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A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO DINHEIRO ENTRE OS NEOPENTECOSTAIS

a representação social do dinheiro entre os neopentecostais - Unicap

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGSCURSO DE MESTRA<strong>DO</strong>A <strong>REPRESENTAÇÃO</strong> <strong>SOCIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>DINHEIRO</strong> <strong>ENTRE</strong><strong>OS</strong> NEOPENTEC<strong>OS</strong>TAISDRANCE ELIAS DA SILVADissertação apresentada aoprograma de pós-graduaçãoem Sociologia, como requisitopara obtenção do grau demestre, sob a orientação doprofessor Dr. Joanildo Burity.RECIFEAbril - 2000


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS.CURSO DE MESTRA<strong>DO</strong>A <strong>REPRESENTAÇÃO</strong> <strong>SOCIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>DINHEIRO</strong><strong>ENTRE</strong> <strong>OS</strong> NEOPENTEC<strong>OS</strong>TAISDRANCE ELIAS DA SILVADr. Joanildo Burity(orientador)


A Edna , Minhacompanheira, solidárianesse processo,Aos meus filhos ,Luana e Luan, paraquem a vida é alegria,A todos os amigos quemarcaram minha vidade formação.


AGRADECIMENT<strong>OS</strong>Gostaria de agradecer a todos os que de alguma forma contribuíram para o presente estudo,que agora apresento. Nesse agradecimento, incluo os Professores do Mestrado em Sociologia,Principalmente aqueles, através dos quais, tive a oportunidade de discutir assuntosdiretamente ligados ao meu projeto de estudo, como os Professores Drs., Heraldo Souto, SilkeWerber, José Carlos Wanderley.Agradeço a Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, pelo seu incentivoatravés do Programa de Formação Docente, que visa a qualificação profissional permanente.Ao Departamento de Teologia e Ciências da Religião, especialmente ao Prof. Jacques Trudelque prima pelo bom desempenho do quadro do referido departamento.Agradeço ao Professor Dr. Joanildo A. Burity, que acompanhou todo esse processo deestudo como orientador e que, nessa caminhada, soube partilhar de sua capacidade intelectualsem impor, mas levando-me a refletir e indicando como superar os caminhos difíceis durantetoda a construção dessa pesquisa.


RESUMOO presente estudo tem como objetivo analisar a Representação do Dinheiroentre os Neopentecostais, centrando a análise especificamente na Igreja Universal doReino de Deus (IURD). Duas perspectivas perpassam esse trabalho, alicerçando-oteoricamente: primeiro, a teoria das Representações Sociais, da qual enfatizo doisconceitos, os de objetivação e ancoragem; o segundo, a perspectiva da Semiótica,particularmente a semiótica da significação. Juntamente com outros elementosrefletidos do campo da Sociologia do Dinheiro e da Sociologia da Religião, taisperspectivas sustentam a análise do imaginário social sobre o dinheiro presente naIURD, revelado através das entrevistas feitas com os fiéis dessa instituição religiosa .A Representação Social do Dinheiro, analisada entre os fiéis participantes daIURD, é entendida como um elemento constitutivo da sua expressão da fé. Esseentendimento acerca dessa representação dá-se a partir de algumas formasrepresentacionais, tais como: oferta, bênção, prova, desafio, propósito, sacrifício, e nãoobstante, constrói permanentemente, através do discurso/pregação, a produção dosentido sobre a relação dinheiro, fé e religião.Em suma, o que o estudo verifica, é que, o dinheiro além de ser umarepresentação da expressão da fé, sustenta um certo traço de identidade que compõe naIgreja o ethos presente Universal do Reino de Deus .


INTRODUÇÃOVários estudos vêm sendo feitos sobre o Pentecostalismo Protestante, destaqueprincipalmente para os Neopentecostais. Talvez em nenhum momento da históriareligiosa no Brasil, a qualidade do tempo tenha sido tão fecunda para o protestantismocomo agora, verificando um grande crescimento em todo esse campo religioso.Identificam-se sérias reflexões e aprofundamento, mas também preconceitos ecuriosidades no trato com esse novo momento histórico e de final de século, que estápassando o Pentecostalismo Protestante, especialmente aquele que denomino aquicomo Neopentecostal .O presente estudo tem como propósito, tecer um exame sobre a Representaçãodo Dinheiro entre os Neopentecostais, tomando como parâmetro para o seudesenvolvimento, especificamente a Igreja Universal do Reino de Deus, na cidade doRecife. Essa escolha deve-se em primeiro lugar, à grande expansão dessa denominaçãono Brasil, que demarca a cada dia um estilo diferente de ser pentecostal, advindo desuas estratégias para atrair mais fiéis, tornando-os participantes e efetivos noseguimento e pertença a esse grupo religioso. Em segundo lugar, a práxis religiosadessa Igreja concentra-se no aspecto da "prosperidade", que ganha umredimensionamento em relação a todo o pentecostalismo tradicional, por se preocuparsistematicamente com a busca de formas representacionais do dinheiro no espaçocúltico.Faremos uma análise das entrevistas feitas com os fiéis, obreiros e pastores.Desse público, só os pastores vivem um cotidiano profissional, e como tais,responsáveis também pela produção de sucessivas "imagens" do dinheiro que se


elaboram por dentro do espaço institucional, chegando seus efeitos até a vida cotidianados fiéis e obreiros (que zelosos pelo templo, recepcionam as pessoas e evangelizam).Nossa inquietação inicial foi aos poucos, se transformando em um problema:por que, entre os Neopentecostais - a exemplo da IURD - , o dinheiro se constitui emuma realidade tão visível ? O "visível", em torno dessa realidade chamada dinheiro,"desenhou" uma hipótese norteadora que acompanhou todo o processo: as imagens, asrepresentações sobre o dinheiro presentes à prática religiosa Neopentecostal,objetivadas em uma dada situação, provocam uma transformação no sentido de que,através da fé, restabelece-se uma unidade entre realidade e valor, sem que o dinheiro sesepare dessa unidade.A Igreja Universal do Reino de Deus foi o lugar institucional de busca e deexame para esse propósito. Nosso esforço não tinha a pretensão de exaustividade, masde desempenhar um exercício intelectual na busca de conhecimento, acerca de umarealidade fundamentalmente de invenção humana: o dinheiro.A nossa perguntainquietante sobre o dinheiro, portanto, aponta para ele como algo que tem umaidentidade, pois, ao ser localizado demarcando um certo espaço, ele se apresenta deforma diferente, porque prima-se por certas representações e certos significados quenormalmente não tem. Assim, o dinheiro e suas representações, o dinheiro e seussignificados, descobertos nesse processo de estudo, se constituem entre outrostambém, em laços de sentido para a expressão da fé dos crentes entrevistados, bemcomo para a própria Instituição que dela participam e pertencem.E para encontrar um caminho que fosse o começo da reflexão, iniciamos oestudo no campo filosófico, em busca de um conceito de representação. E para afilosofia, de uma forma geral, há muito foi entendida como um caminho através doqual se chegaria a ter acesso ao real ou ao verdadeiro. A representação enquanto


forma de expressão de conteúdos do pensamento, não fora compreendida pela filosofiacomo uma barreira contra a objetividade do conhecimento. A representação na suagênese, esteve constituindo uma reflexão cognitiva imanente relacionada àsubjetividade interna da consciência. Mas, o jogo, do ponto de vista epistemológico,não foi tão fácil para o campo das ciências da cultura como um todo. Em teoria doconhecimento, o campo das Ciências Sociais, e mais especificamente na análise dosaspectos constitutivos da dimensão simbólica da vida humana, os conteúdos do mundoda religião muitas vezes não constituíam porta de entrada para o conhecimento darealidade histórico social.O processo em que vão se confrontando sujeito e objeto, vai desenhando aospoucos, de uma forma analítica, as novas concepções acerca do entendimento sobrerepresentação, simbolísmo, imaginário. A antiga polêmica, por exemplo, entresubjetivismo e objetivismo apresenta-se como ponto central para a reflexãosociológica. Mais adiante começou-se a concluir que os conteúdos da cultura estãoprofundamente enraizados no real histórico, o que redimensionaria a leitura sobre adimensão simbólica da vida humana, no sentido de que, o simbólico não é o que nãoexiste, como a cultura dominante Ocidental intelectualista deixou a entender.Representações Sociais... a descoberta que se verifica nesse processo é a de queestas constituem modalidades de pensamento prático orientados para a comunicação, acompreensão e o domínio do social, material e ideal. As representações sociaisapresentam características específicas a nível da organização dos conteúdos e nãoobstante, incidem sobre o tecido social: são metamorfoses da realidade .Assim, todo nosso esforço, para precisarmos uma discussão sobreRepresentação Social, deveu-se a termos como inquietação intelectual, um problemade ordem sociológica, que formulamos a partir desse conceito: a Representação Social


do Dinheiro. E o que observamos de início, tomando como ponto de partida para esseestudo foi de que, o dinheiro nunca existe em um vácuo cultural ou social. Não é umobjeto sem vida. É uma realidade metafórica e sendo uma de nossas grandiosasinvenções, carrega consigo, em seus mais variáveis contextos, a possibilidade dequerer dizer uma outra coisa. Esse aspecto nos motivou a estudarmos o dinheirosituado em uma experiência sócio-cultural : a experiência religiosa da Igreja Universaldo Reino de Deus.O problema sociológico nasceu do nosso olhar sobre a prática religiosa daIURD no trato com essa realidade chamada dinheiro, junto aos fiéis. Como elementomaterial presente na vida cotidiana dos indivíduos, o dinheiro instiga-nos por fazerchegar até nós tantas perguntas. Enquanto representação social, fazendo parteconstitutiva do ethos presente numa sociedade, uma questão central se impôs: como odinheiro aparece no mundo dos valores?E como se incorpora numa práticasócio-religiosa concreta ?E por dentro dessa questão geral, fomos situando a relação dinheiro - fé -religião, a partir de um locus institucional, já referido, como base para nossa análise.Para tanto, o nosso estudo encontra-se estruturado em quatro capítulos que ao nossover, leva-nos do ponto de vista da forma, ao aprofundamento das nossas questões.O primeiro examina o conceito de representação, sintoniza-o com a Filosofia ebusca suas aproximações com as Ciências Sociais, retomando o debate sobre adimensão simbólica, a construção social da realidade e enfocando a questão dodinheiro como problema sociológico. O segundo capítulo discute o campoNeopentecostal e demarca metodologicamente os procedimentos da pesquisa emrelação ao estudo da representação do dinheiro na Igreja Universal do Reino de Deus.O terceiro e o quarto capítulo tomam como quadro de análise o material empírico


ecolhido das entrevistas, buscando um aprofundamento sobre a questão do dinheiro apartir do imaginário social dos entrevistados, levando em conta dois cortesepistemológicos: um primeiro, partir da Teoria da Representação Social, tomandocomo referência para análise os conceitos de objetivação e ancoragem; em seguida,busca-se na Semiótica da Significação mais elementos que ampliem o quadro deanálise, valendo-se da compreensão do dinheiro enquanto signo.


CAPÍTULO I<strong>REPRESENTAÇÃO</strong> E CIÊNCIAS SOCIAIS


131. Pressupostos FilosóficosA relação com a natureza está na origem do filosofar, tanto para os gregos como paraoutros povos do Médio-Oriente. E a Filosofia, tanto para Platão como paraAristóteles, nasce do impacto do maravilhoso na consciência da pessoa humana. A“maravilha” constituiu para Aristóteles, o primeiro ato de aguçamento da consciênciahumana para pôr questões acerca das coisas existentes no mundo: “A maravilhasempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: aprincípio ficando surpresos pelas dificuldades mais comuns; depois pouco a pouco,avançando mais, propuseram problemas cada vez mais importantes”. (Mondolfo, 1973: 14)Partindo desse pressuposto, constata-se que, a primeira forma de reflexãodesenvolvida pela pessoa humana concretizou-se no mito. A forma mítica comopossibilidade de apreensão do real, correspondeu para Aristóteles a um estágioprimitivo da filosofia, no sentido de que a pessoa humana, mesmo que sob uma formateológica de pensar - podendo ser assim chamada esse primeiro estágio do pensarfilosófico - , passou a tomar para si as coisas do mundo, e a se perguntar por suasorigens . Em se tratando do mundo grego, o pensamento mítico chegou a desenvolverseem duas etapas: uma primeira, como divinização das forças terrestres; e numasegunda, como antropomorfização dos deuses. Expliquemos suscintamente esseprocesso, como meio de entendimento da relação homem-mundo-sociedade. O fatormais interessante nesse processo de mudança, está ligado à civilização Micênica, quefloresceu no Peloponeso do XVI ao XII séc. a.C.A vida social dos micênios centralizava-se ao redor do palácio do rei, cujo papel era,ao mesmo tempo, político-administrativo, religioso e militar. O rei concentrava todos


14os poderes: uma realeza religioso-burocrática, que apoiada numa numerosa classesacerdotal, controlava o conjunto da vida econômica e social do Estado. 1As antigas cosmogonias gregas deixavam transparecer a proximidade com aorganização social micênica, sobretudo a partir de três elementos bem característicos:I - O universo ou cosmo era um conjunto de forças hierarquicamente ordenadas, sob asoberania de um rei, o que refletia nela a organização do Estado micênico; II - essaordem hierárquica, teria sido o resultado da ação vencedora de um agente, que saíravitorioso do conflito, ao conseguir estabelecer uma relação de equilíbrio entre forçasdivinas; III - o cosmo ficara então, sob o poder vigilante de um “Deus ordenador”,que governaria o mundo como um monarca desafiado pela rebeldia de um ou outroelemento, assim como também pelas ameaças do“caos” nunca definitivamentedomado.E aconteceu que, no séc. XII a. C. a invasão dos Dórios provocou a ruína doEstado micênico e do culto oficial. Liberada, então, do controle sacerdotal e régio, ateologia cósmica perdeu coerência, e os mitos foram se desenvolvendo em formasantropomórficas. Assim, já não seriam mais as forças cósmicas os agentes, mas deusespersonificados e antropomorfos, que assumiriam a iniciativa e entrariam em conflitocom as forças da natureza .O que essas observações pretendem indicar é que a mentalidade subjacente aum momento histórico como esse, em que o desconhecido, o medo e o terror deveriamnão só ser enfrentados como também compreendidos, teria que dispor de umadeterminada forma de saber. Nesse sentido, verificou-se historicamente que, porexemplo, as diferentes manifestações de religiosidade, bem como os mitos e as lendas,foram se constituindo em formas de saber, que sem dúvida alguma, se mostraram1Para maiores informações sobre a Realeza Micênica, cf., Vernant, J. P. 1984, pp. 15-25 .


15como formas de ultrapassagem do senso comum. Mais precisamente, a representaçãocomo forma de saber já estava presente no mundo antigo. Assim, não podemos ver nomito tão somente um gênero literário, mas imagens que, uma vez retidas na mente,jogam com a direção do olhar, apontando para a realidade, tentando vê-ladiferentemente e portanto, entendê-la melhor. Nesse sentido, a representação já hámuito tem sido compreendida como um caminho através do qual se chegaria a teracesso ao real ou ao verdadeiro.No campo filosófico, constata-se uma discussão, que além de antiga, sinalizouacordos e desacordos. Segundo Abbagnano, o termo representação é de origemmedieval. Indicava a imagem ou a idéia ou ambas as coisas:“O uso do termo foi sugerido aos escolásticos pelo conceito de conhecimento como“semelhança” do objeto. Representar algo, dizia S. Tomás, significa conter a semelhançada coisa. Mas foi precisamente o fim da escolástica que pôs na moda o termo, às vezesindicando a significação das palavras. Ockham distinguia três significações fundamentais.Representar - dizia - tem vários sentidos. Em primeiro lugar, entende-se por esse termoaquilo por meio do que se conhece algo e nesse sentido o conhecimento é representativo erepresentar significa ser aquilo por meio de que se conhece alguma coisa. Em segundolugar, entende-se por representar o fato de se conhecer alguma coisa, conhecida a qualconhece-se outra coisa; e neste sentido a imagem representa aquilo de que é imagem, noato da lembrança. Em terceiro lugar, entende-se por representar causar o conhecimento,da maneira como o objeto causa o conhecimento”. ( 1982 : 820 )Em síntese, o que constata Abbangnano, é que o termo representação encerra trêssentidos: primeiro, a idéia no sentido mais geral; segundo, é imagem; terceiro, opróprio objeto. Porém, esses três sentidos, mesmo em Filosofia, não esgotam aspossíveis compreensões a respeito do termo. Em filosofia, o esforço humano sempreesteve imerso numa constante busca de apreender o real. E “nada foi tão mais frágildo que a faculdade humana de admitir a realidade, de aceitar sem reservas a imperiosaprerrogativa do real “.(Rosset, 1988 : 11) No jogo filosófico, o conhecimento semprefoi, então, o cerne da questão; isto é, o cerne de uma questão fundamentalmente


16humana. E isto se verifica desde a pré-história da Filosofia Grega ( do Mito àFilosofia), passando por todo o período clássico (séc. V - IV a. C.). Não é propósitonosso, traçar uma visão - mesmo que panorâmica - das teorias do conhecimento queestiveram subjacentes à história humana. Porém, o termo representação leva-nosnecessariamente a uma discussão sobre consciência e cognição, e deveríamos nos atera pelo menos uma parte do período filosófico, enfocando alguns aspectos que sugeremaproximação/ relação com o termo, e que tiveram, de uma forma ou de outra, um certopeso no desencadeamento do processo de produção de uma “teoria” da representação.Navisão hegeliana, por exemplo, identificamos interessantes elementos quearticulam uma compreensão, do ponto de vista filosófico, sobre Representação. Bemdiferentemente de Kant, que entende o conhecimento como relação de sujeito e objeto( este, na dupla acepção de coisa em si e fenômeno ), para Hegel o conhecimentocomeça com o indivíduo imerso na natureza, na coisa em si, não como um estranho, esim como “a criança no seio materno”. (Hegel, 1995 : 115) A consciência é o “lugar”no qual o sujeito diferencia-se do objeto, o “eu” do “tu” ! Como tal, é inicialmenteconsciência sensível, com a qual o “animal” aprende a distinguir o real do não real, oamigo do inimigo. A consciência, em si, nada é. Ela passa a existir na “confrontação”com o mundo externo, que é o seu mundo como “outro”; e com esta simplíssimaatividade abre-se o longo processo do conhecimento que leva o homem até à Razão.Este processo, na visão de Hegel, se dá por etapas. (cf. Rouanet, 1987 : 56)Em Hegel, a certeza sensível é o primeiro passo na evolução da consciênciahumana, e corresponde à certeza de ter diante de si um “objeto exterior”. Ter algodiante de si parece a forma mais segura e rica de conhecimento, e no entanto, para ohomem, isto é profundamente questionador. Para Hegel, o que acontece nesta fase, é


17que um “este aqui” (= consciência sensível) está frente a um “isso aí “ (= objeto). Ora,o “isso aí” é verdadeiro, mas quando se quer expressar verbalmente o que é a “certeza”perturba-se, pois este não pode ser um ato imediato. Isto é, a certeza sensível passapela mediação do universal. Em Hegel a mais simples certeza está além do sensível edo imediato:"ela implica que nós conservamos o objeto, mesmo quando ele não estámais aí, física ou imediatamente presente”.(cf. Garaudy, 1983: 47) Assim, a procuravolta-se para o outro polo da consciência: se a verdade não está no objeto, isto é, no“isso aí”, estará no sujeito, ou seja, no “este aqui” ? A força da verdade está agora noeu, enquanto imediatamente sente e vê; portanto, os objetos são “meus” pois euretenho a verdade deles, quando desaparecem da minha presença. Porém, em Hegelisso também é problemático, pois a certeza tampouco reside no “eu singular”.Conclui-se então, que a verdade da certeza sensível, por não se encontrar noobjeto, nem no sujeito, deve estar fora dela, numa determinação do pensamento que jáconhecemos: o universal, que é o reino da percepção. Assim, a conclusão a quechegamos, é que a dialética da certeza sensível, na concepção hegeliana, força asuperar o singular para afirmar a verdade do universal permitindo também, a passagemdos sentidos ao intelecto, que se manifesta como percepção. Em teoria doconhecimento, isto constitui um momento importante da consciência, isto é, quandoela entra verdadeiramente no reino do entendimento. Assim, na análise hegeliana omomento da percepção levou à afirmação do desdobramento da “coisa” em ser-para-sie ser-para-o-outro; isto é, chegou-se a compreensão de que a relação da coisa com osujeito cognoscente é algo essencial: e, por isso, um dos primeiros passos para oentendimento. Mas, o reino do entendimento não é o reino da verdade absoluta sobre o


18que a coisa é, da apreensão do real como algo definitivamente dado e apreendido emsua totalidade. 2A percepção, tão bem esgrimida pelos filósofos antigos, com suas reflexões cadavez mais refinadas, foi se mantendo sempre como um termo em debate dentro docampo filosófico. Até o século XVI, pelo menos, ela compunha a epistémé dessereferido século. Percepção, semelhança, imagem, similitude são termos que foramsendo usados para descreverem o início da consciência, como predisposição para oentendimento acerca das coisas humanas e não humanas. Por exemplo, Foucault, aoanalisar a gênese e a Filosofia das Ciências, em “As Palavras e as Coisas”, fez essaconstatação: “Até o fim do século XVI, a semelhança desempenhou um papelconstrutor no saber da cultura ocidental. Foi ela que, em grande parte, conduziu aexegese e a interpretação dos textos: foi ela que organizou o jogo dos símbolos,permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de representálas”.(1987 : 33) Tanto em Aristóteles como em Foucault, constata-se que a percepção,assim como a representação nunca constituíram uma barreira contra a objetividade doconhecimento. (cf. Rouanet, 1987 : 37) Ao referir-se ao saber do séc. XVI, Foucaultassinala que a semelhança, nesse momento historicamente determinado, indicava aforma do conhecimento e a riqueza do seu conteúdo. Porém, é bem verdade que apercepção, a semelhança, a representação como forma de saber, travaram uma batalha 3contra a tendência de considerar essa forma um meio de alcançar a verdade sobre a2Da noção de "coisa" passa-se para a compreensão da relação, isto é, a uma fase superior doconhecimento. A percepção colheu bem a complexidade da "coisa" , ao mesmo tempo una e múltipla,mas por atribuir ora ao objeto e ora à consciência seja a unidade, seja a multiplicidade, não conseguiacaptar a verdade da coisa .3Durkheim, havia enfrentado esse debate, referindo-se ao processo mental de associação,colocando que, na busca do conhecimento acerca da realidade, as representações, não podiam seremtomadas como algo inexistentes, pois elas desenvolvem propriedades sui generis, estando por isso,tomadas como fenômenos reais . ( cf. Durkheim, 1994 : 29 )


19realidade. (cf. Rouanet, 1987: 39)Contudo, a percepção, como dimensão sensitiva, não poderia encerrar na forma dopensamento a dimensão representativa, e isso B. Russel teria deixado claro em seusestudos sobre processos mentais, como observa Spaniol (1989: 34 ):“Na execução da primeira parte de sua tarefa, ou seja, analisar “o que realmenteacontece quando, p.ex., acreditamos ou desejamos”, Russel se depara com a necessidadede ' representações' (images) : 'o uso de palavras, no pensamento, depende, ao menos naorigem, de representações(images), e não pode ser explicado plenamente numa linhabehaviorista'. Isso porque o objeto, ao qual se refere o pensamento, deve, de algumaforma, estar presente em nível mental. E isto se dá através da 'representação'(images):'tendo admitido representações(images) podemos dizer que a palavra ‘caixa‘, na ausênciada caixa, é causada por uma representação(image) da caixa'. Devido a esta função das“representações”(images), Russel pode dizer: 'creio que o estofo de nossa vida mental,enquanto oposto a suas relações e estrutura, consiste inteiramente de sensações erepresentações(images)'. E para Russel estas 'representações'(images) parecem ser tudo oque é necessário, além das sensações: 'penso que os únicos ingredientes da vida mentalexigidos, além das sensações, são representações(images)' ”.Assim, num primeiro instante, Russel deixa claro que as “representações” (images) seapresentam como necessárias nas diversas formas de conhecimento. Porém, reconhecetambém nesse primeiro instante seu limite, no sentido de que, como processo mental,não abarca com bastante propriedade o significado mesmo dos conteúdos presentes namente. Essas aproximações com o termo representação em filosofia não param poraqui. O processo é complexo, mas foi ainda nesse século que a filosofia deu outrossaltos em busca de uma concepção do conhecimento sensível. Novas concepçõesforam trazidas pela fenomenologia de Husserl e pela Psicologia da Forma ou teoria daGestalt. 4 O conhecimento sensível foi sendo configurado como uma dimensãoqualitativa, mas estruturado e não passivo ante o mundo e as coisas por acontecer: “Omundo percebido é qualitativo, significativo, estruturado e estamos nele como sujeitos4Palavra alemã que significa configuração, figura estruturada, forma .


20ativos, isto é, damos às coisas percebidas novos sentidos e novos valores, pois ascoisas fazem parte de nossas vidas e interagimos com o mundo.” (Chaui, 1994 : 123)2. Representação e Ciências SociaisVimos, anteriormente, que o esforço filosófico, a partir de aspectos de Teoria doConhecimento, foi de reflexionar sobre os dados e conteúdos presentes na mente, oque de uma certa maneira, nos levou a um primeiro estágio de reflexão sobrerepresentação. Nesse sentido, poderíamos concluir que a Representação, na sua gênese,esteve constituindo uma reflexão cognitiva imanente relacionada à subjetividadeinterna da consciência.Mesmo com todo o materialismo presente na dialéticahegeliana, onde advém a compreensão de que a relação da coisa com o sujeitocognoscente é algo essencial para o entendimento, a percepção como forma de sabernão conseguia captar a verdade da coisa. A representação, em seu processo deaprofundamento, vai sofrendo mudanças na forma de sua concepção. Ela evolui edesloca-se para outros espaços: o espaço do signo e seu objeto.E, a propósito dessa questão, convém desde já, apresentar algumas definiçõesplausíveis sobre signo, haja visto ser uma entidade central na semiótica e a esta nosreferiremos especificamente, conforme nossa metodologia, no quarto capítulo desseestudo. Porém, é importante lembrarmos que definição única sobre signo éproblemática, pois, as classificações propostas dos signos, conforme Isaac Epstein(1997) "são contingentes e freqüentemente contraditórias", devido à falta de umanomenclatura unívoca e universalmente aceita. Mas nada impede de apresentar aquialgumas definições como norteadoras do entendimento sobre signo subjacente à nossa


21pesquisa. Epstein (1997: 17s) faz algumas apreciações vindas de filósofos e estudiososda linguagem sobre o signo:- ' Três coisas, segundo os estóicos, estão mutuamente ligadas: 1) o significante ousigno; 2) o significado; e 3) aquilo que existe. O significante é o som, por exemplo, osom dion. Aquilo que existe é o objeto externo, que no mesmo exemplo seria o própriodion. Estes dois - o som e aquilo que existe - são corpos ou objetos físicos. O terceirofator, no entanto, não é um corpo. É descrito como uma entidade indicada ou reveladapelo som e que aprendemos como subsistindo em nosso pensamento ' .- ' Qualquer objeto material, ou propriedade de tal objeto, ou um evento materialtransforma-se em signo quando, no processo da comunicação, serve, dentro daestrutura da linguagem adotada pelas pessoas que se comunicam, no propósito detransmitir certos pensamentos acerca da realidade, isto é, acerca do mundo exterior, ouacerca de experiências interiores (emocionais, estéticas, volitivas, etc.) de qualquer daspessoas que participam do processo de comunicação ' .- ' Signo - junto com Peirce, entendemos por signo algo que responde por outra coisa,que representa outra coisa, e que é compreendido ou interpretado por alguém. Assim,um signo é uma relação de três membros, ou triádica, composta pelo signo como meio(relação signo-meio M), pelo objeto designado (relação signo-objeto O) e pelaconsciência interpretadora, o intérprete ou signo interpretante (relação signointerpretante). O signo não é pois um objeto com propriedade, mas uma relação ' .Voltando à observação de que a representação evolui para outros espaços, o campoacadêmico nesse processo, compactua como sujeito nesse processo de evolução, poisvai tomando para si aos poucos como desafio, a reabilitação dessas dimensõesgnosiológicas da existência humana acerca de representações, símbolos, signos. Estasse mantiveram prisioneiras durante muito tempo, nas cadeias soerguidas por umaconcepção antropológica e psicológica, em que a infra-estrutura econômicadeterminava o modo de ver e conceber a realidade das coisas existentes no mundo.Assim, todo esse arcabouço filosófico presente na concepção materialista dialéticamarxista, para expor uma tese sobre “o que é a história”, se apresentavaprofundamente reducionista, lançando também a ordem simbólica “aos efeitos de umsistema de forças submetidas a leis palpáveis e definíveis”. É importante observarmosno entanto, que a tradição marxista sempre privilegiou, com relação aos sistemas


22simbólicos, as funções políticas, deixando de lado sua estrutura lógica e sua funçãognoseológica .A dimensão simbólica da vida humana portanto, até um certo período dessepresente século, não gozava de status epistemológico, isto é, o simbólico não constituíaporta de entrada para o conhecimento da realidade histórico social.No mundo acadêmico atual, podemos ainda identificar resquícios, de umaconcepção de ciência que prescinde, ao estudar seu objeto de interesse, da ancoragemsubjetiva no processo de análise, embora tímida a sua expressão.Contudo, não podemos deixar de admitir, é patente uma certa evolução nocampo das ciências sociais e humanas; e como exemplo dessa evolução, Alexander(1997: 13) identifica que "O interacionismo simbólico e a etnometodologia realizaramestudos inovadores do desvio, do comportamento coletivo e dos papéis sociais. Alémdisso, as polêmicas metodológicas associadas a esses estudos convenceram muitossociólogos de que abordagens mais individualistas e naturalistas podiam permitirmelhor acesso à realidade".Outro exemplo ainda podemos encontrar na Antropologia, para a qual o conceitode representação é refletido da seguinte maneira:“A consciência dispõe de duas maneiras de representar o mundo. Uma, direta, naqual a própria coisa parece estar presente na mente, como na percepção ou na simplessensação. A outra, indireta, quando por qualquer razão, o objeto não pode se apresentar àsensibilidade “em carne e osso”, como por exemplo, nas lembranças de nossa infância, naimaginação das paisagens do planeta, na inteligência da volta dos elétrons em torno de umnúcleo atômico ou na representação de um além-morte. Em todos esses casos deconsciência indireta, o objeto é re-(a)presentado à consciência por uma imagem, nosentido amplo do termo”. ( Durant, 1988 : 11/12 )


23Poderíamos talvez, formular um exemplo prático à luz desse pensamento.Acreditamos que a cruz, para os cristãos, tem um significado de fundamentalimportância. Ao se relacionarem com ela, vem à tona “coisas ausentes” ou impossíveisde serem percebidas concretamente. Nesse sentido, essas “coisas ausentes” quechegam até a mente dos fiéis através da relação com o signo, acabam por setransformar nos próprios assuntos de que tanto se quer falar. É o símbolo que jácomeça a processar sua função, ou seja, como uma realidade aberta, ele evoca atravésde uma relação, algo de ausente ou impossível de ser percebido, trazendo um sentido àrealidade histórica. O que, no meu entender, pode provocar conformismo, resistênciaou transformação. Os conteúdos da cultura não são poções mágicas. Eles estãoprofundamente enraizados no real histórico. Assim, não é verdade o que se parece crer,ou seja, que símbolo significa algo não-real, que o simbólico é o que não existe:"Um símbolo nem se impõe com uma necessidade, nem pode privar-se em seu teor detoda referência ao real ( somente em alguns ramos da matemática se poderia tentarencontrar símbolos totalmente 'convencionais'- mas uma convenção que valeu durantemuito tempo deixa de ser pura convenção). Enfim, nada permite determinar as fronteirasdo simbólico" ( Castoriadis, 1982 : 144 ).O símbolo é a melhor forma e muitas vezes a única de expressar algo maisprofundo da vida: o amor, o desejo de felicidade, a alegria, a dor, o sentido dacomunidade, da organização, a recordação do passado, a esperança. Portanto, sabemosque o símbolo toca o real. Porém, o que é real não é necessariamente sensualista. Algosimbólico, como por exemplo, uma poesia, é real enquanto expressão do desejo; e odesejo, como bem sabemos, é algo humano, real, histórico. Assim também a fé, aesperança, o sonho: contemplar a Deus face a face, reconciliação, terra, leite e mel;pobres fartos de pão, abolição do sofrimento, reino de Deus.


