçõese intelectuais indígenas, setores governamentais, ONGs, organismosde fomento e docentes universitários. Dele resultou umapublicação que em termos latos mantém-se atual (SOUZA LIMAe BARROSO-HOFFMANN, 2007a). O seminário estimulou asSecretarias de Educação Superior-Sesu e de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade-Secad do MEC a finalmentetomarem posição <strong>no</strong> tocante à educação superior de indígenas,gerando o lançamento, um a<strong>no</strong> depois, do edital Programa deApoio à Educação Superior e Licenciaturas Indígenas-Prolind,publicado em 2005; 2120 O comitê assessor foi composto por Beatriz Maria Alasia de Heredia: antropóloga,que assessorou a Fundação Ford na montagem do projeto ao longo dosegundo semestre de 2003 e docente da UFRJ; Carlos Coimbra Jr.: antropólogo,docente da Fundação Oswaldo Cruz e especialista na área de saúde indígena, donatáriode recursos da FF <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>; Fúlvia Rosemberg: psicóloga, coordenadora<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> do International Fellowship Program/FF, na Fundação Carlos Chagas,instituição privada sem fins lucrativos reconhecida como de utilidade pública <strong>no</strong>sâmbitos federal, estadual e municipal e, autora de um capítulo desta coletânea;Etelvina Santana da Silva: conhecida como Maninha Xukuru-Kariri, estudantede filosofia, liderança indígena de grande importância sobretudo nas regiõesNordeste e Leste do <strong>Brasil</strong>, falecida em outubro de 2006; Gersem José dos SantosLucia<strong>no</strong>, Baniwa: liderança indígena de expressão nacional, antropólogo, representanteindígena <strong>no</strong> Conselho Nacional de Educação; Maria Conceição Pinto deGóes: historiadora, representante da reitoria da UFRJ; e Nietta Lindenberg Monte:mestre em educação e especialista em educação indígena vinculada à ONGComissão Pró-Índio do Acre.21 Ver: http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/Desafios.pdfAcesso em: 6 abr. 2013. Sobre a atuação da Sesu, através de seu Departamentode Política da Educação Superior-Depes ver Bondim (2006). Para o Prolind, ver:http://bit.ly/gjia9b Acesso em: 6 abr. 2013. O Prolind foi o programa de trêseditais publicados pelo MEC destinados a apoiar a constituição de cursos delicenciatura intercultural para a formação superior de professores indígenas queatuam em escolas indígenas de educação básica. O primeiro edital foi publicadoem 2005 e o último julgamento foi em 2010.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 31


4) elaboração de um conjunto de livros paradidáticos. Nos a<strong>no</strong>s de2005 e 2006, o PTC contratou a elaboração de livros paradidáticosdestinados especialmente à formação superior de indígenas:a implementação do PTC e a avaliação dos impactos sobreo movimento indígena da formação de pós-graduados indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> mostrou a importância de se disponibilizar textos paraprocessos de formação de indígenas e não indígenas <strong>no</strong> tocantea variadas dimensões da vida social desses povos. Tal gênero detextos usualmente tem sido escrito por não indígenas. Julgou-seque quando possível isso deveria ser revertido em favor de autoresindígenas, fornecendo <strong>no</strong>vos eixos de reflexão para os jovensindígenas em formação de modo a que possam construir umaimagem positiva de uma “intelectualidade indígena” engajada ereflexiva com que se identificar. Montou-se então a série “Viasdos Saberes” executada pelo PTC ao nível de direção editorial,projeto gráfico e editoração, e veiculada sob a forma de e-books<strong>no</strong> sítio web do projeto. 22 Estabeleceu-se também uma parceriacom a Secad/MEC e com a Unesco, para impressão dos livros na“Coleção Educação Para Todos”. A edição foi feita com recursosdo BID, em tiragens de cinco mil exemplares de cada volume,destinados à distribuição nacional para escolas indígenas, alu<strong>no</strong>sindígenas de cursos universitários de todas as carreiras, organizaçõesindígenas, ONGs indigenistas, bibliotecas públicas etc.Seu conteúdo serve de base também a módulos de um curso decapacitação à distância de gestores universitários e de secretariasmunicipais e estaduais de educação que são as executoras da educaçãofundamental de indígenas <strong>no</strong> país. 2322 Ver: http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/ Acesso em: 6 abr. 2013.23 O primeiro livro da série é uma introdução geral aos aspectos da vida dos povosindígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> contemporâneo, de autoria do já citado Gersem Lucia<strong>no</strong> Baniwa.O segundo, escrito pelos antropólogos João Pacheco de Oliveira (MuseuNacional/UFRJ) e Carlos Augusto da Rocha Freire (Museu do Índio/Funai/MI) éum trabalho sem similar até hoje em <strong>no</strong>ssa produção acadêmica, apresentando demodo crítico e didático a presença indígena na História do <strong>Brasil</strong>. O texto servede base para revisão do sistema de preconceitos vigente: tais preconceitos fazemcrer, por exemplo, que indígenas não têm direitos nem apresentam demandaspor cursos universitários. O terceiro trata dos direitos indígenas, foi coordenadopor Ana Valéria Araújo (secretária executiva da ONG Fundo <strong>Brasil</strong> de DireitosHuma<strong>no</strong>s, advogada não indígena especializada <strong>no</strong> direito indigenista brasileiro).32 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


5) produção de um site, iniciado em 2004, com informações relativasao ensi<strong>no</strong> superior de indígenas. O PTC criou e mantém umalista de discussão eletrônica “Educação Superior de Indígenas”na base do Yahoo! que vem sendo bastante utilizada; 246) produção de um vídeo também intitulado Trilhas de Conhecimentosa partir da experiência dos estudantes indígenas do MatoGrosso do Sul, realizado com a participação dos estudantes. Omaterial bruto lhes foi enviado para ser utilizado em outros filmesfuturos e tem sido intensamente utilizado em palestras, conferênciase reuniões como instrumento de sensibilização;7) participação <strong>no</strong> comitê de avaliação do Prolind de agosto de2005 a 2010 e <strong>no</strong> seminário de avaliação do mesmo, em <strong>no</strong>vembrode 2006;8) promoção, em parceria, de dois seminários financiados com umresíduo de recursos destinados a núcleos universitários, após assubdoações para a UFRR, a UCDB e a Uems: a) por meio deuma subdoação ao Programa de Pós-Graduação em Direito daUfpa, importante centro na área de direitos huma<strong>no</strong>s e detentorde mecanismos de ação afirmativa, um seminário sobre o ensi<strong>no</strong>de Direito para indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, que gerou um site, um vídeoe um documento a ser publicado; b) por meio de uma subdoaçãoPor longos a<strong>no</strong>s Ana Valéria Araújo vem advogando e trabalhando <strong>no</strong> acompanhamentoda formação de estudantes indígenas em Direito; a ela se reuniramquatro advogados indígenas: dentre eles, Paulo Celso de Oliveira Pankararu mestreem Direito, ex-bolsista do IFP e ouvidor-geral da Funai; Joênia Batista deCarvalho Wapichana, advogada da organização indígena Conselho Indígena deRoraima, mestre em Direitos Indígenas pela <strong>Universidade</strong> do Arizona; Lucia FernandaBelfort Kaingáng (também mestre em Direito) diretora-executiva do InstitutoIndígena <strong>Brasil</strong>eiro para Propriedade Intelectual; e Vilmar Moura Guarany(mestre com bolsa do IFP), professor das Faculdades do Vale do Juruena. Tambémcompõe o grupo o re<strong>no</strong>mado pesquisador e ativista dos direitos indígenas<strong>no</strong> pla<strong>no</strong> internacional, o indígena <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> S. James Anaya, professorda Faculdade de Direito da <strong>Universidade</strong> do Arizona. Cada um deles desenvolveutemas de seu interesse e grande importância para os direitos dos povos indígenas.O último dos livros da série (sem similar na produção intelectual brasileira) é ummanual de linguística destinado ao estudo de línguas indígenas e do bilinguismo,escrito pelo linguista da UFRJ Marcus Antonio Resende Maia, um dos primeirosa trabalhar com conteúdos de português como segunda língua na formação deprofessores indígenas.24 Ver em: http://br.groups.yahoo.com/group/superiorindigena/. Acesso em: 6 abr.2013.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 33


à Ufba, centro de referência na área do sanitarismo, um semináriosobre a formação de indígenas na área de saúde, que tambémproduziu um site e que tem <strong>no</strong> prelo o relatório final sob formade texto impresso; 259) estímulo à reflexão sobre a relação entre indígenas e educaçãoem particular com o suporte financeiro a pesquisas para teses dedoutorado e à publicação da coletânea Educación escolar indígena,publicado na Argentina (PALADINO e GARCÍA, 2007).10) realização de um intenso trabalho de advocacy em diversas frentes,procurando apresentar elementos para pensar os problemasda formação de indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior sob diversos ângulos,sobretudo o da permanência e futura inserção profissionaldos estudantes.A segunda etapa do PTC teve início em abril de 2007, acompanhadade uma ampla mudança na concepção do projeto redesenhadoao longo da primeira etapa. O projeto foi formalmente encerrado em2009. Ainda mantendo o trabalho de assessoramento aos núcleos, osobjetivos foram:1) contribuir para a melhoria das políticas institucionais relativasao acesso à formação universitária de estudantes indígenas, suapermanência e o sucesso em cursos de nível superior por meio dotreinamento de integrantes de seus quadros docentes e técnico--administrativos;2) contribuir para a capacitação de organizações indígenas paraque pesquisem, monitorem e avaliem a implantação das políticasgovernamentais e institucionais para o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas,de modo a se tornarem aptas a debater esses temas, comênfase especial <strong>no</strong> reconhecimento dos conhecimentos tradicionaisindígenas e em seu valor para a gestão de territórios de suascoletividades;3) produzir reflexões críticas sobre o próprio processo de implantaçãodo projeto e a conjuntura em que tal se deu, as dinâmicasestabelecidas <strong>no</strong>s núcleos e possibilidades futuras;25 Para o seminário sobre formação de indígenas em direito, ver: http://www3.ufpa.br/juridico/ Acesso em: 6 abr. 2013.34 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


4) contribuir para produção de conhecimentos acerca da criaçãode políticas governamentais e institucionais voltadas para a promoçãode mecanismos de acesso e permanência de indígenas emuniversidades públicas e privadas <strong>no</strong> país.Nessa segunda etapa, participantes da equipe produziram duasdissertações de mestrado (ALMEIDA, 2008; PAULINO, 2008) euma tese de doutorado posteriormente publicada (BARROSO HO-FFMAN, 2008; 2009), e premiada pela Capes como melhor tese deAntropologia de 2008. Concebeu-se e deu-se início à elaboração dasérie de livros Abrindo Trilhas dos quais o presente volume é integrante,e que juntamente com Cami<strong>no</strong>s hacia la educación superior:los programas Pathways de la Fundación Ford para pueblos indígenasem México, Perú, <strong>Brasil</strong> y Chile (SOUZA LIMA e PALADINO,2012) e Trilhas de Conhecimentos: uma experiência de fomento aações afirmativas para povos indígenas (SOUZA LIMA e BARRO-SO, 2013) procuram contextualizar e sistematizar as ações do PTC.Foi ainda realizado um curso a distância de capacitação de gestoresde gover<strong>no</strong> e de instituições de ensi<strong>no</strong> superior a cargo da FGVOn-line cujas turmas piloto foram executadas em parceria com aSecad/MEC. Ainda nesta segunda etapa, o PTC contribuiu para aestruturação e passou a atuar como assessor do Centro Indígena deEstudos e Pesquisas, com o qual o Laced tem mantido uma parceriade trabalho. 26O PTC encerrou-se em outubro de 2009. A partir daí, e nãomais, com recursos da Pathways to Higher Education Initiative, oescritório da Fundação Ford <strong>no</strong> Rio de Janeiro concedeu ao Laceddois outros financiamentos.O primeiro desses projetos intitulou-se “Educação Diferenciada,Gestão Territorial e Intervenções Desenvolvimentistas. Pesquisa,Sistematização de Conhecimentos, Produção de Material Didático”.Durante o período de vigência desse projeto, concluído <strong>no</strong> início de2013, além de manter-se trabalhando em parceria com o Cinep eem contato com o núcleo de Mato Grosso do Sul estruturado na26 Para o curso on-line ver: http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/curso_distancia.htm,também acessível por meio do site de Trilhas de Conhecimentos. Quantoao Cinep, ver: http://www.cinep.org.br Acesso em: 6 abr. 2013.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 35


primeira etapa de Trilhas de Conhecimentos, o Laced estimulou aprodução de mais dois livros de cunho paradidático para publicaçãoem parceria com o MEC, um deles intitulado Saúde indígena:uma introdução ao tema, concebido e organizado por Luiza Garneloe Ana Lucia Pontes (Fiocruz), também nesse caso contando coma participação de autores indígenas; o segundo foi intitulado Gestãoterritorial em terras indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, organizado por Cassio NoronhaInglez de Souza e Fabio Vaz Ribeiro de Almeida, em conjuntocom Maira Smith, os três ex-técnicos do Projetos Demonstrativosdos Povos Indígenas (PDPI)/Ministério do Meio Ambiente, e GuilhermeMartins de Macedo, <strong>no</strong> momento perito técnico da Agênciade Cooperação Técnica Alemã (GIZ) para o Tratado de CooperaçãoAmazônica <strong>no</strong> tocante aos assuntos indígenas. 27Dois outros livros, de cunho mais instrumental, foram elaborados:um, de autoria dos antropólogos Luís Roberto De Paula (professorda Licenciatura intercultural para professores indígenas daUFMG) e Fernando de Luís Brito Vianna que apresenta um pa<strong>no</strong>ramadas políticas governamentais para os povos indígenas, ensinandoos estudantes indígenas a pesquisar e informar-se sobre elas;outro de autoria de Mariana Paladi<strong>no</strong> (Faculdade de Educação/UFF)e Nina Paiva Almeida (Funai) com revisão técnica de Kleber GesteiraMatos retraça o itinerário da política de educação indígena ao longodo período dos dois gover<strong>no</strong>s de Luís Inácio Lula da Silva. 28Em todas essas iniciativas a variação do dólar – moeda em quesão feitas e indexadas as doações da Fundação Ford – trouxe inúmerostropeços durante a maior parte do tempo, por conta da queda docâmbio nas duas doações para o PTC e na imediatamente posterior,para a execução de projetos envolvendo um largo circuito de agentes,e tarefas demoradas e custosas, apenas sinteticamente referidas27 O livro coordenado por Garnelo e Pontes está disponível para download em:http://laced.etc.br/site/acervo/livros/saude-indigena/. O livro de gestão territorialem breve estará também <strong>no</strong> link: http://laced.etc.br/site/acervo/livros/, aguardandopara isso apenas últimas alterações que a CGEEI/Secadi ainda está por fazer.Os dois serão impressos ainda <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2013, segundo esta coordenação em tiragensde 10 mil exemplares, juntamente com a reimpressão dos primeiros quatrovolumes. Acesso em: 6 abr. 2013.28 Livros disponíveis para download em: http://laced.etc.br/site/acervo/livros/ Acessoem: 6 abr. 2013.36 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


anteriormente. Em especial, o componente relativo à reflexão sobrea experiência desenvolvida e os inúmeros aspectos da mesma, viu-seprejudicado e limitado.O outro projeto, intitulado A Educação Superior de Indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: avaliação, debate e qualificação, que também conta comrecursos do CNPq e da Faperj foi efetivamente iniciado em <strong>no</strong>vembrode 2011. Foca-se na avaliação dessa década de trabalhos parapromoção e fomento à formação superior de indígenas, na continuidadeda assessoria aos movimentos indígenas, seja pela participaçãoem espaços de formação dos quadros de movimentos indígenas, emparceria com o Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep), naprodução e disponibilização ampla de subsídios didáticos via internetem forma escrita e audiovisual, assumindo-se agora plenamentea direção de contribuir para a formação de intelectuais indígenas.Ênfase especial está sendo dada à formação de profissionais indígenasna área da comunicação, já que as mídias são áreas de combateimportante dos movimentos indígenas.O a<strong>no</strong> de 2010 configurou-se como período eleitoral e de preparaçãopara a transição governamental, o que <strong>no</strong> tocante a parceriascom setores do gover<strong>no</strong>, em especial com a Secad, hoje reunida àSecretaria de Educação Especial e <strong>no</strong>meada Secadi. O “i” de Inclusão,tor<strong>no</strong>u muitas coisas instáveis, sujeitas a incertezas, demoras ea partir de março de 2011 implicou ainda em renegociar acordos,como os das parcerias para impressão de livros. As transformações<strong>no</strong> MEC, com a saída do secretário André Lázaro, em dezembro de2010, e a consequente perda significativa da importância da pautada diversidade, tornaram bastante incertas as ações governamentaisrelativas à educação para a diversidade 29 .Alguns resultados alcançados e limitaçõesA presença de indígenas em IES federais, estaduais, comunitárias ouprivadas stricto sensu, tem-se colocado como realidade <strong>no</strong>s últimos29 O cargo passou a ser ocupado pela Sra. Claudia Dutra, ex-secretária de EducaçãoEspecial do MEC durante o segundo gover<strong>no</strong> Lula, dedicada especialmente àspolíticas de inclusão de deficientes que só deixou o cargo em fevereiro de 2013.Só após sua saída e a entrada da profª Macaé Evaristo <strong>no</strong> cargo está se vendo arecuperação de inúmeros aspectos do desenho inicial da Secad.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 37


10 a<strong>no</strong>s. Quando, em agosto de 2004, a equipe executora da primeiraetapa do PTC realizou o seminário “Desafios para uma educaçãosuperior para os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: políticas públicas deação afirmativa e direitos culturais diferenciados”, o representanteda Funai, única agência de Estado a ter informações mais concretas,ainda que com pouca ou nenhuma sistematicidade, estimou emalgo por volta de 1.300 o número de indígenas que cursavam o ensi<strong>no</strong>superior, em geral, em IES particulares de baixa qualidade. 30 ACGEEI/Secadi-MEC estima hoje em oito mil o número de estudantesindígenas em IES de todos os tipos.Em 9 de janeiro de 2001 foi aprovado o Pla<strong>no</strong> Nacional de Educação(PNE), o primeiro pla<strong>no</strong> posterior ao artigo n. 214 da Constituição<strong>Brasil</strong>eira de 1988 e à Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (LDB) 1996. Nele estava prevista a formação superiorde professores indígenas. Em 2011, quando um <strong>no</strong>vo pla<strong>no</strong> veio aentrar em vigor, muito pouco tinha acontecido seja <strong>no</strong> âmbito governamental,das instituições de ensi<strong>no</strong>, ou mesmo dos movimentosindígenas. De positivo e, como conjuntura de fundo ao longo dessesa<strong>no</strong>s, em especial após a Conferência de Durban, o debate em prolde ações afirmativas nas universidades públicas focado na defesa dasdemandas do movimento negro. Tal demanda, facultou uma crescenteabertura de ações afirmativas sob a forma quase tão somentede cotas para o acesso dos estudantes afrodescendentes, indígenas,portadores de necessidades especiais e provenientes das redes públicasaos cursos de universidades estaduais e federais. Isto propiciou epotencializou o movimento espontâneo de busca do ensi<strong>no</strong> superiorpor parte de estudantes indígenas, que de resto preexistia a todosesses investimentos, apesar de todas as dificuldades.De positivo ainda, deve-se destacar que pela própria realizaçãodo seminário de 2004 e em larga medida pelo trabalho de advocacyrealizado pela equipe do PTC, que acabou se disseminando de modomuito mais amplo, ainda que pouco percebido como ligado a umtrabalho intenso e cotidia<strong>no</strong> dessa equipe, o gover<strong>no</strong> federal criou30 Ver Desafios para uma educação superior para os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>(SOUZA LIMA e BARROSO-HOFFMANN, 2007a, especialmente páginas 85-111). Disponível em: http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/Desafios.pdf Acesso em: 6 abr. 2013.38 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


o Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (Prolind),antes mencionado. Pesa(va) sobre o MEC a tarefa de facultarpossibilidades de acesso à titulação em nível superior a professoresdo ensi<strong>no</strong> médio (indígenas e não indígenas), de modo a superar osíndices baixíssimos de qualificação de pessoal docente <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, àação conjunta da então Secad e da Sesu. Hoje estão em ação 26 licenciaturasinterculturais para formação de professores indígenas.A ação foi essencialmente da Secad/Secadi, a Sesu pouco ou nadatendo de concreto feito.De negativo, há que o gover<strong>no</strong> federal não tomou qualquer iniciativa<strong>no</strong> sentido de estabelecer ações governamentais de longo prazoou de caráter permanente – aquilo que a vulgata política chamade “políticas de Estado” – <strong>no</strong> sentido de fomentar a educaçãosuperior de indígenas, ainda que esta seja uma demanda cada diamais presente <strong>no</strong> cenário das demandas indígenas. A Lei Federal12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federaise nas instituições federais de ensi<strong>no</strong> técnico de nível médio – a Leide Cotas – não veio, até o momento acompanhada de alteraçõessubstantivas quer na ação da Sesu, em especial, na da Secretaria deEducação Básica (Sebe) ou na da Secretaria de Educação Profissionale Tec<strong>no</strong>lógica (Setec).Estuda-se a possibilidade de implantação de uma bolsa-manutençãopara os estudantes que pleiteiem acesso via ações afirmativas.Mas a manutenção de estudantes indígenas, ao me<strong>no</strong>s, não se resolveapenas com bolsas, ainda que estas sejam fundamentais. Apesar domuito já feito em uma década de ações, falta sistematização, avaliação,reflexão e reorientação governamental e institucional para a formaçãosuperior voltada à diversidade sociocultural. Se existem hojemuitas experiências de sucesso, o MEC e as secretarias estaduais deeducação falham em orientar a luta contra o preconceito <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior, os esquemas de acompanhamento à formação de indígenasdentro de universidades como monitorias qualificadas etc., e maisainda <strong>no</strong> sentido de fomentar a ultrapassagem de sua própria “burocraciauniversalizante” de modo a gerar formas de adaptação doscurrículos universitários às demandas por conhecimentos surgidasdesde as realidades dos povos indígenas em sua vida cotidiana. Me<strong>no</strong>sainda de pode falar, à exceção talvez de algumas licenciaturas,Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 39


de qualquer aproximação mais séria em face dos “conhecimentostradicionais indígenas”. Enquanto crescem em número e qualidadediversos cursos universitários ligados ao Movimento dos TrabalhadoresSem Terra (MST) em várias áreas do saber, estamos bem distantedisso <strong>no</strong> tocante aos povos indígenas, salvo por alguns cursosde licenciatura intercultural. A comparação com o MST <strong>no</strong>s ajudaa iluminar – o que não desenvolveremos nesse momento –, que umator especialmente omisso tem sido o próprio movimento indígena.Muitas explicações podem existir, como a precariedade relativa dasorganizações indígenas na própria articulação da luta pelos seus direitosterritoriais; o recrudescimento ou acirramento de severas ameaçasmotivadas a estes pelo desenvolvimentismo atual etc. Cremosque falta também uma melhor percepção do crescimento dessa demandae de seus variados lugares sociais em meio a variados povos.Também as licenciaturas apresentam inúmeros problemas. OProlind foi implantado por meio de três editais, o que tor<strong>no</strong>u o fluxode recursos extremamente instável e, embora a dinâmica de editaispossa conduzir a pensar que seja mais fácil realizar um processode avaliação consistente, esse não tem sido realizado. 31 A passagemaos recursos orçamentários das universidades parece ter se dado demodo muito desnivelado. Os modelos de cursos propugnados e implementadosnão podem prescindir da participação da Funai paraassegurar meios a muitos dos alu<strong>no</strong>s indígenas nas universidades.No entanto, esta agência teve reduzida ou encerrada a grande maioriade seus investimentos na área de educação.Sem uma agenda claramente formulada com que Estado e movimentosindígenas se comprometam, ainda que os problemas estejamidentificados e as soluções prefiguradas torna-se praticamente impossívelaferir alguma eficácia real e reorientar processos educacionaisem seus aspectos políticos e administrativos, seja <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> depráticas de gover<strong>no</strong>, seja <strong>no</strong> de práticas institucionais. Programascomo o Prouni e o Reuni, que de diferentes maneiras atingem estudantesindígenas, não apresentam como parte de suas resultantes31 Prepara-se nesse momento (maio de 2013) um quarto edital.40 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


quaisquer subsídios que permitam pensar efetivamente os indígenas<strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior. 32Assim, prevalece, em todas as esferas de ação, um nível muitoprimário de reflexão sobre o acesso, a permanência, o sucesso ouo fracasso em cursar e concluir um curso universitário, e a partirdele conseguir uma capacitação técnico-política e/ou uma inserçãoprofissional que mantenha conexões com, e oportunidades para, asidentidades indígenas enquanto tais. A ênfase excessiva e descabidana continuidade dos estudos ao nível de pós-graduação, que comfrequência marcou alguns programas Pathways em outros países daAmérica Latina, em uma associação indevida e limitada com oportunidades(elas mesmas muito restritas) facultadas pelo InternationalFellowship Program, na perspectiva de “formar <strong>no</strong>vas lideranças”dentre segmentos me<strong>no</strong>s privilegiados, acabou por obscurecer anecessária pergunta sobre o desti<strong>no</strong> dos egressos de todos esses programase cursos. Se intervenções <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> da graduação, em especialcomo estas têm sido concebidas, atreladas à importante dinâmica deabertura de cotas, em tudo coerente com a presença negra <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,tendem a processos de universalização. Isso é o avesso das demandasindígenas que pugnam pelo que lhes seria específico e diferenciado,de modo a valorizar suas tradições e conhecimentos específicos.Também os movimentos e organizações indígenas têm falhadoem perceber que há uma mudança acentuada <strong>no</strong> perfil geracionaldos seus potenciais militantes. Não são mais somente lideranças formadasnas aldeias a partir de processos de socialização pautados emsuas tradições ou em uma limitada faixa de interação com não indígenas.São também jovens formados em escolas, com grande trânsitoentre aldeias e cidades, detentores de uma gama ampla de conheci-32 O Programa <strong>Universidade</strong> para Todos (Prouni) e o Programa Diversidade na <strong>Universidade</strong>(PDU) (Lei 10.558/2002 e Decreto n. 4.876/2003) têm como finalidadea concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação esequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior.Ver: http://prouniportal.mec.gov.br/index.php Acesso em: 06 abr. 2013. Oprograma de Reestruturação e Expansão das <strong>Universidade</strong>s Federais (Reuni),instituído pelo decreto 6.096/2007 visa a expansão da educação superior commedidas para retomar o crescimento do ensi<strong>no</strong> superior público, criando condiçõespara que as universidades federais promovam a expansão física, acadêmicae pedagógica da rede federal de educação superior. Ver: http://reuni.mec.gov.brAcesso em: 6 abr. 2013.Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 41


mentos e desejosos de uma inserção pública pautada não só pela vitimização(real diante de inúmeros conflitos), pela infração aos seusdireitos, pelos relatos de atos violentos e carências, mas também porregistros positivos de conquistas, muitas delas <strong>no</strong> âmbito universitário-profissional,político e sociocultural o que, por vezes, parecesobrepujar a sua identificação como indígenas.Longe de certo “espírito sindicalista” típico das organizações deprofessores, <strong>no</strong> qual o culto do diploma e a exibição de graus passarama ser dominantes, seguindo os tons dominantes do próprioprocesso educacional brasileiro, muitos graduandos e graduados indígenasestão preocupados em como se inserir profissionalmente demaneira compatível com a manutenção positiva da identidade indígenae o orgulho étnico, e ainda de como gerir suas terras em <strong>no</strong>vosregimes de espacialidade e poder. É preciso reconhecer que a próprialuta pela terra tem assumido <strong>no</strong>vos contor<strong>no</strong>s, <strong>no</strong> qual a demandapor fomento a alternativas de sustentabilidade se mistura aos <strong>no</strong>vosespaços buscados por esta geração formada em escolas e <strong>no</strong> trânsitoentre aldeia e cidade. Com os ataques aos direitos territoriais indígenasque nesse momento se colocam <strong>no</strong> horizonte a partir do própriogover<strong>no</strong>, a situação tende a se complexificar e colocar desafios aindamaiores a essa geração de jovens lideranças.Os profissionais formados em domínios de saberes não indígenas,cuja única real possibilidade de atuar, sem deixar a identificaçãoétnica, passa, ambiguamente, pela condição de indígena, cresceramem número, mas não necessariamente esse crescimento foi acompanhadopelo aumento de um suporte direcionado e em função de umaação proativa dos movimentos indígenas. A iminência da instalaçãoda Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas(PNGATI), instituída em 5 de junho de 2012 pelo Decreto n.7.747, que ainda não saiu do papel, põe em tela a necessidade de formaçãosem par de indígenas em áreas para as quais a formação docenteé minimamente inócua. Vemos aí um dos principais limites demuito do que foi feito até o momento, concentrado na expansão daslicenciaturas interculturais, cumprindo metas colocadas pelo Pla<strong>no</strong>Nacional de Educação de 2001, aprovado pelo Decreto n. 10.172, de9 de janeiro de 2001, que recobre muito parcialmente as demandasindígenas.42 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Às vésperas de uma conferência de nacional de educação, agendadapara 2014, com conferências preparatórias a acontecer <strong>no</strong>smunicípios e estados, estamos em um cenário em que os avançosespecíficos obtidos na área de educação podem ser facilmente engolidospelo retrocesso mais geral do reconhecimento dos direitos específicosdos indígenas <strong>no</strong> cenário “desenvolvimentista” do gover<strong>no</strong>de Dilma Rousseff. Mais do que nunca a educação é fundamental.O presente livro reúne trabalhos que tratam de temas específicosque desenham um cenário vigente à época da instalação do PTC eao longo da maior parte de sua trajetória, temas estes que merecerama reflexão de membros da equipe do projeto ao longo dos a<strong>no</strong>s.Seus autores, a parte os integrantes do PTC, estavam envolvidos emdiferentes instâncias diretamente ligadas à educação indígena, emposições vitais para a questão do ensi<strong>no</strong> superior.Maria Helena Fialho era coordenadora na Coordenação Geral deEducação da Funai, onde também atuavam André Ramos e GustavoMenezes. Foi inequivocamente a Funai a primeira a dar suporteà permanência de indígenas em universidades e depois a articularvestibulares indígenas com diversas universidades do país, como <strong>no</strong>caso das universidades do Paraná explorado <strong>no</strong> capítulo de autoriade Marcos Moreira Pauli<strong>no</strong>.Renata Gérard Bondim era à época, na gestão de Nelson MaculanFilho como secretário de ensi<strong>no</strong> superior, consultora da Unescopara políticas relativas à língua portuguesa na Sesu, onde foi chamadaa pensar as questões relativas à presença dos indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior, até então irrefletidas (o interesse pelo tema em largamedida retrocedeu depois de sua saída). 33 Renata Bondim colaboroude modo fundamental na definição do Prolind, tendo dele uma visãomais ampla do que aquela que após sua saída se fixou, pautadaapenas pelo desenvolvimento, via editais, das licenciaturas interculturais.3433 O professor Nelson Maculan foi reitor da UFRJ de 1990 a 1994, período duranteo qual o prof. Godofredo de Oliveira Pinto, da Faculdade de Letras, foi sub--reitor de Pesquisa e Pós-graduação e Renata G. Bondim superintendente geral damesma Sub-reitoria. Depois de deixar as questões indígenas, Renata Bondim deucontinuidade ao seu trabalho como consultora <strong>no</strong> tocante à língua portuguesa.34 Veja-se sua proposta em Souza Lima e Barroso Hoffmann, 2007a .Cenários da educação superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2004-2008 43


Kleber Gesteira Matos era coordenador-geral de Educação EscolarIndígena na então Secad, onde atuou de 2003 a 2008. SusanaMarteletti Grillo Guimarães atuava e atua, vinculada funcionalmenteao longo do tempo de diferentes maneiras, na CGEEI/Secadi, ondeexerce um papel fundamental de formulação e orientação das maisvariadas atividades. Ao longo dos a<strong>no</strong>s vem sendo o real elo de ligaçãoentre diferentes administrações. Sobre a constituição da Secad,a partir do PDU, escreveu Nina Paiva Almeida, na época integranteda equipe de Trilhas de Conhecimentos.Maria José de Jesus Alves Cordeiro era pró-reitora de Graduaçãoda Uems. Em 2003 foi a principal responsável pela implantação decotas para alu<strong>no</strong>s indígenas e afrodescendentes, experiência sobre aqual seu texto traz inúmeras contribuições.Fúlvia Rosemberg foi a principal idealizadora e a responsávelpela implantação do Programa Internacional de Bolsas da FundaçãoFord (http://www.programabolsa.org.br/), a partir da FundaçãoCarlos Chagas (http://www.fcc.org.br). Este programa foi o segmentobrasileiro do International Fellowship Program e teve imenso sucessoem relação aos programas dos demais países, com <strong>no</strong>tável impactoprincipalmente na formação de mestres e doutores indígenas enegros. Leandro Feitosa Andrade foi integrante destacado da equipedo programa.Guilherme Martins de Macedo foi professor na <strong>Universidade</strong> Federaldo Amazonas, onde (co)coorde<strong>no</strong>u um curso de Gestão emEt<strong>no</strong>desenvolvimento promovido em parceria com o Laced/MuseuNacional-UFRJ, com recursos da Fundação Ford para cotas destinadasa alu<strong>no</strong>s indígenas. Elaborou juntamente com outros docentesuma pré-proposta de núcleo para ser apresentada ao PTC, o que nãochegou a acontecer. 35 Posteriormente, quando de sua atuação comocoordenador técnico do projeto Vigisus II, implementou um conjuntode bolsas para alu<strong>no</strong>s indígenas na área da saúde.35 Para o referido curso, ver: http://laced.etc.br/site/atividades/cursos/curso-gestao--em-et<strong>no</strong>/ Acesso em: 6 abr. 2013.44 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


A presença indígena na construção de umaeducação superior universal, diferenciada ede qualidadeAntonio Carlos de Souza LimaMaria Macedo BarrosoO texto que se segue é uma versão revista daquele que introduz a publicaçãodos resultados do seminário “Desafios para uma educaçãosuperior para os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>” realizado em Brasíliasob <strong>no</strong>ssa coordenação, <strong>no</strong>s dias 30 e 31 de agosto de 2004 comoatividade do projeto “Trilhas de Conhecimentos: o ensi<strong>no</strong> superiorde indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>” (SOUZA LIMA e BARROSO HOFFMAN,2007a). 1 Reproduzi-lo aqui não apenas permite evocar parte docontexto prévio à instalação do PTC como também introduzir o primeiroproduto do projeto e resultado do seminário, que aqui está colocadoao final do volume na seção que intitulamos “Documentos”.Referimo-<strong>no</strong>s ao relatório enviado a todos os participantes, organizaçõesindígenas, universidades, instâncias de gover<strong>no</strong> que participaramou que deveriam entrar em contato com o que acumulamossobre o tema <strong>no</strong>s dias do evento.O documento de 2004 e a publicação mais ampla de 2007 visavam:1) Registrar o estado da discussão como parte da agenda da lutapelo reconhecimento dos direitos indígenas, com foco <strong>no</strong>s rumosda educação superior, contribuindo para que os movimentos indígenasretivessem a memória de suas lutas e reflexões.2) Apresentar toda a pluralidade de visões por meio das quais distintosatores, governamentais ou não, indígenas ou não, percebiamas razões de ser das reivindicações indígenas por acesso,permanência e sucesso <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior.1 Disponível em: http://trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/Desafios.pdf.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 45


3) Perceber e enfrentar as tendências que levavam a subsumir aheterogeneidade de propostas e perspectivas que então conduziamos povos indígenas a demandar o direito de estarem presentesnas universidades a um dado conjunto de soluções. Porforça da intervenção de políticas governamentais, da presençadas agências internacionais de cooperação financeira e técnica,além de fundações filantrópicas, embora generosas, tais soluçõesacabaram por produzir <strong>no</strong>vas homogeneidades potencialmentediscriminatórias. Isso ocorria pelo não reconhecimento de especificidadesem situações genericamente reconhecidas como de“diferença”, enfeixadas em chaves interpretativas como “cotas”,“ação afirmativa”, “luta contra o racismo”, “igualdade racial” e“inclusão social”.4) Contribuir para que o debate sobre as ações governamentaisfrente ao ensi<strong>no</strong> superior se beneficiasse dos desafios colocadospela busca indígena por acesso e permanência (<strong>no</strong> caso indígenao maior desafio) à universidade. Essa meta vai desde o reconhecimentoda presença dos conhecimentos tradicionais desses povosem <strong>no</strong>ssas tradições culturais, até a crítica radical do ensi<strong>no</strong> superiorque têm deixado os povos indígenas em lugar periférico edistante na consciência social brasileira.5) Acumular elementos para criticar e melhor propor pla<strong>no</strong>s e açõesgovernamentais na direção de um ensi<strong>no</strong> superior de indígenasque, longe de padrões predefinidos e genéricos, viessem a permitira oferta de soluções compatíveis aos projetos de futuro dospovos indígenas.6) Avançar na produção de <strong>no</strong>vos parâmetros para políticas governamentaisque pudessem adquirir o estatuto de políticas de Estadode média e longa duração, dotadas de institucionalidade compatívele fóruns de participação indígena adequados, voltadas aoreconhecimento da diversidade e da autoctonia, bem como dosdireitos coletivos.O contexto de realizaçãoOs debates ocorridos durante o seminário se deram sob um clima deponderável ambiguidade na relação entre organizações e povos in-46 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


dígenas, por um lado, e gover<strong>no</strong> federal, por outro. O maciço apoiodos povos indígenas à eleição do presidente Lula, em seu primeiromandato, ao contrário do acertado e esperado, não reverteu emações positivas e muito me<strong>no</strong>s na abertura de diálogo por parte do<strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong> com as organizações indígenas.Do ponto de vista das políticas indigenistas mais amplas, atéaquele momento o gover<strong>no</strong> Lula havia dado pouco ou nenhum sinalde interlocução efetiva com os povos indígenas e suas organizações<strong>no</strong> tocante a temas como terra, saúde e, principalmente, a criaçãode um conselho propositivo e deliberativo para as políticas indigenistas.A proposta era a da criação de um conselho paritário compostopor representantes do Estado e das organizações indígenas,com participação da sociedade civil organizada e do MPF, conformeconcebido e pactuado a partir do seminário “Bases para uma NovaPolítica Indigenista II”. Esse seminário foi realizado em dezembro de2002 pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia<strong>Brasil</strong>eira (Coiab) e pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste,Minas Gerais e Espírito Santo (Apoine), com a presença deintegrantes da Equipe de Transição do Gover<strong>no</strong> Lula – Márcio Meira(presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), de abril de2007 até a revisão do presente texto, em fevereiro de 2012), GilneyVianna e Adriana Mariz – sob os auspícios do Laced, nas dependênciasdo Museu Nacional e contou com a presença de representantesindígenas de todo o país. 1 A ideia de um Conselho dessa natureza,sedimentada durante a reunião do Fórum Social Mundial de 2003,foi apresentada aos diversos setores de gover<strong>no</strong> (à própria Funai, aoMinistério da Justiça, à Casa Civil, entre outros órgãos) e insistentementeproposta por uma ampla articulação de atores indígenas epró-indígenas, que resultaria na organização do Fórum de Defesados Direitos Indígenas. A proposta foi barrada por setores específicosem momentos de tramitação bastante avançada. Na verdade, aescolha de Mércio Gomes para ocupar a presidência da Funai, emseguida à demissão de Eduardo Almeida, representou não apenas avitória das alianças interpartidárias contra os compromissos assumi-1 Ver “Bases <strong>no</strong>vas para uma política indigenista: o que esperamos do gover<strong>no</strong>Lula a partir de janeiro/2003”. http://laced.etc.br/site/atividades/seminarios/seminario-bases-2/.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 47


dos junto às principais organizações indígenas pelo PT e por Lula aolongo da campanha, como o retor<strong>no</strong> de perspectivas pró-tutelares,com direito inclusive a comemorações efusivas de 30 a<strong>no</strong>s do caducoe inconstitucional Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973).A proposta de reaparelhar a Funai, muito precariamente perseguidapela gestão de Gomes, sem que tenha ocorrido nenhuma tentativaefetiva de reestruturar a agência em <strong>no</strong>vas bases, considerando--se sobretudo sua importância fundamental na execução dos direitosindígenas à terra, não impediu que <strong>no</strong>s demais ministérios surgissemalternativas outras de formulação de ações governamentais consistentescom os interesses indígenas. A reestuturção propalada, prometidae esperada, veio sob forma muito parcial durante a gestão deMeira com <strong>no</strong>vos concursos, <strong>no</strong>va regulamentação, mas com quasenenhuma mudança de ênfase nas tônicas ideológicas internas, e como mesmo despreparo dos quadros técnico-administrativos. 2Mas é preciso olhar mais atrás <strong>no</strong> tempo e ver os caminhos pelosquais se afirmou uma crescente demanda pelo acesso ao ensi<strong>no</strong>superior – ainda que destituída de mobilizações mais concretas e efetivamenteoperacionalizadas pelos povos indígenas, suas comunidadese organizações – com um matiz bastante próprio e diferenciadodaquele presente em outros países da América Latina. 32 Para o período até janeiro de 2005, ver Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. “Políticas Públicas Relacionadas aos Povos Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>:processos e iniciativas em curso (situação até janeiro de 2005)”, Manaus: MMA;GTZ, Documento de Trabalho n. 1, abril de 2005 (VIANNA, 2005). Os Boletinsde Política Socioambiental do Instituto de Estudos socioeconômicos (INESC)de números 6 (6/7/2003), 8 (12/12/2003), 9 (06/07/2004), 10 (28/09/2004),11 (26/11/2004), 12 (06/05/2005), 14 (18/10/2005), 15 (24/11/2005) e 16(28/06/2006), além do Boletim 16 de Política da Criança e do Adolescente(18/11/2006), <strong>no</strong>s permitem um acompanhamento de alguns desses aspectos. EmRicardo e Ricardo (2006 e 2011), outros tantos aspectos surgem indexados paraos períodos do final de mandato de Fernando Henrique Cardoso e sobretudo degover<strong>no</strong>s de Lula.3 Os programas financiados <strong>no</strong> Chile, <strong>no</strong> Peru e <strong>no</strong> México pelos recursos da Pathwaysto Higher Education Initiative (www.pathwaystohighereducation.org),ou pelo Programa de Formación Intercultural Bilingue para los Países Andi<strong>no</strong>s(Proieb – Andes) ou ainda as iniciativas articuladas em tor<strong>no</strong> da Red Internacionalde Estúdios Interculturales (Ridei – http://www.pucp.edu.pe/ridei/) mostram--se claramente distintos em suas metas e origens em relação à história dessa demanda<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.48 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Os caminhos das demandas indígenas pelo acesso àuniversidadeHá dois vieses diferentes, mas historicamente entrelaçados, que têmsido percebidos de modo separado e que, todavia, confluem na buscados povos e organizações indígenas por formação <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior.Uma simples pesquisa em sites e jornais do início dos a<strong>no</strong>s2000 mostra os dois caminhos: o da busca por formação superiorpara professores indígenas em cursos específicos; e o da busca porcapacidades para gerenciar as terras demarcadas, bem como de acessare gerir os direitos à saúde (em especial), <strong>no</strong> que se pode percebercomo um <strong>no</strong>vo patamar de interdependência entre povos indígenas eo Estado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. O primeiro viés que segue a via da formação deprofessores relaciona-se à educação escolar que foi imposta aos indígenase que gerou a formação de professores indígenas. O segundoviés passa pela necessidade de se ter profissionais indígenas graduados<strong>no</strong>s saberes científicos veiculados pelas universidades, capazesde articular, quando cabível, esses saberes e os conhecimentos tradicionaisde seus povos, pondo-se à frente da resolução de necessidadessurgidas com o processo contemporâneo de territorialização viademarcação de terras, incrementado após a Constituição de 1988. 4No que diz respeito ao primeiro viés, desde o início do Serviçode Proteção aos Índios (SPI) (criado em 1910) instalou-se uma redede escolas para educação de índios com ensi<strong>no</strong> das chamadas “primeirasletras” e, sobretudo, de ofícios que os situassem como futurostrabalhadores (corte e costura para mulheres, carpintaria para oshomens, por exemplo). Era o velho ideal vindo do período colonialde “civilizar pelo trabalho”, por vezes uma mal disfarçada desculpapara o trabalho compulsório. Tal rede de escolas se tornaria nacionala partir de 1967, sob a gestão da Funai. 5 Em 1969 as escolas indígenaspassaram, pelo me<strong>no</strong>s teoricamente, a ser orientadas para umaeducação bilíngue. O projeto estava calcado <strong>no</strong> modelo do Summer4 O conceito de “processo de territorialização” como instrumento explicativo dedistintos momentos em que os povos indígenas foram sendo circunscritos a espaçosgeográficos administrativamente fixados ao longo da história da colonizaçãodo <strong>Brasil</strong> foi desenvolvido por João Pacheco de Oliveira (OLIVEIRA, 1998a).Disponível em: bit.ly/16LADWy5 Acerca da “dimensão pedagógica” da ação tutelar do Estado brasileiro junto aospovos indígenas (SOUZA LIMA, 1995).A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 49


Institute of Linguistics (SIL), organização missionária que implantoua educação bilíngue nas Américas, usando um método de descriçãode línguas indígenas muito eficaz que visava traduzir a Bíblia paratodos os idiomas do planeta. Um outro vetor de influência foi a açãoeducativa missionária, especialmente intensa <strong>no</strong> caso de certas ordensreligiosas, como a dos salesia<strong>no</strong>s, muito influentes <strong>no</strong> trabalhomissionário <strong>no</strong> Alto Rio Negro, <strong>no</strong> Amazonas e <strong>no</strong> Mato Grosso.Também algumas outras confissões protestantes foram fundamentaisna formação de indígenas em outros pontos do país. Muitas dasprimeiras lideranças indígenas que assomaram à mídia escrita e televisiva<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1970/1980 passaram por esses canais de formação.Ao longo das décadas de 1980 e 1990, Organizações Não Governamentais(ONGs) fundadas por antropólogos, do Conselho IndigenistaMissionário (Cimi), órgão assessor da Conferência Nacionaldos Bispos do <strong>Brasil</strong> (CNBB), e a organização leiga Operação Anchieta(Opan) a ela vinculada 6 passaram a contestar a ação educativada Funai e das missões tradicionais, propondo modelos alternativosde escolarização. 7 Essas <strong>no</strong>vas proposições integraram o lequemais abrangente da crítica à tutela de Estado, em especial na área daeducação escolar, e ao mesmo tempo sua ação se potencializou coma ruína progressiva do mo<strong>no</strong>pólio tutelar. As iniciativas <strong>no</strong> campoda educação escolar indígena pautaram-se, desde então, pelas orientaçõesem favor de práticas ditas diferenciadas e interculturais paraos povos indígenas, instituídas pela Constituição de 1988 consoanteuma direção comum a muitos países da América Latina, baseada,pois, em realidades indígenas bem distintas. O Decreto 26/1991,que atribuiu ao Ministério da Educação (MEC) as responsabilidadesprincipais na formulação e coordenação de uma política nacional deeducação escolar indígena, ficando a sua execução na esfera munici-6 Hoje, a Operação Amazônia Nativa é independente da ação eclesiástica.7 A pesquisa sobre escolarização entre povos destituídos da instituição escolar vemsendo realizada por diversas redes de pesquisadores. Para uma breve amostra<strong>no</strong> cenário global, ver Levinson, Foley e Holland (1996) e Simpson (1999). Paraalgumas referências com peso histórico importante na reflexão brasileira ver Silva(1981), Meliá (1979), Opan (1989), Franchetto (2002) e Grupioni (2006).50 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


pal e estadual, não pôs fim às ações da Funai nesse setor específico,mas foi do MEC que partiram as principais i<strong>no</strong>vações do período. 8Apesar de algumas ações terem se iniciado <strong>no</strong> período de 1991-1994, só <strong>no</strong> período de 1995-2002 a Coordenação Geral de Apoioàs Escolas Indígenas (CGAEI) da Secretaria de Educação Fundamental(Seif) do MEC efetivamente desencadeou uma atividade queresultou, em números do fim da gestão de Fernando Henrique Cardoso,<strong>no</strong> atendimento a mais de 100 mil estudantes indígenas, emuma rede de cerca de 1.400 escolas indígenas, assistidas por mais de4.000 professores que trabalhavam em elevada percentagem (cercade 75%) junto a seus próprios povos. Em 1996, a Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, particularmente por meio de seus artigos26, 32, 78 e 79, fixou as bases que documentos como “Diretrizespara a Política Nacional de Educação Escolar Indígena” (1993), doComitê de Educação Escolar Indígena (Ceei), criado <strong>no</strong> MEC parasubsidiar a formulação dessa política, delinearam, e o posterior ReferencialCurricular Nacional para as Escolas Indígenas ampliaram,sobretudo mediante o programa “Parâmetros em Ação de EducaçãoEscolar Indígena”, lançado em abril de 2002. Outros diplomas legais,como o Parecer 14/1999 e a Resolução 3/1999, da Câmara deEducação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), deramcontinuidade à <strong>no</strong>rmatização da educação escolar indígena em territórionacional; o item 9 do Pla<strong>no</strong> Nacional de Educação (PNE) de2001, sobre a educação escolar indígena, e particularmente sua meta17, que estabeleceu a formulação, em dois a<strong>no</strong>s, de um pla<strong>no</strong> para aimplantação de programas especiais para a formação de professoresindígenas em nível superior, através da colaboração das universidadese de instituições de nível equivalente; e a aprovação, em 2002,pelo Conselho Ple<strong>no</strong> do CNE, do parecer do relator Carlos RobertoJamil Curi sobre a formação de professores indígenas em níveluniversitário, atendendo à solicitação da Organização dos ProfessoresIndígenas de Roraima (Opir), por meio da Carta de Canauanin.Deve-se, pois, destacar que desde o fim dos a<strong>no</strong>s 1980, em especial<strong>no</strong> período pós-constituinte, o surgimento da categoria profissionaldos “professores indígenas” impulsio<strong>no</strong>u a formação de organiza-8 Sobre a ação da Funai nessa política setorial, ver Cunha (1990) e Fialho (2002).Sobre a atuação do MEC nesse período, ver Grupioni (1997, 2003a e 2004).A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 51


ções que, grosso modo, podem ser diferenciadas em dois grandestipos. Em algumas partes do país elas se articulam e se filiam a organizaçõesindígenas mais inclusivas e anteriores historicamente a elas.Em outros locais, mantêm em face dessas organizações uma grandeindependência e em outras regiões, ainda, são as únicas formas efetivasde organização extralocal.De modo muito diferenciado da política tutelar da Funai, a formacomo inicialmente foi estruturada a ação do MEC surgiu de amplodiálogo em que participaram intensamente índios e não índios afeitosao campo da educação, havendo ampla participação de ONGsindigenistas, 9 organizações de professores indígenas e universidadesque constituíram desde cedo um campo com relativa auto<strong>no</strong>mia epouco referido, <strong>no</strong> nível federal e na escala nacional do campo indigenista,às questões mais abrangentes enfrentadas pelos povos indígenas.10 O Ceei, mencionado anteriormente, foi depois desativado(para queixas de muitos, que veem nisso um retrocesso) e em 2001foi criada a Comissão Nacional de Professores Indígenas (CNPI). 11Para que se tenha uma ideia do escopo das ações, a CGAEI/MECapoiou, de 1995 a 2002, 65 projetos de escolas indígenas, atingindoem tor<strong>no</strong> de 2.880 professores indígenas. A CGAEI/MEC promoveu,também, importante política editorial (51 títulos de 1995a 2002), publicando material didático e livros que serviram, entreoutras coisas, para ações de valorização da identidade étnica. Autoresde 25 povos viram seus títulos publicados. Foram promovidostambém processos de capacitação em educação escolar indígenapara 820 técnicos de secretarias estaduais e municipais de educação.9 Hoje na sua maioria inscritas sob a sigla mais geral de Rede de Cooperação Alternativa(RCA). A RCA (http://rcabrasil.blogspot.com/) coliga diversas ONGs ealgumas organizações indígenas para as quais o financiamento <strong>no</strong>rueguês parapovos indígenas é de grande importância histórica e atual. Sobre a cooperaçãointernacional <strong>no</strong>rueguesa <strong>no</strong> tocante aos povos indígenas, ver Barroso Hoffmann(2009).10 Para uma análise ampla da ação federal <strong>no</strong> tocante à educação escolar indígena<strong>no</strong> período até 2002, ver Matos (2002). Para período mais recente, ver <strong>Brasil</strong>--MEC 2007.11 Pela Portaria n. 734, de 7 de junho de 2010, o MEC instituiu a Comissão Nacionalde Educação Escolar Indígena, de caráter colegiado e consultivo, que substituiua Comissão Nacional de Professores Indígenas.52 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Estes, por sua vez, tinham por clientela em 2002 um total estimadode 1.400 escolas em terras indígenas.Em 1999, dos 93.037 estudantes indígenas, mais de 80% delesestavam <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> fundamental. Na esteira dos cursos de magistérioindígena específicos surgidos em diversos pontos do país, em 2002uma margem estimada importante de alu<strong>no</strong>s que concluíram o ensi<strong>no</strong>médio reivindicava a entrada <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior. Mas é fundamentaldizer que os dados do censo escolar são frágeis e que o acompanhamentorigoroso dessa tendência (inclusive das possibilidadesde acesso e possível demanda pelo ensi<strong>no</strong> superior) veio a ser matériade pesquisa nacional. Mas é sempre bom lembrar que, para os povosindígenas, as estatísticas brasileiras estão apenas engatinhando.Mas toda a expansão desigual do ensi<strong>no</strong> fundamental em aldeias,bem como a composição dessa <strong>no</strong>va categoria socioétnica-profissional– o “professor indígena”, criatura e criador das práticas instauradorasdessa <strong>no</strong>va política – não foi acompanhada de ações de Estadovoltadas para efetivamente formar indígenas dotados dos conhecimentosnecessários a exercê-la. No tocante à formação superior deprofessores indígenas, nada de concreto foi feito na esfera do MECpelo gover<strong>no</strong> Fernando Henrique Cardoso. 12 Os cursos pioneiros delicenciatura intercultural 13 indígena surgidos <strong>no</strong> país 14 estruturaram--se por iniciativas autô<strong>no</strong>mas apoiadas, sobretudo, pela Funai, pormeio de um dos seus núcleos mais consistentes de servidores e implementadoresde ações, aqueles voltados exatamente para a educaçãoescolar indígena (COLLET, 2006). No caso de Roraima, a presençadas organizações indígenas <strong>no</strong> conselho do Núcleo Insikiran torna--as, em tese, coautoras do processo e faz dessa experiência, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong>ideal, mais do que <strong>no</strong> de sua execução, um caso singular que poderiaapontar rumos muito i<strong>no</strong>vadores nas relações entre universidade emovimentos sociais. Seja destinando recursos, seja dando bolsas deestudo a alu<strong>no</strong>s em universidades e faculdades particulares, ainda12 Para aspectos desse processo de formação de professores fora dos cursos de licenciatura(ver GRUPIONI, 2006).13 O termo intercultural como vem sendo usado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> mereceria um estudo.14 O curso da <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato Grosso (Unemat) foi criado em 2001,sob a coordenação do professor Elias Januário; o Núcleo Insikiran de FormaçãoSuperior Indígena da UFRR, concebido pela já falecida professora Maria Auxiliadorade Souza Mello foi criado em 2003.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 53


que de modo pouco transparente e assistemático, a Funai fomentoua formação superior indígena.Uma segunda via seguida foi a das lutas pelo reconhecimento daautoctonia e da construção da auto<strong>no</strong>mia. Esta via foi delineada apartir da demarcação de boa parte das terras indígenas, o que se intensificou<strong>no</strong> período pós-constitucional e, sobretudo, <strong>no</strong>s gover<strong>no</strong>sde Fernando Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso, dacooperação técnica internacional para o desenvolvimento, financiandoe <strong>no</strong>rmatizando a definição de terras indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. 15 No períodoimediatamente pós-Constituinte, Ailton Krenak, importanteliderança indígena, organizou um centro de formação em Goiânia,visando enfrentar os desafios à formação de indígenas em áreas queiam desde a agro<strong>no</strong>mia até a advocacia, pensando exatamente <strong>no</strong>cruzamento dos conhecimentos tradicionais indígenas e dos saberesuniversitários e na necessidade de terem quadros indígenas queconstruíssem <strong>no</strong>vos relacionamentos com o Estado brasileiro e comredes sociais <strong>no</strong>s contextos locais, regionais, nacional e internacionalsem a mediação de profissionais técnicos não indígenas. Algunsdos formados estão hoje em ação, um ao me<strong>no</strong>s tendo concluído pós--graduação. A experiência, todavia, foi descontinuada.O reconhecimento da capacidade processual aos povos e comunidadesindígenas por meio de suas organizações, a intensa ação doMinistério Público Federal, por meio da sua Sexta Câmara de Coordenaçãoe Revisão e, desde o gover<strong>no</strong> Collor, a quebra do mo<strong>no</strong>póliotutelar que assegurava à Funai toda a intermediação legítima com ospovos indígenas, acabaram por produzir um <strong>no</strong>vo cenário na relaçãoentre esses e o Estado nacional brasileiro. A partir dos gover<strong>no</strong>s deFernando Henrique Cardoso, o surgimento de políticas indigenistas15 Para uma coletânea de textos críticos, que remontam a 1983, acerca da açãoestatal <strong>no</strong> tangente às terras indígenas, e sobre o Projeto Estudo sobre terras Indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (PETI), ver Oliveira (1998b), disponível em: http://lacemnufrj.locaweb.com.br/produtos/banco_dados/peti.htmE em: http://lacemnufrj.locaweb.com.br/produtos/textos/textos_online/publicacoes_peti.htm>. Há muito (e aindaé pouco) escrito e publicado sobre o processo de demarcação de terras indígenas apartir dos a<strong>no</strong>s 1980, trabalhos que partiram em grande parte dos investimentosanalíticos de João Pacheco de Oliveira, (co)coordenador técnico do Laced e umdos principais artífices, em especial <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> analítico-antropológico, da críticaà ação do Estado <strong>no</strong> tocante às terras indígenas (ver também SOUZA LIMA eBARRETTO FILHO, 2005).54 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


em diversos ministérios, marcadas por um singular entrecruzamentode princípios de democracia representativa com um ideário pautadopor princípios participativos, atribuindo-lhes a responsabilidade poropinar e por exercerem o “controle social”, colocaram os povos indígenase suas organizações em tese como interlocutores e, em certamedida, como protagonistas de diversos processos sociais. Todavia,para de fato exercerem tais posições e construírem caminhos para aauto<strong>no</strong>mia de gestão de seus projetos de futuro, faziam-se necessáriosconhecimentos aos quais não tinham e ainda hoje não têm acessogarantido e fluente. O melhor exemplo disso é sem dúvida a políticade atenção à saúde indígena, estruturada a partir da FundaçãoNacional de Saúde (Funasa) (1999), e <strong>no</strong> Ministério da Saúde (MS). 16A necessidade desses conhecimentos pauta <strong>no</strong>sso segundo viés.A política de educação escolar indígena, portanto, não foi única.17 Muito foi debatido e escrito sobre educação escolar indígenae chegou-se a uma espécie de consenso parcial sobre a “educaçãoescolar intercultural, bilíngue e diferenciada”, proposta encampadapela política federal. Entretanto, já em 2004 e ainda hoje, sabemosmuito pouco sobre quem está fazendo o que nesse campo. Faltamavaliações densas e críticas. Num levantamento de 1998/1999 queinformava a realização do seminário “Bases para uma <strong>no</strong>va PolíticaIndigenista”, constatou-se que uma das maiores preocupações de diversossegmentos governamentais e não governamentais envolvidosem todos esses processos de constituição de “políticas da diferença”,em que a demarcação de terras indígenas seria um eixo fundamental,era com a necessidade de “capacitar” – termo caro ao jargãodesenvolvimentista – os povos indígenas e suas organizações paraconcorrerem a recursos de diversos mecanismos de fomento, paracoadjuvarem numerosos processos dos quais idealmente eram osdestinatários e deveriam ser os protagonistas. 1816 Para a importância das alterações <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> dos direitos dos indígenas, ver SouzaLima e Barroso (2002a) e Araújo (2006). A importância da atuação do MPFainda não mereceu nenhuma análise antropológica com ela compatível. Sobre apolítica de saúde indígena, Garnelo e Pontes (2012).17 Para uma breve análise dessas políticas e do papel do protagonismo indígena, verSouza Lima et al. (2004).18 O levantamento foi realizado em conjunto pelos coordenadores do Laced, JoãoPacheco de Oliveira e António Carlos de Souza Lima. Ver: http://www.laced.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 55


Para tanto deveriam proliferar (e proliferaram) os cursos de treinamentoem métodos de montagem de projetos, em técnicas de gestãode organizações, que se impuseram pela via dos formatos em queoperam as agências internacionais e nacionais de fomento, a cujasregras de “governança” se converteram as redes de financiamento dafilantropia internacional. Naquele momento, já muitos indígenas defendiamque, além de receber treinamentos tópicos (as chamadas capacitações),teoricamente destinados a permitir que não saíssem desuas terras e que operassem organizações segundo os moldes das burocraciasnacional e internacional, era necessário que se formassemnas universidades, que adquirissem os conhecimentos não indígenaspara se adaptarem às injunções colocadas pelos seus <strong>no</strong>vos direitos.Por esforço pessoal e de suas redes de parentesco muitos indígenasconseguem entrar em universidades públicas. O maior desafioera – e continua sendo – o de se manterem <strong>no</strong>s cursos. Tambémmuitas organizações financiam ou apoiam estudantes indígenas paraque estudem nas cidades e adquiram conhecimentos que revertampara suas comunidades, em especial e para os movimentos indígenas.19 As bolsas fornecidas pela Funai foram um suporte quase únicoe essencial nesse processo; as bolsas estaduais oscilam com e<strong>no</strong>rmeirregularidade. 20Mas ao longo do período aqui abordado, apesar da concessão debolsas, não houve na Funai um programa consolidado de subvençãomediante distribuição de bolsas. Boa parte dos recursos era destinadaao pagamento de mensalidades em universidades particulares.mn.ufrj.br/produtos/textos/textos_online/base_<strong>no</strong>va_politica.htm; para o semináriode 2002 ver: http://www.laced.mn.ufrj.br/produtos/textos/textos_online/seminario.htm. Para os livros resultantes do primeiro, ver Souza Lima e Barroso(2002a; 2002b) e Souza Lima (2002), em especial, o texto “Problemas de qualificaçãode pessoal para <strong>no</strong>vas formas de ação indigenista”.19 Para um período anterior ao momento de instalação de ações afirmativas ao ensi<strong>no</strong>superior de indígenas, ver Paladi<strong>no</strong> (2006). Para período mais recente, euma conjuntura regional completamente distinta, ver o importante trabalho deAmaral (2010).20 Para o cenário de implantação de ações afirmativas sob a forma de cotas na Uemsque viabilizaram um significativo contingente indígena na universidade, para oqual bolsas estaduais seriam criadas. Ver Cordeiro, Capítulo 9 desta coletânea.O caso do Paraná, que se desenvolveu com extrema proatividade e com uma articulaçãopioneira em diversos aspectos, ver Pauli<strong>no</strong>, Capítulo 10 desta coletânea.56 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Embora de qualidade muito duvidosa essas instituições eram maisacessíveis porque ficavam em cidades próximas às terras indígenas. 21Em 2012 as mudanças que extinguiram a coordenação responsávelpela educação passaram a conferir a total incerteza em face de umatarefa que a Secretaria de ensi<strong>no</strong> superior (Sesu) do MEC, ou maisfrequentemente a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Capes), recalcitram em assumir.O quadro com que <strong>no</strong>s defrontávamos em 2003/2004 era de umadefasagem profunda entre o investimento na educação fundamental,em particular na dimensão chamada “diferenciada”. Ainda hoje nãoexistem pesquisas sobre a “escola indígena”. Os investimentos naeducação indígena ganharam monta sem a necessária avaliação ecom uma participação indígena bastante duvidosa, pa<strong>no</strong>rama que semantém em larga medida até o presente. 22Dentre as questões a serem levantadas parece-<strong>no</strong>s crucial a ênfasedada à ideia de “interculturalidade”. Esta parece ser uma leitura quese preocupa mais em ensinar aos não indígenas sobre os “mundos indígenas”.Tal perspectiva desloca as funções de socialização característicasde unidades como as famílias extensas para as escolas, o quevem sendo objeto de críticas importantes por parte de intelectuaisindígenas. É o caso da tese de doutorado de Gersem Baniwa (2011)e <strong>no</strong> livro de Tonico Benites (2012). O discurso da “interculturalidade”deixa como impensada a carga de informação acerca do funcionamentodos mundos não indígenas (em especial do Estado Naçãobrasileiro), bem como as formas de transmitir tais informações quetêm sido muitas vezes objeto de intenso interesse por parte dos povosindígenas. É fundamental – e pedagogicamente importante – que taisconteúdos sejam relativizados pelos estudantes indígenas à luz desuas tradições culturais, das histórias de contato de seus povos, dosprojetos de futuro de suas coletividades e dos estudantes.O que é preciso, verdadeiramente, é uma atitude que lhes permitapensar tais conteúdos com distanciamento e capacidade de instrumentalização,o que implica em um maior investimento na qualidadedo ensi<strong>no</strong> bem como na sua metodologia. Há muito material de boaqualidade disponível cuja linguagem não alcança com facilidade o21 Ver Fialho, Menezes e Ramos, Capítulo 3 desta coletânea.22 Cf. Matos, Capítulo 8, e Guimarães, Capítulo 7 desta coletânea.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 57


público indígena. Muito está feito de forma tão particularizada e algumasdas questões colocadas na realidade cotidiana (por exemplo,pelos preconceitos históricos que suportam a duração da desigualdade<strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s local e regional) afligem todos os povos indígenas,ainda que possam ser apresentadas de modo diferenciado.Não à toa um dos grandes vácuos estava, e está ainda hoje, <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> médio (e <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> técnico), que pelo seu próprio teor e pelaposição estrutural a que atende <strong>no</strong> sistema educativo não comportaas soluções que muitas vezes indígenas e não indígenas têm dado: ouso desses significantes polissêmicos e (muito) flutuantes, que são“interculturalidade” e “universidade indígena” aqui parecem começara perder de tal forma a sua magia que deixam de ensejar projetosconcretos. Urge, portanto, que a mesma atenção dedicada ao ensi<strong>no</strong>fundamental de indígenas seja revertida agora para a estruturaçãodo ensi<strong>no</strong> médio e superior, com real participação do movimentoindígena, ouvidos os jovens, e não apenas as comissões de profissionaisindígenas da área de educação, por vezes mais pedagogos queengajados nas lutas de seus povos.As políticas de ação afirmativa, algumas sinalizadas, outras instituídas,ao apagar das luzes do segundo mandato de Fernando HenriqueCardoso, e de fato implantadas na gestão de Lula, continuama enfrentar ainda hoje o desafio de conhecer o mundo específico daeducação escolar indígena. A decisão do Supremo Tribunal Federal(STF), em 26 de abril de 2012, pela constitucionalidade da adoçãode políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros eíndios a instituições de ensi<strong>no</strong> superior em todo o país, amplamentecelebrada (em especial pelo Movimento Negro) continua a ig<strong>no</strong>rar asespecificidades das questões indígenas e o desafio da permanência. Ofoco das políticas tem sido os indivíduos para que acessem o ensi<strong>no</strong>superior como forma de compensação histórica pela desigualdade.Tal perspectiva não contempla a diferença histórica e cultural quemarca a relação entre indígenas e descendentes de conquistadorese de populações por eles transmigradas e por isso ameaçada de reproduziras mesmas marcas de preconceito. A longo prazo a políticaeducacional vigente se constitui como um vetor da desigualdade quenão se resolve com a inclusão de mais indígenas nas mesmas universidades.O “mais do mesmo” aqui é um problema em si.58 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


O seminário “Desafios” (2004) procurou marcar a necessidadede outras alternativas e as especificidades indígenas, mas deveria tersido seguido de uma ampla teia de outros eventos, construindo regionalmenteuma malha articulada entre indígenas e aliados universitários.Vejamos um pouco como se preparou o solo sobre o qual oseminário foi construído.Os gover<strong>no</strong>s Lula, os povos indígenas e as ações afirmativasDentro do MEC, iniciativas que se reportavam ainda à gestão deFernando Henrique e que haviam sido formuladas na esteira daConferência de Durban, 23 seriam redimensionadas e as equipes executivasdessas políticas teriam de enfrentar desafios muito mais amplos,entre eles os de fazer face à imensa lacuna de conhecimento eintervenção governamental que é o ensi<strong>no</strong> médio a que se submetemos estudantes indígenas. 24 Além disso, também teriam de fazer faceaos imperativos de formação universitária dos professores indígenase à demanda por outros cursos específicos, por um lado, e à busca deuma participação mais equânime <strong>no</strong>s cursos regulares das universidadespúblicas e privadas, por outro. 25Assim, com a entrada do gover<strong>no</strong> Lula, ainda com CristóvãoBuarque à frente do MEC, na tentativa de estruturar mais amplamenteas ações de gover<strong>no</strong> para a educação escolar indígena, o imperativoda formação de professores indígenas gerou a composiçãode um grupo de trabalho na Sesu, com a participação de organizaçõesindígenas, de ONGs indigenistas, da Funai e de universidades.Mas foi apenas em 2004 com a entrada de Tarso Genro na pasta daEducação que houve de fato um encaminhamento mais orgânico epreciso quanto à questão. Por um lado, o convite a Nelson Maculanpara a Sesu propiciou uma maior sensibilidade às questões indígenas,com a contratação de Renata Gérard Bondim como consultora23 Como o caso do Programa Diversidade na <strong>Universidade</strong>, instituído pela Lei10.558, de 13.11.2002 (ainda <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> FHC) executado <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Lula eoperado com recursos do BID.24 Sobre a perspectiva da implantação de ações afirmativas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ver, entre outros,Sales (2005) e Santos e Lobato (2003).25 Sobre o PDU e seu papel, ver o texto de Nina Almeida, capítulo 6 desta coletânea.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 59


via Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e aCultura (Unesco). 26A reestruturação do MEC, com a criação da Secretaria de EducaçãoContinuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), dirigidapor Ricardo Henriques, retirou a educação escolar indígena da esferada educação fundamental, organizando-a sob a forma de umaCoordenação-Geral de Educação Escolar Indígena (CGEEI), tendopor titular Kleber Gesteira de Matos. A subsequente reestruturaçãoda Comissão Nacional de Professores Indígenas enquanto ComissãoNacional de Educação Escolar Indígena, ampliando seu escopo eesfera de ação, e uma renegociação do componente indígena <strong>no</strong> ProgramaDiversidade na <strong>Universidade</strong> (PDU) (também realocado na Secad)foram duas ações fundamentais levadas a cabo pela CGEEI. Osrecursos do “Diversidade” conjugaram-se a recursos orçamentáriosda Sesu para permitir uma ação conjunta Sesu/Secad: o lançamentodo primeiro edital de apoio a iniciativas de formação de indígenas <strong>no</strong>nível superior, o Programa de Apoio à Educação Superior e LicenciaturasIndígenas (Prolind), foi fortemente marcado pela necessidadede formar e titular professores indígenas <strong>no</strong> terceiro grau. 27Os objetivos expressos <strong>no</strong> primeiro edital do Prolind foram:(...) mobilizar e sensibilizar as instituições de ensi<strong>no</strong> superior, comvistas à implantação de políticas de formação superior indígenae de Cursos de Licenciaturas específicas; mobilizar e sensibilizaras instituições de educação superior, com vistas à implantação depolíticas de permanência de estudantes indígenas <strong>no</strong>s Cursos deGraduação; promover a participação de indígenas como formadores<strong>no</strong>s cursos de licenciaturas específicas. 2826 Cf. Barroso, Capítulo 1 desta coletânea. Renata Gérard Bondim estruturou umprograma de ações para a educação superior de indígenas apresentado <strong>no</strong> semináriode 2004 e reproduzido <strong>no</strong> documento resultante do seminário que estáanexado neste volume.27 Ver Barnes (2010). Para o Prolind ver página do MEC: http://gestao2010.mec.gov.br/o_que_foi_feito/program_153.php Acesso em: 25 fev. 2012]. Os Editaisn. 5, de 29.06.2005; n. 3, de 24.06.2008; e n. 8, de 27.04.2009 apresentaram astrês convocatórias do Programa.28 Edital n. 5, de 29.06.2005.60 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Esse edital de 2005 estabeleceu uma concorrência pública paraum total de R$2.700.000,00 (dois milhões e setecentos mil reais) aserem distribuídos a universidades que concorreram a três eixos demodalidades de ações:1. Implantação e manutenção de Cursos de Licenciaturas específicaspara a formação de professores indígenas em nível superior; 2.elaboração de projetos de Cursos de Licenciaturas específicas paraa formação de professores indígenas em nível superior; 3. permanênciade alu<strong>no</strong>s indígenas na educação superior, bem como a mobilizaçãoe sensibilização das comunidades acadêmicas para essepropósito. 29A inserção do terceiro eixo foi consequência direta dos debatesdo seminário “Desafios” e da ação do Trilhas de Conhecimentos,mas não perdurou. A abertura para pensar na formação de profissionaisindígenas respondendo ao viés das lutas indígenas em tor<strong>no</strong>de outros direitos, mencionados anteriormente, foi suprimido <strong>no</strong>seditais do Prolind de 2008 e 2009.Os resultados parciais das ações do primeiro edital foram avaliados<strong>no</strong> seminário Trilhas de Conhecimentos realizado na UnB emBrasília, de 29/11 a 01/12 de 2006, com financiamento da FundaçãoFord e em parceria com o MEC através da Secad e do Sesu. Aolongo do seminário, momento muito rico de conhecimento públicode ações diversas, ficou evidente que demandas desse porte não sãocompatíveis com recursos temporários como os oriundos da cooperaçãotécnica internacional, ou viabilizados por editais. Deveriamser matéria de investimentos permanentes do Estado brasileiro, queprecisam ser expandidos e ter participação regular de outras agênciasda administração pública que desenvolvem ações para indígenas.Um item particularmente destacado foi a necessidade de elaboraçãode programas de bolsas para permanência para os estudantesindígenas dotados da mesma estabilidade e do mesmo compromissoreal de orientação dos programas de bolsas para iniciação científica.A orientação, nesse caso, deveria passar pelo compromisso com um29 Edital n. 5, de 29.06.2005.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 61


acompanhamento acadêmico tutorial (e não tutelar) sistemático ereflexivo. 30Os desafios são, porém, muito grandes. Na sua maior parte, osjovens indígenas que cursam o ensi<strong>no</strong> médio o fazem com grandessacrifícios pessoais e de suas redes familiares, sofrendo grande discriminaçãoe, o que é muito próprio das áreas do entor<strong>no</strong> das terrasindígenas, um tipo peculiar de invisibilidade que os torna pouco perceptíveisaos olhos de professores e diretores de escolas. Sem necessariamenteagirem de má-fé, estão imbuídos de preconceitos, tomandoos estudantes indígenas por “caboclos” pouco letrados. A Secadacabou por não divulgar os resultados – que hoje já não fazem maissentido, pois estão desatualizados – de um diagnóstico do ensi<strong>no</strong>médio cursado pelos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Seguindo uma tendênciaque é mais geral na educação brasileira, tudo leva a crer que os resultadoslamentáveis perdurarão ainda por muito tempo.É bom repetir que se uma grande dinâmica se deu <strong>no</strong> nível federal,responsável por <strong>no</strong>rmatizar, planejar e supervisionar a educaçãoescolar indígena, <strong>no</strong>s níveis estadual e municipal, responsáveis pelaexecução, foram frequentes o preconceito, a ig<strong>no</strong>rância, o despreparo,o descumprimento ou a aplicação tacanha das <strong>no</strong>rmas maisgerais da educação, pouco aplicáveis aos imperativos da educaçãoescolar indígena. Do mesmo modo, o controle social dessa política,através dos conselhos locais e estaduais de educação, foi mal-feito oulimitou-se a medidas administrativas, perdendo o seu caráter eminentementepolítico. Avaliar essa dimensão, demanda um tipo deinvestimento e de produção de dados em corte nacional que aindanão foi feito.O seminário de 2004 se realizou em meio à efervescência do debaterelativo a ações afirmativas, marcado pela proeminência da questãonegra. 31 Polarizado pelas propostas de políticas governamentaisinspiradas em ideias de combate ao racismo, da promoção da diversidadee da “inclusão social” e, sobretudo, informadas em avaliações30 Ver Macedo, Capítulo 2 desta coletânea onde a autora trata da questão das bolsasdo Projeto de Modernização da Vigilância e Controle de Doenças (Vigisus)para estudantes indígenas na área de saúde.31 Hoje em grande medida o debate está amortecido. Ainda que sem o peso de umalei federal, as cotas se generalizaram.62 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


da situação dos negros <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o debate mostrou-se pouco ou nadaatento às especificidades dos povos indígenas <strong>no</strong> país. Nesse quadroé importante chamar a atenção para os preconceitos mais frequentesque os cidadãos brasileiros, negros ou brancos, pardos e mesmo indígenas,adquirem ao tomar contato com a escola e os livros didáticos.Apesar da Lei 11.645, de 10.03.2008, ter estabelecido que alémda história da África e dos africa<strong>no</strong>s, também a história dos povosindígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> deveria ser conhecida na educação básica, poucoou nada foi feito para isso, mesmo ao nível do material didático.Com isso, a imagem dos índios como silvícolas, primitivos, e quaseextintos relegam todos os povos que não se adequam à imagem doíndio isolado à condição de inautênticos. Esta visão preconceituosaatinge particularmente aqueles que habitam regiões de colonizaçãoantiga, como o Nordeste. Tais imagens, entranhadas na literaturae demais artes, na mídia de modo geral e <strong>no</strong> senso comum do brasileiro,alimentam por vezes verdadeiras campanhas de difamaçãocontra indígenas e seus aliados. 32É importante marcar que as organizações indígenas pensarampouco, e ainda não pensam seriamente, sobre a questão do ensi<strong>no</strong>superior porque tem estado ocupadas em garantir suas terras e asseguraras bases para sua subsistência. Entretanto, em diversas regiõesdo país essa demanda tem aparecido com mais força. Iniciativas paraformar quadros indígenas profissionalizados em et<strong>no</strong>gestão têm-seestruturado. É o caso do Centro Amazônico de Formação Indígena(Cafi), uma iniciativa da Coiab. 33 Por outro lado, um importanteconjunto de pesquisadores indígenas portadores de títulos de mestradoe doutorado, intelectuais destacados do movimento indígena,criaram o Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep) cujas metasprincipais estão <strong>no</strong> campo da pesquisa e da formação de quadros32 Para uma reconsideração das relações entre a história que se conta do <strong>Brasil</strong> e apresença indígena, veja-se Oliveira e Freire (2006).33 Sobre o Cafi, ver: http://www.coiab.com.br/index.php?dest=programa_projetoAcesso em: 25 fev. 2012. Em momento anterior, a ideia de treinar pessoal capacitadoem et<strong>no</strong>desenvolvimento instigou-<strong>no</strong>s a estruturar propostas de cursos deespecialização (ver os sumários em: http://laced.etc.br/cursos_laced.htm), dirigidose frequentados por indígenas e não-indígenas, em parceria com a <strong>Universidade</strong>Federal do Amazonas-Ufam e a <strong>Universidade</strong> Federal de Roraima (UFRR).Iniciativa próxima a essas foi pensada e executada pela <strong>Universidade</strong> CatólicaDom Bosco (UCDB), também com participação indígena.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 63


políticos e técnico-intelectuais. 34 Alguns intelectuais indígenas têmbastante clareza de que se o acesso às universidades é importantíssimoe que as cotas podem servir como um instrumento valioso tantopara a situação de povos territorializados quanto para aqueles que,muitas vezes motivados pela busca da educação, dentre outros fatores,se deslocaram para os centros regionais ou mesmo para cidadesdistantes, como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Também veema importância do estudo para aqueles que vivem em trânsito permanenteentre os territórios e ambientes urba<strong>no</strong>s, próximos ou distantes,e para os que acompanham as mudanças em aldeias que estãoadquirindo o perfil de cidades. Afinal, salvo pelos cursos específicosde formação de professores surgidos essencialmente sob o influxo doProlind, foram pouquíssimos os indígenas que acessaram universidadespúblicas antes de nelas existirem cotas. Na maioria dos casosos indígenas acessavam e continuam na sua maioria acessando faculdadese universidades particulares, de qualidade muito duvidosa. 35As cotas não eram e continuam a não ser, suficientes. São necessáriasmudanças muito mais amplas na estrutura universitária, ouao me<strong>no</strong>s a produção de estruturas de interface, que levem à reflexãosobre suas práticas a partir da diferença étnica, transformando-as apartir de um olhar desde quem se desloca de um mundo socioculturale, em geral, linguístico, totalmente distinto, ainda que os estudantesindígenas pareçam e sejam – uns mais, outros me<strong>no</strong>s – conhecedoresde muito da vida brasileira. É necessário, ao me<strong>no</strong>s, que surjam espaçosde apoio e interlocução. 36 Afinal, dois dos piores pesadelos que34 “O Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep) é uma organização indígenacriada em <strong>no</strong>vembro de 2005, por 33 lideranças do movimento indígena brasileiro,por ocasião do I Encontro Nacional das Organizações Indígenas do <strong>Brasil</strong>,com objetivo de se constituir como uma entidade indígena de apoio e assessoriaàs organizações e comunidades indígenas, focado na pesquisa e serviços técnicos.Seu quadro de sócios está formado por lideranças de organizações indígenas regionaise por pesquisadores e acadêmicos indígenas. Sua atuação prioritária estávoltada para o campo dos estudos e pesquisas de interesse do movimento socialindígena e para prestação de serviços e assessorias técnicas às organizações ecomunidades indígenas. Para cumprir essas tarefas, o principal desafio é formarseu próprio quadro e o das organizações indígenas.” (CINEP, 2006). Ver: http://cinep.org.br/ Acesso em: 25 fev. 2012.35 Para um levantamento da presença de indígenas em universidades desse perfil, verSouza (2003) e Cinep (2010).36 Para algumas reflexões iniciais sobre as cotas raciais ver Brandão (2007).64 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


podem surgir da experiência de indígenas em universidades são, porum lado, que o valor dos conhecimentos próprios aos seus povos deorigem sejam, mais uma vez, invalidados e que a universidade operecomo um instrumento de assimilação e homogeneização; por outro,que tome os alu<strong>no</strong>s indígenas como “relativamente incapazes” deacessar conhecimentos em padrões de qualidade que lhes permitamalcançar seus objetivos. Esse tênue limite demanda diálogo, debatecotidia<strong>no</strong> sem fórmulas mágicas prévias à discussão e construçãocompartilhada de <strong>no</strong>vos espaços e lugares sociais. Somente o diálogopode mudar a natureza da presença indígena e de outros segmentosde estudantes a que cotas têm sido apresentadas como solução <strong>no</strong>sistema universitário nacional.O que percebíamos em 2004 e ainda reconhecemos é que a ideiade ações afirmativas precisa ir além de dispositivos que insiram “segmentossociais sub-representados” em instituições. Trata-se de afirmara existência de sujeitos históricos diferenciados. Aqui, “açãoafirmativa” não poderia ou poderá manter sentidos mitigatórios esim conter o potencial de uma transformação mais ampla. Trata-sede, a médio e longo prazos, desmontar as teias da construção de entidadeshomogêneas e et<strong>no</strong>cidas como as máquinas administrativasde Estados (mo<strong>no</strong>)nacionais. Dentre elas uma das mais eficazes é amáquina da educação com seu papel de construção de consensoslógicos, sentimentos de pertencimento e parâmetros hierárquicosquase sempre excludentes.É, pois, fundamental entender que não se trata stricto sensu decriar “ações afirmativas” contra um preconceito ou uma forma dediscriminação. Também <strong>no</strong> meio universitário o preconceito e a discriminaçãohomogeneizam os indígenas, os afrodescendentes e osestudantes classificados como “pobres” rurais e urba<strong>no</strong>s, negros ounão (mas regionalmente muito distintos), ou ainda os “portadoresde necessidades especiais” como alvo das políticas afirmativas deinclusão. Não se trata de incluir uma mi<strong>no</strong>ria (em termos de poder)de excluídos, dando-lhes acesso e controle aos mesmos instrumentosque historicamente têm servido à manutenção dos poderes das elitesgovernantes <strong>no</strong> país. É necessário rever as estruturas universitáriasmuito mais radicalmente. Ao incluir os indígenas nas universidadeshá que se repensar as carreiras universitárias, as disciplinas, rever aA presença indígena na construção de uma educação superior universal... 65


história que aprendemos e ministramos, perceber o quanto aquiloque se diz pensamento ocidental se construiu e se constrói, se beneficioue se beneficia do contato com outros povos e culturas. Implicapois em, de fato, abrir espaço ao diálogo e, a partir dele, abrir <strong>no</strong>vas(e i<strong>no</strong>vadoras) áreas de pesquisa, selecionar e repensar os conteúdoscurriculares e testar o quanto estruturas, que acabaram se tornandotão burocratizadas e centralizadoras podem suportar se colocar aserviço de coletividades vivas, históricas e culturalmente diferenciadas.As universidades deveriam estar prontas para se indagar sobreo quanto podem se beneficiar da presença indígena para a construçãode um mundo de tolerância e riqueza simbólica. Nada disso atéagora aconteceu ou acontecerá em um futuro próximo. Nada dissose resolverá com dinâmicas exemplares e demonstrativas, com experiências-pilotoou projetos-sementes, nem com a criação de castas de“empoderados” que <strong>no</strong>s mitiguem o fato de que pertencemos a umdos países de maiores contrastes e desigualdades socioeconômicas,mas que singularmente contém em seus limites jurídico-políticos umdos maiores espectros da experiência humana. Não é possível revertermais de 500 a<strong>no</strong>s de colonialismo e dizimação nem a baixo custonem da <strong>no</strong>ite para o dia. Em vez de “pobres excluídos” os povosindígenas deveriam ser vistos como sujeitos do direito de reparaçãohistórica pela invasão de suas terras e devastação de suas vidas, mastambém como dotados de uma riqueza própria, de uma capacidadeespecial de se manterem diferentes e conservando seus valores contratoda pressão homogeneizadora e toda violência. Mais ainda, suasmúltiplas histórias interconectadas são tão construtoras do <strong>Brasil</strong>quanto as que aprendemos na história oficial, devendo ser conhecidase divulgadas por entre todos os brasileiros para um melhorentendimento do mundo em que vivemos.Ações afirmativas e os dilemas da identificaçãoEm certos contextos os estudantes indígenas podem ser jovens fe<strong>no</strong>tipicamentemuito parecidos com os habitantes regionais com quemconvivem. Chegam ao ponto de, como dito antes, serem até mesmoinvisíveis, enquanto integrantes de coletividades etnicamente diferenciadas.Mas o fato é que diferem dos outros estudantes regionais66 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


classificados como pobres, negros, brancos e pardos. Têm sistemasde valores e de pensamentos diversos, conhecimentos próprios, e umavisão de mundo construída a partir de seu próprio povo e de suasredes de parentesco. E não esqueçamos, hoje muitos deles se sabemportadores de identidades diferenciadas, apoiadas em direitos coletivos.Os indígenas são, também, portadores da consciência acercado peso do sistema de preconceitos que incide sobre eles – muitodistinto do relativo aos afrodescendentes – em razão dessa trama deestereótipos, verdadeiras narrativas historicamente construídas parase falar da existência de povos diferenciados <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Parte dosefeitos dessa trama é reduzir a rica diversidade de seus modos deviver a um ente único e genérico, que todos nós brasileiros supomosconhecer: “o índio”. 37Há aqui um ponto bastante delicado que as cotas trouxeram àtona, mas que os indígenas conhecem desde há muito: o da identificaçãode quem é ou quem não é indígena, ou a quem se reconhece terdireitos socioculturalmente diferenciados. Como dito anteriormente,o Estado brasileiro republica<strong>no</strong> teve, historicamente, uma atitudeet<strong>no</strong>cida frente aos povos indígenas. Imagi<strong>no</strong>u os indígenas comoseres transitórios, que se transformariam em peque<strong>no</strong>s proprietáriosou trabalhadores rurais. 38 “Assimilar”, como resultado de “integrar”,sempre foi o imperativo.Juntando-se essas posturas com as imagens mentais que existem<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> sobre quem é e quem não é índio, e mais, com os interessesem expropriar os indígenas de suas terras e usar seu trabalho a baixocusto, é possível entender porque <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1980, sob a gestão do coronelda reserva João Carlos Nobre da Veiga (1979-1981) na Funai,o coronel da aeronáutica e especialista em estratégia Ivan Za<strong>no</strong>niHausen propôs que fossem estabelecidos “critérios de indianidade”que permitiriam determinar quem era e quem não era índio. A amplareação contra mais essa determinação conseguiu afastar o perigoimediato, mas não resolveu o problema que as cotas, de certa forma,estão servindo para açular. Referimo-<strong>no</strong>s ao fato de que driblamoscotidianamente e estudamos pouco – o que hoje ficou simploriamen-37 Para saber mais acerca da complexidade da situação linguística dos povos indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, ver Maia, 2006.38 Para intervenções sobre populações imigrantes ver, por exemplo, Seyferth, 1999.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 67


te reduzido a “bater” na ou “salvar” a “ideologia da democraciaracial” – a realidade da mestiçagem biológica e das representações esubjetivações a partir da mesma. Sem refletir de modo mais aprofundadosobre tais questões que remetem a críticas de essencialismos detodas as ordens, será difícil ultrapassar certos impasses.Sempre é bom lembrar que, <strong>no</strong> caso dos indígenas, a mestiçagembiológica foi matéria de políticas da Coroa portuguesa, que a estimulouinclusive pecuniariamente. Por muito tempo, e em muitas regiõesdo país, termos como caboclo, bugre e outros têm simultaneamenteocultado e exibido a presença indígena. O movimento indígena, dosa<strong>no</strong>s 1980 em diante, procurou lutar para assumir o termo genéricoíndio como status jurídico, e (re)afirmar muitas de suas autodesignações,que até aquele momento eram pouco referenciadas, quer <strong>no</strong>cotidia<strong>no</strong> desses povos, quer na literatura antropológica. Em suma,seriam aqueles índios que não são mais “os índios” da trama de estereótiposque <strong>no</strong>s enreda, que se repensam e afirmam-se como tal,em processos sociais complexos que intensas pressões políticas porvezes tentam desqualificar. 39Afirmar, ou não, e reconhecer, ou não, uma identidade culturalmentediferenciada, é ato que se desempenha diante de um cenárioem que a administração pública continua a se afirmar como “OEstado” brasileiro, arbitrariamente deliberando <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> come<strong>no</strong>rme poder quem tem acesso a que tipo de direito. No debate sobrecotas, essa questão se (re)colocou e, os mais envolvidos <strong>no</strong> debate,militantes ou intelectuais, demonstraram conhecer muito poucoda experiência dos indígenas e das políticas indigenistas brasileirasvigentes <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, caindo muitas vezes em posições bem próximasaos interesses anti-indígenas (esses regados ao ranço da retórica desenvolvimentistatão presente <strong>no</strong> cenário atual), ou em uma defesade posições que passaram pela falta de discussão sobre o tema.Afinal, <strong>no</strong> “país da mistura”, reconhecer a discriminação é sempreconfuso, difícil e sutil. Mas o próprio movimento indígena or-39 Mas o termo caboclo, ao me<strong>no</strong>s, também dá conta de outras realidades que hojevêm sendo recobertas por termos variados, como os de populações tradicionais,ribeirinhos (<strong>no</strong> caso amazônico) etc. Não são casos de “má-consciência”, nem denão terem “assumido” sua indianidade. Coletividades assim designadas distinguem-semuito pouco fe<strong>no</strong>tipicamente e mesmo culturalmente de inúmeros povosindígenas.68 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ganizado tinha e tem pontos importantes de debate neste terre<strong>no</strong>,e as interpretações simplórias da Convenção 169 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) (da qual só em 2003 o <strong>Brasil</strong> setor<strong>no</strong>u formalmente signatário) têm sido questionadas. Entre elas,por exemplo, está o uso exclusivo da ideia de autoidentificação individualenquanto critério de acesso a direitos. 40 Na prática das universidadescom políticas de acesso diferenciado para indígenas ou quemantêm cursos de formação de professores indígenas, as soluçõesadotadas não parecem se livrar do peso da administração tutelar.Para a inscrição dos indígenas em vestibulares algumas universidadesexigem a “carteira da Funai” ou uma carta dela proveniente. 41Em alguns casos, pede-se também uma carta da comunidade (ouda sua liderança) reconhecendo pretendente da bolsa como candidatoda comunidade. Esse é um segundo ponto polêmico: para algunspretendentes (especialmente aqueles cujas famílias estão afastadasdas suas aldeias de origem) a indicação perde o caráter de pleito pormérito escolar para adquirir um caráter “político”. A importânciado parentesco entre os povos indígenas é amplamente reconhecidae (mutatis mutandis), tem seu correspondente na sociedade, o quegera dificuldades na interpretação dos motivos que levam ou não àconcessão dessas cartas que deveriam ter um caráter universal. Paraalguns intelectuais defensores das ações afirmativas, a crítica tam-40 A Convenção 169/OIT diz, em seu artigo 1º: “A presente convenção aplica-se:a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturaise econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejamregidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradiçõesou por legislação especial; b) aos povos em países independentes, consideradosindígenas pelo fato de descenderem de populações que habitavam o país ou umaregião geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonizaçãoou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situaçãojurídica, conservem todas as suas próprias instituições sociais, econômicas,culturais e políticas, ou parte delas. 2. A consciência de sua identidade indígenaou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar osgrupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção. 3. A utilizaçãodo termo “povos” na presente Convenção não deverá ser interpretada <strong>no</strong> sentidode ter implicação alguma <strong>no</strong> que se refere aos direitos que possam ser conferidosa esse termo <strong>no</strong> direito internacional”. Para download ver: http://bit.ly/fnNeIuSobre a questão do reconhecimento étnico, ver Santos e Oliveira (2003).41 A chamada “carteira da Funai” é um documento emitido pelo órgão para indivíduosindígenas que, equivocadamente, alguns pensam ter o mesmo valor de umacédula de registro geral ou “carteira de identidade”.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 69