24O simbólico, para certos indivíduos e instituições, como bem denuncia Castoriadis: “...pode ser visto como simples revestimento neutro, como instrumento perfeitamenteadequado à expressão de um conteúdo preexistente, da verdadeira substância derelações sociais, que nem acrescenta nem diminui nada”. (1982: 144)Assim, a idéia de que o simbólico é perfeitamente “neutro” ou totalmente“adequado” ao funcionamento dos processos reais, é inaceitável, sem sentido. Istoporque, os signos não podem ser tomados em qualquer lugar e nem tão pouco se tornarem qualquer signo, em outras palavras: " ...nada permite determinar a priori o lugar poronde passará a fronteira do simbólico, o ponto a partir do qual o simbólico invade ofuncional”. (Castoriadis, 1982: 150)Não podemos fixar, segundo esse autor, nem o grau de simbolização, variávelsegundo as culturas, nem os fatores com que a simbolização se exerça com umaintensidade particular sobre tal aspecto da vida da sociedade. Por tudo isso, e semquerermos medir grau de simbolização e nem fatores de intensidade, o símbolo meinteressa como aspecto da sociedade, essa capacidade que ela tem de simbolizar, denão viver sem símbolos.Tecendo ainda um pouco mais nossa fala sobre os símbolos, poderíamosconcordar em parte com o filósofo P. Ricoeur, pois este afirma que todo símboloautêntico possui três dimensões concretas, quais sejam : a) é ao mesmo tempo“cósmico”, pois retira toda a sua figuração do mundo visível que nos rodeia; b) é“onírico”, assim, enraíza-se nas lembranças, nos gestos que emergem de nossossonhos; c) é “poético”, o símbolo apela também para uma linguagem. ( Ricoeur, apudDurant, 1988: 13) Porém, apelarmos para uma linguagem não quer dizer que o


25simbólico encontra-se só na linguagem, mas também nas Instituições. Quanto a isso,vejamos o que diz Enriquez:“A organização não pode viver sem segregar um ou mais mitos unificadores,sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução, sem formar os seus heróistutelares ( colhidos com freqüência entre os fundadores reais ou os fundadoresimaginativos da organização ), sem narrar ou inventar uma saga que viverá namemória coletiva: mitos, ritos, heróis, que têm por função sedimentar a ação dosmembros da organização, de lhes servir de sistema de legitimação e de dar assim umasignificação preestabelecida às suas práticas e à sua vida. Ela pode então se oferecercomo objeto a interiorizar e a fazer viver”. ( Enriquez, 1982 : 34 )Nesse sentido, o simbólico se coloca como algo material e imaterial, pois ele secrava no natural e se crava no histórico. Disso decorre o surgimento de encadeamentode significantes, de relações entre significante e significado, conexões econseqüências. Busquemos exemplificar um pouco essa questão nos referindo aosagrado como experiência de relação.A vida religiosa no campo do indivíduo, é sempre uma experiência de emoção,e emoção profunda. Sempre que uma pessoa passa por essa experiência e é capaz defixar por um instante sua atenção a um desses momentos vividos, ela irá perceber quealgo muito mais do que bom aconteceu, e que foi por certo, um “desvelar de tesourosocultos”, a “revelação de pensamentos íntimos” e até mesmo, uma “confissãopública de segredos de amor”. A religião tem esse poder de fazer tudo isso acontecer,e é por isso que nela as coisas não morrem, mas se eternizam em um novo sentido.Todas as religiões têm em comum, e já se deram por demais conhecidas, que aexperiência do sagrado é algo que deva ser vivida. Palavras vãs seria buscar uma idéia,palavras vãs seria apenas acreditar. Com o sagrado só há uma coisa a fazer: vivê-lointensamente ! Portanto, o testemunho da experiência do sagrado não está só na vozinterior, não está só na consciência religiosa, no sentimento ou na aspiração da nossa


26alma. As coisas, certos fatos, certos acontecimentos, certos espaços em que estamosou espaços que fazemos e demarcamos também revelam de forma surpreendentementeluminosa, fascinante, a manifestação do sagrado. Rubem Alves (1984: 59) na suadefinição de sagrado e profano , compreendeu que estes não são propriedades dascoisas e que eles são frutos de experiências de relações; é por isso que, no encontroque o indivíduo faz com tudo que se lhe apresenta como sobre-humano ou sagrado,tudo num instante se transforma. E o que acontece ? Cada indivíduo que passa pelaexperiência de se possuir pelas coisas, sentirá que nesse instante ele não é mais ocentro de nada, mas ao contrário, vai aos poucos se descobrindo totalmente dependentede algo que se coloca, que se revela superior a ele mesmo.Rudolf Otto acrescenta : "Quando alma se abre às impressões do “universo”, aelas se abandona e nelas mergulha, torna-se susceptível de experimentar intuições esentimentos de algo que é, por assim dizer, um excesso característico e “livre” que seacrescenta à realidade empírica, um excesso não apreendido pelo conhecimento teóricodo mundo e da conexão cósmica, tal como está constituído pela ciência”. (1992: 185)Assim, acreditamos que nessas condições irrompe, no indivíduo, uma força atípica deenergia que transborda de dentro para fora e encontra condições favoráveis (oucriadoras) . Assim, acreditamos que nessas condições irrompe, no indivíduo, umaforça atípica de energia que transborda de dentro para fora e encontra condiçõesfavoráveis (ou criadoras). Durkheim (1978:222) já havia dito que um fiel que um fielque se comunica com seu deus, pode mais, encontra forças. Talvez a isso ele tenhaassociado a fé, o que plausivelmente, no campo da sociologia da religião, faz sentidoessa identificação.


27Mas tudo não acaba no indivíduo. A sociedade, também, constitui um lugar dereferência para compreendermos essa experiência de relação com o sagrado. Opressuposto para isso é o entendimento sobre a relação entre o simbólico e a sociedade.É comum a sociedade atribuir a certos fenômenos, acontecimentos em momento degrande efervescência, sacralidade. Sendo mais claro: períodos de grandes crises, dechoques violentos provocam mudanças nas relações sociais; as interações sociais setornam mais freqüentes, mais intensas, ativas, levam a descoberta do outro, destacam anecessidade de interdependência, solidariedade, religiosidade. Hunt, (1990: 25)tratando da relação entre a sociedade e o sagrado, reflete essa questão a partir darevolução francesa, dizendo:“Representação material do sagrado são, em certo sentido acidentes - histórico,contingente - e só a maneira de sua operação segue padrões universais (...). Revoluçãofrancesa: emergência de bonés tricolores, árvores da liberdade, capas vermelhas daliberdade, altares da pátria, deuses da liberdade ( toda uma produção de símbolos e rituaisforam erigidos em torno desse momento histórico). Centro desses rituais: os juramentosrevolucionários. Mathiez conclui: 'essa origem social do juramento civil redundou emimprimir na fé revolucionária um caráter de fé religiosa'. Tocqueville antes: 'Assim arevolução francesa, apesar de ostensivamente política em sua origem, funcionou nas linhas eassumiu muitos aspectos de uma revolução religiosa'. Para Tocqueville, a revolução foitocada por uma qualidade messiânica: pelo desejo revolucionário ( querer ) de levar a boanova aos homens de todos os lugares”.E aqui voltamos a Enriquez, quando este reflete sobre a necessidade que umadeterminada organização tem de interiorizar valores, e com isso fazer com que aquelesque são seus membros, possam desenvolver sentimentos de pertença, fazer experiênciade admiração como também de temor. Assim, não há como negar, toda essanecessidade de sacralidade é parte constitutiva do ser das sociedades, desde asprimitivas às mais complexas. "Toda sociedade exige, para se instaurar e se perpetuar,se referir a uma ordem legitimadora de sua existência”. Basta conferir, a título deexemplo, o que diz Durkheim (1996: 159) sobre a natureza do totem, quando este é


28uma expressão coletiva, dizendo-o "parte do estatuto legal de cada indivíduo" e que,"geralmente é hereditário".Os ideais da Revolução Francesa, como idéias concebidas pelo processo histórico,necessitaram da força suficiente para se impor, e isso foi possível porque eles tiveramque se encarnar e portanto, se imporem às consciências e ao inconsciente, mas suaforça, sua mola, é o afetivo e não o intelecto.Para explicar, sagrado e profano, em "As Formas Elementares da Vida Religiosa",primeiro que tudo, Durkheim (1994: 10) procura um caminho plausível pela via daSociologia do Conhecimento, tomando como discussão central, as noções derepresentações individuais e coletivas, e constata que, as representações são partesconstitutivas tanto da vida coletiva como da vida mental de cada indivíduo; e não sóisso, são comparáveis entre si. Não há uma batalha entre a concepção durkheimiana e apsicologia individual, mas tão somente uma postura metodológica diferenciada, quenão chega a ferir a autonomia da Sociologia e da Psicologia. Assim, a posturametodológica de Durkheim começa, em primeiro lugar, tratando o fenômeno das“representações” como algo existente.Para Durkheim, as representações coletivas (= representações sociais), que secaracterizam como expressões dessa realidade sui generis, são fatos sociais, isto é,coisas reais por elas mesmas. Para entender assim o conceito, tal visão parte doseguinte pressuposto sociológico:“A sociedade tem por substrato o conjunto de indivíduos associados. O sistemaque eles formam, unificando-se, varia segundo sua própria disposição sobre a superfíciedo território, a natureza e o número de vias de comunicação, tudo o que constitui a basesobre a qual se edifica a vida social. As representações, que são sua trama, originam-sedas relações que se estabelecem, tanto entre os indivíduos, de tal forma combinados,quanto entre os grupos secundários que se interpõem entre o indivíduo e a sociedadetotal”. (Durkheim, 1994: 41)


29Isto quer dizer, em síntese, que não são os indivíduos em relação que detêm efazem uso das representações coletivas. O salto durkheimiano é para fora dosindivíduos, ou seja, as representações não são puramente algo interno da vida mentalde cada indivíduo. A expressão de relação entre eles (indivíduos) que torna visível otecido social, é que torna legítimo o existir desse fenômeno. Nesse sentido, paraDurkheim, a sociedade, como sendo uma totalidade se constitui como algo que seantecipa ao indivíduo. Isso explica, porque buscava enfatizar a especificidade e aprimazia do pensamento social em relação ao pensamento individual. Para esse autor,assim como a representação individual deve ser considerada um fenômeno psíquicoautônomo não redutível à atividade cerebral que a fundamenta, a representaçãocoletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem asociedade. Ela é também uma realidade que se impõe a eles: as formas coletivas deagir ou pensar têm uma realidade fora dos indivíduos que, em cada momento,conformam-se a elas. São coisas que têm existência própria. O indivíduo as encontraformadas e nada pode fazer para que sejam ou não diferentes do que são.A partir de 1961, com a publicação da obra de Serge Moscovici, sobre arepresentação social da psicanálise, essa noção ganha não só um novo enfoque, masuma nova dimensão :“As representações em que estou interessado não são as de sociedadesprimitivas, nem as reminiscências, no subsolo de nossa cultura, de épocas remotas. Sãoaquelas da nossa sociedade presente, do nosso solo político, científico e humano, quenem sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que as tornassetradições imutáveis. E sua importância continua a crescer, em proporção direta àheterogeneidade e flutuação dos sistemas unificados - ciências oficiais, religiões,ideologias - e às mudanças pelas quais eles devem passar a fim de penetrar na vidacotidiana e se tornar parte da realidade comum”. (apud Spink, 1993: 22)


30Sabe-se, que o objetivo de Moscovici era contribuir para uma psicologia doconhecimento e a questão das representações sociais ganha aí uma grande importânciae ele passa a entendê-las como uma modalidade específica de conhecimento, quetem por função a elaboração de comportamento e comunicação entre indivíduosno plano da vida cotidiana. Isso porém, não acontecia com Durkheim, para quem oconceito de Representação Social era bastante abrangente e compreendia mitos, lendas,concepções religiosas de todas as espécies, as crenças morais, etc., através das quaispoderíamos encontrar parte significativa da história da humanidade .As representações coletivas eram vistas, na sociologia durkheimiana, comodados, como entidades explicativas absolutas, irredutíveis por qualquer análiseposterior, e não como fenômeno que devessem ser eles próprios explicados; àpsicologia social, pelo contrário, segundo Moscovici, caberia penetrar nasrepresentações para descobrir a sua estrutura e os seus mecanismos internos. (cf.Spink, 1993: 23) Pelo exposto, Moscovici foi até Durkheim ou melhor dizendo, foi atéa sociologia durkheimiana, buscar as bases para o conceito de Representação Social.2. 1 -Definindo representação socialAo buscamos uma definição para representações sociais não queremos algomeramente teórico, mas desde já, conhecer tais representações sociais, e ver que elasse colocam, por exemplo, a propósito do nosso estudo, como essenciais paraexplicarem/compreenderem as dinâmicas em ato num dado contexto social. DeniseJodelet, importante colaboradora e continuadora do trabalho de Moscovici, designamRepresentação Social como uma forma de conhecimento específico, o saber de sentidocomum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos gerativos e funcionais


31socialmente caracterizados; designa ainda uma forma de pensamento social. As ,Representações Sociais, nesse sentido, constituem modalidades de pensamento práticoorientados para a comunicação, a compreensão e o domínio do social, material e ideal.Essas representações, na visão de Jodelet, apresentam características específicas anível da organização dos conteúdos, as operações mentais e a lógica .Portanto, a noção de Representação Social implica uma forma de conhecimentosobre a realidade social; um tipo de conhecimento particular que, em síntese, seexpressa como "teorias" sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas epartilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real.Mas, o que está na base desse processo é a fala, pois as representações sãoapreendidas através da fala. Diz-se normalmente, e com razão, que a representaçãosocial é apreendida na conversa da vida cotidiana e é por isso que uma das suascaracterísticas fundamentais é a de ser um conhecimento prático, que se elaborasegundo uma lógica própria no sentido de uma ação. Assim, as representações sociaisao se expressarem dinâmicas, colocam os indivíduos a produzirem formas criativas derelacionamentos com o meio em que vivem. Nesse sentido, as representações incidemsobre o tecido social, podendo configurar-se assim, em objeto de estudo: " (...) sãometamorfoses da realidade, revelando o sentido de um mundo invisível, projetado feitosombra nas nossas mentes. São, igualmente, fatos sociais, por isso, podem ser tratadascomo "coisas"5 , possíveis de observação exterior e experimentação" (perrusi,1992:44).5 Entre vários significados sugeridos na reflexão, uma se apresenta bastante interessante, pelo fato de sedefinir de forma genérica: "Coisa" designa qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico etc.,de que de um modo qualquer, se possa tratar. Nesse significado, a palavra é um dos termos maisfreqüentes da linguagem comum e é também copiosamente empregada pelos filósofos. "Coisa" pode sero tenno de ato de pensamento ou de conhecimento ou então de imaginação ou de vontade: de construçãoou destruição etc. Pode-se falar de uma Coisa, que existe na realidade como também de uma Coisa queestá na imaginação, ou no coração, ou nos sentidos etc. Assim, pode-se dizer que nesse significado


32Uma segunda questão, diz respeito a relação representação social e ideologia.Primeiro que tudo, ainda é importante nesse momento que estamos vivendo, deixar.pontuadas algumas idéias acerca do que se entende por ideologia. Alguns autoresrecentemente têm refletido que a palavra ideologia foi muito utilizada como sinônimode "consciência falsa da realidade", que apenas serve, para esconder a realidade mesmadas coisas, impondo aos indivíduos, uma atitude de alienação perante o mundo. Aideologia, é elaborada e manipulada, com o fim de esconder os mecanismos deexploração que rege a sociedade capitalista, contribuindo assim, com a perpetuação dopoder da classe que se apresenta hegemônica num dado momento histórico (cf. Crespi,1997:37s). Mas, essa visão, não é mais predominante, ou seja, esse sentido negativistada ideologia. Encontramos numa outra concepção, que ela pode "designar qualquercoisa, desde uma atitude contemplativa que reconhece sua dependência em relação àrealidade social, até um conjunto de crenças voltado para a ação; desde o meioessencial em que os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura social atéas idéias que legitimam um poder político dominante" (Zizek, 1996:9).A propósito da concepção de Zizek, poderíamos formular a seguinte pergunta:os evangelhos, expressões mais diretas da fé cristã, podem ser consideradas livres deideologias? E poderíamos responder, simplesmente, que não é possível, por exemplo,para a fé religiosa, expressar-se ou transmitir-se a não ser mediante fatos, que aomesmo tempo, são o resultado dos valores que se pretendem transmitir, e das técnicasempregadas para realizá-los. O sentido de ideologia aqui é, pois, o de fazer com queCoisa significa um termo qualquer de um qualquer ato humano ou, mais exatamente, qualquerobjeto que de qualquer modo se depare a alguém É o significado incluído na palavra gregapragma. Cí. Abbagnano, Op. Cit p. 138 .


33um crente, um fiel que participa assiduamente de sua religião, adira de modo eficaz,acertos valores e os leve à prática. Acredito ser este o sentido da afirmação de rDurkheim (1996:63) quando diz: " (...) a religião parece dever necessariamente seapresentar, não como um vago e confuso devaneio, mas como um sistema de idéias ede práticas bem fundamentadas na realidade". Esse "vago e confuso devaneio" , querdizer que as coisas da religião não se passam nem do lado e nem acima da realidade,mas só podemos entendê-las e interpretá-las, a partir dessa realidade mesma. E dessemodo, não podemos imaginar a religião, a fé, prescindindo da ideologia, como formade fazer atuar, determinados valores na história (cf. Segundo, 1985: 1 46ss). Essanoção de ideologia, portanto, toma-a como uma instância social, o que nos faz ver,com relação a representação social, que esta faz parte da dimensão ideológica, emborasejam distintas. E o que poderíamos considerar, de uma forma geral, como distinçãoentre ideologia e representação social, é que a ideologia se localiza perfeitamente nocampo da língua, já quando nos referimos às representações sociais, estas situam-se nocampo da fala. O "pulo", a "passagem" da ideologia a representação não é simples edireta, como se não houvesse uma ponte a estabelecer o passe. Acontece, porém, quese a ideologia está inscrita no material significante, a sua expressão comorepresentação necessita de um canal adequado. Essa intermediação seria realizada pelodiscurso que, apesar disso, não se esgota como mero lugar de passagem de sentido docampo ideológico para o da representação. O discurso se coloca, então, como umarealidade intermediária, que situa-se entre a língua e a fala.Dizer que a representação social, faz parte da dimensão ideológica, significaque sendo aquela uma modalidade de conhecimento pat1icular, ela recobre a noção deopinião, atitude, imagem, ou seja, recobre um conjunto de informações e valores, que


34não fica só na dimensão da cognição. A representação social é uma predisposição paraa ação. Esse sentido perpassa nossa preocupação, quando nos propomos a estudar arepresentação religiosa, colocando sobre nós o desafio de identificarmos, por baixodesta representação religiosa, urna dada realidade que ela figura e lhe dá uma certasignificação. Com certeza, as diversas formas representacionais que buscarmos, com oproceder de nossa análise, implicarão desde necessidade humana a impulso para açãosobre a realidade. E isto se deve ao fato de serem os conteúdos dessas representações,individuais e coletivas.2. 2 O real e a ação de representarAtravés dos estudos feitos por Serge Moscovici, este destacou uma maneira decomo uma Ciência pode penetrar na Sociedade e perceber então, o processo que se dána construção de representação a partir do social e de como esse mesmo social étransformado. Esses dois processos são por ele denominados de OBJETIVAÇÃO eANCORAGEM, os quais pretendemos utilizar nesse estudo como categorias deanálise.O processo de Objetivação, como aspecto responsável pela formação dasrepresentações sociais, consiste em uma “operação imaginante e estruturante”, pelaqual se dá “forma”- ou figura - específica ao conhecimento acerca do objeto, tornandoconcreto, quase tangível, o conceito abstrato, “materializando a palavra”. SegundoMoscovici, “objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia ou ser impreciso,reproduzir um conceito em uma imagem”. Como um segundo processo responsávelpela formação das representações sociais, vem a ancoragem, que, segundo Jodelet,“se refere à integração cognitiva do objeto representado dentro do sistema de


35pensamento preexistente e às transformações derivadas deste sistema, tanto de umaparte como de outra. Já não se trata, como no caso da objetivação, da constituiçãoformal de um conhecimento, senão, de sua inserção orgânica dentro de um pensamentoconstitutivo”. (pp. 474/75)De um modo geral, o processo de ancoragem é responsável pelo enraizamentosocial das representações e de seu objeto. Assim, segundo Moscovici, ancorar é“classificar e denominar coisas que não são classificadas nem denominadas, sãoestranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”. Esse processo deancoragem, se colocado de lado do processo de objetivação numa verdadeira relaçãodialética, articulará sem sombra de dúvidas, certas funções, que ao nosso ver, sãopróprias da representação, quais sejam: função cognitiva de integração, função deinterpretação da realidade e função de orientação das condutas e as relações sociais .2. 3 Nossos passos estratégicosDo ponto de vista de operacionalização, o estudo se apoiará em três estratégiasfundamentais e complementares: 1) observação sistemática que se consolida, em diáriode campo, buscando apreender o discurso que se constrói, a partir da prática religiosainstitucional da Igreja Universal do Reino de Deus, sobre o dinheiro; 2)estabelecimento de estratégias que permitisse a construção de associações ementrevistas livres, gravadas, visando captar o significado atribuído ao dinheiro nasrelações estabelecidas no âmbito institucional religioso;3) tomar, como recursotécnico para análise do quadro representacional, elementos analíticos vindos do campoda semiótica .


36A partir desse processo metodológico, que inclui procedimentos da Teoria daRepresentação Social e da Semiótica, buscando entre elas uma interação no processode análise esse estudo visa a estabelecer: a) Que a organização do discurso teológicode prosperidade (tendo por referência básica o produzido pela Igreja Universal doReino de Deus ) contempla o elemento dinheiro, como objeto de articulação com a fé;b) e que esse mesmo elemento, na sua construção, como significado/representação,firma laços de identidade na base da instituição religiosa que ora se pesquisa.2. 4 Representação e a semiótica da significaçãoO objeto sobre o que analisaremos, encontra-se sob duas condições que ele estáinserido, enquanto fenômeno, em uma cultura concreta e como tal, para efeito de suafuncionalidade, deve ser tomado também como um fenômeno de comunicação,levando à produção de linguagem e de sentido.O que nos interessa, especialmente, é o fato de poder tratar objetos materiaisque circulam no espaço religioso, como objetos que ganham significado e sentido. Eisto é bem próprio da preocupação semiótica: "A semiótica é a ciência que tem porobjeto de investigação todas as linguagens, ou seja, que tem por objetivo o exame dosmodos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção e significação e desentido". (Santaella, 1983: 13)Nesse caso, o dinheiro é também, um desses fenômenos que comporia comoobjeto, uma análise semiótica, pois"(...) a sua ação é uma metáfora gigante, esclarecendo através de imagens esignos que, 'a projeção das simples relações nos objetos particulares é uma realizaçãodo espírito; quando o espírito se encarna em objetos, eles se tornam um veículo para oespírito e lhe atribuem uma atividade mais viva e mais ampla. A capacidade deconstruir tais objetos simplesmente alcança o seu maior triunfo no dinheiro. O dinheirorepresenta a interação mais pura e sua forma mais pura; é uma coisa individual cujosignificado essencial é ir além das individualidades. O dinheiro é então a expressãoadequada da relação do homem com o mundo, que só podemos apreender em exemplos


37concretos e particulares, mas que só podemos realmente conceber quando o singular setorna a encarnação do processo mútuo vivo que entrelaça todas as singularidades e,sob essa forma, cria a realidade'." ( Moscovici, 1990 : 287) .Assim, esse recorte permitirá apreciar de forma direta, a relação entre religião,fé e dinheiro. Estes, articulados em torno de um tipo de discurso, obedecem a umaordem de linguagem que, uma vez reconhecida, garante a produção de seus própriosconteúdos.Contudo, considerando o campo religioso como produtor de sentido, é preciso,igualmente, dar conta de um processo mais geral, o da significação. Expliquemo-nosmelhor. A semiótica da significação tem a função de "analisar o papel do signo navida mental das pessoas envolvidas no processo de comunicação".Assim, para entender a mensagem pregada pela Igreja Universal do Reino deDeus na mente dos fiéis sobre o dinheiro, a semiótica da significação nos oferece umcaminho completamente importante.Precisemos melhor essa questão de "signo", paraque fique melhor compreendido o trato que darei ao meu objeto de estudo:"O signo em primeiro lugar depende de algo que não ele mesmo. Ele érepresentativo, mas apenas de maneira derivativa, numa condição de subordinado. Nomomento em que um signo desliza para fora dessa subordinação, como acontece comfreqüência, aí então ele deixa de ser signo por algum tempo. Um signo visto em simesmo não é visto como signo, muito embora possa sê-lo virtualmente. Em si mesmo,ele é um mero objeto ou coisa tornada objeto, esperando talvez se tornar um signo, outalvez tendo antes sido um signo, mas em si mesmo não sendo um signo de maneiraalguma. Um signo, então, é um representante, mas nem todo representante é um signo.As coisas podem se auto-representar na experiência. Na medida em que fazem isso, sãoobjetos, nada mais, muito embora ao se tornarem objetos elas pressuponham signos.Para ser um signo, é necessária a representação de algo que não o próprio ser. Ser umsigno é uma forma de prisão a um outro, ao significado, o objeto que o signo não émais que, todavia representa e substitui". ( Deely, 1990 : 54)É a partir dessa concepção de signo que expressaremos nosso entendimentosobre o elemento "dinheiro" enquanto tal. Nesse sentido, devo concebê-lo não apenascomo algo que existe (coisa), nem muito menos apenas como algo que se manifesta


38para alguém (objeto): ele também se manifesta para alguém como representação dealgo mais (signo).No processo de semiose existe um aspecto em que me deterei e que sedenomina de "resultado significado propriamente dito", no caso desse estudo, odinheiro enquanto signo: "A isso Peirce chama de interpretante, uma noção singular eimportante que constitui a chave do entendimento da ação dos signos como processo,uma forma de tornar-se e também um tipo de Ser, além de constituir a estruturaessencial que torna possível o significar". (Deely, 1990 : 45)Mas, o que é mesmo o interpretante de um signo ? Segundo Deely, Peirce odefiniu como sendo tudo aquilo que está explícito no signo em si mesmo, sem contar ocontexto e circunstância de sua produção, e isso constitui o seu "resultado significadopropriamente dito". Agora, o que é importante para o interpretante de um signo é queele seja o fundamento sobre o qual o signo pode ser visto como uma relação com algomais, o significado.O nosso objetivo com essa reflexão, é ficar compreendido que, serão deimagens que iremos nos apropriar, imagens elaboradas em torno do dinheiro, que seapresentam não só através da fala, mas também na dimensão semiótica comointerpretante 6 .2. 5 Representação e dinheiroComeçaria dizendo a respeito do dinheiro que,"O dinheiro é estritamente uma invenção humana por se tratar, em si mesmo, deuma metáfora - ele quer dizer outra coisa. Permite que os seres humanos estruturem a6 “O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está apto a produzir numa mente interpretadoraqualquer. Não se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente , mas daquiloque, dependendo da sua natureza, ele pode produzir. Há signos que são interpretáveis na forma dequalidades de sentimento; há outros que são interpretáveis através de experiência concreta ou ação;outros são passíveis de interpretação através de pensamentos numa série infinita” (Santaelle, 1983: 60)


39vida de forma incrivelmente complexa que não se encontravam disponíveis antes dainvenção do dinheiro. A qualidade metafórica concede-lhe um papel de enfoque naorganização do significado na vida. O dinheiro representa uma forma infinitamenteampliável de estruturar o valor e as relações sociais - pessoais, políticas e religiosasbem como comerciais e econômicas". (Weatherford, 1999: 46s)Sendo o dinheiro uma invenção humana, ele só faz sentido mergulhado em um sistemasócio-cultural, pois este o explica para além de sua realidade material. Assim, não épropriamente o dinheiro que nos interessa, mas sim, o que ele faz suscitar quandoo inserimos em uma trama institucional onde, através de um determinado tipo derelação entre indivíduos, percebemos que, entre tantos objetos materiais, ele nãose comporta simplesmente como um valor de uso, como uma quantidade, papelmoeda,uma folha de cheque ou um cartão magnético. Ele é tudo isso, mas outrasimagens moram nele e o extrapolam, arrancando das pessoas desejos e/ou costurandolaços, firmando identidades. Não é o dinheiro, então, que, sozinho, objetiva-se naspessoas e em suas Instituições, tornando-se, portanto, laço. Antes, ele se inscreve notecido social como uma teia linguístico-simbólica que amarra a todos... "O drama dostempos modernos decorre exatamente de os homens não poderem ter entre si nenhumlaço de onde o dinheiro esteja ausente e que de uma forma ou de outra não sejaencarnado por ele". (Moscovici, 1990: 286)À luz desse primeiro instante, afirmo que, a representação social de umdeterminado objeto requer que este seja entendido como coisa que se encontraem movimento. Na perspectiva teórica assumida nesse estudo, o movimento não é doobjeto em si, como se tivera vida própria, mas resulta da interação social entre aspessoas. Nessa relação sujeito/objeto, o movimento se dá dialeticamente. Há umdesdobrar-se do objeto como "coisa" em ser para si e ser para o outro; o sujeitocognoscente é impelido, através de um movimento em que, ao colocar-se frente aooutro, a construção contínua e permanente da forma de ser, de agir e de estar no


40mundo, vai sendo construída. Nesse sentido, haveremos de considerar a representaçãosocial como o sentido atribuído a um dado objeto pelo sujeito, a partir das informaçõesque, continuamente, lhe vêm de sua prática, de suas relações. Nesse processo,informações de diferentes ordens são continuamente elaboradas, transformadas,recriadas, articulando instâncias, níveis e dimensões, numa síntese que permite aosujeito agir e interagir, situar-se e se definir.A seguir, nossa reflexão toma como enfoque a questão da Representação Social eSociologia do Dinheiro. Mais precisamente, a seção versará sobre o dinheiro comoproblema sociológico, e a partir daí, o processo irá estreitando os caminhos com vista asituar o elemento "dinheiro", em seu contexto institucional, ou melhor dizendo, situálodentro de uma experiência humana concreta, através da qual ele se expressa social eculturalmente; incidindo assim, como algo provocador de surgimento de laços sociaisna base da instituição a qual pesquiso e tomo como lugar onde minhas questões foramelaboradas.3. O <strong>DINHEIRO</strong> COMO PROBLEMASOCIOLÓGICONo Dicionário do Pensamento Marxista, editado por Bottomore (1988: 107)apresenta a seguinte definição para "dinheiro": "O dinheiro é um equivalente geralsocialmente aceito, uma mercadoria específica que surge na realidade social paradesempenhar o papel de equivalente geral e exclui desse papel todas as outrasmercadorias". Quem, ao ler essa definição, não imaginaria "dinheiro" como, porexemplo, ligado a preço? Preço está ligado a valor que, por sua vez, está ligado amercadoria, que se liga a dinheiro. De uma realidade material que poderia encerrar-se


41em si, já há vestígios de uma outra, imaterial, que alcançará vôos inimagináveis comopossibilidade de significação. Uma representação social, por exemplo, seriaresponsável por isso. O dinheiro nunca existe em um vácuo cultural ou social. Não éum mero objeto sem vida (Weatherford, 1999 : 30 ). Por isso ele é também umarealidade metafórica, ou seja, por sermos pessoas inseridas em um dado sistema sócioculturalespecífico, e o dinheiro como sendo uma de nossas invenções, ele semprecarrega a possibilidade de querer dizer uma outra coisa.O debate acerca do dinheiro na história, foi marcado por duas tendências: uma,que insistia em conceber o dinheiro como algo que tem um valor próprio; e uma outraconcepção, que afirma "(...) que as formas primitivas de dinheiro como mercadoriapodiam ser substituídas por formas puramente simbólicas, cujo valor seria determinadopor convenção e, para alguns, endossado pelo estado. Esse debate, superpôs-se àqueleentre os que seguem Aristóteles, encarando a função dos meios de troca como básica eos hereges, que atribuíam primazia a outras funções do dinheiro". (Outhwaite;Bottomore; et al 1996 : 209)Se concebermos o dinheiro como uma metáfora, como algo que está a dizeroutra coisa, ele na verdade, desempenha o papel de carregar sobre si a primazia deoutras funções, e uma delas como símbolo a que se presta, a de representar: "Enquantoobjeto visível, constata Simmel, o dinheiro é a substância que encarna o valoreconômico abstrato, da mesma forma que o som das palavras, fenômeno acústico efisiológico, só tem significado através da representação que carrega ou quesimboliza(...)". (Moscovici, 1990: 286)O dinheiro se constitui uma realidade representacional por apresentar uma desuas principais razões de ser: a de implicar uma forma de conhecimento sobre arealidade social. O dinheiro possibilitou ao longo da História das sociedades mudanças


42significativas quanto à forma de se organizarem, e à visão de como concebiam a simesmas. E quando nos referimos à sociedade, nos referimos à relação dialética entresujeito e estrutura, e a ação como mediadora dessa relação. Nesse sentido, o dinheirodeveria ser compreendido, do ponto de vista do valor, não como uma mera mercadoriasimplesmente, mas também como algo de alcance intercambiável 7 com outros objetos;e por que não dizer, promotor de relações sociais, o que denuncia sua dimensão demobilidade e incidência sobre a forma como se enxerga o mundo:" (...) Conforme observou Georg Simmel, 'a idéia de que a vida baseia-seessencialmente no intelecto, e que o intelecto é aceito na vida prática como a maisvaliosa de nossas energias mentais, anda de mãos dadas com o crescimento de umaeconomia monetária' . Com a ascensão de sua nova economia baseada no dinheiro, osgregos estavam mudando a forma como as pessoas enxergavam o mundo. Essas novasformas de pensamento e organização do mundo deram origem a novas ocupaçõesintelectuais. Simmel escreveu que 'aquelas classes profissionais cuja produtividadereside fora da economia surgiram somente na economia monetária - aquelaspreocupadas com uma atividade intelectual específica como professores e pessoasletradas, artistas, médicos, estudiosos e funcionários do governo'". (Weatherford, 1999:42)É por esse caminho que buscamos problematizar sociologicamente a questão dodinheiro.Começaríamos então, por concordar com Moscovici (1990: 262) que odinheiro é o grande ausente das Ciências do Homem. Esta afirmação por si só já é umproblema: por que não torná-lo um problema especificamente sociológico? NaSociologia dos tempos atuais ele, o dinheiro, é pouco tematizado; embora sendo7 Os Astecas usavam, chocolate como dinheiro, ou mais precisamente, usavam sementes de cacau,geralmente chamados de grãos. Podemos observar, ainda, que, em todo o mundo, artigos que vão de sala tabaco, de toras de madeira a peixe seco, e de arroz a tecido, foram usados, como dinheiro, emdiversas épocas da História. Porém, a maioria desses artigos, que compunham um sistema, baseado maisna troca do que na compra, não podia cumprir todas as funções do dinheiro, pois se constituía emartigos, pouco capazes de acúmulo de valor. Para acumular riquezas para uso futuro, normalmente aspessoas precisavam de itens mais duráveis. E com o passar do tempo, entre os povos antigos, o processoeconômico evoluiu, nesse sentido, e foram descobertos novos itens que passaram a incorporar umarelação de bens duráveis, tais como: tecido, peles, plumas, conchas, dentes de javali, etc.; o que significamais valor do ponto de vista monetário. (Cf. Weatherford, 1999 : 20ss)


43considerado o fato social supremo da sociedade moderna, constitui-se um elementoquase que deixado de lado pelos cientistas sociais .Como fenômeno da vida cotidiana, o dinheiro instiga-nos, pois não é ele em sique provoca tantas perguntas, mas a pessoa humana que ao apresentar-se como ser derelação, vê-se envolvida por teias sociais que desenham o lugar de sua moradaracional, isto é, seu ethos. A Sociedade é o grande palco das ações humanas e estasdemarcam desde esferas micro até esferas macro, a trama histórica que a pessoahumana está vivendo. O fato da existência humana não é só uma questão para afilosofia, mas também para a Sociologia, que quer entendê-la a partir da sociedade emais precisamente, a partir das relações elaboradas por dentro das diversas formasinstitucionais, que visibilizam o tecido social em um momento historicamentedeterminado dessa sociedade. Nesse sentido, trazer o dinheiro para o campo dadiscussão sociológica, é considerá-lo uma realidade que tem uma dimensãoinstitucional; e isso, pelo fato de concebê-lo como elemento provocador de relaçõessociais.Na visão de Marx, o dinheiro é concebido como o objeto por excelência, poisna sua visão, ele possui a propriedade de comprar tudo e de apropriar-se de todos osobjetos. Comentando leitura feita dos textos de Shakespeare, Marx chega a destacarduas propriedades especiais inerentes a essa realidade chamada dinheiro. Diz ele:1- É a divindade visível, a transformação de todas as propriedades humanas enaturais em seu contrário, a confusão e inversão geral de todas as coisas; irmanaas impossibilidades ;2- 2- É a rameira geral, proxeneta geral dos homens e dos povos. A inversão econfusão de todas as qualidades humanas e naturais, a irmanação dasimpossibilidades - a força divina - do dinheiro repousa na sua essência enquantoessência genérica, alienante e auto-alienante do homen. O dinheiro é a capacidadealienada da humanidade. (Marx, 1978: 31)Relação de bens duráveis, tais como: tecido, peles, plumas, conchas, dentes de javali, etc.; o quesignifica mais valor do ponto de vista monetário (Cf. Weatherford, 1999:20ss).


44Ele vai afirmar que, com o dinheiro o homem pode tudo. Ele tem a forçacriadora de transformar os desejos do homem em modos de existência sensível,efetivo. O dinheiro, na visão de Marx, tem o poder de transformar as coisas da vidaem seus contrários e que, ao mesmo tempo, suscita propriedades contraditórias. Porém,essa força divina, esse poder, não se explica de forma meramente subjetiva, pois paraMarx, a origem do dinheiro se encontra na própria mercadoria; é a partir daqui na suaconcepção, que a dificuldade da análise sobre o dinheiro seria vencida. 8E a pergunta essencial aqui se impõe: qual a substância social comum a todasas mercadorias? É o trabalho. E para Marx, produzir uma mercadoria é incorporar aela trabalho, isto é, trabalho social, pois este se diferencia daquele tipo de trabalho cujoproduto serve apenas a uso pessoal e direto de um indivíduo e, nesse sentido, não seconstituem mercadoria. Agora, para que esta se constitua, faz-se necessário que ela seapresente subordinada à divisão do trabalho dentro da sociedade. Portanto, para Marx,uma mercadoria só possui valor se ela se apresentar como uma cristalização dotrabalho social.O dinheiro em Marx, então, é visto e entendido a partir desse prisma,isto é, na medida em que ele se torna um meio essencial mediante o qual o trabalhopode ser assim, mercadorizado de forma abstrata, comprado e vendido nomercado de trabalho e explorado para a acumulação de lucro. Sendo assim, ficapatente na visão marxiana que o dinheiro se constitui em uma realidade concreta, dadaa sua expressão consistir como algo advindo das condições estruturais que sustentamas relações capitalistas de produção. Dodd, (1997: 56) é conclusivo quanto a essaquestão ao afirmar :8 Para Marx, a mercadoria é antes de mais nada um objeto externo, uma coisa que, por suaspropriedades, satisfaça necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem dessas necessidades,provenha do estômago ou da fantasia


45“Para Marx, o papel do dinheiro na sociedade capitalista é facilitar acristalização do poder abstrato do trabalho sob a forma de relações de troca demercadoria, e nesse caso não importa muito se o dinheiro em si é representado porouro ou por casca de banana. Afinal, a fonte do valor do dinheiro não pode serexplicado sem se fazer referência às relações de produção e troca que geram acirculação das mercadorias. De modo particular, é como expressão dessas relaçõesque o dinheiro é sociologicamente significativo.”Assim, tendo o dinheiro por função ser uma medida do valor das mercadorias -o que constitui sua propriedade fundamental -, ele se define em Marx como umequivalente geral socialmente aceito; portanto, é concebido como mediação de umarelação social e de troca . Contudo, Marx não findou a discussão. Embora tenha dadoum tom que se tornaria hegemônico no campo da Sociologiaeconômica, nãorepresentou a última voz acerca do dinheiro como objeto de estudo, não o tratou comocoisa em si e muito menos em termos representacionais, na perspectiva desse estudo .Max Weber também abordou essa questão. Concebeu o dinheiro sob a óticaadministrativa, jurídica e econômica; mas, o entendeu fundamentalmente como uminstrumento e meio de expressão da racionalidade econômica. Já em Parsons, odinheiro esteve situado como objeto de estudo em um modelo para análise de outrossubsistemas sociais, considerados como sistema de troca simbólica: "Parsonscaracteriza o dinheiro como um meio simbólico. Como a linguagem é o protótipo domeio simbólico, o dinheiro é análogo à linguagem em suas propriedades e funções.Mais especificamente, o dinheiro constitui uma linguagem especializada no contextoglobal do sistema social, papel que ele compartilha com outros meios como poder,influência e compromisso de valor”. (Dodd, 1997: 117)Diferentemente, pois, de Weber, para quem o dinheiro tinha uma significaçãobastante econômica, Parsons, assim também como Habermas e Simmel, conformeDodd, definem o dinheiro com referência às relações sociais e associaçõesculturais. Assim, o dinheiro tem uma importância econômica, mas não pode ser


46reduzido totalmente a essa esfera. É significativa, portanto, a visão que vamosencontrar em Símmel, que aprofunda sociologicamente, a influência permeadora dodinheiro na vida social. E obviamente diferente de Marx, não discorre suacompreensão por sobre o trilho tão somente da mercadoria, como se o dinheirounicamente dela derivasse. Em Simmel, para quem a ciência social deve profundorespeito, por ele ter composto o estudo mais sério sobre o dinheiro até agoraverificado, este se reveste de uma importância econômica sim, mas principalmentecultural :“A onipotência do dinheiro com relação a outros valores despertasentimentos psicologicamente análogos ao da veneração a Deus. Do mesmo modo que“a essência da noção de Deus é que todas as diversidades e contradições do mundoalcançam nele uma unidade”, também com o dinheiro “a relatividade das coisas é oúnico absoluto e, a esse respeito, o dinheiro é de fato o símbolo mais forte e maisimediato”. ( Ibid. 1997: 91)Produzimos constantemente muitas imagens em torno do dinheiro e isso,levando em conta os diversos âmbitos de nossa sociabilidade, isto é, seja a família, otrabalho, a escola, a política, a rua, a religião. Esses âmbitos e outros por certo seconstituemem espaços institucionais, pois, prescrevem regras e normas paraconvivência e relacionamento. Os símbolos fluem ligados à qualidade desses espaçose por isso, só ligados a eles e vivenciando experiências, os apreendemos e tambémseus significados. Cada âmbito social desses tem sua riqueza em se tratando de seussímbolos, como expressão de comunicação com as diversas realidades de quepretendem falar. E mais. Sabe-se, por certo, que a vida social é impossível sem pensarna construção simultânea de signos, símbolos, significados. Cada ação tem um sentidoque alguém expressa por palavras e também por símbolos que vão sendo partilhados.A dimensão simbólica é assim, algo constitutivo da ação humana e da construção dassociedades. Ela se encontra presente em qualquer prática social. Pode ser encontrada


47no mito, no rito, no dogma, na política, nas artes, nas diversas formas de manifestaçõespopulares (música, dança, moda, etc.). E é bom lembrarmos ainda, que é nessacapacidade de simbolizar, através da cultura, que nós humanos nos distinguimos deoutras espécies animais. Não obstante isso, diríamos então, que essa nossa capacidadede simbolizar o mundo e tomando isto como uma dimensão de nossa práxis, se traduzcomo um poder de construção da realidade. Nesse sentido, Bourdieu (1998: 10)afirma: “Os símbolos são instrumentos por excelência da “investigação social”:enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível oconsenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para areprodução da ordem social: a integração “lógica” é condição da integração “moral”.Porém, não esqueçamos: o símbolo se define, principalmente, comopertencente à categoria do signo . Segundo Durand (1988: 12), "a maioria dos signossão apenas subterfúgios de economia, remetendo a um significado que poderia estarpresente ou ser verificado. É assim que um sinal simplesmente precede a presença doobjeto que representa. Assim também uma palavra, uma sigla, um algoritmosubstituem economicamente uma longa definição conceitual".Trabalhar o elemento “dinheiro”, como signo, não seria trabalhar algo em si,como papel-moeda, por exemplo. Mas, como símbolo, como algo cultural, que remetea um significado ou vários significados, e principalmente se ele (o dinheiro) estiversendo abordado como algo localizado em um campo institucional concreto; o quefacilita a busca de sua compreensão como uso corrente e de valor em atividadespróprias de tal instituição.afirma :Nesses termos, há de se concordar com Moscovici (1990: 271) quando este


48“O dinheiro é o exemplo mais evidente da transformação de uma forma emmatéria, de uma imagem mental em uma coisa. Ele se reconhece como meio derepresentar uma relação invisível através de um objeto visível, a moeda palpável, acédula ou o cheque que passam de mão em mão e fazem bens circularem de um lugarpara outro. E melhor ainda, ele assegura, particularmente no mundo moderno, apreponderância do sistema de representação, portanto da conversão e do símbolo,sobre o conjunto dos objetos e das relações”.Assim, a incidência, presença e visibilidade do dinheiro numa determinadainstituição religiosa, como por exemplo, no nosso objeto de estudo, a Igreja Universaldo Reino de Deus, incita-nos a ter que primar por esse elemento, não como umamercadoria específica que surge na realidade social para desempenhar o papel deequivalente geral, como Marx deixava claro ao buscar sua propriedade maisfundamental; mas, como algo que se mostra também como símbolo, expressão derelação e associação cultural .Voltando a Simmel, poderíamos perguntar: o que fundamentalmente sustentasua concepção sobre o dinheiro? Ao que responderíamos: sua teoria do valor.Conforme Dodd (e também Moscovici), o valor em Simmel está ligado ao desejo,mas esse fato não leva a uma conclusão de que ele tenha reduzido o valor a umaespécie de mero produto do desejo: por um lado, "as coisas que tem maior valortendem a ser aquelas que são mais difíceis de obter. Em outras palavras, valorizamoscoisas que parecem estar além do nosso alcance, que resistem ao nosso desejo depossuí-las”. (Dodd, 1997: 92) No entanto, essa questão está ligada à relação entresujeitos e objetos. O que Simmel diz é que nós criamos o valor e este chega na medidaem que a relação sujeito e objeto possibilita ao sujeito a experienciar fora dele mesmoos conteúdos do desejo 9 .9 "(...) com a complexificação da economia, o dinheiro vai assumindo formas progressivamente maisimateriais. Ao lado da moeda sonante surge o papel-moeda, depois a moeda escritural, a letra de câmbio,o cheque, etc. O dinheiro torna-se assim cada vez mais abstrato. Ao tornar possível a comparaçãomonetária de qualquer bem, o dinheiro instala a idéia de que o valor das coisas é exterior às coisas". Cf.Boudon, (1995 : 528/29) .


49Nesse sentido, Dodd, à luz de Simmel, conclui afirmando que o valor não éuma propriedade intrínseca dos objetos nem muito menos se pode cometer o absurdode reduzi-lo ao desejo dos sujeitos. Portanto, na visão de Dodd, a análise que Simmelfaz do valor, decorre fundamentalmente da relação entre os seres humanos e o mundoem que se encontram habitando ou, como ficou dito acima, da relação entre sujeitos eobjetos. Essa é, pois, a luz, a intuição que servirá de base para nossa argumentação, nosentido de como conceber, epistemologicamente, o trato com o dinheiro comoelemento de estudo no campo religioso. Para tanto, deixo uma questão que seránorteadora no processo de análise do referido elemento: Como o dinheiro aparece nomundo dos valores ?O lugar institucional em que situamos o dinheiro comoelemento para compor a análise é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD ), porassim dizer, ele se encontra situado no campo religioso; e como tal, será tratadofundamentalmente obedecendo a essa relação: Fé - Dinheiro - Prosperidade. Faz-senecessário, com isso, que a reflexão verse sobre meios através dos quais as pessoascomo também instituições, lançam mão para obterem e tomarem posse de bens. Eaqui, consideraremos duas formas bem conhecidas para se ter acesso a um bem ou aum serviço: a dádiva e a troca como formas de reciprocidade positiva .Monetária de qualquer bem, o dinheiro instala a idéia de que o valor das coisas é exterior as coisas. Cf.Boudon, (1995: 528/29)


50CAPÍTULO IINEOPENTEC<strong>OS</strong>TALISMO E <strong>REPRESENTAÇÃO</strong> <strong>SOCIAL</strong>:PROBLEMATIZAÇÃO E ENFOQUE METO<strong>DO</strong>LÓGICO


511. TIPOLOGIAS CLÁSSICAS ENOV<strong>OS</strong> MOVIMENT<strong>OS</strong> RELIGI<strong>OS</strong><strong>OS</strong>O presente capítulo, abre para reflexão questões fundamentalmente de ordemmetodológica. Entendendo por isso não uma técnica de análise fria e utilitarista, mas ojeito, o caminho de como se dará o processo de estudo daqui para frente.O capítulo se apoia em três momentos: um primeiro, em que observamos como anomenclatura "novos movimentos religiosos", se insere dentro do que se temconstruído tradicionalmente em torno do fenômeno religioso e do contexto cristãoatual. Um segundo momento, em que aproximamos o foco e fazemos a uma discussãosobre Pentecostalismo, Neopentecostalismo e Igreja Universal do Reino de Deus. Umterceiro e último momento, que intitulamos de "opções metodológicas", em queexpomos o processo de como a análise do material empírico se dará .Agora, antes de uma classificação dos principais Novos Movimentos Religiosos(NMR) no campo do cristianismo, evidenciando o movimento evangélico por suaimportância numérica e sua influência em toda a América Latina, é necessárioresponder uma velha pergunta para que não percamos de vista, a dimensão sociológicano trato com as coisas do religioso: Como encarar sociologicamente o fenômenoreligioso ?1.1 - Émile Durkheim, em sua significativa obra "As Formas Elementares daVida Religiosa"(1996), define de início, e apresenta sociologicamente o que é areligião. Contudo, começa sua sociologia da religião dizendo o que a religião não é. Epara surpresa de muitos, ele afirma que a religião não gira em torno do"Sobrenatural"(10). A religião também não gira em torno do "Divino" (18). A religiãoé compreendida como um conjunto de crenças e ritos que:


52" supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens concebem,em duas classes, em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintosque as palavras profano e sagrado traduzem bastante bem. A divisão do mundo em doisdomínios que compreendem, um, tudo o que é sagrado, outro, tudo o que é profano, tal é otraço distintivo do pensamento religioso: as crenças, os mitos, os gnomos, as lendas, sãorepresentações ou sistemas de representações que exprimem a natureza das coisassagradas, as virtudes e os poderes que lhes são atribuídos, sua história, suas relaçõesmútuas e com as coisas profanas". (Durkheim 1996: 19s)Três aspectos se sobressaem nessa compreensão durkheimiana: "coisas reais eideais", "profano e sagrado" e "sistemas de representações". Poderíamos dizer que, nahistória, principalmente se tomarmos o ocidente cristão como referência, o cotidianoestá marcado por uma forma de pensar as coisas em que são classificadas de reais eideais. A religião em quanto fenômeno, ao ser entendida por esse prisma, foi tomandoparte nessa forma de pensar, no sentido de que, ao categorizar as coisas em reais eideais, ela transformaria essas mesmas coisas em sagrado e profano. Porém, nãoobstante isso, a religião longe de se distanciar da realidade, se aproxima, favorecendoum conhecer e um pensar sobre essa mesma realidade.Poderíamos citar ainda mais dois aspectos, que asseguram uma visão sociológicado fenômeno, embora esses aspectos se situem em uma visão geral. Primeiro, ofenômeno religioso é um fenômeno de natureza estrutural e funcional. Não é umelemento periférico, mas um elemento constitutivo da sociedade. Segundo, ofenômeno religioso tem funções específicas que não são garantidas por outroselementos sociais. Isto quer dizer que o fenômeno religioso tem objetivos próprios, enão só para os indivíduos como também para o conjunto da sociedade e da cultura. Oque levanta, por sua vez, a questão da legitimação social da religião.Peter Berger (1985: 44s) analisa historicamente a questão da religião comoinstrumento amplo e efetivo de legitimação social observando que, a religião comoalgo constitutivo do agir humano, tem um papel bem definido que é de procurar dar


53sentido a esta realidade objetiva ligando-a com a realidade última e sagrada. Quandoisso ocorre numa determinada sociedade, romper com essa "ligação" seria quase umcaos, levaria, pois, à anomia. Isto verifica-se quando cada vez mais as sociedades seracionalizam e vão assim, abandonando ritos, mitologias, etc., quer dizer, vãoabandonando a partir de um determinado processo, tudo o que possibilita o"rememoramento" dos valores significativos que durante o processo histórico deconstrução social foram encarnados; tanto pelos grupos humanos como por toda asociedade. Daí que, a religião legitima para manter e para possibilitar sempre novossentidos a partir das situações precárias da vida cotidiana dos indivíduos e dos grupos.Desses aspectos decorrem outros, como por exemplo, o fenômeno religioso: a)possibilita uma visão do mundo, e pode garantir também ao indivíduo umcomportamento de sentido e vivência de comunidade; b) integra valores éticos queorientam a convivência; c) ordena e regula a fluência dos sentidos e por fim, está nabase da consciência de identidade, o que leva a concluir assim que não é só sentido,mas identidade: "Na descrição etnográfica de Durkheim, os sistemas de crenças e deritos atuam para dirigir-se à diferença, ao conhecimento e ao significado, assim, areligião identifica, classifica e estabelece a identidade". (Erickson, 1996: 28)O fenômeno religioso se revela assim longe de ser algo deste ou daquele sociólogoou economista que defendem uma perspectiva própria e não o tomam como umfenômeno subjacente ao processo dialético fundamental da sociedade, o qual Berger(1985: 15ss ) definiu pela conjunção de três processos: exteriorização, objetivação einteriorização. 1010 Em síntese, esse processo o autor explica da seguinte forma: "A exteriorização é a contínua efusão doser humano sobre o mundo, quer na atividade física quer na atividade mental dos homens. A objetivaçãoé a conquista por parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defrontacom os seus produtores originais como facticidade exterior e distinta deles. A interiorização