ém segue nessa direção, supondo-se um pendor à universalidadeda fruição dos direitos que <strong>no</strong>ssa sociedade mesma não tem e nuncateve, senão <strong>no</strong> discurso e na lei escrita. O que importa destacar é queesta exigência demonstra o desconhecimento dos circuitos de poderpróprios às coletividades indígenas, suas tradições e usos, o desrespeitoaos modos de ser diferenciados dos “<strong>no</strong>ssos”, esquecendo-seque o percebido como democrático, para uns, pode ser a quebra dosesquemas de solidariedade e reciprocidade, para outros. Mais umavez o peso da homogeneização, ainda que alicerçada sobre valoresgenerosos, se faz sentir.O seminário “Desafios/2004” e seus resultadosO formato idealizado para o seminário, reunindo em mesas de palestrase grupos de trabalho representantes dos principais setores governamentaisresponsáveis pelas políticas educacionais, científicas ede inclusão social do gover<strong>no</strong>, de órgãos de fomento internacional,professores universitários de instituições federais, estaduais e privadas,líderes de organizações indígenas e membros de ONGs comprometidascom a educação escolar indígena, permitiu esboçar de modomais claro o perfil variado das demandas indígenas por ensi<strong>no</strong> superiore as possibilidades daqueles que dispunham dos instrumentospolíticos, administrativos, acadêmicos e financeiros para atendê-las.Assim, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> governamental, além da Funai, ligada ao Ministérioda Justiça que, apesar de legalmente destituído das funçõesde implantar e prover recursos para a educação escolar indígena,continua envolvido, na prática, com estes dois aspectos, estiveramrepresentados <strong>no</strong> seminário o MEC (através da Sesu e da Secad),a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racia(Seppir) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec<strong>no</strong>lógico(CNPq). Entre as agências de fomento internacionais destacaram-sea Fundação Ford e o BID, patrocinadoras do evento. Asuniversidades convidadas representaram estados de todas as regiõesdo país, à exceção da região Sul. Das organizações indígenas, alémdas duas principais organizações de nível regional do país, a Coiabe a Apoinme, também estiveram presentes membros de organizações70 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


de professores e estudantes indígenas, da CNPI 42 e a representanteindígena à época <strong>no</strong> Conselho Nacional de Educação.Partindo do princípio de que são diversos os indígenas e suassituações <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o seminário de 2004 trouxe às mesas de discussãoe a seus grupos de trabalho um e<strong>no</strong>rme conjunto de problemas epolêmicas a serem enfrentados para que se pudesse pensar de modoconsistente em políticas de acesso, permanência e sucesso <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior para indígenas. Como já mencionamos anteriormente, ali seafirmou categoricamente que os problemas da maioria dos indígenasquanto a essa questão se distinguem dos enfrentados pelos afrodescendentese estudantes de baixa renda.Um exemplo muito apontado ao longo do seminário foi a grandediferença entre as situações de estudantes indígenas e não indígenasquanto à natureza e o impacto do deslocamento dos estudantes indígenasde seus locais de moradia até as universidades. Não se trata,apenas, de percorrer longos trajetos dentro de perímetros urba<strong>no</strong>sou nas periferias. Muitas vezes essas distâncias equivalem cruzar oEstado do Rio de Janeiro de um lado a outro. A distância pode, porexemplo, implicar <strong>no</strong> deslocamento de toda uma família. Pelo costumede muitos povos indígenas um jovem de 18 ou 20 a<strong>no</strong>s pode estarcasado e ter filhos. Os debates <strong>no</strong> seminário destacaram que a moradianas cidades é um problema crucial para a frequência indígenaao ensi<strong>no</strong> superior. Nesses termos, mais que criar cotas é importantecriar uma política de interiorização das universidades orientada paraperceber e dialogar com a realidade dos povos indígenas. Devemexistir campi universitários dotados, por exemplo, de alojamentos,bibliotecas, acesso à internet etc.; e docentes com treinamento intelectual– e formação cultural – capazes de reverter os preconceitosque, em geral, avultam em regiões interioranas.Em 2004 debateu-se também a importância da criação de outrosmodelos de cursos específicos em diferentes áreas do saber. Nessemeio tempo, surgiram cursos voltados para gestão territorial, gestãoem políticas públicas e et<strong>no</strong>desenvolvimento na URRR, na Ufam ena Ufpa, respectivamente. Mas é importante destacar que na mentalidadedos planejadores da educação superior, uma iniciativa dessa42 A CNPI foi posteriormente transformada em Comissão Nacional de EducaçãoEscolar Indígena (CNEEI).A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 71


natureza tem altos custos econômicos, o que não necessariamentese verifica na prática. Está aí um ponto que precisa ser superado eenfrentado.Por outro lado, via-se naquele momento que levar a sério a presençade alu<strong>no</strong>s indígenas dentro das universidades implicaria emcriar interfaces para o diálogo. Um exemplo é a incorporação decursos sobre Direito indígena <strong>no</strong>s curricula das universidades, e aformação de profissionais capazes de ministrá-los. Outro caso é oensi<strong>no</strong> de línguas indígenas, em cursos a serem ministrados por indígenasque não necessariamente precisariam ser portadores de grausuniversitários. Uma outra alternativa é incorporar os saberes dosxamãs aos cursos da área de saúde, reconhecendo a autoridade intelectualdos portadores de conhecimentos tradicionais. Temos umlongo caminho a percorrer, mas exemplos de aproximações e possibilidadesexistem em outros países das Américas. 43Um leque assim variado de questões ligadas aos formatos pedagógicos,alternativas de financiamento, grau de auto<strong>no</strong>mia das universidadespara definir políticas de acesso e permanência voltadasaos povos indígenas e sobre as escolhas políticas ligadas à priorizaçãodos indivíduos a serem atendidos, emergiu em diversos momentosdas intervenções nas mesas e grupos de trabalhos. Nos debatessobre os formatos pedagógicos, abordou-se a pertinência ou não daintrodução de conteúdos diferenciados dentro das carreiras regulares,atendendo à intenção de promover, juntamente com a entradados indígenas, a inserção e a legitimação paralela de seus saberes econhecimentos dentro do universo acadêmico.Nessa direção, foi discutida a ideia de criação de “universidadesindígenas”, categoria que apresentou (e apresenta) uma considerável43 Em http://www3.ufpa.br/juridico/ encontra-se o material do seminário realizadoentre 21 e 23 de março de 2007 em parceria entre o Programa de Pós-Graduaçãoem Direito da <strong>Universidade</strong> Federal do Pará e Trilhas de Conhecimentos/Laced,acerca dos desafios a uma formação jurídica orientada nessa direção, e em http://www.unindigena.ufba.br/ aquele relativo ao seminário proposto em parceria como Museu de Arqueologia e Et<strong>no</strong>logia da <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia e o projetoTrilhas para os desafios da formação em saúde, ambos dando continuidade eaprofundando as discussões realizadas <strong>no</strong> seminário “Desafios de 2004”. Experiênciaspioneiras nessa interlocução intercultural <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> têm sido feitas <strong>no</strong> Centrode Pesquisa Leônidas e Maria Deane/Fiocruz/AM, sob a liderança da Dra.Luiza Garnelo, trabalhando junto com especialistas nativos do povo Baniwa.72 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


polissemia, entendidas tanto como espaço de promoção destes saberes,quanto como espaço social controlado por indígenas. Comocontraponto a este tipo de proposta, alguns defenderam a presençaindígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior como uma questão de qualificação destespovos dentro dos códigos da sociedade dominante, sem a preocupaçãocom a promoção de conteúdos específicos ligados à afirmação culturaldestes povos ou com a criação de espaços institucionais exclusivamenteindígenas. Nesse caso, a garantia da diversidade apresentou-secomo uma questão de transferência de capacidades para o empoderamentode representantes de povos indígenas frente aos setores sociaisdominantes, marcada pela preocupação de não guetificá-los ou de nãolhes oferecer uma visão deturpada de seus próprios modos de vida,agora mediada pela universidade, ou de formá-los como profissionaisde segunda categoria, por não terem a mesma exigência dos curricularegulares. Diferentes interpretações sobre o sentido do termo “intercultural”emergiram, ora com um sentido mais culturalista, ora comum sentido mais ligado ao empoderamento social.Uma questão relevante para o debate diz respeito ao fato de quea presença de estudantes indígenas na universidade possibilita seuacesso ao acervo de conhecimentos produzidos sobre seus povos pordiferentes disciplinas acadêmicas, <strong>no</strong>tadamente nas áreas de antropologia,linguística, história e arqueologia, mas também botânica,farmácia e zoologia, para citar os casos mais destacados. Tomarcontato com os conhecimentos produzidos a partir da mediaçãoacadêmica sobre a experiência social de seus povos torna-se umatarefa urgente para possibilitar o diálogo entre as universidades e osestudantes indígenas, <strong>no</strong> sentido da criação de agendas de pesquisaque incorporem as questões consideradas relevantes por seus povos.Nesse sentido, cabe lembrar que uma demanda recorrente nas reflexõescontemporâneas dos intelectuais indígenas que tem se dedicadoa pensar a relação de seus povos com as universidades diz respeito àdefesa do direito destes povos de definirem prioridades, métodos e oslimites do acesso de pesquisadores a seus grupos. 44Juntamente com esta preocupação, tem sido colocada a necessidadede aprofundar o diálogo sobre os mecanismos de reconhe-44 Para um bom exemplo deste debate, ver Porsanger (2004).A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 73


cimento da autoria dos povos indígenas na produção acadêmica deconhecimentos, já que muitos produtores de conhecimento têm sidoreduzidos à condição de “informantes”, quando na verdade são responsáveispor parcelas significativas ou mesmo centrais dos conhecimentosresultantes dessas pesquisas. 45Com essas reflexões espera-se romper progressivamente com a invisibilizaçãosistemática da contribuição indígena a acervos definidoscomo “ocidentais”, dentro da lógica que reitera divisões do mundoproduzidas a partir de olhares coloniais e de processos de longa duraçãode produção de assimetria e desigualdade, neste caso sobretudosimbólica, desencadeados pela expansão do capitalismo. Igualmenterelevante neste aspecto são os debates que vêm se acumulando entreintelectuais indígenas com formação universitária sobre as implicaçõesdo cruzamento das tradições acadêmicas, <strong>no</strong>tadamente <strong>no</strong> campodas ciência sociais, com as estratégias e as formas de conceber odomínio da política entre seus povos, algo que, se por um lado temsido fonte de tensões e disputas, por outro aponta para a construçãode formas i<strong>no</strong>vadoras de pensar e agir, cruzando conceitos e práticasprovenientes de diferentes tradições de conhecimento. 46Na conjuntura do início da discussão sobre a reforma universitária,e <strong>no</strong> bojo dela, a criação de mecanismos de ação afirmativavoltadas ao acesso, permanência e sucesso de grupos excluídos doensi<strong>no</strong> superior, o debate sobre modelos de financiamento desses mecanismosindicava a necessidade de definição de políticas de Estadopara a garantia de sua implantação, contemplando a priorização dasvias tanto de ensi<strong>no</strong> público quanto privado. As políticas de favorecimentodas instituições privadas propostas por certos segmentosgovernamentais como mecanismo de implantação das ações afirmativas(concessão de isenções fiscais em troca de bolsas) foram demodo geral criticadas, defendendo-se a criação de condições materiaispara a ampliação da oferta de vagas na rede de ensi<strong>no</strong> público,paralela ou não à implantação de políticas de cotas ou de reservade vagas. A maior parte dos estudantes indígenas que chegou atéagora à universidade o fez via ensi<strong>no</strong> privado (com vestibulares mui-45 Um apanhado sobre os mecanismos jurídicos debatidos para o reconhecimentodos conhecimentos tradicionais indígenas encontra-se em Kaingang (2010).46 Para uma reflexão sobre esse cruzamento, ver Chicahual (2010).74 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


to me<strong>no</strong>s concorridos que os do sistema público). Mas o principalargumento para o ingresso em universidades públicas foi o acessodos indígenas a cursos superiores de qualidade. O sistema públicotem sido responsável pela maior parte das atividades de pesquisa <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> superior, respondendo pela maioria das pós-graduações deexcelência <strong>no</strong> país. 47 Em grande medida a situação mudou. Se em2004 se estimava como sendo em tor<strong>no</strong> de mil o número de indígenascursando o ensi<strong>no</strong> superior, a maioria <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> privado, hojeestima-se uma cifra de 7.000 indivíduos, muitos <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> público.De lá para cá, tanto as universidades privadas (através do Programa<strong>Universidade</strong> para Todos (Prouni)), quanto as universidades públicas(através do Programa de Apoio ao Pla<strong>no</strong> de Reestruturação e Expansãodas <strong>Universidade</strong>s Federais (Reuni)), receberam recursos dogover<strong>no</strong> federal. Infelizmente, ainda pouco se sabe sobre o impactodesse recurso para a ampliação da presença de alu<strong>no</strong>s indígenas nasuniversidades e me<strong>no</strong>s ainda sobre as obrigações assumidas pelasuniversidades <strong>no</strong> tocante às ações afirmativas.A experiência pioneira da <strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grossodo Sul-Uems <strong>no</strong> estabelecimento de cotas para indivíduos indígenas<strong>no</strong>s cursos regulares mostrou-se bastante rica para a orientação dosdebates durante o seminário. Debateu-se a necessidade de definiçãode mecanismos claros de apoio à permanência dos alu<strong>no</strong>s indígenasnas cidades, proporcionando-lhes condições de moradia, transporte,alimentação e acesso aos materiais didáticos requeridos pelos cursos,como também em relação à discussão sobre os critérios de admissão ede identificação.47 As informações disponíveis sobre a presença indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior erambastante precárias à época de realização do seminário, não existindo, até aquelemomento, instrumentos seguros para sua aferição. Dados fornecidos pela Funai,contudo, naquele momento, registravam cerca de 1.000 a 1.500 indivíduoscursando o ensi<strong>no</strong> superior em universidades privadas, com bolsas de diferentesnaturezas e orçando quantias distintas fornecidas pela Funai. Fora dos cursos deLicenciatura Intercultural oferecidos pela Unemat e pela UFRR, de dois cursosde Magistério Superior oferecidos pela Uems, um para estudantes terena e outropara estudantes guarani, dos alu<strong>no</strong>s indígenas cotistas que entraram para a Uemsa partir de 2003, e da presença indígena em cursos modulares implantados deforma intermitente pela Ufam em São Gabriel da Cachoeira, não se dispunha dedados sobre a presença de estudantes indígenas nas demais universidades públicasdo país <strong>no</strong> momento da realização do seminário. De 2004 para cá, as mudançassão ponderáveis. Uma avaliação consistente faz-se mais que necessária.A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 75


A variedade de posicionamentos das diferentes organizações,comunidades e lideranças indígenas em relação ao tema da identificaçãoveio à tona, embutindo uma discussão mais ampla e de importânciacrescente sobre os “índios urba<strong>no</strong>s” e de como encará-losdentro deste cenário de afirmação e ampliação de direitos educacionaispara os povos indígenas. Tal postura implica em redimensionarestatísticas e repensar temas como autoctonia e pertencimento doponto de vista étnico, mas sobretudo os critérios de organização daspolíticas de Estado para atenção aos direitos indígenas. A complexidadeda temática se expressou pelo fato de não ser possível equacionara inclusão de indivíduos em grupos étnicos somente pelo critériode moradia nas aldeias. A cada dia há um número maior dos casosde indivíduos indígenas que se deslocam para as cidades ou por elastransitam sem perder seus laços, mantendo-se conectados às redesde parentela e à organização social de suas comunidades de origem.Isso sem falar de verdadeiras “cidades indígenas” em processo de formaçãoem algumas regiões do país, particularmente na Amazônia.Uma linha de consenso <strong>no</strong> seminário foi a da necessidade de seestabelecer como prioridade das políticas de Estado e de gover<strong>no</strong> aformação de indivíduos comprometidos com a defesa dos interessescoletivos dos povos indígenas, e não tanto com a promoção de projetosindividuais de ascensão social. Nesse sentido, as premênciascontemporâneas em relação à qualificação para a gestão de territóriosindígenas, que compõem hoje cerca de 13% da extensão total dopaís, foram apontadas como aspecto essencial a ser levado em consideraçãopelas políticas propostas. Assim, a formação de professoresindígenas em cursos de licenciatura intercultural para atender às necessidadesdo ensi<strong>no</strong> fundamental e médio nas aldeias e a formaçãode indígenas nas carreiras oferecidas <strong>no</strong>s cursos regulares do ensi<strong>no</strong>superior foram colocadas como igualmente prioritárias, e não comocaminhos mutuamente excludentes.Finalmente, discutiu-se também o sentido da universidade e seupapel como reprodutora ou não do status quo e dos sistemas dedominação existentes. Vale lembrar aqui as experiências históricasligadas à emergência e à articulação dos movimentos políticos emprol dos direitos dos povos indígenas nas décadas de 1960 e 1970em nível nacional e internacional, nas quais a participação das uni-76 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


versidades foi decisiva, seja na criação dos argumentos teóricos queembasaram os movimentos, seja na constituição dos quadros de ativistas,indígenas e não-indígenas, que passaram a se envolver comas lutas pela afirmação desses direitos. Fato é que, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, as universidadesde hoje não são as mesmas de então. Muitos pesquisadoresdesenvolvem atividades acadêmicas desvinculadas de pesquisase trabalhos de intervenção que ao longo do tempo ficaram a cargode associações como ONGs. Isto sem dúvida foi ainda mais corroboradopelo crescimento de processos muito simplórios de avaliaçãoda vida acadêmica que grassaram <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> dos a<strong>no</strong>s 1990, sobreo influxo da accountability neoliberal plenamente encampada pelaárea da Educação, sob os auspícios das agências de financiamento ecooperação técnica multilateral.Se em 2004 pensávamos que seria possível por em jogo umauniversidade realmente <strong>no</strong>va para além dos limites consignados <strong>no</strong>Reuni, estamos longe de expurgar para sempre formas tacanhas dehomogeneização social tão ao gosto dos regimes ditatoriais que engendrarama centralização dos poderes públicos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e seus coroláriosmoder<strong>no</strong>s, como os instrumentos limitados de avaliação de desempenho.O debate sobre a presença indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, emque pese seu atraso não apenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> mas na América Latina deve,apesar de todos os entraves, ser visto como um espaço de reflexãopara os imensos problemas que atingem os povos indígenas. 48 Comexemplos como o da Bolívia e do Equador a formação de uma intelectualidadeindígena é um instrumento precioso para a construção decaminhos e de argumentos para a legitimação de suas lutas e para aconstrução de soluções para os difíceis dilemas do presente e daquelesque virão <strong>no</strong> futuro. Julgamos que, se assumidos com descorti<strong>no</strong>e responsabilidade, os impasses colocados pela presença indígena <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> superior os termos do amplo conjunto de temas e problemascatalizados <strong>no</strong> seminário “Desafios para uma educação superior paraos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>” podem ser um guia para se debater nãoapenas temas candentes, mas também aspectos importantes da vidaindígena em <strong>no</strong>sso país <strong>no</strong> T erceiro Milênio.48 Para uma visão especialmente atualizada dos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e de seusdesafios, ver Baniwa (2006b).A presença indígena na construção de uma educação superior universal... 77


Da formação de professores à presençaindígena <strong>no</strong>s cursos universais: o “Trilhas” e asuperação da tutela pelo ensi<strong>no</strong> superiorMaria Macedo BarrosoEste artigo traça o contexto político-institucional <strong>no</strong> qual se deu aprimeira fase de implantação da vertente indígena do programa Pathawaysdo Higher Education, da Fundação Ford <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (2004-2006), através do projeto Trilhas de Conhecimentos, executado poruma equipe do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento-Laced,do Museu Nacional, <strong>Universidade</strong> Federal doRio de Janeiro. O texto recupera os debates da época da implantaçãodo projeto quanto à formulação de políticas públicas voltadas paraessa temática, mapeando as posições dos diferentes atores – governamentaise não governamentais, indígenas e não indígenas – envolvidoscom sua definição.Breve histórico das mobilizações por ensi<strong>no</strong> superior deindígenas e da formulação das primeiras políticas públicasnesta direçãoQuando o projeto Trilhas de Conhecimentos teve início, em abril de2004, os debates sobre o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas concentravam--se quase exclusivamente na formação de professores indígenas, algoque resultou dos esforços de mais de uma década do movimento indígenae de seus assessores para implementar as disposições da Constituiçãode 1988, voltadas para o reconhecimento do caráter pluriétnicodo Estado brasileiro. No caso dos povos indígenas, estas disposiçõesimplicavam na substituição da perspectiva assimilacionista que haviaprevalecido até então, implementada sob a égide do aparato tutelarmo<strong>no</strong>polizado pela Fundação Nacional do Índio(Funai), visando oreconhecimento do direito à manutenção de identidades étnicas diferenciadas.Ao longo dos a<strong>no</strong>s 1990, diversos instrumentos legaisDa formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 79


voltaram-se à regulamentação de um dos mecanismos consideradosessenciais à garantia do “direito à diferença” para os povos indígenas,juntamente com a posse de seus territórios tradicionais: a ofertade uma educação escolar específica e diferenciada. 49A intensa mobilização das organizações de professores indígenascriadas <strong>no</strong> país ao longo da década de 1990, voltadas ao atendimentodas necessidades educacionais nas aldeias; as primeiras experiênciasde formação específica de professores indígenas em nível deensi<strong>no</strong> médio, como o Projeto Tucum, em Mato Grosso, 50 bem comoa criação de órgãos colegiados incluindo assessores indígenas dentrodo Ministério da Educação (MEC) para debater a regulamentaçãoda formação de professores indígenas, constituíram o pa<strong>no</strong> de fundoem cima do qual se concentravam os debates sobre o ensi<strong>no</strong> superiorindígena quando o Trilhas de Conhecimentos teve início <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Nesse quadro, assessores de organizações não governamentaisindígenas e indigenistas ligadas a experiências i<strong>no</strong>vadoras na área deeducação iniciadas na década de 1980 tiveram papel de destaque naformulação da <strong>no</strong>va legislação e <strong>no</strong> assessoramento da implantaçãodos projetos que deram início às primeiras licenciaturas interculturaisvisando à formação de professores indígenas em nível superior,implantadas na <strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grosso (Unemat) e49 Os principais dispositivos legais voltados à educação dos povos indígenas após1988 foram o decreto n. 26 de 1991, que transferiu da Funai para o MEC aresponsabilidade pela educação escolar indígena, desmontando o modelo tutelarde agência única vigente até então; as Diretrizes para a Política Nacional de EducaçãoEscolar Indígena, de 1993, estabelecidas pelo Comitê de Educação EscolarIndígena, criado <strong>no</strong> MEC para subsidiar essa política; os artigos n. 26, 32, 78e 79 da Lei n. 9.394 de 1996, que fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional;o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, elaboradopelo MEC em 1998, em decorrência da Lei de Diretrizes e Bases, que definiu asdiretrizes que balizam a política educacional para os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>;a Resolução n. 3 de 1999 do Conselho Nacional de Educação, que fixou as diretrizesnacionais sobre o funcionamento das escolas indígenas; o Pla<strong>no</strong> Nacionalde Educação (2001) que em sua meta 17 estipulava a necessidade de “formular,em dois a<strong>no</strong>s, um pla<strong>no</strong> para a implementação de programas especiais para aformação de professores indígenas em nível superior, através da colaboração dasuniversidades e de instituições de nível equivalente”; e o programa Parâmetros emAção de Educação Escolar Indígena, lançado em abril de 2002, entre outros.50 Em 2004, havia 28 cursos de formação de professores indígenas em nível médiofuncionando <strong>no</strong> país, habilitando para o trabalho nas primeiras séries do ensi<strong>no</strong>fundamental.80 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


na <strong>Universidade</strong> Federal de Roraima (UFRR), respectivamente em2001 e 2003. Entre as organizações envolvidas destacam-se a OrganizaçãoGeral de Professores Tikuna Bilíngues (OGPTB), a Comissãodos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima (Copiar), aComissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), o Centro de Trabalho Indigenista(CTI), o Instituto Socioambiental (ISA) e o Conselho IndigenistaMissionário (Cimi). Houve também uma presença significativa deantropólogos, educadores e linguistas de universidades com pesquisasvoltadas à questão indígena, como a <strong>Universidade</strong> de São Pauloe o Museu Nacional.A passagem da gestão da questão indígena <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> educacionalda Funai para o MEC, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 1990, e a responsabilizaçãode estados e municípios por sua execução, marcaram importantespassos em direção à desconstrução do modelo tutelar vigente atéa Constituição de 1988, desembocando, segundo Grupioni,(...) num <strong>no</strong>vo tipo de envolvimento das comunidades indígenascom as secretarias estaduais e municipais de educação, ampliandoos atores envolvidos com a implantação e gerenciamento de escolasem terras indígenas, bem como com o surgimento de <strong>no</strong>vos programasde formação de professores indígenas <strong>no</strong> magistério intercultural(...) (GRUPIONI, 2003b: 199).Por outro lado, as primeiras medidas formalmente voltadas àeliminação da discriminação racial e à promoção de igualdades deoportunidade <strong>no</strong> país também tiveram origem na década de 1990,durante os dois gover<strong>no</strong>s de Fernando Henrique Cardoso. Em 1996,o primeiro Pla<strong>no</strong> Nacional de Direitos Huma<strong>no</strong>s já previa entre suaspropostas o desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso denegros a cursos profissionalizantes, às universidades e às áreas deprodução de tec<strong>no</strong>logia de ponta. Durante o segundo gover<strong>no</strong> FernandoHenrique Cardoso, o relatório oficial do gover<strong>no</strong> brasileiroenviado à Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação,Xe<strong>no</strong>fobia e Intolerância Correlata, realizada em 2001, em Durban,recomendava, entre outras medidas, a adoção de cotas para estudantesnegros nas universidades públicas. Nos a<strong>no</strong>s de 2001 e 2002,começaram a surgir as primeiras iniciativas de políticas de cotas eDa formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 81


eserva de vagas em universidades estaduais. 51 Finalmente, ao apagardas luzes deste segundo mandato, foi lançado o segundo Pla<strong>no</strong>Nacional de Direitos Huma<strong>no</strong>s, ratificando os objetivos do primeiro,e o Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> (PDU), voltadoao acesso de grupos socialmente desfavorecidos ao ensi<strong>no</strong> superior,entre os quais os indígenas, concretizado sobretudo pela oferta decursos pré-vestibulares voltados às populações carentes, indígenas eafrodescendentes.51 Respectivamente <strong>no</strong>s Estados do Rio de Janeiro (Uerj e UENF) e Paraná (UEL,UEM, Unicentro, Unespar, UEPG, UFPR e Unioeste), em 2001, e <strong>no</strong>s Estados daBahia (Uneb) e Mato Grosso do Sul (Uems), em 2002 (Trilhas de Conhecimentos2006a). Vale registrar que em 1997 o deputado Carlos Minc havia apresentado,sem sucesso, projeto semelhante ao aprovado em 2001, <strong>no</strong> Rio de Janeiro, e que,em 1999, os professores José Jorge de Carvalho e Rita Segato haviam elaboradoum projeto de cotas para negros, na UnB, motivados por um caso de denúnciade discriminação racial em exame de acesso ao programa de pós-graduação doDepartamento de Antropologia daquela universidade (HERINGER, 2006). Oprojeto pioneiro, contudo, visando “a instituição de cota mínima para os setoreset<strong>no</strong>rraciais socialmente discriminados em instituições de ensi<strong>no</strong> superior” foiapresentado em 1993, pela deputada do PT Benedita da Silva, à Câmara Federal.Especificamente voltados à presença de indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, podemosmencionar o projeto do então senador por Roraima do PDT, Mozarildo Cavalcanti,que propôs, em 2000, 5% das vagas em universidade públicas para índios,sem exigência de vestibular; o projeto apresentado à Câmara Federal em 2003pelo deputado do Mato Grosso do Sul do PFL, Murilo Zauith, dispondo sobre aobrigatoriedade de vagas para índios que fossem classificados em processo seletivo,sem prejuízo das vagas abertas para os demais alu<strong>no</strong>s; o projeto, <strong>no</strong> mesmoa<strong>no</strong>, do deputado Rodolfo Pereira do PDT de Roraima, instituindo o sistema decota para a população indígena nas instituições de ensi<strong>no</strong> superior; e, finalmente,o projeto do deputado Eduardo Valverde do PT de Rondônia, que, em 2004,apresentou projeto de lei à Câmara alterando a Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional, de 1996, estabelecendo cotas para afrodescendentes, índios eestudantes de escolas públicas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior (Trilhas de Conhecimentos,2006b). Registre-se, assim, o envolvimento de representantes de todo o espectropolítico nacional <strong>no</strong>s debates, incluindo-se parlamentares com posturas opostasligadas aos povos indígenas, onde tanto políticos ligados aos interesses do agronegócioquanto seus oponentes apresentaram projetos de ação afirmativa para oacesso de indígenas ao ensi<strong>no</strong> superior. Vale destacar, ainda, que a grande maioriados projetos de ação afirmativa ligados ao ensi<strong>no</strong> superior que começarama ser apresentados a partir de 1999 voltavam-se para a promoção do ingressode estudantes de escolas públicas, o que, de forma indireta, atingia também osestudantes indígenas. Duas experiências de cotas para indígenas, estabelecidasem decorrência de decisões internas de órgãos universitários, e que não tiveramcontinuidade, ocorreram na UFRR (1994) e na Unitins (1998 e 1999).82 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


No gover<strong>no</strong> Lula, as políticas ligadas à temática racial iniciadas<strong>no</strong>s dois gover<strong>no</strong>s de Fernando Henrique tiveram continuidade coma criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da IgualdadeRacial (Seppir), em 2003, e as ações afirmativas voltadas aoensi<strong>no</strong> superior passaram a se afinar com os programas estabelecidossob a égide da “inclusão social”. Além de dar continuidade aoprograma PDU, seu gover<strong>no</strong> encaminhou ao Congresso, em 2004, oprojeto de Lei n. 3627 autorizando as universidades públicas a adotaremcotas 52 . No mesmo a<strong>no</strong>, foi lançado o Programa <strong>Universidade</strong>Para Todos (Prouni), deslocando os debates sobre as políticas deinclusão social <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior da esfera pública para a privada,pois previa o aproveitamento de vagas ociosas dentro da rede privadade universidades por meio da concessão de bolsas de estudos aestudantes carentes ou pertencentes a mi<strong>no</strong>rias étnicas, em troca daconcessão de isenções fiscais para aqueles estabelecimentos.Os debates sobre a formação superior de professores indígenase o acesso de indígenas aos cursos universaisEnquanto este conjunto de medidas era lançado, virtualmente nãoexistia um debate sobre a presença de indígenas <strong>no</strong>s cursos regularesdas universidades <strong>no</strong>s meios ligados à educação indígena. Os cursosde formação de professores indígenas e os debates sobre a educaçãoescolar indígena, sobretudo <strong>no</strong>s níveis do ensi<strong>no</strong> fundamental emédio, capitalizavam praticamente todas as discussões. Uma mostrada vitalidade destas últimas pode ser depreendida do inventáriopublicado em 2003 por Grupioni, na revista do MEC Em Aberto,que elencou 74 dissertações e teses defendidas entre 1978 e 2002 emuniversidades brasileiras, “... cujas temáticas, em sentido amplo, têmrelação com os processos de introdução da instituição escolar emterras indígenas e suas implicações”. Destas, a maioria se concentravaem cursos da área de Educação, que contabilizava 37 trabalhos,correspondendo quase à metade do total. Segundo a descrição doautor sobre esse material:52 Este projeto teve origem em proposta de Medida Provisória enviada ao gover<strong>no</strong>,em 2004, pelo MEC.Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 83


(...) há estudos do papel da escola em determinados povos indígenas,reflexões sobre currículos, diários de classe, produção demateriais didáticos; análises de programas e cursos de formaçãode professores indígenas; estudos de políticas indigenistas, do movimentoindígena pela educação escolar e história da implantaçãode escolas em terras indígenas; estudos da relação entre oralidadee escrita; descrições linguísticas e análise de bilinguismo; análisede processos de alfabetização, em português e em língua materna;estudos sociolinguísticos; estudos sobre formas de transmissão deconhecimento e de processos de socialização de crianças indígenas;análise de práticas linguísticas, discursivas e de letramento; estudoda contribuição de certas disciplinas (Geografia, Matemática,Educação Física etc.) para a escola indígena; análise de textos escritospor alu<strong>no</strong>s e professores indígenas; estudos da aquisição dasegunda língua; investigações sobre a <strong>no</strong>ção de infância, de aprendizageme de pedagogias indígenas (...). Um número significativode trabalhos dialoga com uma produção governamental recente,composta por textos que apresentam diretrizes e referenciais paraa educação indígena, lançados pelo gover<strong>no</strong> federal <strong>no</strong>s últimosa<strong>no</strong>s, marco de uma <strong>no</strong>va política pública para este setor. Essesdocumentos são analisados, interpretados e confrontados com situaçõeset<strong>no</strong>gráficas e experiências de intervenção particulares. Omesmo ocorre com os <strong>no</strong>vos ordenamentos jurídicos e <strong>no</strong>rmativos,elaborados após a mudança de paradigma instituída pela Constituiçãode 1988, e que resultou num <strong>no</strong>vo corpo de legislação que éamplamente descrito e analisado em várias das dissertações e tesesrecenseadas neste inventário. (GRUPIONI, 2003b: 199-200)A riqueza demonstrada por este inventário contrastava com avirtual inexistência de trabalhos ligados à reflexão sobre a presençade indígenas <strong>no</strong>s cursos superiores universais, mostrando que, atéentão, o tema da educação indígena era equacionado ao da ofertade educação escolar <strong>no</strong>s níveis fundamental e médio nas aldeias, eà preparação de professores indígenas para atender a esta demanda.Segundo os dados fornecidos pelo censo do Instituto de Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 1999,apenas 2% dos professores indígenas que atuavam em escolas indígenaspossuíam formação superior, o que representava uma e<strong>no</strong>r-84 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


me demanda por formação neste campo, estimando-se em cerca de4.000 o número de professores indígenas a serem formados <strong>no</strong>s cursosde 3º Grau Indígena, como os criados na Unemat e UFRR.Assim, embora o Trilhas de Conhecimentos tenha chegado ao<strong>Brasil</strong> em um contexto político favorável <strong>no</strong> que diz respeito à existênciade políticas governamentais, estaduais e federais, afinadascom suas propostas de promover o acesso de camadas desprivilegiadasao ensi<strong>no</strong> superior de graduação, praticamente não se contavacom pessoas engajadas na discussão sobre o acesso, permanência esucesso de estudantes indígenas <strong>no</strong>s cursos universitários regulares.Foi justamente sobre esta lacuna que se construiu a argumentaçãoque embasou o início do projeto “Trilhas” <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Vale registrar, nesse sentido, que quando a equipe do Laced iniciouos contatos para a montagem do seminário “Desafios para umaEducação Superior para os Povos Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>” (realizado emagosto de 2004) que lançou e deu visibilidade ao projeto “Trilhas”em nível nacional, propondo-se a iniciar esta discussão, defrontou-seem um primeiro momento com o ceticismo e desconfiança dos grupossituados <strong>no</strong> MEC, na Funai e nas redes de organizações não governamentaisque haviam se dedicado à definição, regulamentaçãoe implantação dos cursos de formação de professores indígenas emnível médio e em nível de 3º Grau. Mesmo as organizações de professoresindígenas e alguns de seus representantes <strong>no</strong> MEC e <strong>no</strong> ConselhoNacional de Educação (CNE) tinham dúvidas e se dividiam emrelação à oportunidade de lançar, naquele momento, o debate sobreo acesso de indígenas aos cursos de nível superior universais, dividindo-setambém em relação a apoiar ou não as políticas de cotas.Parte das lideranças encarava como uma ameaça à estabilidadedas comunidades indígenas a saída de seus integrantes para fazercursos nas cidades, considerando como prioridade máxima <strong>no</strong> terre<strong>no</strong>da educação garantir a formação de professores indígenas quepudessem se encarregar da oferta de escolas de nível fundamental emédio dentro das aldeias, evitando assim o problema da evasão dejovens em busca de oportunidades de ensi<strong>no</strong> nas cidades. Grandeparte dos assessores não indígenas que atuavam nas organizaçõesnão governamentais e universidades, responsáveis pela formulaçãodas diretrizes pedagógicas a serem aplicadas na formação de pro-Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 85


fessores indígenas, também compartilhava dessa visão. O ideal degarantir a permanência de jovens nas aldeias por meio da oferta deuma educação específica <strong>no</strong>s níveis fundamental e médio – “bilínguee intercultural, específica e diferenciada”, para usar os termos consagrados<strong>no</strong> circuito indigenista – se adequava também aos ideais ambientalistasque haviam passado a permear o discurso de assessorese técnicos sobretudo a partir da realização da ECO-92, calçando avisão de que a permanência dos índios <strong>no</strong>s territórios demarcados,principalmente na região amazônica, era a melhor solução de sobrevivêncianão apenas para eles como também o melhor caminho paraa preservação da floresta, ideia que se consagrou via a utilização doconceito de “desenvolvimento sustentável”.Para grande parte dos assessores envolvidos com a educação escolarindígena, a discussão sobre a presença indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superiorsó deveria ser iniciada, assim, quando estivesse consolidada aimplantação dos ensi<strong>no</strong>s de nível fundamental e médio nas aldeias,a serem oferecidos pelos professores indígenas que começavam a serformados dentro do modelo e dos ideais da educação interculturalbilíngue, específica e diferenciada 53 . Nesse sentido, a discussão queo Trilhas de Conhecimentos aportava era considerada “prematura”e, em certa medida, algo que “atropelava” os debates que vinhamsendo mantidos para consolidar as escolas de nível fundamental eexpandir a implantação das escolas de ensi<strong>no</strong> médio nas aldeias. 5453 Esta, por sua vez, começara a ser debatida também dentro de organismos internacionaisdo sistema da ONU e por agências de cooperação técnica internacional,que passaram a promovê-la em vários países da América Latina, dentrodos quais, sobretudo <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1990, firmaram-se legislações multiculturalistasde vários matizes, que deram fim às perspectivas assimilacionistas que haviamprevalecido até então.54 Outros argumentos que frequentemente eram acionados <strong>no</strong>s círculos ligados àformação de professores indígenas contra a discussão da presença indígena <strong>no</strong>scursos superiores universais ligavam-se à caracterização da universidade comoum instrumento de reprodução do Estado e, portanto, do status quo, mostrando--se como um espaço a ser encarado com reservas, por ser potencialmente <strong>no</strong>civoaos índios e a seu “modo de ser”. Além de se criticar a formação universitária porinduzir a uma perspectiva individualista, que não levava em conta nem valorizavaos aspectos coletivos, direcionando os alu<strong>no</strong>s apenas para projetos de ascensãoindividual, considerava-se também que seu sistema de ensi<strong>no</strong> “mo<strong>no</strong>culturalista”era incapaz de incluir as “diferenças” aportadas pelos estudantes indígenas.Nesse sentido, denunciava-se a universidade como um dos instrumentos centraisdos processos de homogeneização implicados na formação da nacionalidade e,86 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Os dados estatísticos disponíveis sobre o ensi<strong>no</strong> superior deindígenas à época de implantação do projetoVale destacar, nesse contexto, que segundo dados divulgados peloMEC em 2002, cerca de 15% dos estudantes indígenas estava cursandoas classes de alfabetização, 80% o ensi<strong>no</strong> de 1ª a 8ª série, eapenas 1% o ensi<strong>no</strong> médio (MATOS, 2002). O MEC estimava emcerca de 5.000 o número de alu<strong>no</strong>s indígenas que haviam concluídoo ensi<strong>no</strong> médio e que apresentavam condições, portanto, de ingressarna universidade. Mas não havia sido adequadamente mapeada,àquela altura, a realidade dos índios nas cidades, sua presença nasuniversidades e suas demandas de acesso ao ensi<strong>no</strong> superior. Sabia-seque 2,24% do total de indivíduos autoidentificados como indígenaspelo censo de 2000 do Instituto <strong>Brasil</strong>eiro de Geografia e Estatística(IBGE) que cursavam algum grau de ensi<strong>no</strong> estavam <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior,o que representava 4.397 alu<strong>no</strong>s, e 0,16% faziam mestrado oudoutorado, perfazendo 319 estudantes.Outra pista disponível a respeito da realidade dos indígenas <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> superior universal vinha dos registros da Funai, até entãonão liberados publicamente, sobre as bolsas de estudo concedidas aestudantes indígenas, sobretudo para cursar universidades particulares,às quais haviam tido acesso por esforço próprio. Estas bolsas,distribuídas segundo critérios pouco transparentes e, por esta razão,não sujeitas a estatísticas precisas, indicavam a presença de cerca de1.000 estudantes indígenas em universidades ao longo de todo o paísna virada do milênio. Mas não se sabia, fora da Funai, exatamenteem quais, nem em que cursos eles se localizavam, tendo tido muitasvezes suas demandas aprovadas pelas sedes regionais da instituição,o que dificultava ainda mais o controle das informações.Finalmente, vale registrar que a Funai e o IBGE apresentavamnúmeros completamente díspares quanto ao total da população indígena<strong>no</strong> país, pois, enquanto a primeira voltava-se para o registro daportanto, nefasto à promoção das culturas e tradições indígenas. Os cursos específicosde formação superior de professores indígenas (as licenciaturas interculturais)constituiriam uma exceção neste quadro, não padecendo desses males (cf.depoimentos nas transcrições das fitas dos GT n. 1, “Políticas homogeneizantes edireitos diferenciados: a educação superior nas demandas indígenas” e <strong>no</strong> GT n.2 “Experiências e propostas: modalidades de curso” do seminário “Desafios parauma Educação Superior para os Povos Indígenas”).Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 87


ealidade dos índios aldeados, estimados em cerca de 340.000 indivíduosna virada do milênio, o IBGE chegou a um total de 734.127,em 2000, usando o critério da autoidentificação que abrangeu, alémdos índios aldeados, as populações indígenas urbanas. Dentro destas,entretanto, não se chegou a discriminar que contingentes mantinhamuma identidade étnica definida, associada ao pertencimentoa povos específicos, com os quais ainda mantinham laços, e quantosassumiam uma identidade indígena genérica, sem envolvimento ouidentificação com suas comunidades de origem.Além da Funai e do IBGE, vale registrar ainda a existência deoutros dados censitários, produzidos por organizações não governamentaiscom larga experiência de trabalho junto às populaçõesindígenas, como o Cimi e o ISA, que apresentavam números tambémdivergentes dos oficiais. No caso dos dados específicos sobre populaçãoescolar indígena, diferentes institutos governamentais, comoo Inep, IBGE, Funai e MEC, têm apresentado estatísticas com osmesmos problemas de compatibilidade.Ao contrário do que vinha se dando com a discussão sobre ainclusão de afrodescendentes <strong>no</strong>s diversos cursos do ensi<strong>no</strong> superior,sobre a qual já havia significativa produção de dados desde a viradado milênio, 55 os dados qualitativos sobre a presença de indígenasneste nível de ensi<strong>no</strong> eram mínimos, e, conforme já apontado, osdebates e reflexões em tor<strong>no</strong> dessa questão restringiam-se aos produzidosem função da implantação dos cursos de formação superiorde professores indígenas.Em 2003, uma primeira tentativa de sistematização dos dadosexistentes produzidos pelas diferentes agências foi lançado por iniciativado Instituto Internacional para o Instituto Internacional paraa Educação Superior na América Latina e <strong>no</strong> Caribe (Iesalc), órgãoda Unesco que encomendou um levantamento sobre a realidade doensi<strong>no</strong> superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, uma iniciativa bastante isoladaàquela altura (SOUZA, 2003). O Iesalc havia começado a discutira promoção da educação superior de indígenas na América Latinaa partir da encomenda de diagnósticos sobre a situação indígena55 Para um boa amostragem desses dados, consultar o site do Programa Políticas daCor (PPCOR), financiado com recursos da Fundação Ford e instalado <strong>no</strong> Laboratóriode Políticas Públicas da Uerj.88 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


<strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior <strong>no</strong>s principais países lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong>s, tendopublicado em 2002 um levantamento geral sobre esse quadro (BAR-RENO, 2002).O diagnóstico de Hellen Souza sobre o <strong>Brasil</strong>, realizado a partirde viagens a regiões do país com maior concentração de indígenas,da realização de entrevistas com um número limitado de estudantesindígenas e das informações disponibilizadas precariamente pelaprópria Funai, cruzadas com as do censo do IBGE de 2000, nãoconseguiu avançar muito na apresentação de dados, concentrando--se sobretudo em explicitar a precariedade das estatísticas existentes,o descompasso entre elas e a dificuldade de obtenção de dados confíáveis.O que chamava a atenção nesses dados era a própria complexidadedas questões ligadas à definição das identidades étnicas e asdiscussões sobre os critérios para sua classificação, todas estas questõesextremamente dinâmicas e, em última instância, carregadas degrande conteúdo político. O diagnóstico de Souza deixava entrever,contudo, ainda que sem detalhes, alguns contor<strong>no</strong>s básicos da situação,tais como o fato de que apenas uma pequena porcentagemda totalidade dos alu<strong>no</strong>s indígenas dentro dos cursos universitáriosregulares estava nas universidades públicas (SOUZA, 2003).Segundo dados de 2002 da Funai reproduzidos nesse diagnóstico,de um total de 1.150 alu<strong>no</strong>s cursando o nível superior, 706estavam em instituições privadas e 444 em instituições públicas.Destes últimos, entretanto, era necessário retirar os 200 estudantesque haviam ingressado <strong>no</strong> curso de 3º Grau Indígena (LicenciaturaIntercultural) iniciado em 2001 pela Unemat, com vagas abertasexclusivamente para indígenas. Só assim era possível ter uma visãomais real da situação do acesso de indígenas aos cursos regulares euniversais, abertos a alu<strong>no</strong>s indígenas e não indígenas. Eliminando--se portanto os alu<strong>no</strong>s do Curso de Licenciatura Intercultural daUnemat, chegava-se a um percentual de cerca de 20% de estudantescursando o ensi<strong>no</strong> oferecido pelas universidades públicas, algo nãomuito distante da realidade nacional, que, segundo os dados do censouniversitário do MEC de 2003, apontava 15% apenas da totalidadede estudantes <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> público.Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 89


Os debates sobre a criação de universidades indígenasNos dois primeiros a<strong>no</strong>s do gover<strong>no</strong> Lula, em que pese o distanciamentodos setores tradicionalmente envolvidos com a educaçãoescolar indígena dos debates sobre ensi<strong>no</strong> superior fora do âmbito daformação de professores, surgiram as primeiras propostas, em nívelfederal, de criação de universidades indígenas. Podemos mencionarentre elas o projeto de Lei n.1.456, de 2003, do deputado federalCarlos Abicalil, do PT de Mato Grosso, propondo a criação, naqueleestado, de uma universidade pública com inserção nas regiões Nortee Centro-Oeste, com caráter multicampi e voltada à oferta de ensi<strong>no</strong>superior, de graduação e pós-graduação, e ao desenvolvimento depesquisa e extensão universitária com especial atenção à “história,cultura, arte e às ciências construídas pelos povos indígenas brasileiros”.No mesmo a<strong>no</strong>, uma proposta, que não teve continuidade,foi lançada pela Sesu/MEC, sugerindo a criação de uma universidadefederal voltada à educação superior para os povos indígenasem todas as áreas de conhecimento universal, articulada em rede aum conjunto de instituições consorciadas, a ser financiada por umaparceria do Estado com instituições públicas e privadas, nacionais einternacionais. 56No âmbito estadual, um projeto de iniciativa do então governadorde Mato Grosso, Blairo Maggi, <strong>no</strong>tabilizado por ser o maiorprodutor individual de soja do mundo, foi divulgado em um brochurapublicada em 2004, propondo a criação de uma universidadeindígena destinada a receber alu<strong>no</strong>s de todas as sociedades indígenasdo <strong>Brasil</strong>, das Américas, da África e da Austrália, para a formaçãoem cursos nas áreas de Cooperativismo, Administração de EmpresasRurais Indígenas, Gestão Ambiental e Turismo. A instituição seriabancada por meio de parcerias públicas e privadas, destacando-se,com relação a estas últimas, as contribuições de empresários ligadosà expansão do agronegócio <strong>no</strong> estado de Mato Grosso, que receberiam,em troca, o direito de colocar um selo de qualidade em seusprodutos atestando o apoio à iniciativa 57 (SARDINHA et al., 2004).56 Ver a íntegra do projeto em Souza (2003).57 A proposta de criação de uma universidade indígena pelo governador Blairo Maggifoi denunciada pela representante indígena <strong>no</strong> CNE, Francisca Novanti<strong>no</strong>,<strong>no</strong> seminário “Desafios Para uma Educação Superior para os Povos Indígenas”,90 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Nenhuma das três propostas foi à frente, contudo, durantes os doisprimeiros mandatos do gover<strong>no</strong> Lula, dividindo as opiniões de assessorese lideranças indígenas.Além dessas propostas, circulou também na primeira metade dogover<strong>no</strong> Lula o projeto de criação da <strong>Universidade</strong> da Floresta (UF/Acre), prevista para ser um polo da UF voltado para a execução deprojetos de desenvolvimento socioambiental regional, sobretudo naregião do Vale do Juruá, reconhecida como uma das manchas demaior biodiversidade da Amazônia. Embora pretendesse incluir aspopulações locais, indígenas e tradicionais (seringueiros e agricultores)em seus projetos de pesquisa, valorizando seus conhecimentos eintegrando-os ao patrimônio científico dos saberes universitários, aproposta não se detinha especificamente sobre o acesso destas populaçõesao ensi<strong>no</strong> superior, a não ser <strong>no</strong> caso do curso de Formaçãode Professores (3° Grau Indígena).A integração de indivíduos com formação de nível médio daspopulações indígenas e tradicionais a projetos de pesquisa era contempladapor meio das categorias de “bolsista comunitário” e “pesquisadorcomunitário”, a serem preenchidas por monitores e agentesagroflorestais. O projeto valorizava a presença do grande númerode organizações populares na região, tais como sindicatos, organizaçõesindígenas e associações de seringueiros e agricultores, encarando-ascomo centros multiplicadores locais de políticas planejadascoletivamente em nível regional.A <strong>Universidade</strong> da Floresta, que previa a contratação e a formaçãode quadros próprios a partir de 2005, e o primeiro vestibularpara ingresso de estudantes em agosto do mesmo a<strong>no</strong>, propunhauma atuação em rede com diversas universidades e centros de pesquisanacionais e internacionais. Citava-se em seu projeto, do ladonacional, as universidades de Viçosa, USP, Unicamp e o InstitutoNacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Pretendia-se obter recursospara o projeto junto ao gover<strong>no</strong> estadual do Acre, ao MEC,ao MCT e ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) para colocarem funcionamento dois campi avançados, um em Cruzeiro do Sul(já existente) e outro em Assis <strong>Brasil</strong>, reaproveitando instalações docomo tendo a finalidade de atrair lideranças e facilitar o acesso às terras indígenaspara exploração do agronegócio (Trilhas de Conhecimentos, 2004a).Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 91


Projeto Rondon. A proposta sugeria ainda a criação de uma Agênciade Amparo à Pesquisa <strong>no</strong> Acre para subsidiar as políticas públicasnecessárias ao fomento do projeto (<strong>Universidade</strong> da Floresta, 2004).Do lado dos índios, por sua vez, os debates em tor<strong>no</strong> da ReformaUniversitária em audiências públicas, plenárias e colóquioscom a presença de indígenas em várias regiões do país ao longo de2003, trouxeram à tona o debate sobre o ensi<strong>no</strong> superior indígena<strong>no</strong>s cursos universais, destacando-se neste contexto os debates<strong>no</strong> Mato Grosso, em que as lideranças indígenas convocadas peloMinistério Público para debater as políticas de cotas defenderam aposição de que a identificação indígena devia ser tratada como umaquestão coletiva, passando assim pela ratificação das comunidades, enão apenas como uma questão de autoidentificação dos candidatos,ou de identificação pela Funai, que concedia carteiras de identidadeindígena. 58Cabe destacar ainda que, em junho de 2004, parte importante domovimento indígena pronunciou-se oficialmente sobre a temática doensi<strong>no</strong> superior, quando a Coiab, organização de âmbito macrorregional,com 75 associações filiadas, nas quais 165 povos diferentes sefaziam representar, apresentou a sua proposta de Reforma Universitáriaem uma audiência pública, promovida pelo MEC, em Manaus,para debater este tema. Naquela ocasião foram discutidos, entre outrosassuntos, a missão da universidade, questões de acesso e permanência,gestão e estrutura, conteúdo curricular e financiamento.Dentre as demandas apresentadas pelos indígenas cabe destacara inserção de conhecimentos indígenas <strong>no</strong>s currículos universitários;a participação das organizações indígenas <strong>no</strong>s conselhos universitários;a criação de um núcleo interdisciplinar e interinstitucional nasuniversidades para formular conteúdos específicos e diferenciados,que <strong>no</strong>rteariam a efetivação de uma educação superior para os povosindígenas, contemplando a elaboração de projetos pedagógicos; acriação de uma estrutura operacional para discentes e pesquisadoresindígenas visando o desenvolvimento de programas abertos às <strong>no</strong>vasconcepções e processos de aprendizagem; e a criação e implementa-58 Cf. depoimentos nas transcrições do GT03 “Formas de acesso à universidade:obstáculos e acúmulos <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior para os povos indígenas” <strong>no</strong> seminário“Desafios para uma Educação Superior para os Povos Indígenas”.92 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ção de um programa de financiamento específico para pesquisadoresindígenas. 59Em relação ao tema específico da criação de uma universidadeindígena, vale registrar que as lideranças indígenas que participaramdo seminário “Desafios para uma Educação Superior para os PovosIndígenas” (2004) mostraram-se divididas, havendo desde aquelesque consideravam este formato como um elemento fundamental emdireção à auto<strong>no</strong>mia dos povos indígenas – mesmo que houvessepouca clareza sobre o que seria exatamente uma universidade indígena,ou quanto tempo levaria para que uma instituição com esteperfil pudesse ser criada – até aqueles que acreditavam que o maisimportante em relação aos debates sobre ensi<strong>no</strong> superior de indígenasera garantir o acesso dos mesmos às melhores universidades, oque, <strong>no</strong> caso do <strong>Brasil</strong>, significava o acesso às universidades públicas.Outros, ainda, consideravam que a formação superior de indígenasnada acrescentaria aos povos indígenas se não fosse acompanhadade uma formação política dos estudantes que os conscientizasse sobreos problemas indígenas. 60As políticas de ação afirmativa voltadas ao acesso de indígenasao ensi<strong>no</strong> superior e as perspectivas do projeto Trilhas deConhecimentosO início das políticas de ação afirmativa voltadas à presença de indígenas<strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior a partir de 2001 e, particularmente, o iníciodas políticas de cotas e de reserva de vagas, apoiadas em leis estaduaisou em decisões de órgãos colegiados inter<strong>no</strong>s das universidadespúblicas, constituíram-se em elementos fundamentais para compora base social de atuação do projeto Trilhas de Conhecimentos, ampliandosignificativamente o contingente de estudantes indígenas <strong>no</strong>scursos regulares das universidades públicas. Concretamente, quando59 Ver a transcrição da íntegra do documento em Trilhas de Conhecimentos (2004b).60 Ver para cada uma das posições elencadas, respectivamente, as falas da representantedo Movimento de Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), Jacimar deAlmeida Gouveia; da diretora do Instituto Warã, Azelene Kaingang; e do mestrandoem Desenvolvimento Local da <strong>Universidade</strong> Católica Dom Bosco (UCDB),Wanderly Terena, na mesa “Ação afirmativa e direitos culturais diferenciados – asdemandas indígenas pelo ensi<strong>no</strong> superior” (Trilhas de Conhecimentos, 2004a).Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 93


o projeto teve início, a universidade que havia iniciado com maiorsucesso estas ações era a <strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grossodo Sul (Uems), com base em legislação estadual estabelecida em dezembrode 2002, que definiu um percentual de 10% das vagas paraestudantes indígenas em todos os seus cursos, embora a populaçãoindígena daquele estado não chegasse a atingir 3% do total da população,segundo dados do censo de 2000 do IBGE.Além da ampliação das políticas de cotas para indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior iniciadas ao final do segundo mandato de FernandoHenrique, sobretudo em universidades estaduais, implantadas namaioria dos casos conjuntamente com cotas também para afrodescendentes,o primeiro mandato de Lula, conforme mencionado anteriormente,seria marcado ainda por medidas do gover<strong>no</strong> federalvoltadas a políticas de ação afirmativa e inclusão social <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior, destacando-se entre estas a continuação do programa Diversidadena <strong>Universidade</strong>, iniciado por Fernando Henrique Cardoso,e o Prouni, bem como por um projeto de Reforma Universitáriaencaminhado pelo gover<strong>no</strong> Lula em 2004 que definia, entre outrascoisas, a implantação de políticas de cotas para estudantes egressosde escolas públicas, em especial indígenas e afrodescendentes, nasuniversidades públicas federais.Sem a existência dos debates ligados a este projeto e às políticasmencionadas anteriormente, em que pesem todas as suas falhas eproblemas de implementação, bem como sem a presença das políticasde cotas já implantadas, dificilmente o “Trilhas”, tal como foipensado, teria encontrado ambiente institucional e condições concretaspara ser lançado, ampliando o debate sobre a presença indígenanas universidades para além do âmbito estrito das discussões sobre aformação de professores e dos cursos específicos voltados para essefim. A equipe do Laced pensava em atender, sobretudo, às necessidadesgeradas pela situação criada com o fim do regime jurídico tutelarinstituído pela Constituição de 1988. O cenário político-administrativopós-tutela havia fragmentado entre diversas instâncias a gestãodas questões indígenas, introduzindo inúmeros interlocutores <strong>no</strong>vos,governamentais e não governamentais, nacionais e internacionais,neste campo, com os quais os índios tiveram que passar a dialogar.Lidar com essa variedade de atores, sem abrir mão do sonhado94 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


protagonismo reivindicado pelas lideranças indígenas, passou a seconstituir em algo a requerer cada vez mais “formação”, ao mesmotempo em que se iam abrindo espaços concretos de participaçãopolítico-administrativa aos representantes indígenas, chamados acontribuir na formulação de políticas, a integrar órgãos de gestãocolegiados, quando não instados a assumir diretamente através desuas organizações diretamente a execução de ações nas áreas de saúde,educação e gestão territorial, além de projetos de diversos tiposacordados com instâncias de cooperação internacional. 61Nesse sentido é que o apoio à presença indígena na maior variedadepossível de cursos universitários se apresentava como umavariante central para as possibilidades de sucesso do protagonismoindígena <strong>no</strong> cenário pós-tutela instaurado <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> legal pela Constituiçãode 1988, mas de difícil implementação na prática sem investi-61 Um retrato detalhado da fragmentação político-administrativa que atingiu a gestãoda questão indígena após a Constituição de 1988 e a quebra do mo<strong>no</strong>pólio daFunai neste contexto pode ser encontrado <strong>no</strong> estudo de Vianna (2005), que apontouações governamentais dispersas em cinco ministérios (Ministério da Justiça/Funai; Ministério da Saúde/Funasa; Ministério da Educação; do Meio Ambiente;e do Desenvolvimento Agrário). Embora apenas estes contassem com recursosexplicitamente destinados à questão indígena, diversos outros passaram a desenvolverações que também envolviam os povos indígenas, entre os quais o Ministériodo Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério da Cultura.Grande parte das ações implementadas por estes ministérios era desenvolvida soba forma de “projetos” aos quais os povos indígenas deviam concorrer, disputandorecursos muitas vezes com outros atores. Afora isso, um sem número de Gruposde Trabalho, ligados a diferentes instâncias governamentais, e em alguns casosmontados para debater o encaminhamento de pedidos de recursos a órgãos e fundosinternacionais, completavam um quadro de extrema complexidade administrativae carente de mecanismos mínimos de articulação que resultassem na coerênciadas ações e que evitassem, em muitos casos, a sobreposição de esforços. Osprocessos de estadualização, municipalização e terceirização para organizaçõesda sociedade civil, indígenas e não indígenas, de inúmeros serviços e ações prestadosàs populações indígenas, e antes de responsabilidade do gover<strong>no</strong> federal,dentro da lógica das reformas neoliberais e da perspectiva do “estado mínimo”introduzidas <strong>no</strong> país <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1990, acirraram o quadro de fragmentação acimadescrito, com consequência ainda não suficientemente analisadas para os povosindígenas, mas em muitos casos, sem nenhuma dúvida, com poucas chances decontribuir para a possibilidade de consolidação do fim do regime tutelar previstopela Constituição de 1988. Para uma crítica das contradições e impasses geradospelas políticas voltadas ao desmonte do mo<strong>no</strong>pólio da gestão indígena pela Funaiem um contexto de enxugamento do Estado e ascensão das políticas neoliberais,ver Souza Lima e Barroso Hoffman (2002c) e Souza Lima et al. (2004).Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 95


mentos concretos que dessem condições reais aos índios de participare influir nele. Mais do que isto, e algo frequentemente negligenciadoquando se discutia as necessidades de ensi<strong>no</strong> relacionadas aos povosindígenas <strong>no</strong>s círculos estritamente ligados à área de Educação, erao fato, amplamente destacado pela equipe do Laced, de que, apesarde seu peque<strong>no</strong> número, os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> tinham direitosreconhecidos a cerca de 12% do território brasileiro e que, portanto,seus projetos de futuro eram absolutamente estratégicos para o país,dado o fato de que não apenas muitas destas terras se situavam emáreas de fronteira como também em regiões de importância reconhecidaquanto à presença de valiosas reservas minerais e estoques debiodiversidade. Nesse sentido, discutir a presença indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior ganhava um sentido que extrapolava em muito o nível localao qual frequentemente a discussão sobre a formação de professoresse limitava. Tratava-se de dar voz à representação de si mesmo dosindígenas, dispensando assessores não índios e abrindo espaço paraseus projetos de auto<strong>no</strong>mia.Era este, portanto, o quadro político existente quando o projetoTrilhas de Conhecimentos teve início. Contava-se, sem dúvida nenhuma,com uma conjuntura favorável do ponto de vista do surgimentode medidas em favor do acesso de indígenas aos cursos superioresuniversais, embora não houvesse um afinamento completo com asperspectivas políticas mais amplas de “inclusão social” do gover<strong>no</strong>Lula neste terre<strong>no</strong>, pois estes não dispunham de instrumentos específicospara atender às particularidades da situação indígena. 62Continuavam a existir como obstáculos a serem superados paraa implantação do projeto:1) A resistência dos setores tradicionalmente envolvidos com a educaçãoescolar indígena para discutir a educação superior indígenaem cursos universais;2) A necessidade de maior entrosamento entre as duas secretariasdo MEC criadas <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Lula ligadas ao assunto, a Secretariade Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) ea Secretaria de Educação Superior (Sesu);62 Para informações mais detalhadas sobre este aspecto da questão ver o capítulo“O contexto institucional-universitário”.96 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


3) A falta de um diagnóstico confiável anterior sobre a presença deindígenas <strong>no</strong>s ensi<strong>no</strong>s médio e superior que pudesse embasar asações do projeto, concebido, ao contrário do ocorrido com outrosprojetos da linha Pathways na América Latina, sem incluiruma etapa prévia de diagnóstico antes do início das ações;4) A falta de clareza e aprofundamento das discussões em tor<strong>no</strong> dacriação de universidades indígenas;5) A falta de recursos definidos institucionalmente para apoiar apresença dos estudantes indígenas <strong>no</strong>s cursos superiores (inclusive<strong>no</strong> âmbito das agências tradicionalmente ligadas ao fomentode pesquisas em nível universitário, como CNPq e Capes), umavez, que embora as leis de cotas garantissem o acesso, nada diziamquanto a medidas para garantir a permanência e o sucessodos estudantes, que ficavam ao sabor da boa vontade dos gover<strong>no</strong>sestaduais e dos interesses políticos dos administradoresuniversitários para a obtenção de bolsas de estudos; 636) A oposição às políticas de cotas pela maior parte dos integrantesde fóruns com influência nas medidas tomadas <strong>no</strong> campo daeducação, e com peso quanto à formação de opinião <strong>no</strong>s meiosacadêmicos, como o CNE e o Fórum de Pró-Reitores de Graduação(Forgrad).Por outro lado, esses mesmos obstáculos se constituíam, por assimdizer, na grande oportunidade de contribuição do projeto “Trilhas”.Tudo se iniciava e tudo estava por fazer, discutir e definir <strong>no</strong>campo da presença indígena em cursos universais, e quanto à criaçãode <strong>no</strong>vos currículos e cursos. Em grande medida, a adequação deum programa como o Pathways ao contexto brasileiro se deu exatamentedevido às lacunas deixadas pelas instâncias governamentais,que implantaram as cotas sem prever mecanismos institucionais, nasuniversidades, para dar suporte à permanência dos estudantes indígenas,inclusive financeiros. Daí a importância das ações do “Trilhas”como ações demonstrativas e modelares.A reelaboração operada em 2003 na versão inicial do projeto,finalizada em 2002, por sua vez, implicou <strong>no</strong> corte de praticamente63 Ver a este respeito descrição do processo de implantação de cotas para índios naUems <strong>no</strong> capítulo “Contexto institucional”.Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 97


todos os recursos disponíveis para as atividades de advocacy, essenciaisao andamento do projeto, e única maneira de lhe abrir a possibilidadede influenciar as políticas públicas do setor. Nesse sentido,vale registrar que a equipe não vislumbrava qualquer chance de “mudara estrutura das universidades brasileiras” em relação à presençade indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, objetivo definido inicialmente pelaFord, mas vislumbrava, sim, e considerava essencial para o sucessodo projeto, a possibilidade de estabelecer uma interlocução com ogover<strong>no</strong> que pudesse influir <strong>no</strong>s rumos das políticas públicas elaboradaspara aquele setor. Foi assim que, tendo que contar com recursosobtidos fora do âmbito do projeto, através da concorrência auma verba destinada pelo gover<strong>no</strong> <strong>no</strong>rueguês ao Fondo de InclusiónSocial do Banco Interamerica<strong>no</strong> de Desenvolvimento (BID), a equipeconseguiu montar o seminário de lançamento do projeto, reunindoos atores mais significativos <strong>no</strong>s âmbitos governamental e nãogovernamental envolvidos com a temática, bem como as principaislideranças indígenas da área educacional e do movimento indígenamais geral.Nesse contexto, vale destacar que a linha política definida pelaequipe do Laced, desde as primeiras discussões em 2002, pautou-sepor uma posição claramente diferenciada de perspectivas que orientavama ação de outros projetos da Fundação Ford ligados à educaçãosuperior, particularmente o International Fellowships Program(IFP), do qual Pathways deveria ser uma espécie de contraparte,contribuindo para a formação dos estudantes que posteriormentepoderiam candidatar-se às bolsas de pós-graduação fornecidas poraquele programa.Ocorre que, enquanto o IFP privilegiava a formação individualdos alu<strong>no</strong>s dentro de uma perspectiva de formação de lideranças ede projetos de ascensão social individual, a equipe do Laced sempreprocurou evidenciar, <strong>no</strong> caso indígena, a necessidade de contemplara dimensão “coletiva” de projetos associados a povos, dentro do espíritoda Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho(OIT), ratificada pelo <strong>Brasil</strong> em 2002, que definia os indígenas comotal. Nesse sentido, a coordenação do Laced sempre se preocupou emintegrar as discussões do projeto àquelas estabelecidas pelo movimentoindígena e seus representantes, situando-se nesse contexto a98 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


demanda quanto à presença de representantes indígenas <strong>no</strong> ComitêAssessor do projeto, com trânsito nas principais organizações indígenasdo país.Com isto, buscava-se também ampliar o debate para fora doâmbito estrito das organizações de professores indígenas e de seusassessores na Funai, <strong>no</strong> MEC, nas universidades e nas organizaçõesnão governamentais, incorporando à discussão setores envolvidoscom o estabelecimento de propostas mais amplas, voltadas nãoapenas ao debate específico sobre Educação, mas ao debate sobre agestão dos territórios indígenas, ou seja, ao assim chamado et<strong>no</strong>desenvolvimento.A própria escolha da equipe do Laced que conduziuo “Trilhas” refletia a visão de que o projeto não deveria se limitara operar com um enquadre ligado apenas ao campo da Educação eà discussão de questões pedagógicas, olhando sempre contextualmenteas intervenções e associando-as às lutas políticas mais amplasdos índios. Reconhecia-se, ao mesmo tempo, a necessidade de quea equipe dominasse minimamente o vocabulário, os conceitos e osdebates correntes <strong>no</strong> campo da educação escolar indígena, concentradosna formação de professores, pois os circuitos ligados a estaestariam entre os principais interlocutores do projeto.O debate sobre o conceito de interculturalidadeO conceito de interculturalidade assumira um papel-chave <strong>no</strong>s debatesligados à formação de professores indígenas. Segundo CéliaCollet (2006), <strong>no</strong> contexto brasileiro, o termo remontava às políticasde alfabetização introduzidas pelo Summer Institute of Linguistics(SIL) na década de 1950, e posteriormente endossadas pela Funai,que delegou ao SIL a responsabilidade por seu setor de educação. Osmissionários do instituto adotavam como técnica o “bilinguismo detransição”, utilizando as línguas indígenas apenas em um primeiromomento, como recurso didático para a alfabetização. Quando asperspectivas assimilacionistas daquele órgão passaram a ser contestadas,o modelo de alfabetização do SIL também se tor<strong>no</strong>u objeto decríticas. O termo “intercultural”, contudo, utilizado pelo instituto,continuou fazendo parte do vocabulário dos projetos implementadospelo “<strong>no</strong>vo” indigenismo, consagrado pela perspectiva multicultura-Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 99


lista da Constituição de 1988, e dos projetos de educação intercultural,bilíngue, específica e diferenciada que ele gerou.O ideário associado ao multiculturalismo e à interculturalidade,por sua vez, ganhara força na Europa na década de 1980, ligado àdefesa da presença e dos direitos de imigrantes naquele continente.Segundo Collet (2006), na Conferência Permanente dos Ministros daEducação em Dublin, em 1983, foi feita uma recomendação para quese desenvolvessem programas visando à formação dos professores,com ênfase na interculturalidade. As políticas nacionais de educaçãodesenvolvidas a partir de então para as mi<strong>no</strong>rias étnicas em algunspaíses europeus passaram a ter a intenção de romper com as práticasdominantes anteriores, chamadas de “integracionistas” e “assimilacionistas”.A educação intercultural se basearia, principalmente, naformação de professores, voltando-se para a promoção do respeito àdiversidade, e na produção de materiais didáticos que contemplassema pluralidade de culturas existentes <strong>no</strong>s países europeus 64 .O termo “interculturalidade”, portanto, tem sido utilizado comsentidos bastante díspares, e referido a projetos políticos nem sempreconvergentes. No caso específico das relações entre Estado e povosindígenas na América Latina, redefinidas a partir dos a<strong>no</strong>s 1980 e1990, ele tem sido empregado, sobretudo, para qualificar as relaçõesentre diferentes culturas, colocando-se o acento na <strong>no</strong>ção de igualdadeentre elas, de forma a distinguir-se, assim, do termo “pluriculturalidade”,associado apenas ao reconhecimento da presença dediferentes culturas dentro de espaços nacionais, sem a preocupaçãode conceituar as relações entre elas. Assim, <strong>no</strong> caso dos países lati<strong>no</strong>--america<strong>no</strong>s habitados por sociedades indígenas, o pluriculturalismoseria um fato e a interculturalidade uma aspiração. 65No campo da Educação, ele associou-se às propostas que substituíramo bilinguismo de transição promovido dentro do modeloassimilacionista do SIL e que introduziram uma perspectiva de ma-64 Collet também localiza como antecedentes do conceito de interculturalidade asexperiências desenvolvidas junto aos povos indígenas <strong>no</strong>s Estados Unidos, na décadade 1930, que contestaram as políticas assimilacionistas voltadas até entãopara aqueles povos. Estas experiências foram retomadas <strong>no</strong>s EUA na década de1960, constituindo mais uma vertente que ajudou a consolidar o ideário da interculturalidade(COLLET, 2006).65 Para resumo da palestra de Sylvia Schmelkes, ver Barroso Hoffmann (2004).100 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


nutenção e desenvolvimento das línguas indígenas, dentro da qual adiversidade (histórica, cultural, linguística, ecológica etc.) passou aser vista não como “barreira”, mas como “recurso”, e as colocaçõessobre a “unidade na diversidade” presentes na maioria dos discursospolítico-culturais e pedagógicos lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong>s referiam-seà unidade dos excluídos e marginalizados. O termo também temsido acionado para indicar a necessidade de diálogo entre “saberesindígenas” e “saberes ocidentais”, destacando-se tanto a necessidadedas populações indígenas terem acesso ao acervo de tradições identificadascomo “ocidentais”, como a importância das culturas indígenasserem valorizadas e reconhecidas pelas sociedades dos Estadosnacionais em que estão inseridas. Em alguns contextos, as tradições“ocidentais” têm sido abertamente desacreditadas, como tem sidopossível verificar em fóruns e congressos onde são debatidas estasquestões. 66Finalmente, vale registrar que, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o termo “intercultural”vem sendo utilizado por algumas lideranças indígenas, não sem umtom de crítica, para definir as “escolas do MEC”, isto é, aquelas queimplementam as propostas de educação intercultural bilíngue, específicae diferenciada, ditadas pela legislação brasileira e percebidascomo oferecendo um ensi<strong>no</strong> de qualidade inferior ao praticado pelasescolas regulares (BARROSO HOFFMANN, 2005b).Nos dois contextos em que o conceito de interculturalidade temsido utilizado, isto é, tanto dentro dos debates sobre multiculturalismoligados à presença de imigrantes na Europa e à afirmação dos66 Um bom exemplo a esse respeito pode ser retirado da palestra de uma professorauniversitária não indígena na I CIESI: “Considero que é preciso desaprender,isto é, conseguir sair dos conhecimentos fechados da cultura ocidental cristã.A condição para a democracia é o reconhecimento das diferenças <strong>no</strong> interiordas sociedades, e a busca de <strong>no</strong>ssas raízes com ancestrais que não são apenaseuropeus, mas também negros e índios” (BARROSO HOFFMANN, 2004). Ou,ainda, do depoimento de uma professora indígena <strong>no</strong> seminário “Desafios parauma Educação Superior para os Povos Indígenas”, ao explicar qual era o problemados professores indígenas em seu estado: “Muitos professores indígenas têmcurso superior na Paraíba, mas não o curso específico, o que gera uma educaçãodistorcida em relação à realidade da comunidade: não é que eles não tenham asua formação específica na própria aldeia, mas é esse método científico que estáatrapalhando” (Transcrição das fitas do GT 03 “Formas de Acesso à universidade:obstáculos e acúmulos <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior para os povos indígenas” <strong>no</strong>seminário “Desafios para uma Educação Superior para os povos indígenas”).Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 101


direitos dos povos indígenas, afrodescendentes e imigrantes <strong>no</strong>s EstadosUnidos, quanto <strong>no</strong>s circuitos ligados ao fim da perspectivaassimilacionista em relação aos povos indígenas na América Latina,o mesmo tipo de questionamento tem sido levantado, apontando-seser difícil medir em que nível a adoção do ensi<strong>no</strong> bilíngue é voltadoà valorização das culturas de origem dos alu<strong>no</strong>s promove de fato seuempoderamento ou diminui suas chances de inserção na sociedademais ampla, produzindo um efeito de guetificação e exclusão aindamaior, por não oferecer o nível de qualidade requerido para operarcom sucesso <strong>no</strong>s dois “mundos”. Mais do que isto, tem sido apontadotambém o fato de que os modelos de educação interculturaltendem a promover uma banalização da diferença, apoiando-se muitasvezes na construção de repertórios que cristalizam determinadostraços, reduzindo as complexidades das culturas e suas dinâmicas aalguns símbolos descontextualizados, como comidas, roupas e heróis,num processo de “folclorização” da cultura (COLLET, 2006).A escola, dentro dessa perspectiva, passa a se constituir em um espaçoprivilegiado de construção da fronteira étnica e de reproduçãosocial das diferenças.Montagem e repercussão do seminário Desafios para umaeducação superior para os Povos IndígenasO seminário “Desafios para uma Educação Superior para os PovosIndígenas”, de 2004, permitiu colocar em <strong>no</strong>vas bases o debate sobreo ensi<strong>no</strong> superior de indígenas, levantando a discussão, dentro doscírculos ligados à educação escolar indígena, sobre a presença indígenaem cursos específicos e universais. Talvez um dos resultadosmais significativos do seminário, nesta direção, tenha sido o fato deque se conseguiu alcançar um consenso em relação à compreensãode que a formação de professores indígenas em cursos de LicenciaturaIntercultural para atender às necessidades do ensi<strong>no</strong> fundamentale médio nas aldeias, e a formação de indígenas nas carreiras oferecidas<strong>no</strong>s cursos regulares do ensi<strong>no</strong> superior deveriam ser colocadascomo igualmente prioritárias, e não como caminhos mutuamenteexcludentes.Vale registrar, neste contexto, o fato de que o seminário permitiuque se resgatasse a história dos debates em tor<strong>no</strong> da aprovação102 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


do Pla<strong>no</strong> Nacional de Educação (PNE), em 2002, lembrando-se queseu formato final, <strong>no</strong> qual se associou a formação superior de indígenasapenas à carreira de magistério, citada na meta 17, sem mençãoà formação em outras carreiras, deveu-se, em grande medida, aproblemas de verba. Outras metas, contudo, propostas pelo ComitêNacional de Educação Indígena, do MEC, e cortadas na versão finaldo PNE, mencionavam a criação de mecanismos para ingresso,acompanhamento e manutenção de estudantes indígenas <strong>no</strong>s cursosregulares oferecidos pelas universidades públicas. 67Uma das consequências mais diretas da obtenção deste consenso,em um seminário que contou com um amplo leque de atores, representandoos principais setores governamentais responsáveis pelaspolíticas educacionais, científicas e de inclusão social do gover<strong>no</strong>,de órgãos de fomento internacional, professores universitários deinstituições federais, estaduais e privadas, líderes de organizaçõesindígenas e membros de organizações não governamentais comprometidascom a educação escolar indígena, 68 foi a inclusão <strong>no</strong> editaldo Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (Prolind),lançado em outubro de 2004 pela Sesu/MEC, de itens contemplando,conforme sugerido por seu título, os dois tipos de formaçãosuperior, específica, através do magistério indígena, e universal, istoé, nas demais carreiras oferecidas pelas universidades. 69As atividades de advocacy iniciadas pelo seminário “Desafios”também produziram um importante canal de diálogo entre a Secade a Sesu, permitindo concretizar na prática algo que até então encontrava-seinstituído apenas <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> formal. O papel de costura deste67 Cf. depoimento da professora Rosa Helena Dias da Silva, da Ufam, na transcriçãodas fitas do GT 02 “Experiências e propostas: modalidades de curso” doseminário “Desafios para uma Educação Superior para os Povos Indígenas”.68 No pla<strong>no</strong> governamental, além da Funai, estiveram representados <strong>no</strong> Seminário aSesu e a Secad, ambas do MEC; a Seppir; e o CNPq. Entre as agências de fomentointernacionais destacaram-se a Fundação Ford e o BID. Do setor universitário,além da Andifes, estiveram presentes nas mesas representantes de universidadesde todas as regiões do país, à exceção da região Sul. Das organizações indígenas,além das duas principais organizações de nível regional do país, a Coiab e aApoinme, também estiveram presentes integrantes de organizações de professorese estudantes indígenas, da CNPI e a representante indígena <strong>no</strong> CNE.69 Cabe registrar que <strong>no</strong>s dois editais do Prolind que se seguiram a este primeiro,em 2006 e 2008, as ações destinadas aos cursos universais não foram mantidas.Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 103


diálogo assumido pela coordenação do Trilhas de Conhecimentos,levou à participação de seu representante na Comissão de Seleçãodas propostas encaminhadas ao Prolind. O diálogo estabelecido como MEC também resultou em importante parceria <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> editorial,permitindo que o projeto Trilhas publicasse os quatro livros originalmenteprevistos para serem lançados apenas como e-books, comrecursos da Secad. A meta de constituir-se em interlocutor para aformulação de políticas públicas <strong>no</strong> campo da educação superior deindígenas levou ainda à participação da coordenação do projeto emtodas as reuniões regionais do Forgrad, 70 em 2005, para apresentarconferências sobre a questão indígena e o ensi<strong>no</strong> superior.ConclusõesEmbora a dimensão da pesquisa não estivesse presente na versãofinal do projeto Trilhas aprovada em 2003, foi possível introduzi-lae produzir alguns dados básicos para subsidiar as ações do projeto apartir da inserção na equipe de estagiários de iniciação científica. Foiassim que tor<strong>no</strong>u-se possível montar um mapeamento sobre as açõesafirmativas voltadas para índios em todas as universidades públicasdo país, e levantar as dezenas de proposições parlamentares ligadasa este tema, mostrando um pa<strong>no</strong>rama extremamente rico e variadode debates que um olhar apressado não permitiria aprender. 71Percebeu-se através destes levantamentos que, com raras exceções,a questão das ações afirmativas para índios aparecia sempreatrelada ao debate sobre cotas para afrodescendentes, quando nãoa outras categorias mais genéricas, como “estudantes carentes”, “estudantesde escolas públicas” e mesmo “deficientes físicos”. Tudoconfirmava a impressão inicial de que <strong>no</strong> debate nacional sobre políticasde promoção da diversidade e inclusão social, era dada poucaatenção às especificidades da questão indígena. Mais do que isso,percebia-se o risco de que fossem confundidos, <strong>no</strong> caso dos povos70 O Prograd é o único fórum a congregar universidades federais, estaduais, particularese militares e tem sido responsável pelas principais políticas de graduaçãodo MEC.71 Estes levantamentos estão disponíveis <strong>no</strong> site do projeto Trilhas: http://www.laced.mn.ufrj.br/trilhas104 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


indígenas, aquilo que era um direito constitucional, já regulamentadopor lei, com o espectro de ações temporárias e descontínuas quecaracteriza as políticas de ação afirmativa. 72Podemos indicar como <strong>no</strong>vidades aportadas pelo projeto Trilhas<strong>no</strong>s debates em curso sobre ações afirmativas e ensi<strong>no</strong> superior deindígenas os seguintes aspectos:1) Ter colocado o acento não sobre os projetos de ascensão individual,como <strong>no</strong> caso dos afrodescendentes, mas sobre a salvaguardada existência de “coletividades”, lidando-se com os índios enquantointegrantes de povos, tal como colocado na Convenção169/OIT, ratificada pelo <strong>Brasil</strong> em 2002; e com os direitos correspondentesa este estatuto, entre os quais o direito a seus territóriostradicionais de ocupação, correspondentes a cerca de 12%das terras do país. Nesse sentido, pode-se dizer que o projetologrou um cruzamento original entre a lógica das ações afirmativas,com perspectiva individualista, e as lógicas de defesa dosdireitos coletivos de povos.2) Em relação aos circuitos envolvidos com a educação escolar indígena,permitiu ampliar a discussão sobre a presença indígena <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> superior para além da questão da formação de professoresem nível de 3º Grau, voltando-a também aos cursos superioresuniversais, com todas as implicações pedagógicas, políticas eepistemológicas aí envolvidas.Finalmente, cabe ressaltar que o projeto abriu espaço para o debateextremamente complexo ligado às possibilidades, ainda malmapeadas e definidas, dos aportes que a presença indígena pode significarpara as universidades <strong>no</strong> que diz respeito a formas de incluir,de maneiras ainda por ser definidas, os assim chamados “conhecimentostradicionais” dos povos indígenas <strong>no</strong>s currículos. Em muitoscasos, mais do que incluí-los, como vem sendo reivindicado, a partirde uma oposição bastante simplista entre “ciência ocidental” e “saberestradicionais”, tratar-se-ia antes de reconhecer e visibilizar umapresença há muito tempo estabelecida em diversos campos e disci-72 Para uma análise mais aprofundada sobre estas questões ver Souza Lima e BarrosoHoffmann (2006).Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 105


plinas científicas, sem o devido crédito e os correspondentes aportesde benefícios, inclusive financeiros, que deveriam implicar para ospovos indígenas.Estas questões colocam a necessidade urgente de abrir-se um diálogoamplo, e em <strong>no</strong>vos moldes, com as disciplinas “ocidentais”, seusmétodos de pesquisa e horizontes teóricos, para pensar-se sobre aspossibilidades de uma interação mais equânime entre estas e os “saberestradicionais” dos povos indígenas, já amplamente reconhecidos emcampos como os da indústria farmacêutica, da et<strong>no</strong>biologia, da engenhariade alimentos, apenas para citar os mais conhecidos e que têmsido objeto das polêmicas mais recentes ligadas a problemas de patenteamentoe remuneração de direitos de propriedade intelectual. 73Nesse sentido, a formação de representantes indígenas qualificadospara acompanhar os debates travados hoje em tor<strong>no</strong> do reconhecimentojurídico dos direitos intelectuais coletivos associados aos“conhecimentos tradicionais” é algo também absolutamente urgentee que pode definir rumos centrais para os projetos de futuro dessespovos bem como recursos para sua sobrevivência. 74É preciso também que haja uma melhor qualificação para os debatesque fatalmente voltarão a se colocar sobre a oportunidade decriação de uma universidade indígena, atendendo a uma reivindicaçãode parte das lideranças indígenas sobre o acesso, participaçãoe controle da produção de conhecimentos sobre seus povos. Estesdebates não devem passar ao largo da tentativa de mapeamento dasáreas de interface já existentes entre as universidades e os povos indígenas<strong>no</strong>s diversos campos de saber. De especial interesse para essasdiscussões será, sem dúvida, o exame do acervo de conhecimentosreunidos pelos diversos ramos da Antropologia, responsável peladescrição e análise de parte considerável do patrimônio material eimaterial de boa parte dos povos indígenas que habitam hoje o territóriobrasileiro, de suas técnicas e meios de vida, bem como de73 Para uma boa introdução a esta temática e de questões surgidas em tor<strong>no</strong> delaentre os Krahô, ver Ávila (2004).74 Para o detalhamento do quadro legal atualmente em debate sobre esta temáticaver Santilli (2005) e o site do Instituto Indígena <strong>Brasil</strong>eiro para Propriedade Intelectual(Inbrapi) (www.inbrapi.org.br ).106 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


suas línguas, costumes e crenças, enfim, de tudo aquilo que pode serabrigado sob o conceito genérico de “cultura”.Estamos diante, assim, da oportunidade de ultrapassar o debatesobre o acesso individual de estudantes indígenas à universidade edas questões de permanência associadas a ele, principalmente quantoà concessão de bolsas que garantam sua sobrevivência durante operíodo dos cursos, e de entrar <strong>no</strong> debate mais institucional, sobreas contribuições que os diversos cursos universitários podem aportarpara os projetos de futuro dos povos indígenas e para a sobrevivênciadaqueles que tiverem interesse em se manter enquanto gruposculturalmente diferenciados.Da formação de professores à presença indígena <strong>no</strong>s cursos universais 107


O ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas: acontribuição da Funai para a constituição depolíticas públicasMaria Helena S. S. FialhoGustavo Hamilton MenezesAndré R. F. RamosAté o final dos a<strong>no</strong>s 1980 a Fundação Nacional do Índio (Funai)era a única instituição responsável pela oferta da educação escolarindígena. Na mesma época, a demanda por educação superior nãochegava a 200 estudantes indígenas em todo <strong>Brasil</strong>. O atendimentoera feito com orçamento próprio por meio de pagamento de mensalidades,aquisição de material didático-pedagógico, hospedagem e alimentaçãoem casas de estudantes, mantidas pela Funai. O acesso dosestudantes indígenas ao ensi<strong>no</strong> se dava, principalmente, através deinstituições particulares. Esse quadro se alterou em meados dos a<strong>no</strong>sde 1990 quando houve uma explosão da procura por formação acadêmicaentre os povos indígenas. Desde então, a demanda cresceu,motivada pela necessidade de profissionais indígenas qualificados einseridos em contextos políticos e socioculturais que colaborassemcom a luta pela conquista da auto<strong>no</strong>mia e da sustentabilidade decada povo, sem prejuízo para suas culturas, línguas e conhecimentos.Na mesma década o orçamento da Funai diminuiu drasticamentee o atendimento passou a ser realizado com extrema dificuldade.A partir de 2000 as 34 casas de estudantes existentes foram quasetodas desativadas em razão da ausência de aporte técnico e financeiropara geri-las de forma adequada. Além disso, houve outrosproblemas desencadeados principalmente pelo distanciamento entreos estudantes indígenas e suas comunidades. A distância levava àqueda <strong>no</strong> rendimento acadêmico e também a uma difícil convivência<strong>no</strong> interior das casas, onde não raro ocorriam desentendimentose conflitos, frequentemente motivados ou acirrados pelo abuso <strong>no</strong>consumo de bebidas alcoólicas.O ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas 109


Pelo Decreto n. 26 (1991) a Funai tinha a obrigatoriedade da execuçãoda educação escolar. Mesmo depois de alterações deste decreto,pela falta de uma política nacional de educação superior para ospovos indígenas a Funai continuou a ser a única instituição nacionala ter em sua programação anual, por meio do Pla<strong>no</strong> Plurianual, umaação para apoio aos estudantes indígenas fora de suas aldeias. Talação, <strong>no</strong> entanto, caracteriza-se por ser pontual, uma vez que nãocontava com recursos adequados para atender a todos os estudantes.Ainda assim, com o intuito de potencializar os recursos e o apoioaos estudantes, a Coordenação Geral de Educação (CGE), criada em2001, consolidou várias parcerias e convênios com universidades públicase algumas com instituições particulares. Esta <strong>no</strong>va orientaçãoimpulsio<strong>no</strong>u fortemente a criação de cursos e programas específicospara os povos indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior. É importante registrarque a CGE também usava seus recursos para dar apoio aos estudantesdo ensi<strong>no</strong> fundamental e médio que frequentaram escolas fora desuas aldeias.Em cursos de graduação, atualmente, a CGE apoia financeiramentecerca de 1.900 indígenas, estando cerca de metade deles naslicenciaturas interculturais e a outra metade distribuída em diversoscursos regulares. Nas licenciaturas apoiadas pela Funai, o recursoinvestido tem garantido principalmente o transporte dos estudantesentre as aldeias e os locais dos cursos. Para os estudantes em cursosregulares, a CGE paga mensalidade, transporte, alimentação, hospedageme material escolar.Uma vez que a Funai trabalha com recursos huma<strong>no</strong>s e financeiroslimitados tal apoio é insuficiente. Dessa forma, pela limitação derecursos e pela inexistência de uma política mais ampla, existe aindauma maioria de estudantes indígenas sem qualquer tipo de apoioinstitucional. Para esses, as redes familiares ou comunitárias são aúnica alternativa de apoio. Nesta modalidade informal concorremrecursos diversos como benefícios sociais dos idosos ou do saláriode algum parente empregado. Ainda assim, a maioria dos estudantesnão tem como arcar com as despesas da vida urbana e acadêmica.Frustrados, acabam por desistir da formação superior, tão necessáriaàs comunidades indígenas. Registre-se, ainda, a existência de110 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


uma grande demanda não calculada formada por aqueles que sequerconseguem acessar as instituições de ensi<strong>no</strong> superior.Durante todo o período da atual gestão da CGE, a Funai buscouintensamente junto ao Ministério da Educação (MEC) soluções einiciativas para a concepção e instauração de uma política nacionalde acesso e manutenção <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior para os povos indígenas.Essas tentativas ocorreram por meio de audiências com ministros esecretários de educação superior, assim como por meio do encaminhamentode reivindicações e demandas à Secretaria de EducaçãoSuperior (Sesu) e à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizaçãoe Diversidade (Secad/CGE), ações que não obtiveram resultadosdefinitivos na direção de uma política que contemplasse osindígenas em cursos de graduação. Sublinha-se, ainda, que em todosos seminários, encontros, audiências públicas e reuniões com professores,estudantes e lideranças indígenas, acompanhados pela CGE,tem sido firmemente apontada a necessidade urgente de uma políticaglobal para o acesso e manutenção dos estudantes indígenas nas universidades.Sem essa definição, o esforço que a Funai vem realizandonão passará de uma ação isolada.Ainda que, mais recentemente, por meio de um esforço conjuntoentre o Secad/MEC e a CGE/Funai tenham sido abertos espaços dediscussão na busca da tão necessária política educacional indígena,a situação atual de ausência de uma política governamental para aeducação superior dos povos indígenas se perpetua. Como a ressalvade que as ações implementadas não significam avanços <strong>no</strong> contextodas políticas específicas mais amplas, passamos a relatar as principaisiniciativas e articulações empreendidas pela CGE, desde suacriação.A difícil tarefa de escolher: critérios de seleção e instrumentosjurídicos reguladoresDiante da impossibilidade de atender a todos os estudantes indígenasque reivindicam o apoio da Funai, a CGE empenhou-se em elaborarcritérios claros para definir a seleção dos estudantes beneficiários doapoio financeiro da Funai. Tais critérios foram transformados eminstrumentos jurídicos efetivos, por meio de sua publicação de portariasinstitucionais. O primeiro desafio na construção desses crité-O ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas 111


ios foi garantir que apenas candidatos indígenas pudessem concorrerao “benefício/apoio”.Foram retomados os critérios mais comumente aplicados paraaveriguação das identidades étnicas. A autodeclaração logo se destacoucomo o critério mais legítimo, uma vez que sua ênfase recaisobre a <strong>no</strong>ção própria de pertencimento de cada indivíduo a umacoletividade. Além disso, a autodeclaração já havia sido reconhecidacomo principal critério para definição de identidade étnica por importantesinstrumentos jurídicos internacionais, dos quais o <strong>Brasil</strong> ésignatário, tais como a Convenção 169 da Organização Internacionaldo Trabalho (OIT) e a Declaração dos Povos Indígenas. Havia,<strong>no</strong> entanto, um problema a ser superado: o fato da autodeclaraçãoenglobar <strong>no</strong> mesmo bojo indivíduos pertencentes a comunidades epovos indígenas reconhecidos, assim como indivíduos que possuíamapenas uma vaga ideia de que algum de seus ancestrais teria sidomembro de um povo indígena. Assim sendo, a autodeclaração traziao risco de superdimensionar a população indígena e privilegiarindivíduos que não eram alvo da política que se estava construindo.Considerou-se, então, que a autodeclaração deveria ser acompanhadade uma declaração da comunidade sobre a condição étnica doestudante indígena, a qual deveria ser assinada por lideranças oumembros reconhecidos do povo. Com isso, buscou-se evitar a candidaturade estudantes sem fortes vínculos com suas comunidades ecom a questão indígena.A exigência da declaração da comunidade gerou, <strong>no</strong> interior dascomunidades indígenas, uma ampla reflexão sobre os critérios maislegítimos para se definir alguém como membro ou não de um povo.Importante sublinhar que tais critérios mudam de um povo para outro.Cada um deles leva em conta aspectos históricos e culturais particulares.Os Fulni-ô, por exemplo, têm considerado como membros dogrupo apenas aqueles que participam efetivamente do Ouricuri, umritual religioso que acontece anualmente; para os Guarani Kaiowáo conhecimento e domínio da língua define o pertencimento; paraoutros o fundamental é o nascimento e o crescimento nas aldeias;e ainda há aqueles que usam como principal critério a descendênciafamiliar, independente do local de nascimento, moradia ou conhecimentoda língua. Em todos os casos a decisão cabe à comunidade.112 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Diferente da questão da afrodescendência, onde determinados fenótipose a aparência geral são importantes, entre os povos indígenasa questão da aparência (raça) em muitos casos não é definidora. Ofundamental para os povos indígenas não é a existência de “traços”físicos, mas o pertencimento sociocultural a um determinado povo.Afinal, com o passar dos séculos a miscigenação foi intensa, especialmente(embora não exclusivamente) nas regiões litorâneas. Noconjunto da população brasileira ainda prevalece o estereótipo doíndio de cabelos lisos e negros, olhos puxados, pele bronzeada, adereçosde penas. Contudo, sabe-se que tais elementos não garantem aninguém uma identidade étnica e que, para desconcerto de muitos,indígenas considerados fe<strong>no</strong>tipicamente “legítimos” apresentam-sesob as mais variadas aparências, enquanto outros que atendem aoestereótipo estão longe de serem aceitos entre os povos indígenas daatualidade.Com a ênfase <strong>no</strong>s aspectos socioculturais de cada povo, a Funaie todos os que participaram da criação dos critérios buscam privilegiara centelha de identidade e diferença, de pertencimento e tradiçãoque ainda brilha <strong>no</strong> interior de cada comunidade e <strong>no</strong> peitode cada indivíduo que é reconhecido e reconhece a si próprio comomembro de um povo indígena. Além de garantir que os estudantescontemplados sejam efetivamente membros de povos indígenas, taiscritérios sublinham que o apoio oferecido deve, por meio de cada estudante,contemplar suas comunidades. Ou seja, os critérios ajudama compor a ideia de que o apoio financeiro visa, em última instância,incentivar a formação de profissionais indígenas qualificados e comprometidoscom a auto<strong>no</strong>mia política e a qualidade de vida de seuspovos indígenas.Não obstante essas iniciativas em diferentes regiões do país aindase verifica a existência de casos de indígenas que estão sendo apoiadospela Funai a partir de uma ótica individual, sem a anuência ou indicaçãodas comunidades ou organizações indígenas. ConsiderandoO ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas 113


que <strong>no</strong>s últimos cinco a<strong>no</strong>s a principal meta da Funai/CGE tem sidoestabelecer e fortalecer, junto às universidades públicas (estaduaise federais), programas e iniciativas que contemplem as demandasindígenas; e considerando a necessidade de se fornecer informaçõesclaras e coerentes sobre os critérios de seleção ao suporte financeiroda Funai, as Unidades Regionais da Funai têm sido orientadas a tomarcomo base os critérios contidos na Portaria 63/PRES/06. Estaportaria foi publicada com o objetivo de ordenar o atendimento aosestudantes, considerando a necessidade de se estabelecer critériosque assegurem a oportunidade com base em princípios de igualdadede condições para todos os indígenas, como também a realidade orçamentáriada Funai frente à demanda crescente de estudantes indígenasem busca de ingresso e manutenção em cursos de graduação.A referida portaria apresenta como critérios principais a autodeclaraçãodo candidato; a apresentação de documento da comunidadedeclarando o interesse na formação do mesmo; e uma proposta detrabalho a ser desenvolvida pelo alu<strong>no</strong> durante e após o curso, preferencialmentejunto à sua comunidade.Não obstante a definição de critérios que buscam garantir umatendimento de forma mais adequado, o questionamento dessa políticavem ganhando espaço entre os indígenas e tende a ser superadoà medida em que a execução do orçamento público era vinculada aprogramas, projetos e a ações de gover<strong>no</strong> planejados com transparência,bem como com o estabelecimento de mecanismos que assegurassema participação de representantes indígenas nas diferentesinstâncias governamentais responsáveis pela definição, implementaçãoe avaliação dessas políticas sociais.Reflexão sobre as experiências criadas até hoje: cursosespecíficos de licenciatura intercultural e o ingresso em cursosregularesCom a ausência de uma diretriz governamental que implantasse alicenciatura intercultural indígena como curso obrigatório nas universidadespúblicas, o recurso adotado pelos vários setores do movimentoindígena e indigenista para implantar seus cursos, aí incluídaa Funai, foi o de construir parcerias com as universidades sensíveisà questão indígena. A primeira universidade a implantar um curso114 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


de licenciatura para indígenas foi a <strong>Universidade</strong> Estadual de MatoGrosso (Unemat). Em 2001, foi aberto um processo de discussão doqual participaram representantes indígenas, especialistas e representantesde várias instituições como a Funai, a <strong>Universidade</strong> Federalde Mato Grosso (UFMT), a Secretaria de Educação e Conselho Estadualde Educação. Também como resultado do amplo processo dediscussão e das parcerias interinstitucionais encabeçadas pela Funaie pelo MEC, dois a<strong>no</strong>s depois em Roraima entrou em funcionamentoo Curso de Licenciatura Intercultural/Núcleo Insikiran, da <strong>Universidade</strong>Federal de Roraima (UFRR).Os vários cursos de licenciaturas específicas já em andamentosomam experiências que <strong>no</strong>s permitem fazer um balanço dos principaisavanços e desafios. 75 Por certo o Prolind (2005) constitui umincentivo à consolidação das propostas com esse caráter, <strong>no</strong> entanto,ainda não corresponde às necessidades das demandas dos povosindígenas, situação que se encontra associada aos limites orçamentáriose às dificuldades enfrentadas pelas instituições de ensi<strong>no</strong> superior(IES) em atuar com um <strong>no</strong>vo aporte institucional e acadêmicona educação intercultural. Dentre os méritos desses cursos está ofato deles registrarem baixo índice de desistência, uma vez que turmascompostas apenas por indígenas criam maior entrosamento ebem-estar entre os estudantes. Também o corpo docente das licenciaturasé, via de regra, mais sensível à questão indígena e às peculiaridadesde cada cursista, buscando, frequentemente, alternativaspedagógicas i<strong>no</strong>vadoras. Outro mérito das licenciaturas específicasé o de formar números expressivos de profissionais, ajudando a diminuira carência de profissionais indígenas qualificados para atuarnas aldeias, <strong>no</strong>s quadros das séries finais do ensi<strong>no</strong> fundamental edo ensi<strong>no</strong> médio.Por outro lado, as licenciaturas também se diferenciam bastanteentre si. Algumas atendem exclusivamente a um povo, como é o casoda <strong>Universidade</strong> Federal da Grande Dourados (UFGD) (Guarani75 Trata-se aqui especialmente das seguintes universidades: <strong>Universidade</strong> Federal deRoraima (UFRR), <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato Grosso (Unemat), <strong>Universidade</strong>Federal do Acre (Ufac), <strong>Universidade</strong> Federal do Amapá (Unifap), <strong>Universidade</strong>Federal de Minas Gerais (UFMG), <strong>Universidade</strong> Federal de Goiás (UFG), <strong>Universidade</strong>Estadual da Bahia (Uneb).O ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas 115


Kaiowá) e da <strong>Universidade</strong> do Estado do Amazonas (UEA) (Tikuna).Outras atendem a uma ampla gama de povos, tais como a Unemat, aUFRR e a Unifap. No caso das instituições que atendem a múltiplasetnias, há o desafio de lidar com povos com diferentes histórias decontato, assim como o de conciliar conteúdos linguísticos variados.Outro desafio refere-se ao período em que ocorrem as aulas das licenciaturas.Os cursos geralmente optam por períodos presenciaisintensivos, durante as férias das escolas onde muitos trabalham.Assim, os universitários, muitas vezes professores em suas aldeias,seguem uma rotina pesada. Ao final de 30 ou 40 dias de estudosintensivos acusam cansaço. Há ainda dificuldades para a realizaçãodas etapas de acompanhamento nas aldeias. Nos períodos de trabalhoe residência nas aldeias os universitários procedem a seus estudose pesquisas de modo que esse é também um importante período <strong>no</strong>processo de aprendizagem e <strong>no</strong> exercício das práticas científicas aplicadasà educação. Para a etapa do trabalho nas aleias as dificuldadesestão relacionadas ao pouco tempo disponível para realizar trabalhosde campo. Some-se a isso a dificuldade de deslocamento doslocais dos cursos para as áreas indígenas. A experiência da UFRR,através de um quadro específico de professores com lotação funcional<strong>no</strong> Núcleo Insikiran tem apontado soluções significativas paraesses problemas.No que diz respeito aos programas de incentivo ao acesso ao ensi<strong>no</strong>superior do gover<strong>no</strong> federal existem fatos positivos e várias controvérsias.Um exemplo é o Prouni que tem como finalidade “implantare avaliar estratégias para promoção do acesso ao ensi<strong>no</strong> superiorde pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavoráveis, especialmentedos afrodescendentes e indígenas”. Muitas universidadespúblicas, a maioria federais, aderiram ao Programa ou, mesmo quenão formalmente, absorveram seus princípios na definição de políticasde estímulo ao acesso de afrobrasileiros e indígenas ao ensi<strong>no</strong>superior. É o caso da <strong>Universidade</strong> Federal de São Carlos (UFSCar) ede universidades públicas do Paraná que tem demonstrado uma atitudebastante cuidadosa <strong>no</strong> que diz respeito aos exames de seleção.Apesar da Funai atualmente possuir acordos de cooperação comoito universidades públicas que mantém estudantes indígenas emcursos de graduação, com critérios específicos de ingresso e apoio116 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


para sua manutenção, esta constitui uma ação com clara limitaçãoorçamentária. Na maioria delas é bastante baixo o valor do apoiofinanceiro, embora seja crescente a demanda de estudantes indígenaspelos cursos universitários. Outro aspecto a considerar, é o fato deque nem todas as universidades públicas são favoráveis à adoção deprogramas de ações afirmativas. O caso exemplar é o da <strong>Universidade</strong>Federal de Pernambuco (UFPe). O estado possui uma populaçãode aproximadamente 40 mil indígenas, e a universidade é contráriaà definição de um programa de acesso para indígenas <strong>no</strong>s cursosregulares de graduação. Observa-se também que existem e<strong>no</strong>rmesdificuldades para que as IES assumam essas experiências como projetosinstitucionais, pois a realidade mostra que, em alguns casos,ainda são iniciativas isoladas e de responsabilidade de um ou de outroprofissional.Retomando a questão das controvérsias em relação aos programas,apesar de destacado por alguns setores de gover<strong>no</strong> como umaação que atende às necessidades dos indígenas em ingressar em cursossuperiores, o Prouni tem sido alvo de questionamentos contínuospor parte do movimento indígena. Segundo o movimento, por favoreceras iniciativas de caráter individualista e principalmente devidoà margem de dúvida deixada pelo critério adotado, o programa nãoatende às expectativas dos projetos societários. Aliás, não só o Prouni,mas também o Reuni apresenta problemas. Para a definição donúmero de vagas o Reuni toma como referência os dados do últimocenso do IBGE. Em função disso, <strong>no</strong> ato de inscrição o candidatofaz uma autodeclaração, identificando-se como indígena. Esse procedimentogera desentendimentos e são frequentes as reclamaçõesde lideranças indígenas, algumas vezes formalizadas junto ao MinistérioPúblico, quanto ao ingresso de estudantes não indígenas nasvagas definidas como para atender a um percentual indígena, nesteprograma.Diante dos embates e buscando ampliar as ações relacionadas aoensi<strong>no</strong> superior para indígenas, a Funai vem apoiando iniciativas <strong>no</strong>sentido de que as discussões sejam contextualizadas, segundo as realidadeslocais e regionais, e que os próprios indígenas possam tomarparte <strong>no</strong> processo de discussão de suas demandas, inclusive estabelecendo,eles próprios, negociações e construções de alianças com asO ensi<strong>no</strong> superior e os povos indígenas 117


instituições de ensi<strong>no</strong> superior. É também objetivo da Funai garantira participação dos indígenas na discussão, planejamento e execuçãodas experiências inerentes às chamadas “políticas afirmativas ”, asquais não correspondem apenas aos programas governamentais massão, sem sombra de dúvida, uma demonstração de que a realidadepode ser modificada se cada ator social cumprir, de fato, seu papel.Entre os povos que estão pautando essa temática não há consensoentre as formas de apoio disponibilizadas pela Funai e o amparolegal para atendimento às demandas individuais. A necessidade de segarantir êxito na formação desses profissionais vem acompanhadada importância de avaliar o impacto da formação desses profissionaisem/para suas comunidades. Por um lado, é necessário reconhecerque as tentativas/experiências que vêm sendo construídas pelaFunai, e/ou com sua participação, resultam de permanente reflexãoacerca do que é identificado como ação pontual e da urgência dedefinição de políticas específicas de modo que as IES priorizem ainserção dos estudantes indígenas em seus programas de apoio aoestudante, incluindo nelas condições para hospedagem, alimentação,transporte (inclusive <strong>no</strong> período de férias) e as demais despesasinerentes à sua permanência <strong>no</strong>s cursos. Por outro, já que o principalobjetivo é fomentar/criar melhores condições de vida para os povosindígenas de acordo com seus projetos societários, é necessário reconheceros desafios colocados/identificados <strong>no</strong> contexto da definiçãodos princípios e critérios a embasam a política a ser construída.118 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Educação superior indígena: de que estamosfalando? 76Renata Gérard BondimIntroduçãoEm 27 de agosto de 2008 o Supremo Tribunal Federal (STF) deu inícioao julgamento da ação pela anulação da portaria do Ministérioda Justiça (MJ) que determina os limites da Terra Indígena RaposaSerra do Sol (TIRSS). Há mais de 30 a<strong>no</strong>s lutando pela posse de suasterras, os povos indígenas Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Patamonae Taurepang que lá vivem terão uma decisão que poderá reafirmar oque está previsto na Constituição de 1988 ou abrir precedentes paraque não apenas os povos da TIRSS percam o direito da demarcaçãocontínua, como também abra-se precedente para o questionamentoda demarcação de outras áreas indígenas. 77Joênia Batista de Carvalho, índia wapixana, primeira entre osíndios a ser diplomada em Direito <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, fundamenta sua defesana própria Constituição Federal: “Se o Supremo aplicar o que jáexige, estaremos tranquilos”. Foi o que disse, em várias entrevistasnas diferentes mídias, a advogada wapixana que protocolou o pedidopara defender oralmente a causa <strong>no</strong> STF. Situação emblemática,simbólica e realista da condição dos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> <strong>no</strong>século XXI. Sua atuação da advogada traz à cena nacional a con-76 As considerações aqui apresentadas partem de um trabalho de consultoria realizadojunto ao Departamento de Política da Educação Superior da Secretaria deEducação Superior do Ministério da Educação (Depes/Sesu/MEC), entre julho de2004 e março de 2006. Têm ainda por base minhas experiências anteriores comolinguista junto ao povo Yawalapiti (Aruak), <strong>no</strong> Xingu, entre 1976 e 1978; e comoassessora de educação, junto ao Programa de Formação de Professores dos povosindígenas do Acre, entre 1985 e 1987.77 Texto entregue aos editores em 2008. Em março de 2009, o STF decidiu-se pelademarcação contínua do território indígena de Raposa Serra do Sol (<strong>no</strong>tas doseditores ).Educação superior indígena: de que estamos falando? 119


cretização de lutas seculares dos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> pelo seureconhecimento como povos que têm direito à “sua organização social,costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos origináriossobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à Uniãodemarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (<strong>Brasil</strong>,1988, Constituição Federal cap. VIII, art. 231.) e como partes legítimas,sejam os índios, suas comunidades e organizações “paraingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindoo Ministério Público em todos os atos do processo” (<strong>Brasil</strong>, 1988,Constituição Federal cap. VIII, art. 232). Sabe-se, <strong>no</strong> entanto, queo cumprimento de Constituição não é simples. Mais do que desejo,faz-se necessário que a sociedade nacional, aí incluídos os povos indígenas,tenham condições de exercer os direitos de cidadania garantidosna letra da lei.Nosso interesse em relação a essa cena diz respeito por um ladoà condição acadêmica de bacharel em Direito da índia wapixana e,por outro, à interligação entre a identidade indígena, a posse dosterritórios que habitam e permanência dos povos indígenas nessasterras. Na condição da advogada Joênia permitiu que os povos porela representados, e por extensão todos os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,vissem o exercício e usufruto efetivo de um direito constitucional: ode defesa de seus direitos e interesses. Essa condição foi obtida pormeio da educação superior. Não apenas da graduação, mas de umagraduação cursada por índios que vivem e querem continuar vivendo<strong>no</strong>s termos de “sua organização social, costumes, línguas, crençase tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmenteocupam”, isto é, mantendo uma identidade indissociáveldas terras que tradicionalmente ocupam. É desta educação superiorindígena que estamos falando.Falamos de uma educação indígena que resulta de uma políticapública, capitaneada pela União que promova e garanta as condiçõesprogramáticas, políticas e orçamentárias necessárias a uma educaçãosuperior comprometida com os valores e necessidades dos 235povos indígenas do <strong>Brasil</strong>. Trata-se de uma educação que incorporeos conhecimentos dos povos indígenas, diretriz essa complexa e queexige cuidados. Não se trata apenas da academia e da universidadese apropriarem desses conhecimentos, mas de criarem os meios para120 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


a participação direta dos indígenas nas atividades e na definição daspolíticas universitárias. Esses indígenas, portadores dos conhecimentosde um povo não devem ser apenas reconhecidos pela academia,devem ser identificados em suas comunidades porque representam avisão de mundo dos povos indígenas.A legislação de educação em vigor já garante e tem avançado naexpansão do ensi<strong>no</strong> fundamental a todos os cidadãos brasileiros,inclusive aos povos indígenas. Reconhece o direito dos indígenas auma educação diferenciada e de qualidade, caracterizada pela utilizaçãodas línguas maternas, pela valorização dos conhecimentostradicionais e saberes milenares e pela capacitação de professoresindígenas capazes de atuar em suas próprias comunidades. 78Desde 2002 a educação escolar indígena, diferenciada e de qualidade,é também garantida pela Convenção 169 da OrganizaçãoMundial do Trabalho (OIT). Com base na OIT, o reconhecimentoefetivo da educação indígena diferenciada e de qualidade apontainclusive para o direito desses povos de criarem suas próprias instituiçõese meios de educação, possibilitando o ensi<strong>no</strong> ministradotambém na língua indígena, a formação de membros desses povos ea participação na formulação e execução de programas de educaçãode modo a atender as suas necessidades particulares, abrangendosua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valorese todas as suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais.Para não irmos muito longe na história de construção da educaçãosuperior para os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e reconhecendo queos avanços verificados <strong>no</strong> âmbito das políticas públicas educacionaispara os indígenas são decorrentes de movimentos indígenas organizadosque há décadas vêm lutando em várias esferas da sociedadebrasileira para a afirmação da auto<strong>no</strong>mia e autodeterminação dospovos, retomemos as bases e os objetivos que devem orientar umapolítica pública de educação superior indígena <strong>no</strong> país.78 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394 de 20.12.1996) e oPla<strong>no</strong> Nacional de Educação (Lei n. 10.172 de 09.01.2001).Educação superior indígena: de que estamos falando? 121


Subsídios para avaliação da educação escolar indígena, 2004 a2005As atividades que desenvolvi junto ao Departamento de Política daEducação Superior da Secretaria de Educação Superior do Ministérioda Educação (Depes/Sesu/MEC) com o objetivo de gerar subsídiosvisando à formulação de uma política pública para atender àsdemandas de programas que garantissem o acesso e a permanência,com qualidade, de indígenas em cursos de nível superior, tiveraminício com minha participação, como representante da Sesu. Na ocasião,participei de dois expressivos eventos: a “SBPC Indígena’, ocorridadurante a 56ª Reunião Anual da Sociedade <strong>Brasil</strong>eira para oProgresso da Ciência (SBPC), de 18 a 23 de julho, Cuiabá em 2004; eo Seminário “O ensi<strong>no</strong> superior de Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>”, promovidopelo Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento(Laced), em setembro de 2004, em Brasília.Nesses eventos, cujo principal objetivo era ampliar as discussõese aumentar a visibilidade dos povos indígenas, de suas reivindicaçõespor educação superior e da produção acadêmica dos estudantes universitários,foi possível perceber não só o avançado estágio de discussãosobre educação escolar para os povos indígenas, particularmente<strong>no</strong> âmbito da educação superior, como também o aprofundamento ealto grau de politização em outros temas da pauta de políticas afirmativaspara povos indígenas, tais como, eco<strong>no</strong>mia, meio ambientee sustentabilidade, a imagem do índio na mídia nacional, cosmologiae espiritualidade indígena, saúde e conhecimento tradicional,eco<strong>no</strong>mia e sustentabilidade em terra indígena, política linguística eformação e as leis e os povos indígenas. Dentre os diversos relatossobre educação escolar indígena destacaram-se as duas experiênciasjá em curso de projetos de formação de professores indígenas emnível superior: o Terceiro Grau Indígena, da <strong>Universidade</strong> Estadualde Mato Grosso (Unemat), em seu terceiro a<strong>no</strong> de desenvolvimento,com 200 professores-estudantes indígenas que se autoclassificavamcomo acadêmicos, de diferentes etnias de várias regiões do <strong>Brasil</strong>; ea Licenciatura Intercultural do Insikiran, da <strong>Universidade</strong> Federal deRoraima (UFRR), em seu primeiro a<strong>no</strong>, com 120 acadêmicos indígenasde diferentes etnias do estado de Roraima.122 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


De imediato, impõe-se à reflexão <strong>no</strong> cenário da educação superiorindígena, a particularidade do público-alvo, que não apenas justifica,mas exige uma política pública. A peculiaridade da categoria“indígena” se deve ao fato de ela remeter à especificidade de cada umdos 235 povos indígenas, falantes de um elenco de cerca de 180 línguasmaternas, vivendo em regiões que também apresentam característicasdiferentes do ponto de vista social, geográfico, econômico,político-administrativo e político-partidário. Cada um desses povostem de ser pensado em termos de suas formas de expressão, seus modosde criar, fazer e viver, suas criações científicas, artísticas e tec<strong>no</strong>lógicas,bem como de suas obras, objetos, documentos, edificaçõese demais manifestações socioculturais. São formas e modos que singularizamcada povo indígena, que tem garantido na ConstituiçãoFederal o direito ao reconhecimento e manutenção de sua identidadecomo povo e como integrante da diversidade humana que compõe anação brasileira. Outro aspecto constitutivo do campo de ação aquireferido é a diversidade de atores que, ao longo de pelo me<strong>no</strong>s trêsdécadas, vem, em suas diferentes esferas de atuação, empreendendoesforços de forma independente e às vezes integrada para fazer avançarprogramas e projetos <strong>no</strong> âmbito da educação escolar indígena emtodos os níveis de ensi<strong>no</strong>.Pelo Decreto Presidencial 26/91 o MEC passou a ter, por meiode suas secretarias, a atribuição de coordenar a educação indígena.Além do MEC se destacam outros agentes, entre eles a FundaçãoNacional do Índio (Funai) e organizações da sociedade civil. Entreessas últimas se encontram diversas organizações não governamentais(ONGs) de Interesse Público (de cunho religioso ou não) queassumem, na maioria das vezes e de formas diversas, a missão deintervir na sociedade brasileira como aliadas dos povos indígenas,visando a apoiá-los e fortalecer o processo de auto<strong>no</strong>mia na construçãode projetos alternativos, pluriétnicos e democráticos. Acrescentam-seainda a esse conjunto as secretarias estaduais e municipais deeducação e as instituições de ensi<strong>no</strong> superior (IES), para citar apenassegmentos de âmbito nacional.A transferência da atribuição de coordenar as ações de educaçãoda Funai para o MEC tem repercutido de diferentes maneiraspelo <strong>Brasil</strong> afora. Integrar a educação escolar indígena aos sistemasEducação superior indígena: de que estamos falando? 123


de educação vigentes <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, definindo orçamento e estabelecendoresponsabilidades dos órgãos e instâncias governamentais paraatuar na coordenação e execução de política educacional, sem dúvida,aponta para um avanço. No entanto, em virtude da amplitudegeográfica do país, da descentralização das ações educacionaise, sobretudo, da diversidade e complexidade da estrutura política,administrativa e partidária que configura conjunturas particulares<strong>no</strong>s estados e municípios, tem-se observado um quadro nacional extremamentepreocupante: onde a conjuntura é favorável, há avanços<strong>no</strong>tórios; onde a conjuntura é desfavorável, há retrocessos e prejuízosque comprometem a sustentabilidade dos povos indígenas afetadose a dignidade dos indivíduos privados de um de seus direitosfundamentais, a educação.Assim, a expectativa de que as ações do MEC pudessem garantira consolidação e aperfeiçoamento de uma política de educação escolarpara os povos indígenas nem sempre se realiza satisfatoriamente,em que pese o aumento não só de escolas indígenas, mas tambémde estudantes matriculados <strong>no</strong>s últimos três a<strong>no</strong>s. Ao contrário, emalgumas regiões, as políticas regional e local não concorrem paraa boa aplicação dos recursos investidos, com consequências gravespara as populações indígenas. Por exemplo, em um município emque a Prefeitura é de um partido que não integra a base de aliançado gover<strong>no</strong> federal, o recurso destinado pelo MEC para a escolaindígena não é a ela direcionado.Também o efeito das ações desenvolvidas pelos diversos agentesinteressados <strong>no</strong> incremento das políticas públicas para os povos indígenasapresenta aspectos positivos e negativos para o avanço dosprogramas em curso. Por exemplo, as próprias entidades de representaçãoe as lideranças indígenas têm dificuldades para definir propostasque contemplem o conjunto dos povos indígenas e não apenaseste ou aquele povo em particular. Tais dificuldades são em parteinerentes às suas condições de vida cultural-comunitária e decorrentesde situações em que há disputa política de hegemonia de propostae de liderança, o que não é muito diferente do que acontece em outrossegmentos sociais, embora apresente particularidades. Soma-sea isso a disputa política travada, mesmo que silenciosamente, entreos outros agentes que vêm atuando há cerca de 30 a<strong>no</strong>s junto aos124 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


povos indígenas e que, <strong>no</strong>s últimos dois a<strong>no</strong>s, se vêm na contingênciade reconhecer um “<strong>no</strong>vo” protagonista nesse processo: o MEC, coma atribuição legal e constitucional de formular uma política públicade educação escolar indígena.Em 2004, em atendimento à recomendação legal Convenção 169/OIT 79 de formular política para indígenas com a participação efetivada representação indígena, o MEC reconstituiu o Comitê que vinhadesempenhando o papel de consultoria e de assessoria, em umaComissão totalmente constituída por lideranças e professores indígenas.A Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI)foi um grande passo em direção à auto<strong>no</strong>mia e protagonismo indígenaque ainda esbarra na dificuldade de uma representatividadeque carece de eficácia tanto <strong>no</strong> mundo indígena, quanto <strong>no</strong> mundonão indígena. A CNEEI ressente-se ainda de não contar com efetivaauto<strong>no</strong>mia para o desempenho de sua missão que garanta uma permanentee eficaz interlocução representativa entre as comunidadesindígenas e as instâncias do MEC.A política de educação básica para os povos indígenas, além desofrer de todas as dificuldades que afetam os diferentes segmentosda população brasileira que dependem da educação pública, temessas dificuldades agravadas por peculiaridades concernentes à sobrevivênciados povos indígenas na <strong>no</strong>ssa sociedade, entre as quaisdestacam-se as seguintes:1) desconhecimento da realidade dos povos indígenas pela sociedadeem geral e pelos dirigentes nas diferentes esferas governamentais;2) desinteresse manifesto por determinados setores da sociedadeque se sentem lesados pela afirmação dos direitos indígenas garantidosna legislação;3) disputas político-partidárias com prejuízo para o direcionamentodos recursos às ações educacionais nas bases;4) falta de articulação e integração das ações dos diferentes setoresque vêm atuando na educação escolar indígena, em consequênciade disputa de protagonismo, de manutenção de reserva de mercadode trabalho e de capital político, que legitime a participaçãodesses setores junto aos povos indígenas;79 http://www.socioambiental.org/pib/portugues/direito/conv169.shtm.Educação superior indígena: de que estamos falando? 125


5) ausência de uma efetiva política de controle social que garanta aaplicabilidade da lei em todos os seus níveis;6) ausência de mecanismos de cobrança da execução das ações coma consequente falta de punição dos setores inadimplentes.Em julho de 2004, o MEC criou a Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade (Secad) onde está situadaa Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena (CGEEI). ACGEEI que tem como missão planejar, orientar, coordenar e acompanhara formulação e a implementação de políticas educacionaisvoltadas para as comunidades indígenas, apoiando técnica e financeiramentea formação de professores indígenas e o desenvolvimentode materiais pedagógicos específicos para as escolas indígenas, emharmonia com os projetos de futuro de cada povo. Como resultadode seu trabalho, ao longo destes três últimos a<strong>no</strong>s apresentou um totalde 164.018 estudantes indígenas frequentando escolas indígenas,em cursos que vão da educação infantil ao ensi<strong>no</strong> médio, conformeo quadro a seguir:Tabela 1. Distribuição dos estudantes indígenas por nível de escolaridadeNíveis / Modalidades Total de alu<strong>no</strong>s Porcentagem sobre totalEducação Infantil 18.583 11,3Ensi<strong>no</strong> Fundamental – 1º segmento 104.573 63,8Ensi<strong>no</strong> Fundamental – 2º segmento 24.251 14,9Ensi<strong>no</strong> Médio 4.749 2,9Educação de Jovens e Adultos 11.862 7,2Total 164.018 100,0Fonte: <strong>Brasil</strong>-MEC 2007a: 29.Esses dados demonstram que, apesar dos avanços obtidos <strong>no</strong>s últimostrês a<strong>no</strong>s, muito ainda precisa ser feito, para que algumas metasfundamentais sejam atingidas. Destacam-se entre elas as seguintes:1) garantia às comunidades indígenas da oferta de ensi<strong>no</strong> fundamental;2) ampliação do número de estudantes indígenas em turmas de ensi<strong>no</strong>médio, evitando a migração de estudantes para as cidades;126 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


3) garantia da estrutura física e de equipamentos adequados namaioria das escolas indígenas;4) criação de um sistema de avaliação da qualidade do ensi<strong>no</strong> ministradonas aldeias;5) garantia da formação continuada do professor indígena, além damanutenção de Programas de Criação, Edição e Distribuição dematerial didático específico,6) definição de um orçamento específico para a educação escolarindígena;7) estabelecimento de mecanismos de controle pelo MEC e por representaçãoindígena, bem como de procedimentos de puniçãodos setores inadimplentes.A consequência dessa ampliação do processo de educação escolarindígena e da mobilização e politização crescentes dos povos indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é a demanda cada vez maior de políticas públicas paraa educação superior. Desde julho de 2004, a Sesu vem realizandoações importantes e historicamente significativas nesse âmbito. Emoutubro de 2004, constituiu-se a Comissão Especial para Políticasde Educação Superior Indígena (Cesi), integrada por representantesda CNEEI, da representação indígena do Conselho Nacional deEducação (CNE); da Funai, do Fórum de Pró-Reitores de Graduação(Forgrad), do Instituto Socioambiental (ISA), da CGEEI e da Sesu.Ainda em 2004, a Cesi formulou o Programa de Apoio à EducaçãoSuperior e Licenciaturas Indígenas (Prolind), cuja finalidade éapoiar projetos desenvolvidos pelas instituições de educação superior,sobretudo as públicas, em conjunto com as comunidades indígenas,com vistas à formação superior de docentes indígenas para o ensi<strong>no</strong>fundamental (5ª a 8ª séries) e ensi<strong>no</strong> médio e à permanência deestudantes indígenas em cursos de graduação. O Edital Prolind/2005do MEC recebeu vinte propostas de IES públicas, das quais o ComitêTécnico selecio<strong>no</strong>u 12, envolvendo projetos para inúmeros povose etnias e beneficiando aproximadamente 103.574 indígenas, comodemonstrado <strong>no</strong> quadro a seguir.Educação superior indígena: de que estamos falando? 127


InstituiçõesuniversitáriasUEAQuadro 1. Projetos do edital Prolind, 2005Povos e etniasTicunas, Cocamas, Caixanas, Cambetas,Wiotas e outras 16 etniasBeneficiáriosdiretosBeneficiáriosindiretos250 14.580UEL Kaingang, Guarani, Xetá e Xocleng 18 15.000Uems Terena, Guarani, Kadiwéu e Kaiwá 121 600Ufam Mura 1175 5.978Ufba Pataxó e Pataxó Hãhãhai 03 7.500UFCG Potiguara 149 10.000UFMGCaxixó, Krenak Maxakali, Pankararu,Pataxó, Xacribá, Xururu-Kariri, Kaxixó,Xucuru-Kariri150 8.112UFRRMakuxi, Wapichana, Taurepang, Ingariko,180 13.259Wai Wai e Yékuana.UFT Karajá Xambioá e Xerente 16 3.300UnebPataxó, Pataxó Hãhãhai, Tumbalá,Kiriri, Tuxá, Tupinambá, Pankararé,Kantaruré, Xukuru-Kariri, Kaimbé ePankaru400 15.217UnematUmutina, Bororo, Xavante, Paresi,Irantxe, Bakairi, Tapirapé, Karajá, Rikbaktsa,Nambikwara, Kayabi, Apiaká,Terena, Ikpeng, Mehinako, Kamaiurá,Juruna, Kuikuro, Kalapalo, Matipu,Trumai, Aweti, Chiquita<strong>no</strong>, Nafukuá,Paraná, Yawalapiti, Zoró, Suyá, Waurá,Munduruku, Kaxinawá, Manchineri,Wassu Cocal, Baniwa, Ticuna, Baré,Pataxó, Tuxá, Tapeba, Tupinikim, Potiguara,Tuka<strong>no</strong>, Kaingang e Karajá.300 5.000Unioeste Guarani e Kaingang 03 2.263Sub-total 2.765 100.809Total Geral 103.574Fonte: Prolind 2005.O Prolind, além de integrar e articular os diferentes organismosque tradicionalmente atuam <strong>no</strong> âmbito da educação indígena, acarreta,naturalmente como consequência, o envolvimento efetivo deoutras instâncias fundamentais na execução dessa política pública,tais como as universidades, seus colegiados, seus fóruns de represen-128 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


tação e, as próprias instâncias do MEC, sobretudo, a Sesu, o CNEe o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (Inep) (www.inep.gov.br/).Ao apoiar e fomentar <strong>no</strong>vos projetos de cursos de licenciaturasespecíficas e de permanência com qualidade para indígenas em cursosde graduação o Prolind legitima a necessidade de definição deDiretrizes Curriculares Específicas para as licenciaturas interculturaise de indicadores de avaliação adequados a esses <strong>no</strong>vos cursos.O debate sobre as Diretrizes Interculturais e sobre os Indicadoresde Avaliação já está em curso <strong>no</strong> Grupo de Trabalho, instituído naSesu, com a participação da representação indígena, CNE, Funai erepresentantes das universidades, além de educadores e antropólogoscom experiência <strong>no</strong> campo de educação escolar indígena.A primeira edição do Prolind justificou-se por seus objetivosmaiores, além do efetivo apoio a iniciativas já em curso de licenciaturasinterculturais e do apoio e incentivo a outras iniciativas,de mobilizar as esferas governamentais, as comunidades acadêmicasuniversitárias e as comunidades e representações indígenas <strong>no</strong>sentido de se organizarem para a construção participativa de umprojeto de educação superior indígena que viria a ser o embrião deuma política pública. Naquele momento, 2004 a 2005, a ComissãoEspecial, 80 constituída na Sesu, integrada por representantes dossegmentos mais diretamente interessados e implicados na formulaçãode uma política pública para a educação superior indígena, visavacom o primeiro Edital do Prolind a criação de condições para aformulação de uma política pública de educação superior indígena.Em 2005, avançou-se também junto ao Exame Nacional do Ensi<strong>no</strong>Médio (Enem) e ao Programa <strong>Universidade</strong> para Todos (Prouni), pormeio da inserção de indicadores que aprimoram o critério de auto-80 O MEC, por intermédio da Secad, da Sesu e o FNDE convocam as IES públicasfederais e estaduais para apresentarem propostas de projetos de Cursos de Licenciaturasespecíficas para formação de professores para o exercício da docênciaaos indígenas, considerando as diretrizes político-pedagógicas publicadas nesteEdital, formuladas e aprovadas pela Comissão Especial criada pela Portaria n.52, de 29 de outubro de 2004, para elaborar políticas de educação superior indígena– Cesi/Sesu/MEC, e as <strong>no</strong>rmas da Lei n. 11.514, de 13 de agosto de 2007, oDecreto n. 6.170, de 2007, a Portaria Interministerial n. 127, de 2008 e as demais<strong>no</strong>rmas que regulam o programa.Educação superior indígena: de que estamos falando? 129


declaração indígena, com o objetivo de garantir que os beneficiadospelas cotas indígenas do Prouni, cuja porta de acesso é o concursodo Enem (http://www.inep.gov.br/basica/enem/default.asp) sejamefetivamente indígenas. É mais uma forma de inserir nas políticaspúblicas as especificidades das populações indígenas, com vistas àefetivação de outras ações que venham a garantir não só o acesso,mas, sobretudo a permanência com qualidade e o sucesso dos estudantesindígenas na formação superior, e, sobretudo, que os atuaisProgramas se transformem em efetivas ações de Estado.Perspectivas para a continuidade das ações voltadas àeducação escolar indígenaÉ de se louvar também que, em continuidade ao Programa iniciadoem 2005, o Prolind tenha realizado seu segundo Edital de convocaçãoem 2008. Mas é de se lastimar que ainda não se esteja podendofalar de uma efetiva política pública <strong>no</strong> âmbito da educação superiorindígena, visto que o Prolind é um programa que depende, a cada<strong>no</strong>va edição, de recursos não previstos <strong>no</strong>s orçamentos das universidadespúblicas e que visa apenas à formação de docentes por meiode “propostas de projetos de cursos de Licenciaturas específicas paraformação de professores para o exercício da docência aos indígenas”.O Edital de Convocação n. 3, de 24 de junho de 2008, mantémcomo objetivo específico apoiar os projetos de curso na área das LicenciaturasInterculturais para formar professores para a docência<strong>no</strong> segundo segmento do ensi<strong>no</strong> fundamental e ensi<strong>no</strong> médio das comunidadesindígenas em consonância com a realidade social e culturalespecífica de cada povo e segundo a legislação nacional que tratada educação escolar indígena. No entanto, a formação de indígenas<strong>no</strong>s diferentes campos do saber, e mais que isso o fomento a umaefetiva interculturalidade, só poderá se iniciar a partir do momentoem que a universidade se abrir e vocacionar-se para um intercâmbiode saberes com os indígenas que nela vierem a se integrar.Uma política pública de educação superior indígena deve contemplartanto a necessidade de formação de professores indígenaspara o desenvolvimento da educação escolar, na etapa da EducaçãoBásica, quanto a urgência de formação de pesquisadores e profissionaisindígenas nas diversas áreas de conhecimento. Essa formação130 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


de pesquisadores e professores indígenas em nível superior deve tera perspectiva da criação de cursos que venham a responder a demandasespecíficas para o desenvolvimento sustentável dos povosindígenas. A deflagração de ações acadêmicas <strong>no</strong> interior das IESdeve concorrer também para a reorientação curricular dos cursos degraduação e de pós-graduação e para a efetiva inclusão dos povosindígenas na esfera universitária. Em suma, um conjunto de açõesem nível de política pública para o desenvolvimento da educaçãosuperior indígena seria um ponto de partida bastante salutar para aressignificação do ensi<strong>no</strong> superior <strong>no</strong> país, a partir da inserção dospovos indígenas <strong>no</strong> meio acadêmico universitário.Já há algumas alternativas em vigor visando ao ingresso de indígenas<strong>no</strong>s cursos de graduação das universidades públicas e privadas:o Prouni, as cotas, além de convênios estabelecidos com a Funai parao apoio por meio de bolsas para a manutenção e hospedagem dos indígenasmatriculados em universidades públicas e privadas. Tambéma mais recente versão de política pública para a educação superiorna forma do Reuni, em princípio, aponta na perspectiva de que asuniversidades situadas em regiões em que habitam povos indígenaspoderão incluir em seus projetos políticos-pedagógicos a previsãode cursos de graduação voltados ao interesse dessas comunidades edessa forma garantir orçamentariamente a sua efetivação. Mas apesardessas iniciativas não se pode reconhecer uma verdadeira políticapública para a educação superior dos povos indígenas, uma vezque para uma efetiva política nessa direção são necessárias outrasprovidências em diferentes aspectos e com a participação efetiva dediferentes instâncias acadêmicas, institucionais e comunitárias.Para início de conversa, dois aspectos precisam ser considerados,discutidos e aprofundados para que os avanços na construção deuma efetiva política pública de educação escolar indígena em todosos níveis de ensi<strong>no</strong> estejam condizentes com o respeito ao indígena.O primeiro aspecto concerne ao fato de que toda língua indígenaveicula uma civilização completa. Como propor uma educação escolarindígena específica e intercultural sem que as línguas maternasde cada povo sejam rigorosamente consideradas? O segundo, apenasem ordem de citação, e estreitamente relacionado ao anterior,que permeia toda e qualquer ação educativa para povos indígenas,Educação superior indígena: de que estamos falando? 131


efere-se à missão de a educação formal ser capaz de fazer emergiras visões de mundo, os valores, as culturas enfim, dos povos indígenas,ressignificando os campos dos saberes tradicionais, com vistasa um verdadeiro diálogo intercultural nas universidades e institutosde pesquisa.Além disso, é necessário e imprescindível que o conceito de educaçãointercultural bilíngue seja aprofundado e considerado radicalmentena formulação e implementação das ações <strong>no</strong> campo da educaçãoindígena. Isso significa reconhecer o <strong>Brasil</strong> não só como umEstado multicultural e plurilinguístico, mas um Estado em que oschamados “Povos Indígenas”, reconhecidos como sujeitos de direitoe como povos originais, gozam de auto<strong>no</strong>mia e de autodeterminaçãoe atuam como promotores efetivos do diálogo para a promoção dodesenvolvimento da conscientização mútua da necessidade de reelaboraçãoe ressignificação dos modelos culturais originais que aindahoje configuram as Instituições acadêmicas e a sociedade brasileira.Sempre é bom lembrarmos que toda e qualquer ação política <strong>no</strong>âmbito da educação superior indígena deve observar estritamente aConvenção 169/OIT e a legislação educacional demandada da Constituiçãode 1988, <strong>no</strong> que respeita tanto à efetiva participação dospovos indígenas na formulação, implementação, acompanhamentoe controle social das ações <strong>no</strong> campo da educação, quanto ao entendimentoinequívoco de que as ações <strong>no</strong> campo da educação devemestar vinculadas aos projetos de futuro e de sustentabilidade das culturas,identidades e territórios dos povos indígenas.Eis alguns dos desafios que todos os que atuamos <strong>no</strong> campo daeducação indígena precisamos assumir em conjunto com os povosque sempre estiveram e estarão constituindo a nação brasileira.132 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsasde Pós-Graduação da Fundação Ford e osaportes do Trilhas de ConhecimentosFúlvia RosembergLeandro Feitosa AndradeEm 29 de <strong>no</strong>vembro de 2000, a Fundação Ford anunciou <strong>no</strong>s Estados Unidosum programa de estudo para possibilitar, a milhares de pessoas de vinte países,oriundas de categorias cronicamente sub-representadas na educação superior,a empreenderem estudos de pós-graduação.Tal programa, de<strong>no</strong>minado International Fellowships Program (IFP), éorçamentado para 330 milhões de dólares, será implementado ao longo de deza<strong>no</strong>s e representará o maior investimento da Fundação até hoje em um únicoprojeto.GONÇALVES E ROCHAEste foi o parágrafo de abertura da proposta inicial para implementar,<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduaçãoda Fundação Ford (IFP) elaborada, a pedido do Escritório do <strong>Brasil</strong>da Fundação Ford, gestão Nigel Brooke, pelos professores Luiz AlbertoOliveira Gonçalves da UFMG e Marco Antônio Cavalcanti daRocha, então Fulbright do <strong>Brasil</strong> (GONÇALVES; ROCHA, 2000).Estávamos <strong>no</strong> segundo semestre de 2000, um a<strong>no</strong> antes da realização,em Durban, da III Conferência Mundial contra o Racismo, aDiscriminação Racial, a Xe<strong>no</strong>fobia e Intolerância Correlata.A proposta para implantação do Programa Internacional de bolsasda Fundação Ford <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, elaborado a partir de análise detextos institucionais do IFP e de consulta a pessoas e organizaçõessociais brasileiras, contém orientações minuciosas para a implementaçãoda iniciativa. Na delimitação das “categorias cronicamentesub-representadas na educação superior”, a proposta brasileira definiacomo público-alvo” os ditos “pretos” e “pardos”, com todos osIndígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 133


matizes que estes últimos comportam: mulatos, mestiços de brancoscom índios, de índios com pretos, e de mestiços entre si. Enfim, todosos segmentos da população brasileira que sofrem discriminação racial”.Além do recorte étnico-racial, o documento original apontava,também, “a baixa renda” como critério para qualificar o candidatoà bolsa IFP, bem como uma “ênfase” <strong>no</strong> gênero (GONÇALVES;ROCHA, 2000: 3-4, aspas <strong>no</strong> original).As linhas-mestras desse documento de 2000 foram retomadas<strong>no</strong> edital do Escritório do <strong>Brasil</strong> da Fundação Ford para que instituiçõesbrasileiras apresentassem propostas para gerenciar o IFPexplicitando que, “<strong>no</strong> caso brasileiro, definiu-se como público-alvo:indivíduos de baixa renda pertencentes aos grupos raciais e étnicoshistoricamente excluídos dentro da sociedade. Na enumeração dosobjetivos, o documento redigido pelo escritório da Fundação Ford<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> assinala como primeira missão: “incentivar o aumento dealu<strong>no</strong>s “pretos” e “pardos” <strong>no</strong>s cursos de pós-graduação mediantea concessão de bolsas de estudo” (FUNDAÇÃO FORD, 2001: 2,aspas <strong>no</strong>ssas).Os dois documentos citados (GONÇALVES; ROCHA, 2000 eFUNDAÇÃO FORD, 2001) sustentaram a implementação do IFP<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: nenhum deles utiliza a expressão “ação afirmativa”(AA) etampouco se referem aos indígenas (para além da situação de mestiços)como grupo-alvo. Para contextualizar tais omissões, importareportar-<strong>no</strong>s à data de elaboração desses documentos. Era final doa<strong>no</strong> 2000, momento em que o tema AA recém-entrava na agendados movimentos negros mas ainda era secundarizado pelos movimentosindígenas. Para memória, lembramos que datam de 2001as primeiras (e ruidosas) experiências de introdução de cotas parao acesso à universidade (caso da <strong>Universidade</strong> do Estado do Rio deJaneiro (Uerj)) que acenderam o debate sobre o tema. Curiosamente,sem estardalhaço, data, também de 2001, o Projeto de Formação deProfessores Indígenas. Barra do Bugres: Unemat (GOVERNO DOESTADO DE MATO GROSSO, 2001, segundo ÂNGELO, 2003).Na época esse projeto foi considerado modelo i<strong>no</strong>vador de AA parao ensi<strong>no</strong> superior de (ou para) indígenas. A proposta era tida comoexemplar porque tratava-se de uma licenciatura “diferenciada (...)com currículos específicos”.134 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


De fato, quando o escritório da Fundação Ford <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> iniciouas conversações sobre a implementação do IFP, o tema ensi<strong>no</strong> superiorpara/ou de indígenas ainda não havia sido incluído <strong>no</strong> debatepela própria Fundação Ford. 81 O tema foi introduzido nas resoluçõesda Conferência Mundial sobre Educação de 1998, realizadaem Paris, da qual o <strong>Brasil</strong> é signatário (UNESCO/CRUB, 1999: 22)<strong>no</strong> conjunto de ações dirigidas a diferentes mi<strong>no</strong>rias. O item 2 dodocumento da Conferência (Nova Visão para Educação Superior)diz: “Deve-se facilitar ativamente o acesso à educação superior aosmembros de alguns grupos específicos, como os povos indígenas, osmembros de mi<strong>no</strong>rias culturais e linguísticas, ...” (item D, art. 3º,Igualdade de Acesso).A despeito dessas resoluções, o tema do ensi<strong>no</strong> superior de indígenaspassou a ser tratado na pauta de debates, pesquisas e experiênciasbrasileiras só muito recentemente (SOUZA LIMA; BARROSOHOFFMANN, 2007a; LUCIANO, 2008a). Além disso, historicamente,o <strong>Brasil</strong> se recente de uma articulação acadêmica e ativistaentre as “questões” indígena e negra (CARVALHO, 2006). Portanto,a tônica de reflexões e propostas de AA <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior <strong>no</strong> iníciodo milênio, era quase que exclusivamente a população negra. Quantoao tema da equidade <strong>no</strong> acesso à pós-graduação, não entrou até opresente <strong>no</strong> debate das AA, com exceção da questão da desigualdaderegional, único aspecto mencionado <strong>no</strong> Pla<strong>no</strong> Nacional da Pós-graduação:2005/2010 (BRASIL-MEC, 2004). 82 Apenas após a seleção81 Na comemoração de seus 40 a<strong>no</strong>s de atuação o Escritório da Fundação Ford <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> organizou e publicou o livro Os 40 a<strong>no</strong>s da Fundação Ford <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: umaparceria para a mudança social (BROOKE; WITOSHINSKY, 2002). No capítulosobre sua atuação <strong>no</strong> campo da educação, observa-se o destaque dado pela FF àeducação. As maiores dotações foram recebidas pela – Coordenação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior (Capes). O livro não menciona a temáticaindígena (CAMPOS, 2002), objeto da comunicação Ana Toni (2007) e de AurélioVianna (2007), posteriormente. Por outro lado, em interessante artigo sobre oprocesso de implementação de políticas de AA na <strong>Universidade</strong> de Brasília (UnB)(SIQUEIRA, 2004) apresenta uma breve síntese sobre os projetos referentes anegros financiados pelo Escritório do <strong>Brasil</strong>.82 O tema da equidade <strong>no</strong> acesso e permanência na pós-graduação ainda não angariouvisibilidade <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, não compondo, por exemplo, os critérios de avaliaçãoda Capes, não sendo mencionado <strong>no</strong>s estudos críticos sobre tal sistema deavaliação, não dispondo de dados desagregados por qualquer dos indicadores dematrícula na pós-graduação e usufruto de bolsas, com exceção de sexo (ConselhoIndígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 135


da Fundação Carlos Chagas (FCC) como instituição parceira para implementaro IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> essas duas omissões foram contempladas.Na perspectiva dos grupos-alvo, o diálogo com Joan Dassin(diretora executiva do International Fellowships Fund (IFF) quecoordena o IFP a nível internacional) levou-<strong>no</strong>s a incorporar os indígenase a precisar como trataríamos o nível econômico dos(as)candidatos(as). Em vários dos 22 países em que o IFP estava sendoimplantado populações autóctones ou “mi<strong>no</strong>rias étnicas” foramincluídas <strong>no</strong> programa, como o caso da China, Vietnã e Índia. NoMéxico os indígenas foram considerados principal grupo-alvo; naGuatemala, Chile e Peru os indígenas foram contemplados em associaçãocom outros segmentos sociais. Por outro lado, pareceu-<strong>no</strong>sum contrassenso considerarmos a renda atual de candidatos(as) àpós-graduação como um critério de seleção, tendo em vista o intensoafunilamento da pirâmide educacional brasileira e a intensa associaçãoentre educação e renda. 83 Ou seja, os apenas 6,42% de brasileiroscom 25 a<strong>no</strong>s ou mais que terminaram o ensi<strong>no</strong> superior podemprovir de famílias que tiveram poucas oportunidades econômicas eeducacionais, mas dificilmente se situariam hoje <strong>no</strong> segmento “baixarenda” (CENSO, 2000, segundo PETRUCCELLI, 2004: 26).Também, desde a primeira seleção, assumimos que o IFP constituiuma experiência de AA na pós-graduação, pois dá preferênciaa segmentos sociais sub-representados <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior brasileiro.Ao se assumir como uma experiência de AA, o IFP procurou demarcaruma identidade específica <strong>no</strong> conjunto de programas brasileirosde fomento à pesquisa e à pós-graduação (públicos ou privados) queoferecem bolsas de estudos. Portanto, a particularidade do IFP <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> não provém de seu caráter de massa, 84 mas de se configurarcomo uma experiência piloto de AA na pós-graduação e que elegeu,entre outros segmentos sociais, negros e indígenas como beneficiários.Portanto, ao incluirmos os indígenas como um dos grupos-alvo,Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec<strong>no</strong>lógico (CNPq)) e região fisiográfica(Capes e CNPq).83 A partir deste ponto, visando aliviar o texto, abandonaremos a fórmula o(a) eadotaremos o genérico masculi<strong>no</strong>.84 Seria impossível comparar as 40 bolsas anuais concedidas pelo IFP com as 14.500bolsas de mestrado e doutorado concedidas pela Capes e pelo CNPq em 2003(BRASIL-MEC, 2004).136 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


participamos, juntamente com outros atores sociais, da extensão dodebate e das práticas de AA brasileiras também para os indígenas.Tendo em vista o fato de que a expertise da Fundação CarlosChagas referente a pesquisas e fomento à produção de conhecimentos<strong>no</strong> campo da educação tenha estado mais atenta a temas relacionadosàs desigualdades econômicas, de gênero e raciais (focalizandoa população negra), apenas incidentalmente tratou da educação deindígenas. 85 Assim sendo, tal aporte foi particularmente bem-vindoe, para tanto, contamos com o inestimável aporte de conhecimentos,reflexões, debates, publicações, redes sociais e experiências do ProgramaTrilhas de Conhecimentos.A implementação do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> pela Fundação CarlosChagas 86Frente ao cenário internacional de implementação do IFP, o contextobrasileiro apresentava, pois, algumas particularidades: em primeirolugar, a já mencionada intensidade do debate sobre AA para acessoe permanência <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior; em segundo lugar, a institucionalizaçãoe expansão da pós-graduação que adota procedimentos deseleção e avaliação formalizados. Porém, como os demais parceirosinternacionais, enfrentamos os desafios de um sistema de pós-graduaçãoque também privilegia segmentos sociais identificados comas elites nacionais, sejam elas econômicas, educacionais, regionaisou étnico-raciais. Visando atenuar tais desigualdades, o IFP, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,oferece a cada a<strong>no</strong>, aproximadamente, 40 bolsas de mestrado(até 24 meses) e doutorado (até 36 meses), preferencialmente paranegros e indígenas, nascidos nas regiões Norte, Nordeste e Centro--Oeste e que provêm de famílias que tiveram poucas oportunidades85 Regina Pahim Pinto, pesquisadora da FCC e integrante da equipe de coordenaçãodo Programa IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, havia participado de projeto de pesquisa O índio nas<strong>no</strong>ssas escolas.86 Remetemos o leitor a outros artigos que complementam a descrição do IFP <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> aqui efetuada, a saber: Alves (2006); Dassin (2008); Gonçalves (2006);Rosemberg (2004; 2007; 2008); Rosemberg e Andrade (2008); Silvério (2008).Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 137


econômicas e educacionais. Tais segmentos sociais são os que apresentamos piores indicadores de acesso à pós-graduação. 87Dentre a multiplicidade de conceituações disponíveis sobre AA,optamos por aquela que enfatiza tratar-se de uma ação focalizadaque provê tratamento preferencial a certos grupos (em <strong>no</strong>sso casopor pertença étnico-racial, região de nascimento e condições socioeconômicasda família de origem), visando aumentar a proporçãode seus membros em setores da vida social (em <strong>no</strong>sso caso, a pós--graduação), <strong>no</strong>s quais tais grupos se encontram sub-representadosem razão de discriminações históricas ou atuais (CALVÈS, 2004).Portanto, o conceito adotado é descritivo (sub-representação), nãoincorporando os conceitos de “exclusão” e “inclusão”, por vezesconfusos <strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s conceitual e político.Tabela 1. Percentual de pessoas que frequentaram ou frequentam pós-graduação,por sexo, cor/raça e região, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 2002 e 2005VariáveisA<strong>no</strong>2002 2005Sexo Homens 49 50Mulheres 51 50Cor / raça Branca e amarela 86 85Preta, parda, indígena 14 15Região Sul / Sudeste 76 73Norte/Nordeste/Centro-Oeste 24 27Total 688.677 794.742Fonte: PNAD 2002 e 2005.A segunda particularidade se traduz <strong>no</strong> respeito à cultura queorienta as práticas nacionais de fomento à pesquisa e à pós-graduação,adequando-a às regras internacionais que regem o Programa eàs estratégias pertinentes a programas de AA. A articulação entreessas especificidades configurou as estratégias adotadas pelo IFP <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> nas diferentes fases de sua implementação: difusão, inscriçãona seleção, seleção e acompanhamento dos bolsistas.87 Ver Tabela 1 da PNAD 2002 e 2005. Disponível em: http://bit.ly/18fH82w (para2002) e http://bit.ly/18HI6ml (para 2005) Acesso em: 26 mai. 2013.138 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Difusão. Como todo programa de ação afirmativa, a difusão doIFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é proativa, visando atingir os grupos-alvo por diferentesestratégias: recursos visuais, lançamentos descentralizados, divulgaçãoem mídia especializada, parcerias com instituições e redessociais e acadêmicas.Inscrição na seleção. No final do primeiro trimestre civil de cadaa<strong>no</strong>, são abertas, durante um período de três meses, inscrições paraa seleção anual. Os documentos solicitados para se postular umacandidatura ao Programa, e que incluem, entre outros, um Formuláriopara Candidatura e a apresentação de um pré-projeto de pesquisa,procuram coletar informações sobre: atributos adscritos visandocaracterizar o pertencimento do candidato aos grupos-alvo; potencial/méritoacadêmico, de liderança e de compromisso social. Assim,o IFP não visa a mobilidade educacional por si mesma, mas concebea educação como estratégia de empoderamento de pessoas comprometidascom o ideal de maior igualdade e justiça social.Seleção. A seleção ocorre em duas fases: na primeira selecionam--se os 200 candidatos que, em decorrência dos atributos adscritos,teriam a me<strong>no</strong>r probabilidade de terminar o ensi<strong>no</strong> superior. Selecionam-se,a seguir, os candidatos com melhor potencial/desempenhoacadêmico, de liderança e de compromisso social com o apoio deassessores ad hoc (que avaliam o pré-projeto) e de uma comissão deseleção brasileira, re<strong>no</strong>vada periodicamente. Ou seja, contrariamenteao senso comum, experiências de AA também avaliam o mérito/potencial das pessoas, mas alterando as regras do mercado (ou da“livre” concorrência) e o grupo de referência (CALVÈS, 2004).Porém, um programa de ação afirmativa não se resume à adoçãode procedimentos específicos de divulgação e seleção. O acompanhamentode bolsistas e ex-bolsistas constitui pedra angular de suaimplementação.O acompanhamento se adequa às três etapas da trajetória dobolsista <strong>no</strong> Programa: pré-acadêmica, acadêmica e pós-bolsa. A etapapré-acadêmica (duração máxima de um a<strong>no</strong>) destina-se à preparaçãodo bolsista para o processo de seleção em programas de pós--graduação, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ou <strong>no</strong> exterior. Apesar de não oferecer verbapara manutenção individual, o acompanhamento pré-acadêmico disponibilizarecursos financeiros, apoio logístico e de orientação paraIndígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 139


que o bolsista participe, com sucesso, de até quatro processos deseleção na pós-graduação: viagens, estada, inscrição, cursos de línguase informática, orientação ao pré-projeto, entre outros. Na etapaacadêmica, o bolsista recebe apoio financeiro, logístico e retaguardade orientação para que prossiga com dedicação exclusiva e sucesso,<strong>no</strong> tempo requerido, sua formação pós-graduada: manutenção, custeioacadêmico, recursos para livros, computador e formação complementarao curso acadêmico.A <strong>no</strong>tar uma particularidade do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: a grande maioriade <strong>no</strong>ssos bolsistas permanece <strong>no</strong> país e, dentre esses, poucossolicitaram bolsas “sanduíche” para complementar sua formação<strong>no</strong> exterior. Dentre os bolsistas brasileiros que optam por curso <strong>no</strong>exterior, a maioria se dirige a universidades portuguesas, especialmentea <strong>Universidade</strong> de Coimbra. O desconhecimento de idiomaestrangeiro parece, pois, constituir o maior empecilho para a saídado <strong>Brasil</strong>, além das boas oportunidades oferecidas pela pós-graduaçãobrasileira. Possivelmente, carência equivalente pode explicar, emparte, o fato de que o <strong>Brasil</strong> vem sendo escolhido por vários bolsistasIFP moçambica<strong>no</strong>s para realizarem seus estudos de mestrado e doutorado.Por outro lado, vale destacar a experiência inédita de doisbolsistas IFP José Quidel e Jimena Pichinao, Mapuche (Chile) queoptaram por estudar <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.O pós-bolsa foi a última etapa na trajetória de bolsista IFP a serimplantada. Na medida em que o IFP objetiva, em última instância,a formação de líderes comprometidos com a constituição de ummundo mais justo, igualitário e solidário, a formação pós-graduadaé entendida apenas como uma das ferramentas para o empoderamentodessas <strong>no</strong>vas lideranças. Outra ferramenta é a constituição eo fortalecimento de redes sociais que oferecem apoio coletivo e ampliama visibilidade do grupo. Daí a importância da etapa pós-bolsa.As estratégias para a constituição, o fortalecimento e a visibilidadede redes sociais são múltiplas. Em diversos países em que o IFP foiimplantado, estão se constituindo organizações nacionais de ex-bolsistasIFP, com perspectivas de articulação internacional. No <strong>Brasil</strong>,foi criada a Associação <strong>Brasil</strong>eira de Pesquisadoras e Pesquisadorespela Justiça Social (ABRAPPS), em junho de 2008.140 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Com esse foco e essas estratégias, a implementação do IFP <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> contou com os aportes de uma experiência consolidada <strong>no</strong>trato da temática indígena: o projeto Trilhas de Conhecimentos.Os aportes do Trilhas ao IFPAté o início do projeto Trilhas, vivíamos uma certa solidão na implementaçãodo IFP na perspectiva dos indígenas, solidão apenas dirimidapelo constante contato com o Escritório da Fundação Ford e aparticipação do antropólogo, estudioso de temas indígenas, RenatoAthias da <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco (UFPE), na primeiraComissão de Seleção. Nesse contexto, os diversos canais abertospelo Trilhas de Conhecimentos têm sido inestimáveis para que <strong>no</strong>ssaatenção e práticas não se descurassem das especificidades de candidatose bolsistas indígenas frente ao grupo majoritário de candidatose bolsistas negros.Assim, a partir da instalação do projeto Trilhas em 2004, abriu--se, entre ambos os programas, uma “picada” que tem contribuídopara “pavimentar caminhos ainda que estreitos em que se confrontamformas de transmissão de conhecimentos oriundos de mundosepistemológicos distintos”, como explicitam Antonio Carlos de SouzaLima e Maria Barroso sobre a missão do Trilhas. Apesar de regidospor formatos diferentes – o Trilhas com o “objetivo de fortalecerinstituições educacionais interessadas em oferecer formação de qualidadeem nível de graduação aos estudantes [indígenas] selecionadospara o programa” (SOUZA LIMA; BARROSO HOFFMANN2007a: 25), o IFP com a meta de oferecer bolsas de estudos pós--graduados preferencialmente a negros e indígenas e outros segmentossociais – foram abertos diversos canais de comunicação que <strong>no</strong>sauxiliaram a fortalecer <strong>no</strong>ssas “picadas”.Em artigo anterior, um de nós destacava o relativo isolamentoem que vivemos as instituições e os responsáveis pela implementaçãode Programa de AA <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior em decorrência da carênciade apoio bibliográfico e da estridência do debate que, não raro,crucifica experiências mesmo que equívocos cometidos possam sersanáveis (ROSEMBERG, 2008). Pois bem, o Trilhas <strong>no</strong>s ofereceuoportunidade ímpar de debate franco e de aporte reflexivo, seja pelaabertura de <strong>no</strong>ssa participação <strong>no</strong> Comitê Assessor, seja pela produ-Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 141