54Assim, falar de religião numa perspectiva conceitual, extraída dessas linhas gerais,seria muito mais entendê-la como"...uma empresa coletiva de produção de sentido, além de suas funçõessociais na contribuição e na regulamentação de relações do homem social com seuentorno corporal, natural, social, histórico e cósmico, ela é um componente primordialdo campo simbólico-cultural de um grupo ou sociedade que, do ponto de vista de suassignificações, remete de forma explícita a uma realidade extraordinária e meta-social:o sagrado, o transcendente, o numinoso" ( Parker,1996 : 51)do que referir-se simplesmente a sistemas de crenças e de explicação de mundo. Nessesentido, o enfoque aqui toma o sobrenatural como referência enunciada e feitarealidade simbólica pelos próprios atores que se expressam coletivamente e de formaconcreta, e não como realidade com consistência extra sociológica própria: "Asrepresentações religiosas são representações coletivas que expressam realidadescoletivas; os ritos são uma maneira de agir que nascem em meio a grupos congregadose que se destina a estimular, manter ou recriar certos estados mentais nesses grupos".(Erickson, 1996 : 30)Os indivíduos, portanto, numa visão durkheimiana, não produzem cada um a suamaneira pensamentos religiosos. O pensamento religioso é uma realidade que seapresenta coletivamente representada; é por esse motivo que, em Durkheim, a religiãorecebe uma importância de ser eminentemente social. Desta forma, é salutar concordarcom o referido autor, para quem a religião se define como um conjunto de crenças epráticas relacionadas com o sagrado, que criam vínculos sociais entre pessoas; sãoesses vínculos, portanto, que ao se traduzirem em pensamentos e ação processam aconstrução permanente de um mundo significativo.reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturasdo mundo objetivo em estruturas da consciência subjetiva. Cf. Berger, 1985,:16)


55Poderíamos, portanto, concluir que os sistemas de crenças não são de modo algumacidentais. Surgem como respostas a necessidades sociais. E isso se deve ao fato -como já se encontra aqui subentendido - , de a religião ser algo integrado ao sistemasocial e que os indivíduos que a vivenciam refletem tão somente necessidadesadvindas de uma condição de interdependência, reflexo, portanto, de um modo de vidasocial. Porém, a religião possui suas próprias características e sua própria história.Algumas estão ligadas fortemente a uma formação econômica social, outras são maisadaptáveis. Contudo, ainda que seja um reflexo das condições sociais dadas, a religiãonão é algo passivo, mas reflete também suas próprias contradições, isto é, o fermentomesmo de sua evolução; geralmente conservadora, embora, em certas condiçõeshistóricas, possa ser expressão de mudanças : "Se em determinadas situações históricasas classes sociais subalternas têm conseguido expressar-se graças a um códigolingüistico a seu alcance, como a religião, tudo isto significa, se perguntavam Engels eGramsci, que a religião quiçá é não só instrumento de domínio. Ela pode amplificarprojetos sociais, indicar esperanças de libertação de estratos sociais, gruposminoritários, etnias e povos". (Pace 1995: 4)1.2 Novos Movimentos ReligiososCientistas sociais, estudiosos da Religião, preocupam-se ultimamente também,buscarem em uma terminologia que englobe as diversas expressões religiosas hoje,sem com isso, caírem em conotações meramente pejorativas, mas contribuírem parauma maior clarificação do fenômeno. A denominação que vem encontrando um certoespaço nessa busca por clarificar o fenômeno religioso hoje, é a de NovosMovimentos Religiosos (=NMR). Observam-se também outras formas dedenominação, tais como: novos cultos, movimentos religiosos contemporâneos, novos


56grupos religiosos, movimentos religiosos alternativos (Moraleda, 1994: 12). É salutarno entanto, observarmos que tal denominação ora escolhida não deixe de trazer seusproblemas. NMR também encerra ambigüidades, mas consideraremos para o momentouma expressão que goza de uma maior neutralidade valorativa (o que pode nãoacontecer em outros países, como por exemplo, Itália, onde a expressão encontra-sesituada no campo eclesiástico católico) .Conforme Robbins (1988), os NMR encontram-se situados numa teia deconflitos sociais, haja visto que o surgimento de novas seitas 11 na segunda metade dopresente século, constituem-se em sinais significativos no que se refere às fronteirasmorais na sociedade moderna. Mas, o que impele nesse momento optarmos pelaterminologia "Novos Movimentos Religiosos", é a expressividade plural de gruposreligiosos que ora se apresentam e que chamam a atenção de qualquer estudioso dofenômeno.E conforme Frigerio (1993: 26), a diversidade se relaciona com: "ascaracterísticas do grupo em questão; o grau de desenvolvimento ou expansão domesmo no país em que situa-se; as características da sociedade receptora (as relaçõesIgreja -Estado que em cada uma se estabelecem, por exemplo) e a história particularque os novos movimentos religiosos vem construindo em cada sociedade". Essesgrupos primam, também, por sua independência - ora estabelecem alguma ligaçãoentre si e ora se ignoram completamente.11 O termo "Seita" designa, "a noção de uma coletividade voluntária que se separou da corrente principalde idéias religiosas ou políticas e que ciosamente preserva a sua exclusividade social, cultural eideológica". Ao nos referirmos a 'Seitas" no campo religioso, poderíamos, portanto, concordar com oseguinte: fala-se de um grupo cindido que se organiza como comunidade diferenciada em relação a umadas religiões universais, com uma cosmovis ão original, algumas crenças peculiares e algumas práticaspróprias. (Cf. Moraleda, 1994: 10)


57Poderíamos apresentar, numa breve síntese e de forma bem genérica, com basenuma tipologia oferecida por Moraleda (1994) e Robbins (1988), uma classificaçãodos principais NMR.O quadro que segue é demonstrativo, nos dá uma visão bem ampla, porém, nãodeixa de ter sua importância para o nosso propósito :1. Movimentos relacionados com ocristianismoa)Movimentos evangélicos fundamentalistas;movimentos pentecostais, nos quaispoderíamos situar a brasileira IgrejaUniversal do Reino de Deus( grifo nosso ) ;grupos que se movem ao redor da MaioriaMoral de Jerry Falwell e do EvangelismoEletrônico; e uma grande quantidade de novasigrejas evangélicas introduzidas na Ibero-América de caráter conservador;b) Os novos movimentos separados docatolicismo. São grupos que podem serqualificados também de fundamentalistas:Igreja Católica Renovada, Igreja de Cristo deMontfavet, Igreja do Palmar;c)Os" movimentos de Jesus", que surgiram naCalifórnia no final dos anos sessenta: JesusFreaks, os Jesus People e os "hippies"cristãos;d) Igrejas milenaristas não-cristãs : Mórmons,Testemunhas de Jeová, Amigos do homem...2 . Movimentos originados no judaísmo A cisão mais importante é o judaísmoreformado3. Movimentos procedentes do Islã Religião Bahâ'i, Ahmadiyya, e numerososgrupos fundamentalistas, como os IrmãosMuçulmanos.4. Movimentos orientaisÍndia: Associação Internacional para aConsciência de Krishna.Coréia: Igreja da Unificação do Rev. Moon,Igreja Central do Evangelho Pleno.Japão: as novas religiões têm carátermilenarista e as mais conhecidas são:Tenrikyô, Ômoto, Honmichi, Soka Gakkai,Sekai Kyusei Kyo (conhecida no Ocidentecomo "Igreja da Messianidade Mundial") .


585 . Movimentos inspirados nas religiõesantigas.6 . Movimentos esotéricosNesse grupo incluem-se as religiões afroamericanas,fusões sincréticas de elementosreligiosos africanos e cristianismo: o Vodu,novos movimentos como o Rastafarismo naJamaica, Mita em Porto Rico, o La Palma Solaem Santo Domingo.Nesse grupo apresentam-se os movimentosreligiosos ou para-religiosos de inspiraçãoocultista ou gnósticas; apresentam-se comoassociações culturais e científicas:Antroposofia, Rosacruz, Fraternidade BrancaUniversal, Nova Acrópolis, Igreja daCientologia .Grupos que pertencem ao movimento do7. Movimentos de enriquecimento pessoal potencial humano e todas aquelas correntesterapêuticas e místicas de vida saudável ecrescimento espiritual pela potencialização daenergia psíquica..Esse leque de expressões religiosas, ou para-religiosas, a que assistimos admiradossurgirem a cada instante no mundo, dá sentido ao uso do termo Novos MovimentosReligiosos. É bem verdade no entanto, que essa classificação ou outra que estivesse aonosso dispor como exemplo, tem a ver com os critérios dos estudiosos que, do lugar deonde falam, escolhem uns grupos e não outros para tecerem suas análises acerca dessadenominação, que é NMR.Mas, todas essas expressões e outras que não se encontram aqui identificadas,não são aceitas passivamente como se o fenômeno por si só, fosse apenas um tipo deresposta a uma dada realidade (econômico, político, social, ideológico) de contextomundial, que vem incidindo sobre o campo religioso. Ao lado desse quadro encontrasetambém, uma diversidade de críticas ou razões, que procuram de uma forma ou deoutra, explicar a expansão desses novos grupos. Algumas, por exemplo, são apontadaspor Frigerio (1993: 30), que diz:- Têm um massivo apoio econômico do exterior- Se aproveitam da ignorância e necessidades materiais e espirituais do povoprometendo curas, 'soluções face aos problemas'.- Apelam para a emotividade dos indivíduos- A principal finalidade é arrecadar dinheiro dos fiéis- Desvalorizam a população, colocando mais ênfase na vida próxima que nesta.


59Não agiríamos de forma incorreta se fechássemos acordo com uma ou duasdessas ou de outras críticas em relação a esses novos grupos, porém, não é esse nossopropósito, embora estejamos interessados diretamente em uma dessas experiênciasreligiosas, que ora se enquadra dentro dessa classificação geral, o que torna pertinenteuma ou outra das críticas levantadas acima .Contudo, vale ainda salientar, três questões gerais apresentadas por Robbins(1988) no seu estudo:I - Os NMR não estão ligados a nenhuma classe ou casta social em particular,como também não criaram as bases para uma nova divisão. Nesse sentido, mesmo quepossamos encontrar uma maior concentração, por exemplo, de pobres em umdeterminado grupo religioso, isso não leva a concluir que tal denominação religiosa éespecífica de uma classe social;II - Os estudos dos NMR evidenciam uma disputa pelo poder e privilégiosinstituídos. A forte reação em relação aos NMR mostra que os grupos maisconvencionais estabelecidos, como famílias, terapeutas diplomados e clérigos, sentemseameaçados em suas posições e privilégios;III - Para Robertson (conforme ainda Robbins), o mais importante aspecto doestudo dos NMR é a mudança na concepção da relação entre indivíduo e sociedade, eentre agências extra-sociais e a sociedade em si.Essas questões nos levariam a um maior aprofundamento, mas, o propósito aqui não ébem uma generalização teórica sobre Novos Movimentos Religiosos, e sim, identificaressa terminologia com o presente quadro ora expressivo, e que a partir dele, possamosenfocar as expressões religiosas mais significativas presentes hoje na América Latina eno Brasil, as quais chamamos de Neopentecostais, e incluir nestas, a Igreja Universaldo Reino de Deus.


602. EXPLORAN<strong>DO</strong> A TIPOLOGIA <strong>DO</strong>S NMR : MOVIMENT<strong>OS</strong>RELACIONA<strong>DO</strong>S COM O CRISTIANISMO - OPENTEC<strong>OS</strong>TALISMOÉ necessário observarmos aqui que o critério adotado não é amplo, e a razão paraexpressar esse panorama religioso está em função do objetivo desse estudo. O camporeligioso específico é o Cristianismo, porém, centrando-se nos movimentosevangélicos pentecostais no Brasil pois, dentre esses referidos movimentos, um, nocaso a Igreja Universal do Reino de Deus, receberá destaque por estar incluídadiretamente como sujeito institucional no processo de análise .2. 1 Pentecostalismo Protestante : algumas questões geraisPara traçarmos um perfil religioso numa perspectiva tipológica, centrando areflexão no campo pentecostal, faz-se necessário refletir antes de tudo, sobre algunsaspectos gerais ligados a religião e, sobretudo, relacionado ao mundo protestante.Começaríamos destacando Max Weber 12e seu esforço na busca deentendimento do processo de mudança que estaria incidindo sobre a relação religião esociedade . Na sua importantíssima obra intitulada "A Ética Protestante e o Espírito doCapitalismo", Weber buscou esclarecer entre outros aspectos, que o Cristianismotrouxera uma contribuição fundamental ao nascimento do mundo moderno. Mostroude forma bem específica, que o Protestantismo, em sua versão ascética ( o puritanismoe as seitas reformadas ), favoreceu a afirmação do Capitalismo (Cf. Erickson, 1998:116, 130). Hoje, essa questão, quando colocada, não causa estranhamento, pois sua12 É bem verdade que Max Weber não estudou o pentecostalismo, sua referência aqui se deve a outrosaspectos do seu estudo ( embora não tratando esse autor diretamente ), principalmente àqueles quedecorrem de sua tese sobre "desencantamento", a propósito de seu estudo sobre o processo deracionalização porque passa o mundo moderno .


61constatação se verifica de uma ou outra forma na prática institucional dessas novasexpressões religiosas pentecostais que, numa versão inesperada dentro desse referidocampo, contribuem à sua maneira e de forma inteiramente convicta, com esse processode afirmação do capitalismo que verifica-se com o avanço e desenvolvimento dassociedades, hoje. É bem verdade que não podemos reduzir nenhuma experiênciapentecostal, seja na sua forma clássica ou nova, e autônoma, a uma mera questão deracionalidade econômica e muito menos ao aspecto puramente financeiro. Mas aquestão é patente e será mais adiante tratada, a partir de um determinado ângulo,dentro da teoria da representação social .Nesse momento, o que nos interessa observar é o seguinte: o que é o "espíritodo capitalismo" senão, o comportamento de cálculo dos meios em relação aos fins, deinovação econômica e de exigência ascética de poupança para investimento emulteriores atividades? Segundo Martelli (1995: 43), tal realidade "conseguiu se firmarestavelmente no Ocidente somente graças à racionalização de todos os aspectos davida, encorajada pela reforma protestante, de modo particular pelo comportamento deascese intramundana difundido pelo calvinismo e por outras seitas protestantes".Uma mesma observação encontramos em Erickson (1998: 116), ao afirmar que Weberencontrara na consolidação do Protestantismo ascético, ao relacionar ação econômica emoral, uma precondição necessária para a economia capitalista moderna .Porém, Martelli (1995: 76) observa ainda:" Contudo, seria uma incompreensão pensar que Weber atribuísse aoprotestantismo o mérito ( ou a culpa, conforme o ponto de vista ) do surgimento docapitalismo: ele sublinha claramente que se trata de um efeito não intencional, nãoprevisto pelos reformadores e que, além do mais, hoje repercute sobre o próprioprotestantismo e, em geral, põe em crise qualquer religião".Decorrem de sua tese sobre o “desencantamento do mundo”, a propósito de seu estudo sobre o processode racionalização porque passaria o mundo moderno.


62Observo que seja também por conta desse aspecto e de outros, que opentecostalismo vem sendo encarado dentro de uma nova perspectiva de estudo nocampo do fenômeno religioso.E quanto a isto, podemos observar que," O crescimento expansivo desenvolvido pelo pentecostalismo no transcurso dosúltimos 20 anos, em toda a América Latina, leva-nos a ver no movimento pentecostalnão um movimento refúgio, que emerge em meio a uma transição entre uma situaçãotradicional e uma situação de modernidade - mas, a constituição de uma realidadereligiosa maciça e política que nos leva a ver no pentecostalismo a única expressão dereligião popular da muito diversificada presença protestante no continente latinoamericano".(Palma e Villela, 1991: 87)Nesse sentido, há um empenho, feito por alguns autores que estudam ofenômeno em constatar que, nos últimos decênios, o pentecostalismo tem demonstradofôlego e criatividade bastante para resistir ao novo perfil de nossas sociedades 13 ; que semostram gozando de uma nova qualidade que se denomina de pós-moderna. Esta,constituindo-se de um momento social diferente do anterior (a modernidade), pode serpercebida, no mínimo, pelos seguintes aspectos gerais: globalização do espaço e dotempo; integração planetária; sistema econômico universal; comunicação planetáriainstantânea; conhecimento como mercadoria; redução drástica do trabalho produtivo;autonomia da Cultura em relação à Economia. É nessa conjuntura de um novomomento social que um novo tipo de pentecostalismo tem sido identificado e tomadocomo um dos maiores fenômenos da atualidade no campo religioso. Esse movimentopentecostal é o movimento missionário que mais cresce no mundo (Cf. Bittencourt,1991: 31). Há especialistas que observam que no próximo século o movimentosuperará em número de adeptos a Igreja Católica Romana, pois saem diariamente destaIgreja na América Latina em torno de 8.000 (oito mil) pessoas (cf. Hollenweger,1996:8[382]). E a maioria, adere às Igrejas Pentecostais. Na Europa o crescimento verifica-13 Sobre aspectos desse perfil e mudanças no comportamento dos fiéis, cf. Mariano ( 1994: 24ss. ).


63se modesto, exceto em países católicos ou ortodoxos como França, Itália e Romênia .Assim, uma questão se impõe ainda: por que o pentecostalismo encontra tantosignificado na sociedade hoje? O que possibilita que sua proposta e seu sentido de vidaseja aceitos e recebidos pela grande massa do povo pobre e até atingindo certos setoresda classe média? Na literatura sobre o comportamento pentecostal protestante atual,alguns elementos são observados como constitutivos dessa práxis religiosa e quefazem do campo pentecostal, algo atraente.Vejamos alguns indicadores das mudanças:1 - Percebe-se que o piano, o violino da igreja pentecostal histórica é substituído pelotocar do pandeiro, o tambor, a guitarra, o teclado eletrônico, etc.2 - A ordem do culto não é mais semelhante a uma aula bem ministrada e dá lugar àemoção, com a expansividade de um "Aleluia ! " ou "Glória a Jesus ! " .3 - O corpo tem condições de responder a alguma coisa que lhe fala, que lhe dásentido; não são adeptos de um culto gnóstico, negador do mundo e do corpo; oespírito leva o corpo a participar no culto a Deus.4 - Os pentecostais vão dar ênfase ao Espírito Santo. O elemento fundamental é obatismo no Espírito Santo. Não basta a conversão, como para os protestanteshistóricos; é necessário ser batizado no Espírito Santo, colocar a ênfase na ação doEspírito Santo.5 - Assume-se a oração, a adoração, petição e intercessão conforme "O Espíritosoprar".6 - Pratica-se a unção dos doentes e a imposição das mãos para curar, dança-se noEspírito, oferece-se a mão direita como sinal de amizade.


647 - A liturgia dos Pentecostais é um espetáculo oral-narrativo de amizade, comoparticipação no louvor, proclamação testemunho, depoimentos e cantos que narram umitinerário para Deus e com Deus; há profecias, línguas e interpretação. 14Esses indicadores podem ser entendidos também como uma saída religiosa frente aproblemas do protestantismo histórico (Cf. Bittencourt, 1991: 33), pois este não parecegarantir, segundo a visão pentecostal atual, possibilidade de recuperação deidentidades e afetos, pois estariam ainda fechados em velhos esquemas de concepçãode mundo. O Pentecostalismo assim, redesenha sua identidade cultural tornando-a nãosó visível, mas comunicativa e atrativa.Porém, existe um outro elemento bempresente e atual na prática pentecostal (principalmente entre os neopentecostais)porque não se pode passar desapercebido: a racionalidade mágico-moderna.Chamamos de racionalidade mágico-moderna um tipo de relacionamento com omundo onde a responsabilidade humana em assumir a construção histórica dessemundo parece algo ausente. Tal responsabilidade atribui-se inteiramente à intervençãodos poderes e forças místicas que se encontram para além dos indivíduos concretos esuas ações. Essa atitude demanda um permanente controle ritual desse tipo deinterferência. E mais. A racionalidade mágica não se opõe a uma idéia de religião, nemao conhecimento científico. 15É mágica enquanto, além de se opor à razão moderna,14"Na verdade, no Brasil e em ouros países, o desencanto não atingiu os pobres. Constatamos aocontrário uma verdadeira 'insurreição emocional' de caráter religioso. Esta insurreição emocional exibesenas 'gesticulações grotescas': o 'falar em línguas estrangeiras', as intervenções anárquicas da palavra, acura divina, o exorcísmo, etc. Enfim, no pentecostalismo - o pentecostalismo ao qual se converteram noterceiro mundo 150 milhões de pessoas, essas emoções não são fogo de palha, é uma insurreiçãopermanente" ( Cf. Corten, 1996 : 12 ) .15 O entendimento clássico sobre a Magia parte da compreensão de que seu pressuposto fundamental é oanimismo e que alguns instrumentos de sua estratégia podem ser classificados como: encantamentos,exorcísmos, objetos diversos que servem de meios para comunicação com as forças naturais, celestiaisou infernais para persuadi-las e impor-lhes obediência. Um outro elemento ainda próprio da Magia, éseu caráter violento ou mistificador contidos nas operações que se destinam a persuasão dessas forças.Abbagnano ( 1982 : 610 ) cita Malinowski, quanto à prática da Magia, dizendo: "A magia fornece aohomem primitivo um número de atos e de crenças rituais já feitas, uma técnica mental e prática definidaque serve para superar os obstáculos perigosos em cada empreendimento importante e em cada situação


65que crê na absoluta "previsibilidade e controle dos processos sociais e naturais",segundo os padrões de reflexão por ela estabelecidos, acentua o outro extremo, pelaatribuição quase exclusiva dessa previsibilidade aos poderes místicos e sobrenaturais.Procura, ao mesmo tempo, se adaptar às exigências colocadas pelas condições de vidasecularizadas de um sociedade que se transforma. Nesse sentido ela é tambémmoderna, porque, de fato, está em interlocução com um mundo em processo demodernização. Entretanto, aceita integrar apenas alguns de seus aspectos, sobretudo oda explicação científica de doenças e algumas das inovações tecnológicas, mas demodo a subjugá-los à explicação mágica envolvente, ou seja, à crença na intervençãomística do sobrenatural na vida das pessoas, que também influencia ou determina seudestino. Esse aspecto da magia pode ser tratado e compreendido de outra maneira,portanto pelo seu lado mais político. Quem adota, como traço característico e deexpressão, a magia como forma de resolução de problemas concretos, não estásimplesmente invocando forças sobrenaturais a intervirem na história humana. Antestal prática enfatiza, uma posição política frente a outras forças presentes nasociedade. 16Observa-se em Weber que o processo de racionalização por que estariapassando a religião, levaria a que todos entendessem, do ponto de vista de umasociologia da religião, que a religião uma vez racionalizada, seria religiãodesmagicizada. E, no entanto, vê-se que a magia não só ainda sobrevive, comotambém cresce (e por dentro das formas racionalizadas de religião). O objetivopredominante da religião na visão weberiana, é livrar-se da magia e "dos esforços16 "Como Weber, através de Troeltsch, reconheceu, a religião que se torna privilegiada entre os poderespolíticos é aquela em que a graça e, por conseguinte, a salvação são controladas institucionalmente.Weber considerou esta ação importante para manter o poder do padre em oposição ao do profeta ou aodo mago". (Cf. Erickson, 1996 : 122s.) .


66estritamente mágicos de controlar o sobrenatural e realizar tentativas cada vez maisracionais de compreender o relacionamento dos deuses com a ordem da natureza. Ajustaposição de Weber da 'religião' contra a 'bruxaria', dos 'deuses' contra os'demônios', dos 'padres' contra o 'tabu' reflete seus esforços para contemplar odesenvolvimento religioso em função do progresso da razão".(Erickson, 1996: 126)Esse "desenvolvimento religioso em função do progresso da razão" é algo quenão verifica-se plenamente por dentro das religiões (sejam em movimentos ou emformas institucionalizadas ), por mais que nelas identifiquemos internamente"processos" de secularização. E como uma contradição no mundo presente, queemerge do âmbito religioso, a dimensão da magia, mesmo que em forma racional emoderna, não deixa de estar presente nessas novas formas de expressões religiosasatuais (Cf. Weber, 1998: 293). Tomando como exemplo certas atitudes da IgrejaUniversal do Reino de Deus, esta interpreta a cura divina como libertação do poder deforças místicas maléficas:"( O vírus da AIDS ) sem dúvida, é um corpo que tem espírito(...). Essa forçamaligna, que toma a mente e faz a pessoa ficar louca, perturbada e toma o coração,essa força causa raiva, ódio, doenças. Há pessoas que têm feridas nas pernas que nãocicatrizam nunca. Por quê? Aquilo é um espírito que está alojado ali. Aquilo é umespírito. Aqueles que têm dor de cabeça constante, daquelas que não há médico quedescubra a causa...Pois bem, isso é o espírito. A pessoa que tem uma dor de estômago,mas o médico não descobre a causa. Isso é um espírito. Todas as pessoas que sentemdores, vão ao médico, e ele não consegue diagnosticar nada, estão tomados pelodemônio. Essas são doenças espirituais. E quando o problema é espiritual não temmédico que consiga resolver". (Veja, ano 28, n º 49, 6/12/95, p. 74)É desse modo, atendendo a procedimentos mágicos , que as pessoas exercitamsua capacidade de se autodeterminar segundo motivos e valores justificáveis diante dosoutros. De um lado, a magia se adapta às exigências da modernização e das condiçõesde vida secularizada. De outro, ela também se constitui como uma modalidade decrítica à modernidade e à razão individualista; pois, a ineficiência do Estado, o não


67cumprimento da lei e dos direitos sociais e individuais, a corrupção e o predomínio dasrelações pessoais, dificultam e às vezes inviabilizam, a confiabilidade das instituiçõesrepresentativas e dos ideais da democracia. Nesse contexto, ao identificarmos tantascontradições, a proposição de uma idéia de destino e de justiça, como uma operaçãoimediata através do ritual, sem a mediação de instituições, tem muita aceitação. Assim,compreendendo todo esse contexto de fim de século como expressão de grandesincertezas sociais, é que interpreto o campo religioso como lugar onde se travamsignificativas lutas políticas, haja visto que, fazer valer uma determinada significaçãodo mundo, não é outra coisa senão, uma ação política, mesmo que esta se encontrejustificada por algum tipo de atitude própria dos saberes da magia .2.2 O Movimento Pentecostal: Origem e chegada ao BrasilO movimento pentecostal deita suas origens no século XX, o que faz dessemovimento uma expressão religiosa, diríamos, algo recente ou relativamente novo.Segundo Alan Pierratt , os primeiros pregadores apareceram nas décadas de 1850 e1860, na Inglaterra e na Alemanha (o que deixa claro também, que suas raízeshistóricas remontam aos meados do século XIX na Europa). Mas, o que essespregadores traziam de novidade para o mundo religioso cristão ? Traziam suasafirmações de cura por meio da fé somente. Esses afirmavam possuir o dom espiritualda cura, aspecto que demarcava originalmente o movimento pentecostal. Explica oreferido autor :" No final do século XIX, vários pregadores na América do Norte tambémcomeçaram a afirmar que possuiam dons de cura e, além disso, que todos os cristãostinham direito à saúde como parte da expiação. A. J. Gordom, fundador de umarespeitada instituição de ensino teológico, e A . B . Simpson, fundador da AliançaCristã e Missionária, foram dois líderes importantes. Ambos escreveram livros sobrecura que até hoje são utilizados como fontes básicas por aqueles que ensinam a curapela fé. Por meio da liderança deles, junto com muitos outros que pregavam idéiassemelhantes, o número de pessoas que curavam pela fé havia crescido dramaticamente


68no final do século XIX, e a expressão 'cura pela fé' havia se tornado quase um chavãona Europa e nos Estados Unidos. Alguns pregadores da cura ganharamreconhecimento nacional, incluindo Dowie, Parham, Mcpherson, Wigglesworth,Seymour, Bosworth e alguns outros. Esses homens e mulheres trabalhavam de modoindependente, como evangelistas itinerantes que afirmavam ter vários dons especiais,incluindo invariavelmente línguas e cura. ( eles também partilhavam da característicade não terem treinamento teológico formal)". (Pierrat 1993: 22)Em termos de América Latina, conforme Jean-Pierre Bastian , surgiram noinício do sec. XX e se explicam mais por uma anomia das massas que iam migrandopara as cidades, do que por sua relação com movimentos religiosos pentecostais norteamericanos. É a face urbana do movimento pentecostal que mais nos interessa, pois ourbano está necessariamente ligado ao surgimento das grandes cidades e com estas, oagravamento da pobreza, da injustiça, da fome, da enfermidade, que não se apresentamcomo questões teóricas, mas como realidades subjacentes à vida integral do povolatino-americano. Essa realidade é fator preponderante para um momento de explosãono campo religioso Latino Americano. É assim que Jean-Pierre Bastian (1994: 246s)vê o contexto do surgimento do Pentecostalismo na América Latina:"(...) a partir dos anos cinqüenta, produziu-se um fenômeno totalmente novopor sua amplitude e por seu efeito destabilizador no terreno religioso. Centenas desociedades religiosas novas surgiram entre as populações marginalizadas eanalfabetas. Em vez de desenvolverem-se vinculadas com o catolicismo dominante,rompiam com ele e o combatiam. Assim, se produziu uma importante mutaçãoreligiosa: pela primeira vez desde o século XVI, vastos setores sociais LatinoAmericanos escapavam do controle da Igreja Católica".Já no Brasil, o pentecostalismo chegou e foi demonstrando aos poucos, a suatendência a produzir formas autóctones. Em 1910, um imigrante italiano, chamadoLuigi Francescon, de raízes valdenses 17e que professara o presbiterianismo noEstados Unidos, onde também tivera algumas experiências carismáticas, chegou ao17 O fundador da Congregação Cristã recebeu influência dos valdenses. Estes tinham um conceitofundamental: a Bíblia, em especial o Novo Testamento, se constituía na única regra de fé e vida, e asinterpretações eram realizadas de forma literal. Dentre os preceitos básicos estavam: o uso apenas daoração dominical, ações de graça antes das refeições, a prática de ouvir confissões e a de celebrar emconjunto a ceia do Senhor. (Cf. Campos Jr. 1995 : 26)


69Brasil, pregando na cidade de São Paulo e na pequena localidade de Santo Antônio,Paraná. 18Não se encontrava ligado a nenhuma organização eclesiástica estrangeira. Asua pregação acabou dando origem à Congregação Cristã no Brasil, a primeira igrejapentecostal brasileira. Até o dia de hoje, conserva características próprias e mantém-seindependente de qualquer outra denominação estrangeira. Essa originalidade será umaconstante no surgimento de novas denominações pentecostais no Brasil (Hortal,1990 :19ss) No desenvolvimento do pentecostalismo brasileiro, podemos distinguir trêsgerações, segundo Freston (1993). A Congregação Cristã no Brasil e as Assembléiasde Deus , que se iniciaram em 1911 e que se tornaram altamente institucionalizadas,constituem a primeira geração. Nesse período observa-se que a "cura divina", emboraadmitida como dom particular, não dá lugar a sessões espetaculares ou a publicidadeproselitista. Em se tratando de estratégia no modo de evangelizar, a CongregaçãoCristã, por exemplo, restringe seu proselitismo feito de maneira direta (sem ir às praçasou a emissoras de rádio), transmitindo "a Palavra", a fonte de inspiração divina.A segunda geração, surgida nos anos 50, poderia ser considerada de"movimento de cura divina". Embora tenha começado em 1952, com umadenominação importada dos Estados Unidos - a "Igreja do Evangelho Quadrangular" 19 ,que adotou inicialmente o nome de "Cruzada Nacional de Evangelização" - , omovimento rapidamente produziu formas nitidamente brasileiras, como a "Igreja18 O fundador da Congregação Cristã chegou a atrair presbiterianos, metodistas, batistas e católicosromanos. Um grupo saiu da Igreja Presbiteriana e começou a se organizar. Francescon fora operário eportanto possuía linguagem simples, conseguindo atrair no início de seu movimento, os setores maispobres da população. Hoje além dessas camadas encontram-se empresários e a classe média, emboraque diminuta. ( Id.: 27s )19 De início, esta igreja usou como estratégia, na sua forma de evangelizar, as tendas de lona, estratégiaesta que torna o trabalho "mais próximo do povo". A ênfase na cura divina funcionou como verdadeirofator de desenvolvimento dessa seita, que já em 1964 contava com 25 mil membros. Depois do uso dastendas, seguiu-se a construção de templos com características arquitetônicas diversas> Cf. Campos Jr.,Op. Cit. p. 37.


70Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo" (1955), do pastor Manoel de Melo e a"Igreja Evangélica Deus é Amor" (1962), de Davi Miranda. Nelas, ainda se conserva apreocupação com a formação de comunidades de crentes, mas o ponto focal já seencontra no evento, na concentração de massas, no exorcismo e, sobretudo, nas sessõesde cura divina, que vão ao encontro das necessidades imediatas do povo. No caso daIgreja Evangélica O Brasil para Cristo, essa aborda nas suas pregações e ações,problemas sociais, o que a faz diferente dos demais ramos pentecostais. Por ter sefiliado ao Conselho Mundial de Igrejas, do ponto de vista ecumênico, esta igrejareforçava sua diferença em relação às demais .2.3 Os NeopentecostaisOs Neopentecostais são grupos religiosos, surgidos nas últimas três décadas,originando-se de todos os tipos de igrejas tradicionais (segundo Pedrinho Guareschinão apenas das protestantes ), como a Igreja Evangélica Pentecostal Cristã ( chamadatambém Igreja Bom Jesus dos Milagres) e Igreja Rosa Mística, originadas da IgrejaCatólica Romana e a Igreja Universal do Reino de Deus (fundada em 1977), IgrejaInternacional da Graça de Deus (fundada em 1974), Igreja Casa da Bênção (fundadaem 1974 ) de origem protestante. Outras ainda estão dentro dessa terminologia, taiscomo: Nova Vida, Deus é Amor, Comunidade Evangélica, e Associação MissionáriaEvangélica Maranata. 2020 "A expressão 'pentecostalismo autônomo' tem sido usada desde a Segunda metade dos anos 80, paradeisignar aqueles grupos pentecostais, que se estabelecem fora das grandes denominações brasileiras,pentecostais ou protestantes, fundadas e lideradas por empreendedores religiosos, líderes carismáticos,que teriam preferido se 'estabelecer por conta própria', sem vínculos, inclusive, com missõesestrangeiras. José Bittencourt Filho e outros analistas da religião, no Brasil, ligados ao antigo CEDI(Centro Ecumênico de Documentação e Informação), hoje KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço,do Rio de Janeiro; ao ISER ( Instituto de Estudos da Religião); Ari Pedro Oro, da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul e Jesus Hortal, da PUC do Rio de Janeiro, estão entre os que divulgam esse termo,


71Todas se dizem Pentecostais e fazem parte do grande número de gruposreligiosos que se espalham por toda a América Latina. Mas, as cinco primeiras igrejascitadas figuram entre as mais importantes e compreendem mais ou menos 80% dasigrejas neopentecostais. (Guareschi, 1995: 203-205)Mesmo não existindo fronteiras nítidas entre o pentecostalismo e oneopentecostalismo, que até certo ponto ambos se influenciam mutuamente, as igrejasque situam-se dentro do neopentecostalismo seguem cada uma a sua maneira, osfundamentos doutrinários do pentecostalismo tradicional, apresentando característicaspróprias e por isso denominadas de neopentecostais. Há que se admitir a imensacapacidade que esses grupos religiosos têm de reiventar cada um a sua maneira de serpentecostal, que vai da inspiração tradicional ao "novo", descoberto na malha fina davida cotidiana. A força dessas expressões religiosas reside exatamente nisso: sabemque, metodologicamente, o ponto de partida para se ter êxito na forma de evangelizar,é colocar demasiadamente o acento desse processo na vida cotidiana dos fiéis.2.4 A Teologia da Prosperidade e Igreja UniversalNesse caldo histórico, um aspecto nos chama a atenção: a Teologia daProsperidade. Essa sustenta, a partir de uma reflexão sobre Deus, todo um discursosobre aspectos financeiros junto aos fiéis. É bem verdade que o contexto favorável aodesenvolvimento dessa teologia já estava colocado, embora ela só tenha surgidatempos mais tarde. Sua origem, conforme alguns autores, remonta aos dias de E. W.Kenyon (Campos, 1997: 365; Pierratt, 1993: 21) que chegara a ser bastante conhecidonos anos 30 e 40. A doutrina da prosperidade portanto, é muito mais recente do que oatravés de seus escritos e abordagens, para designar o que aqui chamamos de neopentecostalismo” (Cf.Campos, 1997: 18). Numa perspectiva ainda tipológica, ver também Siepierski, 1997.


72próprio movimento pentecostal; isto leva-nos a concluir que a referida teologia não seoriginou dentro do pentecostalismo, embora tenha sido nesses braços que melhor teveacolhida. A Teologia da Prosperidade não encontra em suas origens referências emexperiências coletivas de vida, mas na experiência de vida de um único homem que,em plena adolescência, se viu doente e confinado a uma cama sem esperanças e que,mais tarde, tivera visões, através das quais fora levado ao inferno e depois ao céu portrês vezes consecutivas. As viagens para o inferno o impeliram para o arrependimento,e as visitas ao céu conduziram-no à fé e à conversão. Esse homem, pai da "Teologia daProsperidade", é Kenneth Hagin 21 , nascido em 1918. A "Confissão Positiva", é ogrande pressuposto filosófico dessa teologia, e consiste na convicção de que a palavradita com fé, repetida continuamente, sem dúvida alguma, a despeito de quaisquerevidências contrárias, gera milagres. No núcleo central dessa teologia, dois eixostemáticos são enfocados: Saúde e Prosperidade.No Brasil, a Teologia da Prosperidade, começa a fazer seu caminho a partir dadécada de 70. 22As primeiras instituições religiosas que marcaram o período dachamada terceira geração, já mencionadas anteriormente, foram plasmadas pelo ensinoproveniente dessa teologia. É bem verdade que cada uma delas assimilou essesensinamentos de acordo com suas necessidades, interesses e convicções. Vale destacar,21 Embora as raízes da Teologia da Prosperidade encontrem-se em Kenyon ( 1867-1948), o pai dessateologia é Kenneth Hagin. (Cf. Corten, 1996 : 144) .22 Mariano fez a seguinte observação, em artigo publicado em 1996 : " Robert McAlister, fundador daigreja de Nova Vida, parece ter sido pioneiro no trato da questão da prosperidade financeira nos meiospentecostais, mas não da Teologia da Prosperidade propriamente dita. Já no começo dos anos 60, eleescreveu o livro Como Prosperar ( Rio de Janeiro, Nova Vida, 1978, 3 a edição), orientando os crentes aserem fiéis no pagamento do dízimo para terem suas finanças abençoadas. Em 1981, publicou Dinheiro:um assunto altamente espiritual ( Rio de Janeiro: Carisma Editora), no qual criticava por um lado, ospastores que viam o dinheiro como ' a raiz de todos os males ' e, por outro, o triunfalismo dos'supercrentes', pregadores da Teologia da Prosperidade, que viam a prosperidade como 'prova daespiritualidade e das bênçãos de Deus', tratando este como 'um empregado sempre à disposição' outentando 'fazer negócio' com Ele. Embora crítico dos "negociadores de bênçãos', McAlister,paradoxalmente, dizia com muita tranqüilidade: "se você deseja garantir o seu futuro financeiro, pagueseu dízimo. Dê também ao Senhor ofertas de amor ( 1981, pp.14, 43, 68 )". (Cf. Mariano, 1996, 31) .


73no entanto, que as igrejas neopentecostais se apresentam como as mais inventivas dateologia da prosperidade atualmente. Portanto, é a essas igrejas que se deve o rápido esignificativo crescimento dessa teologia. Neste estudo, abordaremos com maiorprofundidade a Igreja Universal do Reino de Deus, pois esta além de produtora de umdiscurso teológico de prosperidade, ancora de forma clara, o dinheiro a essa categoriateológica.Nesse sentido, a concepção de prosperidade presente na Universal constitui-seentre outras, numa porta de entrada para entendermos de forma racional as possíveisrelações entre fé e dinheiro. Muitas expressões daí decorrentes reforçam antigos comotambém produzem novos significados para o dinheiro. Assim, é importante frisarmosalguns aspectos referentes às origens da Igreja Universal do Reino de Deus, comotambém a concepção de como estaremos tratando institucionalmente a mesma.A Igreja Universal do Reino de Deus, tipologicamente, é situada segundo algunsestudos, como "pentecostalismo autônomo", pentecostalismo de terceira geração, ouusando o modelo de Freston (1993: 36,ss), da "terceira onda"; e ainda,"neopentecostalismo", segundo Mendonça (1994) e Mariano (1995). Essa organizaçãoreligiosa se encontra ligada à personalidade carismática de seu fundador e líderreligioso maior: Bispo Edir Macedo. Este, antes de sua ascensão como fundador e líderde uma instituição religiosa, trabalhara como funcionário da LOTERJ(Administradora de Loterias do Estado do Rio de Janeiro). Nasceu em 18 de fevereirode 1945, de família católica romana, e num determinado momento de sua vida, foiatraído pela igreja de Nova Vida, fundada por Robert McAlister. Em, 1975, junto comSamuel Coutinho da Fonseca e Romildo Ribeiro Soares, fundou o "Salão da Fé" ou"Cruzada do Caminho Eterno". Esses três líderes, depois de um certo tempo,separaram-se. Em 1977, Edir Macedo e Romildo Soares, seu cunhado, fundaram seu


74primeiro grupo, o qual passou a denominar de: "A Igreja Internacional da Graça deDeus".(cf. Fernandes, 1992: 42) Em um curto espaço de tempo de apenas quinze anos,a Igreja fundada pelo então bispo Edir Macedo, conclui sua primeira e rapidíssima fasede expansão. A primeira pregação da Igreja Universal do Reino de Deus, aconteceu nogalpão de uma funerária carioca, no bairro da Abolição, em 1977. Não há umaestatística sobre o número de membros pertencentes à Universal, bem como não écomum por parte dessa instituição, o registro sistemático dos seus membros.Considerarei nesse estudo, a Igreja Universal do Reino de Deus como: "...umpentecostalismo tardio, cuja especificidade está justamente em adequar a suamensagem às necessidades e desejos de um determinado público. Trata-se de umaigreja que atua dentro de um quadro de pluralismo religioso, cuja estratégia é localizarnichos de pessoas insatisfeitas, provocando nelas estímulos diferenciados a fim deatraí-las para novas experiências religiosas". (Campos, 1997: 52)O tema da prosperidade apresenta-se não só como o eixo mais atrativo, mastambém, como enfoque principal no discurso teológico da Igreja Universal do Reinode Deus. Esse aspecto, com certeza, é responsável também pela eficácia da estratégiainstitucional junto aos fiéis, que dão permanentemente testemunhos de suas conquistas.O dinheiro encontra-se justamente como algo patente através desse enfoque, e espalhasede forma não obnubilada, mas nomeada sistematicamente, de viva voz, no próprioespaço cúltico . 2323 Uma referência se faz importante aqui: "A idéia de usar dinheiro em rituais religiosos não é estranha àmentalidade brasileira, e está presente em algumas formas de religiosidade popular. Por exemplo, emcultos afro-brasileiros usa-se dinheiro no assentamento dos orixás, particularmente as moedas quecirculam durante muito tempo, e por isso mesmo estão "carregados de axé". O axé é algo que pode seralimentado ou diminuído, sempre em função do cumprimento de algumas obrigações para com ossantos. A realização desses compromissos dependem de dinheiro tanto para a compra de oferendascomo, às vezes, para entrega de moedas aos santos em papel-moeda para o exu. O dinheiro é ogrande "manjar vivificante", o canal que mantém as ligações do ser humano com a graça dosOrixás(...)". Cf. Campos, Leonildo Silveira. Op. cit. p.369s.


752.5 A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e o DinheiroNão há como negar o que está à vista, se apresentado de forma concreta: a forteênfase dada ao econômico-financeiro nas igrejas neopentecostais. Guareschi(1995:206) já observara que, "não há reunião, oração, serviço ou concentração, em quea necessidade de contribuir não seja constantemente lembrada". Eu diria até, lembradae exigida por pressão: "Quer se trate da luta cotidiana contra a miséria quer venhamjuntar-se a ela os numerosos problemas afetivos que a anomia social engendra, asigrejas trazem um discurso de consolo. Esse estado de emoção dá a ocasião de coletardinheiro e às vezes de fazê-lo numa atmosfera de pressão e intimidação psicológica".(Corten,1996: 77)É importante lembrarmos que a contrapartida financeira que é exigida pelospastores não é feita só por causa de uma situação de miséria, pobreza, em que seencontra mergulhado o fiel. Também, diante das coisas boas, diante da felicidade porque esteja passando individualmente, como também a família. Os pastores sempredizem que "ninguém é obrigado a nada" ou, "as pessoas dão porque querem". Mas aquestão não é essa. Há nas igrejas neopentecostais, além da grande capacidade deconvencimento 24dos pastores junto aos fiéis, a estratégia permanente e semprereiventada, que torna eficaz a ação institucional de levar os freqüentadores dasreuniões a "dar para receber". Poderíamos citar, pelo menos, o que é comum no camponeopentecostal como estratégia que leva à obrigação e necessidade de contribuir, paraque as igrejas possam continuar a crescer e espalhar-se geograficamente: o dízimo, opagamento de carnês, a distribuição de envelopes, as coletas, as campanhas. Em linhas24 'Para satã, para a bebida, para as festas, para isso, sempre tem dinheiro. Para Jesus, se é avaro! ' E osfiéis dizem: 'É verdade, é graças à igreja que a gente pode fazer economia, que a gente tem dignidade depoder dar dinheiro, que a gente não precisa mais mendigar '. Cf. Corten, André. Op. cit. p. 78 .


76gerais, essas constituem meios de pagamento, porém, para cada uma delas acriatividade é surpreendente. Por exemplo, tem-se a figura do "dízimo dobrado" ouseja, o dízimo pago pela segunda vez, mas em dobro em relação àquela quantia quesempre se dá; nesse caso, o envelope depositário do dinheiro aumenta de tamanho .Na Igreja Universal do Reino de Deus, especificamente, a questão financeiranão difere de outras neopentecostais surgidas no mesmo período. Porém, verificamosuma maior capacidade de construção representacional do dinheiro pela Universal doque por aquelas outras, haja vista uma certa produção literária específica em tornodessa questão, bem como a capacidade dos pastores, no cotidiano de, através dasdiversas formas de estratégia econômico-financeiro, convencer e converter os fiéis àfidelidade ao pagamento, em dinheiro, dos serviços religiosos oferecidos pela igreja epor tudo o que seja bênção derramada por Deus .Os fiéis que participam das "reuniões" 25 , sejam eles batizados ou não, não sógritam, dizem amém e louvam a Deus e a Jesus; não só fazem gestos, choram e dãosorrisos; não só cantam com entusiasmo e batem palmas. Eles(as) também contribuemfinanceiramente para o sustento de sua igreja. Na Igreja Universal do Reino de Deus, odinheiro é uma realidade dinâmica e sempre ancorada na categoria "prosperidade". Aprosperidade completa engloba sempre o aspecto financeiro. A plasticidade com que odinheiro é nomeado, causa atração, pois, constantemente, lhe são atribuídossignificados, que o dinheiro mesmo até em outros contextos religiosos, não tem. EdirMacedo diz em seus ensinamentos: " O dinheiro é uma ferramenta sagrada usada naobra de Deus. Ele é o dono de todas as coisas, mas nós somos os seus sócios nos seus25 É comum percebermos, também, nesses movimentos religiosos, que o momento de culto recebe onome de "reuniões", assim se diz na IURD, e sempre essas reuniões são orientadas para as necessidadesimediatas do povo.


77empreendimentos. Dessa maneira, o dinheiro, que é humano, deve ser a nossaparticipação, enquanto que o poder espiritual e milagres que não são humanos, são aparticipação de Deus". (Macedo, 1996: 75)O Neopentecostalismo iurdiano é dinâmico em seu discurso, quando trata daquestão financeira articulada com a questão da prosperidade. A estratégia é invocar naexperiência de fé da igreja e dos fiéis, o trato que se deve ter na relação com odinheiro. Embora muitas vezes, através de expressões um tanto agressivas, mas quesejam eficazes aos propósitos da Instituição e a realização das esperanças dos fiéis :" O cristão deve portanto, colocar a sua fé em ação, e se tornar um sócio de Deus. Istoé feito quando o adorador se compromete a 'devolver' aquilo que é de Deus, ou seja, odízimo. Deus, em contrapartida, garantirá as bênçãos da cura e o sucesso noempreendimento". (Campos, 1997: 368)A força com que a imagem agora está a representar o dinheiro na mente dosfiéis que se colocam com sua fé em ação, está na mesma medida da ação de Deus quese coloca e dá de Si o que d'Ele é próprio e d'Ele provém : bênção e sucesso . Nessesentido, a prosperidade chega na vida dos fiéis como um milagre visível, comotambém na vida da igreja, que aumenta a cada dia seu patrimônio, significando umariqueza decorrente também de uma concepção de religião que articula de uma novamaneira fé e dinheiro, sem nenhum drama de consciência. Poupança e prosperidade,no discurso da Igreja Universal do Reino de Deus, se constituem, assim, em umalicerce básico que torna possível redirecionar e racionalizar os recursos financeiros,mesmo escassos, mormente quando tal redirecionamento representa uma formaeloqüente de testemunho de conversão (Antoniazzi, Mariz e Sarti, 1996: 70).


78" Quando cheguei na Igreja Universal do Reino de Deus de Goiânia pelaprimeira vez, estava praticamente falido e doente, pois não me alimentava devido aosproblemas que me consumiam. Na Igreja Universal tive um encontro com Deus e fuicurado de sinusite, tive meu casamento restaurado. A prosperidade foi restituída, assimque me tornei dizimista fiel. tenho meu próprio negócio e outros bens. Hoje sou umanova criatura que se beneficia de todos os bens que Deus preparou para aqueles que oamam ". 26Para a Universal, tornar-se dizimista é uma condição essencial de pertença aogrupo, e mais que isso, implica que através do dízimo o fiel consegue estabelecer umforte relacionamento com Deus, para que tenha a sua vida abençoada por Ele. "Pagar"seria também uma palavra chave para que o crente se sinta membro atuante de suaigreja local. Não é pagar uma promessa, é pagar dinheiro, isto é, algo que é de Deus,como explica o teólogo J. Cabral: o dízimo, "é uma espécie de evolução das oferendasque desde os tempos primitivos o homem dava a Deus. É uma oferenda pré-fixada; ummínimo aceitável, entendida como a devolução da décima parte daquilo que se recebed'Aquele que dá tudo para uso no Seu serviço. O dízimo é de Deus" 27 . Dizer que o"dízimo é de Deus" é o mesmo que dizer o dinheiro é de Deus, e nesse sentido, aUniversal é inovadora, pois consegue ressignificar algo que no imaginário coletivo, hámuito, ligado à fonte de todo mal. Esse significado hoje é tão poderoso quanto aprópria condição em si do dinheiro, em seus diversos e mais variados contextos nahistória das sociedades, em que recebeu os mais variados significados. Assim,dinheiro, fé, Deus constituem uma associação de poder que o fiel não pode deixar defazer e de crer, sob pena de não ver seus bens materiais abençoados e nem tão poucomultiplicados. E quanto a isto, o testemunho bíblico é lapidar: "Roubará o homem aDeus ? Todavia, vós me roubais e dizeis : em que te roubamos ? Nos dízimos e nasofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação26 Folha Universal - Ano V no. 309 de 08.03.98 p. 7 A .27 Folha Universal - Ano V no. 322/junho/1998, p. 2B


79toda" (Malaquias, 3, 8.9). Como algo de Deus, a linha teológica da Universal refletesobre o dinheiro como um assunto sério, no corpo da Instituição, e dessa advertênciabíblica - muito citada nas reuniões - , o crente não pode passar desapercebido, se quisermanter-se fiel a Deus e à igreja .


80CAPÍTULO IIIO <strong>DINHEIRO</strong> NA IGREJA UNIVERSAL <strong>DO</strong> REINO DE DEUS


811. Questões IntrodutóriasO presente capítulo dá início ao mapeamento e sistematização analítica dasrepresentações sociais do dinheiro, advindas do imaginário dos membros pesquisadose pertencentes à Igreja Universal do Reino de Deus. Esse capítulo objetiva apresentaras significações que predominam quanto ao que significa o dinheiro para aquelessujeitos.Foram entrevistados vinte membros da Igreja, dos quais: sete mulheres e trezehomens. Quanto à condição de pertença ao grupo religioso, observa-se: quatro fiéis(não batizados), dois candidatos a obreiros, nove obreiros, três pastores auxiliares edois pastores titulares. Os referidos entrevistados freqüentam os templos, situados nosseguintes bairros da região metropolitana da cidade do Recife: templo de Tejipió (Av.Dr. José Rufino), templo do Totó (Av. Paulino de Farias) e templo de Sucupira(Cavaleiro, Jaboatão dos Guararapes). A hipótese, que norteia o desenvolvimentodesse capítulo, refere-se à natureza das significações sociais que demarcam oimaginário religioso dos pesquisados, quanto ao dinheiro; esse como já foi dito,situado em uma experiência institucional determinada.É importante lembrar nesse momento, que pressupomos que os informantes,independentemente de sua função social na hierarquia institucional religiosa, nãotomam o dinheiro como a raiz de todos os males sociais. Observarmos esta atitude nãosó na doutrina pentecostal tradicional ascética como fora desse meio, por exemplo, nopróprio imaginário secularizante de uma forma geral. Isso implica, como teremosoportunidade de demonstrar, uma forma de imaginar o dinheiro sob o prisma religioso.Não temos a pretensão de demonstrar e/ou verificar paralelismos, ou não, com asconcepções dos membros de outras denominações, na elaboração realizada pelos da


82Igreja Universal do Reino de Deus, e sim, a de apresentar, tão somente, os elementosconstituintes e característicos de como o dinheiro é imaginado socialmente.Algumas questões foram norteadoras para a realização desse trabalho, estandona base da discussão que virá em seguida:- Não será a Teologia da Prosperidade, uma forma bemexpressiva de atitude capitalista, através da qual podemosentender a presença e visibilidade do dinheiro nos templosdas igrejas neopentecostais?- Qual a explicação para que essa relação religião e dinheiro,seja percebida pelo fiel como um desejo de ascensão social,boas condições de vida e felicidade terrena, sem drama deconsciência?- Na experiência neopentecostal da Igreja Universal do Reinode Deus, não estaria o dinheiro sendo a doação maior desacrifício que o fiel possa ofertar a Deus, para realização desuas necessidades imediatas?- Quais são as "imagens", "representações" acerca dessarealidade chamada dinheiro, que através da sua articulaçãocom a fé, no sentido religioso, produzem não só umarelação positiva, mas se apresentam como algo inovador naexperiência neopentecostal?- O mercado como elemento constitutivo da ideologianeoliberal, não seria uma explicação entre outras de umcomportamento expressivamente monetário que perpassahoje o âmbito religioso?


83- Que justificativas sociais e/ou culturais-religiosas sãocapazes de conformar os fiéis, a manterem-se numa práticade pagamento monetário pelos serviços religiosos?A seguir, apresentaremos alguns pressupostos teóricos, que consideramosimportantes para a análise, e na tabela 1, as formas de apreensão e representaçãosociais do dinheiro, através das seguintes formas representacionais, abstraídas doconjunto de destaque das entrevistas que se encontram resumidas no Apêndice.2. Pressupostos relevantes para a análisePara o procedimento de nossa análise empírica, uma questão fundamental queagora apontamos, é a reflexão sobre os meios através dos quais as pessoas lançam mãopara obtenção e a posse de bens. Esses meios se encontram identificados através doconjunto das representações sociais dispostas na tabela 2 p. 89. Assim, poderíamosconsiderar para efeito de análise, que os entrevistados, de uma maneira geral, paraterem acesso a um bem ou a um serviço, recorrem fundamentalmente aos seguintesmeios: A dádiva, a troca e a apropriação. Esses meios, no entanto, se estendem nogeral, a todos os seres humanos, independente do âmbito social em que estejampassando seu maior tempo de sociabilidade. Porém, antes de refletirmos cada umdesses meios, uma outra questão se faz necessário observar .


842.1 A Questão da EquivalênciaSupondo um determinado objeto X, este pode receber um caráter deequivalência, que pode ser geral ou não, dependendo do contexto sócio, econômico ecultural. Esse caráter de equivalência garante a esse objeto x, levando em conta oslimites de sua abrangência, poder de troca. Pode-se trocar x por y, podendo essarelação de equivalência corresponder a proporções iguais ou diferentes. Mas, supondox um equivalente a que se atribui maior valor de troca, este se confrontará no processode intercambialidade de equivalentes como um referente que se quer desempenhandouma função sempre mais geral. Esse processo de troca, pode-se exemplificar daseguinte maneira:"Uma quantidade definida de uma mercadoria, digamos 20 metros de linho,iguala-se a uma quantidade definida de uma Segunda mercadoria, digamos, um casaco.Nessa equação, o casaco mede o valor do linho; o linho é um valor relativo ao casaco,e este é o equivalente do linho. Essa relação simples de valor pode ser desenvolvida demodo a igualar os 20 metros de linho a uma quantidade definida de qualquer outramercadoria como seu equivalente: o linho pode ser equiparado a um casaco, a cincoquilos de chá, a 20 quilos de café, ou a duas onças de ouro". (Bottomore, 1993: 107)Compreendendo essa forma de valor acima desenvolvida, não só o nosso ycomo também u, w, z etc., podem desempenhar a função de equivalentes. Se taisequivalentes se apresentam ou não como uma mercadoria no processo de troca, esta éuma outra questão.Foucault (1987: 205) se perguntava, a propósito de seu interesse pela formaçãodo valor, "por que há coisas que os homens buscam trocar, por que umas valem maisque outras, por que algumas, que são inúteis, têm um valor elevado, enquanto outras,indispensáveis, têm valor nulo? "Poderíamos citar, como exemplo, o ar querespiramos, o qual concordamos que seja indispensável para a vida de uma maneirageral, porém, seguindo a linha de questões levantadas por Foucault, tem valor nulo.


85Para esse autor, a questão do valor, num primeiro momento, exprime-se no processo detroca como uma coisa que apenas substituir outra:"Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, podersubstituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços sóforam fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe. Ora, a troca é umfenômeno simples apenas na aparência. Com efeito, só se troca numa permuta, quandocada um dos parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui. Numsentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existamantecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisiçãofinalmente se produzam. Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo deque precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não temnecessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquiriralguma coisa de que necessite. Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisapossa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo,o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior datroca ou da permutabilidade". (Foucault, 1987: 205)Mas, esse "apenas", não implica em que tudo seja simples, afinal, o que épreciso para que uma coisa ao substituir outra, demonstre poder de representar? Épreciso que nesse processo de permutabilidade, a coisa a ser permutada, trocada, estejapreviamente imbuída de valor. Só assim poderá haver a troca. Mas, não só isso, comohaverei de refletir mais à frente, é preciso que tal coisa seja também objeto de desejo epercebida como necessidade .2.2 A DádivaA dádiva, ou seja, a posse de um bem ou de um serviço vindo de outro semnenhuma contrapartida, tem como característica fundamental o fato de ter sempre umcaráter limitado e de estar sempre relacionada com motivações afetivas poderosas.Além disso, a dádiva não garante a ninguém a oportuna ou imediata consecução dosbens e dos serviços de que se necessita ou se deseja. Desta forma, ela inclui sempre apossibilidade de se pensar sobre suas motivações subjacentes e essa constatação é defundamental importância para a observação das sociedades primitivas no que dizrespeito à sua ocorrência. Parece que esta forma de comportamento acha-se fortemente


86relacionada com os hábitos religiosos dos povos primitivos bem como das sociedadescomplexas modernas(Lima, 1996: 30). A troca de presentes, como um exemplo dedádiva, e considerada uma forma de distribuição de mercadoria, foi muito usada porpovos primitivos e, segundo Mauss (1999: 351), essa tradição como forma demercadoria, derivava da psicologia de presentear. Não só isso, o próprio movimentodos dons e contradons, cuja circulação é regida pelo princípio de dar/receber/retribuir,funda alianças sociais próprias a um determinado grupo humano. Refletindo a dádiva àluz desse princípio que funda alianças sociais, diremos, portanto, que elafundamentalmente estabelece relações. Godbout (1999: 16), insiste nesse aspecto, istoé, de que é preciso "pensar na dádiva não como uma série de atos unilaterais edescontínuos, mas como relação". E, diga-se bem, como relação social.O campo religioso é bastante fértil como lugar desse tipo de troca. Os altares,os púlpitos, estão aí para demonstrar como os fiéis são gratos pela ação poderosa deseus deuses. Todos os objetos, inclusive dinheiro, são ofertados como troca e esse atodecorre de um compromisso fundamental, o de significar, já que tal doação, é umaação simbólica, carregada de fé e reveladora de uma dada situação existencial. Comose expressou um dos entrevistados:" Hoje só há uma forma do dízimo ser simbolizado, que é através da oferta emdinheiro, já que o dinheiro é algo que mexe com o homem. Então aquela parte é deDeus e tenho que dar. A gente dar porque tem um retorno. E o retorno são as bênçãosde Deus. As dificuldades que encontramos em nossa vida nós clamamos a Deus e Deustem que responder". (E.2.b)O que percebemos, é que a forma de permutar, ao sofrer permanentesmudanças em seu processo de aperfeiçoamento, levou as pessoas a estabelecerem ouso das trocas como resultado das especializações do trabalho e diversificação dosmeios de produção. O que alterou significativamente a compreensão do mundomoderno sobre a dádiva pois, embora concebendo-a como uma relação social, reduziu-


87se-lhe a algo utilitário. O mundo capitalista analisado e denunciado por Marx em OCapital, revela, ao meu ver, que o sentido da troca foi alterado substancialmente emrelação ao "mundo das trocas de presentes" estudado por Mauss, onde a gratuidade erao princípio mais fundamental.O que estou querendo dizer é que, se voltarmos ao exemplo que Marx dá aoreferir-se em O Capital à forma mercadoria do produto do trabalho no caso, citando oexemplo de um casaco, é que o objeto não é visto como algo que é fabricado e vestido,mas como uma mercadoria que é trocada. E como uma mercadoria, fruto de umprocesso de produção, o casaco não pode ser definido como uma coisa a ser vestida ouque cuja utilidade seja aquecer alguém. Como uma mercadoria, expressão de umprocesso de universalização da produção (é isto que para Marx, significa ocapitalismo), o casaco não é mais uma coisa, mas um valor de troca. Através dessatroca, tem-se um outro sentido, revela-se um outro tipo de relação social. A mediaçãopara essa relação é o mercado, e este ao ser constituído como referência central para asrelações capitalistas, ocultou a dádiva, ou a "verdadeira" dádiva, através da qual arelação é marcada pela gratuidade. É assim que Godbout (1999: 29), qualifica adádiva: " (...) qualquer prestação de bem ou de serviço, sem garantia de retorno, comvistas a criar, alimentar ou recriar os vínculos sociais entre as pessoas".2.3 - A TrocaAo que parece, no desenvolvimento das sociedades, a troca de mercadoria poroutra mercadoria, sem nenhuma outra mediação nesse processo, portanto, de formadireta, tem sido considerada a forma mais comum de permuta, e que foi, no percursode uma dada economia, originando o que hoje denominamos de comércio. E para que


88haja o comércio, uma determinada pessoa deve possuir algo de que um outro necessite.Assim, para se efetuar um intercâmbio, deve-se chegar a algum acordo sobre o valordaquilo que se pretende comerciar, que se pretende trocar. E aqui uma questão seimpõe: o valor. Mas, como a pessoa humana pode expressar tal valor ?Tomando como referencia Foucault (1987), e refletindo sobre a experiênciareligiosa da Igreja Universal do Reino de Deus, é interessante observar que, na semanaiurdiana de prestação de serviços 29aos fiéis, o dinheiro se constitui numa importantepeça no espaço cúltico; 30e como tal, sua forma se expressa na base da troca. Porexemplo: buscar a prosperidade (em um ritual de nove segundas-feiras consecutivas ecom o pastor alçando e determinando um certo valor financeiro como desafio ao fiel) éalgo que exige um pagamento como sacrifício. No ato de fé, algo tem de ser trocadopara obtenção de bênçãos que vem de Deus, a partir da troca, como uma porta que seabre nos céus, há um derrame de tudo em abundância. O fiel traz o dinheiro até opastor (e o valor nominal expresso na cédula ou em sua soma sempre corresponde aotamanho da fé, isto é, quem muito dá a isto corresponde a sua fé), e as bênçãos semmedidas são invocadas, para que Deus multiplique a situação financeira do fiel. Odinheiro, no espaço iurdiano, é uma constante como elemento de troca. Não há comopertencer ao grupo eclesial e se beneficiar dos serviços religiosos, se não for tambémdando dinheiro como medida de sacrifício: "Constituir valor não é, pois, satisfazer29 Às segundas-feiras, oferecem-se soluções sobrenaturais para quem deseja prosperar; às terças, dedicasea curas físicas; às quartas, adoração ao Espírito Santo; às quintas, oferecem-se soluções paraproblemas familiares e afetivos; às sextas, faz-se libertação de demônios (exorcismo); aos sábados,novamente dá-se o ritual de prosperidade; e aos domingos, dá-se a adoração ao Espírito Santo30 Às quartas-feiras e aos domingos, como são dedicados ao Espírito Santo, entende-se como sem caráterutilitarista, pois tem o objetivo de " criar maior intimidade entre fiel e Deus, moralidade derelacionamento que, na cosmovisão difundida pela igreja, tornaria este ainda mais generoso e atento àsnecessidades dos devotos, 'desinteressados' ou não ". (Mariano, 1996: 126) .


89necessidades mais numerosas; é sacrificar bens em troca de outros". (Foucault, ibid.,p.207)Podemos então concluir que o dinheiro é um meio de troca ou referência devalor. Observa-se, no entanto, que essa função dual do dinheiro não se verifica apenasno espaço do religioso, ela é inerente a qualquer forma de troca, onde quer que odinheiro se constitua meio de permuta . Há de se observar, entretanto, que no espaçodo religioso, e mais especificamente no espaço iurdiano, o dinheiro tem um valorsimbólico maior do que o valor de uso; 31seu valor depende da pressuposição depossuir uma outra atribuição e bem particular, que diz respeito a uma certa virtudemágica e de poder: "Existe um espírito devorador, ou seja, um demônio que quando apessoa não dá o dízimo ele entra na vida da pessoa e devora tudo. E quando a pessoadá o dízimo, Deus promete abrir as janelas do céu e derramar bênçãos sem medida"(E.3.b) .Assim, existe uma acentuação mágico-religiosa 32sobre o dinheiro, o qualpode estar carregado de forças negativas, aprisionando o bom desempenho da pessoana vida financeira; mas isto tem a ver com a fé da pessoa na sua relação com a igreja ecom Deus. Ser livre para dar e receber depende fundamentalmente da fidelidade aodízimo, e quanto mais se dá mais corresponderá ao tamanho da fé que se expressa31 Vale observar que, do ponto de vista do método em economia política, o dinheiro, assim como o valorde troca, originam-se de uma concepção em termos de consciência filosófica, no que diz respeito aapreensão da realidade, diferente do que acontece com a consciência religiosa: " O todo, tal comoaparece no cérebro, como um todo de pensamentos, é um produto do cérebro pensante que se apropriado mundo do único modo que lhe é possível, modo que difere do modo artístico, religioso e práticomentalde se apropriar dele. O sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomiafora do cérebro, isto é, na medida em que o cérebro não se comporta se não especulativamente,teoricamente. Por isso também, no método teórico[ da economia política], o sujeito - a sociedade - devefigurar sempre na representação como pressuposição". (Marx, 1978: 117) .32 Essa acentuação mágico-religiosa, diz respeito a formas de pensamentos e crenças, assim como rituaise imagens, através dos quais fiéis, obreiros e pastores vão atribuindo significados sobrenaturais oudivinos ao dinheiro.


90nessa doação. Porém, livre das forças demoníacas que amarram a vida financeira, odinheiro reveste-se de positividade, pois na condição de dízimo (cf. Mal. 3, 10ss), éalgo pertencente a Deus; é por esse motivo que ele, uma vez investido de sagrado,torna-se mediação de um processo de "libertação" (desamarração de uma vidafinanceira sem prosperidade).Mas, se faz importante uma breve observação quanto a essa questão do dízimo.Na tradição religiosa judaica, o dízimo correspondia a décima parte dos produtos queprovinham da agricultura e da pecuária, que os israelitas deviam consignar ao temploe aos seus ministros (sacerdotes, levitas) em vista do sustento do culto e das pessoasencarregadas deste.Hoje, em vez de dar parte do que se produz, na forma acima mencionada, àigreja ou ao templo, os fiéis podem fazer contribuições monetárias. O serviço a Deus,ao longo da história das religiões cristãs, passou a ser valorizado em termosmonetários. Assim, muitos pastores da Universal vão dizer em suas pregações queDeus não quer mais os primeiros frutos da colheita (na acepção da palavra) ou osanimais nascidos na primavera. Deus, ou pelo menos os pastores, querem dinheirocomo sendo o dízimo: "Na sociedade em que vivemos, onde a moeda é a base daeconomia e as pessoas vivem de salários, é claro que se torna muito mais fácil dizimarem dinheiro. Aliás, nunca vi as pessoas trazerem à igreja bois, ovelhas, grãos, frutos,sacos de cimento, máquinas, etc., como sendo seus dízimos"(Cabral, 1997: 18).2.4 A apropriaçãoApropriar-se de um bem, tomar posse de algo caracteriza também uma formaatravés da qual uma pessoa consegue obter e possuir um determinado bem ou serviço.Esse apropriar-se ou tomar posse pode ser entendido como uma atitude que requerviolência, o que seria considerado uma forma extrema de reciprocidade negativa (cf.


91Lima, 1996: 29), e que estaria evidentemente em oposição à dádiva; ou pode ser,também, entendido como uma atitude decorrente de uma determinada situação em queindivíduos vivem na mais completa ausência de posse (Gomes, 1992:48), e assimdesenvolvem uma capacidade de obter algo para o seus próprios benefícios. Apropriarseou tomar posse também pode estar associado a herança. Na tradição cristã, o homeme a mulher como criaturas, como filho e filha, são herdeiros do Criador/Pai e comotais, devem desfrutar da criação apropriando-se, tomando posse, dominando tudoaquilo que lhe fora destinado (cf. Gn. 1 e 2). Esse entendimento encontra-se presenteno grupo pesquisado quando um deles reflete:" A gente acredita através da fé, queDeus é o Deus da prosperidade. Em Ageu, se não me engano, Ele é o dono de todoouro e toda prata. Então, se eu sou filho de Deus através do sangue de Jesus, eu tenhoque conquistar tudo aquilo que eu tenho direito. Então, todo filho tem o direito a tudoaquilo que o Pai tem". (E.2.a).Porem, há que reconhecermos que, em qualquer fase da economia onde severificou essa forma de aquisição de bens, se tornava difícil manter uma condição depaz no que diz respeito às relações humanas, e conforme Lima (1996: 30), nos dias dehoje isto não se encontra abolido, pois, o que assistimos permanentemente correr emprocessos, são problemas de ordem legal, ética ou política decorrentes de atividades deapropriar-se ou de tomar posse.Se tomássemos o dinheiro, como um instrumento de mediação nessa forma deaquisição de um bem ou de uma prestação de serviços, que poderia ou não serconsiderado uma mediação violenta, concluiríamos que, ele, o dinheiro, é motivomuitas vezes denunciado como provocador de conflitos que não geram paz nasrelações humanas, ou apenas aceito como uma obrigação para que se evite, por


92exemplo, o surgimento de algum elemento perturbador em uma determinada relação:"O dízimo não é uma oferta. O dízimo é uma obrigação. É devolver aquilo que é deDeus". (E.11.b)O elemento perturbador aqui seria o demônio, cuja força dele oriunda afasta aspessoas dos desígnios de Deus e da sua relação com Ele . E quanto a isto, poderíamosobservar o seguinte : durante todo o período helenístico, identificava-se que, asreligiões da Grécia, do Egito, da Fenícia, da Pérsia e Mesopotâmia, segundo Nogueira(1986: 14), que tendiam à confluência e miscigenação, tornaram-se com o tempo,simples demonologia, extremamente interligadas.Conforme esse mesmo autor, encontra-se por isso," o ponto de confluência com a religiosidade Judaica. Quando, no século II d. C. foram traduzidos para o grego os livros sagrados, denominaram-se demoníacos(Daimonia) os ídolos e divindades pagãs e alguns dos animais fantásticos quepovoaram as crenças do antigo Oriente. Estabelecida uma mesma denominaçãocomum, uma parte das doutrinas demonológicas, incorporadas à tradição helênica,penetrou entre os hebreus, associando-se aí às tradições orais, inovando as crençasjudias de espíritos malfazejos".Nesse sentido, o autor assinala que, se no Antigo Testamento a grandiosidadede Satan é negada, no século II d. C. ele é reconduzido e estabelece-se na literatura dosEvangelhos e do Apocalipse de São João, como príncipe das trevas e como aquele queé causador da perdição do gênero humano. No relato dos Evangelhos, satan aparecepermanentemente como um inimigo de Jesus e dos discípulos. A história de toda essatrama, é a tentação de levar a todos a romper com a fidelidade ao Senhor. Osdemônios, vão se constituindo aos poucos nesses relatos, como obstáculos queimpedem à possibilidade de se alcançar a vida no Paraíso. Assim, como obstáculos,incarnam-se no mundo das coisas humanas, impedindo-as de ser para Deus: "Dessapolarização resulta que tudo o que afasta os homens de Deus é uma manifestação dodiabo". (Nogueira, 1986: 18) O dinheiro, no imaginário cristão foi ligado a, entre


93outras coisas, poder, tentação, morte, miséria, pobreza. Ou seja, a todo tipo de situaçãoque direta ou indiretamente, ele possa ter provocado. Por certo, essas ligações feitas aodinheiro, não são algo próprio do imaginário cristão, mas como no cristianismo após oséc. II d. C. foi se forjando sempre mais uma literatura demonológica, isto vai aospoucos passando à vida cotidiana das pessoas, servindo como referência parainterpretar certas situações adversas individuais e coletivas, de caráter social,econômica, política e cultural. E isto se deve ao fato de o espírito do mal ter sidointegrado ao dogma central do cristianismo: queda do homem, pecado original, mortedo messias. É por isso que, uma vez incorporado ao dogma do cristianismo, vairepresentar as dificuldades do mundo material e espiritual . Porém, observamos que,no imaginário cristão da IURD, o dinheiro, ao representar-se na forma de dízimo,ganha outro destaque, ou uma outra importantíssima significação: ele une, recriandolaços supostamente desfeitos por Satan, resgatando um outro poder através do qualemana o desejo de que todos, e não somente alguns, possam dispor das coisas domundo, que possuam os bens da terra, tais como: saúde, dinheiro, objetos, felicidade,amor,paz, etc.


943. Teorizando sobre o imaginário social do dinheiro presente na IgrejaUniversal do Reino de DeusA seguir, apresentaremos um quadro demonstrativo, expressando como os fieis da(IURD) imaginam o dinheiro. As entrevistas realizadas, constituem nosso ponto departida para tais identificações e possíveis análises que faremos. E, conforme nossoprocedimento metodológico, uma vez que o conjunto das entrevistas foram reveladorasde tais representações, destacaremos dentre todas, aquelas que mais se manifestaramde forma freqüentes, como expressões representacionais subjacentes às falas dosentrevistados. E, logo após esse quadro, apresentaremos um outro bem menor,contendo uma outra síntese com base no critério da repetição.Quadro das Representações -Tabela 1E. 1 E . 2 E . 3 E . 4 E . 6 E . 8 E . 11 E . 12 E . 13 E .15Amor paracom Jesus XBênção X X X X X XConquistaX XDesafio X XFidelidade/Infidel. XObrigação X XOferta X X X XProva X X XPropósito X X XResgateSacrifícioX X X X X XXSalárioTesteVotoXXXDas palavras, acima evocadas, decorrentes das entrevistas consideradas aquirepresentativas de um conjunto de 20 (vinte), tomamos em consideração aquelas emque a repetição se deu pelo menos três vezes, o que podemos apresentar como as


95formas representacionais mais significativas, e que possuem relevância para umaanálise do caráter social dos elementos constitutivos.Portanto, estão assim dispostas:Tabela 2Repetição/freqüênciaForma representacional03 Propósito03 Prova04 Oferta06 Bênção06 SacrifícioTomando como pressuposto a síntese das entrevistas realizadas e seusconteúdos subjacentes, podemos a partir desse momento, buscar algumas respostas quepossam satisfazer a questões anteriormente colocadas. Pretendemos, portanto, à luzdesses dados, uma reflexãode análise utilizando elementos da Teoria dasRepresentações Sociais propostos inicialmente nesse estudo.O exame inicial, sem a pretensão de exaustividade, abordará dois aspectos: aobjetivação (a) e o processo de ancoragem (b), conforme expusemos no capítuloprimeiro.4. -As Formas Representacionais4.1 - A ancoragemO processo de objetivação, que esboçamos de forma não exaustiva, normalmente seapresenta como constituição formal do conhecimento. No momento da ancoragem dáseoutro movimento, ainda que articulado com o processo anterior. Trata-se da


96inserção orgânica do referido conhecimento em um pensamento já existente nasociedade, conferindo, assim, sentido e utilidade. A ancoragem é apenas um portoseguro, onde se passa algum tempo, até que o alimento fornecido perca seu sabor..." (.) é um meio de interpretar os comportamentos, de classificar as coisas e as pessoasem uma escala de valores e, o que não é nada, de nomeá-Ias. Tudo que os faz agir,preencher uma função, e os relaciona obedece a uma representação dominante. Estanão os concebe como se fossem percebidos através de um espírito destacado eonividente, mas através do filtro da cansciência de um indivíduo ou de um grupo emseu meio. E, o que é inevitável desse ponto de vista: nós só podemos nos representaralguma coisa como uma representação de alguém" (Moscovici, 1990 : 272n3).O processo de ancoragem nesse sentido, é demarcado e reconhecido pelaintrodução de uma determinada representação entre as já existentes. Destacaremos,pois, aquelas representações mais significativas que nos foram sugeridas, pelas formasde expressão do pensamento em tomo de nosso elemento central o dinheiro, e quecorrespondem à ancoragem dos elementos identificados na seção anterior.A insistência na doação de dinheiro como algo estratégico na prática social da IURD,sinaliza indignação para muitos que se encontram fora desse espaço de experiênciareligiosa.Para aqueles que se encontram reunidos nos templos dia-a-dia, o sentimentonão é esse, ou seja, de indignação, mas, a entrada no templo, o processo de pertença aogrupo, vai firmando um sentimento de submissão, porém, não fica nisso, pois, fora dotemplo, a missão é papel a desempenhar. Tudo é entregue: a entrega de si mesmo, decertos bens materiais, o salário, ou qualquer quantia em dinheiro vivo que se tenha emmãos...depois, o anúncio do milagre, o milagre das bênçãos consegui das, da cura deuma enfermidade, de um espírito mal que tomou posse, da própria descrença a qual ofiel se entregou. Assim, o lugar onde o fiel passa seu maior tempo de sociabilidade


97(família, rua, trabalho, igreja...) transforma-se em palco de importantes testemunhosatravés dos quais, se comunicam as transformações de experiências reais conseguidas.4.2 - A Objetivação" O dízimo representa o amor para com o Senhor Jesus " (E.1.a)"Amor para com o Senhor Jesus" parece indicar a realidade mesma da verdadeirasubstância do dízimo(=dinheiro), o que torna-o objeto sagrado quando ofertado ao seuverdadeiro dono, Deus. Esse caráter externo em torno do dízimo, que denominamostambém de conteúdo mental (Moscovici, 1990: 272), cai na vida dos fiéis daUniversal como uma força autônoma e de poder. E é justamente o poder (leia-se, opoder de Jesus) que se busca na tentativa de ver realizada não tanto a salvaçãoindividual, mas outras realizações, tais como: encontrar emprego, curar uma doença,melhorar a vida financeira, tornar-se um empresário, prosperar na vida . Há por trásdesse predicado (amor para com o Senhor Jesus) que materializa-se no dízimo e seexpressa, por exemplo, na oferta, a busca de uma solução para os problemas maisprementes e imediatos: "Então, aquela parte é de Deus e tenho que dar. A gente dáporque tem um retorno. E o retorno são as bênçãos de Deus. As dificuldades queencontramos em nossa vida nós clamamos a Deus e Deus tem que responder". (E.2.a)Ora, essa busca é desejo, e este começa quando algo é recusado e os sujeitos sevêem como que proibidos de possuírem. O dízimo como parte pertencente a Deus émediador de uma relação entre o homem e Deus que se institui, formalmente, atravésde um programa econômico marcado pela força de uma imagem que, ao ganhardistância do seu objeto, se impõe como valor absoluto capaz de ultrapassar o sujeito,fixando as coisas desde o alto, como quem determina a realização das necessidades aque todos têm direito. Nesse sentido, Moscovici (1990: 274), ao analisar o processo deobjetivação, afirma citando Simmel que,


98‘ os acontecimentos subjetivos do impulso e da fruição se objetivam em valor; ouseja, que eles se desenvolvem a partir de condições objetivas, obstáculos, privações,exigências de um 'preço ' de um tipo ou de outro, através das quais a causa e oconteúdo do impulso e da fruição em primeiro lugar se separa de nós e se torna emseguida, por esse mesmo ato, um objeto e um valor’ .É por isso que acima mencionamos a questão do desejo e do impedimento daposse. Mas, esse desígnio da Criação, onde está incluída a condição de prosperidade ede vida com abundância vem encontrando elementos outros desse desígnio, tornando avida em suas várias dimensões (financeira, afetivo-familiar-amorosa, saúde, felicidade)“amarrada”, isto é, impedida de sua plena e/ou satisfatória realização. O elemento porexcelência e causador de uma desordem no plano, por exemplo, financeiro, é odemônio, que de uma forma geral poderíamos definir como entidades pessoais que têmpor objetivo, causar o afastamento dos homens do desígnio de Deus e da sua relaçãocom ele. O demônio incide se apossando na vida dos fiéis negativamente impedindo aprosperidade e a abundância. A vida financeira é o lado de maior preocupação dos fiéisda IURD, pois a sua ruína e fracasso normalmente encontram-se ligados a uma açãodemoníaca: “ Os espíritos que atuam na vida financeira são: o cortador, o destruidor, omigrado, o devorador. Só que tem um, o devorador, nós só podemos repreenderatravés do dízimo. Se a pessoa não dá o dízimo na casa de Deus, então a vida delapassa a ser um fracasso; enquanto ela não der o dízimo o devorador não tem como serrepreendido, e nem sua vida financeira liberta” (E.11.d) .Nesse sentido, o demônio alimenta a fé negativa, principalmente quando agedespertando dúvidas no momento em que o pastor começa a pedir ofertas “Eu fiz umteste comigo mesmo. Eu tinha cem reais e tinha um pagamento no valor de cem reais,e naquela hora que o pastor tinha lançado a oferta, “quem tem cem reais”, o meucoração disse dê. E fica dois pensamentos, um, você não dá; outro, você dá. Um é peloespírito de Deus, que é único. Eu dei” . (E.8.d)


99Portanto, de uma maneira geral, o demônio, na pregação da IURD, uma vezpresente e ativo, provoca distrações nas reuniões de oração, insinua a dúvida na fé ecom isso causa o desânimo nas pessoas, bem como “serve-se de mentes humanas parapromover a fome, a miséria, as doenças, as prostituições, os vícios, as violências, asguerras” (cf. Macedo, 1989: 13s). Assim, a demonização dos deuses e espíritos não sóparece refletir uma vontade de poder profundamente negativa que cai por sobre a vidahumana, mas também uma expressão do desejo mimético irreprimível que leva adestruir o rival, para apoderar-se do comum objeto do desejo – no caso, a massa dosfiéis.Porém, a pessoa humana não pode ficar condenada para sempre à miséria e àpobreza. O plano de Deus para a humanidade não pode afundar-se numa perpétuafrustração. Na análise do processo de objetivação do dinheiro na Igreja Universal,identificamos uma outra condição material da qual os fiéis se servem para dar corpoaos seus pensamentos sobre o dinheiro; ou seja, identificamos uma outra substância ouforça de maior autonomia expressa pelos fiéis, através da qual eles projetam também osignificado do dinheiro: a oferta .“ Uma coisa é a pessoa trazer dinheiro para a igreja e outra coisa é a pessoatrazer oferta. Dinheiro, Deus não aceita, Deus aceita a oferta; porque a oferta tem afunção de ganhar almas. A oferta na igreja não é a quantidade mas a qualidade, aquiloque sai do coração. O dinheiro quando não se dá de coração, quando não se dá comooferta para a casa de Deus, tem a função de fazer reparos na igreja, não serve paraganhar almas”. (E.3.c)“ (...) hoje só há uma forma do dízimo ser simbolizado, que é através da oferta emdinheiro, já que o dinheiro é algo que mexe com o homem (...)”. (E.2.b)O dinheiro como dízimo é cobrança, uma obrigação, e seu percentual seexpressa de uma forma fixa, embora, por exemplo, no Recife encontramos a expressão


100“dízimo em dobro”, que corresponde a 20%; ou ainda o “dízimo do Sinai”, queultrapassa os 30%, este verificado através de uma pesquisa feita em Salvador(Mariano, 1999: 166). O que se observa de forma genérica, é que o dízimo se apresentacomo algo fixo, com pouca possibilidade de manipulação, o que leva os pastores emseus discursos a uma insistência quase frenética de vinculá-lo a uma ordem moral,criando quase um sistema de fidelidade/infidelidade para com os fiéis. A oferta é bemdiferente. Como observamos acima, ela encontra-se no seguinte plano de construção:dinheiro=oferta=qualidade=coração=ganhar almas. Nesse sentido, o poder decriatividade dos pastores em estabelecer sempre a cada semana uma estratégia paraobter ofertas é impressionante. Numa de minhas visitas a um templo da Universal,situado na Av. Conde da Boa Vista, presenciei um momento que expressa de formasignificativamente essa orientação relativa à ofertaA uma certa altura da reunião, o pastor ora. Todos os presentes receberam umarosa. As rosas continham espinhos. Só se podia pegar rosas com espinhos. Em seguidafoi distribuído um envelope. Cada irmão devia colocar no envelope, sete espinhos darosa que tomou para si. Lembra o pastor, que esses espinhos representavam as forçasque impedem, que são espíritos maléficos e que precisam ser extirpado de cada um,juntamente com os sete espinhos.Determinava ainda o pastor, colocar no envelope a quantia de sete reais, ondecada real correspondia a um espinho da rosa, e que deveria ser entregue na Sexta-feira,dia da libertação. Depois, o pastor orava novamente. Insistia, então, que os sete reaisdeviam ser conseguidos, e que os fiéis iriam conseguir até demais. Conseguiriam odobro! Pedia em seguida, que todos se aproximassem e trouxessem suas ofertas, eungia com óleo as mãos de cada ofertante. Seguia uma oração final com todos


101juntando as mãos e colocando-as por sobre a sacola aonde depositariam as ofertas. E opastor, então, pedia que todos repetissem: “eu vou vencer!”, “eu vou vencer!” (...).O que percebemos é que através da oferta não somente há inventividade dos pastorespara obtê-la, como também da parte dos fiéis, que devem ter o coração livre paraofertarem o que quiserem como, carro, som, TV, casa, etc. Há uma clara intenção emmodificar o significado das coisas, projetando para elas não só uma realidade que senomeia, mas um novo sentido, no qual passa-se a tomar como referência para a vida.Dinheiro igual a oferta é realidade que além de objetivada, “quando perfeita [a oferta]é impossível que não traga retorno espiritual e financeiro ao ofertante” (Macedo, 1997:82). Assim, a oferta constitui-se ou representa também um meio possível deintervenção do homem sobre o seu destino em sentido positivo. E mais,“trata-se de uma barganha cósmica. Dado que todas as coisas a serempossuídas pelos fiéis pertencem a Deus ( melhor, ‘pertencem a Jesus’), é preciso que sedê a Deus aquilo que o fiel já possui. Tudo pertence a Deus, mas algumas mínimascoisas estão já em minha posse: se eu der a Jesus aquilo ou daquilo que tenho, ele medará daquilo que ele tem, isto é, os bens da terra, a saúde, etc. de que justamentecareço”. (Gomes, 1992: 49)A oferta portanto, como uma imagem dotada de um caráter quase material, seimpõe à vida dos fiéis através da fé, como uma ação eficaz, em prol de uma situaçãoexistencial decaída, e agora, resgatada, pelo gesto simples de dar: “Depois que euentrei na IURD, fui abençoada, porque eu cheguei na igreja no fundo do poço (...).Quanto mais eu dou mais Jesus tem abençoado a minha vida”. (E.12. a)A “Bênção”, sem dúvida alguma, constitui-se em um outro importanteelemento construído socialmente, e que durante as entrevistas bem como através deleituras complementares acerca do dinheiro na IURD, passa a ser identificado tambémcomo elemento da realidade do objeto :


102“ (...) a gente pega um envelope, a gente está pegando até vinte reais, e coloca opropósito. Numa folha da Bíblia a gente faz o pedido que a gente quer alcançar deDeus, ou seja, eu quero que Deus me abençoe na vida financeira (...) (E.6. a ).“ (...) o pastor diz que Deus tem de abençoar porque estamos tirando de tudo, dedentro da gente, porque é um sacrifício grande de quem não tem”. (E.6.b).“ o dinheiro é recebido tanto quanto as outras coisas com ação de graça. Odinheiro não é o demônio, o dinheiro é uma bênção (...)”. ( E.8.a )Na linguagem da Teologia da Prosperidade, “bênção”, “ser abençoado”,“Deus tem abençoado” tem a ver com a transformação da vida nas suas váriasdimensões: saúde, financeira, afetiva, etc. A bênção que se derramará sem medidas navida da pessoa, decorre de três pressupostos básicos: fé – oferta – fidelidade. Essestrês pressupostos intimamente interrelacionados, constituem-se através do discurso deprosperidade, em estratégia imagética por onde se canaliza, por exemplo, um possívelsucesso financeiro nos negócios, nos empreendimentos: “O cristão deve portanto,colocar a sua fé em ação, e se tornar um sócio de Deus. Isto é feito quando o adoradorse compromete a ‘devolver’aquilo que é de Deus, ou seja, o dízimo. Deus, emcontrapartida, garantirá as bênçãos da cura e o sucesso no empreendimento”.A força com que a imagem está a representar o dinheiro na mente dos fiéis quese põem com sua fé em ação, está na mesma medida da ação de Deus, que se põe a darde Si o que dele é próprio e dele provém: bênção e sucesso. A fé ao se manifestar naoferta não só dela se nutre, como também é exigência de fidelidade para com aquiloque a Deus pertence : o dízimo. Quando o fiel diz que “o dinheiro é uma bênção” (ou ocontrário), há de ter ocorrido pelo menos uma coisa fundamental nessa relação fédinheiro:a despotencialização do demônio que truncava a vida financeira, e aliberação, mediante a ação desse fiel no dar o dízimo, de bênçãos financeiras das mãosde Deus, significando com isso, que uma dada situação de injustiça foi sanada ou, nojargão neopentecostal, que o demônio foi expulso.