ção e circulação de conhecimentos sobre o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Nossa participação <strong>no</strong> Comitê Assessor funcio<strong>no</strong>u como uma espéciede “estágio de imersão” <strong>no</strong> tema do ensi<strong>no</strong> superior de indígenas,tanto em decorrência da composição do grupo – peque<strong>no</strong> númerode participantes entre lideranças indígenas, indigenistas e neófitos(como um de nós) –, quanto da dinâmica das sete reuniões que previramo acesso para leitura e discussão dos minuciosos relatórios sobreas experiências que estavam sendo implantadas pelo Programa E’maPia de Acesso e Permanência de Indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior (<strong>Universidade</strong>Federal de Roraima (UFRR)) e Redes de Saberes (iniciativadecorrente da parceria entre a <strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grossodo Sul (Uems) e a <strong>Universidade</strong> Católica Dom Bosco (UCDB)). Aleitura dos relatórios e o debate possibilitaram que apreendêssemosentraves enfrentados e soluções encontradas. 1 Tal participação contribuiupara fortalecer a <strong>no</strong>ssa atenção para com os indígenas comocandidatos e bolsistas do IFP, tanto sua presença numérica, quantosuas especificidades. Assim, a reduzida presença numérica, na populaçãoe entre os potenciais candidatos ao IFP (Tabela 2), constituiriauma armadilha caso não dispuséssemos de um espaço institucional<strong>no</strong> qual o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas ocupasse o proscênio.Tabela 2. Distribuição da população e de pessoas graduadas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, porcor ou raçaPopulação de 25 a<strong>no</strong>s e mais,População residenteCor ou raçacom nível superiorn. % n. %Branca 91,3 milhões 53,7 4,8 milhões 83,0Preta 10,5 mil 6,2 124 mil 2,1Amarela 761,6 mil 0,4 133 mil 2,3Parda 65,3 milhões 38,5 708 mil 12,0Indígena 734.131 0,4 8 mil 0,1Fonte: Censo 2000 (segundo PETRUCCELLI, 2004).1 Ver, também, o minucioso relato de Cordeiro (2008) sobre a introdução de cotaspara indígenas e negros na <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato Grosso do Sul. Oleitor se beneficiará, também, da leitura dos textos provenientes de comunicaçõesapresentadas durante o II Seminário de Povos Indígenas e Sustentabilidade: saberese práticas culturais na universidade (www.rededesaberes.org/eventos/anais).142 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Com efeito, pouco antes do início de <strong>no</strong>ssa participação <strong>no</strong> ComitêAssessor do Trilhas, encetamos uma primeira avaliação de processosobre a presença indígena <strong>no</strong> IFP. Inquietamo-<strong>no</strong>s com a <strong>no</strong>távelqueda de candidatos indígenas à segunda seleção brasileira doIFP. Nessa avaliação, efetuamos uma minuciosa análise procurandoapreender se o IFP estava oferecendo, proporcionalmente, me<strong>no</strong>soportunidades de participação para candidatos indígenas que paranegros (pretos e pardos) e como chegar mais próximo a potenciaiscandidatos indígenas (ROSEMBERG, 2007). Mesmo que os dadosde <strong>no</strong>ssa avaliação de processo <strong>no</strong>s mostrassem que a presença indígena<strong>no</strong> IFP era proporcionalmente superior à sua presença na populaçãoe entre os graduados – portanto que sua sub-representação nãodecorria de <strong>no</strong>ssa inépcia –, isto não <strong>no</strong>s satisfez, na medida em quenão havíamos estabelecido subcotas para negros ou indígenas, e quepelas informações disponíveis <strong>no</strong> Censo Demográfico 2000, mesmoque contestáveis, quase 5.000 pessoas autodeclaradas indígenastendo 25 a<strong>no</strong>s e mais estariam frequentando o ensi<strong>no</strong> superior (graduaçãoou pós) e outras quase 8.000 já teriam se titulado (Tabela3). 2 Portanto, <strong>no</strong>sso hipotético limite para candidatos indígenas aoIFP era constituído por essas pessoas. Em decorrência, o número debolsistas indígenas poderia aumentar e para que isto ocorresse seriaimprescindível ampliar o número de candidatos indígenas.Tabela 3. Pessoas autodeclaradas indígenas tendo 25 a<strong>no</strong>s e mais, por condição deescolaridade <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior e regiãoRegiãoFrequentando o ensi<strong>no</strong> superiorGraduaçãoMestradoDoutoradoConcluído o ensi<strong>no</strong> superiorGraduaçãoMestradoDoutoradoNorte 583 14 619 36Nordeste 1.143 60 1.849 151Sudeste 1.556 158 3.053 3332 Durante os primeiros a<strong>no</strong>s de experiência do IFP circularam estimativas desencontradassobre o número de indígenas que frequentavam o ensi<strong>no</strong> superior. AFundação Nacional do Índio (Funai) mencionava uma estimativa de 1.000 a1.500 indígenas estudantes. Estudo inconcluso de Hellen Cristina de Souza conseguiusistematizar sobre aproximadamente 800 indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior.Gersem Lucia<strong>no</strong> Baniwa (2008) menciona a estimativa de 5.000 indígenas frequentandoo ensi<strong>no</strong> superior, em 2008.Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 143


RegiãoFrequentando o ensi<strong>no</strong> superiorGraduaçãoMestradoDoutoradoConcluído o ensi<strong>no</strong> superiorGraduaçãoMestradoDoutoradoSul 564 57 738 96Centro-oeste 553 30 792 84Total 4.397 319 7.051 701Fonte: Censo 2000 (segundo PETRUCCELLI, 2004).Para tanto, contamos com outro inestimável aporte do Trilhas: aabertura de sua rede social, especialmente via participação em eventospor ele organizados – como <strong>no</strong> seminário Desafios para umaeducação superior para os povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> – ou por outrasinstituições que reconheceram a genuinidade de <strong>no</strong>sso envolvimentona causa dos indígenas. O convite do Trilhas para participarmosdo seminário Desafios, realizado em Brasília em agosto de 2004 eque reuniu indígenas, indigenistas, pesquisadores e representantesdo gover<strong>no</strong> federal, atuou como uma introdução do IFP nesse circuito.Assim, além de <strong>no</strong>s indicar “picadas”, o Trilhas fortaleceu<strong>no</strong>ssa legitimidade que vinha sendo construída com apoio de bolsistasindígenas e outros parceiros. 3 Como mostra o quadro abaixo,a partir de 2004, apresentamos o IFP em diversos eventos sobre oensi<strong>no</strong> superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, organizados pelo Trilhas eseus parceiros.Quadro 1. Eventos <strong>no</strong>s quais apresentamos o IFP ou anunciamos seleções anuaisjunto a comunidades e instituições indígenasTipo de Evento A<strong>no</strong> Estado LocalXI Assembleia Geral da Organização 2004 RR Terra de São Marcosdos Professores Indígenas de Roraima55a reunião da SBPC e a Ciência Indígena.Desafios do ensi<strong>no</strong> superiorIndígena. O Programa Internacionalde Bolsas de Pós-Graduação da FF <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>2004 MT CuiabáI Conferência Internacional sobre ensi<strong>no</strong>superior Indígena, Unemat2004 MT Barra do Bugres3 Vale destacar a contribuição de Renato Athias e Raimundo Nonato Pereira daSilva, membros das Comissões de Seleção.144 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Tipo de Evento A<strong>no</strong> Estado LocalVIII Seminário de ensi<strong>no</strong> superior Indígena2004 MT Cuiabá1º Fórum Social Indígena do Tocantins, 2005 TO PalmasUFTFoirn 2005 AM São Gabriel da Cachoeira56ª reunião da SBPC e a Ciência Indígena2005 MT CuiabáVIII Seminário de ensi<strong>no</strong> superior Indígena,2006 RR Boa VistaUFRRII Encontro <strong>Brasil</strong>eiro de EstudantesIndígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior e o IEncontro da Rede <strong>Brasil</strong>eira de IES paraos Povos Indígenas2006 DF BrasíliaEscola Estadual Pedro Teixeira 2006 AM TabatingaPolo Benjamim Constant da <strong>Universidade</strong>2006 AM Benjamim ConstantFederal do AmazonasInstituto de Ciências Humanas da <strong>Universidade</strong>2006 AM ManausFederal do AmazonasVIII Seminário de Formação SuperiorIndígena de Roraima – Núcleo Insikirande Formação Superior Indígena daUFRR2006 RR Boa VistaII Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade:saberes e práticas interculturaisna <strong>Universidade</strong> – <strong>Universidade</strong>Católica Dom Bosco e <strong>Universidade</strong>Estadual Mato Grosso do SulSeminário para Educação Superiorpara os Povos Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> –Projeto Trilhas de Conhecimentos2007 MS Campo Grande2007 MT Cuiabá37ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas2008 RR Região de SurumuFonte: Programa Internacional de Bolsas da Fundação Carlos Chagas.A participação nesses eventos constituiu, também, uma outravertente do aporte do Trilhas para consolidar a implementação doIFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: não só apresentávamos o IFP, mas também tínhamosacesso aos conhecimentos que estavam sendo divulgados e debatidossobre ensi<strong>no</strong> superior de indígenas e AA. Isto é, estávamos aprendendoe <strong>no</strong>s atualizando sobre o tema, na medida em que, como seIndígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 145


pode depreender das revisões bibliográficas recentes (PALADINO,2001; GRUPIONI, 2003b), a produção acadêmica ou ativista poucaatenção vinha dando ao tema do ensi<strong>no</strong> superior e muito me<strong>no</strong>s(se não totalmente ausente) à pós-graduação. O Trilhas, bem comoacadêmicos e ativistas indígenas ou não, trouxeram o tema para odebate <strong>no</strong>s últimos quatro a<strong>no</strong>s, se tanto.Na abertura desse debate, destacamos a importância do já mencionadoseminário Desafios para uma Educação Superior para osPovos Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Até então, não dispúnhamos de espaçosinstitucionais <strong>no</strong>s quais os diversos atores sociais pudessem expressare discutir seus pontos de vista sobre a oportunidade, ou não, deAA para o acesso, permanência e sucesso de indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior. Até onde pudemos rastrear, um dos poucos textos disponíveise que debatiam a questão foi aquele de autoria de FranciscaNovanti<strong>no</strong> Pinto de Ângelo, então representante indígena <strong>no</strong> ConselhoNacional de Educação (CNE) e bolsista IFP e que sustentava aposição de uma educação diferenciada também <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior.Acreditamos que o ensi<strong>no</strong> superior desempenha papel fundamental<strong>no</strong> processo de escolarização e de conquista da cidadania plenapor parte desses povos, devendo, portanto, seguir os princípios que<strong>no</strong>rteiam a formação escolar <strong>no</strong>s outros níveis de ensi<strong>no</strong>. No entanto,percebemos que o sistema de cotas ou vagas especiais que vemsendo adotado por algumas instituições de ensi<strong>no</strong> superior nãocontempla adequadamente as necessidades e diferentes realidadessociais, culturais e até mesmo linguísticas dos povos indígenas. Issoporque, enquanto os negros reivindicam vagas nas universidadesjá existentes <strong>no</strong> país, os indígenas necessitam de medidas diferenciadasvisando a garantir o seu acesso ao nível superior, como acriação de cursos com currículos específicos, que levem em consideraçãoas culturas, conhecimentos, visões de mundo, bem comoas necessidades de cada povo quanto à inserção <strong>no</strong> mercado detrabalho, superação dos problemas vivenciados em nível de comunidade,perspectivas para o futuro. (ÂNGELO, 2003: 3).Seria esta a posição hegemônica do movimento indígena? Essaproposta de ensi<strong>no</strong> superior “diferenciado” seria exclusiva? Deveriaser a mesma para a pós-graduação? A realização e <strong>no</strong>ssa participa-146 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ção <strong>no</strong> seminário Desafios, mostrou-<strong>no</strong>s que as posições nem sempreeram concordes e que podiam se modificar, pois a própria FranciscaNovanti<strong>no</strong> [Pinto de Ângelo] apontava para a necessidade dapós-graduação: “se pensarmos em criar <strong>no</strong> futuro uma universidadeindígena, a formação pós-graduada não poderá faltar” (NOVANTI-NO, 2007: 182).Além disso, o Desafios abriu o debate sobre a diversidade demodelos de ensi<strong>no</strong> superior para indígenas, em decorrência da diversidadeda demanda: cursos específicos para indígenas visando àformação de professores indígenas para a educação básica; cursosregulares visando à “formação profissional dos povos, das comunidadese do movimento indígena” (CUNHA, 2003: 100). AzeleneKaingang, uma das participantes <strong>no</strong> seminário Desafios, foi enfáticaao explicitar como concebia uma política de ensi<strong>no</strong> superior para ospovos indígenas:Sem criar uma universidade de indígenas (...) a universidade tem opapel de <strong>no</strong>s ajudar a dominar os códigos da sociedade não indígena,porque para nós é fundamental conhecer culturas diferentes da<strong>no</strong>ssa (...) Acredito que a condição para se fazer curso superior nãodeve ser o retor<strong>no</strong> para a <strong>no</strong>ssa comunidade, mas sim o compromissode contribuir com os povos na construção de estratégias paraa defesa de seus interesses. (KAINGANG, 2007: 50-51)Ao recebermos os anais do seminário Desafios para uma EducaçãoSuperior para os Povos Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e refletirmos sobreaquele momento de implementação do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, especialmente<strong>no</strong> que diz respeito à adequação de sua proposta ao momento das demandasindígenas, foi possível rememorar o quanto aquele encontrose constituiu num marco, num divisor de águas <strong>no</strong> debate sobre ensi<strong>no</strong>superior para indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Ofereceu-<strong>no</strong>s um mapa formidáveldas posições e das práticas, temas retomados em publicaçõesposteriores e que abriram <strong>no</strong>vos caminhos para se pensar sobre eimplementar experiências de educação superior para indígenas. Paranós da equipe da Fundação Carlos Chagas, responsável pela implementaçãodo IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, participar dos Desafios foi providencial,tendo <strong>no</strong>s possibilitado um chão para continuarmos a enfrentar <strong>no</strong>ssosdesafios.Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 147


Algumas das “picadas” abertas pelo Trilhas ao publicizar a vozde lideranças e acadêmicos indígenas (seja <strong>no</strong>s encontros ou via seusite na internet), alguns deles bolsistas ou ex-bolsistas IFP e outrospotenciais candidatos ao IFP, ampliaram as possibilidades de conhecimentomútuo e deixam registrados traços deste rico período dahistória do ensi<strong>no</strong> superior brasileiro, tenso e complexo, é verdade,mas enunciador de tempos promissores.Uma outra questão polêmica <strong>no</strong> debate e na implementação deexperiências de AA refere-se à definição de pertença étnico-racial.Nós que estamos implementando tais experiências temos que solucionara tensão entre respeitar a autoclassificação dos pretendentes e,ao mesmo tempo, evitar injustiças em decorrência de declarações “deocasião” ou por oportunismo (SILVA, 2003; ROSEMBERG, 2004).Trata-se de um aspecto das experiências brasileiras recentes que maisembate provocou <strong>no</strong> debate, suscitando, muitas vezes, ataques a todae qualquer programa de AA (entre os detratores) e mecanismos dedefesa dos paladi<strong>no</strong>s que, também por vezes, ig<strong>no</strong>ram aspectos relevantesde críticas.O debate e as experiências sobre AA <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior de indígenasderam, pois, visibilidade a um tema que a extensa e complexaliteratura sobre classificação étnico-racial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> pouco tratou:as profundas diferenças entre o processo classificatório conforme ogrupo étnico-racial ao qual o respondente se identifica ou declina apertença. Trata-se de outra pedra angular na discussão, pois a identificaçãoétnico-racial determina ou orienta o benefício de direitosou de oportunidades previstas pela iniciativa.No IFP, mesmo antes da adoção oficial do <strong>Brasil</strong> à Convenção 169da Organização Internacional do Trabalho (OIT) havíamos optado,para todos os atributos adscritos que sustentam a elegibilidade do candidato(região de nascimento, raça-etnia e condições socioeconômicasde origem), sua autodeclaração na medida em que a base empíricapara ponderar desigualdades de acesso à pós-graduação foram dadoscoletados pelo Instituto <strong>Brasil</strong>eiro de Geografia e Estatística (IBGE)com base em informações fornecidas pelos entrevistados. Porém, dadaa diversidade de procedimentos adotados nas recentes experiências decotas para o acesso de indígenas ao ensi<strong>no</strong> superior – “carteira daFunai”, carta da comunidade ou de lideranças indígenas –, na pre-148 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


paração de cada <strong>no</strong>vo edital para seleção <strong>no</strong>s defrontávamos com atentação de “radicalizar” os “critérios de indianidade”, seguindo atendência aparentemente hegemônica nas práticas locais. Tais impulsos,porém, foram controlados à medida em que participávamos dasreuniões do Conselho Assessor do Trilhas e dos encontros sobre ensi<strong>no</strong>superior de indígenas, que liamos e refletíamos sobre as experiênciasem curso, particularmente os textos elaborados pelo Laboratóriode Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced), <strong>no</strong>contexto do projeto Pathways.O texto “Educação Superior para indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> – sobre cotase algo mais” (SOUZA LIMA, 2007a) acabou por acalmar, pelome<strong>no</strong>s temporariamente, <strong>no</strong>ssas inquietações e mantivemos o procedimentode autodeclaração com explicitação do povo ao qual ocandidato pertence. Assim, além de incluirmos, <strong>no</strong> formulário paracandidatura ao IFP, uma pergunta equivalente àquela formulada <strong>no</strong>sinstrumentos de coleta de dados do IBGE (Censos e Pesquisas Nacionaispor Amostra de Domicílios), solicitamos ao candidato um relatode suas “experiências étnico-raciais” a opção por um dos segmentossociais previstos <strong>no</strong> edital. No caso de autodeclaração indígena,solicitamos informação sobre seu povo (ver adiante uma descriçãomais detalhada). Isto é, acolhemos e mantivemos a centralidade dopovo na demarcação de identidade indígena. Apesar de selecionarmos“pessoas” indígenas, a referência são os “povos” aos quais elaspertencem.Finalmente, mas não me<strong>no</strong>s importante, <strong>no</strong> interior de um dosprojetos financiados pelo Trilhas, <strong>no</strong> Rede de Saberes, gerou-se umaação de preparação de candidatos indígenas à bolsa IFP. Como mencionado,desde cedo havíamos observado não apenas a reduzida participaçãode candidatos indígenas às primeiras seleções, mas tambéma perda de algumas candidaturas por “vício de forma”: documentaçãoincompleta, formulários mal preenchidos, dossiês enviados forado prazo, entre outros. A iniciativa do Rede de Saberes, particularmenteaquela empreendida pela UCDB, permitiu o aumento decandidaturas indígenas das etnias daquela região. Por outro lado, ofortalecimento de licenciaturas interculturais, traduzindo-se na titu-Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 149


lação das primeiras turmas, acarretou, nas últimas seleções ao IFP, apresença de candidatos graduados nessas licenciaturas. 4Uma análise da Tabela 4 permite que se apreenda, em maior detalhe,o que <strong>no</strong>s parece ter sido uma parte da contribuição do Trilhase de seus parceiros ao IFP: a partir da Seleção 2004 ocorreu umaumento de candidaturas de pessoas que, além de se autodeclararemindígenas, informaram seu povo, isto é, constituíram-se em candidaturaselegíveis ao IFP, e que apresentaram dossiês competitivos econforme o instituído pelo edital de seleção.Tabela 4. Candidatos e bolsistas indígenas, por a<strong>no</strong> de seleção, 2002-2007Candidatos/bolsistas 2002 2003 2004 2005 2006 2007 TotalCandidatos que se autodeclararam40 14 37 34 41 52 218indígenasCandidaturas válidas dosque se autodeclararamindígenas10 09 18 18 23 34 112Bolsistas indígenas 5 3 4 2 6 6 26Total geral de candidaturas 1.506 931 1.212 1.219 955 949 1.025Fonte: Base de Dados do Programa IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, 2002-2007 (FCC, 2008).Tal articulação, digamos mais orgânica entre ambos os programas,mediada pela escorreita estratégia do Rede de Saberes, entre outrosaportes, permitiu-<strong>no</strong>s apreender tensões entre as especificidadesda formação na graduação e na pós-graduação, bem como atentarpara diferenças de foco em iniciativas jumeladas. Aqui tratamos dedois aspectos: o significado da complementaridade entre Pathways e oIFP; a diferença entre a formação na graduação e na pós-graduação.Entendemos a complementaridade entre ambos os programas nasinergia das ações, na medida em que melhorias na graduação de estudantesindígenas aumenta suas chances de prosseguir a formaçãopós-graduada com bolsa do IFP ou de outras agências de fomento.Mas esta complementaridade não significa que pessoas beneficiárias4 Aqui não podemos deixar de mencionar o aporte do Trilhas, particularmente dasábia composição do seminário Desafios para uma Educação Superior para osPovos Indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, a <strong>no</strong>sso ver um dos rastilhos que incitaram o MEC aelaborar o Prolind, programa destinado a incentivar cursos de licenciaturas específicaspara professores para o exercício da docência dos indígenas.150 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


do Pathways sejam bolsistas “natos” do IFP, ou que este tenha lhesreservado uma cota ou subcota. Se assim fosse, estaríamos privilegiandouma trajetória de “beneficiários da Fundação Ford”, o quenão <strong>no</strong>s parece adequado <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> político, tampouco <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> dajustiça. Os programas estariam produzindo hierarquias entre os beneficiáriospotenciais, privilegiando aqueles que, por diversas contingências,teriam tido contato com iniciativas da Fundação Ford.Por outro lado, por ser uma experiência na pós-graduaçãostricto-sensu, a perspectiva do IFP é a de abrir horizontes, ampliaras possibilidades de enriquecimento das experiências acadêmicas deseus bolsistas. Sua vocação internacional abre perspectivas, desdeo mestrado, para estudos <strong>no</strong> exterior, em modalidade “sanduíche”ou integral. Ao abrir possibilidade de escolha para os programas depós-graduação, bolsistas indígenas e não indígenas, com algumasexceções (geralmente associadas a obrigações familiares), optampor circular, isto é, estudar em local diferente do de sua residênciaou de estudos anteriores. Isto acarreta uma relativa dispersão dosbolsistas por programas de pós-graduação <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, salutar emcerta medida, também em decorrência da diversidade dos campose áreas do conhecimento pelos quais optam. Nesta medida, osbolsistas IFP, indígenas e não indígenas, enfrentam o “mundão”,com as vantagens e desvantagens que isto acarreta, amparados porum acompanhamento atento e por recursos fi nanceiros compatíveis.Temos dúvida se é possível (e desejável) oferecer uma acolhidaou tratamento específico para indígenas em um programa de bolsasde pós-graduação (não estamos <strong>no</strong>s referindo à graduação), namedida em que o benefício é destinado a pessoas, e não a povos oucomunidades, e que estas pessoas carregam experiências muito diversificadasentre si. Tal diversidade será tratada <strong>no</strong> próximo tópicodestinado a apresentar, sinteticamente, o perfil de candidatos e bolsistasindígenas <strong>no</strong> IFP.Candidatos e bolsistas indígenas <strong>no</strong> IFPNeste período de vigência do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, foram realizadas seisseleções anuais às quais se apresentaram, <strong>no</strong> total, 6.772 candidatos,dentre eles 218 que se autodeclararam indígenas; foram concedidas250 bolsas, 26 para indígenas. No quadro abaixo apresentamos in-Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 151


dicadores seletos sobre o IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, para o conjunto de candidatose bolsistas.Quadro 2. Informações seletas sobre o IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (setembro 2008)A<strong>no</strong> de início 2001Número de seleções 6Número de candidatos às 6 seleções 6.772Bolsas concedidas250 (75% para mestrado)Duração das bolsas• mestrado: 24 meses + pré-acadêmico (até12 meses)• doutorado: 36 meses + pré-acadêmico (até12 meses)• média: 26,8 mesesPerfil dos bolsistas• 49,2% mulheres• 85,6% declararam-se pretos ou pardos• 10,4% declararam-se indígenas• 62,8% nasceram nas regiões Norte, Nordesteou Centro-Oeste• média de idade 33,8 a<strong>no</strong>sPrincipais campos de estudos dosbolsistasPrincipais universidades em que osbolsistas estudam/ingressaramEm 30 de setembro 2008Tempo médio para titulaçãoFonte: Base de Dados do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (FCC, 2008).• Educação: 21,9%• Artes e Cultura: 10,9%• Meio Ambiente e Desenvolvimento: 9,3%• Direitos Huma<strong>no</strong>s: 7,6%• PUC-SP: 46• Ufba: 9• USP: 15• <strong>Universidade</strong> de Coimbra: 9• Unisi<strong>no</strong>s: 11• UFF: 8• UnB: 10• UFRJ: 8• 120 bolsistas terminaram a bolsa• dentre eles 109 já completaram o curso,91 <strong>no</strong> mestrado e 18 <strong>no</strong> doutorado• 25,8 meses <strong>no</strong> mestrado• 43,5 meses <strong>no</strong> doutoradoAntes de prosseguir na apresentação dos dados, é necessário explicitara nuance <strong>no</strong> uso das expressões “candidatos que se autodeclararamindígenas” e “candidatos ou bolsistas indígenas”. Como mencionado,tivemos que enfrentar a tensão, habitual em programas de152 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


AA, entre adotar procedimento de autodeclaração dos candidatos econtrolar a declaração “de ocasião” (SILVA, 2003) ou por oportunismo.No caso do IFP, a autodeclaração de indígena para ser acolhidanecessita mencionar o povo ao qual pertence. Dentre os candidatosque se autodeclararam indígenas, um bom número (49,5% <strong>no</strong> conjuntodas seis seleções) não declaram povo e explicitam sua declaraçãode pertença seja exclusivamente pela aparência ou pelo mito das trêsraças, como <strong>no</strong>s exemplos a seguir: “ Meus bisavós por parte de mãetinham descendência indígena; Porque fisicamente apresento o biotipodesta categoria [indígena]; Minha pele morena escura e meus traçosfísicos indicam que tenho ascendência indígena.” 5Por razões políticas e éticas, optamos <strong>no</strong> IFP por não alterar suaautodeclaração enquanto candidatos (por isto entram nas estatísticassobre candidatos), mas não são elegíveis como “candidatos indígenas”ao Programa pois não se vinculam ou explicitam suas etnias.Desse modo, as estatísticas sobre candidaturas envolvem tanto “candidatosautodeclarados indígenas”, quanto “candidatos indígenas”.Já entre os bolsistas, temos apenas indígenas, pois os candidatos apenasautodeclarados indígenas sem mencionar seu povo não passarampara as fases posteriores do processo de seleção.Tal procedimento de definição de indianidade <strong>no</strong> IFP permite quese compreenda uma tensão na configuração do perfil dos candidatosao Programa <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: <strong>no</strong>tamos, entre indígenas (e entre negros também),um maior número de candidatas mulheres que de candidatoshomens. Porém, mais frequentemente que os homens, mulheres candidatasque se autodeclararam indígenas não informaram sua etniade pertença: 52% entre as mulheres e 46% entre os homens autodeclaradosindígenas não declararam etnia de pertença; entre os 108autodeclarados indígenas de ambos os sexos e que não informaramseu povo, 64% eram mulheres (Base de dados do IFP, FCC, 2008).5 Em outro artigo (ROSEMBERG; ANDRADE, 2008), discutimos esta tensão entreraça/etnia e gênero <strong>no</strong> contexto da experiência do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Atentar doisaspectos: sob a rubrica sem declaração de povo incluímos, também, autodeclaraçõesque informaram sobre povos não constando da lista do ISA (2006); deacordo com o código de ética do IFP <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, os candidatos, que assim desejarem,assinam uma declaração de consentimento referente ao uso das informaçõesanônimas constantes de seus dossiês.Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 153


No conjunto das seis seleções, os candidatos declararam pertençaa 36 povos diferentes (Tabela 5). A distribuição de frequência apontauma certa correlação entre as quatro etnias mais populosas, conformeestimativa do Instituto Socioambiental (ISA) (2006) – Guarani,Ticuna, Kaingang, Terena e Guajajara –, e o número de candidatosao IFP que declararam sua pertença a elas. Mas não se trata de umaassociação linear. Com destaque os candidatos Terena, os mais numerosos<strong>no</strong> IFP, e que ocupariam a quinta posição nas estimativasdo ISA. Isto se deve ao aumento significativo das candidaturas Terenaa partir da Seleção 2006, quando da instalação, em Mato Grossodo Sul, da parceria entre o Trilhas e o programa Rede de Saberes. 6Tabela 5. Distribuição de frequência da população, candidatos e bolsistas IFP,por etniaEtnias População* Candidatos** Bolsistas **Apurinã 3.256 1 1Bakairi (Kurâ) 910 2 -Baniwa 5.811 4 3Baré 10.275 3 -Chiquita<strong>no</strong> 737 1 -Guajajara 19.471 3 1Guarani(Kaiowa/Ñandéva/M’byá)45.787 7 3Kambeba 347 1 -Kiriri 1.612 1 -Kisêdjê 351 1 -Kuruaia 129 2 -Kaingang 28.000 11 2Kokama 9.000 1 -Krenak 204 1 -Kuikuro 509 1 16 Ortega e Landa (2007), analisando o perfil econômico e educacional dos estudantesindígenas da <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato Grosso do Sul, observou, também,que entre os 188 indígenas matriculados em 2003, 142 pertenciam à etniaTerena. Dentre as razões evocadas, os autores destacam que os Terena “haviaminiciado o processo de escolarização formal já <strong>no</strong> final do século XIX” (p. 4).154 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Etnias População* Candidatos** Bolsistas **Macuxi 23.433 3 -Munduruku 10.065 1 -Ofayé 61 1 -Pankararu 6.515 4 2Pataxó 10.897 1 -Piratapuia 1.433 1 1Potiguara 11.424 5 -Pareci 1.416 1 1Parintintin 284 1 -Tapeba 5.741 1 -Tapuia 165 2 -Taria<strong>no</strong>/Taliáseri 2.549 2 1Tembé 1.425 1 -Terena 19.961 29 6Ticuna 30.000 3 -Tremembé 2.049 1 -Tuka<strong>no</strong> 6.241 3 1Tupinambá 2.590 1 -Tupinikim 1.950 1 -Tuyuka 825 1 1Wapichana 6.844 3 1Xocó 364 1 -Xokleng 887 1 1Xukuru 9.064 2 -Não declarou ou outras- 108 -de<strong>no</strong>minaçõesTotal 218 26Fontes: *População conforme informação contida <strong>no</strong> livro do ISA (2006, p. 10);** Base de dados do IFP (FCC, 2008).Dentre os 110 candidatos que se autodeclararam indígenas e informaramseu povo, 46 (41,1%) informaram não ter o português comolíngua materna e declinaram 12 diferentes línguas, a saber: AruakIndi (1), Baniwa (1), Guarani (5), Kaingang (8), Macuxi (1), Nhengatu(5), Tariana (1), Terena (16), Ticuna (1), Tuka<strong>no</strong> (5), Tuyuka (1), Wa-Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 155


pichana (1). Dentre os bolsistas, estão representadas 15 etnias (Tabela5) e 11 línguas, a saber: Aruak Indi, Baniwa, Guarani, Kaingang,Kuikuro, Nhengatu, Terena, Tuka<strong>no</strong>, Tuyuka, Xokleng e Wapichana.A distribuição do estado de nascimento dos candidatos que seautodeclararam indígenas segue suas etnias (Tabela 6). Assim, MatoGrosso do Sul é a unidade federada mais frequente (20,2%), seguidado Amazonas (14,7%) e do Rio Grande do Sul (8,7%). Distribuiçãoequivalente está presente entre os bolsistas: Mato Grosso do Sul(30,8%); Amazonas (26,9%).Tabela 6. Distribuição de frequência das candidaturas, por unidade federada de nascimentode candidatos que se autodeclararam indígenas e bolsistas IFP indígenasUF de nascimentoCandidatosBolsistasn. % n. %AC 2 0,9 1 3,8AL 1 0,5 0 0,0AM 32 14,7 7 26,9AP 2 0,9 0 0,0BA 9 4,1 0 0,0CE 11 5,0 0 0,0DF 2 0,9 1 3,8ES 1 0,5 0 0,0MA 7 3,2 1 3,8MG 6 2,8 0 0,0MS 44 20,2 8 30,8MT 9 4,1 2 7,7PA 10 4,6 0 0,0PB 4 1,8 0 0,0PE 9 4,1 2 7,7PI 2 0,9 0 0,0PR 3 1,4 0 0,0RJ 5 2,3 0 0,0RN 1 0,5 0 0,0RO 2 0,9 0 0,0RR 5 2,3 1 3,8RS 19 8,7 1 3,8156 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


UF de nascimentoCandidatosBolsistasn. % n. %SC 2 0,9 2 7,7SE 2 0,9 0 0,0SP 13 6,0 0 0,0TO 4 1,8 0 0,0NC/OP 11 5,0 0 0,0Total 218 100,0 26 100,0Fonte: Base de Dados do IFP (FCC, 2008).Das 26 bolsas concedidas a indígenas (10,4% do total de bolsasconcedidas) duas foram para doutorado e as demais para mestrado.Dentre os 26 indígenas contemplados: quatro encontram-se <strong>no</strong> períodopré-acadêmico, preparando-se para a seleção <strong>no</strong>s programasde pós-graduação; 10 encontram-se <strong>no</strong> período acadêmico, cursandoprogramas de mestrado (9) e de doutorado (1); 12 indígenas játerminaram a bolsa sendo que, dentre eles, apenas um ainda não setitulou. Os 22 bolsistas indígenas que já ingressaram em programasde pós-graduação foram acolhidos por 13 universidades diferentes.Em sua quase totalidade, os bolsistas indígenas se dirigem a universidadesbrasileiras, públicas (9) ou privadas (12) situadas nas diversasregiões do país. Merece destaque a UCDB, do Mato Grosso do Sul,que recebeu o maior número de bolsistas IFP indígenas e que sediao programa Rede de Saberes, um dos dois núcleos integrantes doProjeto Trilhas de Conhecimentos (Tabela 7).Tabela 7. Distribuição de frequência de universidades frequentadas, por bolsistasIFP indígenas<strong>Universidade</strong>sFrequênciaUCDB 5PUC-SP 4PUC-PR 2UFRJ 2Unicamp 1PUC-RGS 1Ufpa 1Ufal 1Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 157


<strong>Universidade</strong>sFrequênciaUFMT 1UFRGS 1UnB 1UFPE 1Univ. da Flórida 1Total 22Fonte: Base de Dados do IFP (FCC, 2008).Candidatos e bolsistas indígenas optaram por diferentes áreas doconhecimento, com forte ênfase em Educação, Direitos Huma<strong>no</strong>s,Meio Ambiente e Desenvolvimento Comunitário, áreas que ocupamposição de destaque na agenda das organizações indígenas (LUCIA-NO, 2008a). 7Tabela 8. Distribuição de frequência de áreas do conhecimento apontadas, por candidatosque se autodeclararam indígenas e bolsistas IFP indígenasÁreas de conhecimentoCandidaturas Bolsistasn. % n. %Artes e cultura 12 5,5 1 3,8Desenvolvimento comunitário 19 8,7 4 15,4Direitos Huma<strong>no</strong>s 26 11,9 4 15,4Educação e ensi<strong>no</strong> superior 67 30,7 9 34,6Financiamento para o desenvolvimento e4 1,8 0 0,0Segurança econômicaGeração de recurso e des. Comunitário 12 5,5 2 7,7Gover<strong>no</strong> 1 0,5 0 0,07 São praticamente inexistentes informações macro sobre carreiras universitáriasseguidas por estudantes indígenas. Em Beltrão e Teixeira (2005) encontram-sealgumas menções, sendo o foco principal da pesquisa, como na maioria dos textossobre ensi<strong>no</strong> superior raça e etnia, a comparação entre populações branca enegra. Lucia<strong>no</strong> (2008a) e Lima e Barroso Hoffmann (2007a) destacam as duasprincipais demandas indígenas para formação em nível superior: formação deprofessores para atuar em escolas indígenas; formação de quadros indígenas paraa interlocução com o Estado brasileiro (e outras agências) visando o respeito aosdireitos dos povos indígenas. Aqui, apesar do campo do Direito ser priorizado(LUCIANO, 2008a): 10), abre-se o leque para outras especialidades. Consultarinformações sobre o Centro Indígena de Estudos e Pesquisas e o Observatório deDireitos Indígenas (LUCIANO, 2008a).158 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Áreas de conhecimentoCandidaturas Bolsistasn. % n. %Meio ambiente e desenvolvimento 21 9,6 4 15,4Mídia 5 2,3 1 3,8Paz e justiça social 9 4,1 0 0,0Qualificação da força de trabalho 8 3,7 0 0,0Reforma educacional 5 2,3 0 0,0Religião, sociedade e cultura 13 6,0 0 0,0Sexualidade e saúde reprodutiva 5 2,3 1 3,8Sociedade civil 7 3,2 0 0,0Não consta 4 1,8 0 0,0Total 218 100,0 26 100,0Fonte: Base de Dados do IFP (FCC, 2008).Tais opções transparecem <strong>no</strong>s temas de dissertações e tese já defendidaspor ex-bolsistas indígenas do IFP que focalizam questõesdiretamente relacionadas às aspirações e necessidades dos povos indígenas(Quadro 4).Quadro 4. Títulos de teses e dissertações já defendidas de autoria de ex-bolsistas IFPindígenasNome e etniaAdão Oliveira. TaliáseriClaudio<strong>no</strong>r do CarmoMiranda. TerenaFrancisca Novanti<strong>no</strong>Pinto de Ângelo.ParesiFrancisco KennedyAraújo de Souza.ApurinãnGeraldo Veloso Ferreira.Tuka<strong>no</strong>Nível e <strong>Universidade</strong>M / UFPEM / UCDBM / UFMTM / Univ. FlóridaM / PUC-SPTítulo da dissertação ou teseA Et<strong>no</strong>matemática dos Taliáseri: Medidoresde tempo e sistema de numeraçãoTerritorialidade de práticas agrícolas:Premissas para o desenvolvimento localem comunidades Terena de MSO processo de inclusão das escolas indígenas<strong>no</strong> sistema oficial de ensi<strong>no</strong> deMato Grosso: Protagonismo indígenaEco<strong>no</strong>mic analysis and land use decisionsin Acre, Brazil: Modeling alternative scenariosfor small communitiesPráticas culturais indígenas na ação pedagógicada Escola Estadual IndígenaSão MiguelIndígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 159


Nome e etniaGersem José dos SantosLucia<strong>no</strong>. BaniwaJúlio Cézar Inácio.KaingangLuiz Fernandes daCosta. Guarani CaiowaNível e <strong>Universidade</strong>M / UnBM / UFRGSM / UCDBMaria das Dores de D / UfalOliveira. PankararuNanblá Gakran. XoklengM / UnicampPaulo Celso de Oliveira.PankararuM / PUC-PRFonte: Base de dados do IFP (FCC, 2008).Título da dissertação ou teseProjeto é como branco trabalha; as liderançasque se virem para aprender e <strong>no</strong>sensinar: Experiências dos povos indígenasdo Alto Rio NegroZoneamento et<strong>no</strong>ambiental, a partir dedados de vegetação e uso do solo daTerra Indígena de Ligeiro/RSOs impactos promovidos pelos agentesde desenvolvimento rural <strong>no</strong> projeto deassentamento Andalucia em Nioaque,estado de Mato Grosso do SulOfayé, a língua do povo do mel. Fo<strong>no</strong>logiae GramáticaEstudo morfossintaxe da língua Laklãnõ(Xokleng) de Santa CatarinaGestão territorial indígenaUma marca forte deste breve perfil de candidatos e bolsistas IFPindígenas é sua diversidade. Como vimos, encontramos entre os candidatose bolsistas <strong>no</strong> IFP, indígenas de diferentes povos, tendo ounão o português como língua materna, residindo em áreas indígenasou metropolitanas e ostentando currículo educacional, ativista e laboralmuito diversificado na interação com instituições indígenas enão-indígenas. Assim, se alguns candidatos ou bolsistas indígenasfrequentaram exclusivamente escolas indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> básico elicenciaturas interculturais para formação de professores indígenas(candidatos e bolsistas das seleções mais recentes), outros viveramuma escolaridade mista, ensi<strong>no</strong> básico em escolas indígenas ou não(por exemplo, internatos religiosos) e superior em universidades ouinstituições de ensi<strong>no</strong> superior federais, em cursos de primeira linha,ou, por vezes, em instituições privadas que não merecem este qualificativo.Alguns obtiveram bolsa da Funai, outros já se beneficiaramde cotas e, outros ainda, de experiências de nivelamento seja dosprogramas integrados ao Trilhas (como Rede de Saberes), seja emrecentes programas de pós-graduação em Direitos Huma<strong>no</strong>s (comoo da <strong>Universidade</strong> Federal do Pará (Ufpa). Alguns bolsistas mantém160 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


como meta o aperfeiçoamento de seu ofício de professor indígena eoutros pensam na pós-graduação como estratégia de fortalecimentode suas competências na interlocução política com as instituiçõesnacionais e internacionais na gestão do território indígena. 8 ComoMaria das Dores de Oliveira Pankararu descreveu em maio de 2006o grupo de então 14 bolsistas IFP indígenas:Formamos um eclético grupo de pesquisadores/as indígenas. Se antesestávamos somente na condição de pesquisados, hoje <strong>no</strong>ssostrabalhos prenunciam uma <strong>no</strong>va era na produção do conhecimento(...) O convívio na comunidade e a militância <strong>no</strong>s movimentos indígenas<strong>no</strong>s tornam conhecedores de necessidades e aspirações de<strong>no</strong>ssa gente. (OLIVEIRA, 2006: 4)Uma diversidade equivalente, mas não idêntica, encontramos entrecandidatos e bolsistas não indígenas, que podem provir também deáreas cosmopolitas ou mais isoladas e de difícil acesso (por exemplo,remanescentes de quilombo), ter vivido trajetória escolar em escolarural ou urbana, diurna ou <strong>no</strong>turna, mais ou me<strong>no</strong>s competitiva, terse beneficiado, ou não, dos recentes programas de ação afirmativa(como os cursinhos para negros e “carentes”), atuar em nível nacionalenquanto liderança reconhecida ou local, <strong>no</strong> bairro, na instituição.Nossa opção, <strong>no</strong> IFP, foi oferecer tratamento diferenciado nãoconforme a pertença étnico-racial, mas conforme aquilo que identificamoscomo necessidades específicas dos bolsistas. Por exemplo, <strong>no</strong>período pré-acadêmico, preparatório para a seleção na pós-graduação,o IFP antecede, para alguns bolsistas, o início da bolsa para queeste nivelamento seja presencial e não à distância como ocorre para amaioria deles. Tal benefício tem sido concedido a bolsistas indígenase não indígenas quando observamos insuficiência local de recursospara uma formação pré-acadêmica adequada e que lhes permita concorrercom sucesso à seleção na pós-graduação.Por outro lado, dada a pequena presença de candidatos, masprincipalmente, de bolsistas indígenas <strong>no</strong> conjunto de beneficiados8 O processo de seleção do IFP conta com o apoio de uma Comissão de Seleçãobrasileira, re<strong>no</strong>vada periodicamente, composta por oito pessoas, doutores e professoresuniversitários das diversas áreas de conhecimento, provenientes das diferentesregiões e grupos étnico-raciais, com paridade de gênero.Indígenas <strong>no</strong> Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford... 161


pelo IFP, rapidamente percebemos que seria necessário dar-lhes visibilidadecomo grupo. Neste intuito, temos desenvolvido uma série deestratégias: bolsistas indígenas são instados a apresentar trabalhos<strong>no</strong>s encontros anuais que realizamos; quando pertinente (como em2008), organizamos nesses encontros uma sessão específica sobrequestões indígenas para fortalecer a visibilidade de sua presença; dedicamosum número especial sobre bolsistas indígenas na Circular(news letter bianual que editamos, com colaboração dos bolsistas –Circular 10. OLIVEIRA, 2006); convidamos ex-bolsistas indígenaspara serem “oradores” em eventos de acolhida aos <strong>no</strong>vos colegas;convidamos Maria das Dores de Oliveira, indígena Pankararu, doutoraem linguística e primeira bolsista IFP a titular-se <strong>no</strong> doutoradoe a compor a Comissão de Seleção do Programa.Neste a<strong>no</strong>, a visibilidade de ex-bolsistas IFP indígenas se viu ampliadapela publicação da coletânea temática Estudos Indígenas:comparações, interpretações e políticas (ATHIAS; PINTO, 2008).Trata-se do terceiro volume da Série Justiça e Desenvolvimento IFP/FCC e que visa divulgar artigos provenientes de teses e dissertaçõesde ex-bolsistas IFP, colocando em circulação temas e enfoques desta<strong>no</strong>va geração de intelectuais comprometida com a justiça social. 9Nessa coletânea, dentre os <strong>no</strong>ve artigos publicados sobre temas indígenas,oito são de autoria de mestres e de uma doutora indígena.Consideramos que estamos, desse modo, caminhando pelas “picadas”do Trilhas e participando do começo do pagamento de umadívida histórica.No caso das Ciências Sociais ou mais especificamente da Antropologia,isto seria o começo do pagamento de uma dívida histórica ede devolução positiva e propositiva de todo o acúmulo de conhecimentosque foram produzidos sobre e com o apoio dos povos indígenas(tratados como informantes, como objeto de pesquisa, ou apoio<strong>no</strong> trabalho de campo). (GERSEM LUCIANO BANIWA, 2006a)9 Outras coletâneas: Educação, organizada por Luiz Alberto Oliveira Gonçalvese Regina Pahim Pinto (2007); Mobilização, Participação e Direitos, organizadapor Evelina Dagni<strong>no</strong> e Regina Pahim Pinto (2007); Mulheres e Desigualdades deGênero, organizada por Marília Pinto de Carvalho e Regina Pahim Pinto (2008).162 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> eas ações afirmativas para o acesso de negros eindígenas ao ensi<strong>no</strong> superior 10Nina Paiva AlmeidaO presente artigo trata do Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong>(PDU), uma ação do Ministério da Educação (MEC), realizada entreos a<strong>no</strong>s de 2002 e 2007 a partir de um contrato de empréstimo como Banco Interamerica<strong>no</strong> de Desenvolvimento (BID). O Programa tinhapor objetivo contribuir para a promoção do acesso de negros eindígenas ao ensi<strong>no</strong> superior por meio do apoio a cursos pré-vestibularesque tivessem corte racial em sua população-alvo. O PDU foia primeira ação de empréstimo do BID voltada para a temática dadiversidade <strong>no</strong> setor de educação e sua execução é considerada pelosgestores do MEC como um processo importante para o desenvolvimentoda temática <strong>no</strong> interior do Ministério.Contexto de criação do PDU e alguns antecedentesO Diversidade, como o programa é referido por seus gestores, foicriado durante o gover<strong>no</strong> Fernando Henrique Cardoso, na gestãoPaulo Renato de Souza <strong>no</strong> MEC, em 2002. Surgiu na esteira dasrepercussões da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação,a Xe<strong>no</strong>fobia e a Intolerância Correlata realizada em setembrode 2001, em Durban, África do Sul. Esta conferência foi ummarco <strong>no</strong> desenvolvimento dos debates sobre a adoção de políticas10 Este artigo foi escrito a partir de minha dissertação de mestrado, intitulada Diversidadena <strong>Universidade</strong>: o BID e as políticas educacionais de inclusão étnico--racial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, defendida em junho de 2008 <strong>no</strong> Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia Social/Museu Nacional, <strong>Universidade</strong> Federal do Rio de Janeiro.Este trabalho contou com os recursos concedidos pela Fundação Ford ao Laboratóriode Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced) parao projeto Trilhas de Conhecimentos: o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (2ªfase), coordenado pelo professor Antonio Carlos de Souza Lima.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 163


de ação afirmativa para populações etnicamente diferenciadas, tendoem vista que a Declaração e o Pla<strong>no</strong> de Ação resultantes do eventoincluíam recomendações aos países para que desenvolvessem estetipo de política.O debate que ia se desenvolvendo <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> internacional, especialmenteem relação à Conferência de Durban, repercutiu fortemente<strong>no</strong> cenário nacional. No <strong>Brasil</strong>, a fase preparatória para aConferência trouxe à luz uma ampla discussão acerca da questãoracial e da sua inserção na agenda política do gover<strong>no</strong> federal, especialmente<strong>no</strong> que diz respeito às possibilidades de adoção de políticasde cotas para o acesso de populações etnicamente diferenciadas àsuniversidades do país. No entanto, antes mesmo de se iniciar a mobilizaçãopreparatória para Durban tivemos alguns acontecimentosimportantes, durante o gover<strong>no</strong> Fernando Henrique Cardoso, paraa deflagração das discussões acerca das relações raciais <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,como a criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para aValorização da População Negra, integrante do Programa Nacionalde Direitos Huma<strong>no</strong>s. Criado por Decreto Presidencial de 20 de <strong>no</strong>vembrode 1995, o Programa foi encarregado de formular políticasgovernamentais para valorização e promoção dos direitos dos afro--brasileiros (BRASIL, 1995).Três a<strong>no</strong>s depois, a deputada Nilce Lobão (PFL/MA) elaborouo Projeto de Lei-PL 73/1999, conhecido como “Lei de Cotas”, quepretendia estabelecer como prática corrente nas universidades públicasbrasileiras a política de cotas para estudantes de ensi<strong>no</strong> médio. Aeste PL foram apensados outros, versando sobre cotas para negros,indígenas e estudantes da rede pública (PERIA, 2004). 11 Em 2000,11 Em 2008 o Projeto de Lei 73/1999 não tinha sido aprovado e continuava emtramitação na Câmara dos Deputados. Os PL apensados ao 73/1999 são: 1) PL373/2003, autor: Lincoln Portela (PL/MG) – institui cotas para idosos em universidadespúblicas; 2) PL 615/2003 – autor: Murilo Zauith (PFL/MS) – dispõesobre a obrigatoriedade de vagas para índios que forem classificados em processoseletivo, sem prejuízo das vagas abertas para os demais alu<strong>no</strong>s (apensado aeste, há o PL 1.313/2003 – autor: Rodolfo Pereira (PDT/RR) – institui o sistemade cota para a população indígena nas Instituições de ensi<strong>no</strong> superior); 3) PL3.627/2004 – autor: Poder Executivo – institui Sistema Especial de Reserva deVagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas,nas instituições públicas federais de educação superior e dá outras providências;4) PL 14/2007 – autor: Dr. Pi<strong>no</strong>tti (DEM/SP) – introduz modificações164 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ao Racismo e à Intolerância, o documento brasileiro que seria encaminhadoà Conferência Mundial. 14A Carta do Rio, bem como a Conferência Nacional, estruturou--se numa divisão em Grupos Temáticos (GTs), cada um deles criandorecomendações específicas. Em comum, os GTs colocaram o repúdioa todas as formas de discriminação que marcam a sociedade brasileira,reconheceram a existência do racismo como um fenôme<strong>no</strong> comorigem histórica e destacaram o papel fundamental do sistema deensi<strong>no</strong> em todos os seus níveis e da mídia, enquanto formadores deopinião pública, nas manifestações de racismo presentes em <strong>no</strong>ssasociedade. Além disso, os grupos convergiram em relação à “necessidadede políticas afirmativas que possibilitem a superação e o fimda reprodução de práticas e políticas socialmente discriminatórias”(CARTA DO RIO, 2001: 4). Portanto, foi a partir da demanda internacional,somada às pressões internas oriundas dos movimentossociais, especialmente de negros e de indígenas, que a questão étnico-racialganhou força <strong>no</strong>s debates sobre as definições da agendapolítica brasileira (SANTOS, 2005: 17).Desde então, ficou clara a secundarização da questão indígenanesse debate. Em muitos dos debates que vinham se travando, inclusive<strong>no</strong> interior da Conferência Nacional preparatória para Durban,os povos indígenas pareciam constituir mais uma espécie de adendoao debate mais amplo que vinha se desenvolvendo em relação à situaçãodos afrodescendentes e as especificidades de suas diversas situaçõesreais acabavam não sendo contempladas. O mesmo se repeteem relação à proposição de cotas para o acesso ao ensi<strong>no</strong> superior ouem concursos <strong>no</strong> setor público: comumente as questões específicasdos povos indígenas e de sua situação escolar – incluindo seu direito,garantido por lei, a uma educação diferenciada, intercultural e bilíngue– são desconsideradas. 15 Como colocam Souza Lima e BarrosoHoffmann:14 Para o texto da Carta do Rio ver: http://www.rndh.gov.br/Carta%20do%20Rio.pdf. Acesso em: 7 fev. 2008.15 Apesar destas primeiras iniciativas apontarem na direção da formulação de políticasde combate ao racismo, pouco foi feito durante o gover<strong>no</strong> Fernando HenriqueCardoso <strong>no</strong> sentido de uma efetiva incorporação destas questões na agendapolítica nacional (SANTOS, 2005: 15). Nos últimos a<strong>no</strong>s do gover<strong>no</strong>, entretanto,<strong>no</strong> bojo do processo preparatório para a Conferência Mundial contra o Racismo166 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


As políticas de ação afirmativa, instituídas ao apagar das luzes dosegundo mandato FHC, e de fato implantadas na gestão de Lula,enfrentam hoje o desafio de conhecer o mundo específico da educaçãoescolar indígena. Precisam adequar-se mais amplamente às especificidadesda situação indígena, criando mecanismos de acesso àuniversidade que não reproduzam pura e simplesmente as alternativaspensadas para o contexto das populações afro-descendentes,levando em consideração a necessidade de instituir políticas voltadaspara povos, isto é, capazes de beneficiar, mais do que indivíduos(ainda que por meio deles), coletividades que pretendemmanter-se culturalmente diferenciadas. (SOUZA LIMA; BARRO-SO HOFFMANN, 2007a: 13)Enquanto todo este debate ia se delineando, algumas medidasforam tomadas por parte do gover<strong>no</strong> federal, como o Decreto 4.228,de 13 de maio de 2002, que instituiu, <strong>no</strong> âmbito da AdministraçãoPública Federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas, coordenadopela Secretaria de Estado dos Direitos Huma<strong>no</strong>s do Ministérioda Justiça. Esse Programa teve como finalidade o estabelecimento demetas percentuais para a participação de afrodescendentes, mulherese portadores de deficiência <strong>no</strong> preenchimento de cargos comissionadosda Administração Pública Federal, bem como estimular omesmo tipo de iniciativa em outras instituições, por meio de critériosadicionais de pontuação nas licitações promovidas por órgãos federais.Aqui, mais uma vez, não foram contemplados os indígenas.Outras iniciativas importantes a serem mencionadas remetem aduas ações da Fundação Ford, 16 o IFP e o Pathways to Higher EducationInitiative (PHEI), lançados em 2000 e 2001, respectivamente,também na esteira de toda a mobilização para a Conferência deda Organização das Nações Unidas (ONU), o debate efetivamente ganhou força,ficando, a cargo do gover<strong>no</strong> Lula a implementação das políticas que se iam desenhandoe sendo polemicamente propagandeadas, a partir de janeiro de 2003.16 A Fundação Ford foi, de certa forma, pioneira <strong>no</strong> desenvolvimento de projetosrelacionados à promoção da diversidade na educação, tendo em vista que inseriuem suas linhas de ação a perspectiva do “combate às desigualdades raciais naeducação” desde os a<strong>no</strong>s 1980, mas, principalmente, a partir de meados da décadade 1990 (CAMPOS, 2002: 116). Sobre a Fundação Ford, ver: http://www.fordfound.org Acesso em: 14 abr. 2008.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 167


Durban. 17 O IFP é um programa de concessão de bolsas de pós-graduaçãooferecidas para pessoas “com potencial de liderança em seuscampos de atuação” com o intuito de capacitá-las “para promover odesenvolvimento de seu país, bem como maior justiça econômica esocial”. No <strong>Brasil</strong>, o programa funciona desde 2002 – com previsãode ser executado até 2010 – e é desenvolvido em parceria com a FundaçãoCarlos Chagas, privilegiando como seus beneficiários “pessoasnegras ou indígenas, nascidas nas regiões Norte ou Nordesteou Centro-Oeste, ou provenientes de famílias que tiveram poucasoportunidades econômicas e educacionais”. 18O Pathways foi concebido como um programa complementarao International Fellowships Program (IFP) e é uma iniciativa que“apoia atividades para ampliar o acesso dos grupos sub-representadosàs instituições de ensi<strong>no</strong> superior” como parte da iniciativaglobal da Ford Foundation para promover mudanças estruturais quetornem o ensi<strong>no</strong> superior mais inclusivo e democrático”. No <strong>Brasil</strong>,o programa apoia iniciativas voltadas para o combate às desigualdadesétnicas e raciais. 19 O primeiro projeto a receber recursos doPathways <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> foi o Programa Políticas da Cor (PPCOR), doLaboratório de Políticas Públicas (LPP) da <strong>Universidade</strong> do Estadodo Rio de Janeiro (Uerj), ainda em 2001. 20 Durante sua primeirafase (2001-2004), o PPCOR desenvolveu “o Concurso Cor <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior, que permitiu o apoio e acompanhamento de 27 projetosdestinados a promover e ampliar as possibilidades de acesso e permanênciade estudantes negros/as <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> universitário”. 21Apesar desta crescente mobilização em tor<strong>no</strong> do tema, setoresimportantes do gover<strong>no</strong> Fernando Henrique Cardoso mantinham-seclaramente contra este tipo de política de ação afirmativa. Entre eles,situava-se o então ministro da Educação Paulo Renato de Souza, que17 Sobre o IFP, ver: http://www.programabolsa.org.br/. Acesso em: 14 abr. 2008.Sobre o PHEI, ver: http://www.pathwaystohighereducation.org Acesso em: 14abr. 2008.18 Ver: http://www.programabolsa.org.br Acesso em: 14 abr. 2008.19 Ver: http://www.pathwaystohighereducation.org Acesso em: 14 abr. 2008.20 Sobre o PPCOR, ver: http://www.lpp-uerj.net/olped/AcoesAfirmativas/rede_ppcor.aspAcesso em: 25 mar. 2008.21 Ver: http://www.lpp-uerj.net/olped/AcoesAfirmativas/rede_ppcor.asp Acesso em:25 mar. 2008.168 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


chegou a publicar em jornais de grande circulação nacional artigosem que se posicionava abertamente contra a instituição de uma políticade cotas ou de reserva de vagas nas universidades públicas brasileiras.Sua opinião era a de que a solução do problema da defasagemna educação de negros e indígenas deveria ser combatida com políticasvoltadas para a melhoria da educação pública como um todo.A despeito desta posição, era preciso que o MEC apresentassealguma resposta às questões levantadas e às propostas que se colocavam,principalmente depois de realizada a Conferência de Durban,já que o <strong>Brasil</strong> é signatário do Programa de Ação e da Declaraçãoresultantes da Conferência e onde está clara a recomendação pelaadoção de políticas de ações afirmativas para o acesso de populaçõesvítimas de discriminação e preconceito étnico-racial aos serviços básicos,como educação, saúde, habitação etc. (ONU, 2002).Foi nesse cenário político que, em 2002, surgiu o Programa deDiversidade na <strong>Universidade</strong> (PDU). Tendo em vista sua posição contráriaàs cotas, o então ministro Paulo Renato resolveu responderàs pressões crescentes, tanto <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> nacional quanto internacional,pela adoção de ações afirmativas para solucionar o problema doacesso de negros <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior com um programa que prestariasuporte financeiro a entidades que tivessem experiências na organizaçãode cursos pré-vestibulares com corte racial em sua população--alvo. Para tanto, buscou apoio <strong>no</strong> BID (onde ele já trabalhara), tendoem vista os posicionamentos favoráveis da instituição diante dasproposições colocadas em Durban. No entanto, em vez de cotas parao acesso ao ensi<strong>no</strong> superior, ele cria um programa que iria incidirprincipalmente sobre o ensi<strong>no</strong> médio, ou melhor, entre o ensi<strong>no</strong> médioe o ensi<strong>no</strong> superior e que manteve, inquestionado, o vestibular.O PDU começou a ser anunciado já <strong>no</strong> início de 2002 e ao longodo a<strong>no</strong> decretos, leis e portarias foram estabelecendo seus marcosimperativos. Em 11 de junho de 2002 saiu a Portaria 1.723 que instituia Unidade Executora do Projeto (UEP), <strong>no</strong> âmbito da Diretoriade Ensi<strong>no</strong> Médio (DEM) da Secretaria de Ensi<strong>no</strong> Médio e Tec<strong>no</strong>lógico(Semtec/MEC), com o objetivo de tomar as medidas necessáriasà implementação do Programa Diversidade na <strong>Universidade</strong>.No entanto, somente <strong>no</strong>s últimos meses de 2002, último a<strong>no</strong> dogover<strong>no</strong> Fernando Henrique Cardoso, é que o Diversidade foi de fatoO Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 169


instituído, por meio da Lei 10.558, de 13.11.2002. Entre os dias 10e 13 de dezembro de 2002, a UEP do Diversidade organizou o I FórumNacional Diversidade na <strong>Universidade</strong>, quando, pela primeiravez, foram convidadas ao debate também organizações indígenas eindigenistas.Ao mesmo tempo que pretendia dar conta das pressões internacionaissobre a política de cotas, ao atuar <strong>no</strong>s cursos preparatóriospara o vestibular o Diversidade na <strong>Universidade</strong> pretendia dar contatambém das demandas provenientes de setores do movimento negroque estavam mobilizados com a construção desses cursos pré--vestibulares. Afirmo isso, porque o modelo dos cursos comunitáriosou populares com corte racial vinha crescendo <strong>no</strong> país, e sua basede sustentação provinha, basicamente, do movimento negro, comforte presença de setores da Igreja Católica – <strong>no</strong>tadamente a Pastoraldo Negro – e do movimento estudantil universitário. Algumasexperiências importantes são os cursos do Instituto Cultural SteveBiko desde 1992 em Salvador/BA; 22 o Movimento Pré-Vestibularpara Negros e Carentes (PVNC), <strong>no</strong> Rio de Janeiro; 23 e o Movimentodos Sem-<strong>Universidade</strong> (MSU). 24 A grande maioria das iniciativasse baseia em trabalho voluntário de professores e coordenadores. Apartir destas experiências, tor<strong>no</strong>u-se relativamente comum tambémnas universidades públicas a constituição de cursos pré-vestibulares22 O Instituto Cultural Steve Biko é uma entidade sem fins lucrativos, que tem “amissão de promover a ascensão social da população negra através da educaçãoe do resgate de seus valores ancestrais”. Ver: http://www.stevebiko.org.br Acessoem: 3 mar. 2008.23 O PVNC surgiu em 1993, <strong>no</strong> município de São João de Meriti, sob a liderançado frei francisca<strong>no</strong> Davi Raimundo dos Santos (SOUZA, 2003). O Movimentocresceu rapidamente, e contava em 2008 com mais de 20 núcleos espalhados peloEstado do Rio de Janeiro. Atualmente, Frei Davi, juntamente com o Serviço Francisca<strong>no</strong>de Solidariedade (Sefras), coordena a “rede de cursinhos pré-vestibularescomunitários” Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro).24 O MSU surgiu com esse <strong>no</strong>me em 2001 e hoje possui representação em 10 estadosbrasileiros. Sua de<strong>no</strong>minação foi dada pelo bispo de São Félix do Araguaia,Dom Pedro Casaldáliga. Segundo a apresentação do movimento em sua páginana web “o MSU surgiu da organização dos chamados “cursinhos populares, doativismo social da Pastoral da Juventude do Meio Popular e da Pastoral da Juventude,do movimento hip-hop organizado, dos movimentos de educação popular,da participação de estudantes e educadores da rede pública e de universidadesbrasileiras e dos lutadores e lutadoras do movimento social.” Ver: http://www.msu.org.br Acesso em: 1º <strong>no</strong>v. 2007.170 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ministrados por graduandos que atuam como professores voluntários.Algumas vezes os cursos têm o status de atividade de extensãoe os graduandos recebem bolsas pela atuação como professores.Tendo em vista este cenário, podemos perceber com clareza o envolvimentode atores variados <strong>no</strong> jogo de definição do PDU. Temoso envolvimento de ONGs, instituições filantrópicas, movimentossociais e universidades, representados pelos cursos pré-vestibulares,trazendo suas experiências como modelo a ser adotado em um programado MEC, financiado pelo BID. O Diversidade na <strong>Universidade</strong>foi se definindo a partir da tríplice relação entre MEC, BID einstituições operadoras (IOs) – de naturezas diversas – dos cursospré-vestibulares.Objetivos gerais, desenho e execução do Programa Diversidadena <strong>Universidade</strong>Elaborado nesse contexto, o Contrato de Empréstimo n. 1.406/OC--BR entre o <strong>Brasil</strong> e o BID para a execução do Diversidade na <strong>Universidade</strong>foi assinado em 18 de dezembro de 2002, a poucos diasdo <strong>no</strong>vo presidente, Luís Inácio Lula da Silva, assumir o gover<strong>no</strong>federal. O programa contou com US$ 5 milhões em recursos provenientesdo BID e com uma contrapartida de US$ 4 milhões do TesouroNacional. Segundo o projeto desenhado pela equipe do BID, oobjetivo primordial do PDU seria “promover la equidad educativa yla diversidad en la enseñanza superior para los afrodescendientes yindígenas y otros grupos socialmente desfavorecidos del país” (BID,2002: 1). Inicialmente, segundo diversos atores envolvidos <strong>no</strong> processode elaboração e implementação, o PDU foi pensado exclusivamentepara os afrodescendentes. No entanto, devido à cobrança desetores dos movimentos de indígenas e de organizações indigenistasligados à educação que questionavam o teor de um programa que,<strong>no</strong> contexto brasileiro, falava em diversidade sem contemplar os povosindígenas, foi incluída também a categoria indígenas <strong>no</strong> desenhodo projeto.O papel de Unidade Executora do Programa ficou a cargo daDEM/Semtec do MEC. Tal posição <strong>no</strong> interior do Ministério se relacionacom a concepção geral do PDU que, apesar de carregar apalavra <strong>Universidade</strong> em seu <strong>no</strong>me, deveria incidir entre o ensi<strong>no</strong>O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 171


médio e a universidade, numa perspectiva de que as ações previstasviessem a proporcionar reforço escolar para os alu<strong>no</strong>s do ensi<strong>no</strong> médioou que já o tivessem concluído, de maneira a prepará-los para ovestibular. Partia-se do pressuposto de que a solução do problema dedefasagem de estudantes negros e indígenas em relação aos brancosseria o fortalecimento do ensi<strong>no</strong> médio, rompendo com a barreiraque existe para seu ingresso nas universidades. Esta foi a concepçãooriginal do PDU e que predomi<strong>no</strong>u pelo me<strong>no</strong>s até o início de 2004(MARTINS, 2005: s.p.).Os recursos destinados às instituições responsáveis pela execuçãodos Programas I<strong>no</strong>vadores de Cursos (PIC) (pré-vestibularespara negros e indígenas) deveriam ser utilizados exclusivamente paraa concessão de bolsas de auxílio aos alu<strong>no</strong>s (e, algumas vezes, paraprofessores e coordenadores dos cursos) e para a realização de atividadesextracurriculares, como passeios e visitas guiadas a museusou outras instituições e eventos considerados interessantes para oprocesso de aprendizagem. Não estavam previstos, portanto, recursospara a aquisição de equipamentos, materiais didáticos – aindaque fosse incentivada a produção de materiais próprios pelas instituições– ou outras possíveis necessidades das IOs dos PICs. A ideiaera apoiar experiências já existentes, e não a criar <strong>no</strong>vos cursos. Taisexperiências deveriam ser avaliadas a partir dos processos seletivos(via edital público) para a escolha das instituições a serem beneficiadascom os recursos do PDU.Além dos PICs, o Diversidade na <strong>Universidade</strong> tinha por objetivoapoiar a formulação de “políticas y estrategias de inclusión social ycombate a la discriminación racial y étnica en la educación mediay superior” (BID, 2002: 1), bem como fortalecer institucionalmenteo MEC para trabalhar com a temática da diversidade étnica e cultural.Para atender a tais objetivos, o programa desenvolveu quatrocomponentes básicos: 1) realização de estudos e investigações parasubsidiar a formulação de políticas de inclusão social; 2) fortalecimentodo MEC na temática por meio da criação de duas comissõesassessoras de diversidade – uma para tratar das questões específicasdos afrodescendentes e outra para os indígenas – e da implantaçãode uma central de informações <strong>no</strong> Ministério para assuntos ligadosà inclusão social, diversidade cultural e ao combate à discriminação172 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


étnica e racial; 3) apoio, acompanhamento e avaliação dos PIC; 4)comunicação social para divulgação das atividades, procedimentose resultados do programa para a sociedade como um todo, especialmentepor meio da criação de um portal na internet.Inicialmente, a execução orçamentária estava prevista da seguintemaneira: o maior montante dos recursos, 65% (US$5,890milhões), seria destinado ao Componente 3, Apoio a Projetos I<strong>no</strong>vadoresde Cursos (PIC). Os Componentes 1 e 4, Desenvolvimento deEstudos e Pesquisas e Comunicação Social, receberiam cerca de 11%cada (US$1 milhão). O Componente 2, Fortalecimento Institucional,receberia 5,5% (US$500 mil). Além desses quatro componentes,havia três outros itens relativos à parte administrativa do PDU– “administração”, “avaliação” e “inspeção e supervisão” – que receberiam5,2 e 0,5% dos recursos, respectivamente (BID, 2002: 13;WALKER, 2005a: 9).A partir do desenvolvimento desses quatro componentes, esperava-sepromover “el fortalecimiento de la institucionalidad y la democraciaen el país”, a melhora do desempenho escolar da população-alvoe a promoção de seu acesso ao ensi<strong>no</strong> superior, reduzindoa diferença de acesso à educação entre brancos e afrodescendentese indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Além disso, o PDU deveria contribuir pararedução da pobreza. 25 Outro objetivo seria alcançar uma meta de20% dos egressos dos PICs admitidos em uma instituição de ensi<strong>no</strong>superior, segundo o Marco Lógico do PDU. Ainda <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2002,mesmo antes de assinado o Contrato de Empréstimo, foram convocadasseis instituições para o desenvolvimento de <strong>no</strong>ve ProgramasI<strong>no</strong>vadores de Cursos a título de experiências-piloto, <strong>no</strong>s estados deSão Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Como não foram realizadas avaliaçõesou <strong>no</strong>tas técnicas a respeito de cada uma das experiências, amemória desta primeira ação relacionada ao PDU ficou comprometida.Para além desta primeira experiência de 2002, quando aindanem contava com os recursos do BID, a execução do PDU ficou acargo do <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong> Lula, tendo à frente da pasta da Educação oministro Cristovam Buarque. As ações realizadas em 2002, anterio-25 Isso iria ao encontro dos objetivos gerais do BID na medida em que 40% dos potenciaisbeneficiários dos PIC encontram-se abaixo da linha de pobreza nacionalestabelecida pelo Banco (BID, 2002: 21 e Anexo III.1: 2).O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 173


es ao primeiro desembolso – os PICs piloto, o I Fórum de Diversidadena <strong>Universidade</strong> – contaram com recursos do Programa Melhoriae Expansão do Ensi<strong>no</strong> Médio (Promed), criado também a partir deum contrato de empréstimo com o BID. O <strong>no</strong>vo ministro realizoualgumas mudanças <strong>no</strong> orga<strong>no</strong>grama do MEC analisados adiante,mas por ora, basta destacar que durante toda sua gestão à frente doMEC o Diversidade na <strong>Universidade</strong> se manteve na DEM/Semtec, apartir de então sob a coordenação da diretora de ensi<strong>no</strong> médio MariseRamos, subordinada ao secretário Antonio Ibañez Ruiz.Devido ao não cumprimento das condições prévias elencadas <strong>no</strong>contrato de empréstimo até outubro de 2003, o BID não realizounenhum desembolso para o Diversidade. Em virtude desta situação,em junho do mesmo a<strong>no</strong> uma missão do Banco, composta por CarminhaAlbertos, Gastón Loma e Jorge Tejada (naquele momento oespecialista setorial da representação do BID <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> responsávelpelo PDU) visitou o Programa. Tal missão tinha como objetivo: 1)estabelecer as condições necessárias para uma execução bem-sucedidado Programa; 2) revisar e ajustar os instrumentos de execução doPrograma; 3) conhecer os avanços realizados; 4) acordar um pla<strong>no</strong>de ação e metas para 2003. Para tanto, buscou-se a revisão da situaçãodo PDU em relação à UEP (a DEM/Semtec) e aos instrumentosde execução e acompanhamento, incluindo seu Marco Lógico(BRASIL-MEC, 2003a).Na missão registrou-se ainda a necessidade de apressar a conformaçãoda UEP para um melhor prosseguimento de sua implementação,levando em conta o fato de que o Diversidade, por sua inserçãona modalidade in<strong>no</strong>vation loan, inicialmente não poderia ter extensõesdo prazo de execução, segundo as <strong>no</strong>rmas do BID. Por isso,foram elencadas como ações prioritárias, a serem realizadas aindanaquele a<strong>no</strong>, o fortalecimento da UEP, o treinamento de seu pessoale a constituição das duas Comissões Assessoras de Diversidade, umapara indígenas e outra para negros. As duas comissões formadas porrepresentantes de diversas instituições relacionadas às temáticas indígenae dos negros foram instituídas em 16 de julho de 2003 pelasportarias 1941 e 1942, respectivamente. Essas comissões deveriamser um espaço privilegiado para a “participação da sociedade civil”,representada pelas organizações de negros e indígenas. A Comissão174 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Assessora de Diversidade para Assuntos Indígenas (Cadai) foi formadafundamentalmente por membros da Comissão Nacional deProfessores Indígenas (CNPI) do MEC. Já em relação à constituiçãoda Comissão Assessora de Diversidade para Assuntos Relacionadosaos Afro-descendentes (Cadara), acordou-se que esta última poderiaser constituída a partir do Grupo de Trabalho criado pela Portariade 08.04.2003, para apoiar a implementação da Lei 10.639, de09.01.2003. A partir de então, ações voltadas para a implementaçãoda lei (que instituiu a obrigatoriedade da inclusão do ensi<strong>no</strong> de históriae cultura afro-brasileira e da África <strong>no</strong>s currículos escolares daeducação básica), especialmente publicações voltadas para professoresdos ensi<strong>no</strong>s fundamental e médio, ganharam proeminência <strong>no</strong>interior do PDU. 26Para a execução das ações previstas <strong>no</strong> PDU, a Semtec buscouparceria com a Unesco por meio da assinatura de um contrato decooperação técnica, intitulado Apoio ao Programa de Diversidadena <strong>Universidade</strong>, em julho de 2003. 27 A assinatura do contrato decooperação técnica entre a Organização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a União (por meio daSemtec do MEC) teve um caráter de prestação de serviços para aexecução do Diversidade, pois a Semtec buscou o apoio da Unescopor julgar que lhe faltavam condições para administrar o Programa.Nesse contrato, firmou-se que à Semtec caberia assegurar a dotaçãoorçamentária para o andamento do PDU e acompanhar as ações, enquantoa Unesco ficaria responsável pelo apoio técnico, administrativoe logístico, prevendo-se a aquisição de equipamentos e o fortalecimentoinstitucional da Semtec (UNESCO, 2003: 27). No entanto,o triângulo MEC – Unesco – IOs gerou alguns problemas para aexecução dos PIC, devido às dificuldades das IOs em cumprir com aburocracia exigida para prestação de contas e liberações financeirasjunto às instâncias executoras do Programa.26 A Cadai foi formada por dois membros, um titular e um suplente, de cada umadas seguintes instituições: Sesu, Semtec, CGAEI/Seif, Inep, CNE, Comissão deEducação da Câmara dos Deputados, Secretaria Especial de Direitos Huma<strong>no</strong>sda Presidência da República, Funai e mais cinco titulares e cinco suplentes daCNPI.27 A Unesco já vinha prestando esse tipo de assistência à DEM/Semtec também paraa execução do Promed.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 175


Foi então pela Unesco que o PDU contratou as IOs selecionadasa cada edital para executar os PIC. A Unesco ainda se responsabilizoupor todas as etapas de licitações, liberação orçamentária,prestação de contas etc. Os serviços prestados pela Unesco custaramUS$411,406 (aproximadamente 5% do orçamento total do Programa)(UNESCO, 2003). Foi a partir desse contrato de cooperaçãotécnica que finalmente se formou a equipe do PDU, inicialmente pormeio de um edital para contratação de consultores especialistas dasáreas de Educação, Pedagogia, Comunicação Social, Antropologiae Direito. Entre os selecionados havia pessoas que trabalharam emONGs, ativistas de movimentos sociais, intelectuais e acadêmicos.No interior da DEM/Semtec formaram-se, então, três coordenaçõespara o PDU: coordenação de Promoção social e Fortalecimento Institucional;a Coordenação de Projetos I<strong>no</strong>vadores de Cursos; e a Assessoriada Diretoria de Ensi<strong>no</strong> Médio.Até 2004 o PDU tinha feito poucos avanços (como, por exemplo,o lançamento de edital para os PIC 2003). A execução orçamentáriaera baixíssima e suas ações pouco estruturadas. Havia uma série deproblemas de gestão que prejudicavam a execução das ações. QuandoTarso Genro assumiu o MEC inaugurou-se um <strong>no</strong>vo momento<strong>no</strong> Ministério e, consequentemente, também <strong>no</strong> PDU. A partir deentão, com a realocação do Diversidade na <strong>no</strong>va Secretaria de EducaçãoContinuada, Alfabetização e Diversidade, estabeleceu-se uma<strong>no</strong>va unidade executora para o Programa, a Coordenação-Geral deDiversidade e Inclusão Educacional (CGDIE), vinculada à Secad doMEC, sob a responsabilidade de Eliane Cavalleiro. O orga<strong>no</strong>gramadesta coordenação corresponde quase exclusivamente às necessidadesdo PDU. 28Mesmo depois de concretizada a reestruturação do MEC, mantiveram-seos problemas na gestão, execução e avaliação das ações doPDU, tornando-se comum o atraso <strong>no</strong> repasse dos recursos às IOs dosPIC. Além disso, as instituições tinham dificuldades em administraro dinheiro recebido e realizar a prestação de contas para a Unesco.A partir daí, alguns questionamentos fundamentais começaram a28 A CGDIE compunha-se das seguintes subcoordenações: Estudos e pesquisas; Fortalecimentoinstitucional; Projetos I<strong>no</strong>vadores de Cursos; Educação quilombola;Administrativo-financeiro; e Gestão de Projetos.176 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


surgir na própria equipe do Diversidade. No relatório de avaliaçãodos PIC de 2004 foi levantada a questão sobre as consequências doaporte de recursos a “instituições pouco estruturadas” (MARTINS,2005). A ideia inicial do PDU era dar apoio a experiências existentesdestinando recursos apenas para atividades extracurriculares e bolsaspara alu<strong>no</strong>s e, <strong>no</strong> entanto, o que acontecia de fato era que sema liberação dos recursos, mesmo tendo experiência anterior, as instituiçõesnão conseguiam realizar os cursos <strong>no</strong>s moldes que tinhamsido pensados para contemplar o edital do Diversidade.No início de 2005, percebendo a baixa execução orçamentáriado PDU, o MEC, por meio da CGDIE, assumiu a necessidadede negociar com o BID os prazos do Programa, que venceriam <strong>no</strong>fim daquele a<strong>no</strong>. A partir de uma negociação interna <strong>no</strong> Banco aprorrogação foi conseguida e o prazo final para o último desembolsofoi estendido por mais dois a<strong>no</strong>s, até 18 de dezembro de 2007.Para se ter uma <strong>no</strong>ção da baixa execução orçamentária do PDU emseus primeiros a<strong>no</strong>s, até setembro de 2004 apenas 18% dos recursosprovenientes do BID haviam sido desembolsados (WALKER,2005a). Em junho de 2006, o desembolso junto ao BID estava emUS$3,183,262.80 (63,66% do montante previsto) e a contrapartidalocal em US$1,529,571.59 (38,23% do montante previsto), totalizandoUS$4,712,834.39 ou 52,36% do montante de US$9 milhões(BRASIL-MEC, 2003f: 13-14). A divisão dos recursos entre os quatrocomponentes do PDU sofreram alterações ao longo dos a<strong>no</strong>s,demonstrando a perda de espaço do componente três (apoio aos PIC)e uma priorização do componente um (estudos e pesquisas), que tevesua parte <strong>no</strong> orçamento aumentada na ordem de 101%.A realocação de recursos entre os componentes do PDU ilustrauma mudança mais ampla <strong>no</strong> debate sobre as políticas voltadas paraa questão étnico-racial adotadas pelo MEC a partir da gestão TarsoGenro. A opção pela política de cotas para resolver o problemado acesso de grupos etnicamente diferenciados ao ensi<strong>no</strong> superior,colocadas mais diretamente pelo Programa <strong>Universidade</strong> para Todos(Prouni) e pela proposta de reforma universitária que estava sedelineando, suprimiu, de certa forma, o sentido do apoio aos cursospré-vestibulares como política institucional do MEC.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 177


Tomemos agora cada um dos componentes do Programa de Diversidadena <strong>Universidade</strong>, a fim de que possamos conhecer as açõesprevistas e realizadas em cada um deles.Componente 1: Desenvolvimento de estudos e pesquisas parasubsidiar a formulação de políticas públicas de inclusão socialDe acordo com o delineado na Propuesta de Préstamo, o primeirocomponente do Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> tem comoobjetivo “producir insumos y crear espacios de diálogo y búsquedade consenso para el combate a la discriminación racial y étnica eneducación media y superior” (BID, 2002: 1). Para tanto, pretendia--se realizar investigações, estudos, reuniões técnicas e oficinas relacionadosa três subcomponentes: 1) revalorização da diversidade cultural;2) constituição de uma base conceitual sobre exclusão social,discriminação e desigualdade étnico-racial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e <strong>no</strong>s ensi<strong>no</strong>smédio e superior; 3) propostas de políticas de inclusão social <strong>no</strong>s ensi<strong>no</strong>smédio e superior. Em cada subcomponente seriam financiadasa produção e a distribuição de materiais didáticos sobre combate àdiscriminação racial e étnica baseados <strong>no</strong>s resultados dos estudos eseminários.Este componente foi visto pela equipe executora como um pontoestratégico do PDU, pois poderia ajudar a solucionar uma série detensões que surgiam em seu interior. Um deles diz respeito às açõesvoltadas para os povos indígenas. Devido à grande pressão do movimentoindígena e de pessoas ligadas à educação indígena por umaparticipação mais efetiva das suas questões <strong>no</strong> aporte de recursos doDiversidade, os gestores do PDU buscaram responder a tais reivindicações,de alguma maneira, por meio do desenvolvimento de estudose pesquisas. Assim, ainda em 2003 foram contratados consultorespara a realização de um diagnóstico da oferta de ensi<strong>no</strong> médio paraos povos indígenas em 11 regiões predefinidas e a organização dedossiês de todos os cursos de formação de professores indígenas realizadosou em curso <strong>no</strong> país. Esse projeto foi concebido pela entãoconsultora do PDU para assuntos indígenas Mônica Pechincha e,178 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


apesar de ter sido colocado em prática, os resultados de tais pesquisasnão foram divulgados. 29Além disso, foram realizadas pesquisas em três eixos temáticosvoltados para os afrodescendentes: 1) “expectativas de inserção <strong>no</strong>mercado de trabalho para jovens negros e negras do ensi<strong>no</strong> médio”;2) “afrobrasileiros e religiosidade <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio”; 3) “educaçãoformal e informal em comunidades negras rurais” (WALKER,2005a: 35), em cada uma das cinco regiões do país. Os produtosdesta pesquisa foram publicados sob o título Dimensões da inclusão<strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> Médio: mercado de trabalho, religiosidade e educaçãoquilombola, da Coleção Educação para Todos (volume 9) da Secad(BRAGA et al., 2005). Outra ação que se inseriu neste componentefoi a realização de 20 fóruns estaduais/regionais sobre “o negro <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> médio” e dos seminários regionais “políticas de ensi<strong>no</strong> médiopara povos indígenas” (BRAGA et al., 2005: 150-151).O componente acabou ganhando força ao longo dos a<strong>no</strong>s, definindo-se,inclusive, como principal desafio do PDU:[...] documentar e avaliar de forma sistemática as diversas iniciativasde promoção do acesso dos afro-descendentes e indígenas àeducação superior para definir que estratégias são mais efetivas e,com base <strong>no</strong>s resultados, desenhar uma política e estratégias i<strong>no</strong>vadorasde inclusão social consistentes com os princípios da políticaeducativa do país (MARTINS, 2005: s.p.).Nas palavras de Ricardo Henrique, ex-secretário da SecadCom isso, o Programa Diversidade na <strong>Universidade</strong>, apoiado tambémpelo BID, cumpre com um de seus principais objetivos, a saber,o desenvolvimento de estudos, pesquisas e produtos para a formulaçãode uma política de inclusão social. (HENRIQUES, 2005: 8)29 As 11 regiões onde as pesquisas foram realizadas são: 1) Goiás, Tocantins, Maranhão;2) Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo,Rio de Janeiro; 3) Mato Grosso do Sul; 4) Mato Grosso; 5) Pernambuco, Paraíba,Alagoas, Sergipe; 6) Minas Gerais; 7) Bahia; 8) Roraima; 9) Amazônia; 10) Amapá;11) Pará.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 179