103“ (...) o meu marido está para receber um dinheiro, e eu tenho certeza que elevai ser abençoado. A prosperidade que eu me refiro é aquela onde na minha casafaltava tudo, faltava dinheiro, uma feira que fazíamos não dava...hoje não, dá para omês todo. Deus tem abençoado. Quanto mais eu dou mais Jesus tem abençoado aminha vida”. ( E.12.a)É certo que as bênçãos de Deus são diversas, mas a necessidade do crente, nasua urgência e imediata solução, as especifica e materializa, dando corpo ao seupensamento. A “bênção”, que é de Deus e exterior ao crente, através da fé deste,alcançará uma determinada dimensão da vida; e algo concreto advirá como sinal dessaação. No caso acima, é dinheiro que se espera como bênção, assim como a bênção seráo dinheiro recebido.A questão do valor não pode passar desapercebido, haja visto fazer parte desseprocesso mental, através do qual as coisas são valoradas; quanto a isso Dodd (1998,p.92) observa: “O processo pelo qual os seres humanos atribuem valor a coisas fazparte de um processo mental mediante o qual eles compartimentarizam e ajuízam omundo social e natural que os cerca. Empregamos naturalmente uma série decategorias formais segundo as quais o conteúdo do mundo pode ser organizado namente. O valor é uma dessas categorias formais”.A relação entre o homem e Deus, mediada ou não por estratégias institucionaisreligiosas, está contida em um contexto mais amplo que as pessoas podem ter na suarelação com o mundo. É desse contexto ou do lugar que se habita, que o homemabstrai e projeta sua dimensão transcendental. Querer ser abençoado na vidafinanceira, ou dizer que a bênção é o recebimento de uma determinada quantia emdinheiro, é valor que se está dando, é desejo que se está expressando, porém não étudo: “As coisas que têm mais valor tendem a ser aquelas que são mais difíceis de


104obter. Em outras palavras, valorizamos coisas que parecem estar além do nossoalcance, que resistem ao nosso desejo de possuí-las”. (Ibidem, p.92)É desse pressuposto que tem sentido também a questão do sacrifício comoelemento identificado com o dinheiro na prática neopentecostal da IURD: “Acampanha de Israel, por exemplo, você tem uma filha que está com câncer, e aí vocêvai prestar sacrifício; lógico que vai entrar dinheiro, lógico ele vai representar a tua fé.Temos que fazer sacrifício. É nosso holocausto. Se eu ganhei cem reais e tenho quefazer esse voto, deixo tudo e vou dar e Deus vai dar em dobro. É uma prova, temos quesacrificar!”. (E.1. f)Mais do que colocar a vida econômica em risco, como por exemplo, doandotodo o salário do mês, toda a poupança familiar, as alianças de ouro, a escritura da casaou o dinheiro que se possa ter no bolso, o fiel entende tudo isso como ato de sacrifício.É importante não perder de vista, já que estamos estudando sobre o dinheiro, umprincípio fundamental que lhe é inerente: é que o dinheiro, como uma realidadehistórica e cultural, não pode prescindir, sociologicamente, falando, de sua dimensãode interrelação, já que este é um princípio primeiro de toda realidade social. Posto isto,vem a questão: como entender o sacrifício à luz da troca e do dinheiro?Poderíamos afirmar que, no campo religioso, de um modo geral, o sacrifício éalgo bastante difundido. Assim, a concepção de sacrifício não está, necessariamente,amarrada a uma concepção cristã de religião, isto é, o sacrifício não é algo próprio doCristianismo, porém, nele o encontramos como uma dimensão de fundamentalimportância e sentido, não importa qual seja a expressão religiosa cristã .


105Percebe-se que no decorrer da história religiosa de Israel, este vai seenriquecendo com a herança cultural dos povos antigos. O sacrifício, entre outrostantos rituais antigos, vai sendo reorientado para a experiência de Deus que esse povovai forjando em sua história religiosa. No geral, o que se assiste, por dentro da religião,enquanto fenômeno, em relação a uma certa concepção de sacrifício, é que estesignifica a destruição de um bem ou a renúncia ao mesmo, em honra à divindade. Masisto não é tão simples como parece, é complexo. O processo sacrificial, no geral, "(...)consiste em estabelecer uma comunicação entre o mundo sagrado e o mundo profanopor intermédio de uma vítima, isto é, de uma coisa destruída no decurso da cerimônia"(Mauss, 1999: 223) .Bataille (1993: 37ss), concebe o princípio do sacrifício, como sendo adestruição, porém, não concorda que "destruição" signifique aniquilação, mesmo que,por vezes, o sacrifício tenha que destruir o objeto sacrificado de forma total, como nocaso do holocausto. Completa Bataille:"O que o sacrifício quer destruir na vítima é a coisa - somente a coisa. Osacrifício destrói os laços de subordinação reais de um objeto, arranca a vítima domundo da utilidade e a entrega ao do capricho ininteligível. (...) O sacrifício é aantítese da produção, feita visando o futuro, é o consumo que só tem interesse nopróprio instante. Nesse sentido ele é Dom e abandono, mas o que é doado pode ser umobjeto de conservação para o donatário : o Dom de uma oferenda a faz passarprecisamente para o mundo do consumo precipitado. É o que significa 'sacrificar àdivindade', cuja essência sagrada é compatível a um fogo. Sacrificar é doar, como sedá carvão à fornalha. Mas em geral a fornalha tem uma inegável utilidade, à qual ocarvão está subordinado, enquanto no sacrifício a oferenda escapa a qualquerutilidade". (37 e 41)Apresentemos ainda uma outra questão para que nossa reflexão seja maissatisfatoriamente elaborada. No decorrer de um processo de objetivação encontramostambém, como momento inerente, a questão da demanda. O desejo, já o colocamos. Abusca de uma satisfação pressupõe necessidades e desejos. Isso implica uma questão


106de escolha. Moscovici (1990: 277) afirma que a demanda “deve se tornar uma parteespecífica de nossa consciência para poder se expressar enquanto exigência do real”.E cita Simmel, observando que a demanda só existe‘no interior de nós mesmos, sujeitos, enquanto experiência vivida. Mas porquenós a aceitamos, sentimos que não nos contentamos em satisfazer uma reivindicaçãoque nós mesmos nos impusemos, e também fazemos mais do que simplesmentereconhecer uma qualidade do objeto...observai que o valor dos objetos faz parte dessesconteúdos mentais que, ao mesmo tempo que os concebemos, nós os sentimos comosendo alguma coisa independente no interior de nossa representação, destacados dafunção através da qual existem em nós. Essa representação, quando o seu conteúdo éum valor aparece, frente a um exame minucioso, como o sentimento de que uma umareivindicação é feita. A “função” é uma demanda que não existe enquanto tal fora denós, mas nasce em um reino ideal que não se encontra em nós’.Assim, mesmo que levemos em conta as duas teorias principais em economia,quais sejam: uma, que determina o valor pela quantidade de bens oferecidos, e a outra,que o faz segundo a quantidade de bens demandados, sabemos que isso implica emtrabalho e produção. Mas, o que um crente da IURD capta, ao sentir-se desafiado parafazer uma oferta, é que aquilo que decide por sua sobrevivência decorre também, da féque o sustenta na medida mesma em que abre as mãos para ofertar. E quando a ofertaé dinheiro, sempre é sacrifício, pois, é a Deus que se oferta, e só para Ele essa oferta ésacrifício : “ (...) qualquer valor de um bem aumenta à medida que se aumenta adistância entre a demanda a satisfazer e a possibilidade deixada aos indivíduos dechegar a ela”. (Moscovici, 1990: 278) Essa "distância" entre a demanda e apossibilidade de satisfazê-la, intensifica um tipo de expressão de comunicação docrente com Deus que não é, simplesmente, de petição, mas de exigência ante o riscoque se estabelece nessa relação: de tudo ou nada."A campanha de Israel é uma prova de tudo ou nada, é uma prova do cristãopara com Deus; ou você crê em Deus ou não crê(...)". ( E.4. d )


107O sacrifício é uma forma de comunicação, e dá-se por intermédio de umavítima, ou de uma coisa que se oferte para imolação, para ser destruída, consumida,porém, nem tudo acaba aí, a irradiação desse processo é o grande objetivo do ritual desacrifício, pois dele espera-se um retorno: "A regra Do ut des [dou, para que dês],pela qual às vezes se definiu o princípio do sacrifício, não é uma invenção tardia deteóricos utilitaristas: ela apenas traduz, de maneira explícita, o próprio mecanismo dosistema sacrificial" (Durkheim, 1996: 373s)O dinheiro na sociedade capitalista, muitas vezes foi sinônimo de sacrifício,isto é, o dinheiro que se ganha, que se arranja, que se consegue, nunca foi obtido deforma fácil, ma na base do trabalho, da dureza ou, como se diz, na base do "sacrifício".Essa imagem é transferida para o espaço iurdiano tal qual. Um fiel que se encontradesempregado, por exemplo, sabe do "sacrifício" para conseguir cinco reais sem estarempregado, e quando tem que dar esta quantia, ela se transforma no mesmo instanteem sacrifício, ou seja, em "vítima", em coisa que se oferta a Deus. Deve ser destruída,mas como está posta no altar aos pés de Deus, é fogo que queima mas não se consome,isto é, não se aniquila, não se acaba nesse momento da oferenda. A irradiação desseprocesso está em ser o elemento sacrificado a prova de uma expressão de fé, quesomente para o ofertante faz sentido, assim como só para ele, o sacrifício é prenúnciode um futuro positivo: bênçãos serão derramadas, haverá vida próspera em todas assuas dimensões .O valor do dinheiro por certo deriva de seu status de mercadoria, e como tal, trazconsigo certas características que compartilha com outras mercadorias. Porém, umaparece fundamental: seu poder de intercambialidade, para além de qualquer


108mercadoria, na medida em que fornece um padrão constante de avaliação entre os bensa serem trocados .Entre “a demanda a satisfazer e a possibilidade de chegar a ela”, identificamoso sacrifício como valor, a objetivar-se também no dinheiro: dinheiro é oferta que se dáem sacrifício, dinheiro é sacrifício. E não só porque é difícil de se conseguir, masporque se constitui em um intermediário abstrato, mediante o qual objetos podem sertrocados reciprocamente. Numa oferta a ser feita em dinheiro pelo fiel, está contidauma avaliação do que se quer alcançar de imediato. Na realidade, através do dinheiro ofiel está a depositar seu sacrifício, a imolar seu "cordeiro" :“ O homem depende do dinheiro hoje para tudo. Se ele não tiver dinheiro nãotem valor. É por isso que levamos as pessoas a fazer sacrifício, porque dói na pele agente dizer que a oferta é de tanto, e a pessoa perguntar por quê ? Porque Deus estáprovando a sua fé”. (E. 4. b)“ (...) lógico que vai entrar dinheiro, lógico ele vai representar a tua fé.Temos que fazer sacrifício. É nosso holocausto (...). (E.1.f)Quando o fiel coloca sua fé em Deus à prova, o pastor que está a dirigir aqueleculto, estabelece um sacrifício: dar mais do que já se dá. Dar além. Por exemplo, dar odízimo em dobro; ou, trazer dentro de um envelope num prazo de oito dias, a quantiade cem reais. Através do pastor (mediador institucional), Deus está colocando a fé dapessoa à prova. Na realidade um sacrifício se impõe, e o dinheiro assim, é objetivado.O dinheiro se constitui em uma medida de valor e muito mais de sacrifício,embora, ligado ao tamanho da fé do fiel e não, por exemplo, ao montante de trabalhoque terá de ser realizado para conseguir êxito em tal prova. Na realidade, o valormesmo está naquilo que se quer obter e que se apresenta para além do dinheiro e desua quantia alçada. O fiel quer obter aquilo que está fora de seu alcance imediato, eque só através de uma intervenção divina é possível. Mas, para isso, é necessário


109demonstrar fé e colocar-se à prova perante Deus. Nesse sentido, um pastor, legítimorepresentante institucional, a exemplo do que assistimos na IURD, não teme e nemmuito menos se intimida, em alçar pesadas quantias em dinheiro como uma prova,como um desafio, nas suas reuniões diárias seja em qual templo estiver; pois, ele sabebem que o fiel sempre adere com maior firmeza, disponibilidade e confiança a talpropósito, quando aceita fazer certos sacrifícios em seu próprio benefício. Porém,antes de tudo, é à fé do indivíduo que toda a força idealizadora da palavra se dirigeprimordialmente:“ Nós levamos o povo a uma fé. Nós falamos, olha fulano, você vai fazer um votopara com Deus de tantos reais; a pessoa vai fazer o quê? Vai fazer um sacrifício emcima disso aí, para alcançar aquele voto e pagar aquele voto”. (E.4.c)“A campanha de Israel é uma prova de tudo ou nada, é uma prova do cristãopara com Deus; ou você crer em Deus ou não crer. Nós pedimos o voto de tudo ounada, ou a pessoa crer ou não crer. Também nós não forçamos. O voto é o dinheiro. Aofazê-lo a pessoa está dando prova de sua fé”. (E. 4. D)Essa relação, como já observamos antes, está intimamente ligada ao desejo. Atodas as coisas que resistem ao nosso desejo de as possuir, costumamos dar maiorvalor. Assim, ter um carro, para um determinado fiel da IURD, é algo que se impõe aele como difícil de se obter, mas desejável. E as barreiras que se têm que transpor(aquilo que resiste ao desejo de possuir tal objeto) devem ser vencidas. E vencidas pelafé. Daí que é legítimo para o pastor, colocar alguém à prova. A mediação da Igreja e deseus especialistas é importante nesse momento. Eles se constituem em crivo darealização dessa prova, e dão oportunidade perante a membresia, do testemunho emviva voz do próprio fiel .


110Se na origem da troca e do dinheiro reside o sacrifício (cf. Moscovici, 1990:281ss), à luz do nosso estudo poderíamos dizer, é porque a experiência de relação entreo indivíduo, o mundo e Deus encontra-se constantemente ameaçada: distanciamento,rompimento. Dizendo de uma maneira iurdiana, os demônios, entidades perturbadorasdo desígnio da criação, tomaram posse com seu poder, dos pobres e miseráveis domundo, afastando-os do desígnio de Deus e da sua relação com Ele. Mas, é nessa trocaque se percebe a restauração de uma unidade, um sentido, um laço:“ Ela [a troca ], é aquilo que cria o laço entre os indivíduos, os atrai e os fazpertencer a um grupo, a uma sociabilidade ou instituição. Consegue portanto, quaseinvariavelmente, dar alguma coisa além daquilo que se recebe e receber alguma coisaa mais daquilo que se dá. Nesse sentido, a troca constitui a forma primordial da vidaem sociedade da qual ela forma os conteúdos psíquicos e biológicos”. (Ibidem, 281 )É por isso que, nas conclusões quanto à unidade genérica do sacrifício, Mauss(1999:151) fala sobre a modificação do estado moral da pessoa que o realiza bemcomo de certos objetos que a ela interessam. Essa modificação do estado moral depessoas e de objetos tem a ver, no rito sacrificial, com a questão da troca, pois,fundamentalmente esta objetiva como finalidade maior, o reforço da rede de relações,reforçando os laços de reciprocidade (Moscovici, 1990: 281).Em síntese, a objetivação do dinheiro sugere que, de imediato, a cada palavraem torno dele formulada, corresponda uma realidade. Essa ação de objetivar-se, dá-sede forma permanente em nossos processos de apreensão do mundo real. Com elaqueremos que nossas abstrações e imagens que formulamos, ganhem uma dimensãomaterial, preconcebendo já um "corpo" à aquilo que pensamos.


1114. 3 A Representação do MercadoO mercado é uma antiga instituição na história da humanidade, sempre entendidacomo lugar onde acontecem trocas econômicas. A necessidade de trocas de bens levougrupos humanos a se dirigirem a um único local onde ocorriam tais trocas com gruposvizinhos. Nas sociedades pré-capitalistas, observa-se que o mercado ocupava um lugarsecundário na economia. Mas, é no Ocidente moderno que o mercado, no transcorrerdo desenvolvimento histórico das sociedades vai se tornar uma instituiçãofundamental. Como Instituição que vai marcar a história econômica do mundomoderno, podemos dizer que é durante o século XVI, que se assiste à explosãofundamental de seu desenvolvimento, dando início ao que se vai denominar de“sociedade de mercado” e que, mais tarde, chamar-se-á precisamente de “sistema demercado”. Como comentam Sung e Cândido: “ No capitalismo, o mercado é o coraçãoda economia. Tudo gira em torno do mercado. Os produtores não produzem para o seuconsumo mas para trocar no mercado. O mais importante na produção de mercadorianão é a satisfação de algumas necessidades das pessoas, mas sim a satisfação dosdesejos dos consumidores”. (1995: 55)Para o pensamento liberal, a tese é a de que“ toda atividade econômica orientada pela competição em mercado, tende aser eficiente e ótima, no sentido de utilizar todos os recursos de modo racional e semdesperdício, dando ao produto a composição desejada pelo conjunto dos consumidores.Em contraposição, toda atividade econômica desenvolvida em regime de monopólio ounum regime que não usa maximizar o lucro, tende a ser ineficiente e sub-ótima nosentido de utilizar mal seus recursos e compor seu produto de forma diferente dadesejada pelos consumidores”.(Singer, 1996: 2)Tomando o Mercado como uma Instituição social fundamental paracompreender o comportamento das religiões, observamos que o entendimento de“atividade religiosa” no âmbito e na práxis das religiões, especialmente dos novos


112grupos pentecostais, vem sofrendo uma profunda mudança, pois, no decorrer dessasduas últimas décadas, “atividade religiosa” soa como atividade econômica ou, a bemda verdade, alarga-se para esse entendimento.Todos sabemos que as relações de mercado são relações sociais que regem aprodução, distribuição e consumo de bens e serviços e que, nesse momento atual, essasrelações também provocam mudanças no comportamento das religiões, pois, estas sedeixam entender a partir de suas “atividades religiosas”, como religiões de mercadoria:“Quando a gente compra algo na loja, aquela loja não quer deixar a promissória paraamanhã ou depois, não; ela quer receber naquele prazo. Mesma coisa é o Senhor Jesus.Ele quer receber naquele dia. Naquele dia ali, aquele propósito, aquele sacrifício”. (E.13. a)Percebemos então, que a atividade religiosa começa também a ser orientadapela competição em mercado e, por conta disto, faz-se necessário que o que seoferece, como bem simbólico, para o conforto e deleite da alma, também contenhaeficiência e seja ótima para a resolução imediata de problemas individuais. O que seoferece hoje em dia parece também obedecer à lógica do mercado, ou seja, seus“produtos” devem conter uma composição desejada pelo conjunto dos consumidores,agora, consumidores religiosos :“A mais bem-sucedida denominação neopentecostal, de longe a de maiorvisibilidade, a brasileira e agressiva Igreja Universal do Reino de Deus, existe háapenas 15 anos e já é um império, no Brasil e lá fora. Seus pastores sãoempreendedores com baixa ou nula formação teológica, mas que devem demonstrargrande capacidade de atrair público e gerar dividendos para a igreja, de acordo comum “know-how”administrado empresarialmente pelos bispos, a igreja já é estruturadacomo negócio, pois é essa agressividade dos pastores que explica em grande medida osucesso dessa religião; a expansão desse mercado depende muito do estilo da oferta, desua propaganda e de sua linguagem”. (Prandi, 1996: 66)


113O autor aborda ainda sobre esse processo de mudança no comportamento dasreligiões frente às exigências de uma sociedade calcada sobre um sistema de mercado :“ Desde que a religião perdeu para o conhecimento laico-científico aprerrogativa de explicar e justificar a vida, nos seus mais variados aspectos, ela passoua interessar apenas em razão de seu alcance individual. Como a sociedade e a naçãonão precisam dela para nada essencial ao seu funcionamento, e a ela recorrem apenasfestivamente, a religião foi passando pouco a pouco para o território do indivíduo. Edeste para o do consumo, onde se vê obrigada a seguir as regras do mercado”. Ibidem,(p. 67)É interessante observar, a partir dessa perspectiva, como têm se comportadosetores do neopentecostalismo, e em especial aqui, a Igreja Universal do Reino deDeus. Esse comportamento abrange fiéis e agentes especializados com suas atitudes eexpressões de linguagens. Centrando-se na prosperidade, a ressignificação do dinheiroancora-se na imagem de mercado, que passa a alimentar a cada dia, uma forma delibertação de algum mal: “A bíblia relata que existe três tipos de demônios: odevorador, o cortador, o migrador. Esses três demônios são presos através do dízimo”.( E.4 .a)Essa ressignificação do dinheiro recai na vida dos fiéis como um milagrevisível, assim como também na vida da igreja que, aumenta a cada dia seu patrimônio,significando uma riqueza claramente decorrente de uma concepção de religião quetoma como alicerce básico, poupança e prosperidade.4. 4 A Representação do Consumo e da EficiênciaJean Baudrillard afirma que:“ Existe ao redor dos homens uma evidência do consumo e da abundância,criada pela multiplicidade dos objetos, serviços, bens materiais, dando origem auma mutação na ecologia humana, isto é, os homens estão mais rodeados porobjetos do que por outros homens, o conjunto das suas relações é mais amanipulação de bens e mensagens (organização doméstica complexa, com escravos


114técnicos, mobiliário urbano, a maquinaria das comunicações e atividadesprofissionais) que o laço com seus semelhantes”. (Baudrillard, 1975: 15)A diversificação e ampliação das atividades religiosas com seus objetos deconsumo correspondentes (chamamos a atenção não só para a Universal, como para opróprio movimento neopentecostal), traz essa característica apontada por Baudrillardde o homem, através de suas instituições, voltá-las para atender às exigências damoderna sociedade: o consumo e a abundância.Laços de comunidades vividas por muitas expressões religiosas, perdem-sefrente à oferta de produtos e serviços, que certos líderes religiosos dizem sararimediatamente alguma miséria que se esteja vivendo. Isso parece dizer que a vida podese deixar impregnar cada vez mais por um tipo de viver em que as pessoas prescindemdo aproximar-se uns dos outros. Assim, nos separamos de nossos convívios para nosentregarmos ao "poder das mercadorias" que exige de nós uma obediência e um rito. Épreferível um sabonete abençoado pelo pastor e que contenha poderes mágicos, a umombro amigo que possa ouvir com o seu amor : “ Também o miraculado do consumose serve de todo um dispositivo de objetos e de sinais característicos da felicidade,esperando em seguida que a felicidade venha ali pousar. A este nível superficial, podesearriscar a comparação: é o pensamento mágico que governa o consumo, é umamentalidade sensível ao miraculoso que rege a vida cotidiana”. (Baudrillard, 1975:21)A título de exemplo, é comum ouvirmos nas pregações dos pastores que, ovírus da AIDS “é um corpo que tem espírito” ou, “ uma força maligna que toma amente”, e assim também com toda e qualquer enfermidade que abata o corpo .O dinheiro como um elemento de expressão da fé, por estar tão presente no espaçocúltico da IURD, é mercadoria que se consome; é consumo simbólico de algo que


115também se oferece, e que só se ancora no mal quando a vida financeira se encontraamarrada por demônios.Nesse sentido, não há como entender na vida cotidiana a relação daquilo queconsumimos para o nosso bem com a nossa força de trabalho, que origina esses frutosdecorrentes desses processos. E segue-se acreditando em ações miraculosas, contidasnos objetos (mercadorias), que se diz serem eficientes na resolução de problemasconcretos. No mercado religioso, hoje tão amplo devido à pluralidade religiosa nessefim de século, os bens de consumo específicos desse campo econômico apresentam-se,pois, com poderes "sobrenaturais", e não simplesmente como produtos oferecidos paraconsumo: “Vivemos ao abrigo dos sinais e na recusa do real, a imagem, o sinal, amensagem, tudo o que consumimos, é a própria tranqüilidade selada pela distância domundo e que ilude, mais do que compromete, a ilusão violenta ao real” (Baudrillard,1975: 25 ). O dinheiro como expressão da cultura não foge a esse destino, haja vistoque sobre ele não se lançam apenas palavras, imagens que o reconstituempositivamente, mastambém a fé, que ao consumi-lo como força geradora derealizações prósperas, é ao próprio amor que está consumindo: “O dízimo representa oamor para o Senhor Jesus”. (E. 1. b)Acrescento ainda que o caráter mágico nas atividades, nos serviços, nosprodutos produzidos no âmbitos de certas instituições religiosas, até certo ponto tentamfazer do sagrado algo que, à luz de uma sociedade onde o mercado tornou-se umreferencial absoluto, contenha eficiência.Existir na luta por concorrência no mercado, é existir na luta por demonstrarque um determinado produto/mercadoria ou serviço que se venha a oferecer, traga em


116seu bojo eficiência como possibilidade de crescimento econômico. Dizendo de umaoutra maneira, traga em pouco tempo maximização da acumulação de riqueza.Essa perspectiva não se encontra distante de algumas atuais práxis religiosasem evidência em nossa sociedade. Todo um império de riqueza se encontra montadonesse campo específico do mercado das religiões, por exemplo, no campo dascomunicações, e tudo em nome da eficiência de um sagrado que se mercantiliza passoa passo.4. 5 - A Representação da ReciprocidadeNossa percepção anteriormente colocada apontou que, ao se instaurar como instituiçãoreguladora das estruturas do cotidiano no Ocidente, a lógica das relações de mercadose estendeu à ordenação de toda a vida social. O mercado nesse sentido, não podiacomo instituição, prescindir também desse princípio. Em se tratando de religião, nãohá como esta não requerer relações de reciprocidade, e nossa análise através dasentrevistas, pontuou esse princípio como constitutivo do universo representacional dosfiéis da IURD. E primeiro que tudo, vale a seguinte observação: os alicerces dequalquer comunidade são as relações de reciprocidade. Isso foi muito bem analisadopor M. Mauss em seu ensaio sobre o Dom. Já coloquei anteriormente, quando refletiasobre a dádiva, que o movimento dos dons e contradons, cuja circulação é regida peloprincípio do dar/receber/retribuir, funda as alianças sociais próprias às comunidades.Na experiência religiosa da IURD verificamos uma certa apropriação e manipulaçãodessa dimensão de reciprocidade:“É dando que se recebe. Se eu dou ao Senhor Jesus, o Senhor Jesus vai me dare muito mais do que eu dou para ele, porque ele tem poder de autoridade”. ( E. 1. E)