A ideia era desenvolver e divulgar pesquisas acadêmicas ou decunho técnico que formassem subsídios para a implementação depolíticas públicas em educação, voltadas para a valorização da diversidadeétnico-racial e o combate ao racismo. Foi daí que resultoua Coleção Educação Para Todos, 30 com 31 publicações com o objetivode divulgar pesquisas na área de Educação para as relaçõesraciais e que apoiassem discussões relativas à implementação da Lei10.639/2003 e às políticas de cotas nas universidades.Componente 2: Fortalecimento institucionalO objetivo do segundo componente seria “fortalecer institucionalmenteal MEC para el tratamiento y promoción de la inclusión socialy el combate a la discriminación racial y étnica”. Para tanto, estavaprevista a criação das duas Comissões Assessoras de Diversidade, aCadai e a Cadara, o estabelecimento de uma central de informações<strong>no</strong> MEC e a criação de um portal na internet sobre desigualdadesraciais e étnicas, diversidade e medidas de inclusão social. 31 Alémdisso, deveria ser construída uma base de dados sobre experiênciase profissionais especializados na temática da diversidade, bem comoo estabelecimento de uma biblioteca e de um centro de recursos pedagógicos(BID, 2002: 2). 32 Foram definidos também como objetivosdo componente:[...] difundir e subsidiar os sistemas de ensi<strong>no</strong> <strong>no</strong> que determinamas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das RelaçõesÉtnico-Raciais e para o Ensi<strong>no</strong> de História e Cultura Afro--<strong>Brasil</strong>eira e Africana; articular e fortalecer a rede de sistemas deensi<strong>no</strong> para a valorização da diversidade étnico-racial; orientar e30 Nem todas as publicações da Coleção Educação para Todos estão voltadas paraa questão étnica e racial ou receberam recursos do Diversidade na <strong>Universidade</strong>.Há na coleção, por exemplo, uma série relativa ao Programa <strong>Brasil</strong> Alfabetizado.Além disso, outras publicações da Secad fora do âmbito da coleção também estiveramapoiadas <strong>no</strong>s recursos do Diversidade.31 A página http://diversidade.mec.gov.br está disponível atualmente, porém peloque pude perceber pelas <strong>no</strong>tícias que aparecem na “página inicial”, sua últimaatualização consta de fevereiro de 2007. Acesso em: 27 mar. 2008.32 Não tive <strong>no</strong>tícias sobre a realização destas três últimas propostas.180 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


acompanhar a formulação e a implementação de políticas educacionaisde diversidade étnico-racial para a Educação Infantil, Ensi<strong>no</strong>Fundamental, Ensi<strong>no</strong> Médio e Superior; estimular, buscandoestabelecer uma interface com a política interna e externa ao MEC.(http://diversidade.mec.gov.br Acesso em: 10 mai. 2007)Uma linha de ação inserida <strong>no</strong> componente 2 e que ganhoubastante espaço <strong>no</strong> interior do PDU foi a implementação da Lei10.639/2003. Em 2006, a Secad estabeleceu uma parceria com oFundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), visandosubsidiar a inclusão da história e cultura afro-brasileira e africanana Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), conformeinstituído pela lei. A ação desembocou na publicação, em 28 de marçode 2006, de uma resolução específica (Resolução FNDE n. 8) quevisa oferecer apoio à produção de material didático sobre diversidadeétnico-racial e a projetos de formação continuada de professores, <strong>no</strong>valor total de quatro milhões de reais (BRASIL-MEC, 2006a: 26).Outro ponto importante que diz respeito ao objetivo de fortalecimentoinstitucional foram as parcerias firmadas pelo PDU comoutras instâncias do gover<strong>no</strong> federal. Os principais parceiros são aSecretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial(Seppir) (criada <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Lula, 21/03/2003), a Secretaria Especialde Direitos Huma<strong>no</strong>s, a Secretaria Especial de Política para as Mulheres,o Ministério da Cultura, a Fundação Palmares e a Funai. Taisinstituições atuaram em encontros relativos a essa temática promovidos<strong>no</strong> âmbito do PDU e participaram também das duas ComissõesAssessoras de Diversidade (MARTINS, 2005: s.p.). 33Componente 3: Apoio e avaliação de Projetos I<strong>no</strong>vadores de CursosPara a execução inicial dos Programas I<strong>no</strong>vadores de Cursos – aprincipal ação prevista <strong>no</strong> projeto do Diversidade – foram selecionados<strong>no</strong>ve estados-piloto: Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato33 Tendo em vista o objetivo do componente de fortalecer o MEC para trabalharcom a temática da diversidade étnica e racial, há que se considerar a criação daSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que será abordadamais adiante, como um dos resultados mais importantes deste processo.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 181


Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,Pará e São Paulo. De acordo com informações contidas <strong>no</strong> projetode desenho do PDU, os critérios de seleção dos estados beneficiadosforam o peso da população afrodescendente na população total doestado, a porcentagem de jovens afrodescendentes que concluíramou estariam cursando o último a<strong>no</strong> do ensi<strong>no</strong> médio e a porcentagemdessa população-alvo que se encontra abaixo da linha de pobrezanacional utilizada pelo BID. Apesar da afirmativa de que para aseleção final levou-se em conta também a presença de comunidadesindígenas e de remanescentes de quilombos em alguns estados, seguindodesta forma “criterios de diversidad cultural” (BID, 2002,anexo III.1: 1-2), é fácil perceber pelas tabelas e índices anexadosao projeto que os estados beneficiados foram escolhidos muito maisem função das demandas de estudantes negros do que de estudantesindígenas, apesar de figurarem sempre ambos os termos, afrodescendentese indígenas, ao longo de todo o texto.Como já mencionado anteriormente, o processo de implantaçãodos PICs iniciou-se em 2002 com uma experiência-piloto, quandoforam escolhidas seis instituições para executarem <strong>no</strong>ve projetos. Apartir de 2003 as instituições passaram a ser selecionadas atravésde edital público. Nesse a<strong>no</strong> foram contratadas 27 instituições pararealizar os PIC. Na época, o MEC estabeleceu uma parceria como PPCOR/LPP da Uerj (beneficiado pelos recursos do PHEI e daFundação Ford) para coordenar a seleção das instituições beneficiadas.Os recursos disponibilizados para estes PICs foram da ordem deum milhão de reais, provenientes da contrapartida do MEC, tendoem vista que àquela altura nenhum desembolso havia sido realizadopelo BID. Optou-se por reduzir o teto dos aportes destinados a cadaum dos cursos de 300 mil para 100 mil reais, objetivando incluir ummaior número de experiências. Para cada IO foi dada a possibilidadede realizar até três projetos de cursos financiados pelo PDU (MAR-TINS, 2005: s.p.).Em 2004, dos 105 projetos inscritos foram selecionadas 26 instituições,para a realização de 29 PICs, assim distribuídos: Bahia(6), Maranhão (4), Mato Grosso (1), Mato Grosso do Sul (1), MinasGerais (3), Rio de Janeiro (5), São Paulo (9). Entre as IOs havia forteparticipação de ONGs que trabalham com a questão racial e de182 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


universidades, o que é positivamente enfatizado <strong>no</strong> relatório sobreos PIC 2004: 34O envolvimento das ONGs e <strong>Universidade</strong>s na discussão da inclusãosocial e racial, coloca-se como um importante avanço <strong>no</strong> sentidoda formulação participativa de políticas públicas e estratégiasde combate à discriminação étnica na educação média e superior(MARTINS, 2005: s.p.).A maioria dos projetos, <strong>no</strong> entanto, não chegou a ser implementadadevido à falta de liberação dos recursos. Na tentativa de solucionaro problema, prorrogou-se o prazo para o início dos cursos para2005, mas apenas as instituições que já desenvolviam os cursinhosmesmo antes do apoio do MEC (23% das que haviam sido selecionadas)conseguiram realizar as atividades (MARTINS, 2005: s/p).Em 2005, a partir de <strong>no</strong>va missão do BID, <strong>no</strong> mês de janeiro, acoordenação do PDU decidiu implementar uma <strong>no</strong>va modalidadede ação, o PIC ensi<strong>no</strong> médio. Em agosto do mesmo a<strong>no</strong> foi iniciadaa elaboração dos projetos destes PIC, que foram desenvolvidos emparceria com as Seducs do Maranhão, de Mato Grosso do Sul, RioGrande do Sul, Pará e São Paulo, “visando o fortalecimento educacionalde negras e negros <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio” (BRASIL-MEC, 2006a:28-29). Os critérios de escolha dos cinco estados não foram especificadosem nenhum documento aos quais tive acesso. Devido ao atrasona implementação dos PIC 2004, muitos dos quais só aconteceramem 2005, nesse a<strong>no</strong> não houve <strong>no</strong>vas ações do componente três,apenas o lançamento do edital para os PIC 2006, que foi publicadoem setembro (Convocatória 713/05), tendo se encerrado o processoseletivo em dezembro. Dessa vez foram selecionadas 44 propostasde cursos, sendo contratadas apenas 29 destas. A <strong>no</strong>vidade da seleçãoconsistiu na abertura do edital a todos os estados da federação,reivindicação que tinha sido feita, especialmente por organizaçõesindígenas e indigenistas ligadas à educação, desde o primeiro a<strong>no</strong>do PDU (BRASIL-MEC, 2006a). No momento em que estava reali-34 Os critérios de seleção dos PIC obedeciam ao que foi definido em edital como “adequaçãoao Programa” e diziam respeito à carga horária e tempo de duração doscursos, programação de atividades extracurriculares, grau de i<strong>no</strong>vação das propostase perspectiva de repasse de 40 a 50% dos recursos para bolsas para os alu<strong>no</strong>s.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 183


zando minha pesquisa, ainda não havia informações sistematizadassobre os cursos que foram realmente implementados <strong>no</strong> PIC 2006,tendo em vista que o relatório final do Programa, que abarcaria tambémas ações de 2006, ainda estava sendo formulado pela consultoracontratada pela Secad/MEC. Porém, <strong>no</strong> relatório semestral relativoao 2º Semestre de 2005 que a CGDIE encaminhou ao BID, há alistagem das 29 instituições contratadas para a realização dos PIC2006, na qual são contemplados pela primeira vez os estados doCeará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. O edital dos PIC 2007,lançado <strong>no</strong> início deste a<strong>no</strong>, não apresentou nenhuma i<strong>no</strong>vação emrelação ao de 2006.Um aspecto enfatizado pela equipe do Diversidade como problemáticopara a operacionalização dos Projetos I<strong>no</strong>vadores de Cursos,segundo o Relatório de Avaliação dos PIC 2004 (MARTINS, 2005),diz respeito ao relacionamento do MEC com as instituições operadoras.Algumas das IOs teriam inclusive reclamado falta de participaçãonas reformulações pelas quais o PDU passou ao longo dosa<strong>no</strong>s. Isso teria se refletido <strong>no</strong> fato de que “muitas vezes os recursosnão possam ser utilizados onde as instituições têm mais problemas”(MARTINS, 2005: s.p.).Na percepção dos técnicos [do Programa Diversidade na <strong>Universidade</strong>],a relação que usualmente se estabelece é de como se o Ministérioda Educação fosse um banco. Ainda na visão deles, o Ministérionão conseguiu se colocar para as instituições conveniadas emgeral e para o Movimento como um parceiro, prevalecendo umarelação de apenas agente financiador. (MARTINS, 2005: s.p.)No entanto, é justamente a problemática do financiamento aosPIC outro ponto levantado pela equipe do PDU para explicar a suabaixa capacidade de operacionalização. As dificuldades enfrentadas<strong>no</strong> processo de contratação das IOs que está condicionado às exigênciasdos três órgãos envolvidos, o MEC, a Unesco e o BID – taisexigências envolvem desde a documentação da IO até a prestaçãode contas anterior, <strong>no</strong> caso de instituições que já tivessem sido beneficiadascom recursos do Diversidade, fato bastante recorrente –teriam comprometido o repasse de recursos <strong>no</strong>s prazos estabelecidos.Considerando-se a dificuldade das IOs (a maioria sem estrutura184 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


administrativa e financeira para lidar com a burocracia estatal), “oprocesso de contratação acaba por se dar de forma morosa e combaixa efetividade” (MARTINS, 2005: s.p.).De todo modo, a despeito das dificuldades, cerca de 91 PICs foramrealizados ao longo dos cinco a<strong>no</strong>s de PDU. 35 No entanto, <strong>no</strong>decorrer desse período, o componente dos cursos pré-vestibulares foiperdendo espaço <strong>no</strong> interior do Diversidade e, mais ainda, na agendapolítica do MEC. Reflexo disso é a realocação de recursos inter<strong>no</strong>sao PDU do componente dos PIC para o componente de “estudos epesquisas” e as mudanças na linha política adotada pelo MEC pararesolver o problema do acesso de negros e indígenas ao ensi<strong>no</strong> superior.Ao mesmo tempo em que é criada a Secad são implementadas<strong>no</strong>vas ações, como o Prouni, que prevê a concessão de bolsas emuniversidades particulares para estudantes de baixa renda, incluindonegros e indígenas. Além disso, tem sido estimulada a adoção depolíticas de cotas e reservas de vagas nas Instituições Federais deensi<strong>no</strong> superior (Ifes), por meio do Programa de Apoio ao Pla<strong>no</strong> deReestruturação e Expansão das <strong>Universidade</strong>s Federais (Reuni).Componente 4: Comunicação SocialEste componente visa a difusão dos resultados e produtos do PDUentre os profissionais da educação, a sociedade civil como um todoe as diversas instâncias do gover<strong>no</strong> a partir de dois subcomponentes:1) desenho e realização de uma estratégia de comunicação socialpara a divulgação dos componentes do Diversidade e dos editaispara os PIC e, 2) divulgação das propostas de políticas públicas parainclusão social e das atividades dos outros componentes do Programa(BID, 2002: 2). A partir desse componente, buscou-se também:implementar estratégias para fomentar a incorporação do princípiode eqüidade <strong>no</strong> sistema de valores do povo brasileiro, principalmente<strong>no</strong> tocante às diferentes formas de ação afirmativa, em favor35 Calculei a realização de 91 PICs, ao longo dos a<strong>no</strong>s de 2002 a 2007, a partir dosdados que reuni <strong>no</strong>s documentos do PDU aos quais tive acesso. No entanto, podehaver alguma inexatidão, tendo em vista que não tive contato com o RelatórioFinal de Avaliação do Programa.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 185


de raças e etnias vítimas de opressão, promovidas pelo ProgramaDiversidade na <strong>Universidade</strong> <strong>no</strong> campo da educação (WALKER,2005a: 46-47).No entanto, as ações do componente 4 foram avaliadas (MAR-TINS, 2005; WALKER, 2005a), <strong>no</strong> geral, como pouco efetivas, tendoem vista a divulgação incipiente das ações do PDU, mesmo entre os diversossetores envolvidos com as temáticas educacional e étnico-racial.O espaço reservado aos indígenas <strong>no</strong> Programa de Diversidadena <strong>Universidade</strong>Um dos pontos <strong>no</strong>dais do PDU, desde a sua concepção, diz respeitoao espaço reservado às populações indígenas nas ações planejadas.Os próprios atores sociais envolvidos com a elaboração, acompanhamentoe avaliação do PDU, na Secad e <strong>no</strong> BID, mencionam a inserçãodos povos indígenas nas ações do Diversidade como um aspectomarcante para a formulação de suas ações e durante todo o seu desenvolvimento.Além disso, entendo a importância de pensar o papeldos indígenas neste debate a partir da constatação de que o espaçoa eles reservado nas discussões sobre políticas de ação afirmativa e,mais especificamente, acesso diferenciado ao ensi<strong>no</strong> superior permanece,de certa forma, em segundo pla<strong>no</strong>, ainda que aos poucos venhaobtendo alguns avanços importantes (SOUZA LIMA; BARROSOHOFFMAN, 2007a).Como vimos, está claro que o PDU foi inicialmente concebidopara atender às demandas do movimento negro por políticas de facilitaçãodo acesso desta população ao ensi<strong>no</strong> superior – por isso aopção pelos cursos pré-vestibulares, ação que vinha sendo desenvolvidapor uma série de atores sociais e institucionais inseridos nessecampo. No entanto, desde o princípio, setores do movimento indígenae de organizações indigenistas ligados à questão da educaçãoquestionaram a ausência de ações voltadas para este segmento emum programa que preconiza a promoção da diversidade <strong>no</strong> sistemade ensi<strong>no</strong> superior do país. Este questionamento também foi feitointernamente ao MEC, pelos gestores da própria Coordenação Geralde Apoio às Escolas Indígenas (CGAEI) da Secretaria de Ensi<strong>no</strong>Fundamental (Seif) e pela CNPI, associados a determinadas orga-186 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


nizações indígenas e indigenistas. 36 Foi a partir daí que se resolveuintegrar ao projeto que estava sendo formulado inicialmente para osafrodescendentes também as populações indígenas. A mudança <strong>no</strong>desenho do projeto surgiu, portanto, de debates e disputas em tor<strong>no</strong>das definições das ações de um programa que pretendia ser instrumentona promoção da equidade social, do combate à discriminaçãoétnica e racial e, indiretamente, contribuir para a redução da pobreza<strong>no</strong> país. É preciso pensar em que termos essa modificação se deu,bem como os debates e questões que surgiram daí.Pela leitura dos documentos relativos ao PDU, fica claro que essaincorporação dos indígenas se deu de maneira bastante complicada,sem que fossem feitos os devidos ajustes na intenção de que o Diversidadede fato contemplasse as necessidades dos estudantes indígenas.A primeira questão latente se relacionava à própria seleção dasUnidades da Federação que seriam contempladas pelo PDU: os dadosestatísticos que embasaram tal escolha se voltaram basicamentepara o percentual da presença de jovens negros que tivessem concluídoou cursando o último a<strong>no</strong> do ensi<strong>no</strong> médio. Estados com fortepresença indígena, inclusive em suas capitais, foram descartados. Jáem 2003 o ministro da Educação Cristovam Buarque recebeu umacarta do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT), entidade indígena,solicitando a inclusão do estado do Amazonas <strong>no</strong> Diversidade.A despeito da <strong>no</strong>ta técnica produzida por uma consultora da áreaindígena do PDU considerando a demanda legítima, nenhuma modificaçãonesse sentido, <strong>no</strong> intuito de atender a tal demanda, foi feita(MARTINS, 2005). Ainda assim, apesar das questões colocadas, <strong>no</strong>primeiro edital para os PICs, em 2003, duas instituições trabalharamexclusivamente com povos indígenas – a <strong>Universidade</strong> Estadualdo Mato Grosso do Sul (Uems) e o Centro Universitário de GrandeDourado (Unigram), ambas <strong>no</strong> Mato Grosso do Sul.Além da questão sobre os estados beneficiados levantou-se tambéma questão de que o PDU teria sido estruturado para populaçõesurbanas, o que comprometeria as propostas voltadas para os povos ecomunidades indígenas que não representados <strong>no</strong> perfil dos editais.Essas questões foram levadas ao BID, quando da realização das mis-36 É interessante observar, inclusive, que alguns consultores do PDU contratados viaUnesco são ligados a essa rede.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 187


sões <strong>no</strong> PDU. Acordou-se então a realização de duas experiências--piloto de cursos de formação de professores indígenas, os chamadosPIC-PI, a serem realizadas <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2004. Este pleito partiu daCGAEI/Seif que apresentou como justificativa ao BID o fato de queo grande gargalo da educação escolar indígena estava <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio,sendo necessário, para superá-lo, investir prioritariamente naformação de professores indígenas que pudessem atuar em escolas deensi<strong>no</strong> médio. No entanto, apesar de consideradas “bem sucedidas”pelos gestores da CGDIE, as experiências piloto dos Projetos I<strong>no</strong>vadoresde Cursos – Professores Indígenas (PIC-PI) não se converteramem uma prática do Diversidade, conforme tinha sido previsto na reuniãocom a equipe do BID.Os PIC-PI tiveram algumas especificidades em relação aos outrosPIC. Contemplaram modalidades de ensi<strong>no</strong> presencial e semipresencial,com o intuito de diminuir os problemas de deslocamento dosalu<strong>no</strong>s, que teriam que sair das aldeias para assistir aulas nas cidadespróximas. Outra diferença é que para os PIC-PI foram previstas bolsasde manutenção coletivas e não individuais, e testes especialmentedesenvolvidos, que foram aplicados <strong>no</strong> início e <strong>no</strong> fim de cada curso.Para as experiências-piloto dos PIC-PI foram escolhidas duas entidadesindigenistas, a Anaí/BA e o ISA/SP. Não houve edital público oualguma espécie de seleção para os PIC-PI; ambas as instituições foramindicadas pela CGAEI/Seif. No entanto, por questões burocráticas,os consultores da área indígena do Diversidade tiveram que elaborarjustificativas para estas escolhas, que foram apresentadas daseguinte maneira: cursos que receberam apoio do MEC <strong>no</strong>s últimoscinco a<strong>no</strong>s; “experiências bem-sucedidas” e que estivessem situadas<strong>no</strong>s estados contemplados pelo Programa Diversidade na <strong>Universidade</strong>;cursos que contassem com recursos financeiros adicionais aosdo PDU, para que as ações não fossem comprometidas por falta derecursos (BRASIL-MEC 2003c).O PIC-PI da Associação Nacional de Ação Indigenista-Anaí tevepor objetivo a formação de 177 professores indígenas atuantes <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> fundamental em suas comunidades. O projeto atuou em doispolos: um para 72 professores Kaimbé, Kiriri, Kantaruré, Tuxá,Xukuru-Kariri, Pankararé e Tumbalalá (<strong>no</strong>rte e oeste da Bahia), eoutro para 105 professores Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Tupinambá188 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


(sul e extremo sul da Bahia). Foram previstas 130 horas de atividadespresenciais, mais 270 horas de atividades semipresenciais, tendoum custo total de 70.800 reais (BRASIL-MEC 2003d). Já o PIC-PIdo Instituto Socioambiental (ISA) voltou-se para a formação de 81professores indígenas do Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso),também responsáveis pelo ensi<strong>no</strong> fundamental em suas aldeias dosquais 38 já tinham concluído o magistério indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médioe os outros 43 estavam cursando o mesmo. Foram previstas cercade 150 horas de atividades presenciais e 250 semipresenciais. O cursofoi custeado em 32.400 reais (BRASIL-MEC 2003e). O projetoatendeu os povos Kuikuro, Kalapalo, Matipu, Nahukuá, Mehinaku,Waurá, Aweti, Kamaiurá, Trumai, Yaduas, Yawalapiti, Suiá, Kaiabi,Ikpeng, Ydjá, Panará e Kaiabi.As Instituições de Acompanhamento e Avaliação (IAA) contratadaspara acompanhar as experiências-pilotos ficaram responsáveispor elaborar os testes e a metodologia específica de acompanhamentoe avaliação dos PIC-PI. No caso dos PIC-PI as IAA mudaram depessoa jurídica para pessoa física. 37 A partir de 2004, com a criaçãoda Secad, acordou-se entre os gestores da CGDIE (a UEP do PDU) eda CGEEI (antiga CGAEI) que os recursos do PDU seriam divididosentre as duas coordenações na proporção de 70 e 30%, respectivamente.A partir de 2005 a CGEEI propôs uma <strong>no</strong>va linha de açãopara os povos indígenas <strong>no</strong> interior do PDU, o Projeto I<strong>no</strong>vador deFortalecimento de Escolas de Ensi<strong>no</strong> Médio Indígena, com o objetivode:[...] apoiar escolas de ensi<strong>no</strong> médio indígena <strong>no</strong> sentido de ampliarsua capacidade estrutural de funcionamento para viabilizar o oferecimentode uma educação escolar de qualidade e que favoreça amanutenção de sua identidade étnica, por meio do diálogo intercultural(WALKER, 2005a).Projetos com este intuito foram executados <strong>no</strong>s estados do Amazonas,Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Rondônia. Alémdessas ações, foram realizadas aquelas já citadas <strong>no</strong> componente 1,37 Foram contratadas para exercer a função de IAA dos PIC-PI do ISA e da Anaí asconsultoras Maria Paula de Freitas Vanucci e Priscila Matta, respectivamente.O Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 189


“estudos e pesquisas” – a composição de um diagnóstico sobre asituação escolar indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio e <strong>no</strong>s cursos de formaçãode professores.Ao longo dos a<strong>no</strong>s de existência do PDU a política em relação àeducação escolar indígena, de certo modo impulsionada pela crescentedemanda de professores indígenas e estudantes que concluíamo ensi<strong>no</strong> médio por formação superior, sofreu alterações. Ainda nagestão Cristovam Buarque <strong>no</strong> MEC estruturou-se um Grupo de Trabalhopara discutir ensi<strong>no</strong> superior indígena, <strong>no</strong> âmbito da Secretariade Educação Superior (Sesu) que contou com a participação derepresentantes de ONGs, organizações indígenas, universidades e daFunai (SOUZA LIMA, 2007b: 9).Mas o grande marco da mudança foi a institucionalização daideia de licenciatura intercultural para os povos indígenas – a partirde duas iniciativas autô<strong>no</strong>mas apoiadas especialmente pela Funai,uma da <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato Grosso (Unemat) e outra doNúcleo Insikiran de Formação Superior Indígena da <strong>Universidade</strong>Federal de Roraima (UFRR), por meio da criação do Programa deApoio a Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind), a partir doedital público n. 5, de 29.06.2005 (DOU, 30.06.2005, Seção 3, p.49), iniciativa da Sesu, em parceria com a Secad, e contando comrecursos do PDU (DOU, 30.06.2005, Seção 3, p. 9-10).O papel do PDU na criação da Secad e as transformações <strong>no</strong>interior do MECDesde sua concepção o PDU enfrentou uma série de mudanças tantointernas ao programa quanto resultantes das transformações naconjuntura política mais ampla. A primeira destas mudanças, já assinaladadesde o contrato de empréstimo com o BID, referiu-se àmudança de gover<strong>no</strong>, com a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula daSilva, candidato do PT nas eleições presidenciais de 2002. Tal mudançaaparece na Propuesta de Préstamo, documento do BID queapresenta o projeto, <strong>no</strong> item “Riscos”:Debido al momento de transición política en que se encuentrael país, existe el riesgo de que el compromiso con la temática dela desigualdad racial y étnica se modifique. Sin embargo, es muy190 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


probable que el programa continúe ya que, durante el proceso dediseño participativo de esta operación, se constató que existe uninicio de cambio importante en la sociedad brasileña hacia la concientizaciónsobre las desigualdades raciales y étnicas en el paísy que el tema de la inclusión social para afrodescendientes e indígenascuenta con un gran apoyo por parte de los involucrados(organizaciones de la sociedad civil, universidades etc.). Además,cabe <strong>no</strong>tar que los recursos de contrapartida serán incluidos en elPlan Plurianual de Inversiones. (BID, 2002: 21)Como vimos, apesar de concebido <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Fernando HenriqueCardoso, sob a gestão Paulo Renato <strong>no</strong> MEC, o PDU foi quasetotalmente executado pelo gover<strong>no</strong> Lula. Certamente o contor<strong>no</strong>que o Diversidade tomou ao longo de seus cinco a<strong>no</strong>s de existênciaestá relacionado a esta mudança de gover<strong>no</strong>.O primeiro-ministro da educação do <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong>, CristovamBuarque, permaneceu à frente do MEC até 27 de janeiro de 2004.No primeiro mês de sua gestão Cristovam lançou o Programa <strong>Brasil</strong>Alfabetizado e para executá-lo foi criada a Secretaria ExtraordináriaNacional de Erradicação do Analfabetismo (Seea). A meta inicial doprograma consistia na erradicação do analfabetismo <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> até oa<strong>no</strong> 2006. Para tanto o MEC propunha parcerias com organismosgovernamentais e não governamentais que tivessem experiência emalfabetização de jovens e adultos. A proposta era pagar aos alfabetizadoresR$15 por alu<strong>no</strong> alfabetizado <strong>no</strong> primeiro a<strong>no</strong> do programa.O programa previa também ações voltadas para a formação de alfabetizadores.Outra <strong>no</strong>vidade <strong>no</strong> orga<strong>no</strong>grama do MEC durante a gestão deCristovam Buarque foi a transformação da Secretaria do ProgramaBolsa-Escola em Secretaria de Inclusão Educacional (Secrie), aotempo em que foram incorporadas à <strong>no</strong>va secretaria outras “açõeseducativas complementares, de combate à evasão escolar, de superaçãodas desigualdades, de incentivo à permanência e promoçãodos alu<strong>no</strong>s do ensi<strong>no</strong> médio” (RUSSO, s.d.: s.p.). A Secrie seria, portanto,o espaço das políticas voltadas para a educação de criançase adolescentes em situação de vulnerabilidade social e estava sob aresponsabilidade do secretário Osvaldo Russo. Apesar de comporseu discurso falando em combate às desigualdades sociais incluindoO Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 191


questões de gênero e racial, as ações da Secrie voltaram-se basicamentepara o acesso e a permanência na escola de populações debaixa renda, como o próprio Bolsa Escola. Dessa forma, o PDU semanteve na DEM/Semtec durante toda a gestão Cristovam Buarque.Nesse período, sua execução orçamentária pouco avançou: comomencionei <strong>no</strong> capítulo anterior, até o a<strong>no</strong> de 2004 apenas 18% doorçamento previsto para o PDU havia sido gasto.Devido a uma série de disputas e negociações entre os partidosque compunham o Gover<strong>no</strong> e, especialmente, internas ao PT, em27 de janeiro de 2004 Cristovam Buarque foi substituído na gestãodo MEC pelo advogado gaúcho Tarso Genro, o que acarretou umasérie de mudanças <strong>no</strong> interior do ministério e também <strong>no</strong> PDU. Oredesenho do MEC, concebido na gestão Tarso Genro pautou comoobjetivos o fortalecimento do ensi<strong>no</strong> tec<strong>no</strong>lógico e profissionalizantee a ampliação das chamadas políticas de inclusão educacional (POR-TO JR.; GUIMARÃES, s.d.: 1). O orga<strong>no</strong>grama do Ministério sofreu<strong>no</strong>vas mudanças. A reestruturação resultou na transformaçãoda Secretaria de Educação Infantil e Fundamental que incorporouo ensi<strong>no</strong> médio formando a Secretaria de Educação Básica (SEB). ASecretaria de Ensi<strong>no</strong> Médio e Tec<strong>no</strong>lógico (Semtec), até então restritaao ensi<strong>no</strong> tec<strong>no</strong>lógico passou a ser de<strong>no</strong>minada Secretaria deEducação Profissional e Tec<strong>no</strong>lógica (Setec). A Secretaria de InclusãoEducacional e a Secretaria Extraordinária Nacional de Erradicaçãodo Analfabetismo foram fundidas para formar a <strong>no</strong>va Secretaria deEducação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad). A Sesunão sofreu alterações. Outras intenções foram elencadas como fundamentais:a implementação do Fundo de Desenvolvimento da EducaçãoBásica (Fundeb) e de uma proposta de reforma universitária.A constituição da Secad envolveu uma série de negociações <strong>no</strong>interior do Ministério, tendo em vista que foram reunidas ali temáticase programas anteriormente dispersos em diversas secretariasdo MEC. Articulando dois conceitos-chave, o de diversidade e o deeducação continuada, a <strong>no</strong>va Secretaria passou a tratar das açõesvoltadas para temáticas diversas, tais como a alfabetização de jovense adultos, educação <strong>no</strong> campo, educação ambiental, educaçãoindígena, educação para quilombolas e afrodescendentes e educaçãopara população em situação de “vulnerabilidade social”. A Secad192 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


deu <strong>no</strong>vo rumo ao PDU, a começar pela construção de uma <strong>no</strong>vaUEP, a CGDIE. No entanto, mais do que isso, o PDU teve um papelfundamental na criação da <strong>no</strong>va secretaria. De acordo com umabreve <strong>no</strong>ta do Relatório Parcial da Avaliação Intermediária do ProgramaDiversidade na <strong>Universidade</strong>, elaborado pelo consultor RobertWalker, “é provável que, sem os 27 milhões (em reais) do PDU,a Secad não tivesse sido criada (entrevista com Eliane Cavalleiro,08/08/2005)” (WALKER, 2005a: 38).Considerações FinaisSe o PDU foi, em alguma medida, precursor das políticas de valorizaçãoda diversidade étnico-racial <strong>no</strong> interior do MEC, ao longo dosa<strong>no</strong>s ele foi perdendo seu espaço. A partir da gestão de Tarso Genrofoi se delineando mais claramente a opção pelas políticas de cotaspara o acesso de negros e indígenas ao ensi<strong>no</strong> superior. Por seu ladoo MEC não demonstrou intenção em se apropriar das experiênciascom os cursos pré-vestibulares, foco inicial do PDU. Dessa forma, apossibilidade de montar uma segunda versão do PDU junto ao BIDnão foi considerada. É certo que a conjuntura mudou bastante desdeo período em que o PDU foi concebido até seu encerramento, em finsde 2007 e início de 2008. Durante o seu período de execução a relevânciadada a cada um dos componentes do PDU sofreu alterações.Aí já se pode perceber a mudança <strong>no</strong>s rumos da política do MEC emrelação à temática, especialmente a partir da instituição da Secad edo surgimento de outros programas voltados para a promoção doacesso diferenciado à universidade, como o Prouni, o Proind e oUniafro.Se o PDU contribuiu, de alguma maneira, para introduzir a temáticaétnico-racial nas políticas do MEC, é curioso que não tenharesultado em memórias sistematizadas que pudessem contribuir maisfortemente para formulação de <strong>no</strong>vas políticas, a partir das experiênciasanteriores. A política de apoio aos cursos pré-vestibularescom recorte racial, por exemplo, entrou e saiu da agenda políticado gover<strong>no</strong> junto com o PDU e, ao que parece, sem deixar maioresaprendizados. Ao tempo em que é possível perceber realmente certodesenvolvimento do debate sobre adoção de políticas voltadas para atemática da diversidade na esfera do MEC, especialmente em relaçãoO Programa de Diversidade na <strong>Universidade</strong> e as ações afirmativas... 193


ao acesso ao ensi<strong>no</strong> superior, pouco se discute acerca do modelo deuniversidade que temos e das necessidades e possibilidades de transformaçãodessas instituições, <strong>no</strong> sentido de prepará-las para receberum <strong>no</strong>vo público, que quer não apenas desfrutá-las, mas também temmuito a acrescentar para a construção de um <strong>no</strong>vo projeto de universidadeque seja mais democrático e voltado aos interesses da sociedadecomo um todo, considerando-se verdadeiramente sua diversidade.194 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


A diversidade sociocultural nas políticaspúblicas educacionaisSusana Grillo GuimarãesOs usos da diversidade cultural, de seu estudo, sua descrição, sua análise e suacompreensão, têm me<strong>no</strong>s sentidos de <strong>no</strong>s separarmos dos outros e separarmosos outros de nós (...) do que o sentido de definir o campo que a razão precisaatravessar para que suas modestas recompensas sejam alcançadas e seconcretizem.(...) Os usos da et<strong>no</strong>grafia são sobretudo auxiliares (...) e o que elafacilita é o contato operacional com uma subjetividade variante.GLIFFORD GEERTZ 2001Referências à diversidade sociocultural como componente estruturantena formulação e desenho das políticas públicas estabeleceram--se <strong>no</strong>s discursos e proposições de vários órgãos públicos, decorrentesde <strong>no</strong>vas perspectivas políticas e sociais relacionadas às discussõessobre direitos huma<strong>no</strong>s e relações interétnicas, visibilizadas na Constituiçãode 1988. A “era dos direitos” balizou a mobilização socialnas décadas 1970-1980 e pressio<strong>no</strong>u as agências estatais para <strong>no</strong>vasagendas políticas. O presente capítulo analisa o percurso da inserçãoda temática da sociodiversidade indígena <strong>no</strong> Ministério da Educação(MEC), priorizando a análise da inflexão recente proporcionadapela criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização eDiversidade (Secad) (2004), seu significado e suas decorrências paraas políticas públicas educacionais.É importante pontuar que o acolhimento dessa agenda, em umaperspectiva histórica, tem origem em um movimento exter<strong>no</strong> à instituição.No MEC as demandas educacionais dos povos indígenaspassam a ser consideradas a partir de 1991 com a edição do Decreto26 que atribuiu ao órgão competência para a formulação ecoordenação das políticas de educação referenciadas nas realidadessocioculturais e políticas dos povos indígenas e sua execução pelassecretarias de educação, a partir do “regime de colaboração” que or-A diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 195


ganiza as relações entre os sistemas de ensi<strong>no</strong>. O decreto não alterouo quadro institucional isoladamente e, sim, integrou um conjunto detextos legais que deslocaram a exclusividade da ação indigenista deum único órgão estatal para outras entidades <strong>no</strong> âmbito da União. 38Precisamos de um bom tempo para aplicar e estender o princípioconstitucional de reconhecimento e proteção da diversidade culturaldos povos indígenas para diferentes órgãos do Estado brasileiro, desdobramentoprevisível e esperável na <strong>no</strong>va configuração dos direitosindígenas presente na Constituição de 1988, integrante do processode redemocratização do país, 39 que não concebia mais os povos indígenascomo sociedades em vias de assimilação, integração ou desaparecimento,mas como povos portadores e produtores de diferençasculturais de modo permanente.O MEC começa a trilhar os caminhos da formulação das políticaspautadas na diversidade dos povos indígenas com a instituiçãodo Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI), comfunções assessora e consultiva. 40 Algumas ações merecem destaquenessa fase inaugural, entre elas a asserção e disseminação de referenciaispolítico-pedagógicos e linguísticos para a transformação daspráticas pedagógicas nas escolas indígenas filiadas à modelagem catequizadora,conversora ou assimilacionista. Esses <strong>no</strong>vos referenciaissurgiram, a partir de meados dos a<strong>no</strong>s 1970, da experiência de arti-38 Decreto 1.141/94 que dispõe sobre ações de proteção ambiental, saúde e apoio àsatividades produtivas para comunidades indígenas; Lei 8.171/91 que dispõe sobrepolítica agrícola.39 O indigenismo estatal sem analisar que alteração <strong>no</strong> quadro institucional decorriaexatamente do <strong>no</strong>vo quadro dos direitos indígenas pautados pelo reconhecimentoda diversidade, não mais balizada por ideologias integracionistas, reagiuaos <strong>no</strong>vos ordenamentos institucionais lendo-os como ameaças tanto aos direitosindígenas que estariam sendo defendidos pelo órgão indigenista, quanto à manutençãoda instituição. É interessante analisar essa reação às mudanças propostasrelacionando-a à distância mantida pelo órgão durante a mobilização indígena eindigenista na Constituinte. A defesa da atuação exclusivista do órgão não tevecomo alternativa movimentos de natureza mais progressista de reformulação dasua missão e identidade institucional. Hoje ainda é existem obstáculos para a articulaçãoInter setorial pretendida com a criação da CNPI (depois CNEEI), poisa posição assumida por seus dirigentes de contrapor a excelência da indigenismoestatal praticado face às dificuldades enfrentadas por outros órgãos na formataçãode <strong>no</strong>vas políticas, não tem sustentação com o histórico da sua atuação.40 Portaria 60, de 08.07.1992.196 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


culação entre o nascente movimento indígena e a mobilização das organizaçõesnão governamentais pelos direitos dos povos indígenas. 41O MEC assume a tarefa de definir as diretrizes 42 para as <strong>no</strong>vaspolíticas de educação escolar indígena a serem executadas pelassecretarias de Educação, institucionalizando marcos conceituais deum i<strong>no</strong>vador modelo de escola associado à afirmação das identidadese à formação de mentalidades comprometidas com o valor sociale epistemológico da diversidade (BANDEIRA, 1998). Esta açãoinaugura a ação do MEC <strong>no</strong> período, focada, por um lado, na organizaçãode publicações orientadoras da ação institucional de estadose municípios e da ação pedagógica de professores das escolas indígenas,na formação, ainda que assistemática, de técnicos dos sistemasde ensi<strong>no</strong> para a compreensão das bases antropológicas, linguísticase pedagógicas da educação escolar indígena e na produção de materiaisdidáticos específicos para as escolas indígenas. Houve tambéma iniciativa de se propor a realização de um Censo específico <strong>no</strong> âmbitodo Instituto de Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep), em 1999, detalhando um primeiro retratodessas escolas agora inseridas <strong>no</strong>s sistemas de ensi<strong>no</strong>. 43Esse ponto de partida merece destaque para explicitar como seproduziu na política estatal um ideário formado por princípios, perspectivase práticas, construído em situação dialógica e experiencialpelos movimentos sociais diferentes em seu protagonismo – indígenasou indigenistas – mas irmanados em lutas comuns pelos direitosterritoriais, sociais, políticos e culturais dos povos indígenas. Aorientação da política pública incorpora, dessa forma, referenciaisconstruídos socialmente, na experimentação dialógica. Se hoje per-41 Comissão Pró-Índio (CPI/SP, CPI/AC, CPI/RJ), Associação Nacional de AçãoIndigenista (Anaí/BA), Anaí/RS, Centro de Trabalho Indigenista (CTI), CentroEcumênico de Documentação e Informação (Cedi), Instituto de Antropologia eMeio Ambiente (Iamá), Operação Anchieta (Opan), Conselho Indigenista Missionário(Cimi) e Conselho de Missões entre Índios (Comin).42 No documento Diretrizes para a Política Nacional da Educação Escolar Indígena(MEC, 1993), elaborado pelo Comitê Nacional, afirmam-se as categorias deinterculturalidade, do bilinguismo/multilinguismo, da especificidade e da diferenciaçãocomo caracterizadoras da <strong>no</strong>va educação escolar indígena.43 Censo Escolar das Escolas Indígenas, MEC e Inep, 1999. A partir de 2002, oCenso Escolar passa a identificar as escolas indígenas do conjunto das escolasbrasileiras.A diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 197


cebe-se um certo estranhamento por parte de lideranças e de professoresindígenas quanto às categorias de especificidade, diferenciação,interculturalidade e multilinguismo que passaram a caracterizar aeducação escolar indígena, isso se deveu a que o movimento de re<strong>no</strong>vaçãopedagógica e curricular, em muitas realidades indígenas, amaioria por sinal, não ter sido fruto de crítica, discussão, criação,experimentação social de hipóteses re<strong>no</strong>vadoras que o movimentosocial, indígena e indigenista associou à instituição “escola”, ressignificadapelo contexto de manutenção da diversidade sociocultural.Tendo esmaecida essa base de construção social <strong>no</strong> processo históricode proposição de <strong>no</strong>vas diretrizes, aquelas categorias parecemmuitas vezes, aos olhos dos próprios indígenas, destituídas de sentidoe identificadas à ação institucional estatal. 44Definidas as diretrizes conceituais, em termos de orientação esustentação orçamentária da nascente política pública com foco nadiversidade indígena, os recursos disponíveis foram empregados <strong>no</strong>financiamento de projetos de um número reduzido de organizaçõesnão governamentais e as Secretarias de Educação recebiam recursosem volume muito me<strong>no</strong>r 45 , gerenciados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimentoda Educação (FNDE), sem que houvesse mecanismosde articulação entre esses atores nas formas de alocação de recursospara ações de apoio e desenvolvimento à educação escolar indígena.Nessa fase inicial de institucionalização <strong>no</strong> âmbito do MEC, portanto,temos ênfase na produção documental que dissemi<strong>no</strong>u <strong>no</strong>vosconceitos e firmou a perspectiva dessa proposta como uma i<strong>no</strong>vação44 As <strong>no</strong>vas diretrizes passam a fundamentar as discussões sobre modelos de educaçãoescolar indígena <strong>no</strong>s programas de formação de docente, coordenados porSecretarias Estaduais de Educação, criados a partir de meados dos a<strong>no</strong>s 1990,que vão ensejar uma ampla problematização e re<strong>no</strong>vação das práticas pedagógicasnas escolas indígenas.45 Em 2003, os recursos previstos <strong>no</strong> Pla<strong>no</strong> Plurianual (PPA) do a<strong>no</strong> anterior, foramde R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), sendo R$ 200 mil para formaçãode professores e R$ 200 mil para produção de material didático destinados àssecretarias de educação. As organizações não governamentais dispunham de umrecurso gerido por organismo internacional da ordem de cerca de R$ 1,2 milhãode reais. Em 2004, o orçamento já foi de R$ 3.600.000,00. Em 2007, <strong>no</strong> âmbitodo Pla<strong>no</strong> de Desenvolvimento da Educação/Pla<strong>no</strong> de Ações Articuladas tivemosum investimento da ordem de R$ 116 milhões de reais para secretarias estaduaisde Educação, evidenciando-se problemas de gestão na execução desses recursos.198 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


na educação brasileira 46 , corroborada pela manifestação do ConselhoNacional de Educação (CNE), interpretando e <strong>no</strong>rmatizandodispositivos estabelecidos na legislação.Em 2002, uma importante iniciativa possibilitada pela edição daLei 10.558, cria o PDU. Fruto de um empréstimo internacional aogover<strong>no</strong> brasileiro pelo BID para fomentar a definição de políticaspúblicas para o ingresso de afro-brasileiros e indígenas na formaçãosuperior. No Seminário de apresentação do programa, 47 representantesindígenas questionaram suas diretrizes orientadoras – criaçãode cursos pré-vestibulares – argumentando que não atendiam às demandase realidades dos povos indígenas.No âmbito de uma Comissão para a Diversidade, criada peloPrograma para o diálogo com os segmentos sociais, em que se discutiacom os representantes do movimento social o perfil das ações aserem desenvolvidas em 2004, foi apresentada a proposta de criaçãode uma Secretaria de Inclusão Educacional (SIE), <strong>no</strong> MEC. Saudadacomo importante iniciativa, <strong>no</strong> contexto de um gover<strong>no</strong> com umaação programática de enfrentar as desigualdades sociais <strong>no</strong> acesso àeducação, a ideia foi recebida pelos representantes indígenas naquelaComissão com profunda desconfiança. O cerne da discordância erao “sentido” que a diversidade sociocultural ganhava na proposta dereestruturação do MEC. O conceito de inclusão, de acordo com osrepresentantes indígenas não respondia aos anseios dos povos indígenas.“Não queremos ser incluídos e sim reconhecidos” – foi a cha-46 Parecer 14/CEB-CNE e Resolução 03/CBE-CNE, de 1999.47 A criação da Comissão Assessora de Diversidade para Assuntos Indígenas (PortariaMEC/Semtec n. 1.941/2003), possibilitou a redefinição dos objetivos iniciaisdo Programa, para garantir aproximação às demandas indígenas diferenciadas daproposta inicial de financiamento de cursos pré-vestibulares. Assim, a negociaçãocom os gestores do BID foram extremamente positivas e receptivas aos argumentosapresentados, possibilitando que o programa passasse a financiar, a partir de2005, instituições de ensi<strong>no</strong> superior <strong>no</strong> desenvolvimento das licenciaturas interculturais(Unemat e UFRR que já tinham iniciativas nesse sentido, iniciadas em2001 e 2003, respectivamente, e UEA e UFMG). O objetivo do empréstimo internacionalfoi alcançado quando o financiamento das licenciaturas interculturaisse tor<strong>no</strong>u linha orçamentária da Secad, em 2006. Hoje, temos 14 instituições deensi<strong>no</strong> superior (IESs) recebendo os recursos do Programa de Apoio à EducaçãoSuperior e Licenciaturas Indígenas (Prolind) e institucionalizando esses cursosseja <strong>no</strong> âmbito do Reuni, seja em seus processos inter<strong>no</strong>s, como a Unemat quecriou a Faculdade Indígena Intercultural.A diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 199


ve da discussão e esse importante questionamento de caráter políticoe conceitual balizou a discussão que se seguiu com os dirigentes dafutura secretaria, chegando-se à proposição da Secad. 48A criação da Secad representa uma decisão política fortementecentrada na valorização da sociodiversidade <strong>no</strong> que ela tem de estruturanteda sociedade brasileira e <strong>no</strong> que gerou de desigualdadee exclusão social e educacional. Para isso, a Secad vai definir umaestrutura operacional e uma agenda sistêmica, tratando a diversidadesociocultural em sua(s) extensa(s) dimensão(ões), superando umaatuação tópica anterior – <strong>no</strong> caso da sociodiversidade indígena – eisolada da análise das bases históricas permanentes e excludentesda educação, mobilizando os sistemas de Ensi<strong>no</strong> para uma reflexãoprofunda e consistente sobre as implicações da negação da diversidade<strong>no</strong>s indicadores educacionais, <strong>no</strong> sucesso da aprendizagem eem termos de violação dos direitos huma<strong>no</strong>s. A Secad, então, se filiaa uma <strong>no</strong>va ordem social marcada pela ética do reconhecimento dadiversidade, enquanto afirmação de valores, horizontes próprios depercepção dos agentes sociais inseridos em situações de contatos interétnicose/ou intersocietários que, como mostra Roberto Cardosode Oliveira, originam “problemas sociais susceptíveis de enfrentamentopor políticas públicas, como, por exemplo, as chamadas políticasde reconhecimento” (OLIVEIRA, 2006). Nas políticas educacionais,isso significou mobilizar e responsabilizar o setor públicopara a agenda da diversidade em toda a sua extensão, sustentada por<strong>no</strong>vos programas e linhas orçamentárias. A orientação pelo paradigmada educação referenciada em especificidades socioculturais como“direito” e não como “problema” (MUÑOZ, 2005) levou à mobilizaçãoe pactuação com as secretarias de Educação para o compromissocom a agenda da diversidade e seu enraizamento. 49Uma aprendizagem trazida pela Secad foi evidenciar as limitaçõesde um indigenismo que se colocou na trincheira da reivindi-48 Decreto 5.159, de 28.07.2004.49 Em 2005, tivemos a pactuação para a educação escolar indígena na Carta doAmazonas entre o Conselho Nacional dos Secretários de Educação/Consed e oMEC com um conjunto de compromissos para institucionalização desse modelode educação focado na diversidade. Do mesmo modo, em 2007, MEC e Consedfirmaram o Pacto para o Desenvolvimento da Educação do Campo.200 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


cação de uma educação escolar de qualidade 50 sem analisar o contextomais geral da educação brasileira, produtora de desigualdadese exclusões. Na medida em os Sistemas de Ensi<strong>no</strong> estão aderindo àideia de que justiça social passa por reconhecer e assumir as especificidadessocioculturais de maneira ampla para comunidades quilombolas,comunidades tradicionais, povos originários, afro-brasileiros,teremos cenários institucionais mais favoráveis e sustentáveis paraos direitos educacionais dos povos indígenas. Desse modo, povosindígenas, comunidades quilombolas e diversas e diferentes comunidadesdo campo têm agora suas realidades e perspectivas culturaisvisibilizadas e discutidas nas políticas educacionais, evidenciandoum e<strong>no</strong>rme avanço <strong>no</strong> processo de democratização do Estado e umadinamização do sistema de ensi<strong>no</strong> brasileiro – de secretarias de Educaçãoàs <strong>Universidade</strong>s – para a pauta da sociodiversidade. Um desafiosempre presente <strong>no</strong> início da atuação da Secad foi demonstrar queampliar a percepção da diversidade e propor diferentes alternativaspara a gestão não se resumiria a criar um efeito de celebração dodiverso, do variante, mas identificar com precisão demandas própriasa cada experiência sócio-histórica e formatar seu planejamentoe operacionalização diferenciados para superar desigualdades e iniquidadesconfiguradas em processos de exclusão social.O MEC refaz a agenda universalista das políticas educacionais,sem diferenciações para públicos diversos, mudando o enfoque prioritáriona subjetividade, presente em diferentes documentos, <strong>no</strong>rmativose programáticos, para abordagens analíticas que evidenciamnexos societários na construção da(s) subjetividade(s), das identidades.Cada uma das agendas enfrentadas pela Secad exigiu aprofundamentoanalítico nas especificidades próprias a cada segmento sociala ser reconhecido.Retornando a Geertz (2001), as dificuldades para a “razão” operacionalizaro diverso em sua ampla extensão concernem a se perceberque mudanças conceituais e teóricas não são suficientes para50 É interessante verificar a dificuldade de parte das organizações indigenistas representadaspela Rede de Cooperação Alternativa (RCA) em analisar essas iniciativasconcernentes às políticas públicas de evidente conteúdo democratizantecomo equívoco em contraface ao recuo <strong>no</strong> financiamento das organizações nãogovernamentais.A diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 201


enraizar <strong>no</strong>vas abordagens e mobilizar os sistemas de ensi<strong>no</strong> paraenfrentar a agenda da sociodiversidade em toda a cadeia produtivada educação pública – operações de alteração da organização orçamentária,de planejamento estratégico, de reforma institucional, depriorização política são as mais complexas de serem implementadase de se tornarem sustentáveis, pois questionam práticas e direcionamentosgerenciais consolidados na administração pública refratáriosà diversidade. Um objetivo possível, para os usos da diversidade, évisibilizar as matrizes africanas na formação da <strong>no</strong>ssa sociedade eevidenciá-las em inúmeros fatos socioculturais próprios à dinâmicasocial, outra é propor educação para as relações étnico-raciais quecomecem por reconhecer onde “guardamos <strong>no</strong>ssos preconceitos”,em uma sociedade que convive com fronteiras sociais sempre na iminênciade mostrarem sua dura face discriminatória e excludente.Um desafio também i<strong>no</strong>vador foi discutir as demandas de inúmerascomunidades quilombolas e pautar <strong>no</strong>vos orçamentos e programasque institucionalizem seu atendimento, visibilizando umarealidade desconhecida <strong>no</strong>s grandes centros urba<strong>no</strong>s formadores deopinião. 51 Outro objetivo possível foi transpor a dicotomia urba<strong>no</strong>/rural, complexificando o(s) cenário(s) social(ais) em termos não hierárquicos,mas reconhecendo territórios sócio-políticos, suas práticase perspectivas peculiares.No campo das possibilidades relativistas e apaziguadoras dosusos da diversidade, podemos reconhecer a e<strong>no</strong>rme capacidade deresistência dos povos indígenas em se recompor face a violentos processoscolonialistas, mantendo suas perspectivas políticas e identitárias,propondo a criação de mentalidades “tolerantes”. Avançosocorrem quando se exercitam práticas dialógicas que defrontem odiverso e estabeleçam <strong>no</strong>vas possibilidades dentro de processos denegociação discursiva em propostas de gestão que possibilitem fixarparâmetros favoráveis às políticas de afirmação da diversidade.51 Merece destaque a <strong>no</strong>va formatação do Programa Nacional de Alimentação Escolarcom valores variados para os estudantes indígenas e quilombolas. Do mesmomodo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorizaçãodos Profissionais de Educação (Fundeb) tem coeficientes diferenciados aosdo valor-a<strong>no</strong> do estudante dos a<strong>no</strong>s iniciais das escolas urbanas para estudantesindígenas e quilombolas, o que indica enraizamento do reconhecimento da diversidadena gestão dos recursos.202 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


O Pla<strong>no</strong> de Desenvolvimento da Educação 52 ao afirmar o direitodos povos indígenas a uma educação própria consolida <strong>no</strong> MEC otratamento que a educação escolar indígena vem recebendo <strong>no</strong> bojodo planejamento estratégico da instituição, tendo seu lugar peculiar,referenciado na(s) especificidade(s) que a sociodiversidade requer.É este o sentido do Decreto 6.861, de 27 de maio de 2009, 53que organiza a educação escolar indígena em territórios et<strong>no</strong>educacionais.Representa um importante passo <strong>no</strong> aprofundamento daconsideração da diversidade sociocultural dos povos indígenas, <strong>no</strong>ssistemas de ensi<strong>no</strong>, ao enxergar territorialidades e relações intersocietáriassubsumidas às territorialidades do estado brasileiro quefragmenta dinâmicas sociais, gerando formas de produção de disparidadesna oferta da educação básica em um mesmo território deidentidade e outras consequências, decorrentes do regime de colaboraçãoque rege as relações entre a União, estados e municípios e quedefende a auto<strong>no</strong>mia política de cada ente federado. Em função dequadro, temos situações em que em um determinado estado professoresindígenas de um povo têm acesso à formação superior, dispõede algum material didático específico, assumem papéis na gestão daescola e participam de instâncias que exercitam o diálogo intercultural;<strong>no</strong> entanto, o mesmo povo em estado ou município contíguonão tem oferta dos a<strong>no</strong>s finais do ensi<strong>no</strong> fundamental, nem acessoà formação docente <strong>no</strong> magistério, não teve iniciado o processo deprodução de materiais didáticos, não dispõe de canais de interlocuçãopara discutir seus direitos.A iniciativa, além de redesenhar o regime de colaboração a partirda(s) territorialidade(s) dos povos indígenas, agrega um fator nãoprevisto <strong>no</strong> regime que é a articulação entre os entes federados paracompromissos com um conjunto de ações pactuadas publicamente a52 Decreto 6.094, de 24.04.2007.53 Publicado <strong>no</strong> DOU 28.05.2009, foi objeto de várias análises e consultas nas instânciasde representação indígena, como a Comissão Nacional de Professores Indígenas(CNPI) (a Subcomissão de Educação propôs ao MEC a criação de umGT para discutir a proposta, o que foi feito) e depois a CNEEI. O decreto nãocria <strong>no</strong>vas unidades administrativas, mas se trata de um i<strong>no</strong>vador instrumento degestão – a definição do território e sua abrangência será resultado de consultastanto <strong>no</strong> âmbito da I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena quantoem reuniões com representantes dos povos indígenas.A diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 203


partir de diagnósticos e das demandas das comunidades. A implementaçãodos territórios et<strong>no</strong>educacionais está sendo operacionalizadaem reuniões técnicas onde diagnósticos, demandas e orçamentosão debatidos com gestores e representantes indígenas que integrarãouma Comissão de participação e controle social em cada território.Uma pesquisa recente evidencia a propriedade da pauta da Secadcomo estrutura para enfrentar os desafios da diversidade nas políticaseducacionais. Os resultados da pesquisa, encomendada pelaSecad e pelo Inep, 54 sobre a produção de preconceitos e de atitudesdiscriminatórias <strong>no</strong> ambiente escolar, surpreendem em seus resultadospela extensão do preconceito direcionado a vários segmentossociais e que perpassa relações entre estudantes e entre professores/estudantes, com impactos sobre o desempenho escolar.Os inúmeros desafios postos à “razão” disposta à compreender asociodiversidade e construir políticas públicas que a valorizem estãopropiciando a existência de muitas iniciativas que tentam superarpráticas assimilacionistas históricas ao estado brasileiro e discutir<strong>no</strong>vos referenciais próprios à concepções de sociedades multiculturaise democratizadas. Há que se ressaltar as políticas desenvolvidaspelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)<strong>no</strong> sentido de efetivar o artigo 115 da Constituição Federal que tratasobre o reconhecimento e proteção das práticas socioculturais quecompõem o patrimônio de povos originários e povos tradicionais.Com políticas e ações de patrimonialização de bens imateriais, oIphan vem afirmando a sociodiversidade, contribuindo para a afirmaçãode <strong>no</strong>vos valores importantes tanto para as sociedades portadorasdesses bens culturais quanto para a sociedade geral, fortalecendoassim práticas democráticas a partir do reconhecimento damulticulturalidade que marca a sociedade brasileira.Como conclusão, a sustentabilidade das políticas de reconhecimentoda diversidade sociocultural implica em que essas intençõessejam incorporadas em todas as áreas da gestão pública, de maneirasistêmica. A educação escolar indígena deixou de ser um nicho isoladoentre práticas desconheciam a extensão da sociodiversidade na54 Pesquisa Preconceito e Discriminação <strong>no</strong> Ambiente Escolar (Fipe/Inep) trouxesubsídios para a criação de ações que transformem a escola em ambiente de promoçãoda diversidade e do respeito às diferenças.204 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


sociedade brasileira e integra um conjunto de decisões voltadas paraa diversidade como dimensão e referencial estruturante da políticaeducacional, articulando instituições para esses objetivos.Entre eles, refiro-me a criação da Rede de Educação para à Diversidade,associada à <strong>Universidade</strong> Aberta do <strong>Brasil</strong>/Secretaria deEducação a Distância/MEC que oferece cursos de aperfeiçoamentoou de especialização nas diversas áreas da diversidade socioculturalpara formação de técnicos, gestores e professores das redes públicasde ensi<strong>no</strong> para compreensão e domínio de <strong>no</strong>vos valores e conceitosrelacionados à multiculturalidade e seus impactos na educação democráticae de qualidade. Outra importante iniciativa da Secad, emarticulação com a Capes e o Inep, criou o Observatório da EducaçãoEscolar Indígena, onde as universidades isoladas ou em rede vão formargrupos de pesquisa para subsidiar a implementação dos TerritóriosEt<strong>no</strong>educacionais com diagnósticos sobre a oferta da educaçãointercultural nas comunidades indígenas. Outra articulação importantefoi a criação do Programa Institucional de Bolsa de Iniciaçãoà Docência (Pibid) 55 para a formação de professores indígenas, coma finalidade de institucionalizar a formação superior de professoresindígenas em cursos de licenciaturas interculturais que trazem ai<strong>no</strong>vação de serem organizados em áreas de conhecimento e não emdisciplinas, criando uma política de formação docente ancorada nasespecificidades dos povos indígenas e na consulta às suas perspectivaspolíticas e culturais. Enfim, reconhecer o diverso revertendopolíticas reprodutoras da desigualdade é um e<strong>no</strong>rme desafio à razãoe à prática democráticas que está sendo enfrentado pelo MEC porintermédio da Secad.55 Edital Capes/DEB n. 02/2009.A diversidade sociocultural nas políticas públicas educacionais 205


Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenasKleber Gesteira MatosIntroduçãoA<strong>no</strong> 2002.Cerca de 2 mil estudantes indígenas estão matriculados em instituiçõesde ensi<strong>no</strong> superior públicas e particulares. Com escassos recursospara sua manutenção, enfrentam dificuldades de toda ordem emuitos são obrigados a deixar os cursos cujo acesso foi tão arduamenteconquistado.Dezembro daquele a<strong>no</strong>:O chefe de gabinete da Secretaria de ensi<strong>no</strong> superior, do Ministérioda Educação, recebe em audiência, lideranças indígenas. O objetivodo encontro, nas palavras da professora indígena que solicitou a reunião,era discutir o tema ensi<strong>no</strong> superior e Povos Indígenas.Esta oportunidade surgira <strong>no</strong> bojo de uma crise entre representantesda Comissão Nacional de Professores Indígenas (CNPI) e dirigentesdo MEC que, à época, eram responsáveis pela gestão daspolíticas de educação escolar indígena. Em fins de mandato presidencial,o ministro da Educação Paulo Renato lançara o Programade Diversidade na <strong>Universidade</strong> (PDU), cujo objetivo era promover oacesso de estudantes negros e indígenas ao ensi<strong>no</strong> superior. Atravésdo Diversidade o Ministério da Educação (MEC) oferecia financiamentopara cursos pré-vestibulares que poderiam, em tese, facilitaro acesso de indígenas aos cursos universitários. Dessa forma, não eradevidamente enfrentado o grave problema da manutenção daquelesestudantes nas universidades. Os membros da CNPI receberam o Diversidadecom muitas críticas. Uma de suas primeiras reivindicaçõesfoi o apoio aos estudantes universitários indígenas, ou seja, àquelesque já frequentavam cursos superiores.Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 207


O discurso hegemônico na CNPI estava centrado <strong>no</strong>s supostosinteresses das populações que viviam em terras indígenas. O Diversidadefora originalmente desenhado para atender a “índios”, demaneira genérica, com acentuada preocupação com indivíduos, semreferência a vínculos comunitários por parte dos beneficiários. Alémdisso, os “cursinhos” deveriam funcionar em um contexto urba<strong>no</strong>,não havendo previsão de recursos para a formação de professoresindígenas em terras indígenas. Finalmente, o Diversidade fora desenhadosem qualquer discussão ou diálogo com a CNPI que deveriater, junto ao MEC, o status político de representação dos povos indígenaspara a formulação e implementação de políticas de educação.A reunião realizada na Secretaria de Educação Superior (Sesu)foi devidamente registrada <strong>no</strong> MEC, mas não atingiu seu principalobjetivo que era gerar uma agenda política que abrigasse a discussãosobre estudantes indígenas em cursos universitários. A situaçãocriada sintetizava as incompreensões, tensões, “idas e vindas”, desencontrose desacertos da busca de uma política universitária parajovens indígenas.É relevante frisar que, em 2002, estavam matriculados em instituiçõesde ensi<strong>no</strong> superior 3.479.913 estudantes (INEP, 2002). Destes,cerca de 2 mil eram indígenas, o que representava apenas 0,06%do total. À época, a população indígena correspondia a 0,4% dapopulação brasileira. Portanto, cotejando estes dois índices, concluímosque o número de universitários indígenas em 2002, deveriaser, <strong>no</strong> mínimo, sete vezes maior (pois, 0,4 ÷ 0,06 7). Apesar dereduzida, a cifra de 2 mil universitários era expressiva, consideradaa baixa oferta de escolarização às populações indígenas. Em 1981existiam 154 escolas em terras indígenas, sob responsabilidade diretada Fundação Nacional do Índio (Funai), atendendo a 10.535alu<strong>no</strong>s (CUNHA, 1990: 82). A quase totalidade deles frequentavaturmas de alfabetização ou, <strong>no</strong> máximo, de 1ª a 4ª série do ensi<strong>no</strong>fundamental.Em 2002, o MEC foi desafiado a se pronunciar a respeito doacesso de 2 mil jovens a cursos universitários. Como ocorreu talprocesso de escolarização? O que permanece oculto <strong>no</strong>s númerosdessa narrativa? Quais foram as mudanças, nas relações entre povosindígenas e educação escolar ao longo dos a<strong>no</strong>s? Como isso se deu?208 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Este capítulo discute estas questões e apresenta uma interpretaçãopara a expressiva demanda que os povos indígenas trazem para osistema de ensi<strong>no</strong> universitário brasileiro, tentando, neste percurso,qualificar essa demanda.Esclarecimentos necessáriosAo longo do texto utilizamos algumas expressões que devem ser qualificadasem benefício de um entendimento mais preciso. Referimo--<strong>no</strong>s a: povos indígenas; índio(s); indigenismo; indigenista; políticaindigenista; poder tutelar e tutela, entre outras. Optamos por de<strong>no</strong>minaro conjunto de sociedades ameríndias <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> como povos indígenas,sendo que o uso do plural visa enfatizar a sociodiversidadeinterna nesta população. Pelo mesmo motivo, dada à sua inadequação,empregamos aspas sempre que for obrigatória a grafia do termogenérico “índio(s)”. Indigenismo corresponde ao complexo conjuntode discursos a respeito dos povos indígenas, articulados às práticas eações do Estado sobre estes povos e respectivos territórios. Concordamoscom a premissa de que as representações e discursos sobre os“índios” desempenham um importante papel <strong>no</strong> processo mais geralde formação do Estado. Neste contexto incorporamos conceitosformulados por Antonio Carlos Souza Lima: indigenismo; 56 políticaindigenista; 57 e poder tutelar. 58 Optamos por de<strong>no</strong>minar as ações56 Segundo Souza Lima: “indigenismo o conjunto de ideias (e ideais, isto é, aquelaselevada à qualidade de metas a serem atingidas em termos práticos) relativas ainserção de povos indígenas em sociedades subsumidas a Estados nacionais, comênfase especial na formulação de métodos para o tratamento das populações nativas,operados, em especial, segundo uma definição do que seja índio” (SOUZALIMA, 1995: 14).57 Segundo Souza Lima: “A expressão política indigenista designaria as medidaspráticas formuladas por distintos poderes estatizados, direta ou indiretamente incidentessobre os povos indígenas. Isso exclui outros aparelhos de poder da esferada definição, implicando em não se falar em uma política indigenista eclesiástica,nem tão pouco condicionar a ideia de atos oficiais afetando populações autóctonesà existência de uma racionalidade onde as ações práticas correspondem a umplanejamento implícito e, sobretudo, explícito. De modo mais claro: não há umacorrespondência necessária entre os pla<strong>no</strong>s para os índios e as ações face a eles”(SOUZA LIMA, 1995: 15).58 Com a categoria “poder tutelar” pretendo, pois, descrever uma forma de açãosobre as ações dos povos indígenas e sobre seus territórios, oriunda e guardandocontinuidades implícitas com as conquistas portuguesas e sua administração porEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 209


de órgãos, agências e agentes do Estado brasileiro junto aos povosindígenas, na implementação de programas de educação, saúde, segurança,regularização fundiária etc. de políticas governamentais. 59Desenvolvendo o tema distinguimos Educação Indígena de EducaçãoEscolar Indígena. Assumimos aqui estas expressões como formuladaspor Susana Grillo ao compilar o Cader<strong>no</strong> Temático 3, EducaçãoEscolar Indígena – diversidade sociocultural ressignificando a escola,publicado pela CGDIE/Secad (BRASIL-MEC, 2007a). 60 Algumas exaparelhosde poder que visavam assegurar a soberania do monarca lusita<strong>no</strong> sobreterras dispostas em variados continentes. Modalidade de poder de um Estadoque se imagina nacional, ou melhor de uma comunidade política dotada de umExército profissional, comunidade essa entendida aqui como um conjunto de redessociais estatizadas, com pretensões a abarcar e submeter a multiplicidade decomunidades étnicas diferenciadas e dispostas em um território cuja predefiniçãoface a outras comunidades políticas igualmente heteróclitas é relativa e instável.O poder tutelar pode ser pensado como integrando tanto elementos das sociedadesde soberania quanto das disciplinares. Mas é antes de tudo um poder estatizadonum aparelho de pretensa abrangência nacional, cuja função é a um tempoestratégica e tática, <strong>no</strong> qual a matriz militar da guerra de conquista é semprepresente. (SOUZA LIMA, 1995).59 Por “políticas governamentais” os autores entendem: [...] pla<strong>no</strong>s, ações e tec<strong>no</strong>logiasde gover<strong>no</strong> formuladas não só desde organizações administrativas de Estadosnacionais, mas também a partir de diferentes modalidades de organizaçõesnão redutíveis àquelas que estão definidas em termos jurídicos e administrativosenquanto partícipes de administrações públicas nacionais. Pensamos aqui nãoapenas em ONGs e movimentos sociais, mas também em organismos multilateraisde fomento e de cooperação técnica internacional para o desenvolvimento.Isto implica dizer que a identificação de problemas sociais, a formulação de pla<strong>no</strong>sde ação governamental, sua implementação e a avaliação de seus resultadosse dão em múltiplas escalas espaciais, com temporalidades variáveis, <strong>no</strong> entrecruzamentode amplos espaços de disputa, muitas vezes desconectados entre si emaparência. Tal desconexão é efeito dos modelos analíticos que visam entender osdispositivos de gover<strong>no</strong> adotados como portadores da racionalidade tão perseguidana ciência política, e que calcam tal racionalidade numa lógica fortementemarcada pela ideia de Estado nacional. Parece-<strong>no</strong>s que cenários atuais e históricos<strong>no</strong>s levam a perceber o quanto as políticas de gover<strong>no</strong>s de Estados nacionaissão geradas, financiadas e avaliadas fora das fronteiras estritas de seus territóriospor feixes de agências e agentes, princípios e práticas que os trespassam (LIMA;CASTRO, 2008: 24, segundo ALMEIDA, 2008).60 Outra ideia-chave é a distinção entre educação indígena e educação escolar indígena.Meliá (1979) evidenciou os processos de aprendizagem de diferentes povos,dimensão ig<strong>no</strong>rada pelas políticas assimilacionistas que não reconheciam os padrõesde transmissão dos conhecimentos tradicionais para a formação de jovense crianças de acordo com suas concepções sobre sociedade e formação da pessoahumana. As práticas socializadoras da comunidade, em diversificados momentos,210 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


pressões de uso corrente <strong>no</strong> campo da educação escolar indígena serãoutilizadas com frequência. Para evitar ambiguidades, estão explicitadosnas <strong>no</strong>tas ao final do texto os sentidos que correspondem a: escolaindígena; 61 currículo diferenciado; 62 auto<strong>no</strong>mia pedagógica; 63 línguapor meio de diferentes agentes e ao longo de toda a vida são educacionais pornatureza, se valem da oralidade e têm estratégias próprias. A essa atividade, aeducação escolarizada foi imposta intentando substituir e neutralizar esses processosde formação.61 Escolas Indígenas: São escolas implantadas em comunidades indígenas, na suaquase totalidade instaladas <strong>no</strong> interior de terras indígenas, mesmo aquelas cujoprocesso de regularização fundiária não esteja concluído. Algumas dessas escolasfuncionam <strong>no</strong> perímetro urba<strong>no</strong>.62 Currículo Diferenciado: Conjunto de disciplinas, temas de estudos e pesquisas,conteúdos escolares etc., de uma escola indígena, organizados com relativa auto<strong>no</strong>mia,por professores indígenas e seus assessores, em geral expressos em umdocumento de<strong>no</strong>minado Projeto Político-Pedagógico da Escola.63 Auto<strong>no</strong>mia Pedagógica: Auto<strong>no</strong>mia, reivindicada pelos professores indígenas paraconduzir a educação nas escolas indígenas. Evidentemente, uma maior auto<strong>no</strong>miapedagógica é função do contexto político que abrange a comunidade do professor.Em todo o país os professores indígenas enfrentam inúmeras dificuldades paracriar e implantar com auto<strong>no</strong>mia, seus respectivos Projetos Político-Pedagógicos.Como veremos mais à frente, cerca de 46% das escolas indígenas são estaduais,mantidas por 24 secretarias estaduais de educação. As escolas restantes são mantidaspor cerca de 180 municípios. São, portanto, pouco mais de 200 sistemasde ensi<strong>no</strong> mergulhados contextos político-sociais muito diversificados. Tomandodois exemplos extremos: No Acre as populações indígenas contam com terras demarcadase relativamente bem protegidas, são raros os conflitos com vizinhos eoutros munícipes. Naquele estado os professores indígenas têm boas condições deimplementar propostas pedagógicas com auto<strong>no</strong>mia. Já o gover<strong>no</strong> do estado doAmazonas não tem dado a devida atenção ao desenvolvimento da educação escolarda população indígena. As escolas são, na sua quase totalidade, mantidas pormunicípios. Em alguns deles as comunidades indígenas vivem sob fortes tensõespolíticas, muitas vezes em confronto com autoridades municipais. Neste contextoos professores indígenas têm poucas possibilidades de criar Projetos Político-Pedagógicoscoerentes com as necessidades de suas respectivas comunidades.Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 211


materna; 64 regime de alternância; 65 magistério específico 66 e licenciaturaespecífica. 67Por fim, é necessário destacar o ponto de vista a partir do qualabordo este tema. Entre março de 2003 e setembro de 2007, desempenheia função de coordenador-geral de Educação Escolar Indígenada Secad do MEC. Neste capítulo procurei me distanciar daquelecontexto institucional.64 Língua materna: significa, neste texto, a língua que as crianças aprendem <strong>no</strong>processo de aprendizado da fala. Por inúmeras razões, vinculadas à violênciaque sofreram nas interações com os não-índios, mais de cem povos indígenas <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> têm como língua materna o português. Portanto, em centenas de escolasindígenas a língua de instrução é o português. Cerca de 30% das escolas veiculamos conteúdos curriculares também na língua indígena originária e há casosde instrução exclusiva em língua materna indígena.65 Regime de Alternância: Consiste em realizar a formação de professores e outrosprofissionais, conjugando tempos e espaços de diferentes, intercalando períodosde trabalho em sala de aula (semestre letivo nas escolas indígenas) com períodosde estudos dos professores em um centro de formação (geralmente <strong>no</strong>s mesesde “férias” dos professores indígenas). Em muitos casos o centro de formação,onde são reunidos professores de várias etnias, funciona em aldeias, mas podemfuncionar também em instalações do sistema estadual de ensi<strong>no</strong> ou em locaispreviamente alugados para tal finalidade.66 Magistério Específico: São cursos de magistério, em nível médio, organizados emRegime de Alternância, contando com Projeto Político-Pedagógico especialmenteconstruído para formação de professores indígenas de determinado contextosociocultural. Esta proposta é uma grande i<strong>no</strong>vação político-pedagógica, criadapor organizações não governamentais, aliadas dos povos indígenas de determinadaregião, implementadas por estas organizações, em alguns casos já na décadade 1970, com continuidade <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s seguintes. O exemplo paradigmático destescursos é o Projeto Uma Experiência de Autoria criado e desenvolvido pela ComissãoPró-Índio/AC. Com o objetivo de obter reconhecimento oficial, os projetosdestes cursos são analisados e aprovados pelo respectivo Conselho Estadual deEducação. A partir de 1995 várias secretarias estaduais de educação passarama adotar esta metodologia para formar professores indígenas. Ao concluir estescursos, com duração média de quatro a<strong>no</strong>s de atividades contínuas, os professoresindígenas são habilitados a lecionar em turmas da educação infantil e ensi<strong>no</strong>fundamental.67 Licenciatura Específica: São cursos de licenciatura, organizados por universidadesfederais e/ou estaduais, em Regime de Alternância, contando com ProjetoPolítico-Pedagógico especialmente construído para formação de professores indígenasde determinado contexto sociocultural. De modo geral estes cursos sãodesenvolvidos ao longo de cinco a<strong>no</strong>s. No cenário ideal há um intenso intercâmbiode conhecimentos entre o corpo docente da <strong>Universidade</strong> e os professoresindígenas em formação. Ao concluir estes cursos os professores indígenas sãohabilitados a lecionar para turmas de toda Educação Básica (que abrange daeducação infantil ao ensi<strong>no</strong> médio).212 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Sociedades indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> – complexidade e crescimentopopulacionalAntes de iniciar a abordagem da história recente da educação escolarindígena, são necessários alguns registros a respeito dos diversoscontextos sócio-políticos, linguísticos e ambientais vividos pelos povosindígenas neste início de século. Partimos da premissa de que ospovos e suas lideranças políticas e intelectuais são atores e, portanto,condutores de seus respectivos processos históricos. No entanto, essarelativa auto<strong>no</strong>mia sócio-política é conquistada sob intensos constrangimentosimpostos por alguns setores dominantes da sociedadebrasileira, inclusive por meio de agências do Estado. Não é possível,pois, compreender a história da educação escolar, descontextualizadada história mais ampla da relação entre os povos indígenas e asociedade dita envolvente. Assim como não é possível compreenderesta história sem analisar o papel e a ação do Estado sobre as açõesdos povos indígenas (SOUZA LIMA, 1995).Devemos considerar também a sociodiversidade presente entre ospovos indígenas e suas comunidades. Refletir sobre esta temática significapensar a respeito de um milhão de pessoas em todo o territórionacional; milhares de comunidades e núcleos familiares em aldeiase cidades; centenas de territórios; mais de duas centenas de povos;dezenas de línguas etc. Estes números representam uma pálida introduçãoao complexo caleidoscópio sociopolítico e cultural, em permanentereconfiguração, composto pelos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Dada a extrema complexidade deste pa<strong>no</strong>rama, a simples redação deum texto discutindo a execução de políticas governamentais junto aestes povos já representa um desafio.É muito heterogênea a situação sociolinguística vivida pelas sociedadesindígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Há grande quantidade de povos cujasprimeiras línguas são aquelas de seus antepassados. Quase todos foramconstrangidos a adotar variantes regionais do português. Emgeral, há uma tendência ao bilinguismo como parte dos processosde contato e conflito com segmentos da sociedade dita nacional.Entretanto, existem casos de comunidades mo<strong>no</strong>língues em línguaindígena. Também se encontram casos de multilinguismo em algunscontextos, onde são faladas parcial ou fluentemente duas ou maislínguas indígenas. Acrescente-se a isto, em muitas comunidades, oEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 213


uso de outras línguas, como espanhol, sobretudo em regiões de fronteira(MONTE, 2004).O crescimento demográfico da população indígena, <strong>no</strong>s últimos25 a<strong>no</strong>s, é significativo, com taxa média de 3,5% ao a<strong>no</strong> (o crescimentodemográfico médio, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, <strong>no</strong> período 1996 a 2000, foi de1,6%). Certamente essa taxa é resultado da combinação de políticasinternas de crescimento intencional da população, da demarcaçãode terras e do acesso, mesmo que precário, ao atendimento dos serviçosde saúde pública. As taxas de crescimento demográfico indicamque <strong>no</strong>s últimos 21 a<strong>no</strong>s, o <strong>Brasil</strong> dobrou a população indígena.Este crescimento é verificável empiricamente pelo número expressivode bebês aos cuidados de suas mães e outros parentes, assim comocrianças brincando em todos os cantos das aldeias e comunidades.Os povos indígenas estão presentes em vários setores da vida nacional:cultura, agenda de gover<strong>no</strong>, mídia, pesquisas e vida universitária,política parlamentar e partidária, entre outros. Liderançase intelectuais indígenas participam de eventos, projetos e fatos políticos,culturais e econômicos <strong>no</strong>s municípios, nas diversas capitaisdas unidades da federação e em Brasília. No cenário internacional, aquestão indígena também é pauta importante, principalmente quandose trata de direitos huma<strong>no</strong>s, meio ambiente e biodiversidade.No campo político-eleitoral, constatamos uma tendência crescentedos líderes indígenas de participarem ativamente do jogo políticoem seus respectivos municípios. Já é extensa a relação de vereadoresindígenas em todo o país. Alguns municípios, como São Gabriel daCachoeira, <strong>no</strong> Amazonas e São João das Missões, em Minas Gerais,têm prefeitos indígenas. No entanto, em muitos outros, as comunidadesindígenas enfrentam uma verdadeira guerra civil na defesade seus territórios, como, por exemplo, os Pataxó Hãhãhãe emPau <strong>Brasil</strong>, na Bahia, e os Guarani-Kayowá em vários municípios <strong>no</strong>Mato Grosso do Sul, onde são frequentes os assassinatos de líderesindígenas.Quanto à situação atual dos territórios indígenas, basta observaro mapa do <strong>Brasil</strong> para constatar a diversidade de contextos sóciopolíticos e ambientais <strong>no</strong>s quais estão envolvidos os diversos povos.A maior parte das terras indígenas concentra-se na Amazônia Legal:são 430 terras demarcadas, representando 98,61% da extensão214 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


de todas as terras indígenas do país. O restante (1,39%), espalha-sepelas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e <strong>no</strong> estado do Mato Grosso doSul (ISA, 2008). Isto significa que grande parte da população indígenavive confinada em territórios insuficientes para a garantia de suaprópria sobrevivência física. Muitas destas terras têm grandes áreasnão agricultáveis, e sofrem diversos tipos de impactos ambientais, oque compromete ainda mais a qualidade de vida de sua população.Mesmo na Amazônia Legal, entre as já mencionadas 430 terras demarcadas,boa parte é constituída de peque<strong>no</strong> porte. Muitas das terrasmais extensas apresentam graves problemas, tais como invasãode garimpeiros; extração ilegal de madeira; poluição de rios e outrosagravos ambientais.Finalmente, também é complexo o quadro referente à situaçãofundiária das terras habitadas pelos povos indígenas. Segundo informaçõesdo sítio eletrônico da Funai outras 123 terras estão por seridentificadas e não estão incluídas <strong>no</strong> cálculo anterior. Há ainda referênciaa terras presumivelmente ocupadas por índios a serem identificadas.O quadro a seguir aponta a situação das 611 terras quantoao seu procedimento administrativo de regularização.Quadro 1. Situação das terras indígenas, 2008 (resumo geral)n. de T.I’s % SuperfícieEm estudo 123 – –Delimitada 33 1,66 1.751.576Declarada 30 7,67 8.101.306Homologada 27 3,40 3.599.921Regularizada 398 87,27 92.219.200Total 611 100,00 105.672.003Fonte: http://www.funai.gov.br Acesso em: 20 <strong>no</strong>v. 2008.Diante disso, afirmamos que não é possível abordar de modogenérico qualquer aspecto, mesmo os aparentemente mais simples,da realidade indígena <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Consequentemente, a realidade daeducação escolar indígena e sua história recente é multidimensional,multifacetada, complexa e diversificada.Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 215


Oferta de Educação Escolar em Terras Indígenas: SPI e FunaiOs processos de implantação e o desenvolvimento da educação escolarjunto aos povos indígenas têm um largo percurso histórico. Dachegada dos jesuítas <strong>no</strong> século XVI, aos primeiros estudantes indígenasem cursos de mestrado e doutorado <strong>no</strong> fim do século XX, múltiploscaminhos foram trilhados e esses percursos estão, pelo me<strong>no</strong>sparcialmente, registrados na documentação produzida por missionários,funcionários governamentais, pesquisadores universitáriose pelos próprios indígenas. Para compreendermos estes processos eseus constrangimentos políticos, sociais e ideológicos, julgamos sernecessário uma breve abordagem da política indigenista implementadapor agências do período republica<strong>no</strong>.Ao longo do século XX, as populações indígenas foram forçadasa ocupar espaços sociais e geográficos determinados pela políticatutelar implementada pelo Estado brasileiro, por meio dos órgãoscomo o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 1910 e aFunai, criada em 1967, na sequência da extinção do SPI. Sob a atuaçãodo SPI os grupos indígenas sofreram um processo de “territorialização”compulsória. O Estado providenciava a concentraçãogeográfica de uma população indígena, assegurando aos nacionaiso uso do espaço restante tornado “vazio”. Isto ocorria em “territóriosdefinidos às custas de um processo de alienação de dinâmicasinternas às comunidades étnicas nativas, (compondo) parte de umsistema estatizado de controle e apropriação fundiária que se procuraconstruir como de abrangência nacional” (SOUZA LIMA, 1995:76). O processo combinado de “proteção” e “territorialização” daspopulações indígenas foi executado para produzir confinamentos,disciplinar corpos e mentes, permitir certos usos, validar atitudes,produzir um discurso específico a respeito de toda essa situação. Omesmo discurso legitima direitos e deveres e exige a formação e manutençãode um aparato institucional que abriga funcionários com odever de alimentá-lo e fortalecê-lo. 6868 Para explicar a criação do SPI, Souza Lima busca pistas nas articulações e arranjospolíticos entre agentes dos órgãos de Estado. Demonstra que aquelas articulaçõesobtiveram um elevado grau de eficácia para consecução de seus objetivose, entre outros expedientes, conseguiram implantar a proposta de existência deum único órgão burocrático especialmente dedicado a esta tarefa. Souza Lima216 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


A oferta da educação escolar às populações indígenas foi fortementecondicionada pela estratégia de “territorialização” imposta aestes povos. Os órgãos indigenistas só desenvolverão ações de cunhoescolar <strong>no</strong> interior de terras indígenas oficialmente demarcadas, juntoa populações “oficialmente reconhecidas” como indígenas. Dessaforma, serão consideradas – sempre de modo fragmentado, descontínuoe parcial – apenas as demandas da população indígena ditaaldeada.A respeito da educação nas aldeias, o Relatório das Atividades doServiço de Proteção aos Índios durante o a<strong>no</strong> de 1953, assinalava aexistência de 66 escolas em postos indígenas. Segundo o Relatório,estas eram idênticas às escolas rurais, “usando os mesmos métodose até o mesmo material didático. (...) Procurando ensinar certas técnicascomo a confecção de roupas e trabalho de agulhas para as meninase, (...) habilidades artesanais aos meni<strong>no</strong>s, como carpintaria,funilaria, olaria, trabalho em couros, e poucas outras”. (CUNHA,1990: 88). Já o Relatório de 1960 acentuava a tendência de formaçãopelo trabalho, inscrito, em um Programa Educacional Indígena implementadopelas unidades educacionais do SPI. Tal programa enfocavaos “ensinamentos rurais” como principal foco de aprendizado(CUNHA, 1990: 94). Fica evidente a “universalidade” implícita naação do SPI já que o Programa foi elaborado para todas as unidadesescolares instaladas, independentemente das particularidades históricas,políticas, sociais, linguísticas, culturais e educativas de cadacomunidade “contemplada”. Ao <strong>no</strong>mear o Programa como EducacionalIndígena utiliza-se uma estratégia de comunicação que tem aintenção de afirmar como benéfica aos povos indígenas uma ação decaráter universal, construída e implementada sem o mínimo diálogocom líderes indígenas. No futuro até mesmo o órgão indigenista(portanto do Estado) será <strong>no</strong>meado como do Índio.O cumprimento do programa descrito, exigia que fossem oferecidosàs crianças e jovens conteúdos equivalentes ao que, <strong>no</strong>s dias deafirma que: “Deste o seu início o Serviço, como era chamado pelos seus primeirosintegrantes, produziu uma associação totalmente descabida: a de que proteger osíndios era o mesmo que defender a existência de um órgão burocrático único,unicamente dedicado a tal tarefa, dando a ideia de proteção conteúdos muitoespecíficos” (SOUZA LIMA, 1995: 23).Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 217


hoje, de<strong>no</strong>minamos primeiro ciclo do ensi<strong>no</strong> fundamental, suficientepara o desempenho das funções que o Estado atribuía às populaçõesindígenas. A continuidade dos estudos deveria se dar individualmente,fora da comunidade. Apesar de pretender atuar em todo o territórionacional, o SPI nunca conseguiu ter a abrangência almejada. Istofez com que o ensi<strong>no</strong> laico propugnado pelo órgão fosse substituído,em muitos casos, por missões católicas e mais tarde, por missionáriosde de<strong>no</strong>minações protestante. Em algumas destas missões,como <strong>no</strong> alto rio Negro, os religiosos conseguiram proporcionar ajovens indígenas o que de<strong>no</strong>minamos atualmente ensi<strong>no</strong> fundamentalcompleto. Entre alguns povos, como por exemplo, os Terena <strong>no</strong>Mato Grosso do Sul e os Kaingang e Xokleng, <strong>no</strong>s estados da regiãoSul, muitas crianças e jovens, buscaram a complementação de seusestudos em escolas públicas da zona rural, ou mesmo em escolasurbanas. Vencendo as evidentes dificuldades e preconceitos, váriosdestes estudantes conseguiram chegar ao ensi<strong>no</strong> médio.Criada em 1967 a Funai incorporou as funções antes atribuídasao SPI. Parte de seu corpo funcional foi composto por professorasque passam a atuar nas chamadas “escolas da Funai”, em geral, localizadasnas sedes dos postos indígenas. Estas escolas funcionavaminteiramente à margem do sistema público de ensi<strong>no</strong> destinado aosdemais cidadãos brasileiros. Em que pese os esforços do órgão indigenistae dos missionários, a maioria das crianças crescia sem acessoà educação escolar. A partir da década de 1970, com o bem-vindocrescimento populacional verificado entre quase todos os povos indígenas,o déficit educacional aumentou. Em fins da década de 1970,a Funai estabeleceu como prioridade a implantação do ensi<strong>no</strong> bilínguenas aldeias. Os “índios” deveriam ser alfabetizados na línguamaterna e, imediatamente, levados ao aprendizado do português.Constatada a proficiência neste idioma, o ensi<strong>no</strong> passava a ser exclusivamenteem português, configurando o de<strong>no</strong>minado “bilinguismode transição”.Na execução desta proposta o órgão indigenista encontrou inúmerasdificuldades, pois eram escassos os conhecimentos referentesàs várias línguas indígenas. Para contornar o problema, a Funai estabeleceuconvênios com a Sociedade Internacional de Linguística(SIL) (antigo Summer Institute of Linguistics), organização missio-218 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


nária de confissão protestante, “visando ao desenvolvimento de pesquisaspara o registro de línguas indígenas, identificando sistemasde sons, elaborando alfabetos e análises das estruturas gramaticais”(GUIMARÃES, 2006). A partir de então a Funai deixou sob a responsabilidadedo SIL a confecção de materiais didáticos e a preparaçãodos professores (em geral missionários) e dos então de<strong>no</strong>minados“monitores indígenas bilíngues”. Como mostra Grillo, a “instituição,cujo objetivo principal era converter povos indígenas à religiãoprotestante, passa a atuar de uma forma que se confunde com a doEstado e, em alguns casos, assume para si a obrigação estatal de tuteladesses povos” (GUIMARÃES, 2006).As ações desenvolvidas junto aos “índios” pelos missionáriose linguistas vinculados ao SIL e a outras organizações similares 69sempre foram alvo de muitas críticas, sobretudo por parte de instituiçõesda área de linguística e antropologia. Apesar disso, dezenasde missionários seguiam imiscuindo-se na oferta de educação escolarnas terras indígenas, em alguns casos, até os dias atuais, comapoio explícito de funcionários do órgão indigenista. Por todos estesaspectos podemos afirmar que as práticas educativas implementadasem terras indígenas ao longo do século XX, deram continuidade àspolíticas do período colonial e do Império, orientadas pelo princípioda integração dos indígenas à sociedade imaginada como nacional(ANDERSON, 2008), com perda de sua identidade étnica.Entre os povos que ainda não haviam conquistado o reconhecimentode seus direitos territoriais, quando existia, a educação escolarseguia o padrão da escola pública das áreas rurais do interior do<strong>Brasil</strong>: escolas precárias, atendimento restrito às quatro primeirasséries do ensi<strong>no</strong> fundamental, carência crônica de equipamentos mínimos,contando de modo geral com professores desmotivados, malremunerados e pouco preparados. Desta forma, anualmente, poucosjovens à custa de muito esforço pessoal, conseguiam chegar ao ensi<strong>no</strong>médio. Além disto, salvo raras exceções, este fato só era verificado,até o início dos a<strong>no</strong>s de 1990, entre alguns povos tais como os citadosKaingang, Xokleng e Terena; os Krenak em Minas e São Paulo;69 Além do SIL, mais de 50 missões religiosas católicas e protestantes atuaram juntoaos índios do <strong>Brasil</strong> durante a gestão do SPI e da Funai (FERREIRA, 2001: 85).O SIL foi re<strong>no</strong>meado como Sociedade Internacional de Linguística.Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 219


os Tupiniquim, <strong>no</strong> Espírito Santo; os Kiriri, Pataxó Hãhãhãe, Tuxá,Pataxó, Pankararu, Truká, Xukuru, Fulni-ô, Tremembé, Tapeba,Xukuru-Kariri, Xocó e Potiguara, <strong>no</strong> Nordeste; alguns poucos daAmazônia Legal, como os Mura, Sateré-Mawé, Makuxi, Wapixana,Guajajara e Karipuna (Amapá), além dos povos do alto rio Negro.Novo discurso sobre escolas e povos indígenasAo longo da década de 1980, <strong>no</strong> contexto dos processos de mobilizaçãoe defesa de direitos huma<strong>no</strong>s <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> surgem movimentosfavoráveis aos povos indígenas. Segundo Susana Grillo Guimarães:Criam-se entidades de colaboração e apoio aos povos indígenas, 70que são organizações civis compostas por pesquisadores (principalmente,antropólogos e linguistas), indigenistas e missionáriosleigos (influenciados pela Teologia da Libertação), ou seja, agentesnão índios voltados para a defesa da causa indígena” (GUIMA-RÃES, 2006).Ao se contraporem às orientações e práticas da política indigenistaem vigor essas organizações e seus profissionais passam a construirpropostas em diversos campos, com destaque para a educaçãoescolar, por eles classificada de indígena, específica, diferenciada,intercultural e bilíngue. Esses <strong>no</strong>vos atores discursam em prol da auto<strong>no</strong>miade lideranças e professores indígenas, combatem a tutela ea ação, supostamente protetora, do Estado sobre os povos indígenas.Neste percurso político e ideológico se apresentam como alternativaà Funai, em certo sentido, disputando com o órgão indigenistaa prerrogativa de conduzir os programas de gover<strong>no</strong> voltados aos“índios”. Todo este movimento acontece subordinado à principal reivindicaçãoindígena: garantia de posse e usufruto de um territórioque assegure sua sobrevivência física e cultural, proporcione abrigo esegurança a seus descendentes e possibilite o crescimento, com qualidadede vida, de sua população.70 Dentre essas, destacam-se as entidades de apoio com perfil laico: CPI/SP, CPI/RJ,CPI/AC, CTI, Cedi, Anaí/RS e Anaí/BA; Iama, e as entidades ligadas às IgrejasCatólica e Luterana: Opan, Cimi e Comin.220 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


À época do processo Constituinte (1987-1988), uma rede de defesados direitos indígenas, composta por entidades e organizações,implementou múltiplas ações políticas alcançando visibilidade parasuas propostas. Em diálogos e articulações com os parlamentaresconstituintes, mobilizando delegações indígenas que se deslocavampara Brasília, conseguiram incluir <strong>no</strong> texto constitucional artigosfundamentais para garantia dos direitos indígenas. Como assinalado,os preceitos consagrados na Constituição de 1988, vinculam-se,de uma forma ou de outra à existência de um território indígena,base de todos os demais direitos. A consequência, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> da execuçãodas políticas de gover<strong>no</strong>, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s subsequentes, foi a de que senão estavam claramente vinculados a um território conquistado pormeio de um processo administrativo de identificação, delimitação ereconhecimento oficial, os indígenas não tinham garantia de acessoaos direitos inscritos na Carta Magna e na legislação infraconstitucionalsubsequente. De modo perverso, esta situação prolonga-se atéo presente, fazendo com que milhares de indígenas que vivem emcidades, não tenham os seus direitos reconhecidos.Nos a<strong>no</strong>s seguintes, em um processo concomitante às mobilizaçõese lutas pela demarcação de terras indígenas, algumas organizaçõesnão governamentais (ONGs) que atuavam junto a povosindígenas, criaram projetos de educação escolar. A princípio, essesprojetos consistiam na alfabetização de jovens “índios” das comunidadesenvolvidas, respeitadas suas demandas políticas e especificidadesculturais e linguísticas. Em seguida, as entidades promotoraspassaram a responsabilizar-se por iniciativas de formação de professores,pela formulação e sistematização de propostas curricularesalternativas às vigentes nas escolas indígenas e pela elaboração demateriais didáticos de autoria indígena.Muitas vezes o processo de formação dos professores, conduzidospor aquelas ONGs, se desenvolvia paralelamente à luta peloreconhecimento legal das escolas e a consequente manutenção dasmesmas por parte de órgãos públicos de educação, e não mais pelaFunai. As organizações indígenas 71 envolvidas neste processo pas-71 Nesse momento, destaca-se a articulação do movimento dos professores indígenas,que ganhou força a partir de encontros de professores indígenas. Sãoexemplos de organizações de professores indígenas a Comissão dos ProfessoresEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 221


saram a reivindicar, junto ao poder público, o financiamento dessasatividades escolares, aceitando a inserção de suas escolas <strong>no</strong> sistemapúblico de ensi<strong>no</strong> (FERREIRA, 2001: 92-93). 72Educação escolar indígena – 1991: outra institucionalidadeAs políticas governamentais relativas à educação escolar indígenapós-Constituição de 1988 devem ser pautadas pelo respeito aos conhecimentos,às tradições e aos costumes de cada comunidade, tendoem vista a valorização e o fortalecimento das identidades étnicas.Em 1991 a responsabilidade pela definição dessas políticas, suacoordenação e regulação foi atribuída ao MEC, 73 em substituição àFunai. No entanto, todo o corpo de funcionários e professores alocados<strong>no</strong>s projetos de educação do órgão indigenista, continuava emação, cumprindo sua missão original, como se nada tivesse mudado.Nos a<strong>no</strong>s seguintes, a Funai disputou com o MEC a prerrogativa deconduzir as ações de educação escolar em muitos contextos indígenas.Esta disputa, com diversas variantes e ênfases ao longo do tempo,persiste até o presente e é particularmente acentuada <strong>no</strong> campoda educação superior.Ao receber a atribuição de definir e coordenar a execução da políticade educação escolar voltada para os povos indígenas, o MECencontrou-se diante de um desafio para o qual estava desprepara-Indígenas da Amazônia (Copiam) e a Organização Geral de Professores TicunaBilíngues (OGPTB).72 Em 1988, o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso regulamentou aEscola Estadual de 1º Grau Indígena Tapirapé.73 Decreto Presidencial n. 26, de 04.02.1991: transfere da Funai para o MEC acompetência para coordenar as ações referentes à educação indígena, em todosos níveis e modalidades de ensi<strong>no</strong>; determina que a execução das ações defi nidaspelo MEC, em articulação com a Funai, ficarão a cargo das secretarias de Educaçãodos estados e municípios. A Portaria Interministerial n. 559 MJ e MEC de16.04.1991: considerando que é dever do Estado garantir às comunidades indígenasuma educação escolar básica de qualidade, laica e diferenciada, estabelece deforma detalhada as ações e os procedimentos a serem implementados pelo MECna condução da educação escolar indígena com a participação de representantesnão só da sociedade não indígena, mas, principalmente, das diferentes etnias.Cria a Coordenação Nacional da Educação Indígena com o fim de garantir queem todas as decisões relacionadas à estrutura e ao funcionamento das escolasindígenas prevaleçam os interesses e as características de cada grupo étnico quecompõem a comunidade a ser atendida.222 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


do, pois não possuía cultura institucional nem corpo técnico atentoà realidade indígena <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. A solução foi buscar contribuiçãoexterna. Assim, para o delineamento da <strong>no</strong>va política de educaçãoescolar indígena, o MEC criou um Comitê de Educação Indígenacomposto majoritariamente por consultores ligados às entidades deapoio aos “índios” e, utilizando vários expedientes administrativos,seminários e reuniões técnicas, adota como parâmetro, as experiênciaspromovidas por aquelas organizações, afirmando seus conceitose metodologias. Iniciativas de caráter local, majoritariamentena Amazônia, tornaram-se referência para a conceituação e implementaçãode uma política de educação escolar voltada para todasas comunidades indígenas. Neste <strong>no</strong>vo contexto institucional ficoufortalecido o discurso ancorado <strong>no</strong>s conceitos de especificidade, interculturalidade,diversidade e bilinguismo (MONTE, 2000), entreoutros. Permanece, <strong>no</strong> entanto, o “constrangimento da territorialização”:toda a atenção do MEC voltava-se para a população indígenaque habitava o interior das terras indígenas. Prolongava-se aprática das organizações ONGs que desenvolviam suas ações apenasjunto às população residente em terras indígenas.No <strong>no</strong>vo discurso, a escola outrora imposta aos “índios” e poreles vivenciada como uma ameaça à sua maneira de ser, pensar efazer passava a ter sua presença reivindicada pelos mesmos “índios”.Nessas narrativas os povos indígenas passavam a admitir a escolacomo instrumento para compor projetos autô<strong>no</strong>mos e como umapossibilidade de <strong>no</strong>vos caminhos <strong>no</strong> seu relacionamento com os “nãoíndios”. No que se refere à vinculação das escolas indígenas aos sistemasde ensi<strong>no</strong>, perdurou por a<strong>no</strong>s a polêmica a respeito de seu lócusideal. Partidários da responsabilidade da União sobre as questõesindígenas advogavam a criação, <strong>no</strong> âmbito federal, de uma estruturaadministrativa específica para manutenção de escolas, profissionaise projetos de educação. Os mais fiéis ao órgão indigenista defendiama permanência das escolas indígenas sob administração da Funai.Outros, advogavam a manutenção das escolas indígenas em sistemasestaduais ou mesmo municipais de educação, entendendo queo processo de descentralização político-administrativo da educação,desencadeado pela Constituição de 1988, abrangeria de forma irreversíveltambém as escolas indígenas. Tal postura era reforçada pelaEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 223


ideia de que a plena cidadania dos “índios” passava pela inserçãodas escolas indígenas <strong>no</strong>s sistemas locais de educação, fugindo assimda perspectiva de atuação exclusiva do gover<strong>no</strong> federal sobre os“índios”. Coube ao Conselho Nacional de Educação (CNE) encaminharuma solução para este impasse institucional. Em 1999, umaResolução do Conselho determi<strong>no</strong>u que as escolas indígenas ficassemsob a responsabilidade dos sistemas estaduais de ensi<strong>no</strong>, sob acoordenação e apoio do MEC.Cobertura escolar nas terras indígenas (2002-2007)A inserção das escolas indígenas <strong>no</strong>s sistemas estaduais e municipaisde ensi<strong>no</strong> implicou, entre outros procedimentos, em registrá-las,anualmente, <strong>no</strong> Censo Escolar realizado pelo MEC sob a coordenaçãodo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (Inep). Em 2007, o processo manual de coleta dos dadosfoi substituído pelo registro eletrônico, com transmissão dos dadosvia internet, sendo de<strong>no</strong>minado Educacenso. Os dados do Educacenso2007 mostram que a oferta de educação escolar indígena cresceu50,7% <strong>no</strong>s últimos cinco a<strong>no</strong>s, em cursos que vão da educação infantilao ensi<strong>no</strong> médio. É o que <strong>no</strong>s informa o gráfico abaixo:Gráfico 1 – Estudantes em escolas reconhecidas como indígenas <strong>no</strong> Censo Escolar200.000176.714160.000Número de estudantes120.00080.00040.000117.171020022007Fonte: Censo escolar 2002 e 2007. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo Acesso em: 6 abr. 2013.224 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


O Quadro 1 mostra a distribuição dos estudantes <strong>no</strong>s diversosníveis e modalidades de ensi<strong>no</strong>:Quadro 1. Distribuição dos estudantes por níveis e modalidades de ensi<strong>no</strong> (2007)Níveis / Modalidades Total de alu<strong>no</strong>s Percentual/totalEducação Infantil 16.926 9,6Ensi<strong>no</strong> Fundamental – 1º segmento 107.172 60,6Ensi<strong>no</strong> Fundamental – 2º segmento 31.652 17,9Ensi<strong>no</strong> Médio 9.211 5,2Educação de Jovens e Adultos 11.753 6,7Total 176.714 100,0Fonte: Censo escolar 2007. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censoAcesso em: 6 abr. 2013.Comparando os dados de 2002 e 2007 temos:Quadro 2. Distribuição dos estudantes por níveis e modalidades de ensi<strong>no</strong>(2002 e 2007)Níveis / ModalidadesAlu<strong>no</strong>s em escolasindígenas2002Alu<strong>no</strong>s em escolasindígenas2007Percentual de Variação2002 / 2007Educação Infantil 9.476 16.926 78,6Ensi<strong>no</strong> Fundamental, 82.918 107.172 29,31º segmentoEnsi<strong>no</strong> Fundamental, 16.148 31.652 96,02º segmentoEnsi<strong>no</strong> Médio 1.187 9.211 676,0Educação de Jovens e 7.717 11.753 52,3AdultosTotal 117.446 176.714 50,5Fonte: Censo escolar 2002 e 2007. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo Acesso em: 6 abr. 2013.É importante observar que a expansão do segundo segmento doensi<strong>no</strong> fundamental (da 5 a a 8 a série ou do 6º ao 9º a<strong>no</strong>) <strong>no</strong> períodode 2002 a 2007 foi mais acentuada que a do primeiro segmento, oque pode significar, se esta tendência for mantida, a oferta de ensi<strong>no</strong>fundamental completo nas terras indígenas. Vejamos, com mais detalhes,estes dados:Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 225


Quadro 3. Distribuição dos alu<strong>no</strong>s do ensi<strong>no</strong> fundamentalEnsi<strong>no</strong> FundamentalNúmero dealu<strong>no</strong>s 2002Número dealu<strong>no</strong>s 2007Crescimento daMatrícula em %Primeiro Segmento (1 a a 4ª) 82.918 107.172 29,3Primeiro Segmento (5 a a 8ª) 16.148 31.652 96,0Total 99.066 138.824 40,1Relação (1 a a 4ª) / (5 a a 8ª) 5,13 3,39Fonte: Censo escolar 2002 e 2007. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo Acesso em: 6 abr. 2013.A relação entre o número total de estudantes <strong>no</strong>s dois segmentosdo ensi<strong>no</strong> fundamental (última linha do Quadro 3) é outra forma dedetectar a expansão da oferta de 5 a a 8 a séries nas aldeias. A comparaçãoentre os dados de 2002 e 2007 mostra uma evolução namatrícula do ensi<strong>no</strong> médio oferecido nas terras indígenas:Quadro 4. Evolução da matrícula do ensi<strong>no</strong> médio nas terras indígenasEscolas e estudantes indígenas 2002 2007 Taxa de Expansão em %N. de escolas indígenas com ensi<strong>no</strong> médio 18 111 + 517N. de estudantes indígenas nestas escolas 1.187 9.211 + 676Fonte: Censo escolar 2002 e 2007. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo Acesso em: 6 abr. 2013.Com relação ao número de estabelecimentos temos um aumentosignificativo na quantidade de escolas indígenas <strong>no</strong>s últimos cincoa<strong>no</strong>s, de acordo com gráfico:Gráfico 2 – Escolas reconhecidas como indígenas <strong>no</strong> Censo Escolar2.4802.5002.0001.5001.7061.000500020022007Fonte: Censo escolar 2002/2007. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basicacensoAcesso em: 6 abr. 2013.226 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


No período 2002-2007, um total de 774 escolas entraram emfuncionamento ou passaram a ser reconhecidas como indígenas.Isto significa uma expansão de 45,4%. Cada escola indígena abriga,em média, 71 alu<strong>no</strong>s, quatro professores e mais um funcionário.O crescimento <strong>no</strong> número de escolas significa, portanto, cerca de55.000 crianças tendo acesso à formação escolar e, aproximadamente,3.870 <strong>no</strong>vos assalariados (entre estes cerca de 3.100 professores)em terras indígenas. O fato é que está em curso um processo deintensa escolarização em terras indígenas. No entanto, mesmo observandoprogressos na oferta de ensi<strong>no</strong> nas aldeias, sabemos quemuito ainda há para ser feito. O número de estudantes indígenas emturmas de ensi<strong>no</strong> médio é reduzido. Isto significa que centenas dejovens indígenas têm que migrar para as cidades em busca do ensi<strong>no</strong>médio, enfrentando inúmeras situações de risco social. Não há umaavaliação adequada da qualidade do ensi<strong>no</strong> ministrado nas aldeias.Em alguns estados a formação do professor indígena se faz de formaintermitente e com qualidade questionável.Muitas são as causas dessa expansão, destacamos algumas a seguir.No período de 1995 a 2005, foram formados, em nível médio,mais de 3.600 professores indígenas (GRUPIONI, 2006). A formaçãoinicial de professores <strong>no</strong> magistério intercultural passou a seroferecida por várias secretarias estaduais de educação entre 1996 e2005. Muitas ONGs que desenvolviam projetos de formação de professoresindígenas, deram continuidade a este trabalho. A partir dofinal da década de 1990 os projetos de educação escolar indígena dasONGs passaram a enfrentar uma séria crise orçamentária. Algumasagências internacionais que financiavam aquelas iniciativas restringiramprogressivamente os investimentos, sob a argumentação deque a educação escolar é um dever básico do Estado e, <strong>no</strong> caso do<strong>Brasil</strong>, já estavam em funcionamento políticas públicas com este objetivo.Por outro lado, em 2007, o MEC decidiu não mais financiardiretamente os projetos daquelas organizações, sob a argumentaçãode que as escolas indígenas estavam inseridas em sistemas estaduaise municipais de ensi<strong>no</strong>, logo, caberia aos outros entes federativos oconvênio com aquelas instituições. Foram múltiplas as consequênciase desdobramentos desta situação cuja discussão extrapola o objetivodeste texto.Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 227


Voltando às razões da expansão da educação escolar em terrasindígenas, constatamos que está em curso a adaptação de algunsprogramas da educação visando contemplar as realidades indígenas.Tomemos como exemplo o Programa de Alimentação Escolar que,considerando os hábitos alimentares das comunidades, estabelecevalores per capita maiores para a aquisição da merenda nas escolasindígenas. Reconhecendo que a educação escolar exige mais recursospara atender a um mesmo número de alu<strong>no</strong>s quando se tratam dealu<strong>no</strong>s indígenas, o MEC, o Conselho Nacional de Secretários Estaduaisde Educação e a União Nacional de Dirigentes Municipais deEducação, estabeleceram um índice de financiamento para custear aeducação escolar de um alu<strong>no</strong> indígena, com recursos, <strong>no</strong> mínimo,20% superiores aos de alu<strong>no</strong>s “não índios” na mesma série. Dessaforma, se a um alu<strong>no</strong> do ensi<strong>no</strong> fundamental corresponde uma destinaçãohipotética de R$ 1.000,00, para custear seu ensi<strong>no</strong> na EscolaPública, a um alu<strong>no</strong> indígena, na mesma série, corresponderia R$1.200,00. Estes recursos compõem parte do Fundo de Desenvolvimentoda Educação Básica (Fundeb).Desde 2003 a articulação do MEC com o Conselho Nacionaldos Secretários Estaduais de Educação criou condições de institucionalizaçãoda educação escolar indígena nas secretarias estaduais deEducação a partir da pactuação de uma agenda de trabalho comum.Em 2004 intensificou-se a criação de cursos de formação superiorde professores indígenas, para garantia de qualidade e ampliaçãoda educação básica das séries finais do ensi<strong>no</strong> fundamental e ensi<strong>no</strong>médio das escolas indígenas. Em abril de 2005 foi assinada a Cartado Amazonas. 74 Ao longo dos a<strong>no</strong>s a criação de instâncias de participaçãoe controle social em alguns estados tem possibilitado umamaior eficácia na gestão pública e o diálogo com os representantesindígenas gerou um conhecimento consistente das necessidades educacionaisdas comunidades indígenas.Apesar da expansão apontada anteriormente, a educação escolarindígena vive impasses com relação à efetivação do que está garantidoem diversos textos legais e <strong>no</strong>rmativos. A falta de regulamentação74 Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), 1ª Reunião Ordinária,2005 – 1ª Reunião sobre Educação Escolar Indígena, 2005 (ver a íntegra da Carta<strong>no</strong> final deste capítulo).228 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


sobre o regime de colaboração que rege a relação entre as três esferasde gover<strong>no</strong>; a descontinuidade da ação dos sistemas de ensi<strong>no</strong>; adificuldade de estabelecer um diálogo com as perspectivas indígenas;os problemas de gestão que mantêm as escolas indígenas semreceber insumos básicos para seu funcionamento, como merenda escolare materiais didáticos; a falta de transparência na aplicação dosrecursos públicos; etc. geram intensos questionamentos a respeito daefetividade do atual modelo de oferta a partir de estados e municípios.Quanto à oferta de educação escolar aos jovens e às criançasindígenas que vivem em contexto urba<strong>no</strong>, o que se pode afirmar comrazoável certeza é que esta população não recebe nenhuma atençãoespecial. A eles são oferecidos processos de escolarização “universais”,os mesmos oferecidos nas escolas públicas de todos os municípiosbrasileiros.Formação de professores e alu<strong>no</strong>s indígenas e os possíveisreflexos <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superiorPara compreendermos um pouco mais as características gerais dademanda indígena por formação superior é necessário discutir a formaçãode professores e alu<strong>no</strong>s das escolas que funcionam <strong>no</strong> interiordas terras indígenas.São múltiplos e complexos os processos de formação de professoresindígenas. Encontramos em suas histórias de vida percursosque variam entre extremos. Tomemos como exemplo aspectos datrajetória de três professores (<strong>no</strong>mes fictícios):• Alti<strong>no</strong> foi alfabetizado e fez todo o ensi<strong>no</strong> fundamental em umaescola de missionários salesia<strong>no</strong>s, cursou Pedagogia em uma universidadeestadual e hoje trabalha na escola indígena de outraetnia que não a sua;• Zildo foi alfabetizado em um seringal, participou durante a<strong>no</strong>sde curso específico para formação de professores indígenas, fazcurso superior de licenciatura específica e trabalha na escola desua comunidade de origem;• Madalena foi alfabetizada em uma escola rural, fez ensi<strong>no</strong> fundamentale médio <strong>no</strong> município mais próximo e acaba de seraprovada <strong>no</strong> vestibular de uma universidade federal, onde fará,Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 229


ainda não sabe em que condições, licenciatura em História. Trabalhana escola indígena de seu povo, que é mo<strong>no</strong>língue, falantede português.A formação do Alti<strong>no</strong> se deu <strong>no</strong>s marcos de concepções político--culturais não indígenas, de forma pouco dialógica, com parte dopercurso em escolas localizadas em cidades. Ao longo de sua formaçãoele foi desafiado a compreender e manipular os códigos e estratégiasintelectuais de um “mundo não indígena”, marcado por referênciascatólicas. Pouca atenção foi dada à cultura, língua e modode vida de seu povo. Possivelmente, neste contexto de formação, osconhecimentos indígenas foram desqualificados.A formação de Zildo se deu <strong>no</strong>s marcos de concepções político--culturais não indígenas, porém com forte interação dialógica comintelectuais e lideranças indígenas e com outros professores em formação.A totalidade do percurso foi desenvolvida em escolas localizadas<strong>no</strong> interior, ou próximas às terras indígenas. Ao longo detodo este percurso, Zildo foi desafiado a compreender e manipularos códigos e estratégias intelectuais de um “mundo não indígena”,porém, muita atenção foi dada ao acervo sociocultural e linguísticode sua comunidade de origem. Neste contexto de formação, os conhecimentose a língua indígena foram valorizados e tornaram-seobjetos de pesquisa e registro.O início da formação de Madalena coincide com o acirramentoda luta de seu povo para garantir a permanência em seu território deorigem. Até então, uns poucos vizinhos se identificavam como caboclosou descendentes dos “índios”. Ao longo de seu percurso, Madalenafoi desafiada a compreender e manipular os códigos e estratégiasintelectuais de um “mundo urba<strong>no</strong>”. Durante a<strong>no</strong>s não julgouimportante dedicar muita atenção às especificidades da sua gente.Agora, <strong>no</strong> contexto da luta pela terra, redescobre e passa a registrarinúmeras histórias, práticas e conhecimentos dos “mais velhos”. Naescola procura motivar seus alu<strong>no</strong>s a valorizar estes conhecimentos.Estes professores trabalham em escolas indígenas, com currículosmuito diversos, seus alu<strong>no</strong>s são alfabetizados na língua materna;em suas aulas utilizam a língua indígena e o português, simultaneamente,como línguas de estudo e veiculação de conhecimentos,com exceção da professora que só tem, <strong>no</strong> momento, a possibilidade230 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


de utilizar a língua portuguesa. As descrições realizadas procuramnão expressar juízos de valor e constituem uma tentativa de trazerpara perto do leitor um pouco da rica diversidade de situações encontradasnas histórias de vida e formação de professores e alu<strong>no</strong>sindígenas. Conjugando o processo de formação dos professores, comseus diferentes currículos e oportunidades de diálogo, e os percursosescolares dos alu<strong>no</strong>s, com diferentes oportunidades de frequentaraulas em escolas não indígenas, podemos compor um extenso arcode situações a respeito das relações entre povos indígenas, seus territóriose escolarização:1) Situação de acesso e progressão <strong>no</strong> sistema escolar público (escolasnão indígenas) de jovens indígenas que, vivendo temporária oupermanentemente em cidades, contando ou não com apoio institucional,prestaram concurso vestibular e foram admitidos emcursos universitários. Exemplo: jovens Pankararu da cidade deSão Paulo, onde trabalham. De seus parcos salários uma pequenaparte é destinada aos familiares que vivem em Pernambuco;2) Situação de acesso e progressão <strong>no</strong> sistema escolar de jovens indígenasque vivem <strong>no</strong> interior de terras indígenas e frequentamescolas implantadas nesses territórios. Seus professores são indígenas,passaram por diferentes experiências de formação básica,e atualmente estão frequentando cursos universitários deformação específica de professores. Exemplos: escolas e professoresMakuxi e Wapixana (Roraima). Obviamente a situação realde povos, comunidades, famílias e indivíduos indígenas e suasrelações com o ensi<strong>no</strong> e a escola, é muito mais complexa e nãopode estar contida nas duas opções do esquema binário acima.Temos, com certeza, um número expressivo de gradações quepodem passar pelas seguintes situações verificáveis <strong>no</strong>s exemploscitados;3) Muitas escolas indígenas <strong>no</strong> estado do Pará estão implantadasnas aldeias onde trabalham professores “não índios”, com a participaçãode monitores indígenas. Os alu<strong>no</strong>s frequentam predominantementeas séries iniciais do ensi<strong>no</strong> fundamental. Em geralessa população indígena sonha com a possibilidade de ver algunsde seus filhos formados em Medicina, Engenharia Florestal, Administraçãoetc. com o objetivo de auxiliar suas comunidadesEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 231


<strong>no</strong> enfrentamento de problemas gerados pelos contatos, cada vezmais intensos, com o “mundo dos brancos”;4) As escolas dos Povos Tuxá e Kiriri (Bahia), estão implantadasnas aldeias onde trabalham predominantemente professores indígenasque tiveram formação básica em escolas públicas ruraise conseguiram fazer cursos de magistério, licenciatura ou pedagogiaem faculdades particulares. Seus alu<strong>no</strong>s frequentam todasas séries do ensi<strong>no</strong> fundamental e médio. Vivem em um territórioexíguo e sabem que precisam ocupar espaços <strong>no</strong> “mundo dos nãoíndios” para garantir uma vida melhor;5) As escolas do Povo Kaingang (região Sul) estão implantadas nasaldeias onde trabalham predominantemente professores indígenascom formação básica em escolas públicas urbanas e queposteriormente fizeram curso de magistério específico. Os alu<strong>no</strong>sfrequentam todas as séries do ensi<strong>no</strong> fundamental e médio. Amaioria dos jovens indígenas não vê perspectivas de futuro <strong>no</strong>espaço circunscrito pelos limites de sua terra. Planejam disputarempregos e salários com os “brancos” da região;6) As escolas dos Povos Pataxó (Bahia) e Xacriabá (Minas Gerais)funcionam nas aldeias onde trabalham exclusivamente professoresindígenas que tiveram formação básica em escolas rurais efizeram cursos de magistério específico. Seus alu<strong>no</strong>s frequentamtodas as séries do ensi<strong>no</strong> fundamental e podem iniciar o ensi<strong>no</strong>médio nas aldeias. Buscam alternativas de futuro ligadas àprodução agrícola, turismo, produção cultural e empregos emórgãos públicos que prestam serviços na região onde vivem;7) O Povo Kaxinawá (Acre) e Povo Tapirapé (Mato Grosso) têmescolas nas aldeias onde trabalham exclusivamente professoresindígenas que tiveram formação básica em escolas indígenas,atualmente matriculados em cursos de licenciatura específica. Osalu<strong>no</strong>s frequentam todas as séries do ensi<strong>no</strong> fundamental e estãoiniciando o ensi<strong>no</strong> médio nas aldeias. Vivem em territórios relativamenteamplos, com recursos naturais a serem explorados comcuidado, pois muito do entor<strong>no</strong> de suas terras já está degradado.Experimentam intenso movimento de “fortalecimento cultural”e pretendem que as escolas indígenas contribuam decisivamentenesta direção;232 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


8) As escolas do Povo Guarani (litoral dos estados da região Sul)estão nas aldeias onde trabalham exclusivamente professoresindígenas que tiveram formação básica em “escolas da Funai”.Fazem, atualmente, curso de magistério específico promovidopor secretarias estaduais de educação. Os alu<strong>no</strong>s frequentam oequivalente às séries iniciais do ensi<strong>no</strong> fundamental. Vivem emterritórios exíguos, com pouco espaço para atividades agrícolas.Os jovens sentem-se atraídos pelo “mundo dos Juruá”, mas opreconceito com que são tratados os intimida.9) As escolas de vários povos <strong>no</strong> estado do Amazonas funcionamnas aldeias onde trabalham exclusivamente professores indígenasque tiveram formação básica em escolas rurais. Estão fazendo ocurso de Magistério específico mantido pela Secretaria Estadualde Educação de modo intermitente e fragmentado. Os alu<strong>no</strong>s frequentamo equivalente às séries iniciais do ensi<strong>no</strong> fundamental,muitos buscam o ensi<strong>no</strong> em escolas rurais pouco aparelhadas.Vivem em terras indígenas de razoável extensão, mas sofreramum longo processo de sedentarização que concentrou a populaçãoem poucas aldeias. Seus jovens aspiram conhecer “o mundodos brancos”, vagamente identificado com algumas grandes cidades,Manaus, preferencialmente.Os exemplos anteriores são suficientes para demonstrar a grandediversidade de situações criadas nas escolas indígenas em vários pontosdo <strong>Brasil</strong>. Estas várias situações geram diversificadas demandasindígenas por ensi<strong>no</strong> superior, como veremos mais à frente.Crescimento da demanda por ensi<strong>no</strong> médio e acesso à<strong>Universidade</strong>Atualmente comunidades, famílias ou indivíduos indígenas, por inúmerosmotivos (inclusive por terem sido expulsos de suas terras) vivemdefinitiva ou temporariamente em cidades, espalhados por todoo país. Contam-se aos milhares os indígenas residentes <strong>no</strong> perímetrourba<strong>no</strong> de Rio Branco, Manaus, Boa Vista, Belém, Altamira, CampoGrande; centenas residem em capitais do Nordeste, outros tantosem Palmas, Brasília, Cuiabá, Rio de Janeiro. Sem recursos para pagarmensalidades e adquirir materiais de estudo, muitos buscaram,Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 233


quase sempre sem sucesso, o apoio da Funai. No decorrer da décadade 1990, esses estudantes indígenas, com formação escolar iniciadanas escolas das aldeias e complementada nas cidades, conseguiramsuperar a barreira do ensi<strong>no</strong> médio e chegaram às portas das faculdadese universidades, quase sempre privadas. Sem renda fixa, semapoio institucional, estes estudantes e seus familiares passaram apressionar a Funai com o objetivo de conseguir qualquer tipo de“ajuda de custo” para sua manutenção <strong>no</strong> curso de ensi<strong>no</strong> superior.O volume e a complexidade da demanda esboçados, exigiam acriação de uma política governamental que articulasse, de formasistêmica, os conhecimentos e recursos da Funai, de secretarias estaduaisde Educação e do MEC. Afinal, tratava-se de atender demodo qualificado as solicitações de apoio financeiro, pedagógico, desaúde, segurança e, em muitos casos, até mesmo apoio psicológicopara jovens, muitos dos quais, vivendo distantes de seus familiares,em um meio frequentemente hostil. Cioso da pretensa exclusividadena recepção e tratamento das questões e demandas indígenas, oórgão indigenista assumiu solitariamente a responsabilidade de darrespostas às demandas dos estudantes indígenas nas cidades. Desenvolveuesta ação sem estabelecer parâmetros e critérios mínimospara tornar transparente a cessão dos recursos públicos aos indivíduosque reivindicavam apoio para dar continuidade a seu processode escolarização.As demandas de dezenas e dezenas de estudantes indígenas “batendoàs portas” do órgão em busca de apoio financeiro configuravamuma situação de emergência, a exigir respostas rápidas. Ficavaestabelecido o círculo vicioso típico do órgão indigenista, caracterizadopor João Pacheco de Oliveira, como situação de emergênciaem uma et<strong>no</strong>grafia sobre a Funai. Segundo Oliveira a síntese desse“modo de funcionamento” é a máxima utilitária: “Funai só atuadebaixo de pressão” (OLIVEIRA, 2006). 7575 Assim se expressa o autor, na obra citada: “As iniciativas do órgão tutor” seconfiguram sempre como resposta a uma situação de emergência e correspondema um progressivo reconhecimento inter<strong>no</strong> sobre as consequências catastróficasque a não intervenção teria para os indígenas assim como para a própria estruturaadministrativa. Este esquema se constitui em uma verdadeira lei que rege ofuncionamento da Funai, <strong>no</strong> sentido de gerar regularidades de ação e ocupar-sedas recorrências verificadas, apesar de não explicitadas nas <strong>no</strong>rmas burocráticas.234 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Assim, de modo errático, a Funai passou a prestar apoio financeiroaos mais insistentes, aos familiares de líderes indígenas maisexpressivos e, principalmente, aos familiares de seus próprios funcionáriosindígenas. Cedendo às pressões, lobbies inter<strong>no</strong>s e muitasvezes à expedientes mais radicais, os gestores de diversas administraçõesregionais da Funai passaram a garantir o custeio desses estudantesdo ensi<strong>no</strong> médio e universitário, e muito frequentementede seus cônjuges, filhos e familiares. Inicialmente, algumas dezenas,<strong>no</strong> decorrer dos a<strong>no</strong>s algumas centenas e atualmente cerca de 2 milestudantes indígenas passaram a contar com recursos financeiros doórgão indigenista para custear parte de suas mensalidades escolarese parte do custo que arcam com aluguel, alimentação, locomoção edespesas pessoais. Es te “mecanismo de assistência” esgotou-se. Hámuito não consegue atender às reivindicações dos estudantes indígenas.Temos configurado, portanto, de forma nítida, uma e<strong>no</strong>rme demandapor uma política democraticamente construída, socialmentejusta e racionalmente planejada e executada para oferecer uma respostapositiva aos anseios e proposições destes milhares de estudantesindígenas.Toda esta demanda pode, de forma simplificada, ser assim tipificada:1) demanda por cursos específicos de licenciatura específica paraformação especial de professores indígenas: cursos em regime dealternância. Este é o modelo de acesso e permanência <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior reivindicado quase unanimemente pelos professores indígenas;2) demanda por cursos universitários especiais, <strong>no</strong> campo das CiênciasMédicas, Agrofloresta e Direito, entre outros, com parte docurrículo dedicado a aprofundar e/ou pesquisar e/ou sistematizarconhecimentos indígenas, com estudo e pesquisas concomitantedos códigos e tec<strong>no</strong>logias ditos ocidentais. Cursos em regime dealternância. Imaginam-se cursos deste formato para estudantesque já trabalham nas terras indígenas, nas áreas profissionaisOs próprios operadores desta máquina (indigenistas, índios e funcionários) jáaprenderam esse fato e, como foi dito acima, transmitem verbalmente este conhecimentoaos não iniciados através de uma máxima utilitária: “Funai só atuadebaixo de pressão” (OLIVEIRA, 2006).Ensi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 235


correlatas, como por exemplo, agentes de saúde e agentes agroflorestais;3) demanda por cursos universitários tradicionais oferecidos poruniversidades e faculdades públicas ou privadas, em qualquercampo das ciências e tec<strong>no</strong>logias ditas ocidentais, sem, necessariamentededicar atenção especial aos conhecimentos indígenas.Cursos em regime de tempo integral, dedicados à formação deindivíduos que, <strong>no</strong> futuro, podem ou não manter vínculos profissionaiscom suas comunidades de origem, trabalhando na execuçãode políticas indigenistas. Muitos alu<strong>no</strong>s indígenas do ensi<strong>no</strong>médio poderiam fazer, por exemplo, cursos de Astro<strong>no</strong>mia, Física,Biologia Molecular ou Ciências da Computação.Para atender às demandas indígenas, mesmo <strong>no</strong> caso mais simplesexpresso pelo tipo 3, as universidades dever passar por um intensoprocesso de preparação e transformação, uma vez que os estudantesindígenas necessitam apoio institucional para deslocamento, estadia,alimentação e aquisição de materiais de estudo e pesquisa. Estasnecessidades materiais são as mais fáceis de prover. Além destas umcomplexo conjunto de i<strong>no</strong>vações didáticas, de conteúdo, linguageme sociabilidade devem ser processadas pelos dirigentes e professoresuniversitários, para que seja possível garantir a permanência e o sucessodos universitários indígenas em seus cursos. Afinal, ao receberestudantes indígenas uma universidade não está recebendo apenasmais alguns indivíduos, e sim pessoas que compõem coletividadesculturalmente diferenciadas.É urgente a construção desta política, a ser coordenada peloMEC através da Sesu, com a cooperação ativa de todas as universidadesinteressadas e o apoio do órgão indigenista oficial. Chegamos,assim, às portas da Sesu, que se mantiveram fechadas para os argumentosindígenas ao longo do tempo.CARTA DO AMAZONASManaus, 14 e 15 de abrilReunidos para refletir sobre políticas e estratégias de consolidaçãoda educação escolar indígena <strong>no</strong>s sistemas de ensi<strong>no</strong>, os secretáriosestaduais de Educação e o secretário de Educação Continuada, Alfa-236 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


etização e Diversidade, do Ministério da Educação, estabeleceramuma <strong>no</strong>va agenda interinstitucional, aprofundando o regime de colaboraçãoentre o Ministério da Educação e os Sistemas Estaduais deEnsi<strong>no</strong> visando garantir a qualidade da educação básica interculturaloferecida nas aldeias indígenas em <strong>no</strong>sso País.As Secretarias Estaduais de Educação que há pouco mais de 10a<strong>no</strong>s assumiram a oferta de educação escolar indígena vêm se reestruturando,criando <strong>no</strong>vas ações, re<strong>no</strong>vando e dinamizando práticasde gestão escolar, aprofundando seu diálogo com as lideranças e comunidadesindígenas, e construindo <strong>no</strong>vas políticas promotoras deinúmeras i<strong>no</strong>vações para o sistema educacional brasileiro.Em sintonia com este movimento das Secretarias Estaduais, oMinistério da Educação desenvolve de forma mais intensa seu papelde articulador interinstitucional, buscando diálogo para enfrentaros e<strong>no</strong>rmes desafios que uma educação escolar, imersa na sofisticadacomplexidade da sociodiversidade, encontra frente a todo umconjunto de procedimentos, práticas e conceitos pautados por umamentalidade universalista que não considera as inúmeras dimensõesda diversidade, característica da sociedade brasileira e especialmentepresente entre os povos indígenas.A ênfase do MEC <strong>no</strong> reconhecimento e valorização da diversidadeestá expressa na criação da Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade e na expansão dos recursos a serem empregadosexclusivamente <strong>no</strong> desenvolvimento da educação escolarindígena, destinados ao apoio aos sistemas estaduais e municipaisde ensi<strong>no</strong>, que atingiram em 2005, R$ 11 milhões, correspondendo,<strong>no</strong>s últimos três a<strong>no</strong>s, a um aumento sem precedentes na história dadotação orçamentária para essa modalidade de ensi<strong>no</strong>.Em que pese todos estes esforços, grandes desafios devem serenfrentados, tais como:• Formação inicial de professores indígenas <strong>no</strong> Magistério Específicoe Licenciaturas Interculturais para oferta de educação escolar<strong>no</strong> interior das terras indígenas;• Articulação com universidades que desenvolvem atividades deensi<strong>no</strong>, pesquisa e extensão junto aos povos indígenas, com oobjetivo de oferecer cursos de especialização e mestrado, em educaçãoescolar indígena, para técnicos que trabalham na gestão deEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 237


programas de educação escolar indígena, docentes formadoresde professores indígenas e implantar cursos de licenciatura paraprofessores indígenas;• Ampliação da oferta da segunda fase do ensi<strong>no</strong> fundamental e doensi<strong>no</strong> médio nas escolas indígenas;• Produção de materiais didáticos que reflitam as realidades sociolinguísticas,a oralidade e os conhecimentos dos povos indígenas;• Estruturação da rede física de acordo com os interesses das comunidades,suas realidades ambientais e princípios de sustentabilidade;• Criação de espaços institucionais de diálogo, interlocução e compreensão,por parte dos sistemas de ensi<strong>no</strong>, das perspectivas sociopolíticasdos povos indígenas;• Estabelecimento de <strong>no</strong>va operacionalização dos programas dealimentação escolar para os estudantes indígenas, respeitando ospadrões alimentares destas populações e possibilitando a aquisiçãoda produção indígena para suprimento dessa merenda;• Adequação consistente dos diversos programas federais e estaduaisde desenvolvimento da educação, tais como transporte escolar,livro didático, biblioteca nas escolas, dinheiro direto naescola, às particularidades socioculturais e necessidades das comunidadesindígenas;• Flexibilização das formas de contratação de professores e outrosprofissionais para as escolas indígenas, garantindo-se direitostrabalhistas concomitantemente aos direitos e perspectivas coletivasdas comunidades indígenas;• Articulação com outros órgãos responsáveis pelas políticas indigenistas,como os gestores dos programas de atenção à saúdeindígena, proteção do meio ambiente, desenvolvimento sustentável,etc. para melhor implementar as ações de educação escolarindígena, em particular o ensi<strong>no</strong> técnico, a ser desenvolvido emharmonia com os projetos de futuro de cada povo.Diante de tais desafios, o Consed dará continuidade ao trabalhode sua Comissão de Educação Escolar Indígena, com a participaçãodo Ministério da Educação e da Fundação Nacional do Índio. AsSecretarias Estaduais de Educação e o Ministério da Educação secomprometem a consolidar orçamentos específicos para fomento daeducação escolar indígena, fortalecer e qualificar suas respectivas238 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


equipes de gestão dos programas de educação escolar indígena e estabelecerestratégias interinstitucionais aperfeiçoando o regime decolaboração entre os sistemas estaduais e o Ministério da Educaçãoem benefício da educação escolar dos povos indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.GABRIEL CHALITA e RICARDO HENRIQUESPresidente do Consed / Secretário da Secad/MECEnsi<strong>no</strong> superior e povos indígenas 239


Negros e indígenas cotistas da Uems:desempenho acadêmico do ingresso àconclusão do curso 76Maria José de Jesus Alves CordeiroIntroduçãoDe acordo com os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílios (PNAD), publicados pelo Instituto <strong>Brasil</strong>eiro deGeografia e Estatística (IBGE) em setembro de 2008 e que têm porbase os dados de 2005, o total estimado da população brasileira erade 184.388.620 habitantes, composta por autodeclarados brancos(49,9%); pretos (6,3%); pardos (43,2%); e amarelos ou indígenas(0,7%). Na região Centro-Oeste, eram 13.040.246 habitantes comos seguintes percentuais de raça/cor: 43,5% brancos; 5,7% pretos;49,9% pardos; e 0,9% de amarelos ou indígenas. Considerando umarealidade mais estrita, em Mato Grosso do Sul, foram quantificados2.265.247 habitantes. Sendo que 50,5% se autodeclaram brancos;5,3% pretos; 42,6% pardos; 1,6% amarelos ou indígenas. Somadostodos os pretos e pardos (que correspondem à categoria negros ouafro-brasileiros), representam 49,5% da população do país; 55,6%da população do Centro-Oeste e 47,9% da população de MatoGrosso do Sul. 77Em relação à população brasileira de 18 a 24 a<strong>no</strong>s e os níveis deensi<strong>no</strong> frequentados (pretensamente deveriam estar <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior),3.926.853 se autodeclaram brancos, sendo 51,6% deles comensi<strong>no</strong> superior. Desse total, a região Centro-Oeste tem 276.320 jovensbrancos, dos quais 31,8% com ensi<strong>no</strong> superior. Quanto aos76 Uma primeira versão deste capítulo foi apresentada na 32ª reunião anual daAnpocs, em 27 a 31/10/2008, com publicação (http://anpocs.org.br).77 Para os dados citados ver PNAD 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/default.shtmNegros e indígenas cotistas da Uems... 241


negros (pretos e pardos), <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, eram 3.710.508 autodeclarados,sendo que apenas 19% possuíam ensi<strong>no</strong> superior. No Centro-Oeste,eram 276.525 jovens negros, 31,8% deles com ensi<strong>no</strong> superior.Logo, a região Centro-Oeste tinha na época índices superiores aosdo <strong>Brasil</strong>, quando se observa acesso, permanência e conclusão decurso <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior.Entretanto, pode-se observar que ao se comparar a média dosa<strong>no</strong>s de estudo e o rendimento mensal das pessoas com 10 ou maisa<strong>no</strong>s de idade, ocupadas na época da pesquisa, com rendimento detrabalho, por cor ou raça, o <strong>Brasil</strong> apresenta uma média de 8,5 a<strong>no</strong>sde estudo e 3,6 salários mínimos para os brancos e 6,4 a<strong>no</strong>s de estudoe 1,9 salários mínimos para os negros. Na região Centro-Oeste,são 8,7 a<strong>no</strong>s de estudo e 4,2 salários para os brancos e 7,1 a<strong>no</strong>s deestudo e 2,5 salários para os negros. Dessa forma, acima da médianacional. Em Mato Grosso do Sul, são 8,3 a<strong>no</strong>s de estudo e 3,4salários para os brancos e 6,5 a<strong>no</strong>s de estudo e 2,0 salários para osnegros. No Mato Grosso do Sul, os brancos estão abaixo das médiasnacional e regional e os negros acima da média nacional, mas abaixoda média regional. Em relação aos indígenas os dados são aindamais desanimadores.Se atualmente os dados mostram que <strong>no</strong> estado de Mato Grossodo Sul as desigualdades sociais, econômicas e educacionais se pautamna questão racial como em todo o <strong>Brasil</strong>, pode-se imaginar quea situação era um pouco mais drástica <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2002, quando asinstituições que compunham o Movimento Negro de Mato Grossodo Sul e outras instituições de defesa dos direitos do negro, juntamentecom a Coordenadoria Estadual de Políticas Para a IgualdadeRacial (Ceppir) do gover<strong>no</strong> do Estado (na época do PT) lutaramem 2002 pela aprovação da lei que estabelecia cota para negros <strong>no</strong>scursos superiores da <strong>Universidade</strong> Estadual de Mato Grosso do Sul(Uems), como uma ação afirmativa. A cota para negros foi aprovadapela Lei n. 2.605, de 06.01.2003, de autoria do deputado PedroKemp que apregoa que a Uems deve reservar um mínimo de 20% dasvagas em todos os cursos para cotistas.Enquanto se desenrolava a discussão e a luta dos negros, o deputadoMurilo Zauith, vice-governador (2006-2010) e proprietáriode um Centro Universitário na cidade de Dourados/MS, apresentou242 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


também à Uems uma lei de reserva de vagas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior paraos indígenas. Enquanto para os negros a conquista se deu após debatee participação dos interessados, a lei dos indígenas apresentavaoutro viés. Reza a Lei n. 2.589, de 26.12.2002, que a Uems é obrigadaa cotizar vagas para os indígenas, sendo aprovada antes da Leidos negros, constituindo-se uma surpresa para os próprios indígenas.Além disso, a referida lei não trouxe <strong>no</strong> seu bojo o percentual devagas destinado a essa população específica. As leis determinaramainda um prazo de 90 dias para a Uems proceder à regulamentação.No processo de regulamentação dessas leis, desencadeado pelauniversidade através da Pró-reitora de Ensi<strong>no</strong> (Proe) e uma Comissãoconstituída <strong>no</strong> âmbito da Câmara de Ensi<strong>no</strong> (CE), do Conselhode Ensi<strong>no</strong> Pesquisa e Extensão (Cepe), o Movimento Negro, atravésdas várias instituições representativas, trouxe para a discussão o critériodo fenótipo e da pobreza caracterizada pela obrigatoriedade donegro ser oriundo de escola pública ou bolsista de escola privada.Em relação aos indígenas, suas lideranças apresentaram o critério dadescendência indígena com a responsabilidade de ser atestada pelacomunidade indígena, juntamente com a Fundação Nacional do Índio(Funai), além do RG indígena. Esse processo ocorreu de formademocrática com a participação da Uems em audiências públicas emvárias cidades, comissões de trabalho, fóruns de debates em todas asUnidades Universitárias <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2003, além de constar na pautadas reuniões do Conselho Universitário (Couni) e do Cepe.Com os resultados obtidos nessas atividades/discussões, foi possívelestabelecer critérios fe<strong>no</strong>típicos para inscrição <strong>no</strong> sistema de cotas,além dos documentos regularmente solicitados. Para os negros,foto colorida atualizada, autodeclaração e comprovação de origemde escola pública ou de bolsista de escola privada. Para os indígenas,RG indígena e declaração de descendência e etnia. Para os demaiscandidatos, foi adotado o regime intitulado Vagas Gerais. Durantea pesquisa, optou-se por classificar como “brancos” todos os candidatosque nesse regime se inscrevessem, apesar de se saber quemuitos afro-brasileiros estão contidos nesse universo, mas que nãose reconhecem como tal. A regulamentação do processo aconteceuem agosto de 2003, em sessão plenária do Cepe, contando com aparticipação e o direito à voz de várias lideranças negras e indíge-Negros e indígenas cotistas da Uems... 243


nas. A aprovação da Resolução Cepe n. 382, de 14.08.2003 (maistarde modificada pela Resolução Cepe n. 430, de 30.07.2004), comos critérios de inscrição nas cotas, deu-se por unanimidade. Por conseguinte,em dezembro de 2003, realizou-se então o primeiro vestibularcom cotas na Uems.Este trabalho tem como objetivo analisar, interpretar e avaliardados referentes ao desempenho acadêmico dos negros e indígenascotistas que ingressaram <strong>no</strong> primeiro vestibular com cotas da Uems,com sede em Dourados/MS, e mais 14 Unidades Universitárias espalhadaspor todo o estado, como resultado de pesquisa realizada parafins de doutorado. Na análise, descrever-se-á sucintamente o processometodológico utilizado para aferir os resultados apresentadosque incluem dados referentes ao processo de vestibular da primeiraturma, relacionados com a origem dos candidatos, raça/cor, 78 rendafamiliar e desempenho acadêmico, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s letivos de 2004 a 2007(do primeiro ao quarto a<strong>no</strong>), referente a todos os cursos ofertadosna Uems.Analisando os resultados das provas de vestibular de dezembrode 2003: comparando brancos, negros e indígenas 79Em 2003, a Uems ofereceu 18 cursos com 36 ofertas, distribuídosnas suas Unidades Universitárias <strong>no</strong> estado. O vestibular da Uemsé realizado em única etapa e compõe-se de três provas, sendo duascom questões objetivas de múltipla escolha e uma de redação. A primeirade conhecimentos gerais com 63 questões e a segunda de conhecimentosespecíficos dividida por área (Ciências Humanas e Sociais;Ciências Exatas e Tec<strong>no</strong>lógicas; Ciências Agrárias, Biológicase da Saúde), com 50 questões cada uma. O candidato faz essa últimaprova de acordo com a área de conhecimento do curso em que estáinscrito. Além disso, pode ser feito o aproveitamento das provas doExame Nacional do Ensi<strong>no</strong> Médio (Enem). A Uems foi a primeirauniversidade a fazer esse aproveitamento. As <strong>no</strong>rmas estabelecemque para a classificação do candidato, este precisa atingir o índice78 Neste trabalho, a categoria “Negro” é utilizada para designar pretos e pardos ouafro-brasileiros.79 Parte deste texto encontra-se publicada (CORDEIRO, 2007).244 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


mínimo de 20% de acerto nas provas, não podendo zerar em nenhumaárea de conhecimento que compõe as provas ou na redação.Após o advento das cotas, nenhuma modificação foi feita <strong>no</strong> sistemade provas da instituição, inviabilizando o discurso dos que argumentavamcontra as cotas e faziam afirmações maliciosas de quehaveria a facilitação do ingresso de negros e indígenas que seriamfavorecidos com provas diferenciadas e mais “fáceis”. A partir dessemomento surgiu uma preocupação entre os docentes, até porquemuitos destes elaboraram as provas, <strong>no</strong> sentido de aumentar o graude dificuldade dos instrumentos avaliativos do vestibular. Uma atitudeestranha se considerarmos que até aquele a<strong>no</strong> não se ouvia essetipo de comentário <strong>no</strong>s recintos docentes da Uems.O que a acessibilidade de negros e indígenas tem a ver com esse tipode preocupação? Será que o fato de a legislação interna permitir queos inscritos nas Vagas Gerais ocupem as vagas remanescentes da reservade negros e indígenas tem relação com esse discurso? Acredita-seque sim. Aumentando o grau de dificuldades das provas o vestibularpoderia eliminar os negros oriundos de escola pública e os indígenas,dificultando a ocupação das vagas reservadas cujas remanescentes reverteriapara as Vagas Gerais, beneficiando os autodeclarados brancos,mantendo assim a hegemonia desse grupo <strong>no</strong> espaço acadêmico.A preocupação com a qualidade do ensi<strong>no</strong> é louvável desde que nãorepresente mais uma forma velada de exclusão dos segmentos já tantasvezes excluídos pelas questões sociais, econômicas, raciais e étnicas.Hoje, decorridos mais de cinco a<strong>no</strong>s, não se ouve mais esse discurso,principalmente a partir do momento em que gestores, docentes, discentese várias outras instâncias da sociedade tomaram conhecimentoda forma como são realizados os vestibulares e dos resultados preocupantesdas provas, obtidos por negros, indígenas e brancos cotistasou não, que concorrem às vagas dos cursos da Uems. Por isso, falar dedesempenho acadêmico implica falar de mérito. 80Geralmente, os que argumentam contra as cotas, principalmenteintelectuais, alegam em <strong>no</strong>me do mérito (<strong>no</strong>rmalmente medido por<strong>no</strong>tas) aqui representado pelo vestibular, que a qualidade do ensi<strong>no</strong>“vai cair” com a entrada dos negros <strong>no</strong>s cursos antes preenchidos80 De acordo com o dicionário Aurélio, mérito significa merecimento e meritório éo que merece louvor, louvável.Negros e indígenas cotistas da Uems... 245


por brancos, um grupo ínfimo de pardos e alguns pretos que conseguiramromper as barreiras. Para Carvalho, “a meritocracia é umaideologia que esconde a produção social do conhecimento e a hierarquiados saberes acadêmicos legitimada previamente à concorrênciaentre os candidatos ao exame de ingresso” (CARVALHO, 2005:184). Além desse, outros argumentos contrários às ações afirmativassão: a) de inconstitucionalidade, por ferir o princípio da igualdade;b) de subversão do princípio do mérito ocasionando queda da qualidadedo ensi<strong>no</strong> e perda da excelência na pesquisa; c) da impossibilidadede dizer quem é negro <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> devido ao grau de miscigenaçãoda população; d) da estigmatização dos negros como incapazesintelectualmente, discriminando-os mais ainda; e) de o verdadeiroproblema ser social e não racial; f) de não ter dado certo <strong>no</strong>s EstadosUnidos, pois o racismo lá não foi extinto.Em relação aos indígenas o discurso é mais ame<strong>no</strong>. Reconhecemo direito, mas também não se empenham em assegurá-lo. Santos(2007: 99-102) afirma que o vestibular é uma ação marcada pelacontradição entre as intenções políticas e especificidades pedagógicasque dá status ao mesmo e os mecanismos de seleção e exclusãosocial e escolar que o compõem. Considera o vestibular como umespaço/tempo de competição <strong>no</strong> momento em que têm objetivos, apartir dos quais se promove a avaliação, mas que gera tensão, namedida em que estabelece comparação entre os candidatos tendocomo parâmetro o rendimento de cada um. Contudo, sabemos que orendimento medido <strong>no</strong> vestibular não representa o processo de formaçãorecebido ao longo dos ensi<strong>no</strong>s fundamental e médio, nem tãopouco a apropriação de conhecimentos por parte dos vestibulandos.Os processos seletivos das universidades, geralmente o vestibular,utiliza-se do discurso sobre falta de vagas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior comoforma de justificar a metodologia de seleção adotada. Porém, sabe--se que o vestibular é uma maneira de manter uma das funções dasuniversidades, a reprodução social marcada pela hierarquia de classes.Assim, para o autor, o vestibular é um mecanismo usado pelasuniversidades como filtro social, assegurando a elitização do acessoaos saberes consagrados pela academia e pela sociedade em geral.Desse modo, o vestibular coloca em situação de competição indivíduoscom trajetórias sociais diferenciadas, transformando-se num246 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


obstáculo ao acesso e, consequentemente, à ascensão educacional esocial dos grupos considerados excluídos (pobres, negros, indígenasetc.). Segundo esse autor o vestibular[...] não mede a qualidade da escola, mas sim as condições de acúmulodo alu<strong>no</strong> que vão muito além daquele trabalho realizado naescola (que é apenas uma dessas condições, e que é extrapolada) eabraçam as condições materiais, econômicas, sociais e psicológicasdos alu<strong>no</strong>s – as trajetórias sociais. (SANTOS, 2007: 102)Além disso, o vestibular vem se configurando <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>scomo fonte de arrecadação financeira principalmente nas universidadespúblicas. Longe de ser uma ferramenta de aferição do méritovisa selecionar alu<strong>no</strong>s que atendam o perfil desejado e idealizadopela universidade, ao invés de valorizar os saberes necessários e específicosque podem contribuir na trajetória acadêmica do alu<strong>no</strong>, naaquisição e produção de conhecimentos.Para Bowen e Bok (2004), que realizaram pesquisas tendo comoobjeto os 30 a<strong>no</strong>s de ações afirmativas de acesso ao ensi<strong>no</strong> superior<strong>no</strong>s Estados Unidos, discutindo o processo de admissão e as probabilidadesdos candidatos, em especial dos negros, as instituições aorealizar seleções estão preocupadas em aceitar os candidatos maisqualificados, de preferência acima de um “elevado limiar acadêmico”(p. 61). É o discurso meritocrático em ação. Desse modo, quandoo candidato é aprovado, a ele é dado todo o mérito e ao quenão consegue aprovação, o demérito, que muitas vezes é definidopor milésimos, décimos de diferença nas pontuações. O resultadoobtido na prova de Conhecimentos Gerais <strong>no</strong> vestibular 81 de 2003mostra que dos candidatos inscritos às Vagas Gerais, ou seja, autodeclaradosbrancos, 7.287 foram aprovados/classificados (com 20%ou mais da <strong>no</strong>ta de corte), mas nenhum deles conseguiu na provaaproveitamento acima de 80%. Na faixa de 60 a 79% apenas 4,5%dos candidatos atingiram esta cifra. Também entre os 290 negrose 116 indígenas classificados, nenhum conseguiu rendimento acimade 60% (ver gráficos 1, 2 e 3). Nos a<strong>no</strong>s posteriores, resultados que81 Dados coletados <strong>no</strong> Núcleo de Processo Seletivo (NUPS) da Pró-reitoria de Ensi<strong>no</strong>/Uems.Negros e indígenas cotistas da Uems... 247


aqui não são apresentados, mas que constituem objeto de estudo emoutra pesquisa em andamento, são mais desanimadores ainda. Isso éuma prova irrefutável de que a maioria dos alu<strong>no</strong>s que ingressa <strong>no</strong>scursos da Uems, independentemente do regime de cotas pelo qualoptou, possui o mesmo nível de conhecimento quando se trata dasdisciplinas que compõem a primeira prova (Conhecimentos Gerais):Português, Matemática, História, Geografia, Ciências Biológicas,Literatura e Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol).Esses gráficos mostram o desempenho dos candidatos entre siem cada regime, sendo possível comparar o desempenho entre osregimes. Acredita-se que a comparação pode ser estabelecida, umavez que os candidatos dos três regimes fizeram as mesmas provas,<strong>no</strong> mesmo momento e sem nenhum tipo de identificação que pudesseestigmatizá-los como cotistas. Os gráficos foram construídos com osdados armazenados <strong>no</strong> sistema de vestibular, através de leitura óticade códigos de barras existentes nas fichas de inscrição. A identificaçãodos cotistas é feita <strong>no</strong> momento da divulgação da inscrição ena divulgação dos resultados, permanecendo a partir daí como umdado restrito.A seguir, os gráficos citados que apresentam o desempenho naprova de conhecimentos gerais dos candidatos aprovados/classificados<strong>no</strong> vestibular de dezembro de 2003, por cota. Os valoresapresentados na legenda significam as faixas de <strong>no</strong>tas (ou percentualde rendimento). Os valores apresentados <strong>no</strong> gráfico referem-se aospercentuais de candidatos classificados em cada faixa de <strong>no</strong>tas. Porexemplo, 1,81% dos candidatos aprovados nas Vagas Gerais (VG)(brancos) foram classificados com o mínimo de 20% de acerto nessaprova.248 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Gráfico 1 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Prova de Conhec. Gerais – Vagas Gerais41,3851,511,81 4,500,000 a 2020 a 4040 a 6060 a 8080 a 100Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Gráfico 2 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Prova de Conhec. Gerais – Negros5,5568,8025,210,00 0,000 a 2020 a 4040 a 6060 a 8080 a 100Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Gráfico 3 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Prova de Conhec. Gerais – Indígenas65,7132,851,42 0,00 0,000 a 2020 a 4040 a 6060 a 8080 a 100Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Negros e indígenas cotistas da Uems... 249


Na prova de conhecimentos específicos (ver gráficos 7, 8 e 9),deu-se o contrário em relação ao desempenho dos indígenas, tendosido estes os mais penalizados, apesar de alguns alcançarem o índicede 60% a 79%. 82 Tal fato acredita-se ser produto das condições deensi<strong>no</strong> nas escolas situadas nas aldeias e periferias das cidades, nasquais os indígenas <strong>no</strong>rmalmente estudam. Nessas escolas, as disciplinasdas áreas específicas do conhecimento como Matemática,Biologia, Química, Física e outras, padecem da ausência de professoresqualificados, ocasionando prejuízos <strong>no</strong> acesso ao conhecimentosistematizado e, consequentemente, negando-lhes as ferramentasexigidas e cobradas <strong>no</strong> vestibular e na trajetória acadêmica quandoinseridos <strong>no</strong>s cursos superiores. Outro fator agravante pode estarcentrado na metodologia de ensi<strong>no</strong> utilizada nas escolas, principalmentenas disciplinas da área de Ciências Exatas (Matemática, Físicae Química), bem como nas outras disciplinas que compõem a provade Conhecimentos Gerais. Essas disciplinas são de modo geral ministradaspor professores brancos que não conhecem a cultura e aforma de elaboração do pensamento dos indígenas, dificultando oprocesso de aprendizagem destes.Em seguida, os gráficos que apresentam o desempenho dos candidatosaprovados/classificados, <strong>no</strong> vestibular de dezembro de 2003por cota, na prova de Conhecimentos Específicos e na Redação.Gráfico 4 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Prova de Conhec. Específicos – Vagas Gerais0,7729,4346,5822,330,860 a 2020 a 4040 a 6060 a 8080 a 100Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.82 Nos gráficos as escalas se apresentam com diferença de 20%. No entanto, é necessáriaa correção <strong>no</strong> percentual final de cada escala, que usaremos <strong>no</strong> texto:0% a 19%, 20% a 39%, 40% a 59%, 60% a 79% e 80% a 100%.250 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Gráfico 5 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Prova de Conhec. Específicos – Negros58,1127,358,54 5,980,000 a 2020 a 4040 a 6060 a 8080 a 100Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Gráfico 6 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Prova de Conhec. Específicos – Indígenas12,8567,1418,571,42 0,000 a 2020 a 4040 a 6060 a 8080 a 100Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Contudo, ao se analisar o desempenho nas provas de vestibularda Uems, constata-se que os indígenas apresentam seu melhorrendimento nas provas de Redação (ver Gráficos 4, 5 e 6), fato interessante.Durante o processo de correção das redações, estas foraminicialmente distribuídas às bancas de forma aleatória sem nenhumaidentificação do candidato, como costuma acontecer. Entretanto,após algumas horas de trabalho, uma quantidade significativa deredações estava sendo zerada, estas tinham em comum as mesmascaracterísticas linguísticas. De acordo com os professores, apresentavamum “jeito diferente” de escrever que não obedecia totalmenteà <strong>no</strong>rma “padrão” da língua portuguesa, mas eram textos considerados“interessantes”. Diante desse fato, instalou-se a preocupação deseparar, pelo código de identificação (código de barras) as redaçõesde indígenas em cada lote de provas. Imediatamente, constatou-seque as redações descritas anteriormente pertenciam aos candidatosNegros e indígenas cotistas da Uems... 251


indígenas, levando a equipe a tomar a decisão de constituir bancasespecíficas com professores da área, porém estudiosos da questão indígena,principalmente as línguas dos Terena e Guarani. O resultadofoi totalmente contrário, como se pode ver <strong>no</strong>s gráficos já citados. Aprova de redação possui caráter eliminatório. O candidato não podezerar a mesma.Os gráficos abaixo mostram o desempenho dos candidatos aprovados/classificados,em que de um modo geral foram os indígenasque se sobressaíram nas faixas de maior percentual de acerto. Sãodados referentes à Prova de Redação:Gráfico 7 – Candidatos Aprovados/CandidatosNotas Obtidas na Redação – Vagas Gerais7,4421,7339,7426,753,890 a 22,5 a 44,5 a 66,5 a 88,5 a 10Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Gráfico 8 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Redação – Negros39,3113,2429,4817,940 a 22,5 a 44,5 a 66,5 a 88,5 a 100,00Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.252 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Gráfico 9 – Candidatos Aprovados/ClassificadosNotas Obtidas na Redação – Indígenas44,280 a 22,8518,5728,575,712,5 a 44,5 a 66,5 a 88,5 a 10Fonte: Núcleo de Processo Seletivo, Proe/Uems.Nessa prova, verificou-se que os indígenas ocupavam os maiorespercentuais de desempenho nas faixas de <strong>no</strong>tas que vão de 4,5 a10,0 enquanto os negros ocupam a mesma posição nas faixas de 0,0a 4,0. Os brancos ocupam melhores patamares que os negros nasfaixas que vão de 4,5 a 10,0 sendo que nesta última, apenas brancose indígenas estavam presentes.Diante dos resultados expostos <strong>no</strong>s gráficos 1 a 9, pode-se avaliarque os alu<strong>no</strong>s que ingressaram na Uems <strong>no</strong> a<strong>no</strong> letivo de 2004,portanto, oriundos do primeiro vestibular com cotas, não constituíamum grupo de “mérito”, dados os percentuais (ou <strong>no</strong>tas) derendimento nas provas do vestibular. Entretanto, grande parte dessesalu<strong>no</strong>s já concluiu o curso <strong>no</strong> final do a<strong>no</strong> letivo de 2007 e outrosse encontram <strong>no</strong> quinto a<strong>no</strong> de alguns cursos, com desempenhosuperior ao do ingresso, nas diversas disciplinas, sem mencionar osdemais que continuam estudando algumas disciplinas em regime dedependência. Assim indaga-se: Em que momento se configura o mérito?No ingresso pelo vestibular ou <strong>no</strong> desempenho demonstradodurante quatro ou cinco a<strong>no</strong>s de curso, sendo avaliados constantementede formas diferenciadas pelos diversos professores? Acredita--se que os números apresentados demonstram que o mérito real deveser medido <strong>no</strong> percurso do acadêmico, espaço e tempo usados paraapreensão e produção de conhecimentos científicos sistematizados,como também o uso dos saberes acumulados <strong>no</strong>s níveis de ensi<strong>no</strong>anteriores à universidade, apesar das deficiências que serão tratadasmais adiante.Negros e indígenas cotistas da Uems... 253


Trajetória acadêmica e suas dificuldades antecedentes e atuaisO <strong>Brasil</strong> é um dos países com a maior desigualdade na distribuiçãode renda <strong>no</strong> mundo. A magnitude e o crescimento dessa desigualdadegeram pobreza e exclusão social, econômica e educacional, cada vezmaiores. Nos últimos a<strong>no</strong>s, observa-se um grande esforço das instânciasgovernamentais <strong>no</strong> atendimento à demanda escolar (educaçãobásica), a qual vem sendo vencida em termos de política pública.Tem-se mais de 90% das crianças em idade escolar matriculadas <strong>no</strong>ensi<strong>no</strong> fundamental. Por outro lado, quando se observa a situaçãodo ensi<strong>no</strong> médio, constata-se que o abando<strong>no</strong> da escola ocasionadopelas necessidades socioeconômicas é grande. É neste momento queos jovens brasileiros desfavorecidos socioeco<strong>no</strong>micamente, em geralestudando em escolas públicas, precisam escolher entre trabalhar eestudar para se manter ou auxiliar a família.O fato de termos crianças e adolescentes na escola, principalmentea pública, não implica garantia de domínio de conhecimentos essenciaispara o prosseguimento dos estudos em nível superior. A máqualidade do ensi<strong>no</strong> praticado pelas escolas e a prática de retençãodos alu<strong>no</strong>s (reprovação) baseada em provas, principalmente <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>médio, proporciona uma distorção entre idade e série de estudo,e ocasiona o retor<strong>no</strong> dos que abandonam a escola, a<strong>no</strong>s mais tardeem cursos de Educação de Jovens e Adultos na tentativa de recuperaro tempo perdido e assim prosseguir os estudos em nível superior. Separa os que permanecem na escola, o nível de conhecimento é mínimodiante do exigido <strong>no</strong>s processos seletivos das universidades, paraos que retornam após abando<strong>no</strong> as dificuldades são ainda maiores.Os alu<strong>no</strong>s da escola pública, oriundos da classe pobre, na quala maioria é negra (pretos e pardos) trazem para o contexto escolaruma gama de experiências e diferenças, com as quais a escola e osdocentes não têm aparato pedagógico para trabalhar. No ensi<strong>no</strong> superior,não é diferente. Outro problema presente <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médioque afeta diretamente o ensi<strong>no</strong> superior diz respeito aos conteúdose a relevância que é dada a estes (superficialidade, valorização emdemasia de alguns conteúdos e exclusão de outros). E, <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior,grande parte de <strong>no</strong>ssos docentes ainda não se atentaram paraessa situação e continuam desenvolvendo atividades de ensi<strong>no</strong> parauma clientela que existe apenas <strong>no</strong> seu imaginário social.254 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Para melhor caracterizar essa situação durante esta pesquisa,realizou-se ainda coleta específica de dados sobre aspectos socioeconômicose permanência dos cotistas, tendo como instrumentos:1) Questionário socioeconômico aplicado a todos os alu<strong>no</strong>s frequentes<strong>no</strong>s meses de março e abril de 2007, com 34 questõesfechadas. Responderam os questionamentos 4.508 alu<strong>no</strong>s. Paraessa atividade, foi relevante o apoio da Uems quanto à ajuda deprofessores, coordenadores, funcionários e gerentes das 15 unidadesuniversitárias. A digitação e a tabulação dos dados foramrealizadas <strong>no</strong>/pelo Nups, pois o banco de dados também foidisponibilizado para a Reitoria e às coordenações de cursos daUems.2) Questionário sobre acesso e permanência com questões abertase fechadas aplicado aos cotistas negros e indígenas <strong>no</strong>s meses demaio, junho, julho e agosto de 2007. Foi respondido por 51 indígenase por apenas 36 negros. Inicialmente, aplicado via e-mail,porém sem sucesso, o que obrigou a aplicá-lo pessoalmente, contandocom a colaboração de outros professores.3) Os dados coletados <strong>no</strong> questionário socioeconômico do vestibularda Uems realizado em dezembro de 2003 mostra que 62,15% doscandidatos nunca frequentaram cursinho preparatório e dos quefrequentaram 25,38% fizeram o cursinho popular oferecido pelogover<strong>no</strong> do Estado de MS e apenas 11,85% cursinho privado.Esses diversos fatores acarretaram em elevado índice de evasãoe/ou a<strong>no</strong>s de repetência em disciplinas que exigem o domínio de conhecimentobásico, ou pré-requisitos como são de<strong>no</strong>minados pelosdocentes, principalmente os de Língua Portuguesa (leitura, escrita einterpretação de textos) e da Matemática, conhecimentos inerentesa outras áreas de estudo. A situação verificada <strong>no</strong>s dados das provasde vestibular, com ênfase para a de Conhecimentos Gerais é umaconsequência desses fatores que permanecem <strong>no</strong> decorrer da trajetóriaacadêmica, pois de modo geral pouco tem sido feito <strong>no</strong> sentido desanar essas dificuldades assim que detectadas <strong>no</strong> primeiro e segundoa<strong>no</strong>s do curso. Assim, o círculo vicioso vai se perpetuando: alu<strong>no</strong>scom deficiência de conhecimentos tornam-se acadêmicos, acumulamNegros e indígenas cotistas da Uems... 255


outras deficiências, mas se tornam profissionais e voltam às escolascomo docentes ou para outras instâncias do mercado de trabalho.E a universidade? Continua seu processo de denúncia e reproduçãoda situação denunciada (exemplos: resultados obtidos nasavaliações nacionais que abrangem da educação fundamental à educaçãosuperior), apesar de várias instituições já operacionalizarempequenas mudanças. Para aferir o percentual de rendimento dos acadêmicosaprovados <strong>no</strong> primeiro vestibular com cotas para negros eindígenas ingressantes <strong>no</strong>s cursos da Uems, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> letivo de 2004e que concluíram em 2007, com exceção dos alu<strong>no</strong>s dos cursos deAgro<strong>no</strong>mia, Direito, Turismo e Zootecnia (por estes cursos possuíremduração de cinco a<strong>no</strong>s) e se chegar aos resultados acima apresentados,bem como os demais que serão aqui discutidos, foi adotada aseguinte metodologia:• coleta on-line e impressão das atas de resultados finais 83 dosa<strong>no</strong>s de 2004, 2005, 2006 e 2007 de todos os cursos da Uemscom identificação dos cotistas (negros e indígenas);• tabulação das médias em dois grupos separados: de 6,0 a 7,9 ede 8,0 a 10,0 de todas as disciplinas cursadas em cada curso <strong>no</strong>squatro a<strong>no</strong>s letivos;• construção de tabelas de desempenho por curso constando númerode alu<strong>no</strong>s matriculados e dos que não estudaram; númerode disciplinas da série; número de médias finais; percentual de<strong>no</strong>tas de 6,0 a 7,9 e de 8,0 a 10,0 em separado, a<strong>no</strong> a a<strong>no</strong>;• elaboração de tabelas comparativas entre o ingresso (desempenho<strong>no</strong> vestibular ) e a trajetória dos alu<strong>no</strong>s (dados das atas finais) do1º ao 4º a<strong>no</strong>, agrupando os cursos por área de conhecimentoconforme feito <strong>no</strong> vestibular;• elaboração de tabela por cota, com a média de desempenho apurada<strong>no</strong> total de quatro a<strong>no</strong>s.A escolha dos parâmetros constantes <strong>no</strong> segundo item, antes exposto,usados na classificação das médias finais tem como base os83 Atas de Resultados Finais – documento final expedido pela Diretoria de RegistroAcadêmico da Uems, nas quais constam número de matrícula, <strong>no</strong>me, sistema decota, informações sobre o curso, disciplinas e médias finais obtidas pelos alu<strong>no</strong>sem cada uma delas <strong>no</strong> a<strong>no</strong> letivo.256 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


parâmetros já usados na apuração do rendimento nas provas do vestibular,feita em escalas de 20% entre uma e outra. Outro aspectotem relação direta com as formas de avaliação e aprovação constantes<strong>no</strong> regimento inter<strong>no</strong> da Uems, que exige para aprovação direta amédia 7,0 e para aprovação após exame final a média 5,0. Portanto,6,0 é um valor intermediário entre os alu<strong>no</strong>s que a academia vemconsiderando de mérito (<strong>no</strong>tas acima de sete) e aqueles sem mérito(precisam de mais uma chance). Todavia, estes também conquistamo diploma. No momento, a Uems discute seu regimento para reformulaçãoe uma das propostas é a redução da média de aprovação de7,0 para 6,0, inclusive para o exame final.Permanência dos cotistas na Uems: facilidades e dificuldadesConscientes de que proporcionar o acesso ao ensi<strong>no</strong> superior não égarantia de sucesso para os cotistas negros e indígenas, fica clara anecessidade de ouvir, mas também de trazer à percepção de todos os<strong>no</strong>ssos sentidos, as dificuldades e as facilidades encontradas durantea trajetória acadêmica que esses alu<strong>no</strong>s vêm enfrentando como cotistas.Para isso, foi elaborado um questionário, tendo por base outrojá aplicado em pesquisa 84 sobre o assunto (na qual a pesquisadoraparticipou como vice-coordenadora) <strong>no</strong>s cursos de Direito, Enfermageme Normal Superior, e o questionário socioeconômico aplicadoa todos os alu<strong>no</strong>s. O questionário aplicado aos cotistas negros eindígenas tinha seis partes. A primeira e a segunda com questões eproposições de algumas possibilidades de respostas para uma únicaescolha, a terceira e a quarta com questões similares às das partesanteriores, mas exigindo justificativa dependendo do item assinalado,e a quinta e a sexta, com questões de respostas livres.As seis partes do questionário foram compostas pelos seguintespontos:1) dados de identificação: idade, sexo, estado civil, curso a que pertence,a<strong>no</strong> (série), tur<strong>no</strong>, origem escolar e a<strong>no</strong> de aprovação <strong>no</strong> vestibular;84 Pesquisa sobre “Política de Cotas para Negros na Educação Superior: estratégiade acesso e permanência?”, realizada em parceria com pesquisadoras da UCDB efinanciada pela Fundect e CNPq.Negros e indígenas cotistas da Uems... 257


2) aspectos socioeconômicos: exercício ou não de atividades remuneradas,participação econômica e renda mensal da família emeio de transporte para acesso à universidade;3) das cotas: motivos que levaram os cotistas à opção pelas cotas,como estes se declaram etnicamente e como se veem em relaçãoà própria cor;4) da permanência e desempenho: respostas sobre o acompanhamentopedagógico <strong>no</strong> decorrer do curso, se estes enquanto cotistasenfrentam dificuldades para realizar atividades de ensi<strong>no</strong>,pesquisa e extensão, quais fatores facilitam ou dificultam a permanênciadeles na Uems e se perceberam ou sofreram, em algummomento, atitudes de discriminação, preconceito ou racismo;5) questão aberta: parecer dos alu<strong>no</strong>s-cotistas sobre se consideramou não que o seu desempenho está relacionado à condição decotista;6) sugestões: aos gestores da Uems sobre como favorecer a permanênciados alu<strong>no</strong>s cotistas e não cotistas.Indígenas cotistas da UemsUm total de 51 indígenas responderam o questionário: 28,2% dos181 matriculados em 2007. Importante ressaltar que o quantitativode matriculados não representa o número de alu<strong>no</strong>s frequentes. Osindígenas participantes da pesquisa são representantes de 16 dos 21cursos da Uems. Os cursos de Ciências Econômicas e Ciências Contábeisnão tinham indígenas matriculados em 2007, embora em a<strong>no</strong>santeriores alguns tenham ingressado. Os cursos de AdministraçãoRural, Pedagogia e Zootecnia não tinham representantes <strong>no</strong> eventodurante o qual foi aplicado o questionário.Nos dias 23 e 24 de junho de 2007, foi realizado um encontro deestudantes indígenas da Uems, com o apoio do Programa de Apoioà Implantação e Desenvolvimento de Cursos de Licenciaturas Interculturais(Prolind) e do Programa Rede de Saberes (apoio ao ensi<strong>no</strong>superior indígena ligado ao Projeto Trilhas de Conhecimentos, financiadopela Fundação Ford), durante o qual se explicou aos acadêmicosa necessidade de contar com sua contribuição na pesquisa,respondendo o questionário enviado sem sucesso por meio de cor-258 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


eio eletrônico. Foram distribuídos 70 questionários, total de alu<strong>no</strong>spresentes, e <strong>no</strong> final do dia, foram devolvidos preenchidos 47 quesomados aos quatro recebidos pela internet constituíram uma amostrade 51 questionários. Os alu<strong>no</strong>s participantes pertenciam aoscursos de História, Química, Administração em Comércio Exterior,Normal Superior, Direito, Turismo, Geografia, Ciências Biológicas,Enfermagem, Ciência da Computação, Letras/Português-Inglês, Letras/Português-Espanhol,Física, Agro<strong>no</strong>mia, Matemática, Sistemasde Informação.Para este trabalho, são apresentados dados referentes aos seguintesitens: aspectos de identificação, aspectos socioeconômicos,existência ou não de acompanhamento pedagógico para os cotistas,fatores que facilitam a permanência e o desempenho do cotista naUems e sugestões para os gestores da universidade sobre como favorecera permanência dos acadêmicos cotistas e não-cotistas. Nosaspectos de identificação, constatou-se um percentual de 66% deindígenas tinham idade entre 17 e 25 a<strong>no</strong>s e 20% entre 26 a 30 a<strong>no</strong>s.Os homens predominavam com 65,3% dos pesquisados e 68% daamostra eram solteiros. Quanto ao horário de seus cursos, 46,1%estudavam à <strong>no</strong>ite e 34,3% frequentavam cursos integrais (períododiur<strong>no</strong>). Ao todo 96% eram oriundos de escolas públicas. Quantoao a<strong>no</strong> de aprovação <strong>no</strong> vestibular, a amostra ficou bastante equilibrada:2003 (9,6%); 2004 (23%); 2005 (28,8%) e 2006 (38,4%), ouseja, participaram da pesquisa alu<strong>no</strong>s de todas as séries e de todos osvestibulares com cotas já realizados na Uems, até 2007.No tocante aos aspectos socioeconômicos, quando perguntadossobre o exercício ou não de atividades remuneradas, 71,1% afirmaramque não realizam nenhuma e 23% só exercem em tempo parcial.A participação na vida econômica da família era mínima, já que52,9% deles afirmavam que não trabalhavam e tinham seus gastosfinanciados por outros; apenas 17,6% eram responsáveis pelo própriosustento. Somente 19% deles, além de se sustentarem, ajudavamou sustentavam a família. A renda mensal dessas famílias estavaconcentrada na faixa de um a três salários mínimos 85 sendo que76,9% recebiam apenas um salário mínimo. O meio de transporte85 Ver Tabela 4 em Cordeiro (2008: 95).Negros e indígenas cotistas da Uems... 259


mais usado era o ônibus (86,5% dos casos), mas chama a atenção ofato de 15% afirmarem fazer uso de bicicletas ou ir a aula a pé, poistodas as Unidades Universitárias da Uems estão localizadas distantesdo centro da cidade onde estão implantadas.No primeiro ponto do questionário indagou-se sobre a existênciaou não de acompanhamento pedagógico para os cotistas e, em casoafirmativo, citar as ações. Foram 47% sim, 47% não e 6% não responderama pergunta. Dos que marcaram afirmativamente, as açõesmais citadas foram: monitorias (14), Rede de Saberes (6), palestras(2), curso de informática (2), tutoria (5), acompanhamento do coordenador(1), conferências (1), seminários e encontros (1). Importanteainda relatar a afirmação de uma das acadêmicas: “os acadêmicosnão demonstram interesse e não procuram monitoria ou tutoria”.No ponto 3 do questionário, foi solicitado que fossem enumerados<strong>no</strong> máximo três fatores que facilitam a permanência e o desempenhodos cotistas na Uems. O fator mais citado foi a bolsa universitária(27 citações) e o apoio de organizações como o Programa Rede deSaberes (10 citações). Outros fatores foram ainda apontados pelosalu<strong>no</strong>s. 86 O quarto ponto do mesmo questionário intencionava levantarfatores que dificultavam a permanência e o desempenho doscotistas na Uems. Os fatores mais citados foram: financeiro (20 citações)e a demora <strong>no</strong> repasse da bolsa universitária ou perda damesma (16 citações). Em seguida, aparecem transporte, alimentação,moradia e discriminação racial. Além desses, outros fatores associadosou não ao financeiro, foram citados. 87 O sexto ponto, com ape-86 Tais como: acompanhamento pedagógico; oportunidades; universidade públicae ótima; ajuda dos colegas; ajuda <strong>no</strong> passe de ônibus; universidade próxima àAldeia (Dourados, Aquidauana, Amambai); levar conhecimento para a Aldeia;ligação professor-alu<strong>no</strong>; monitorias; estágios; professores bem intencionados; facilitaçãode acesso; atenção dos professores; esforço em aprender, entender e sercapaz; querer vencer; desempenho pessoal; tempo para estudar e frequência <strong>no</strong>curso; apoio da família; comunicação com os colegas e professores; laboratóriode informática só para os indígenas, acesso ao computador; encontro intercultural;respeito e compreensão; palestras, seminários e conferências; oportunidadede igualdade entre os cotistas; apoio comunitário; aquisição de materiais didáticos;desenvolvimento do índio como pessoa; auxílio moradia; cursos de capacitação;inclusão <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior.87 Tais como: falta de acompanhamento pedagógico em algumas disciplinas, principalmentede exatas; excesso de faltas; compra de material e xerox; ser oriundode um ensi<strong>no</strong> médio fraco; dificuldades didáticas; os acadêmicos não são unidos;260 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


nas uma questão, solicitava aos alu<strong>no</strong>s sugestões para os gestores dauniversidade sobre como favorecer a permanência dos acadêmicoscotistas e não cotistas, 17% deles não responderam. 88Após toda essa trajetória metodológica, analisando os resultadosobtidos, foram detectadas informações importantes sobre um dosmales que assola as universidades: a evasão ou “problema de permanência”.E em todas as áreas, os alu<strong>no</strong>s que mais abandonaram oscursos eram indígenas. Os dados denunciam que o maior abando<strong>no</strong>acontece logo <strong>no</strong> 1º a<strong>no</strong>. Para comprovar essa afirmação, basta analisaros dados sobre a primeira turma de indígenas cotistas da Uems.Em dezembro de 2003, foram aprovados 116 indígenas. Desses, 67se matricularam em fevereiro de 2004. No final do a<strong>no</strong> letivo de2004, 28 apareciam nas atas de resultados finais como reprovadossaída da Aldeia em tempos chuvosos; adaptação e integração ao meio social eacadêmico; muito tempo fora da escola; falta ajuda financeira para o não bolsista;custo de vida na cidade é alto; falta instrumentos para trabalho de campo;baixa estima; faltam apoios psicológico e moral e incentivo; monitores que falem(sic) com a mesma linha de pensamento; o curso integral é muito corrido; faltade informações; falta ajuda e incentivo do gover<strong>no</strong>; acervo de livros disponíveis épeque<strong>no</strong>; estar longe da Aldeia e da família inviabiliza a sobrevivência na universidade;falta de conhecimento dos professores sobre o cotista indígena; falta demonitor na área de exatas.88 As sugestões apresentadas pelos indígenas foram: oferta de mais oportunidades,através do desenvolvimento de projetos, <strong>no</strong>s quais possam ser inseridos; oferta decondições e apoio aos cotistas como estágios, palestras; bolsa universitária paraos quatro a<strong>no</strong>s de estudos, independentemente de reprovação em disciplinas; maiscuidado, ajuda e atenção com o ensi<strong>no</strong> para os indígenas, ofertando acompanhamentopedagógico; reforço em determinadas disciplinas como a língua portuguesa,oferecendo cursos e nivelamento; oferta de outra forma de auxílio quandoas bolsas são cortadas ou inexistem; respeito aos acadêmicos; mecanismos paraintegração e organização dos acadêmicos; continuidade das cotas e ampliaçãodas vagas; oferta de restaurante universitário ou local (cozinha) onde se possaaquecer o almoço trazido, pois não existe condição de pagar restaurante todos osdias <strong>no</strong>s cursos integrais; não aplicação de provas integradas; não aplicação deprojetos que, apesar de serem bons, não deixam tempo para estudar <strong>no</strong>s cursosintegrais; mais proximidade com o acadêmico, procurando saber quais as dificuldadesque estão enfrentando; cedência de bolsa logo <strong>no</strong> início do curso, comrevisão dos critérios; investimentos <strong>no</strong>s cursos e proporcionar acesso a viagens;apoio às causas estudantis; espaço aos alu<strong>no</strong>s indígenas; revisão das <strong>no</strong>rmas regimentaissobre reprovação; criação e ampliação de espaço (infraestrutura) quefavoreça a permanência; oferta de vagas na pós-graduação aos estudantes quese destacarem <strong>no</strong> curso; apoio na moradia e alimentação aos alu<strong>no</strong>s que vem delonge; preparo dos professores em relação à maneira de ensinar para acadêmicosdo 1º a<strong>no</strong>; apoio moral e abrir oportunidade para gritar “liberdade”.Negros e indígenas cotistas da Uems... 261


por faltas, <strong>no</strong>tas ou não comparecimento. No final de 2005 foram<strong>no</strong>ve, em 2006 foram 11, totalizando 48, dos 67 iniciantes. No a<strong>no</strong>letivo de 2007, havia 19 indígenas matriculados oriundos do primeirovestibular com cotas. Porém, desses apenas <strong>no</strong>ve lograram aprovação<strong>no</strong> final do a<strong>no</strong> letivo, sendo um deles para o quinto a<strong>no</strong> deDireito e oito do curso Normal Superior que colaram grau.Portanto, 58 indígenas cotistas abandonaram os cursos com exceçãode alguns que permanecem em séries anteriores com váriasdisciplinas em regime de dependência e o mais grave, sem a bolsauniversitária oferecida pelo gover<strong>no</strong> do estado, pois dentre os requisitospara manutenção da bolsa, que na Uems é específica para osindígenas, está à exigência de 90% de presença e <strong>no</strong> máximo duasdisciplinas em regime de dependência. E as diferenças culturais elinguísticas dos indígenas? As dificuldades de interação e adaptaçãoao ambiente acadêmico? Afirmamos mais uma vez que os critériosestabelecidos são uma forma que o gover<strong>no</strong> encontrou de, aos poucos,tomar de volta as poucas bolsas oferecidas aos indígenas.Das três áreas de conhecimento, a que apresentou o maior índicede evasão foi a de Ciências Exatas e Tec<strong>no</strong>lógicas, composta peloscursos de Ciência da Computação, Física, Matemática e Química,com 59,3% de evasão nas Vagas Gerais, 73,2% entre os negros e100% entre indígenas. As tabelas a seguir ilustram melhor a situação.Tabela 1. Ingresso e permanência na área de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde1º a<strong>no</strong> comcotasMatrículaFev/2004Evasão4 a<strong>no</strong>sDezembro/2007Percentual deevasãoVagas Gerais 428 117 311 27,3Negros 60 29 31 48,3Indígenas 21 18 3 85,7Fonte: CORDEIRO, 2008.Tabela 2. Ingresso e permanência na área de Ciências Humanas e Sociais1º a<strong>no</strong> comcotasMatrículaFev/2004Evasão4 a<strong>no</strong>sDezembro/2007Percentual deevasãoVagas Gerais 955 176 779 18,4Negros 130 53 77 40,7Indígenas 41 27 14 65,8Fonte: CORDEIRO, 2008.262 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Tabela 3. Ingresso e permanência na área de Ciências Exatas e Tec<strong>no</strong>lógicas1º a<strong>no</strong> comcotasMatrículaFev/2004Evasão4 a<strong>no</strong>sDezembro/2007Percentual deevasãoVagas Gerais 513 304 209 59,3Negros 56 41 15 73,2Indígenas 5 5 0 100Fonte: CORDEIRO, 2008.Muitos indígenas, mesmo tendo sido aprovados <strong>no</strong> vestibularnão realizaram a matrícula e aqueles que adentraram os portões daUems, inicialmente, enfrentaram problemas graves que persistem atéo momento: moradia, alimentação, transporte e ambiente inóspito.O aspecto econômico pesou e muito, mas outros fatores tambémcontribuíram e continuam reforçando a saída dos indígenas: o descasocom o qual é tratada a questão da diversidade cultural; a ausênciade políticas institucionais para atender os cotistas; currículos quenão foram flexibilizados nem adequados à <strong>no</strong>va realidade das salasde aula; discursos discriminatórios por parte de alu<strong>no</strong>s, funcionáriose professores são apenas alguns pontos que servem de empecilhopara a permanência do indígena <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior. Muitos desistiramdo sonho. Em resumo, verificamos que as diferenças culturais,sociais e de aprendizagem não foram consideradas e os <strong>no</strong>ssos docentesassistiram o retor<strong>no</strong> dos indígenas às aldeias, um após outro,sem nada fazer.Quanto aos negros, o índice de evasão é me<strong>no</strong>r, mas o índicede reprovação é alto. Ao discorrer sobre os resultados acadêmicose índices de diplomação Bowen e Bok afirmam que “a maioria dosestudantes que não chegam a se formar não abandona a faculdadepor não conseguir cumprir os requisitos acadêmicos. Eles saem pormuitas outras razões” (BOWEN; BOK, 2004: 108). Para esses autores,o estudante negro tem me<strong>no</strong>s possibilidade que os brancos deconcluir o curso escolhido, considerando que são provenientes degrupos classificados como mi<strong>no</strong>rias, para os quais os recursos financeirossão limitados e as famílias com grau de escolaridade reduzida,o que os colocam em situação de inferioridade junto aos brancosquando se trata de credenciais pré-universitárias. No <strong>Brasil</strong>, essascredenciais podem ser lidas como cursinhos pré-vestibulares e escolasde ensi<strong>no</strong> médio mais seletivas.Negros e indígenas cotistas da Uems... 263


De acordo com dados obtidos <strong>no</strong> questionário sobre permanência,acredita-se que a perda da motivação, os problemas familiarese financeiros e outros são mais importantes que o sentimento de incapacidadepara realizar as atividades acadêmicas. No levantamentodo perfil socioeconômico dos alu<strong>no</strong>s da Uems (conforme questionáriocitado (CORDEIRO, 2008: 18) e respondido por 64,14% dosalu<strong>no</strong>s matriculados, detectamos que 49,53% dos alu<strong>no</strong>s possuemrenda familiar de até três salários mínimos. Quando isolados os dados,59,6% dos negros e 90,8% dos indígenas apresentam esse perfil.Por isso, discutir as razões pelas quais muitos negros e indígenascotistas abandonaram os cursos da Uems vai além das questões dedesempenho acadêmico. A evasão tem suas raízes mais profundasna situação socioeconômica, aliada à discriminação racial, pois tantonegros como indígenas têm, em sua maioria, origem em famíliaspobres com baixa renda familiar, o que os colocava na situação deexpectativa quanto à ajuda da instituição. E esta não veio. Não existiamnem existem bolsas suficientes para dar conta da demanda. Aproposta de ampliação do número de bolsas para atender parte doscotistas levada ao Couni, composto majoritariamente por docentes,foi amplamente rejeitada. Outro fator (detectado nas respostas doscotistas) que levou à desistência de negros, indígenas e brancos jámassacrados pelos problemas financeiros, foi a falta de ações pedagógicasespecíficas para promover o “nivelamento” dos alu<strong>no</strong>s queapresentam dificuldades <strong>no</strong>s conteúdos básicos (pré-requisitos) dasdisciplinas cursadas. De modo geral, os docentes discursam sobre asdificuldades, culpam os alu<strong>no</strong>s e os professores dos ensi<strong>no</strong>s médio efundamental (que na Uems vieram em grande número desse mesmosistema), mas pouco se propõe ou realiza, agravando a situação.Com os resultados obtidos, pôde-se traçar o perfil socioeconômicodos alu<strong>no</strong>s da universidade e assim entender os fatores que subjazemo desempenho dos alu<strong>no</strong>s cotistas e não cotistas durante suastrajetórias acadêmicas. Acredita-se que as diferenças étnico-raciaisnão influenciam <strong>no</strong> coeficiente de inteligência e aprendizagem humana,mas as condições sociais, econômicas, psicológicas e afetivas aque são submetidos os negros e indígenas brasileiros, da infância àvida adulta, e agora nas universidades, estas sim, influenciam e atédeterminam as dificuldades com as quais a maioria dessas popula-264 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ções se defronta. Para Joênia Wapichana, de Roraima, existe umapreocupação em proporcionar o ingresso do indígena, seja de formadiferenciada, ou não. Preocupada com a permanência, indaga: “Depoisque o indígena estiver na universidade, dentro dela, quem lhedará apoio para que não se desvincule, para que não perca o contatocom a comunidade?”, e continua:para que ele realmente não sofra discriminação ali dentro é precisotrabalhar com as universidades, com os professores, porque nãobasta apenas a universidade estabelecer o ingresso, é preciso que elaaceite isso de forma a mostrar que está contribuindo, que está fazendoo seu papel que é o de valorizar a diversidade cultural, respeitaros valores étnicos, promover não apenas a inclusão 89 , mas garantira permanência dos que ali entraram. (WAPICHANA, 2007: 54).O desempenho acadêmico dos cotistas <strong>no</strong>s quatro a<strong>no</strong>s decurso da UemsSabe-se que a universidade tem presente o discurso meritocrático.Pergunta-se: o fato de ingressar na universidade com uma <strong>no</strong>ta consideradabaixa do ponto de vista meritocrático, pode influenciar <strong>no</strong>rendimento acadêmico como universitário? Será que os melhoresalu<strong>no</strong>s são os candidatos que tiveram as melhores classificações <strong>no</strong>vestibular? A pesquisa cujos resultados são aqui apresentados temcomo objetivo responder a essas questões. Para melhor entender atrajetória desses alu<strong>no</strong>s, foram elaboradas 37 tabelas, 90 das quaisresultaram outras três por área de conhecimento (a mesma formausada <strong>no</strong> vestibular) e três por sistema de cotas. Para isso foramanalisadas 148 atas de resultados finais, das quais foram selecionadas30.960 médias de 6,0 a 10,0, <strong>no</strong>s quatro a<strong>no</strong>s letivos. Esse totalequivale a 71,1% do banco de dados de médias finais de brancos,negros e indígenas, expressando o grau de desempenho medido por<strong>no</strong>tas (lógica meritocrática) das Vagas Gerais (que aqui se classifica89 No discurso desta representante indígena a palavra “inclusão” significa “ingresso”.90 As 37 tabelas não foram incluídas <strong>no</strong> texto devido ao volume de dados referentesao quesito “desempenho por curso”.Negros e indígenas cotistas da Uems... 265


como brancos), negros cotistas e indígenas cotistas <strong>no</strong>s quatro a<strong>no</strong>sde presença na universidade.Ao se comparar o rendimento <strong>no</strong> vestibular de dezembro de 2003e as médias finais do 1º ao 4º a<strong>no</strong>, objetivando <strong>no</strong> final estabeleceruma comparação geral, pôde-se <strong>no</strong>tar que o desempenho dos brancos,negros e indígenas analisados, cada um dentro do seu sistemade cotas, não registra diferenças drásticas. As diferenças detectadasvariam entre os negros e os ocupantes das Vagas Gerais em tor<strong>no</strong> de1 a 12% de forma alternada, ora para um ora para outro, enquantoapenas em quatro momentos os indígenas apresentam percentuaismaiores que os dos negros ou brancos.Para análise dos dados que se seguem foi adotada a seguinte metodologia.Cada sistema de cota foi tomado como um universo eutilizaram-se duas faixas de <strong>no</strong>tas (uma de 6,0 a 7,9 e outra de 8,0a 10,0). Com os resultados de cada faixa, os sistemas foram comparados,estabelecendo-se as diferenças de rendimento por área deconhecimento e entre os sistemas.a) Área de Ciências Agrárias, Biológicas e da SaúdeNo final dos quatro a<strong>no</strong>s, essa área apresentou os seguintes resultados:os alu<strong>no</strong>s “brancos” (Vagas Gerais) obtiveram melhores resultadosdo que os negros e os indígenas nas duas faixas de <strong>no</strong>tas <strong>no</strong>1º a<strong>no</strong> (3 a 7%); <strong>no</strong> 2º a<strong>no</strong> o mesmo ocorreu, na segunda faixa com7% a mais de rendimento. Os negros cotistas obtiveram melhoresresultados sobre os brancos e os indígenas <strong>no</strong> 2º a<strong>no</strong> na primeirafaixa com 3% a mais; <strong>no</strong> 3º a<strong>no</strong> nas duas faixas de <strong>no</strong>tas com omáximo de 1,5% e <strong>no</strong> 4º a<strong>no</strong> nas duas faixas com uma diferençasobre os brancos de 10 a 12%. Quanto aos indígenas, os melhoresresultados foram na primeira faixa durante o 1º e 3º a<strong>no</strong>. Comparadoscom os resultados do vestibular, pode-se afirmar que os negrosque entraram com médias abaixo de 6,0 modo geral tiveram melhordesempenho que os brancos. Observe a tabela:266 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Tabela 4. Desempenho dos alu<strong>no</strong>s da Uems na área de Ciências Agrárias, Biológicase da Saúde durante os quatro a<strong>no</strong>s de cursoÁreas de conhecimento: Ciências Agrárias, Biológicas e da SaúdeA<strong>no</strong>LetivoPercentual1º a<strong>no</strong> (2004)Percentual2º a<strong>no</strong> (2005)Percentual3º a<strong>no</strong> (2006)Percentual4º a<strong>no</strong> (2007)Cota VG Neg Ind VG Neg Ind VG Neg Ind VG Neg IndNotas6,0-7,9 48,9 45,7 43,6 40,5 43,0 12,1 48,5 50,0 27,6 34,7 45,3 3,7Notas8,0-10,0 24,2 17 2,3 25,8 18,4 5,2 22,8 23,1 10,3 23,2 35,6 0,0Fonte: FERES JR. e ZONINSEIN, 2006.Obs.: Nessa área estão inclusos <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2003 os cursos de Agro<strong>no</strong>mia (2),Ciências Biológicas (4), Enfermagem (1) e Zootecnia (1).b) Área de Ciências Humanas e SociaisNo final de quatro a<strong>no</strong>s, essa área apresentou os seguintes resultados:os alu<strong>no</strong>s brancos obtiveram melhores resultados que osnegros na segunda faixa de <strong>no</strong>tas <strong>no</strong> 1º a<strong>no</strong> (com 2% a mais), <strong>no</strong> 2ºe 3º a<strong>no</strong> (com 8% a mais). Os negros cotistas obtiveram melhoresresultados que os brancos e os indígenas na primeira faixa de <strong>no</strong>tascom 1% a mais <strong>no</strong> 2º a<strong>no</strong>, 4% a mais <strong>no</strong> 3º a<strong>no</strong> e nas duas faixascom uma diferença sobre os brancos de 4 a 10% <strong>no</strong> 4º a<strong>no</strong>. Quantoaos indígenas, os melhores resultados foram <strong>no</strong> 1º a<strong>no</strong> na primeirafaixa de <strong>no</strong>tas com 8% a mais que os brancos e 3% a mais que osnegros; <strong>no</strong> 2º a<strong>no</strong> na primeira faixa com 1% a mais que os brancose empatados com os negros; <strong>no</strong> 3º a<strong>no</strong> na primeira faixa com 4% amais que os brancos e me<strong>no</strong>s 0,04% que os negros e <strong>no</strong> 4º a<strong>no</strong>, nasegunda faixa 7% a mais que os negros e 12% a mais que os brancos.Comparados com os resultados do vestibular, pode-se afirmarque os negros e indígenas que entraram com médias abaixo de 6,0tiveram um desempenho que não permite acusá-los de baixar a qualidadedo ensi<strong>no</strong>. Veja a tabela a seguir:Negros e indígenas cotistas da Uems... 267


Tabela 5. Desempenho dos alu<strong>no</strong>s da Uems na área de Ciências Humanas e Sociaisdurante quatro a<strong>no</strong>s de cursoÁrea de conhecimento: Ciências HumanasA<strong>no</strong>LetivoPercentual1º a<strong>no</strong> (2004)Percentual2º a<strong>no</strong> (2005)Percentual3º a<strong>no</strong> (2006)Percentual4º a<strong>no</strong> (2007)Cota VG Neg Ind VG Neg Ind VG Neg Ind VG Neg IndNotas6,0-7,9 44, 49,6 53,2 46,6 47,7 47,6 1,7 46,0 45,6 29,3 39,6 28,7Notas8,0-10,0 32,3 30,7 12,4 36,2 27,2 13,9 41,5 37,5 11,4 45,3 49,2 57,4Fonte: FERES JR. e ZONINSEIN, 2006.Nessa área estão inclusos <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2003 os cursos de Administração Rural (1),Administração em Comércio Exterior (1), Ciências Econômicas (1), Direito (4),Geografia (1), História(1), Letras (5), Normal Superior (1), Pedagogia (2) e Turismo (3).OBS: Na verdade é um quadro de porcentagens porque nada soma 100%.c) Área de Ciências Exatas e Tec<strong>no</strong>lógicasApós quatro a<strong>no</strong>s, essa área apresentou os seguintes resultados: osalu<strong>no</strong>s brancos obtiveram melhores resultados que os negros e osindígenas nas duas faixas de <strong>no</strong>tas <strong>no</strong> 1º a<strong>no</strong> (7% a mais); <strong>no</strong> 3º a<strong>no</strong>na primeira faixa com me<strong>no</strong>s de 2% a mais que os negros. Os negroscotistas obtiveram melhores resultados que os brancos e os indígenas<strong>no</strong> 2º a<strong>no</strong> nas duas faixas de médias (2 a 4% mais); <strong>no</strong> 3º a<strong>no</strong> nafaixa de 8 a 10, com 5% a mais e, <strong>no</strong> 4º a<strong>no</strong>, nas duas faixas comuma diferença sobre os brancos de 4 a 7% mais. Quanto aos indígenas,estes apresentaram resultados apenas <strong>no</strong> 1º a<strong>no</strong> com me<strong>no</strong>s de10% nas duas faixas de médias. Nos demais a<strong>no</strong>s, houve 100% deevasão dos indígenas nesses cursos. No entanto, a evasão nessa áreanão é desdita apenas dos indígenas, pois 73,2% dos negros e 59,3%dos brancos também abandonaram os cursos. Observe-se a tabelaseguinte:268 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


A<strong>no</strong>LetivoTabela 6. Desempenho dos alu<strong>no</strong>s da Uems na área de Ciências Exatas eTec<strong>no</strong>lógicas durante quatro a<strong>no</strong>s de cursoÁreas de conhecimento: Ciências Exatas e Tec<strong>no</strong>lógicasPercentual1º A<strong>no</strong> (2004)Percentual2º A<strong>no</strong> (2005)Percentual3º A<strong>no</strong> (2006)Percentual4º A<strong>no</strong> (2007)Cota VG Neg Ind VG Neg Ind VG Neg Ind VG Neg IndNotas6,0-7,9 33,7 25,9 7,7 26,7 30,7 0,0 28,3 26,0 0,0 23,6 30,8 0,0Notas8,0-10,023,3 16,7 3,8 9,8 21,8 0,0 17,4 22,7 0,0 22,9 26,2 0,0Fonte: FERES JR. e ZONINSEIN, 2006.Obs.: Nessa área estão inclusos <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2003 os cursos de Ciência daComputação (1), Física (2), Matemática (3) e Química (3).Essas questões são centrais para a discussão e a avaliação da políticade cotas na educação superior, pois a eficácia social desta nãopode ser medida apenas em termos da entrada de certo número depessoas “negras” ou “carentes” na universidade, mas também naspossibilidades criadas para que essas pessoas possam manter-se nauniversidade e criar trajetórias acadêmicas e profissionais de sucesso.A permanência dos cotistas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, principalmente osindígenas, mas também os brancos considerados desfavorecidos eco<strong>no</strong>micamenteé um desafio que deve ser enfrentado pelas universidadespúblicas brasileiras, sob pena de perpetuar o quadro de evasão erepetência que se configura não só na Uems, mas em todo sistema deensi<strong>no</strong> superior que atende a alu<strong>no</strong>s oriundos de escola pública e/ousocialmente classificados como pobres.Considerações finaisAcompanhando a evolução de matrículas dos alu<strong>no</strong>s oriundos dovestibular 2003, durante os quatro a<strong>no</strong>s de curso, constatou-se queem 2004 dos 290 negros aprovados foram matriculados 236 e ao finaldo 4º a<strong>no</strong> em 2007 apenas 71 foram aprovados, sendo que destes22 foram aprovados para o 5º a<strong>no</strong> e 49 (20,7%) foram consideradosaptos para colação de grau. Entre os indígenas, dos 116 aprovados<strong>no</strong> vestibular, apenas 67 fizeram matrícula em 2004. Ao final do 4ºNegros e indígenas cotistas da Uems... 269


a<strong>no</strong>, em 2007, foram aprovados <strong>no</strong>ve, sendo um para o 5º a<strong>no</strong> e oito(11,9%) considerados aptos para colação de grau. Nas vagas geraisem 2004 foram matriculados 1.337 e ao final de 2007 foram aprovados540, sendo 157 para o 5º a<strong>no</strong> e 383 (28,6%) considerados aptospara colação de grau. Comparando esses resultados com os do vestibular,<strong>no</strong> qual nenhum candidato cotista aprovado teve rendimentoacima de 60% (ou 6,0 na prova de Conhecimentos Gerais, áreana qual se concentram as maiores dificuldades de aprendizagem),pode-se afirmar que os negros e indígenas que entraram com médiasabaixo de 6,0 tiveram um desempenho que refuta os discursos daquelesque argumentam contra as cotas e apostam na inferioridadeintelectual desses grupos.Em relação ao desempenho acadêmico e à questão de mérito,afirma-se diante dos dados estudados que os negros obtiveram melhoresresultados nas áreas de Ciências Agrárias, Biológicas e daSaúde e de Ciências Humanas e Sociais; os brancos (Vagas Gerais)obtiveram melhores resultados na área de Ciências Exatas e Tec<strong>no</strong>lógicase os indígenas tiveram seu melhor desempenho na área deCiências Humanas e Sociais. O que existe são diferenças pontuaisem alguns cursos e momentos (séries) que favorecem ora brancos oranegros. Sabemos que, ao contrário, pelo fato de serem cotistas, forammais cobrados, interna e externamente. Deve ter morado dentrode cada um, dia após dia, o desejo de vencer, de demonstrar paraaqueles que são contra cotas e apostaram <strong>no</strong> fracasso dos cotistas,<strong>no</strong> afloramento de conflitos e ódio racial <strong>no</strong>s corredores das universidades,de que o negro e o indígena são tão capazes quanto o branco,basta que lhes sejam dadas as mesmas oportunidades historicamentedadas aos brancos neste país.Os resultados apresentados confirmam que a seleção por testesou provas é importante, mas já não pode mais ser usada como aúnica forma de avaliação. O mito do mérito puro, acalentado e celebradopor muitos, pretende levar-<strong>no</strong>s a crer que essas instituições sóquerem estudantes “bons de livro e bons de teste”, e que as preferênciasraciais vêm interferindo na ciência exata que tal critério implicaria.Mas a verdade é que aceitar estudantes é muito mais uma arteeclética e interpretativa – com decisões baseadas <strong>no</strong> julgamento, na270 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


experiência e, às vezes, até <strong>no</strong> saber acumulado – do que uma sériede cálculos de fórmulas (BOWEN; BOK, 2004: 94-95).E para essa mudança de paradigma urge que as instituições deensi<strong>no</strong> superior busquem outras formas de avaliar que, somadas aostestes, estabeleçam de maneira mais justa o acesso à universidade,sem ter como única premissa o mérito <strong>no</strong> ingresso, pois este estámais na trajetória que <strong>no</strong> acesso inicial. Importante esclarecer que osdefensores de ações afirmativas não buscam “ferir ou atentar contraa ordem instituída pelo mérito, a ação afirmativa tem na individualidade,na igualdade e na liberdade os pressupostos que a garantem”(GUIMARÃES, 1999: 197).Com essa configuração, espera-se que os resultados aqui apontados,ressalvada a questão da evasão que é geral, possam servir comobase para julgamento da política de acesso sensível à raça e etnia(cota) utilizada na Uems.Negros e indígenas cotistas da Uems... 271


Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 91Marcos Moreira Pauli<strong>no</strong>IntroduçãoAs políticas neoliberais de flexibilização do controle estatal em <strong>no</strong>medo “dinamismo” exigido pelo mercado marcaram a década de 1990e atingiram em cheio as políticas educacionais, inclusive as que sereferiam ao ensi<strong>no</strong> médio e ao ensi<strong>no</strong> superior. Sempre próximas dosinteresses da iniciativa privada, empresários já interferiam <strong>no</strong>s conselhosde Educação desde a época da ditadura e a partir do octênioFernando Henrique Cardoso passaram a atuar cada vez mais emcausa própria junto ao legislativo, facilitando a criação de <strong>no</strong>vos cursos,seus respectivos credenciamentos e reconhecimentos (CUNHA,2003: 37-61). Com o ensi<strong>no</strong> médio público sendo expandido exponenciale precariamente em <strong>no</strong>me de uma “preparação para ummundo globalizado” e alimentados pelo freio na oferta <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>superior público, tais empresários tiveram demanda abundante paraocupar as <strong>no</strong>vas vagas de suas instituições. Segundo dados do Institutode Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira(Inep) (Censo da Educação Superior 2006 92 ), último disponívelem maio de 2008, 75% do total de matrículas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superiorencontravam-se na rede privada. Quanto ao ensi<strong>no</strong> médio verificamoso inverso: 88% das matrículas estavam na rede pública (INEP/CENSO ESCOLAR, 2006). Há muito que a universidade pública éterritório de poucos.Por outro lado, pelo me<strong>no</strong>s oficialmente, foi na Constituição de1988 (BRASIL, 1988) que teve fim o regime tutelar sobre as popu-91 Este artigo é baseado na dissertação de mestrado Povos Indígenas e Ações Afirmativas:o caso do Paraná apresentada pelo autor ao PPGE/UFRJ em maio de2008. A realização desta dissertação só foi possível graças a recursos do ProjetoTrilhas de Conhecimentos, oriundos da Fundação Ford.92 Disponível em: http://bit.ly/16LB7fjAções afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 273


lações indígenas. Deixou de ser atribuição do Estado legislar sobrea integração dos povos, ou seja, sua desintegração enquanto etnicamentediferenciados. Como previsto <strong>no</strong> Título VIII, Capítulo VII,pela primeira vez <strong>no</strong> Estado <strong>Brasil</strong>eiro os povos originários tiveramgarantidos seus direitos à terra e à educação diferenciada, tendo afirmado,pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> texto da lei, seu direito à diferença (BRAND,2002: 31-40).A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei9.394/96), em dois artigos (Título VII, Art. 78 e Art. 79) começaa apontar, oficialmente, um tipo de educação diferenciada para osindígenas para garantir a recuperação e reafirmação de seus conhecimentosespecíficos, além do acesso aos conhecimentos dos não índios.Desta forma um outro tipo de “educação escolar indígena”passou a ser exigida, regida, em linhas gerais, por quatro eixos básicos:bilíngue, específica, diferenciada e intercultural. Nada maiscoerente (principalmente por conta do bilinguismo) que os professoresfossem os próprios indígenas. Assim se fortaleceu a demandaindígena por formação de professores em cursos de licenciaturaespecíficos (as Licenciaturas Interculturais) para atuarem nas <strong>no</strong>vasescolas indígenas. Em 2001 foi criado o primeiro curso de LicenciaturaIntercultural de nível superior pela <strong>Universidade</strong> Estadual deMato Grosso (Unemat), seguido em 2003 pela <strong>Universidade</strong> Federalde Roraima (UFRR). As Licenciaturas Interculturais, portanto, sãoa primeira iniciativa que garante políticas de acesso para indígenasem universidades públicas.A demanda indígena por ensi<strong>no</strong> superior não se restringiu à formaçãode professores. A partir de 1988 tor<strong>no</strong>u-se presente na pautado movimento indígena a necessidade de formação de seus própriosquadros para atuação <strong>no</strong>s seus próprios territórios, sem interlocutoresnão índios, dentro da perspectiva não tutelar e emancipatóriado pós-constituinte. Intensificou-se o debate sobre a importância deuma educação superior para os povos indígenas que fosse além daformação de professores nas Licenciaturas Interculturais (SOUZALIMA; BARROSO HOFFMAN, 2006: 1-3).274 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Indígenas e Ações AfirmativasO termo “Ação Afirmativa-AA” remete à luta por direitos civis nasociedade estadunidense, na segunda metade do século XX. Nestecontexto, as AAs foram políticas experimentadas como forma de garantirdireitos a grupos historicamente excluídos de cidadania plena(MOEHLECKE, 2004: 757-776). No caso estadunidense, voltadaprincipalmente para os negros. Porém, salientamos que estas políticasnão ficaram restritas aos Estados Unidos, tendo sido implementadasem outros países, como a Índia. Como o termo chegou ao<strong>Brasil</strong> carregado de uma diversidade de sentidos utilizaremos umadefinição exposta por Moehlecke que julgamos a mais sintética eapropriada para <strong>no</strong>sso contexto:Num esforço de síntese e incorporando as diferentes contribuições,podemos falar em ação afirmativa como uma ação reparatória/compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir uma situação dediscriminação e desigualdade infringida a certos grupos <strong>no</strong> passado,presente ou futuro, através da valorização social, econômica,política e/ou cultural desses grupos, durante um período limitado.(MOEHLECKE, 2002: 197-217) (grifo <strong>no</strong>sso)Cabe aqui uma diferenciação importante. De acordo com a definiçãoapresentada, políticas para acesso de indígenas à universidadecomo a Licenciatura Intercultural não são consideradas açõesafirmativas. As licenciaturas interculturais, por sua implementação edesenvolvimento, são um dever de Estado, possuem um caráter permanentee não transitório como nas AAs definidas acima. Consideraremos,em linhas gerais, que as políticas de AA <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superiortêm diferentes critérios de “corte”: 1) socioeconômico (para os chamados“carentes” ou “oriundos de escolas públicas”); 2) étnico-racial(para “afrodescendentes” e “índios”); 3) o terceiro corte, socioeconômicoe étnico-racial, resulta da combinação dos dois primeiros.A Uerj foi a primeira universidade a adotar AAs, por força da Lein. 3.524 de 28.12.2000, que estabelecia 50% de cotas para estudantesoriundos do ensi<strong>no</strong> médio público do Estado do Rio de Janeiro(corte socioeconômico). A primeira política com corte étnico-racialfoi implementada <strong>no</strong> Paraná, pela Lei n. 13.134, de 18.04.2001, quedetermi<strong>no</strong>u a criação de três <strong>no</strong>vas vagas em cursos regulares nasAções afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 275


universidades estaduais, a serem ocupadas exclusivamente por estudantesindígenas.Apontamos, além do critério de corte, uma outra diferença entreas AAs implantadas em universidades brasileiras: a natureza dasvagas, que podem ser cotas 93 (uma porcentagem do total de vagasé disponibilizada para um grupo específico) ou o que chamamosde vagas suplementares, onde são criadas <strong>no</strong>vas vagas para preenchimentode determinado grupo. Além disso, nem toda AA para oingresso <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior corresponde ao oferecimento de vagas:também pode estar relacionada, por exemplo, à adição de pontos amais <strong>no</strong> vestibular ou à isenção de taxas de inscrição para determinadogrupo.Logo após a Lei 13.134/2001 do Paraná foi promulgada <strong>no</strong> Riode Janeiro a Lei Estadual 3.708, de 09.11.2001, que determi<strong>no</strong>u cotaspara alu<strong>no</strong>s negros e pardos. A <strong>Universidade</strong> do Estado do Riode Janeiro (Uerj) foi, portanto, a primeira universidade brasileira ainstituir as cotas para negros, sendo seguida pela <strong>Universidade</strong> Estadualda Bahia (Uneb) e pela <strong>Universidade</strong> Estadual do Mato Grossodo Sul (Uems), ambas em 2002. É importante salientar que as iniciativasda Uerj e Uneb não mencionam a população indígena, sendovoltadas somente para afrodescendentes (negros e pardos na Uerj eapenas negros na Uneb). As universidades estaduais do Paraná foramas primeiras instituições de ensi<strong>no</strong> superior público a oferecer vagaspara indígenas em cursos regulares, seguidas pela Uems.A primeira universidade federal a estabelecer ações afirmativas foia <strong>Universidade</strong> de Brasília (UnB), sob a forma de cotas para negros ede vagas suplementares para indígenas. Ao contrário das anteriores, aUnB não implementou tais políticas regida por nenhuma lei, mas porresolução de seu próprio Conselho Universitário. Posteriormente talexperiência se tornaria modelar para que outras universidades federais,como a <strong>Universidade</strong> Federal do Paraná (UFPR) (BEVILAQUA,2005: 167-225), também aprovassem ações afirmativas. Embora Periaaponte que na Uerj esta suposta “pressão” não foi determinante(PERIA, 2006: 145-163), é impossível negar a forte influência do93 Cabe apontar que AAs são frequentemente chamadas de cotas, um equívoco conceitual.Cota, como podemos observar é uma das formas de execução destaspolíticas <strong>no</strong> tocante ao acesso a universidade e cargos públicos.276 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


movimento negro <strong>no</strong> processo de implementação das primeiras açõesafirmativas nas universidades brasileiras. 94 No <strong>Brasil</strong> o movimentonegro tem tido inspiração na experiência estadunidense. Nos encaminhamentosanteriores e posteriores à Conferência de Durban, 95ONGs “negras” centraram seus esforços e sua forte influência políticana efetivação das ações afirmativas, tendo <strong>no</strong> acesso à universidadepública seu principal campo de embates. Segundo Guimarães apóso “esgotamento” das ações relacionadas aos crimes de racismo pelaconquista do Inciso 42, Artigo 5 da Constituição, conhecida comoLei Caó, na década de 1990 as Aas passaram a ser a principal estratégiade mobilização do movimento negro (GUIMARÃES, 2003).Em linhas gerais, embora o “ativismo negro” em prol da efetivaçãodas AA seja evidente, <strong>no</strong> que diz respeito aos índios não podemosobservar o mesmo. Tais políticas estavam e estão (ainda que de formapouco evidente) na pauta das organizações indígenas que foramprotagonistas em sua implementação, pelo me<strong>no</strong>s em sua gênese. Osmilitantes do movimento indígena sempre tiveram sua principal lutaem tor<strong>no</strong> da questão territorial, na demarcação e sustentabilidadedas Terras Indígenas (TIs), e nela encontram-se engajados até hoje.Embora 32 universidades implementem ações afirmativas paraindígenas ainda são pouco consideradas as especificidades das demandasdos diferentes povos. Vale ressaltar que <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> temos 220etnias indígenas diferentes (CENSO, 2000) e tal heterogeneidadenão está contemplada nas políticas de acesso e permanência que estãocolocadas. Na maioria das vezes, as propostas estão acopladas(tal qual) àquelas destinadas aos afrodescendentes ou aos chamados“carentes”. Como mostra Souza Lima numa crítica a esta homogeneização,como são todos excluídos trata-se, de forma unitária ehomogeneizante, de incluí-los (SOUZA LIMA, 2007a: 253-279).Uma particularidade das ações afirmativas para indígenas emrelação às “justificativas” está <strong>no</strong> fato de estarem, a priori, dentrode um projeto de povos que sempre estiveram sob tutela do Esta-94 Salientamos que “Movimento Negro” não corresponde a um bloco homogêneo.Na década de 1990 as próprias AAs não eram consenso entre as organizações eintelectuais do movimento.95 Trata-se da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,Xe<strong>no</strong>fobia e Formas Correlatas de intolerância, realizada em Durban, África doSul, em 2001.Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 277


do e que hoje clamam pela formação de quadros. Índios, sob estaperspectiva, estão na universidade não para ascensão individual somente,mas por compromisso com as demandas de suas respectivascomunidades.A lei paranaenseDepois de aprovada pela Assembleia Legislativa do estado, em 18de abril de 2001 foi publicada <strong>no</strong> Diário Oficial do Paraná a Lei13.134, sancionada pelo então governador Jaime Lerner. 96 A <strong>no</strong>valei determinava a criação de três vagas suplementares para indígenasem cada uma das universidades estaduais paranaenses. Conformeseu Artigo 1º:Art. 1º. Em todos os processos de seleção para ingresso como alu<strong>no</strong>em curso superior ou <strong>no</strong>s chamados vestibulares, cada universidadeinstituída ou criada pelo Estado do Paraná deverá reservar 3(três) vagas para serem disputadas exclusivamente entre os índiosintegrantes das sociedades indígenas paranaenses.Trata-se da primeira lei estadual brasileira a prescrever AAs comcorte étnico-racial em universidades públicas.Em agosto de 2007 (período em que foram realizadas todas asentrevistas expostas neste trabalho) foi explícita a ausência de participaçãodas comunidades indígenas <strong>no</strong> processo de formulação eaprovação desta lei. Relatos apontaram a possibilidade de algunsprofessores indígenas terem proposto um outro tipo de iniciativa: acriação de cursos de Licenciatura Intercultural, para a formação deprofessores em nível superior. Segundo uma liderança indígena:Esta lei foi uma luta dos professores indígenas. (...) Era pra ser praárea de licenciatura, talvez fugiu um pouco da realidade que elespensavam. Porque eles (a lei) não definiram o curso, você (o índio)escolhia o curso.96 O Projeto n. 232/00 foi apresentado em 07.06.2000, tendo como autor o entãoDeputado Estadual Cezar Silvestri, na época filiado ao PTB. A partir de 2003Silvestri se filiou ao PPS onde cumpriu dois mandatos como deputado estadual(2003-2011).278 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Porém esta “luta” dos professores não é o relato mais frequente.Ao que tudo indica o projeto de lei partiu de Edívio Battistelli, assessorpara assuntos indígenas do gover<strong>no</strong> do estado 97 e segundo elefoi inspirado pelas comemorações dos 500 a<strong>no</strong>s do Descobrimentodo <strong>Brasil</strong>:No afã dos 500 a<strong>no</strong>s que veio a lei, a idéia é minha. Tiveram outraspessoas idealizadoras comigo a partir daquele momento, mas euna verdade conduzi a idéia para o Legislativo, um deputado amigoda gente, da minha cidade (...) Então na verdade o desenho da leifoi do deputado Cezar Silvestre, com idéia minha e participação doadvogado dele.Battistelli coloca-se como idealizador da lei, o que foi confirmadoem muitas entrevistas. Segundo Peria (2004), processo semelhanteocorreu <strong>no</strong> Rio de Janeiro, na elaboração do Projeto de Lei(2.490/2001) de autoria do deputado José Amorim (PPB) que propôsa reserva de vagas de 40% para negros na Uerj:O próprio deputado estadual Amorim não contou a ninguém sobreo que planejava fazer, e a maioria das pessoas tomou consciênciada existência do projeto mais tarde, depois de votado por unanimidadena Alerj. (PERIA, 2004: 146)Desta forma a experiência da Uerj, a primeira universidade aoferecer cotas para negros, demonstra que este tipo de proposiçãosem amplo debate não é exclusividade do Paraná. 98A aprovação e publicação em Diário Oficial, <strong>no</strong> dia anterior aoDia do Índio dão à Lei 13.134/01 certa co<strong>no</strong>tação “para índio ver”,97 É agrô<strong>no</strong>mo; trabalha como indigenista há mais de 30 a<strong>no</strong>s; já foi administradorda Funai (em Londrina e Curitiba); e foi assessor e ocupou cargos em gover<strong>no</strong>sestaduais do Paraná (Lerner e Requião).98 Cabe ressaltar que Peria defende a ideia que “a cobertura intensa da mídia impressabrasileira do processo preparatório para a 3ª Conferência Mundial contrao Racismo foi a inspiração e a fonte de saber de Amorim na elaboração do seuprojeto” fazendo com que o Projeto tenha sido, em algum grau, um processo dedefinição coletiva. Em 2000 a temática indígena foi frequentemente vinculada àscomemorações dos 500 a<strong>no</strong>s do descobrimento <strong>no</strong>s meios de comunicação, essaconvergência pode ter contribuído de forma semelhante para o caso indígena.Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 279


como uma espécie de paliativo para as comunidades indígenas paranaenses<strong>no</strong> dia em que, a priori, estariam mais mobilizadas em tor<strong>no</strong>de suas principais demandas. Educação superior não parecia seruma prioridade. À primeira vista o processo de promulgação destalei parece reproduzir o mesmo ranço tutelar do Estado <strong>Brasil</strong>eiro emrelação aos povos indígenas. O mesmo Estado que por séculos ditouregras sem ao me<strong>no</strong>s consultá-los, atuação que passou a estar emdesacordo com o Art.7, inciso 1 da Convenção 169 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Congresso Nacional<strong>Brasil</strong>eiro, em 2002. 99As justificativas para a aprovação do projeto de lei também ressaltarameste modo de operação tutelar, ainda impregnado <strong>no</strong> Estado.O projeto de lei apresentado por Cezar Silvestri foi questionadopela Assessoria Jurídica da Secretaria de Tec<strong>no</strong>logia-Seti, do Estadodo Paraná, órgão responsável pelas universidades estaduais em relaçãoà criação de vagas, “por preterir um em detrimento de outro”,como consta na Informação n. 064/2000-AJ/Seti. Apesar desta ponderaçãoo projeto recebeu <strong>no</strong> dia 15.08.2000 parecer favorável daComissão de Constituição e Justiça da Assembleia sob o argumentode que a “incapacidade relativa dos indígenas pode ser suprida como acesso a cursos universitários e exercício das profissões escolhidas”.Apesar de contrariar o Artigo 232 da Constituição de 1988, 100a expressão “incapacidade relativa” remete ao antigo Código Civil(de 1916), ainda em vigor nesta época, 101 que conceituava os índioscomo “relativamente capazes”.Pela primeira vez, após a Constituição de 1988, os indígenas estavamresguardados perante a lei para lutar por seus direitos, inclusivecontra seu “tutor” (o Estado). Mas ainda admite-se em texto oficialda Assembleia Legislativa do Paraná (datado de 2000), o termo99 Disponível em: http://bit.ly/fnNeIu Acesso em: 19 <strong>no</strong>v. 2007.100 Constituição de 1988, Artigo 232: “Os índios, suas comunidades e organizaçõessão partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses,intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”101 O <strong>no</strong>vo código Civil, aprovado pelo Congresso Nacional em 2001, “ofereceu umtratamento mais positivo aos índios e estabeleceu que o tema de sua capacidadepara a prática dos atos da vida civil deve ser matéria de lei específica. Isso significaque o <strong>no</strong>vo código extirpou de seu texto a menção à relativa capacidade dosíndios fixada pelo código de 1916”. (ARAÚJO; LEITÃO, 2002: 27).280 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


“incapacidade relativa” e se propõe um diploma universitário comosolução para esta “condição”. O conceito de “índio relativamenteincapaz”, já ultrapassado nesta época, é resgatado para a defesa daaprovação desta política e dá o tom assistencialista das justificativas.Ainda sobre a questão da “incapacidade” cabe questionar a universidadecomo “solução” do problema. Parte-se do princípio que dauniversidade resolve o “problema” e já se prevê de antemão a colocaçãodos indígenas formados <strong>no</strong> mercado de trabalho, “<strong>no</strong> exercíciodas profissões” sem que se pese onde, como, porque, e em que istose articularia com as demandas de seus povos. Apenas é dito que oexercício das profissões supre tal “incapacidade”.O fato da lei limitar as vagas apenas para indígenas residentesem Terras Indígenas paranaenses (Guarani, Kaingang ou Xetá) tambémrecebeu críticas do departamento jurídico da Seti (Informaçãon. 064/2000-AJ/Seti). Argumenta-se que esta condição está “em flagrantedesacordo com o tratamento isonômico previsto na Constituição”.Esta acusação de inconstitucionalidade não obteve respostada Comissão de Constituição e Justiça, e foi ig<strong>no</strong>rada <strong>no</strong> parecer final.Esta omissão não parece ter ocorrido ao acaso: não existe embasamentojurídico em nenhuma legislação relativa aos povos indígenas(Estatuto do Índio –1973, Constituição Federal – 1988, CódigoCivil – 1916) que justifique que políticas promovidas por estados dafederação devam ser voltadas exclusivamente para as comunidadesdaquele estado específico. É visível que tal determinação está atravessadapor interesses políticos (eleitoreiros). 102Da mesma forma que não houve consulta às comunidades indígenas,não houve participação das universidade <strong>no</strong> processo. 103Depois de aprovada a lei foi apresentada aos reitores que se encarregaramde executá-la, criando comissões internas. Professores que játinham trabalhado com indígenas foram chamados, mas nem todas102 Um exemplo, que demonstra a desconexão entre esta requisição e os costumesdos povos: os Kaingang e Guarani têm, em sua tradição, hábito conhecido como“perambulação” que, em linhas gerais, consiste em percorrer o território paracaça, pesca e ocupação de <strong>no</strong>vas roças. Por conta disso muitas famílias encontram-seespalhadas por toda a Região Sul. Este rótulo, “o índio paranaense”,parece-<strong>no</strong>s como mais um elemento estranho aos povos.103 O momento político era péssimo: uma longa greve e uma total falta de interlocuçãoentre as universidades estaduais e o gover<strong>no</strong> Lerner, segundo as entrevistas.Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 281


as convocações seguiram esta regra, tudo feito às pressas. A lei foiuma grande surpresa para a comunidade universitária e não houvequalquer justificativa para sua promulgação. O tom, como citou umprofessor, era “cumpra-se!”:Foi <strong>no</strong> período da greve, os reitores tiveram que montar uma comissãoa toque de caixa, foram chamados alguns professores (...),foi uma coisa meio corrida, de pegar mais ou me<strong>no</strong>s por aproximaçãoquem iria compor esta comissão. Não houve essa discussão,as próprias lideranças foram pegas de surpresa, não houve umadiscussão com as universidades, não houve uma discussão com osantropólogos. (Professor, ex-integrante da Comissão <strong>Universidade</strong>para os Índios-Cuia)Além do total desconhecimento do assunto, as universidades aindasofreram pressão da Seti para implementação imediata do processoseletivo, como relatam Rodrigues e Wawzyniak:É importante ressaltar que, por ocasião dos preparativos para oprimeiro vestibular, a comissão trabalhou sob pressão em decorrênciada aplicação de penalidades legais caso o vestibular nãofosse realizado. (...) Muitos departamentos só ficaram sabendo doingresso destes <strong>no</strong>vos alu<strong>no</strong>s <strong>no</strong> início das aulas (RODRIGUES;WAWZYNIAK, 2006: 6).Um comentário importante: até agora, nem na lei, nem na universidade(com comissões trabalhando a toque de caixa e sob pressão)foi sistematizada qualquer política consistente relacionada à permanênciadestes indígenas na universidade. O acesso se deu de formacompletamente independente da oferta de condições de estudo.A “invisibilidade” desta lei tem certa peculiaridade, pois, em geral,a implementação das ações afirmativas em universidades brasileirastem histórico polêmico. Os trâmites para a aprovação destas iniciativasgeralmente são acompanhados por alguns setores da universidade,aliados ou contrários, que nem sempre são consultados pelo legislativo,mas têm ciência dos processos (como <strong>no</strong>s casos do Paraná e Rio deJaneiro). As leis foram discutidas <strong>no</strong> ambiente universitário depois deaprovadas. Chor e Ventura analisam o caso da UnB:282 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


(...) os eventos da UnB geraram acalorados debates <strong>no</strong> âmbitoda sociedade civil, com posicionamentos desde apoios explícitos,oriundos do movimento negro e de setores da academia até críticasveementes. (MAIO; SANTOS, 2005: 183)E na Uems:Foram realizadas diversas audiências públicas em vários municípiosdo estado com a minha presença e do deputado autor da leide cotas para negros (...) nestas buscava-se esclarecer e divulgaros critérios de inscrição nas cotas, que estavam sendo construídascoletivamente, assim como mostrar a preocupação da universidadecom as condições de permanência após o ingresso. (...) (CORDEI-RO, 2007: 88)Neste sentido, parece que a experiência do Paraná foi muito me<strong>no</strong>s“conflituosa” do que a de outros estados e há que se pensar narelação disso com o fato de tal política ser destinada só a indígenase não a indígenas e negros ou a negros somente. A explicação dessefato pode estar ligada à constatação de que a reserva de vagas paraos povos indígenas: 1) disponibiliza, em geral, um número de vagasmuito me<strong>no</strong>r que as cotas para afrodescendentes; 2) é congruentecom o ideário assistencialista de “cuidado” e “proteção” que pairasobre os índios e que os torna mais “merecedores” de benefícios.Ainda quanto às AAs para o acesso ao ensi<strong>no</strong> superior de negrose índios não há indícios de nenhuma correspondência entre as duasiniciativas nas universidades estaduais do Paraná. Explico: 1) a Lei13.134 não cita negros, apenas índios; 2) UEL e UEPG são as únicasuniversidades com cotas para negros, iniciadas posteriormente (2004na UEL e 2006 na UEPG) que não são regidas por lei estadual e simoriundas de resoluções dos próprios conselhos universitários; 104 3) oingresso dos negros em qualquer destas duas universidades ocorreatravés de vestibular comum, não havendo vestibular específico paraindígenas.104 UEL: Resolução CU n.78/2004, UEPG: Resolução Univ. n. 9 de 26 de abril de2006.Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 283


Como apontado anteriormente, em outras experiências têm-sea clara impressão que a proposição de AAs para indígenas parecervir “a reboque” dos afrodescendentes. Um exemplo é o da UFPR:sua entrada <strong>no</strong> vestibular indígena do Paraná em 2004 foi produtoda elaboração do Pla<strong>no</strong> de Metas para Inclusão Racial e Social que<strong>no</strong> primeiro momento previa a implementação de AAs apenas paranegros. Segundo Bevilaqua:Outras diferenças deixam transparecer que os índios não eram objetode atenção específica da comissão designada pela reitoria daUFPR, e que talvez tenham sido incluídos <strong>no</strong> Pla<strong>no</strong> de Metas unicamenteporque já figuravam na proposta apresentada à UnB. Todasas referências <strong>no</strong> corpo do documento reproduziam de modo quaseliteral o modelo brasiliense. Ao mesmo tempo, o texto introdutórioredigido pela comissão da UFPR não fazia qualquer menção aosíndios. (BEVILAQUA, 2005: 170)Evidencia-se então o quase “acaso” na inclusão dos indígenasneste projeto de AA destinado aos afrodescendentes. O modo comosurgiram as vagas para indígenas nas universidades federais e estaduaisé uma diferença crucial. Nas federais não se percebe a “independência”citada anteriormente entre as políticas para índios e negros,muito pelo contrário. Segundo as entrevistas e os trabalhos deBevilaqua entende-se que, em relação aos indígenas, não houve discussãoou mudança alguma da política da UnB, utilizada como referência.Como bem disse a autora, ao contrário dos afrodescendentes,os índios não eram objeto central e nem suscitaram discussões.Em 2005 a UFPR adotou os mesmos critérios das estaduais naseleção de seus candidatos e se inserindo <strong>no</strong> vestibular indígena, quepassou a ter caráter ainda mais interinstitucional, por contar comtodas as universidades estaduais e a federal do Paraná. Todas as universidadespúblicas deste estado, portanto, adotaram a mesma políticade AA para indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior. Por não estar regidapela Lei Estadual 13.134/2001 a UFPR passou a integrar este blococom algumas particularidades:1) oferta de cinco vagas em 2005 e 2006, sete em 2007 e 2008e dez vagas anuais a partir de 2009. Esse cro<strong>no</strong>grama definido284 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


pela Resolução n. 37/04. Tal escala diferia das universidades estaduaisque, na época, ofereciam três vagas por universidade,totalizando 18, em 2005 (BEVILAQUA, 2004: 181-185).2) adoção da não obrigatoriedade dos candidatos residirem em TerraIndígena;3) adoção da não obrigatoriedade dos candidatos residirem <strong>no</strong> Paraná,o que causou uma mudança considerável <strong>no</strong> perfil dos concorrentesque passaram a vir de todo o <strong>Brasil</strong>;4) concessão de subsídios para a permanência dos indígenas matriculadosna UFPR através de convênio entre UFPR e Funai.A Lei 14.995, de 09.01.2006, dava uma <strong>no</strong>va redação à Lei13.134/2001:O Artigo 1º da Lei 13.134 passa a ter a seguinte redação: “Art. 1º:Ficam asseguradas seis vagas como cota social indígena, em todosos processos seletivos para o ingresso como alu<strong>no</strong> nas universidadespúblicas estaduais de ensi<strong>no</strong> superior do estado do Paraná paraserem disputadas, exclusivamente, entre os índios integrantes daSociedade Indígena Paranaense”. (Lei 14.995, Art. 1º)Sancionada pelo governador Requião (PMDB) tal lei foi apresentadapelo deputado Pe. Paulo Campos (PT). Em seu histórico naAssembleia podemos observar que o deputado se envolveu em causasimportantes a favor dos indígenas mas, apesar desta suposta relaçãocom as comunidades, a aprovação desta lei (que, diga-se de passagem,não teve influência do assessor de gover<strong>no</strong> Battistelli, segundorelato do próprio) parece repetir o mesmo movimento de sua antecessora:não houve indícios da participação dos indígenas ou dauniversidade <strong>no</strong> requerimento, ou sequer na discussão do aumentodo número de vagas de três para seis. Ao que tudo indica as vagasforam dobradas sem que houvesse, a priori, demanda para elas. Deacordo com Rodrigues e Wawzyniak:Novamente as universidades não foram consultadas sobre a viabilidadee/ou pertinência do aumento do número de vagas <strong>no</strong> momentoatual. As instituições de ensi<strong>no</strong> superior através dos seusrepresentantes na comissão não foram convidadas para dar seu pa-Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 285


ecer sobre a situação vivenciada até então. Embora essa seja umamedida que, sem dúvida, oportuniza uma maior possibilidade deacesso dos estudantes indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, fica-<strong>no</strong>s muitoclara a co<strong>no</strong>tação eleitoreira que o fato assumiu. (RODRIGUES;WAWZYNIAK, 2006: 8)No texto da <strong>no</strong>va lei surge a expressão “cotas sociais indígenas”,que se destaca pela grande confusão entre conceitos. No caso, o termomais apropriado seriam vagas suplementares para índios já quenão são cotas (porque não fazem parte do total de vagas), e muitome<strong>no</strong>s sociais (não há critério socioeconômico para a seleção doscandidatos). Além disso, a restrição aos “índios do Paraná” pareceganhar mais força na escrita, já as vagas passaram a ser exclusivasde uma dita “sociedade indígena paranaense”.O processo seletivoApós a aprovação da Lei 13.134/01, comissões compostas pelos reitoresde cada instituição reuniram-se para deliberar sobre o processoseletivo. A lei apontava dois quesitos claros a serem respeitados: 1)que as vagas fossem disputadas entre indígenas; 2) que estes indígenasfossem residentes de Terras Indígenas paranaenses. Respeitadosestes dois critérios, o modo como estas vagas seriam preenchidas erade responsabilidade da Seti e das universidades, seguindo o Art. 2ºda Lei 13.134/01 (que não foi alterado pela <strong>no</strong>va redação da lei, em2006).As comissões designadas por cada reitor se reuniram na Seti, afim de conhecer melhor a lei (já aprovada) e deliberar sobre seu cumprimento.Como bem disse um professor, presente a esta reunião:Ficamos perplexos: tinha que implantar um vestibular mas paraalém do vestibular tínhamos que pensar permanência (...). Só eue mais uma professora conhecíamos o universo indígena, dos queestavam ali. Os demais eram representantes das universidades, daspró-reitorias de ensi<strong>no</strong>... Fomos criando um clima de discussão maisprofunda e a coordenadora da reunião (representante da Seto) disse:ou vocês implementam o vestibular agora ou a Seti pede para substituireste grupo e chama outro. (Professor ex-integrante da Cuia)286 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


No que diz respeito à universidade, cabe <strong>no</strong>vamente destacar aforma heteronômica como esta lei foi levada adiante. Em relaçãoaos povos indígenas, continuou reproduzindo a tradição da tutela,improvisação e emergencialismo. Como exemplo, é visível a constanteausência de discussão em relação a uma questão central: comoseria a permanência dos indígenas após o ingresso, que já havia sidodesconsiderada na formulação e ig<strong>no</strong>rada neste processo de regulamentação,mesmo quando apontada por alguns integrantes. Quemqueria uma “discussão mais profunda” foi voto vencido.No dia 23 de <strong>no</strong>vembro de 2001 foi assinada, pelo Secretário deCiência e Tec<strong>no</strong>logia, pelo Secretário de Estado da Justiça e da Cidadaniae pelos reitores da universidades de Londrina (UEL), Maringá(UEM), Ponta Grossa (UEPG), do Oeste Paranaense (Unioeste) e doCentro Paranaense (Unicentro) a Resolução Conjunta que regulamentao processo seletivo:Art. 2º – As 3 (três) vagas de que trata a Lei mencionada <strong>no</strong> artigoanterior (Lei 13.134/2001) serão disponibilizadas em cada uma das<strong>Universidade</strong>s Estaduais do Paraná, excedendo aquelas ofertadasregularmente (Resolução Conjunta 035/2001, Art. 2º).Esta é uma diferenciação, já apontada na Lei 13.134/01 e explicitadanesta resolução, que foi bem marcada na fala de professorese estudantes indígenas: as vagas não eram consideradas cotas, ouseja, não tinham sido “retiradas” percentualmente de um total devagas preexistente. Frequentemente chamadas de “excedentes” ou“suplementares” têm caráter de acesso exclusivo aos indígenas. Semdúvida, marcar esta distinção dá um tom de maior “direito” sobre asvagas (que são deles) e não de um “privilégio”, como frequentementesão encaradas as cotas, conforme relato de estudante indígena:Porque na universidade todo mundo acha que é cota, que nem cotapra negros. Mas o vestibular indígena não é cota, são vagas criadas,se a universidade tem mil vagas ela cria mais seis – não é igualcota porque não tira a vaga de ninguém.Há um ponto que parece, desde o começo, já dado <strong>no</strong> Paraná: aforma de seleção vestibular. As provas foram pensadas seguindo oAções afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 287


mesmo padrão “estrutural” do vestibular comum: Português, Matemática,História, Química, Física, Biologia, Geografia e, o que <strong>no</strong>scausa ainda mais estranhamento, Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol).Em alguns relatos têm-se a clara impressão de que apesarda vontade de alguns integrantes da comissão organizadora em sepensar uma seleção diferente, não há uma referência alternativa paraum processo seletivo. Porém, uma diferença relacionada à estruturado vestibular tradicional precisa ser evidenciada: a introdução deprova oral. Ainda segundo Rodrigues e Wawzyniak:A Prova de Língua Portuguesa Oral foi introduzida desde o iníciocomo uma forma de destacar a especificidade do vestibular,reconhecendo a importância da tradição oral entre as sociedadesindígenas (RODRIGUES; WAWZYNIAK, 2006: 11).Um estudante reprovado <strong>no</strong> “vestibular comum” declarou: “Eujá fiz o vestibular não indígena e é mais ou me<strong>no</strong>s a mesma coisa:o fiscal, as questões, tudo bem parecido”. Apesar de citadas semelhanças,foram salientadas pelos indígenas diferenças do vestibulartradicional para o indígena, considerado mais “fácil” (quando se referemà falta de preparação do ensi<strong>no</strong> médio, o que impossibilitariasua aprovação <strong>no</strong> outro exame) e voltado a assuntos relacionados àcultura indígena (o que certamente não seria valorizado <strong>no</strong> vestibularcomum). Ao considerarmos a trajetória escolar destes candidatosnão é de se estranhar que falem do vestibular com certo orgulho porserem enfim consideradas e respeitadas suas particularidades, dentrode certos limites. Comparado ao vestibular tradicional, o vestibularindígena é completamente distinto. A seleção é centralizada em umauniversidade e os candidatos têm que se deslocar, de todo o Paraná(e após a entrada da UFPR, de todo o <strong>Brasil</strong>) até a universidade-sede.Lá ficam alojados durante três dias para a seleção. O deslocamentoé organizado e pago pela Funai.Há uma sensação de visibilidade graças ao vestibular, que foirelatada em algumas entrevistas, por professores e acadêmicos. Sãoveiculadas <strong>no</strong>tícias na imprensa falando sobre o vestibular e, consequentementesobre os índios, o que não é comum fora do Dia do Índio.Além disso, destacamos que este momento realmente se firmoucomo um forte evento de integração entre as comunidades indígenas288 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


do Paraná, o que pode ter efeitos políticos muito positivos para ascomunidades. A ocasião oferece um espaço de reencontro, confraternização,e em algum nível, articulação política. Esta experiênciacomum permite que estudantes de várias universidades já se conheçamantes de ingressar em seus respectivos cursos. Em momentosinformais de conversa com os acadêmicos foram registrados várioscomentários saudosos sobre o vestibular. Este contato mais “huma<strong>no</strong>”entre os candidatos é uma diferença crucial em relação ao vestibular“tradicional”, onde prevalece a competitividade.Identificação dos candidatos e homologação das inscriçõesComo se trata de uma política específica para indígenas, foi precisodefinir, <strong>no</strong>s trâmites de sua implementação, os critérios de identificaçãodos candidatos. No caso dos indígenas, existe um critério járatificado por um órgão federal: a certidão de nascimento emitidapela Funai. Desta forma, à primeira vista, parece mais “simples”distinguir os possíveis beneficiados destas ações afirmativas o quenão coloca à parte uma das principais discussões em relação a estaspolíticas: os critérios utilizados para determinação étnica.No caso dos negros prevalece a autodeclaração dos candidatos,salvo na Uems e na UnB que preveem uma avaliação “fe<strong>no</strong>típica”. 105Considerando a diversidade dos povos indígenas do <strong>Brasil</strong> e sua realidadede miscigenação biológica, este tipo de classificação tornar--se-ia ainda mais questionável se fosse aplicada, o que não ocorre <strong>no</strong>Paraná e em nenhuma outra universidade.Possível herança da tutela do Estado (que vai dizer quem é índioou não), a Funai – diretamente (como fornecedora de “cartas de recomendação”)ou indiretamente (via certidão de nascimento) – é aresponsável pela identificação dos candidatos na grande maioria dosvestibulares. Em relação aos indígenas, apenas a Uerj considera a autodeclaraçãosuficiente. Pontuamos que existe, por parte do movimentoindígena, crítica à autoidentificação como único critério de acessoa direitos diferenciados (SOUZA LIMA; BARRETTO, 2007a: 5-23).105 Uma comissão avalia o candidato através de retrato, analisando traços fisionômicoscomo cor da pele, textura do cabelo e formato do nariz (MAIO; SANTOS,2005: 181-214).Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 289


De acordo com o Manual do Candidato, a partir de 2005, acertidão de nascimento emitida pela Funai deixou de ser solicitada<strong>no</strong> Paraná. A identificação ficou ainda mais centrada na apresentaçãode uma declaração da liderança da comunidade, critério vigentedesde o primeiro vestibular. Nas estaduais a exigência desta declaraçãoteve algumas mudanças: 1) até 2004 deveria ser assinada peloCacique e pelo chefe de Posto, 106 que comprovariam que o candidatomorou, pelo me<strong>no</strong>s durante dois a<strong>no</strong>s, em Terra Indígena do Paraná;2) a partir de 2005 (com a exclusão da exigência de certidãode nascimento da Funai), a declaração (assinada pelos dois citadosanteriormente), além dos dois a<strong>no</strong>s de moradia na Terra Indígenaparanaense, deveria atestar a etnia indígena do candidato; 3) a partirde 2007, este documento passou a ser chamado de “Carta deRecomendação”, a ser assinada pela liderança da comunidade à qualpertence o candidato (sem determinar qual o tempo de moradia naTI), nela constando a etnia indígena do candidato.Na UFPR este critério, <strong>no</strong>s três a<strong>no</strong>s de sua participação (2005,2006 e 2007), consistiu na apresentação de uma Carta de Recomendaçãoda liderança da comunidade onde reside o candidato e Cartada Funai ou, <strong>no</strong> caso de candidato residente em área urbana, apenasuma Carta de Recomendação da Funai. Merece atenção nas estaduaisdo Paraná o fato de que, diferente de outros processos seletivospara indígenas a determinação do pertencimento étnico cabe à comunidadee não à Funai. Isto indica uma participação mais ativa dascomunidades <strong>no</strong>s processos que, à primeira vista, são protagonistasna seleção: parece mais coerente que os próprios povos definam osbeneficiários dessa política e não o Estado. Este fato não se percebena UFPR, pois em qualquer hipótese a Funai tem que emitir umaCarta de Recomendação. A exigência da UFPR pode estar relacionadaao convênio assinado entre esta universidade e a Funai.Nas entrevistas, os estudantes não relataram problemas para aobtenção da declaração. As inscrições indeferidas pela não apresentaçãodeste documento não passaram despercebidas ao <strong>no</strong>sso estudo.No vestibular de 2006, de 137 inscrições, dez foram indeferidaspor problemas na Carta de Recomendação, ou pela ausência da mes-106 Chefe de Posto é um funcionário da Funai, índio ou não índio, que é uma espéciede assessor da comunidade junto à Funai.290 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ma. No vestibular de 2007, de 169 inscrições, quatro foram indeferidascom a justificativa de “não apresentarem assinatura do cacique”.Não foi possível obter entrevistas ou obter informações mais detalhadasdestes candidatos. 107 Ainda <strong>no</strong> vestibular de 2007, mais trêsinscrições foram indeferidas por terem as respectivas “declaraçõesde etnia e tempo de residência” contestadas por uma comissão de“representantes indígenas”. Três lideranças indígenas (também universitários),compuseram esta comissão, fato que merece destaque.A assinatura da liderança, portanto, passou a não ser um critériosuficientemente convincente: teve que ser submetida ao crivo “certificador”de outros índios que, neste caso, voltaram atrás após ouvirema liderança que havia assinado a declaração.Ressaltamos que a presença desta certificação demonstra que auniversidade passou a interferir, mesmo que indiretamente, <strong>no</strong> processode identificação. É significativa a delegação de uma comissãoformada por lideranças indígenas que são também universitáriospara verificar as declarações. Presume-se, a partir deste fato, que ocacique não tem auto<strong>no</strong>mia absoluta para decidir, tendo a própriauniversidade (na figura desta comissão) poder relativo de veto sobrea sua decisão. Porém, destacamos que <strong>no</strong> caso relatado prevaleceuo poder decisório da autoridade da comunidade o que, repetimos,indica o protagonismo das lideranças locais na seleção. Segundo umcacique, sobre este poder de escolha:Nós caciques conhecemos cada um da comunidade, aquela pessoaque dá pra apostar. Muitos dizem que os caciques puxam para olado da família, eu não sou assim, que nem tem um rapaz que eraprofessor e motorista, mas <strong>no</strong> momento precisamos de professor.Quer estudar, estuda, não quer, fica em casa. (Cacique da TerraIndígena Palmital)Assim observamos que a assinatura da Carta de Recomendaçãopelo cacique parece estar relacionada à expectativa de melhoria emface das demandas da comunidade.107 Seria interessante investigar: trata-se de uma tentativa de burla ou estes candidatostiveram problemas na obtenção do documento? Se tiveram, de qual tipo?Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 291


Perfil dos candidatosComo podemos observar <strong>no</strong> Quadro I, a maioria dos candidatos,exceto <strong>no</strong> primeiro vestibular, foi do sexo masculi<strong>no</strong>. A predominânciade homens também se mostrou <strong>no</strong> número de classificados <strong>no</strong>svestibulares de 2006, 2007 e 2008. Esta não é uma tendência observadanas últimas si<strong>no</strong>pses estatísticas da educação superior do Ineprelativas a 2004, 2005 e 2006 que apontam um maior número dematrículas do sexo femini<strong>no</strong>, <strong>no</strong> total geral de matrículas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Quadro 1. Porcentagem de homens e mulheres inscritos <strong>no</strong>vestibular 2002-2007, Paraná2002 2003 2004 2005 2006 2007Masculi<strong>no</strong> 44,89 52,63 56,36 54,46 55,56 58,54Femini<strong>no</strong> 55,11 47,37 43,64 45, 54 44,44 41,46Fonte: Quadro do autor a partir de Relatórios dos Vestibulares (questionáriossocioeducacionais) da Cuia.Além disso é comum candidatos com filhos. Em 2007, 48,78%deles declararam ter um ou mais filhos. Também é frequente seremcasados, como podemos observar na tabela a seguir. Sob estes aspectos,o processo seletivo para as mulheres tem alguns complicadores,o que pode explicar a diminuição de inscrições do sexo femini<strong>no</strong>.Quadro 2. Percentual de informação sobre estado civil dos candidatos(vestibular 2002, 2003, 2004 e 2007), Paraná 1082002 2003 2004 2007Solteiro (a) 36,74 40,35 45,46 61,59Casado (a) 51,02 57,9 50,90 32,93Separado (a) 4,08 0,0 1,82 02,44Outro 8,16 0,0 0,0 02,44Não respondeu 0,0 1,75 1,82 0,61Fonte: Quadro do autor a partir de Relatórios dos Vestibulares (questionáriossocioeducacionais) da Cuia.108 No questionário sociocultural do vestibular 2005 não havia pergunta sobre estadocivil. Os questionários socioculturais de 2006 não apresentam tabulação disponível<strong>no</strong> Relatório do Vestibular, material utilizado como fonte para confecçãodo Quadro 2.292 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Estes números tornam-se ainda mais significativos se comparadosao vestibular “tradicional” da UFPR que, em 2005, teve 6,43%dos aprovados casados. Estas informações são importantíssimas parapensar a permanência dos indígenas que ingressam na universidade.No vestibular de 2007, Kaingang foi a etnia predominante(61,59%), seguida de Xokleng (17,7%) e Guarani (15,24%). Apesardo vestibular ser intitulado “dos povos indígenas do Paraná”, asegunda etnia em número de inscritos, os Xokleng, tem suas terraslocalizadas <strong>no</strong> estado de Santa Catarina. Também merece consideraçãoo fato de Kaingang e Guarani ocupam toda a região Sul, e nãosó o Paraná. Estes números apontam demandas de outros estados,além de colocarem em xeque a restrição existente nas estaduais acandidatos “integrantes da sociedade indígena paranaense”. Comopodemos observar <strong>no</strong> quadro abaixo, concorrentes de fora do Paraná(principalmente da região Sul) são frequentes desde a entrada daUFPR <strong>no</strong> vestibular: 109Quadro 3. Estado de origem dos candidatos 2005-2007 1102005 2007Paraná 70 91Outros estados 42 73Total 112 164Fonte: Quadro do autor a partir de Relatórios dos Vestibulares(questionários socioeducacionais) da CuiaComo demonstrado na tabela a seguir, a UFPR é a universidadecom maior número de concorrentes e, portanto, maior relaçãocandidato/vaga. Isso ocorre graças ao grande número de candidatosresidentes em outros estados que só podem prestar concurso para aUFPR e não para as universidades estaduais.109 Será interessante observar os possíveis efeitos <strong>no</strong> Paraná de políticas de açãoafirmativa recém-implementadas na UFSC e na UFRGS voltadas para indígenas.110 Os questionários socioculturais de 2006 não apresentam tabulação disponível<strong>no</strong> Relatório do Vestibular, material utilizado como fonte para a confecção desteQuadro.Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 293


Quadro 4. Relação candidato/vaga UFPR 2005-2007, Paraná2005 2006 2007Candidatos UFPR (1ª opção) 54 47 77Total de vagas para a UFPR 05 05 07Relação candidato/vaga UFPR 10,8 7,8 11Fonte: Quadro do autor a partir de Relatórios dos Vestibulares(questionários socioeducacionais) da CuiaPortanto, dependendo do curso a ser escolhido na UFPR, de acordocom o número de candidatos por vaga, o vestibular indígena éainda mais concorrido que o “tradicional”. No a<strong>no</strong> de 2007, muitoscursos <strong>no</strong> vestibular comum, como o de odontologia apresentaramrelação candidato/vaga inferior ao vestibular indígena. 111 Há, entreas estaduais, universidades que têm relação candidato/vaga bemmaior do que outras. Algumas nem chegam a completar o número devagas oferecido e, para nós, a proximidade da Terra Indígena é umfator fundamental para a escolha entre as universidades.Quadro 5. Número de candidatos que optaram como 1ª opção/universidade<strong>Universidade</strong>s estaduais 2005 2006 2007UEL 17 16 16Unicentro 11 08 15UEM 09 09 09Unioeste 02 02 09Uepg 12 08 00Fonte: Quadro do autor a partir de Relatórios dos Vestibulares (questionáriossocioeducacionais) da Cuia.Esta procura está de acordo com o critério de proximidade dacasa, já que Londrina (UEL) e Guarapuava (Unicentro) são cidadesbem próximas a Terras Indígenas paranaenses e mantêm-se entre asmais escolhidas. Isto merece ser considerado na formulação de políticasde AA para indígenas: geralmente os territórios indígenas ficammuito distantes dos centros urba<strong>no</strong>s onde se localizam as principaisuniversidades, o que pode ser um complicador caso não sejam ofe-111 Relação candidato/vaga igual a 09,54. Fonte: Núcleo de Concursos UFPR, processoSeletivo 2006-2007, disponível em http://www.nc.ufpr.br/ Acesso em: jan. 2008.294 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ecidas, por exemplo, condições de moradia. Porém, com base nasentrevistas realizadas, complementamos: as universidades oferecemcondições de permanência distintas e este também foi consideradoum fator importante na escolha de muitos estudantes que muitas vezesoptam pelas universidades que têm programas mais sólidos parapermanência.Verifica-se que a grande maioria dos candidatos provém do ensi<strong>no</strong>público. Além disso, <strong>no</strong> vestibular de 2007, 45,12% dos candidatosdeclararam não ter cursado o ensi<strong>no</strong> médio regular. 112 Considerarestes fatores <strong>no</strong>s leva a salientar a grande dificuldade que estesestudantes teriam se prestassem o concurso “comum”, dominadopor candidatos oriundos da educação privada e que, em grande parte,passaram pelos famosos “cursinhos”. Apenas 6,1% dos candidatosindígenas do vestibular de 2007 tinham sido “preparados” emalgum pré-vestibular. Número bem diferente, <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong>, dosmaiores vestibulares do <strong>Brasil</strong>: na <strong>Universidade</strong> de São Paulo (USP),52,9% dos candidatos tiveram passagem por cursinho; na <strong>Universidade</strong>Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 44,15%.Apesar disso é visível que os ingressos já haviam passado porcritérios seletivos anteriores ao vestibular: conseguiram concluir oensi<strong>no</strong> médio, o que para a realidade das populações indígenas é praticamenteimpossível, além de muitos fazerem parte de famílias comcerto prestígio nas comunidades. Esta observação será fundamentalpara pensar as implicações do retor<strong>no</strong> desses jovens para as aldeiasdepois de formados.PermanênciaTodas as iniciativas em relação à permanência dos indígenas apóso ingresso na universidade foram planejadas e desenvolvidas após aimplementação da lei, em geral por iniciativa das próprias universidades.Observamos, mais uma vez, que a política destinava-se apenasao ingresso dos indígenas, não oferendo garantias para que estesacadêmicos pudessem dar prosseguimento aos cursos. Em agosto112 Destes 45,12%, 28,05% frequentaram supletivo, 07,93% fizeram um ensi<strong>no</strong> médioprofissionalizante e 09,15% cursaram magistério (Fonte: Relatório do VI vestibulardos povos indígenas do Paraná, UFPR, 2007).Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 295


de 2007 a UEL tinha 20 indígenas matriculados, seguida da UEMcom 19 e da UFPR com 17. 113 A Unicentro tinha 11, a Uepg oito ea Unioeste seis. A Unespar tem três estudantes indígenas e a Uenp10. Reunidas todas estas informações quantitativas, registramos que<strong>no</strong> momento de realização desta pesquisa havia 84 estudantes indígenasnas universidades públicas do Paraná. Neste contexto, o fatoda UEL, da UEM e da UFPR terem mais acadêmicos índios em seuscursos não <strong>no</strong>s pareceu coincidência (56 acadêmicos nas três universidades,66% do total), sendo coerente com as condições de permanênciadiferenciadas oferecidas por estas universidades.Para facilitar a visualização das ações de permanência oferecidaspelas universidades, utilizaremos o quadro abaixo:UEMUELQuadro 6. Síntese das condições de permanência oferecidas para indígenas(IES Paraná 2007)IESMoradiaAssind,algunsMoradia estudantil,algunsBolsaestadualSim todos(R$ 350)Sim todos(R$ 350)Uepg Não Sim todos(R$ 350)UnesparUenpNãoSim todos(R$ 350)Unioeste Não Sim todos(R$ 350)Unicentro Não Sim todos(R$ 350)UFPR Não (prevista na bolsa da NãoFunai)BolsaFunaiBolsa dauniver.RUgratuitoNão Não SimNão Não Não *Não Não NãoNão Não NãoNão Não NãoNão Não NãoSim todos(R$ 690)Sim todos(R$ 210)Fonte: Quadro do autor a partir dos dados fornecidos pelas universidades RUgratuito (Restaurante Universitário gratuito).* Existe pleito da Prograd para que este valor seja reduzido a R$ 0,70, sendo emagosto de 2007 de R$ 1,90.Sim113 Cabe lembrar que a UFPR só entrou <strong>no</strong> vestibular indígena em 2005, oferecendocinco vagas (duas a mais que as estaduais, que só passaram a oferecer seis vagasem 2006). Em 2007 facultou sete vagas (uma a mais que as estaduais) e, a partirde 2008, disponibiliza dez vagas.296 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


O Quadro 6 mostra que a existência de um único “Vestibulardos Povos Indígenas do Paraná” não corresponde à oferta dos mesmosrecursos para sua permanência em cada instituição.Em relação à moradia, por conta da ausência de uma políticaestadual neste sentido, cada universidade apresenta realidade bemdiversa. Este exemplo pode ser usado para percebermos as diferençaslocais: 1) em Maringá, alguns estudantes moram em uma casa quepertence à ONG Associação Indigenista (Assindi); 114 2) em Londrina,alguns estudantes conseguiram vaga na Moradia Estudantil; 3)na Unespar, Unicentro, Unioeste e Uepg não há qualquer iniciativaneste sentido; 4) na UFPR as despesas com moradia estão previstasna bolsa concedida pela Funai; 5) em Guarapuava (Unicentro) e <strong>no</strong>campus de Cornélio Procópio (Unespar) devido à proximidade dasTerras Indígenas alguns deles residem nas aldeias. Excetuando-se aUFPR nenhuma outra universidade do Paraná possui uma políticapara a moradia dos indígenas. 115Em relação à institucionalização de políticas de permanência emcada universidade, percebe-se que esse processo também se dá demaneira diferente, por estar sujeito a dois fatores: 1) a estrutura burocráticade cada instituição, em que se apresentam níveis diferentesde dificuldade para encontrar (ou abrir) possíveis brechas para a implementaçãode tais políticas; 2) o engajamento (ou à resistência) depessoas: a mudança de um quadro pode mudar todo um contexto,para melhor ou para pior. Percebemos que certas iniciativas só existemgraças ao trabalho árduo de alguns professores, sem nenhum ouquase nenhum apoio institucional.Na UEM, na UFPR e na UEL já existem iniciativas para acompanhamentoacadêmico (oficializados nas duas primeiras) que podemser fundamentais para suprir a carência dos estudantes indígenasquanto à formação básica. Um ponto que merece destaque: o fato dauniversidade estar encarando a suposta “falta de preparo” daquelesque não passam pelo mesmo “funil competitivo” do vestibular tra-114 Segundo Novak (2007), “A Assindi é uma associação não governamental que aprincípio tinha como objetivo abrigar os indígenas que vinham para Maringávender artesanato; atualmente, se preocupa também com a moradia dos estudantesuniversitários indígenas”.115 Existe proposta para que seja reservada uma cota na Moradia Estudantil da UELpara os indígenas (08/2007).Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 297


dicional, uma questão que frequentemente tem sido utilizada comodiscurso contrário às AAs. Podemos perceber que são reais as dificuldadespedagógicas de muitos acadêmicos indígenas e, para nós,é mais coerente que as universidades proponham estratégias parasuprir esta carência. UEM e UFPR ainda têm previstas, oficialmente,possibilidades de trancamento de disciplinas em caso de baixo rendimentopara que se evite a reprovação.Percebe-se que estas universidades têm políticas de permanênciapara indígenas, bem avançadas em comparação às demais do Paraná.Porém percebemos que uma experiência em uma universidade nãopode ser transposta para outra, mesmo entre as estaduais, pois asregulamentações internas não são isonômicas. Cada uma delas temacadêmicos com demandas particulares, além de docentes e gestoresdistintos. Entretanto, foi observado que a aprovação de políticasmais sólidas em uma determinada instituição abre precedente paraque elas sejam implantadas também em outras. Apesar dos avanços,fica evidente que a oferta de condições de permanência aindacaminha a passos lentos. Mas ressaltamos que, com a presença dosestudantes indígenas, as “rachaduras” na “excelência” universitáriamaterializam-se e, em algum nível, causam certo desconforto. O viéselitista, eurocêntrico e mo<strong>no</strong>lítico da universidade pública brasileira,frequentemente “jogado para debaixo do tapete”, está à mostra coma presença destes estudantes. Não sabemos se está em xeque.É <strong>no</strong>tória a forte ligação destes acadêmicos com a terra, comsuas famílias e também com suas culturas. Percebemos que esta foiuma das principais problemáticas expostas em relação á permanência:o quanto é difícil para o indígena, já com família constituída emgrande parte dos casos, desvincular-se da terra e de seus próximos.Este fato coloca a urgência de serem criados campi universitáriosfora dos centros urba<strong>no</strong>s. Além disso, as restrições financeiras (principalmente<strong>no</strong> caso das estaduais) torna quase impossível à famíliaacompanhar o estudante, o que é muitas vezes o determinante paraque ele desista.Existem alguns critérios de “contrapartida” das bolsas destinadasaos estudantes indígenas expostas <strong>no</strong> Quadro IV que tornamainda mais difícil uma trajetória de permanência na universidade.Paira sobre estas exigências (principalmente as da Funai, vide Por-298 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


taria 63) o controle e a punição, desconectados do perfil dos estudantesindígenas e de suas dificuldades durante o curso. Quem asredigiu e promulgou tem <strong>no</strong>tório desconhecimento sobre o assunto.Não queremos aqui sugerir que os estudantes indígenas não devamser submetidos a regras (relacionadas a rendimento e frequência,principalmente). Só pontuamos que se o acesso é diferenciado, pelasmesmas razões as “cobranças” sobre eles também precisam ser.Num esforço de síntese podemos dizer, em linhas gerais, que apermanência do indígena na universidade está submetida a três viéses:1) o do privilégio (está sendo beneficiado, então tem que fazerpor merecer), o da invisibilidade (simplesmente não é visto, sendosubmetido a padrões já consolidados) e, em me<strong>no</strong>r grau, o do preconceito(as infelizes imagens que se têm dos índios: preguiçoso, festeiro,silvícola...). Consideramos que se deva priorizar a capacitação dosquadros universitários, <strong>no</strong>s quais se discuta acerca do que se pensahoje do índio brasileiro, <strong>no</strong> intuito de depurar informações errôneasque trazemos de uma má formação escolar sobre a história dessespovos. Acreditamos nesta ação como fundamental para que o acessode estudantes possa ser visto enquanto garantia de direitos a povosque sempre estiveram à margem, tanto da universidade, quanto doEstado brasileiro. Esta capacitação não dará conta de alguns casosde má-fé que, para nós, devem ser tratados nas instâncias jurídicas.Perspectivas e algumas considerações finaisAinda não há número significativo de indígenas graduados <strong>no</strong> Paranáapós a promulgação da Lei 13.134/2001. Além de ser uma experiênciarecente, temos que considerar as dificuldades materiais, entreoutras, vividas pela maioria dos estudantes indígenas <strong>no</strong> decorrerdos seus cursos, o que posterga, em grande parte, a sua graduação.Desta forma, não temos elementos para uma análise detalhada sobreo desti<strong>no</strong> dos concluintes, mas registramos, indicativamente, comoestão se forjando as pretensões de trabalho e as suas possibilidades.Está presente entre acadêmicos e professores do Paraná a ideiade que o índio está na universidade em função de compromisso comos projetos voltados para as suas coletividades, por isso continuará,quando sair dela, em sua vida profissional, seguindo na mesma direção.Por isso, esta política de acesso a indígenas nas universidadesAções afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 299


poderá representar uma possibilidade de formação de quadros paraa construção de suas respectivas auto<strong>no</strong>mias, o que para nós ainda éuma incógnita. Não temos elementos para garantir que este vínculocom os saberes universitários de fato reforçará a auto<strong>no</strong>mia dos povos,podendo quem sabe ser mais um elemento desagregador.Fazemos agora um apanhado geral de citações de diferentes estudantesmostrando o que pensam sobre seu futuro profissional:Eu [quando concluir] vou voltar pra lá [para a aldeia e vou tentarfazer alguma coisa, como uma especialização em odontopediatriapara trabalhar lá mesmo. Qualquer índio que se forma, se não temalgum indígena que vá se formar naquela profissão, a prioridadeé do índio e lá tem três dentistas brancos, nas três aldeias, todosbrancos. Não tem nenhum índio fazendo Odonto na minha aldeia,só eu e mais um, e tem sim a possibilidade de entrar. A liderança dáprioridade. Tem um professor branco de História, mas se se formarum índio em História, ele vai ocupar o lugar dele [do branco], é tipoum incentivo para que o índio se forme e possa trabalhar. (citação 1)Eu pretendo trabalhar na Funasa porque lá [na minha aldeia] tem acasa do índio, onde tem índios doentes. Tem nutricionistas lá, porenquanto são não índios, porque não tem índio formado ainda lá.Eu quero ir para lá para trabalhar e fazer projetos para a minhaaldeia. Eu não sei se por ser índio eu teria preferência, talvez sim,talvez não, depende da burocracia, porque [os cargos] são vinculadosà prefeitura. Não sei como funciona. (citação 2)Eu gostaria de trabalhar em alguma aldeia, fazer algum concurso.Abrir consultório mesmo é difícil. [...] Tem um monte de dentistas nãoíndios na aldeia. [...] Eu acho que eu teria a preferência. (citação 3)Você acha que vai ser como? Ser médico hoje em dia em uma sociedadebranca não é fácil. Tem clínica de Medicina aí que é umtelhadinho em cima de uma casinha e pronto... Não tem espaçopra médico que já não tenha uma família médica. Além disso, nãotenho o ideal de ficar em uma clínica, não é isso... No momentoque disserem que eu não vou mais poder trabalhar com os índios,eu desisto do curso. Na aldeia tem que disputar com o branco (por300 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


empregos). Pra qualquer coisa, pra você ter uma ideia, teve umaguerra na Terra Indígena do Ligeiro por conta de merendeira, porqueas merendeiras brancas não queriam tratar os alu<strong>no</strong>s direito,mas também não queriam sair de lá. Imagina um médico! Comovocê vai tirar um médico (branco) de uma área indígena pra botarum índio? (citação 4)Na <strong>no</strong>ssa Terra Indígena as professoras são brancas, não tem professorasíndias ainda, por isso decidi fazer Pedagogia [...]. Eu pretendoretornar para a aldeia. Mas eu tenho um irmão (alu<strong>no</strong> deCiências Sociais) que acha que dentro da reserva não vai servir praele. Ele acha que não vai ter muita serventia lá dentro. Da <strong>no</strong>ssaTerra Indígena tem alunas de Enfermagem, de Medicina, mas eunão sei se elas têm o mesmo desejo [o de retornar]. (citação 5)Nós temos terras férteis que talvez não estejam sendo bem utilizadase eu pretendo ajudar, introduzindo um conhecimento técnicodentro da aldeia fazendo com que eles consigam produzir mais semdependerem de ninguém. Lá eles têm assistência técnica fora daaldeia. Fiz estágio com eles, são inteligentes, mas chegam lá, só dãoa receita e vão embora. Eles não ficam lá todo dia vendo o que estáacontecendo. O intuito deles é ganhar. Se eu não estiver ganhandorios de dinheiro, mas estiver dentro da aldeia, aí pra mim vai sermelhor. Ganhando bem ou não, o meu objetivo é trabalhar comindígenas. (citação 6)Acho que meu curso tem muita utilidade para os povos indígenas,que não têm muito atendimento odontológico. Está começando amelhorar, e eu quero fazer parte desta melhora. Na minha aldeiatem muita gente que nunca foi a um dentista. Fui para o Amazonaspela Funasa, na aldeia dos Mura, e fiquei com muita vontade depassar em um concurso da Funasa e ir pra Amazônia; foi muitoimportante isso pra mim. (citação 7)Eu pretendo trabalhar em reserva indígena, independente de ser na minhaou em outra. Eu acho que consigo emprego, talvez, eles não vão medeixar de lado, contratar um branco e me deixar de lado. Eu acho quedeve ser assim, a comunidade dar valor ao próprio índio. (citação 8)Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 301


Trabalhar na comunidade eu não sei, porque não estou em umaárea propícia para isso. Mas eu penso assim: eu vou ficar disponívelpara quando precisarem da ajuda de algum conhecimento. Osindígenas na verdade estão com problemas: ou na justiça, ou composseiros, grileiros, com o gover<strong>no</strong>, sempre tem um problema. Euacho que o jornalismo abre a mente pra gente poder ler, entendere escrever bem, e poder interpretar, informar os colegas, porquequem está na reserva é difícil ter um conhecimento aprofundadosobre a situação. E a gente tendo conhecimento é mais fácil, vocêse inteirar de um assunto e passar uma contribuição pra eles. Eupenso em ajudar, <strong>no</strong> vestibular para indígenas, na redação, incentivaros alu<strong>no</strong>s a ler, a escrever e passar pra eles as informações decomo escrever bem. A dificuldade que eu tive na redação acreditoque outros vão ter. (citação 9)Eu gostaria de ser promotor, por um interesse meu mesmo. Quandoentrei, [esta escolha] não tinha relação com os povos indígenas;hoje eu não sei, acho que ainda não. (citação 10)Eu acho que não consigo emprego na minha reserva. A maioria queestá lá trabalha na Funai. [...] Eu quero sair capacitada para trabalharcom índios e não-índios, igual a todo mundo. Não é porque eusou indígena que eu não tenho que sair qualificada. [...] O pessoalda Funai tem medo de quando a gente se formar tomar o lugardeles. As lideranças podem exercer alguma pressão [para empregaros indígenas], mas são subordinados. A Funai tem esse poder, masacho que não faz. (citação 11)Eu tenho desconfiança deste voltar [para a aldeia]. Você tentar envolvertodos é complicado. Mas para ser sincero, poucos voltarão.Essa militância tem que estar <strong>no</strong> sangue, tem que ter espírito. Estagarantia [de emprego] é uma incógnita. Não tem como você garantirum médico, garantir um advogado, impossível ter esta perspectivaem longo prazo. E ocorrerão disputas entre os próprios índios.(citação 12)Eu não gostaria que os que não moram na aldeia fizessem o VestibularIndígena, porque eles estão aqui por interesse próprio, não para302 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


ajudar a comunidade. Eu estou na área das humanas para resgatara cultura, as tradições, que estão perdendo bastante. Acho que <strong>no</strong>futuro eu vou trabalhar com os jovens para ajudar a conciliar asduas coisas: manter a cultura deles, vivendo na do branco. Pretendotrabalhar com projetos para a aldeia, na escola. (citação 13)Considerando a frequência de citações relativas ao “retor<strong>no</strong> àcomunidade”, podemos inferir que o assunto está definitivamentena pauta. Porém, é perceptível que, além de um provável compromissopolítico com o povo, os estudantes têm nesta perspectiva davolta uma expectativa de colocação mais concreta <strong>no</strong> mercado detrabalho. O voltar para a aldeia parece estar mais relacionado a umapossibilidade de emprego do que a um planejamento coletivo, o quemerece atenção, principalmente dos setores do movimento indígenaorganizado. Estar planejando voltar não indica necessariamente engajamentonas demandas indígenas, e isso precisa ser considerado.Observamos (em reunião com os caciques) que esta suposta auto<strong>no</strong>miapara decidir quem ocupará os cargos é muito relativa, como jáfoi apontado nas citações 2, 4, 11 e 12. Os próprios caciques disseramque muitas vezes não têm poder de decidir quem ocupará umcargo, graças a interferências políticas de todas as ordens, principalmentedas prefeituras locais. 116Configura-se outro tipo de requisição que destacamos: além dapossível cobrança dos caciques para que os estudantes voltem, háuma cobrança vinda dos próprios estudantes para que, depois deformados, sejam empregados. Podemos observar, nas citações 1, 2,3, 5, 6 e 13 que os estudantes cogitam o apoio das lideranças, ou atétêm a certeza de que os caciques conseguirão garantir seu emprego.Porém, cabe lembrar que em tempos de desemprego estrutural a empregabilidadedos indígenas também não será fácil. Esta se mostrouuma preocupação de algumas lideranças, descritas abaixo:Os caciques sofrem; hoje é muito difícil. Às vezes prometemos quequando se formar vai trabalhar lá, mas às vezes depende do muni-116 Os contratos da Funasa relacionados à contratação de agentes de saúde indígena,médicos, enfermeiros, dentistas são intermediados pelas prefeituras dos municípiosonde se localizam as Terras Indígenas.Ações afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 303


cípio, mas muda, entra outro, aí não concede, e quem fica mal sãoos caciques por conta da troca de um prefeito. Os alu<strong>no</strong>s cobrammuito. (Liderança da TI Rio das Cobras)Isso depende de um diálogo do cacique com a comunidade, dependemuito. Mas na minha visão acho que deveria, mas como vocêdisse, estas questões dependem de políticas internas. Um índio fora[da aldeia] claro que vai perder, é lógico! Mas na reserva não deveriaser assim. (Liderança da Terra Indígena Barão de Antonina)Isso varia muito [se o cacique consegue ou não empregar o índio formado].Lá, a minha preferência é o emprego para o índio. Branco éa segunda instância. Se você apostou e viu que vai dar problema, aítem que mandar embora [...]. Os caciques têm que ter certo jogo decintura para ter o aval pra essas coisas. Há um depósito de confiançaem nós muito grande. (Cacique da Terra Indígena Laranjinha)Na minha aldeia teve uma formada que foi embora porque não teveserviço, mas tem lá dois não índios trabalhando (na mesma profissão).(Liderança da Terra Indígena Barão de Antonina)Desta forma, podemos perceber que as políticas de acesso de indígenasao ensi<strong>no</strong> superior (lembramos a proposta “agregadora” dospovos) podem gerar tensões se as expectativas dos estudantes e daslideranças (fomentadas pela Funai, pelo movimento indígena e, decerta forma, pela universidade) não forem correspondidas. É precisopensar na responsabilidade das “promessas” que têm sido feitas deforma velada. No Paraná hoje não parecem existir condições reaispara cumpri-las. A volta dos recém-formados para seus povos dependede políticas que permitam esse acesso. As expectativas de empregabilidadeda maioria dos futuros graduados estão na esfera pública,Funai, Funasa e escolas. 117 Como mostram os depoimentos abaixoos caciques, ao que tudo indica, também anseiam por estas garantiasde emprego e têm expectativas quanto à presença dos estudantes nasuniversidades:117 Essa expectativa fica clara nas citações dos estudantes 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 11 e 13.304 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Somos caciques para orientar a comunidade [...]. Você fala com oestudante para ir estudar, essa vida que levamos não é boa, algunsmatam a aula, incentivamos eles para que saiam daqui [da aldeia] evão pra lá [para a universidade]. Aí vem a consciência do estudante,vivendo <strong>no</strong> meio do branco, vivendo coisas boas e más. (Caciqueda Terra Indígena Pinhalzinho)Lá o povo fica aguardando. Eles mandaram um presente pra mim,como se fosse um agradecimento, porque eu vim pra cá pra estudar,e eu vou voltar pra lá pra poder ajudar eles. [...] Eles perguntamcomo é que eu estou aqui, como se fosse o pai e a mãepreocupados com o filho, eles sabem que cidade grande tem muitaviolência. (Estudante de Nutrição)Embora tais relatos apontem que os caciques aprovam a saídados “seus” jovens das Terras Indígenas para a universidade isto não<strong>no</strong>s pareceu consensual: a permanência de indígenas na universidadeàs vezes é vista com bastante preocupação pelas lideranças. Comopodemos observar a seguir:Os caciques querem ver índio estudando e trabalhando nas aldeias.(Cacique da Terra Indígena Rio das Cobras)Meu maior sentimento na saída da comunidade é a perda da cultura,é a vergonha de falar a língua; na minha reserva os que vãoestudar na escola têm vergonha de falar a língua Kaigang. Só umalerta para que não se perca a cultura: vão para a universidade masnão esqueçam de falar a língua, ser humilde, conversar, da <strong>no</strong>ssamaneira de ser. (Liderança da Terra Indígena Barão de Antonina)A universidade é segura para os índios? [...]. Guaranis são muitotímidos, aí alguns querem se aproveitar; <strong>no</strong> colégio é sofrido,encontram muita dificuldade, às vezes fazem maldade na hora darefeição... (Cacique da Terra Indígena Marrecas)Sobre o “retor<strong>no</strong>” não está claro, nem para os estudantes nempara os próprios caciques, como se organizarão as hierarquias dentrodas aldeias. Foi comum, entre os estudantes, o reconhecimentoAções afirmativas para indígenas <strong>no</strong> Paraná 305


de que a autoridade dos caciques deva ser mantida. Nos termos deum deles:Eu acho que não vai ter conflito [entre estudantes e caciques] porquea cultura da gente coloca o cacique como autoridade maior,então, não tem como eu passar [por cima da opinião dele]. Hojeos caciques escutam muito a gente, respeitam bastante a opiniãodos estudantes; somos chamados sempre para dar opinião. Mas aúltima palavra é deles. (Estudante de Direito)Embora um cacique tenha exposto que isto não é regra:Tem um meu lá que falou que não aceita ninguém mandar, nemcacique. (Cacique da Terra Indígena Pinhalzinho)Portanto, apresenta-se outra questão: além do “retor<strong>no</strong> paraa aldeia” estar sujeito à disponibilidade de vagas, também estarásubmetido ao poder dos faccionalismos inter<strong>no</strong>s das próprias comunidades.Há sinais de que entre alguns estudantes são criadasexpectativas de se tornarem lideranças, confiantes <strong>no</strong> preparo que auniversidade lhes proporcionará e pelo fato de que suas famílias frequentementeocupam posição de destaque nas aldeias. Configura-seum “<strong>no</strong>vo” movimento indígena, <strong>no</strong> qual ainda é difícil avaliar seugrau de comprometimento e consonância com as demandas das aldeias.Não se definiu ainda como será a colocação desses jovens compreparo diferenciado nas estruturas hierárquicas locais, ou seja, oquanto o “saber universitário” se tornará um instrumento de podernessas comunidades.Finalmente, em relação aos “saberes universitários, é preciso reconhecerque a presença dos indígenas não forçou o debate sobreeles. O suposto diálogo intercultural ainda é assistemático e fragmentado.A análise aqui realizada permite indicar que a universidade,enquanto instituição, precisa inaugurar uma discussão maisprofunda sobre a epistemologia e a episteme. Incorporar as contribuiçõesdos povos indígenas de forma não hierarquizada (nem ocultadapelo fetiche) é um ótimo começo para se dar um passo além dacultura eurocêntrica que domina o ensi<strong>no</strong>, a pesquisa e a extensãode <strong>no</strong>ssas IES públicas.306 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Questões ao Subsistema de Saúde Indígena apartir das bolsas para universitários indígenasdo Vigisus/FunasaGuilherme Martins de MacedoO Projeto de Modernização da Vigilância e Controle de Doenças(Vigisus) é um projeto de cooperação técnica internacional cujocoordenador geral está subordinado ao diretor executivo da FundaçãoNacional de Saúde (Funasa). 118 O projeto funciona por meiode um acordo de empréstimo com o Banco Mundial e foi planejadopara três fases de quatro a<strong>no</strong>s cada uma. Dentre as ações do Vigisus,está a concessão, de forma experimental, de 30 bolsas parauniversitários indígenas da área da saúde. As 30 bolsas visam apoiara manutenção de estudantes indígenas durante a sua formação emMedicina, Enfermagem e Odontologia.Este texto situa a ação de financiamento de bolsistas indígenasna especificidade do Subsistema de Saúde Indígena (SSI) e demonstraque, a partir da sua motivação inicial, o financiamento das bolsasvoltadas especificamente para estudantes indígenas faz emergir umasérie de pontos e questionamentos em relação ao futuro do SSI e doscaminhos mais adequados para a superação dos seus desafios. Parafacilitar a compreensão dos rumos possíveis desta ação do Estado, otexto coloca lado a lado o caso do SSI e o do Indian Health Service(IHS), instituição governamental responsável pela atenção da saúdedos índios <strong>no</strong>s Estados Unidos da América (EUA). Dessa forma estabeleceuma comparação entre as expectativas e as possibilidades, em118 Nota do editor: A Funasa é um órgão executivo do Ministério da Saúde. É umadas instituições do gover<strong>no</strong> federal reponsáveis pela promoção da inclusão socialatravés da implementação de ações de saneamento para prevenção e controlede doenças. A Funasa é ainda responsável pela formulação e implementação deações estabelecidas pelo Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental.Ver página da Funasa disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/conheca-a--funasa/competencia/.Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 307


termos de configuração do serviço de atenção à saúde e do financiamentode bolsas para estudantes indígenas. Finalmente, esta ação daFunasa é analisada em relação à expectativa do movimento indígenae à entrada e permanência de índios nas universidades brasileiras.A questão principal que orienta esta análise são os desdobramentosde um projeto governamental-piloto para financiamento debolsas para um segmento específico da população em relação aomodelo vigente do SSI. O Subsistema de Saúde Indígena, é orientadopelo princípio, referenciado na Constituição de 1988, de que ospovos indígenas, porque culturalmente distintos, possuem direito auma atenção à saúde diferenciada. 119 A questão é: que perspectivaso financiamento de bolsas para estudantes pode promover? Destaquestão surge outra: quais são as relações possíveis desta ação coma definição, em construção, do que seja a “atenção básica diferenciadapara indígenas”, conforme o texto da Lei 9.836/99 (art. 19 F,capítulo V) que fornece as bases de orientação do serviço de atençãoprimária à saúde dessas populações:Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade locale as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modeloa ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautarpor uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectosde assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação,meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integraçãoinstitucional. (BRASIL, 1999, Art. 19F)Desde 1999 o Ministério da Saúde (MS) passou a ser o responsável,por meio da Funasa, pela estruturação e gestão de um subsistemade saúde que procura combinar os princípios de universalidade,equidade, integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS), em vigordesde 1992, com as demandas e os quadros epidemiológicos, culturaise políticos específicos dos 215 povos indígenas. 120 Para discutira relação entre uma ação concreta do Vigisus <strong>no</strong> contexto da saúde119 Ver <strong>Brasil</strong> (1988, Título VIII, capítulo VIII) e <strong>Brasil</strong> (1999, Lei 9.836/99), quecria o Subsistema de Saúde Indígena (SSI) e determina seus princípios e seu vínculoao Sistema Único de Saúde (SUS).120 Dados retirados de http://www.funasa.gov.br308 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


indígena, o primeiro passo é a contextualização do financiamentodos bolsistas, previsto <strong>no</strong> Project Appraisal Document, documentoque descreve os indicadores e metas a serem alcançadas na segundafase do Vigisus.O início da responsabilidade da Funasa sobre a saúde dos índiosem 1999 coincide com a Fase I do Vigisus, cujo componente de saúdeindígena visou exatamente apoiar a estruturação do serviço de atençãopor meio de treinamentos, obras e i<strong>no</strong>vações <strong>no</strong> serviço (financiamentode subprojetos em saúde mental indígena, por exemplo). Aexecução da primeira fase foi considerada plenamente satisfatóriapelo Banco Mundial, que empresta à União 50% dos recursos doProjeto. Esta avaliação positiva e o aumento das demandas e responsabilidadesdo SSI, em qualidade e quantidade de ações, foramresponsáveis pela ampliação substancial de recursos destinados àFase II. O planejamento da Fase II foi realizado em 2003-2004 eo projeto iniciou suas atividades <strong>no</strong> final de 2004, com previsão detérmi<strong>no</strong> para final de 2009. Foram criados quatro subcomponentes,três deles visando o aperfeiçoamento e i<strong>no</strong>vações dos serviçosda saúde indígena: 1) fortalecimento da capacidade institucional (doqual o financiamento das bolsas para indígenas faz parte); 2) açõesi<strong>no</strong>vadoras em saúde indígena (dividido em saúde mental, medicinatradicional e vigilância nutricional); 3) iniciativas comunitárias; e 4)saneamento ambiental de remanescentes de quilombos. O primeirosubcomponente, relativo ao fortalecimento da capacidade Institucional,possui ações voltadas para a infraestrutura da saúde indígena(construção de postos de saúde, compra de equipamentos e veículos)a treinamentos das equipes, passando pelo aperfeiçoamento dos modelosde atenção, gestão, financiamento e organização do SSI. Nelefoi incluída, como ação-piloto, o financiamento às 30 bolsas paraestudantes universitários indígenas da área de saúde. 121121 A quantidade de 30 bolsistas foi estipulada <strong>no</strong>s documentos do Acordo de Empréstimoe não possuiu uma referência explicativa. O número reduzido frente àdemanda aponta, hipoteticamente, para um desconhecimento da mesma e, poroutro lado para promover um teste a fim de verificar a capacidade da Funasa emlevar a frente tal i<strong>no</strong>vação.Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 309


Os recursos huma<strong>no</strong>s em saúde indígenaA inserção de atividade específica de financiamento de bolsas esteveorientada por dois princípios: a necessidade de suprir a demandapermanente de mão de obra de profissionais que respondam pelosserviços do Subsistema e a inclusão dos profissionais indígenas comoforça de trabalho <strong>no</strong>s órgãos prestadores de serviço às comunidadesindígenas: os índios deixam de ser apenas usuários dos serviços paraatuar como profissionais qualificados.Desde a década de 1980-90 as populações indígenas, legitimadaspela Constituição de 1988 e sustentadas por um esforço de mobilizaçãopolítica, vêm avançando <strong>no</strong> processo de superação da tutelae pela construção de sua cidadania plena. Tal processo inclui a ampliaçãode seus direitos políticos e sociais, a melhoria de oportunidadesprofissionais e o aumento da participação indígena em órgãosgovernamentais e não governamentais <strong>no</strong> que se refere às políticaspúblicas. 122 Devido às limitações de oportunidades de qualificaçãoprofissional voltadas especificamente para estas populações, o SSIainda absorve um peque<strong>no</strong> número de profissionais indígenas.A base organizacional dos serviços do Subsistema são os DistritosSanitários Especiais Indígenas (DSEIS), instâncias regionais queexecutam as ações de atenção básica de saúde para uma populaçãoadstrita e também realizam a ligação com a rede hospitalar local.Como estratégia para suprir a mão de obra local necessária ao funcionamentodos DSEIS, tanto para o serviço de saúde quanto naárea administrativa, são utilizadas três vias diferentes: o trabalho defuncionários da Funasa, a contratação de profissionais via convêniosentre a Funasa e ONGs e a contratação de profissionais de saúde pormeio das prefeituras locais, com recursos da Secretaria de Atenção àSaúde do Ministério da Saúde para os municípios.Esta estratégia de contratação não conseguiu até o momento proverum número adequado de profissionais para todos os 34 DSEIS dopaís, nem tampouco atuar de forma eficaz <strong>no</strong> problema de rotativi-122 Um exemplo dentro da área da saúde é a formação, como prevista pelo SUS, deconselhos locais e distritais de controle social, com a participação de usuários,gestores e trabalhadores da área. Os indígenas têm expressiva representação naComissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi), órgão consultivo do ConselhoNacional de Saúde.310 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


dade de mão de obra dos profissionais de saúde. A atuação eficientede um médico, enfermeiro, nutricionista ou odontólogo junto à populaçãoindígena depende de aprendizado específico. A rotatividadedesses profissionais deixa o SSI em situação de demanda permanentede profissionais qualificados para o atendimento adequado das populaçõesindígenas. A alta rotatividade de profissionais tem váriascausas: 1) a dificuldade e os desafios do trabalho devido às condiçõeslocais como dispersão das aldeias, falta de infraestrutura e transportee também de equipamentos adequados; 2) a necessidade de perfilprofissional específico para lidar com diversidade cultural dos povosindígenas, perfil esse que não faz parte dos currículos de formaçãodos profissionais de saúde; 3) a dificuldade de fazer com que essesprofissionais residam longe de grandes centros, em municípios muitodiferentes das suas cidades de origem; 4) perda de profissionais quesão transferidos para outros programas, como o Saúde da Família,que oferece bons salários e chances de atuação em centros urba<strong>no</strong>s;e 5) a escassez de profissionais de saúde interessados em atuar <strong>no</strong>interior.A carência de profissionais para atuar <strong>no</strong>s programas e em especial<strong>no</strong> Programa de Saúde Indígena foi uma das justificativas dofinanciamento de bolsas para estudantes universitários indígenas doscursos de saúde. A formação de profissionais indígenas da área desaúde para ocupar postos <strong>no</strong> SSI surgiu como uma possibilidade deminimizar a falta de mão de obra crônica da Saúde Indígena. Emboranão existam garantias formais da permanência de um profissionalindígena <strong>no</strong> Subsistema após completar a sua formação universitária,o programa de bolsas aposta nesta estratégica de engajamentodesses profissionais e de sua absorção pelos Distritos Sanitários dadasàs ligações dos estudantes com seus povos, ou mesmo com umaidentidade genérica de indígenas, em processo de valorização apósa Constituição de 1988. Neste sentido, o financiamento de bolsaspara atuar diretamente <strong>no</strong> fomento da formação de profissionais indígenasvai ao encontro da Política Nacional de Atenção à Saúde dosPovos Indígenas, conforme o item “preparação de recursos huma<strong>no</strong>spara atuação em contexto intercultural”:A capacitação dos recursos huma<strong>no</strong>s para a saúde indígena deveráser priorizada como instrumento fundamental de adequação dasQuestões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 311


ações dos profissionais e serviços de saúde do SUS às especificidadesda atenção à saúde dos povos indígenas e às <strong>no</strong>vas realidadestécnicas, legais, políticas e de organização dos serviços. Deverãoser promovidos cursos de atualização/aperfeiçoamento/especializaçãopara gestores, profissionais de saúde e assessores técnicos(indígenas e não indígenas) das várias instituições que atuam <strong>no</strong>sistema.As instituições de ensi<strong>no</strong> e pesquisa serão estimuladas a produzirconhecimentos e tec<strong>no</strong>logias adequadas para a solução dos problemasde interesse das comunidades e propor programas especiaisque facilitem a inserção de alu<strong>no</strong>s de origem indígena, garantindo--lhes as facilidades necessárias ao entendimento do currículo regular:aulas de português, apoio de assistentes sociais, antropólogos epedagogos, currículos diferenciados e vagas especiais. (FUNASA,2002:18)Por outro lado, é crescente a demanda das populações indígenaspela formação superior em diversas áreas. A formação qualificadapara o enfrentamento das diversas questões colocadas empauta pelos movimentos políticos indígenas abrange não apenas asaúde, mas a educação, o meio ambiente, os direitos indígenas, etc.De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1995 haviacerca de 400 estudantes indígenas <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior. Em 2008o número chegava a aproximadamente 1.400, espalhados por todoo país, em instituições públicas e privadas (FERREIRA, 2006). Diversasuniversidades estruturaram programas específicos de apoioaos estudantes indígenas e a possibilidade de bolsas estudantis aumentou:além das bolsas da Funai, surgiu o Programa <strong>Universidade</strong>para Todos (Prouni), bolsas regionais voltadas para índios e bolsasprovenientes de financiamentos internacionais (alto comissariado daONU e Fundação Ford, para pós-graduação).Uma avaliação preliminar dos dados coletados pelo Vigisus sobrea demanda de financiamento de bolsas para estudantes indígenasda área da saúde em 2006 dá a dimensão desta demanda crescente:312 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


CURSOESTADOQuadro 1. Estudantes indígenas na área da saúdeEnfermagemMedicinaFarmáciaPsicologiaOdontologiaBiomedicinaNutriçãoTotalAlagoas 03 - - 01 - - - 04Amazonas 04 01 04 01 02 - - 12Brasília 01 01 - - - - 01 03Esp Sto 02 - - - - - - 02Mato G. Sul 04 - 02 06 01 04 - 17Pará - 01 - - - - - 01Paraíba 03 - - 02 - - - 05Paraná - 05 - - - - - 05Piauí 04 01 01 - 03 - - 09Rio G. Sul 05 - - 01 - - 06 12São Paulo 04 - - - 04 - - 08Sergipe - - - - 01 - - 01St Catarina - - - - 01 - - 01Tocantins - - - - 02 - - 02Cuba 01 04 05Total 31 13 07 11 14 04 07 87Fonte: Projeto Vigisus II/Funasa 2006. (FERREIRA, 2008:16)O projeto-piloto de 30 bolsas financiadas pelo VigisusOs desafios superados pelo Vigisus para efetivar o financiamentodas 30 bolsas podem ser descritos a partir de algumas questões queorientaram sua implementação:1) Quais seriam os mecanismos institucionais para o pagamento debolsas a estudantes através do projeto Vigisus, vinculado à Funasa,uma instituição sem competência ou tradição de fomento aoensi<strong>no</strong> superior?2) Considerando uma demanda superior à disponibilidade de financiamento,quais seriam os critérios do Vigisus para seleção dosbolsistas?Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 313


3) Que conexões interinstitucionais deveriam ser feitas para sustentaro processo em termos de financiamento e acompanhamentodos estudantes?4) Quais os mecanismos de controle necessários à manutenção dofinanciamento?5) Finalmente, quais os desdobramentos possíveis desta ação dentrodo SSI?As respostas para as questões apresentadas sintetizam os rumosdo financiamento. Os itens 1 e 3 foram resolvidos por meio de acordode cooperação técnica com o Programa das Nações Unidas parao Desenvolvimento (PNUD) que já respondia pelo pagamento de diversasatividades do Projeto. As bolsas passaram a ser pagas peloPNUD que recebe empenhos orçamentários do Projeto por meio dedepósito direto na conta corrente de cada alu<strong>no</strong>. 123 A questão doscritérios de seleção (item 2) foi solucionada pela equipe juntamentecom a parte de acompanhamento dos estudantes do item seguinte(item 3), que trata da necessidade de parcerias interinstitucionais.A seleção de bolsistas é um problema para qualquer instituição,e, <strong>no</strong> caso da Funasa/Vigisus ofereceu um desafio suplementar, jáque não havia como realizar um processo seletivo único para candidatosde diversos cursos e universidades do país. A solução foiadotar os seguintes critérios para organizar a distribuição de bolsasaos estudantes indígenas. As bolsas foram encaminhadas de acordocom demandas das universidades parceiras. Desta maneira, coube acada universidade parceira, e não ao Vigisus selecionar os bolsistas.Foram consideradas universidades parceiras aquelas que possuíamuma estrutura específica de acompanhamento para alu<strong>no</strong>s indígenas.124 Este critério foi adotado por duas razões: o fomento para quea entrada de estudantes indígenas fosse um elemento transformador123 Outra possibilidade de operacionalizar o financiamento, mais complexa, seria autilização de mecanismos de pagamento da Funasa. No entanto, a instituição nãopossui diretrizes que prevejam tal tipo de ação, que difere substancialmente dascompras e convênios realizados.124 Foram considerados estrutura específica de acompanhamento os vestibulares específicospara candidatos indígenas, estrutura de apoio aos estudantes, tutoriapara suprir deficiências na formação educacional, monitoramento do desempenhodos indígenas, estágios direcionados a estes estudantes etc.314 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


da universidade interessada em incluir a diversidade; e a necessidadede utilização da estrutura da universidade para o processo seletivoe de acompanhamento dos bolsistas. 125 Cada universidade recebeuum determinado número de bolsas e foi responsável pelo processoseletivo inter<strong>no</strong> e pela respectiva distribuição dos financiamentos. Àdiferença das demais, a <strong>Universidade</strong> de Brasília (UnB) se utilizou deum convênio preestabelecido com a Funai.Ao final do processo de seleção, a distribuição dos bolsistas foia seguinte:Quadro 2. <strong>Universidade</strong>s parceiras/número de estudantes por cursoNúmero de estudantes por curso<strong>Universidade</strong>sMedicina Enfermagem Odontologia<strong>Universidade</strong> Fed. do Mato Grosso (UFMT) 3 7 -<strong>Universidade</strong> de Brasília (UnB) 2 3 -Univ. Est. do Mato Grosso (Unemat) - 4 -<strong>Universidade</strong> Estadual de Maringá (UEM) 1 4 -<strong>Universidade</strong> Federal de Roraima (UFRR) 2 - -<strong>Universidade</strong> Estadual de Londrina (UEL) 2 - -<strong>Universidade</strong> do Estado do Amazonas (Ueam) 1 - 1Subtotal 11 18 1Total 30Fonte: Dados do subcomponente/Projeto Vigisus II. (FUNASA, 2008).As bolsas foram distribuídas por sete universidades públicas nasregiões Norte, Sul e Centro-Oeste, com ênfase <strong>no</strong> curso de Enfermagem.126 O financiamento iniciou-se em 2006 e como avaliaçãode processo inicial, o Vigisus conseguira, em 2008, atender aos 30estudantes, cumprindo o planejamento inicial.125 Para o detalhamento dos critérios para candidatar-se ao financiamento das bolsasdo Vigisus e do processo de acompanhamento (FERREIRA, 2006).126 A construção de parcerias com universidades públicas não foi um critério preestabelecido.As universidades listadas apresentaram núcleos estruturados dedicadosaos estudantes indígenas e foram, após negociações, selecionadas. Ao longode 2005 até 2008 o Projeto Vigisus recebeu solicitação de bolsas individuais deestudantes de universidades públicas e particulares, que não foram eleitas para financiamentodevido às universidades não contarem com estruturas voltadas paraalu<strong>no</strong>s indígenas.Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 315


Os mecanismos de controle e acompanhamento da evolução acadêmicados bolsistas (item 4) foram pensados a partir da utilizaçãode certos critérios (abando<strong>no</strong>, reprovações contíguas na mesma disciplina,por exemplo) demonstrados por três tipos de documentos:um documento de autoavaliação de cada alu<strong>no</strong>; uma avaliação quea universidade realiza do estudante (com desempenho do alu<strong>no</strong> acada semestre letivo); e o histórico escolar com as <strong>no</strong>tas semestrais.A continuidade ou não do financiamento dependia da análise destaavaliação, recebida pelo Vigisus a cada semestre, de acordo comcritérios previamente estabelecidos e tendo em vista o alcance dosresultados e o cumprimento das expectativas dos órgãos de controledo gover<strong>no</strong> federal. 127Por fim, há a questão do impacto a ser produzido pelas bolsas aestudantes indígenas <strong>no</strong> SSI (item 5), ou, dito em outras palavras, aresposta à pergunta: “o que se quer em termos de mudanças <strong>no</strong> SSIao se financiar bolsas para estudantes indígenas em cursos universitáriosde saúde?”. A resposta passa pela análise de dois temas distintose interligados. O primeiro diz respeito às necessidades de mão deobra voltada para ajudar a resolver o problema crônico da atençãoà saúde indígena. O segundo diz respeito ao papel a ser exercidopor profissionais indígenas de saúde dentro do SSI. Neste sentido,deverão ainda ser estabelecidas as condições de incorporação destesprofissionais e que ações do órgão responsável pela gestão do SSIserão necessárias para o alcance dos objetivos. 128Esta acerca dos rumos que a inserção de profissionais indígenas<strong>no</strong> sistema público de saúde pode tomar ainda não foi realizada naFunasa devido ao sentido ousado desta ação, um projeto de cooperaçãointernacional, em comparação às diversas responsabilidadescotidianas sob a administração dos quadros desta fundação. Por umlado a formação universitária é um direito para todos os cidadãos edeve, portanto, ser cada vez mais inclusiva e acessível para a diversi-127 No início de 2009 os processos contendo os documentos de cada alu<strong>no</strong> foramauditados pela Controladoria Geral da União.128 Menciona-se “órgão responsável pela gestão do SSI” devido ao andamento umprocesso de transferência da responsabilidade sobre o Subsistema de Saúde Indígenada Funasa para uma secretaria específica do Ministério da Saúde, iniciado apartir da elaboração e envio ao Congresso do Projeto de Lei EM Interministerialn. 3.958 de 29 de agosto de 2008.316 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


dade de populações do país. Por outro, o SSI precisa de profissionaisqualificados e comprometidos para poder funcionar adequadamente.Aparentemente, portanto, a ação de apoio a oferta de mão deobra indígena qualificada atende à demanda imediata do serviço desaúde. Porém, deve ser questionado se essa oferta de profissionaisindígenas, formados em a<strong>no</strong>s de educação universitária, e depoisem estágios para qualificar seu conhecimento, está qualificada paraatender a uma das principais diretrizes da Saúde Indígena, a de queo serviço deve ser adaptado às características étnicas das populaçõesatendidas, não apenas de forma a respeitar suas organizações sociais,valores e modos de vida, mas também de modo a melhorar suaefetividade. Para tentar responder à questão, deve-se começar pelosfatores responsáveis pela sua inclusão <strong>no</strong> Projeto Vigisus-Funasa.Embora não exista um argumento explícito na documentaçãodo Projeto, a justificativa da existência do financiamento de bolsasindígenas dentro do Vigisus/Funasa parece estar vinculada a uma<strong>no</strong>ção não explícita de que “a saúde indígena deve ser feita por índios”.Lideranças indígenas que participam de seminários e reuniõessobre saúde reiteradamente têm abordado a questão da falta crônicade mão de obra, sua rotatividade elevada e os problemas de relaçãoentre equipes médicas e seus pacientes, como causados pelo fato dosprofissionais de saúde não serem indígenas. 129 Apesar de não haveraprofundamento nesta questão, a ideia de que as populações indígenasassumam a responsabilidade e engajem-se diretamente <strong>no</strong> provimentodos serviços básicos a que têm direito, como trabalhadorese gestores, ocupando o espaço e as funções exercidas por profissionaisnão indígenas, possui uma considerável carga de legitimidade<strong>no</strong> movimento indígena e se alinha com a ideia de auto<strong>no</strong>mia e deprotagonismo étnico. No mesmo sentido, há o fortalecimento doconsenso na sociedade civil e <strong>no</strong> Estado, do direito à cidadania dosíndios, o que implica o esforço de garantia dos direitos à educação,saúde, moradia, e à identidade diferenciada. No caso do direito àeducação superior, as universidades devem se democratizar ao aco-129 Um exemplo recente foi a manifestação do representante da Coordenação das OrganizaçõesIndígenas da Amazônia <strong>Brasil</strong>eira (Coiab) <strong>no</strong> seminário “Estratégias eDesafios: acesso ao ensi<strong>no</strong> superior para os Povos Indígenas”, Brasília, 27-28 demarço 2008.Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 317


lher e estimular a inclusão da diversidade social e cultural entre seucorpo discente. 130Enquanto a política de inclusão de estudantes indígenas nas universidadessegue seu processo de consolidação legitimado pela ideiade que a educação superior é um direito de todos os cidadãos, o papeldiferencial de profissionais indígenas de saúde na atenção básicadesses povos não possui esta clareza. O direito à saúde previsto naConstituição não significa, necessariamente, direito a atendimentopor profissionais provenientes do mesmo grupo étnico. O direito à“atenção básica diferenciada”, expressão que <strong>no</strong>rteia os documentosoficiais de saúde indígena, pode ou não incluir a diferenciaçãona origem étnica dos profissionais. A questão, nesse caso, seria emque medida profissionais indígenas com formação universitária decursos ancorados <strong>no</strong> conhecimento biomédico ocidental estarãoatuando, quando incorporados ao SSI, de forma “diferenciada”.Esta discussão ainda não teve início, apesar das atividades concretasde formação estarem em curso. Um seminário específico realizadoem 2008 promoveu a troca de experiências entre alu<strong>no</strong>s indígenase universidades parceiras. 131 Falta ainda uma reflexão aprofundadade como os profissionais indígenas formados em universidades vãoatuar <strong>no</strong> SSI.A expectativa de que a saúde indígena deve ser assumida poríndios é significativamente próxima ao modelo de atenção à saúdeindígena implantado <strong>no</strong>s Estados Unidos. No próximo item seráfeita uma breve descrição da estrutura de organização e formaçãode mão de obra do Indian Health Service, a já citada instituiçãogovernamental responsável pela atenção da saúde dos índios <strong>no</strong>rte--america<strong>no</strong>s.130 A esse respeito, por exemplo, ver o documento do Observatório Lati<strong>no</strong>-America<strong>no</strong>de Políticas Educacionais (Olped/LPP) sobre o Programa de Diversidade na<strong>Universidade</strong> (PDU).131 O seminário “Estratégias e Desafios: Acesso ao ensi<strong>no</strong> superior para os PovosIndígenas”, (Brasília, 27-28 de março 2008), mencionado na <strong>no</strong>ta 11, realizou umbalanço das universidades e estudantes em relação ao financiamento das bolsaspara estudantes de saúde.318 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


A atuação de profissionais indígenas <strong>no</strong> Indian Health Service/EUA e o programa de bolsas para a formação profissionaluniversitáriaO Indian Health Service (IHS) foi instituído <strong>no</strong>s Estados Unidos em1955 com a responsabilidade de atender a serviços básicos de saúdedos indígenas <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s, anteriormente a cargo do Bureau ofIndian Affairs. O Bureau é uma entidade federal altamente descentralizadaque responde pela atenção à saúde dos índios e nativos do Alaskae cujos serviços foram crescendo em diversidade e complexidade.Nos Estados Unidos a saúde indígena é de responsabilidade dogover<strong>no</strong> federal. Esta responsabilidade, contrária à diretriz liberalque <strong>no</strong>rteia o sistema de saúde privado dos Estados Unidos, é explicadahistoricamente por meio de uma série de tratados firmados entreos gover<strong>no</strong>s com as populações autóctones da América do Norte,em um processo de negociação de compensações e deveres do Estadoem relação aos nativos <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s que foram deslocados parareservas. Devido a esse processo histórico de negociação e de acordospara pacificação de conflitos durante o século XIX e início doXX, as populações indígenas dos Estados Unidos têm um alto graude auto<strong>no</strong>mia perante o Estado Nacional, o que se reflete em um tipode relação entre “nações”, para usar a expressão dos próprios <strong>no</strong>rte--america<strong>no</strong>s. 132No caso dos serviços de saúde, esta auto<strong>no</strong>mia está afirmadanuma estrutura própria de equipes, clínicas e hospitais na qual amão de obra contratada é preferencialmente indígena. Os objetivosfirmados pelo IHS garantem o provimento de serviços de saúde de132 O final da década de 1960 e o início da década de 1970 marcaram uma reviravoltana política <strong>no</strong>rte-americana em relação às populações indígenas. Anteriormentehouve uma política de Estado claramente direcionada para a neutralização dasidentidades próprias das populações indígenas, conhecida popularmente comoTermination. Uma série de atos legais “emancipavam” (para usar uma categoriajá conhecida <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>) as populações indígenas frente às obrigações especiais dogover<strong>no</strong> federal sob o argumento de conquista da cidadania plena, com os mesmosdireitos e deveres dos demais cidadãos. Isto causou a exclusão de indígenasfrente aos serviços de saúde e de educação específicos. Após grande mobilizaçãodas populações indígenas, a política de Termination foi substituída por uma diretrizoposta, que reafirmou as diferenças culturais e o direito à autodeterminação,com a retomada dos direitos das nações indígenas “emancipadas”, garantidospelas instituições estatais sob acordos previamente firmados.Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 319


prevenção, cura e reabilitação, incluindo acesso à medicina especializada.Garantem também apoio à formação de mão de obra indígena,por meio de bolsas, para as diversas funções necessárias ao sistema.Ou seja, a atenção à saúde indígena <strong>no</strong>s Estados Unidos é organizadaem um sistema de atendimento médico e hospitalar gerenciado eoperado preferencialmente por índios que devem deter a autoridadesobre as unidades de saúde e sobre a organização dos serviços. Osserviços não fornecidos diretamente pelo IHS são terceirizados pormeio de recursos assegurados <strong>no</strong> orçamento federal.Devido ao tipo de diretriz estabelecida na relação entre o gover<strong>no</strong><strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> e os povos indígenas daquele país e à <strong>no</strong>ção deauto<strong>no</strong>mia que orienta a relação entre ambas as partes, os índiospodem (e são estimulados a isso) a assumir o gerenciamento e osserviços das unidades e sistemas locais de saúde. Claro está que esseé um processo em andamento. Dados de 1986 descrevem a situaçãodo quantitativo de unidades de saúde do sistema e da gerência indígena:dos 51 hospitais dedicados à população indígena, seis eramgerenciados pelas nações indígenas; das sete escolas de formação deprofissionais de saúde, uma era gerenciada por elas; dos 127 centrosde saúde, 62 eram gerenciados pelas nações indígenas (RHOADRESet al., 1987).O processo de empoderamento das tribos <strong>no</strong>rte-americanas estábaseado <strong>no</strong> estímulo à participação indígena das agências governamentaisque prestam serviços de saúde e educação e de negociaçãode contratos para os serviços educacionais e sociais voltados entreas nações indígenas e o Bureau of Indian Affairs. De acordo comessa diretriz de autodeterminação indígena, o gover<strong>no</strong> dos EstadosUnidos atua ostensivamente para que as nações indígenas assumamgradativamente a responsabilidade e a direção sobre os serviços prestadosàs mesmas. Neste sentido, o IHS dá preferência (juridicamenterespaldada) à contratação de profissionais indígenas em relação aosnão indígenas. O documento que <strong>no</strong>rteia esta ação, chamado IndianPreference, traz explicitamente não apenas o direcionamento para acontratação de indígenas como também sua articulação com o programade bolsas <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>:O Indian Health Service está obrigado por lei a prover preferênciaabsoluta aos indígenas america<strong>no</strong>s/nativos do Alaska que estão320 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


alistados em tribos reconhecidas pela federação <strong>no</strong>s termos definidospela Secretary of the Interior (…)Em todas as ações de recrutamento, será dada prioridade aos requerentescom direitos de preferência por serem indígenas e que tiveremsubmetido o BIA-4432 devidamente preenchido e assinado. (…)Quando houver uma ação de recrutamento de candidatos indígenasqualificados, os candidatos não indígenas não serão considerados.O Indian Health Service também possui o Public Law 94-437,um Programa de Aprendizado (Scholarship Program) <strong>no</strong> qual édada preferência absoluta aos beneficiários do Programa 437. 133(UNITED STATES OF AMERICA-IHS, s/d:1) 134De acordo com informações do próprio IHS, em 2007, 71% dosprofissionais contratados (em todos os níveis) pela instituição eramindígenas. 135 Para candidatar-se o requerente deve demonstrar suainclusão <strong>no</strong>s critérios preestabelecidos: ser considerado índio e seraprovado <strong>no</strong> processo de seleção. O incentivo de contratação de profissionaisde saúde e de administração indígenas para IHS é complementadopelo fomento à formação de quadros profissionais indígenas<strong>no</strong> serviço de atenção à saúde. Para tanto, o IHS desenvolveu umprograma de bolsas voltado para estudantes indígenas em saúde <strong>no</strong>sseus diversos níveis (técnicos e universitários). A legislação específica133 Nota do editor: o programa de bolsas do IHS dá prioridade absoluta aos indígenasqualificados como beneficiários potenciais pela lei de<strong>no</strong>minada Public Law94-437. O Public Law 94-437 é o chamado “Ato de Aperfeiçoamento da Atençãoà Saúde Indígena” que regula a implementação da responsabilidade federal <strong>no</strong>rte--americana quanto a educação dos povos indígenas, aperfeiçoando os serviçose equipamentos do Serviço Federal de Saúde Indígena. Sobre o PL 94-437 ver:http://1.usa.gov/18fIB8U134 “The Indian Health Service is required by law to provide absolute preferenceto American Indians/Alaska Natives who are enrolled in a federally recognizedtribe as defined by the Secretary of the Interior. (…) In all recruit actions, preferencewill be granted to the applicant entitled to Indian Preference who has submitteda properly completed and signed BIA-4432. (…) When there is a recruitaction with qualified Indian candidates, <strong>no</strong>n-Indian candidates’ applications are<strong>no</strong>t considered. In the Indian Health Service there is also the Public Law 94-437 Scholarship Program where absolute preference is granted to qualified 437Scholarship Recipients.” (UNITED STATES OF AMERICA-IHS, s.d.:1)135 Ver: http://bit.ly/16LADWy e http://1.usa.gov/19kcS71Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 321


que trata da Saúde Indígena apresenta claramente os objetivos doprograma:… aumentar o número de índios nas profissões da área de saúdee assegurar e equilibrar o provimento de profissionais [indígenas]de saúde para o Service, para as tribos indígenas, as organizaçõestribais, e para as organizações indígenas urbanas envolvidas <strong>no</strong>provimento da atenção sanitária aos povos indígenas (UNITEDSTATES OF AMERICA-IHS, 1976: 104) 136As bolsas são distribuídas em diversos níveis, desde técnicos até após-graduação. Alguns exemplos da diversidade de cursos de formaçãoprofissional financiados são: Odontologia, Educação em Saúde,Auxiliar de Enfermagem, Medicina, Nutrição, Aconselhamento emDependência Química, Farmácia, Técnico em Radiologia, Técnicoem Ultrasso<strong>no</strong>grafia, Administração Hospitalar, Fisioterapia (nassuas especializações), Contabilidade e Serviço Social. Portanto, asbolsas visam à formação de quadros relacionados às demandas detodo o sistema <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> de saúde indígena, não se restringindoapenas às profissões da área da saúde.No período entre 1978, a<strong>no</strong> de início dos financiamentos, até1996, mais de quatro mil estudantes indígenas obtiveram bolsaspor meio do programa de bolsas do Indian Health Service. Deve serressaltado que os estudantes universitários indígenas que recebemfinanciamento ficam comprometidos a realizar serviço obrigatóriode dois a quatro a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> sistema de saúde indígena <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>,como forma de retribuição pelo financiamento da bolsa. Esteserviço pode ser realizado tanto dentro do IHS como em entidadescontratadas para atendimento à população indígena e até mesmona forma de atendimentos particulares em comunidades indígenas(EVERLING, 1997).Resumindo, é possível representar o sentido e a organização damão de obra do sistema de saúde indígena <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> de acordocom o seguinte esquema:136 “…to increase the number of Indians entering the health professions and to assureand equate supply of [Indian] health professionals to the Service, Indian tribes,tribal organizations, and urban Indian organizations involved in the provision ofhealth care to Indian people” (UNITED STATES OF AMERICA-IHS, 1976: 104)322 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Autodeterminação(decisão sobre recursos, gerenciamento deunidades de saúde, organização do serviço deatenção, pactuação com o gover<strong>no</strong>)Preferência na contrataçãode mão de obra indígenapara o sistema de saúde.Bolsas específicaspara estudantes indígenaspara ocupar o sistema.O modelo de saúde indígena <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> é fortemente orientadopela diretriz de autodeterminação, entendida em parte comocontrole crescente de recursos (incluídos os recursos huma<strong>no</strong>s) pelapopulação de usuários que se envolve <strong>no</strong> provimento de serviços,administração e recebe incentivos de formação educacional voltadospara o sistema. Não apenas o nível profissional mas o de tomadade decisões (incluindo as negociações para compra de serviços e aadministração de unidades de saúde) que está, cada vez mais, sob aresponsabilidade das próprias populações.A qualidade do desempenho do IHS e dos sistemas locais deatendimento não é uma unanimidade e recebe críticas das própriaspopulações. 137 Para nós chama a atenção que a diretriz de autodeterminaçãonão inclua <strong>no</strong> atendimento à saúde indígena, a valorizaçãoda diferenciação cultural como marca orientadora da qualidade daatenção à saúde, critério fundamental na política de Saúde Indígena<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Ou seja, o sistema de saúde indígena <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>está baseado <strong>no</strong> pressuposto de que os serviços e sua administraçãodevem ser realizados preferencialmente por membros das própriasnações indígenas, o que não quer dizer que haja uma “indianização”da atenção à saúde. O serviço prestado às comunidades indígenaspelos profissionais indígenas não inclui qualquer adaptação culturalque considere a necessidade de diálogo entre sistemas, concepções eorientações, apesar de tratar-se de ação específica voltada para po-137 O endereço http://www.indianz.com é um exemplo de página indígena não governamentalcom uma postura crítica em relação à qualidade dos serviços desaúde oferecidos pelo IHS.Questões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 323


vos diferenciados etnicamente. Mesmo a formação dos profissionais(apoiados pelo sistema de bolsas) não incluiu conteúdo específicopara atuar junto à usuários diferenciados.Apesar do sistema oficial de saúde ser preenchido por profissionaisindígenas as práticas medicinais tradicionais de cada etniaexistem em paralelo ao sistema oficial, parecendo não haver umaarticulação entre elas. Não foi encontrada nenhuma orientação ouestudo oficial sobre os fatores culturais cuja inclusão <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>dos profissionais do IHS que pudesse melhorar a eficiência e efetividadedo serviço. É provável que a configuração do sistema de saúde<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> (privado com a exceção das nações indígenas e dasforças armadas), somada à <strong>no</strong>ção de autodeterminação vigente naquelepaís, possam explicar a ausência de um esforço <strong>no</strong> sentido dese pensar soluções que incluam a relação entre as concepções étnicasde saúde, corpo e doença e o serviço de atenção à saúde oferecido.Não é o objetivo deste texto, explicar as origens deste modelo. Noentanto, a peculiaridade da trajetória da saúde indígena <strong>no</strong>rte-americanadeve ser salientada: o avanço na estruturação da mão de obraespecializada para os serviços de saúde passa pelo apoio na formaçãode profissionais indígenas por meio de um extenso e variadoprograma de bolsas. Esse avanço não significa que a organização deserviços (que ultrapassam a atenção básica) se proponha a articularcom as concepções indígenas para aumentar sua eficiência.Em uma visão superficial do desenho e desenvolvimento da suaestrutura, o Indian Health Service seria um modelo para as expectativasde lideranças e estudantes indígenas brasileiros, com seu investimentona formação superior e posterior inserção dos profissionais<strong>no</strong> serviço de saúde. No entanto, cabe perguntar se o preenchimentode quadros do sistema de saúde indígena por índios formados <strong>no</strong>scursos técnicos e universitários seria a meta adequada para as dificuldadesenfrentadas pelo SSI.A atenção básica “diferenciada”O SSI entrou em funcionamento em 1999 com a difícil missão demelhorar a qualidade do serviço de atenção básica a partir da mudançado modelo anterior, operado pela Funai, ainda baseado emequipes volantes que visitavam as aldeias, aplicavam vacinas, faziam324 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


atendimentos simples e removiam doentes. A proposta do modeloatual, de Vigilância em Saúde, é estender a rede de serviços para asaldeias de forma permanente, com atuação ampliada de promoção,prevenção, tratamento e acompanhamento <strong>no</strong> retor<strong>no</strong> do doente internadoà aldeia. As equipes de saúde passam a ser multidisciplinares.Seus membros vão desde o médico, responsável pelos diagnósticosmais complexos e encaminhamentos para exames laboratoriais,passando por enfermeiros, odontólogos, auxiliares que permanecemem tur<strong>no</strong>s <strong>no</strong>s postos localizados nas aldeias, até agentes indígenasde saúde, que realizam as ações de prevenção, controle dos tratamentosrealizados in loco, e são o primeiro contato dos usuários como serviço oficial. Além da diretriz de organização altamente capilarizada,prevalece o consenso de que, após 10 a<strong>no</strong>s de vigência do SSIainda carece de definição específica: a saúde indígena “diferenciada”.Conforme já visto, essa <strong>no</strong>ção vem da interpretação dos artigos231 e 232 da Constituição Federal, que por sua vez tem alinhamentocom a Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT),ratificada pelo <strong>Brasil</strong> em 2004.O princípio do direito à diferença que as populações indígenaspossuem está presente <strong>no</strong> caso da Saúde, constituindo um direitoabsorvido na elaboração do SSI. O documento que <strong>no</strong>rteia a atuaçãodo SSI apresenta a questão de forma ampla, sem deixar de ressaltarsua importância, justamente quando fala da fundamentação do Subsistema:O propósito desta política é garantir aos povos indígenas o acessoà atenção integral à saúde, de acordo com os princípios e diretrizesdo Sistema Único de Saúde, contemplando a diversidade social,cultural, geográfica, histórica e política de modo a favorecer a superaçãodos fatores que tornam essa população mais vulnerável aosagravos à saúde de maior magnitude e transcendência entre os brasileiros,reconhecendo a eficácia de sua medicina e o direito dessespovos à sua cultura. (FUNASA, 2002: 15) (grifo meu)Ao discorrer sobre a configuração do SSI, a Política Nacional deAtenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) ressalta a base doentendimento do que seja uma “atenção diferenciada”, como é naturalpara um documento orientador de uma política pública. EssaQuestões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 325


abordagem acontece em três momentos distintos. São eles: 1) a seçãoque define o Distrito Sanitário Especial Indígena e sua organização;2) a que fala da “preparação de recursos huma<strong>no</strong>s para a atuaçãoem contexto intercultural”; e 3) a seção que trata da “articulação dossistemas tradicionais de saúde” 138 (FUNASA, 2002: 13-16).Quando aborda a organização do Distrito Sanitário, a PNAS-PI trata de uma das bases que possibilitam a estruturação de umserviço diferenciado de saúde: a organização dos DSEIs, unidadesde autoridade sanitária com um território e uma população delimitados.O texto, considerando as diferenças culturais, geográficase epidemiológicas de cada DSEI <strong>no</strong> território brasileiro, indica quecada Distrito possui sua própria estratégia de atuação, adaptada àsnecessidades locais: “Cada Distrito organizará uma rede de serviçosde atenção básica de saúde dentro das áreas indígenas, integrada ehierarquizada com complexidade crescente e articulada com a rededo Sistema Único de Saúde”. (FUNASA, 2002: 16)A auto<strong>no</strong>mia para montar a rede de serviços de acordo com asdemandas e condições de cada Distrito Sanitário abre a possibilidadepara um manejo de recursos especificamente organizados para aspopulações adstritas. No entanto, e esta é uma das característicase dos desafios do SSI, apesar de ser diferenciada <strong>no</strong> nível local porqueadaptada às diversas condições de vida das populações, a SaúdeIndígena pertence e é orientada pelas diretrizes do SUS, que nãocontempla, em sua estrutura, diversidades tão profundas quanto àscircunstâncias que envolvem as populações indígenas do país.No caso dos recursos huma<strong>no</strong>s, o SSI adota como estratégia deinterligação entre o serviço e o usuário a figura do agente indígenade saúde, que deve fazer a relação entre os conhecimentos de doismundos distintos. Para tanto os agentes indígenas de saúde (AISs)passam por um processo de formação em módulos em prevenção dasaúde, procedimentos básicos de atendimento e encaminhamento dedoentes. Por outro lado, o AIS traz consigo o conhecimento étnico,que envolve a organização social diferenciada e também, especificamente,as concepções de saúde, doença e tratamento de seu grupo.Apesar de ser um elemento fundamental para as ações nas aldeias,138 O sentido parece mais ser o da relação entre o Subsistema com os sistemas tradicionaisde saúde.326 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


o agente indígena ainda não é plenamente reconhecido como profissionalde saúde e existem diversas dificuldades institucionais para<strong>no</strong>rmatizar seu papel.A atuação do Subsistema abre diversos desafios cujas soluçõesapontam para a necessidade de adaptação culturalmente orientada,seja do acolhimento ao usuário, seja dos procedimentos ou da organizaçãodo serviço. Quando, numa situação de necessidade de partohospitalizado, a indígena guarani recusa-se a ir ao hospital porquesabe que a sua dieta tradicional não será contemplada ou que, apóso parto, não receberá a sua placenta para realizar os devidos rituais,tem-se um exemplo simples de adaptação de acolhimento (mudançana alimentação) e de procedimento (devolver a placenta à mãe) quepode significar maior ou me<strong>no</strong>r efetividade do atendimento à saúde.Nesse caso, a formação de conhecimento específico da equipe multidisciplinarde saúde indígena, bem como a preparação e adaptaçãoda rede hospitalar, aparecem como necessidade básica para a melhoriados resultados em saúde. Da mesma maneira, uma ação de prevençãode doenças sexualmente transmissíveis para um grupo étnicodeve considerar que o recebimento de preservativo masculi<strong>no</strong> podeindicar infidelidade do parceiro, que irá recusar sempre a doaçãopública sob o risco de ter problemas conjugais. Se o procedimentofor mantido, a estratégia de uma palestra comunitária para homense mulheres (seguida de distribuição de preservativos) provavelmenteserá um fracasso, com um comparecimento inexpressivo de pessoas.São exemplos simples de articulação entre o serviço de atençãobásica à saúde e a estrutura conceitual do grupo étnico relativa aocorpo, saúde e doença. A melhoria das chances de sucesso dos tratamentosmuitas vezes pode ser alcançada por meio de uma modificaçãosimplificada e adequada <strong>no</strong>s procedimentos. No entanto,o conhecimento que fundamenta as tomadas de decisão envolve arelação entre o universo conceitual indígena e os conceitos oficiais desaúde, sendo bastante complexo e específico.A organização do serviço, a atuação dos agentes indígenas desaúde, seu treinamento nas fases de aulas e de supervisão nas aldeias,a articulação para a adaptação de unidades hospitalares, oacolhimento e a escuta considerando a diferenciação cultural dospacientes, as alterações <strong>no</strong>s procedimentos, a busca de soluções eQuestões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 327


tratamentos etnicamente orientados em doenças cujo universo conceitualindígena possui papel preponderante (caso das enfermidadesmentais) e o aperfeiçoamento de procedimentos tradicionais de saúdepara a diminuição de complicações (esterilização das mãos dasparteiras, por exemplo), podem ser exemplos de atuação em saúde deforma diferenciada, embora o conceito de “saúde diferenciada” nãoesteja plenamente definido.Para tanto, os processos de formação de profissionais de saúdedevem incluir conhecimentos que instrumentalizem os trabalhadorespara lidar com as diversidades culturais. A expectativa de que a origemetnicamente diferenciada do profissional de saúde é capaz, porsi só, de atender esse tipo de diálogo entre dois conjuntos de concepçõesdiversos não possui base comprovada. Assim, a qualidade daformação dos profissionais é um desafio, dadas as modificações necessárias<strong>no</strong>s currículos universitários e, ao mesmo tempo, um fatorfundamental para a melhoria do desempenho e, consequentemente,dos indicadores de saúde indígena. No caso do apoio específico àformação de profissionais indígenas que deverão ser incorporadosposteriormente aos quadros do SSI, a estratégia, sozinha, não substituia necessidade de criação de conjunto de cargos específicos voltadospara a saúde indígena de forma a valorizar os profissionais.Isto se aplica tanto para a gestão quanto para as áreas técnicas queatuam diretamente com os usuários.Portanto, a ação atual de financiamento de bolsas para formaçãouniversitária de profissionais indígenas na área da saúde, apesarde muito bem vista pelos diversos atores do campo indigenista,traz consigo algumas questões que podem passar despercebidasdentro da lógica da expansão do apoio aos estudantes, do aumentoda demanda e de uma reflexão superficial e imediatista a respeitodo empoderamento e da auto<strong>no</strong>mia indígena, tão anunciada por indigenistase pelo movimento indígena. É o caso de se perguntar seseis ou sete a<strong>no</strong>s dentro de uma universidade com um currículo padronizado,que não prepara o profissional para atuar em ambientesde diversidade, é o suficiente para formar profissionais, indígenas ounão, adequados ao SSI.Outra questão importante diz respeito à possibilidade da origemetnicamente diferenciada do estudante ser capaz de fazer com que o328 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


futuro profissional consiga promover as articulações com os sistemastradicionais de saúde das populações atendidas, com base nãosomente <strong>no</strong> respeito à cultura diferenciada, mas também na melhoriada eficiência do serviço. Basta uma origem indígena para que odesempenho como profissional de saúde seja adequada à demandado Subsistema? Seguramente não. O trabalho em saúde depende,sempre, de um conhecimento que se inicia, na maioria dos casos,na formação universitária e continua por toda a vida profissional.Mas as universidades ainda estão muito longe de trabalhar de modoa formar capacidade técnica para o diálogo entre sistemas e concepçõesde saúde diferenciados. Em geral, atuam com seus currículos deforma padrão, formando médicos, enfermeiros, nutricionistas, e nãoprofissionais aptos para lidar com populações indígenas. Então, apóster concluído um longo período de formação, qual seria a diferença,em termos de conhecimento adequado para atuação <strong>no</strong> SSI, entre umprofissional indígena e outro não indígena?O Subsistema possui uma diretriz que é a inclusão e o respeitoàs diferenças <strong>no</strong> trabalho em saúde pelos motivos expostos. Então,cada momento de realização do SSI, incluindo a formação de mãode obra, deve conter a reflexão sobre a atualização deste sentido.No entanto, não é tarefa fácil manter um nível apropriado de críticasobre um processo sujeito a tantas demandas por aperfeiçoamentoimediato e que, muitas vezes, se traduz em indicadores de saúdealarmantes. Os profissionais atualmente envolvidos e responsáveispor toda a estrutura de atendimento lutam contra questões urgentes(desnutrição, redução da mortalidade mater<strong>no</strong>-infantil, aumentoda cobertura de imunização, redução da incidência de agravos comalto índice de letalidade) em um cotidia<strong>no</strong> que deixa pouco tempoe energia para o planejamento de médio ou longo prazos, levando--se em conta diretrizes conceituais. A urgência das questões a seremresolvidas é um inimigo potente da sistematização.O movimento indígena, por sua vez, procura atuar <strong>no</strong> sentido de“indianizar” a saúde indígena, o que é, além de um direito, uma trajetórianatural na expansão das relações de cidadania etnicamentediferenciada. Mas corre-se o risco de adotar uma solução evidentee imediata sem maiores reflexões para o problema da mão de obraadequada para o Subsistema: tornar os próprios índios responsáveisQuestões ao Subsistema de Saúde Indígena a partir das bolsas... 329


pelo seu serviço de saúde por meio da formação universitária. Decerta forma a expectativa se alinha com o modelo <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>ao expandir os programas de apoio aos estudantes e lutar por vagasespecíficas nas universidades. Esta solução tão óbvia na trajetóriadas discussões do movimento indígena poderia permanecer semquestionamento se não fosse pelo fato dos indicadores de saúde indígena<strong>no</strong>s Estados Unidos manterem-se abaixo na comparação coma população não indígena. 139 Deve ser perguntado, <strong>no</strong>vamente, se osimples processo de transferência da mão de obra do sistema e degrande parte da sua gestão para as próprias populações indígenas éo suficiente para uma adequação dos serviços e para a melhoria dosresultados.Não é objeto deste texto a análise das causas do desnivelamentodos indicadores de saúde entre indígenas e não indígenas <strong>no</strong>s EstadosUnidos. Também não se trata, absolutamente, de criticar osprogramas de apoio a estudantes índios, em qualquer nível educacional:a inserção e a criação de oportunidades para esses povos nasdiversas instâncias de formação e de trabalho são direitos, e deveresde um país que incorporou o sentido da proteção à diversidade eampliação da cidadania. Mas a análise da trajetória até o momentoa partir de um programa específico (o financiamento para trinta bolsistasdo Projeto Vigisus-Funasa) aponta para uma questão-chave,cuja ig<strong>no</strong>rância pode representar um problema para a melhoria dosindicadores de saúde indígena: qual é o propósito da formação deprofissionais indígenas?A “articulação com os conhecimentos tradicionais em saúde” ea “atenção diferenciada” são conceitos <strong>no</strong>rteadores e desafios constantespara o SSI e devem ser referências para usuários, trabalhadorese gestores <strong>no</strong>s debates e tomadas de decisão. O alcance de bonsresultados na saúde de populações tão diversas depende, além daexecução racional dos recursos, de tornar esses conceitos uma realidadecotidiana.139 A título de exemplo temos alguns dados de 2007. Para mortalidade infantil: entrepopulação branca <strong>no</strong>s EUA: 5,56 (por 1.000 nascidos vivos); entre indígenas:8,06. Para o percentual de pessoas com problemas de saúde: entre brancos 9,5%;entre indígenas 14%. Ver http://www.cdc.gov/nchs/fastats/white_health.htm;http://www.cdc.gov/nchs/fastats/indfacts.htm.330 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


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Sobre os autoresAndré Raimundo Ferreira Ramos é mestre em História pela PPGHISda UFG e técnico de indigenismo e historiador da Funai. Foi chefedo Departamento de Documentação da Funai (2000-2003) ondeatua em projetos de educação escolar indígena e educação não escolarvoltados para sustentabilidade. Desenvolve estudos na área deHistória e Educação, com ênfase em História Indígena, política indigenistae educação intercultural.Antonio Carlos de Souza Lima é antropólogo, professor associadode Et<strong>no</strong>logia do Departamento de Antropologia/MN/UFRJ; bolsistade produtividade em pesquisa 1B do CNPq e bolsista Cientista doNosso Estado/Faperj. É co-coordenador do Laced, vinculado ao Departamentode Antropologia/Museu Nacional (UFRJ). Coorde<strong>no</strong>u oprojeto Trilhas de Conhecimentos: o ensi<strong>no</strong> superior de indígenas <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> em suas duas etapas, (2004-2010).Fúlvia Rosemberg é professora titular de Psicologia Social na PUC-SP com experiência em Ideologia e Educação. Atualmente é pesquisadorasênior da Fundação Carlos Chagas onde coordena o ProgramaInternacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford.Guilherme Martins de Macedo é mestre em Antropologia pelo PP-GAS/MN/UFRJ e desde 1992 trabalha com questões indígenas. Foicoordenador técnico do Projeto Vigisus II (<strong>Brasil</strong>/Banco Mundial)para o desenvolvimento do Sistema de Saúde Indígena (2004-2009).Atualmente é perito sênior do Programa Regional Amazônia daagência Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit(GIZ), assessorando a Organização do Tratado de CooperaçãoAmazônica.Gustavo Hamilton de Sousa Menezes é doutor em Antropologia Socialpela UnB, com especialização em Et<strong>no</strong>logia e educação intercultural.É antropólogo da Funai onde foi coordenador de PolíticasEducacionais (2008-2010). Atualmente é chefe do Núcleo de Antro-Sobre os autores 347


pologia da Procuradoria Jurídica onde atua na produção de laudosantropológicos em processos judiciais penais envolvendo réus indígenas,desenvolvendo pesquisas sobre criminalização, situação prisionale justiça indígenas.Kleber Gesteira Matos é mestre em Ciências Sociais pela UnB. Foidocente em cursos de formação de professores indígenas, orientandoa produção de materiais didáticos, construção de currículos e realizaçãode pesquisas (1990-2003). Foi responsável pela execução daspolíticas de educação escolar indígena da Secad/MEC (2003/2008)e secretário-executivo adjunto da Secretaria Geral da Presidência daRepública (2009/2010). Atualmente é diretor da Anaya ProduçõesCulturais.Leandro Feitosa Andrade é professor nas Faculdades MetropolitanasUnidas e sub-gerente do Programa Internacional de Bolsas dePós-Graduação da Fundação Ford na Fundação Carlos Chagas.Marcos Moreira Pauli<strong>no</strong> é mestre em Educação pela UFRJ e professorna rede estadual de ensi<strong>no</strong> fluminense. Atuou em movimentospopulares para democratização do acesso à universidade, além delecionar em cursos de pós-graduação na área de Educação-EAD, emconvênio MEC/UFRJ. É pesquisador associado do Laced onde integroua equipe do Trilhas de Conhecimentos e atualmente atua <strong>no</strong>projeto A Educação Superior de indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Maria Helena S. da Silva Fialho é especialista em línguas indígenasbrasileiras pela UFRJ e mestre em Desenvolvimento Sustentável juntoa povos e terras indígenas pela UnB. É professora da Funai ondefoi coordenadora geral de Educação (2000-2010). Atua <strong>no</strong> contextodas ações sob perspectiva de gênero, assuntos geracionais e mobilizaçãosocial com povos indígenas, contribuindo para o fortalecimentoe efetivação dos seus direitos com foco na valorização e reconhecimentoda multiculturalidade para a construção de políticas públicaspertinentes aos povos indígenas.348 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>


Maria José de Jesus Alves Cordeiro é doutora em Educação (currículopela PUC/SP), docente e pesquisadora extensionista do cursode Pedagogia e coordenadora do Programa Mais Educação/MEC naUems. É líder de grupo de pesquisa do CNPq (Grupo de Estudos ePesquisas em Educação, Gênero, Raça e Etnia (Gepegre)); membroda comissão de elaboração do Programa Integrado de Ações Afirmativaspara Negros – <strong>Brasil</strong> AfroAtitude; do Grupo de TrabalhoNacional de Elaboração de Políticas de Acesso e Permanência daPopulação Negra nas IES Públicas (Uniafro); e da Cesi/Sesu/MECpara elaboração do Prolind.Maria Macedo Barroso (então Maria Barroso Hoffmann) é mestree doutora em Antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ. Atualmente éprofessora do Departamento de Antropologia Cultural e do PPGSA/IFCS/UFRJ; é pesquisadora associada ao Laced. Foi co-coordenadorado projeto Trilhas de Conhecimentos e é coeditora da presentecoletânea.Nina Paiva Almeida é doutoranda em Antropologia Social peloPPGAS/MN/UFRJ. Desde 2010 é servidora da Funai. Foi pesquisadoraassociada ao Laced pelo projeto Trilhas de Conhecimentos econtinua como pesquisadora associada.Renata Gérard Bondim é doutora em Comunicação Social e mestreem Língua Portuguesa, títulos obtidos na UFRJ, onde lecio<strong>no</strong>ulíngua portuguesa até se aposentar (1979-2004). Desde então iniciou<strong>no</strong>va vida acadêmica, realizando pesquisa em língua indígenaYawalapiti/Aruak, <strong>no</strong> Alto Xingu. Em 2005 passou a integrar aComissão de Língua Portuguesa do MEC. Desde 2007 é consultorajunto ao Laboratório Trabalho e Formação (LT&F) da Coppe/UFRJ. Atualmente também coordena o Centro de Informação e Capacitaçãoem Metrologia e Avaliação da Conformidade (CICMA) doInmetro. Por ocasião do seminário era consultora da Secretaria deEducação Superior do MEC (2004 a 2006) para coordenar ações depolíticas públicas voltadas à educação superior indígena onde esteveà frente da construção do Prolind, ainda hoje ativo.Sobre os autores 349


Susana Grillo Guimarães é mestre em Educação pela Faculdade deEducação da <strong>Universidade</strong> de Brasília. Iniciou sua carreira indigenistana Funai onde foi professora em escolas indígenas durante 12a<strong>no</strong>s. Foi formadora de professores indígenas <strong>no</strong> magistério de nívelmédio e na Licenciatura Intercultural da Unemat. Participou de equipesque elaboraram diferentes documentos técnicos <strong>no</strong> Ministério daEducação de orientação para técnicos dos Sistemas de Ensi<strong>no</strong> e professoresdas escolas indígenas. Desde 2003 trabalha na CoordenaçãoGeral de Educação Escolar Indígena do MEC/Secad onde atua paraa efetividade do respeito e da valorização da sociodiversidade dosPovos Indígenas.350 Povos indígenas e universidades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>

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