117“ Se a pessoa quer receber ou alcançar algo, então, ela tem que provar a Deus.Se a pessoa não provar a Deus não tem como Deus fazer nada. É dando que se recebe,então se a pessoa quer receber, ela tem que dar”. (E. 11. d)Na verdade, essa dimensão de reciprocidade encontra-se perfeitamenterelacionada com o princípio de solidariedade, haja visto que o que definimos porexperiência de comunidade, requer também relações de solidariedade, e isso é própriode qualquer grupo humano que partilhe da mesma identidade; é o caso portanto, dogrupo analisado aqui.A pregação dos pastores se constitui num verdadeiro apelo à doação, e amembresia ali reunida movida por tantos testemunhos, se vê na obrigação inclusivenão só de ter que dar, mas antes de tudo, a restituir a Deus para este possa, na suaimensa fidelidade, atender a cada fiel:Numa reunião observada por nós, entra o pastor e uma salva de palmas tomaconta do templo. As pessoas vão aos poucos depositando sobre o altar suas carteiras detrabalho para serem abençoadas. Nessa noite o culto destina-se a prosperidade, e seuobjetivo é: alcançar um milagre, isto é, seja um emprego, mudar a situação financeira,pagar as dívidas, aumento de salário, ter riqueza, enfim, que as portas da abundância seabram para a vida de cada um.Logo em seguida, o pastor convoca a todos para uma oração. Pede para que osfiéis coloquem as mãos no coração e fechar os olhos. Ora pedindo a Deus e ao SenhorJesus pelos aflitos em sua situação de desemprego, salário baixo...e sejam naqueleinstante abençoados, e que desça por sobre eles riquezas do Reino. O Pastor fala alto,ora forte! Quase que aos gritos e anda em ritmo acelerado de um canto a outro do altar.Enquanto isso, os obreiros circulam pelo salão e sempre olhando na direção dos rostos


118dos fiéis, como quem busca alguma coisa de anormal. Outros, ficam junto às portas dotemplo. Estas se mantêm cerradas até o fim do culto.Durante o rito de oração, os fiéis são levados a fazerem gestos e baterem fortescom as mãos, e gritam: “eu vou vencer, eu vou vencer "!O pastor pede para quetodos se sentem. Começa, então, a fazer a leitura de Is. 60,10 e o discurso é sobre as“portas que se abrirão como promessa de Deus”.Bem defronte ao altar uma porta grande enfeitada com papel laminado. No fimdo culto, todos terão que passar por ela. No discurso, o pastor observa em seucomentário, que o Reino dos Céus é diferente do Reino de Deus. O Reino dos Céusfica lá no céu e o Reino de Deus aqui na terra. E faz uma comparação com a IgrejaUniversal, afirmando que ela é da terra como o Reino de Deus.Da metade para o final do culto, começa a pregação sobre a abundância, o ter, opossuir, a posse, o não a miséria... e fala longamente sobre a relação dízimo e a palavrade Deus. Faz referências a Ml. 3,10 e a importância do dar. Há uma insistência emdizer que o dízimo é de Deus; e pergunta a todos os que estão presentes, quanto porcento é o dízimo, e todos respondem em voz alta que é 10% .Logo depois, o pastor fala da mesquinhez e diz que Deus não é mesquinho.Pois, quando Deus dar, ele dar tudo porque ele tem tudo e é dono de tudo. Insiste nos10% que pertence a Deus, dizendo que se uma pessoa ganha 120 reais por mês, eledeve dar para Deus 10% que é 12 reais. Esses 12 reais, conclui o pastor dizendo quepertence a Deus e que isso está na bíblia. Mas, o pastor insiste que se deve dar mais.Que se deve dar do salário, ou seja, daquela parte que ficou. Esse é fruto do suor. Oque foi dado por primeiro, aquele era de Deus. Assim, o pastor diz que quando se querfazer uma prova à Deus, deve-se dar mais 10% do salário, isto é, daquela parte que


119ficou. Assim essa pessoa, conclui dizendo, não é mesquinha, e ela sabe que o quevem, vem em dobro, já que o dízimo que é de Deus, foi também em dobro.E todos são chamados a darem o dízimo em dobro. Mostra o envelope. Umenvelope grande, de tamanho ofício. Pergunta quem quer dar o dízimo em dobro; ealgumas pessoas vão aos poucos se aproximando à frente do altar, e pega o envelope.Já para o final do culto, o pastor chama aqueles fiéis que no culto anterior levouconsigo para casa um leão (desenho de um leão feito numa folha tamanho ofício) e seaproxima até o altar, levantando para o alto o desenho. O pastor faz uma oração forte,e manda que todos rasguem o desenho do leão, amasse com as mãos e pise forte comos pés aquele que tudo devora, que arranca as coisas. Esse gesto é para que todas essaspessoas fiquem libertas. O pastor então, ora e pede para que todos voltem para seuslugares e sentem. Nesse momento, convoca a todos para trazerem até o altar suasdoações e lembra as quantias: 50 reais, 30 reais, 20 reais, um real e moedas. Todos,sem exceção, depositam na sacola que está nas mãos do obreiro lá no altar, e recebemtambém o jornal da Igreja.Poderíamos observar desse relato, que o princípio de solidariedade subjacente aessa ação, apenas revela que, coletivamente, todos se colocam dispostos a colaborarcom a derrota de Satanás, a derrotar espíritos maléficos que impedem o sucesso, aprosperidade. No caso restrito do uso do dinheiro, observam-se as duas dimensões: aindividual e a coletiva. Do lado da dimensão individual, observam-se pedidos deauxílio pessoal. Do lado da dimensão coletiva (que também expressa desejos easpirações individuais) encontra-se o carnê do dizimista, através do qual cada um secompromete a dar 10% de seu rendimento para a Igreja. Todo esse movimento é


120provocado também pelo dinheiro, que sozinho mobiliza os fiéis e a igreja. O dinheiroconvoca todos à integração e a congregarem-se institucionalmente.Como analisa Nicolas num trabalho sobre o uso do dinheiro nas igrejaspentecostais brasileiras no Uruguai:Los usos del dinero colaboran a fortalecer la ya citada dimensión individual ( interesesparticulares) a la vez que la transcienden por medio de la estrategia del diezmista(dimensión colectiva) sin perder en un ápice los deseos, pedidos e intencionespersonales. Poderíamos afirmar que se genera una nueva versión de lo colectivo apartir del conjunto de necesidades y aspiraciones individuales. El viejo relato cristianocomunitario y espiritual se licúa para dejar paso a una intencionalidad más pragmáticaen que la comunidad, la colectividad, el bien para muchos, se construye a partir delesfuerzo y las necessidades estrictamente individuales (cualquer relación com lasteorias neoliberales es pura casualidad)”. (cf. Nicolas, L. El Dinero en Proceso deIntegracion y Desarrollo de las Inglesias Pentecostales Brasileñas en el Uruguay.Sociedad y Religion, junio, 1993, n.. 10/11, p. 110}Através dos processos de objetivação e da ancoragem, identificados pela Teoriada Representação Social, percebe-se como são constitutivos de um processo maior eestratégico-institucional, que ao nosso ver, legitima toda uma prática de sustentaçãoeconômica-financeira da IURD. Se ela é extorsiva ou não, conforme o corte que se dêna análise, não é nosso objetivo aqui avaliar, uma vez que nosso processo de análisetem como meta primordial, identificar o dinheiro como expressão constitutiva da fé,seja em nível individual, no caso dos fiéis, em nível institucional, no caso da IURD eseus representantes hierárquicos. O dinheiro, como tivemos oportunidade dedemonstrar, encontra-se, na experiência religiosa da Universal, intimamente ancoradoe legitimado no universo cultural-religioso dos membros entrevistados e sem sombrade dúvidas, essa especificação pode ser estendida para um universo mais amplo dopróprio campo neopentecostal. “Dar dinheiro” não é uma constatação suficiente, mas oé a inovação e a ousadia de uma instituição religiosa recente que não só implementaestrategicamente suas formas, mas toma o dinheiro como expressão mesma da fé .


121No capítulo seguinte, tomando como referência o quadro representacionalacima analisado, farei uso da Semiótica da Significação como recurso analíticoadicional, operando assim, um segundo corte no processo de análise. A razão encontraseem que o objeto sobre o qual refletiremos, encontra-se sob duas condições, que sãopróprias da ciência semiótica: está inserido, enquanto fenômeno, em uma culturaconcreta e como tal, para efeito de sua funcionalidade, diz-se um fenômeno decomunicação constituindo-se presente de forma significante: produção de linguagem ede sentido. Esse segundo corte epistemológico, permitirá apreciar de forma direta, arelação entre religião, fé e dinheiro naquilo em que ela se apresenta visual, ritual egestualmente, de forma articulada à linguagem religiosa.


122CAPÍTULO IVSEMIÓTICA DA SIGNIFICAÇÃO E A QUESTÃO <strong>DO</strong> <strong>DINHEIRO</strong> NAPRÁTICA RELIGI<strong>OS</strong>A DA IURD


1231. Semiótica e a Questão do Dinheiro1. 1 O Dinheiro como signoNesse capítulo, um objetivo é norteador da reflexão: poder tratar objetosmateriais que normalmente circulam no espaço religioso, como objetos que ganhamsignificado e sentido. Tal objetivo, se apresenta como algo que é próprio dapreocupação semiótica: “A semiótica é a ciência que tem por objeto de investigaçãotodas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos deconstituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significaçãoe de sentido”. (Santaella, 1983: 13) .O momento agora de nosso estudo, corresponde a um segundo corteepistemológico dentro desse processo de análise. O quadro empírico de referênciacontinua sendo aquele apresentado no capítulo III, decorrente das entrevistasrealizadas junto ao público alvo dessa pesquisa. Esse segundo corte permitirá apreciarde forma direta, a relação entre religião, fé e dinheiro que, articulados em torno de umtipo de discurso, obedecem uma ordem de linguagem que uma vez reconhecida,garante a produção de seus próprios conteúdos. Essa ordem precisa ser decomposta emsuas partes sígnicas, levando em conta o elemento central desse estudo: o dinheiro.É o dinheiro como elemento concreto, porém na qualidade de signo, queapresentamos em nossa reflexão como algo constitutivo da expressão da fé dosmembros pertencentes à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Nesse âmbitosocial-religioso, o dinheiro tem adquirido sentido de unidade e valor quando articuladocom a realidade do mundo humano.Considerando o campo religioso como produtor de sentido, onde a fala exerceimportante papel de direção, por exprimir bem seus símbolos com vista à persuasão, a


124concepção de semiótica aqui a ser desenvolvida toma como objetivo a exploração dosentido. Isso implica dizer que tal concepção não se aterá à mera descrição de umprocesso de comunicação (transmissão de uma mensagem de um emissor para umreceptor), mas, englobando-o, a concepção aqui proposta deve igualmente dar conta deum processo mais geral: o da significação. A semiótica da significação tem a funçãode analisar o papel do signo na vida mental das pessoas envolvidas no processo decomunicação.O processo anterior desenvolvido a partir da Teoria da Representação Socialnão se quer entendido aqui como momento isolado; embora distinto, não está separado.Nosso interesse maior é por mais aprofundamento, e com certeza, o encontro deelementos dessas duas teorias mais do que discerni-las lado a lado, busca interação noprocesso de análise; 33e com isso, entender ainda melhor, como a mensagem pregadapela IURD sobre o dinheiro opera na mente dos fiéis.É por dentro dessa concepção de signo que objetivamos expressar o elemento“dinheiro” enquanto tal. Nesse sentido o conceberemos não apenas como algo queexiste (coisa), nem muito menos apenas como algo que se manifesta para alguém(objeto): ele também se manifesta para alguém como representação de algo mais(signo). E qual o caminho plausível que a semiótica da significação pode nos oferecer,dentre tantos, que conduza de forma satisfatória esse segundo momento de nossaanálise ?Gostaria, em primeiro lugar, de retomar algumas imagens subjacentes aopensamento dos sujeitos entrevistados para esse estudo, acerca do dinheiro. Nosso33 Deixemos claro, que não é nosso objetivo nenhum confronto, nem mesmo comparação entre essasduas teorias nesse processo de análise, o que não anula possibilidades de interrelação entre ambas.


125olhar portanto, percorrerá novamente a síntese das entrevistas colocadas no início docap. III.Nosso objetivo nesse instante é de perceber a mobilidade sígnica, através doconjunto das respostas dadas em relação ao dinheiro, como elemento constitutivo daexpressão da fé, nessa experiência religiosa iurdiana aqui enfocada.- O dinheiro conquista (E.1.d)- O dinheiro representa a fé (E.1.f)- O dízimo (= dinheiro) levanta a igreja e a faz pregar (E.2. b)- Os dízimos (= dinheiro) abrem a igreja (E.3. a)- A oferta (= dinheiro) ganha almas (E.3. c)- O dízimo (= dinheiro) prende demônios (E.4. a)- O voto ( dinheiro) põe o fiel em sacrifício (E.4. c) (E.4. d)- O dinheiro liga a Deus (E.5. a)- O propósito ( dinheiro) lança desafios e coloca Deus na parede (E.12. b)- O dízimo (= dinheiro) resgata a pessoa (E.15. a)O estudo semiótico tem como propósito investigar a ação dos signos. A nossaobservação nos leva a essa compreensão, pois de um lado está o observador, e dooutro, o observado. Essa relação quer concluir um tipo peculiar de ação, ecorrespondê-la a um tipo de conhecimento que, na verdade, é a característica dasemiótica. Há muito o mundo já tinha sido concebido como uma rede de comunicação,onde surgem sinais, imagens e trocas simbólicas. 34Nesse ínterim, o movimento designos, como fluxo contínuo, invoca e chama a própria realidade para uma ação. Essa34 Nesse sentido, em relação aos estudos semiológicos, segundo Eco (1997:3), todos os fenômenosculturais são estudados "como se fossem sistemas de signos", e assim, também de comunicação.


126ação, partindo do ponto de vista do interpretante, é o significado: “Segundo Peirce, umsigno é signo quando há alguém que possa interpretá-lo como signo de algo.Significado é então a interpretação desse signo, que, por sua vez, indica um objeto. Osignificado é a ‘outra’ face do signo, a face invisível, a ‘outra’ coisa pela qual está o‘algo'" . (Epstein, 1997: 21) Assim, ao tomarmos o dinheiro na experiência da IURDcomo signo, não o estamos concebendo como um objeto, mas como uma função, istoé, a função sígnica. As observações acima relacionadas em torno do dinheiro, apontamtodas para fora dele, enquanto objeto. Por isso que, ao tratarmos de algo como signo,não estamos tratando-o como um objeto e suas propriedades, mas, fundamentalmente,como uma relação, uma função. Vejamos um pouco melhor o que isso quer dizer .A imagem de que o dinheiro “prende demônios” (E.4. a) representa algo que odinheiro mesmo não faz. Nesse sentido, como uma representação mental, quer dizer,como uma realidade psicológica, ela pertence à ordem da existência subjetiva e nãocorresponde ao objeto imediato do dinheiro enquanto signo. A relação é sígnica, poiscompreende um significante e um significado; mas, dentro dessa ordem, o dinheirotambém funciona para fundar uma relação com algo que não ele mesmo, isto é, aquelaação de “prender demônios”. Portanto, na mente dos fiéis entrevistados, quando suasfalas expressam como eles imaginam o dinheiro a partir do lugar em que estão, acondição na qual o dinheiro é inserido é ao mesmo tempo objetiva (conhecida) e física(algo existente além de conhecido). É isso que gera, por sua vez, o “resultadosignificado propriamente dito” do dinheiro enquanto signo. É interessante quandoBarthes (1987: 39) em uma nota bastante curta, cita Santo Agostinho quanto àcompreensão deste sobre signo: 'Um signo é uma coisa que, além da espécie ingeridapelos sentidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa' .


127Quando da realização das entrevistas, estávamos interessados, em primeiro lugar,em saber, a partir do ethos presente na IURD (que é produzido, vivido, experienciado,transmitido), que associações provocava a palavra “dinheiro”; ou, como essas pessoasimaginam, a partir desse locus, o dinheiro . 35Não interessava, por exemplo, saber se odinheiro existe, se ganhavam muito ou pouco, se ofertam em grande ou pequenaquantia, ou seja, contexto e circunstâncias em torno desse elemento não interessavamde imediato. Interessava sim, esse "qualquer outra coisa" de Santo Agostinho; ou seja,não interessava se o dinheiro serve para comprar, pois isto é uma função que já lhe écorrentemente atribuída. Interessávamos, num primeiro momento, a refuncionalização(Barthes: 45) que sofre esse signo no espaço da IURD; e num segundo momento, asimagens daí decorrentes, que sinalizavam significações, ou seja, representações da"coisa" que chamamos dinheiro, que por sua vez nada mais é que um mediador(referente). Acredito que isso seja uma expressão de interesse tanto da representaçãosocial como também da semiologia.Voltemos a um parágrafo anterior. Na imagem de que o dinheiro “prendedemônios” que impedem a vida financeira de prosperar, aquele se apresenta, portanto,na condição de interpretante 36 do signo; ele é na realidade, o fundamento sobre o qualo signo (dinheiro) tem sido visto e, como isso implica uma relação, tal condição comosendo de interpretante, deságua no significado; e este por sua vez, tornar-se-á “Umsigno relativo a outros elementos na experiência do intérprete, colocando emmovimento a cadeia de interpretantes da qual se alimenta a semiose como umprocesso”. (Deely, 1990: 46)35 Seria dizer que estávamos em busca de uma síntese intelectual, ou pensamento em signos, através doqual as pessoas ( no caso os fiéis, pastores ) representavam e interpretavam socialmente o significado .36“O interpretante é aquilo que garante a validade do signo mesmo na ausência do intérprete” – Cf.Eco, Op. Cit. p. 25 .


128O que observamos, portanto, é que, decorrente de uma condição de representação(= interpretante), no caso, o dinheiro (= dízimo) “prende demônios”, este por si só, apartir da relação com o intérprete, que por sua vez considera já esse interpretante comosigno, movimenta toda uma produção de interpretantes que, como dito acima,“alimenta a semiose como um processo”. Como poderíamos verificar isso?(referência)(dinheiro)relação imotivada(dinheiro =objetodenotado = elementoconstante nosignificado)Ao situarmos o dinheiro no vértice esquerdo do triângulo acima, na condiçãode relação com o seu objeto, ele representa seu objeto porque traz consigo, seja porconvenção ou por meio de uma espécie de pacto coletivo, a determinação ou uma leimesma de que, aquele signo representa seu objeto. Assim, é verdade, num primeiromomento, que quando uso a palavra "dinheiro", não estou falando do dinheiro quetenho em minhas mãos ou que esteja nas mãos de um amigo ou aquele que está nobanco; mas me refiro a todo e qualquer dinheiro ou seja, a um objeto carregado desentido, parte de um sistema de relações sociais: “ O objeto representado pelo símboloé tão genérico quanto o próprio símbolo”. (Santaella, 1983: 67)


129Contudo, ao entrevistar membros institucionais de uma dada religião, eperguntar-lhes sobre “dinheiro”, perguntar-lhes sobre esse símbolo em tal experiênciareligiosa, os significados são variados, como:Dinheiro = dízimoDinheiro = prende demôniosDinheiro = ofertaDinheiro = féDinheiro = resgate da pessoaDinheiro = sacrifícioPorém, todos esses e outros significados, indicam uma outra coisa que odinheiro em si mesmo não é, e são as diversas necessidades e práticas significantes(tanto dos fiéis como da própria instituição através dos seus líderes) que os indicam,fazendo sentido a conexão entre símbolo e referente. Vejamos o que disse ummembro/obreiro e candidato a pastor da Igreja Internacional da Graça de Deus - antesmembro atuante da IURD - , rua da Soledade, Boa Vista, entrevistado no dia 19.11.98(E. nº 8): 37“ Muitos problemas financeiros advém de espíritos imundos que trabalhamnessa área. Eles podem mexer na sua situação financeira quando você não está atentoà Palavra, quando não conhece e nem sabe o que é dízimo, não sabe o que é umaoferta, pois é, tudo isso aborrece os espíritos imundos. Nós denominamos eles dedemônios: tranca rua, pomba-gira, etc. O setor financeiro nosso é atacado quando nósnão sabemos das promessas do Senhor com relação a dízimos. (...) Uma senhora estavadevendo umas contas, água, luz, etc., e ela foi dar o dízimo, e disse : se eu der o dízimo,eu não tenho como pagar essas contas, como é que eu faço agora ? E ela estava lá nafila para devolver o dízimo. E a cabeça dizendo: “não, tira esse dinheiro a mais que opastor não sabe”; e a outra dizendo: “dê o dízimo, seja fiel”. Duas linhas depensamento perturbando ela. Uma, ser honesta no dízimo; outra, dizendo retira, porquese tu deres o dízimo todo, tu não vai conseguir honrar tuas obrigações no comércio.Quando chegou a vez dela, ela disse: não, eu vou dar o dízimo. E aí ela deu o dízimotodo. Na hora que ela deu o dízimo todo, manifestou o demônio na vida dela. Na linhaafricana, o espírito chama tranca-rua. Esse que mexe com o comércio das pessoas .37 Esse depoimento decorreu da seguinte pergunta: “O que você acha dessas críticas feitas às IgrejasNeopentecostais de só se preocuparem com dinheiro? ”.


130Manifestou na hora ! O pastor repreendeu aquele demônio nela na hora, pois foi eleque estava colocando nela “não dê o dízimo”. Resultado: pessoas que deviam a ela háseis meses, que ela nem se lembrava mais, essas pessoas vieram até ela e pagaram.Quer dizer, há seis meses esse espírito estava nela, trancando a sua vida eatrapalhando financeiramente; foi naquele momento de dar o dízimo, que se percebeu ojusto e o pecador. E o Senhor naquela hora se manifestou com sua presença erepreendeu aquele espírito. Resultado: sobrou dinheiro para ela comprar aquilo, etc., epagar suas dívidas (...)”.A partir desse relato, poderíamos identificar o seguinte esquema argumentativo :a) Problema financeiro: - que advém de espíritos imundos- que são demônios: tranca-rua, pomba-gira- que mexe com o comércio das pessoas- que atrapalha a vida financeirab) O Dízimo (= dinheiro): no momento do dar acontece :- o Senhor se manifesta com presença- repreende o demônio- situação financeira liberta- dívidas são restituídas- dívidas pagas- sobra dinheiroA pergunta norteadora/motivadora no processo das entrevistas para esse estudoera: “O que significa o dinheiro para você? ”. A fala da entrevistada era tecida dolugar onde ela estava histórica e culturalmente situada no momento dado. Asassociações provocadas pela palavra “dinheiro”, deixavam claro que advinham dehábitos culturais adquiridos no espaço religioso em que se vive uma experiênciareligiosa determinada; porém, isso não quer dizer que todas as associações e/ousignificados encontrados tenham esse mesmo lugar como originário. É claro que hátambém coincidência com experiências anteriormente vividas.Ao classificarmos semiologicamente o dinheiro como signo, estamos aapresentá-lo como uma noção abstrata, ou seja, que faz apelos sensoriais que podem semanifestar, por exemplo, pela alegoria, metáfora ou alusão a uma mitologia. É por issoque a relação entre símbolo e seus significados sofrem mudanças constantes, fazendo


131que o significado ou significados fiquem mais ricos. 38Isto é que nos interessaverificar.1.2 Dinheiro e SignificadoA pergunta sobre o significado do dinheiro (que constitui o plano de conteúdo)foi remetida para “dízimo”, “oferta”, “propósito”, “sacrifício”, “bênção” como já odissemos, mas não somente a isso. Foi também remetida como indicadora de umadada situação financeira particular, submetida a forças sobrenaturais que agemcontrárias a um estado de bem estar. Assim, outros signos foram sendo tecidos a partirda palavra “dinheiro”; e aqui voltamos à noção de interpretante que precisa serretomada, sob a visão de Umberto Eco, quando diz: “Todavia, a hipóteseaparentemente mais fecunda é a que vê o interpretante como outra representaçãorelativa ao mesmo objeto. Em outros termos: para estabelecermos o que seja ointerpretante de um signo, é mister designá-lo mediante outro signo, o vez, outrointerpretante, designável por outro signo, e assim por diante qual tem, por sua”. (Eco,1997: 25/26)Uma situação financeira particular, como a exposta no depoimento anterior (E.nº 8), o interpretante é tudo aquilo que se apresenta como representação em torno do“dinheiro”. Daí por diante, o processo de semiose passa a ser tomado quase comoilimitado, pois um sucessivo leque de outros interpretantes passa a compor umconjunto de significados que parece não ter fim.Verifiquemos um pouco mais atentamente. No dia 19 de outubro de 1998, pelamanhã bem cedo, assistia a uma dessas reuniões da Universal, no templo da avenida38 “O fato de os símbolos representarem uma idéia abstrata por meio de um objeto concreto faz com queestes conceitos fiquem mais tangíveis, daí a utilização dos símbolos nos movimentos de massa pela suapotencialidade em mobilizar as pessoas”. (Cf. Epstein, 1997: 59)


132Conde da Boa Vista, local antes ocupado pelo Banco Bozzano Simonsen. Um prédiomoderno situado bem no coração da cidade. Uma fachada toda em vidro fumê, piso demármore espelhado e um sistema de ar condicionado. Ao lado, o Banco Itaú, a CaixaEconômica Federal e bem defronte ao Banco do Nordeste de Desemvolvimento, outrode arquitetura moderna, suntuoso e como uma caixa suspensa no ar, apresenta-se deforma imponente como se fosse uma catedral e seus sinos, ao som de um tilintar demoedas. O templo da IURD parece se confundir com esses templos do capitalmonetário, que absorvem para si o dinheiro da cidade, como se fosse o manjar dedeuses moedeiros; mas, a sua distinção se apresenta bem de frente, escrita em umafaixa, ao confessar que é Jesus o Senhor, e que ali é uma casa de oração. A pombacomo emblema aponta que tudo ali se decide pelo poder do Espírito Santo, e não pelaface cunhada na moeda corrente. As reuniões nesse templo começam todos os dias àssete horas da manhã e vão até a noite, sendo os cultos realizados de hora em hora, semintervalos. Pela parte da manhã, observei a participação de dois pastores na condução edireção das reuniões. Era dia dedicado à "Corrente da Prosperidade". A leitura doEvangelho: Jo. Cap. 6 – O conhecido episódio da multiplicação dos pães.Depois da leitura, o pastor começou a sua pregação, perguntando Como seriapossível com cinco pães e dois peixes, Jesus ter multiplicado, e dado de comer acinco mil pessoas. E insistia dizendo que isso não tinha explicação, que as palavrasnão conseguem explicar, que isso é um milagre. E enfatiza que o milagre não temexplicação, que ele acontece e pronto.Explica o pastor, exemplificando, que é comouma pessoa que está com câncer, e com ele acontece um milagre e logo depois, elavolta para o médico, e o médico faz o exame e vê que ela está curada.


133E o pastor volta novamente ao exemplo da multiplicação, dizendo daquelepouco que tinha sido multiplicado, é que era isso que iria acontecer com todos. E nãocansava de repetir que, quem quisesse receber o dobro do que já tem, tem que ter fé,tem que se colocar à prova perante Jesus.Daí por diante, o pastor insistia ordenando que todos teriam que dar, e dar nãosó o que sempre deu, mas dar mais, ultrapassar aquela quantia que sempre se dar. Econclui, afirmando que a fé verdadeira é assim. Nesse momento, levanta um homem epega o envelope que está sendo entregue e faz sua doação. O pastor põe a mão na suacabeça e começa a orar, dizendo que o Senhor abençoe a situação financeira dessehomem e que ele tenha o dobro do que ele vai dar em nome do Senhor Jesus.O pastor continua insistindo na entrega dos envelopes, e diz que quer ali na sua frente,cinco pessoas de fé para trazer na próxima segunda feira cinqüenta reais. E lança apergunta desafiadora: Quem tem fé? E três pessoas se levantam e pegam o envelope eo pastor abençoa cada uma colocando a mão na cabeça e orando a mesma coisa, isto é,pedindo para o Senhor, abençoe a situação financeira dessa mulher, desse rapaz e queeles ganhem o dobro do que vão dar, em nome do Senhor.E continua lançando outro desafio, agora baixando o valor a ser trazido numapróxima segunda feira: trinta ou vinte reais. Depois diminui o valor para dez reais evárias pessoas caminham até a frente. Para cada uma delas o pastor faz a mesmaoração com as mãos postas por sobre a cabeça dos fiéis. O envelope, devia ser trazidodentro da Bíblia no capítulo 6 do Evangelho de João, e o pastor daria a benção paraque a vida dos doadores seja próspera. Assim, todos com os envelopes nas mãos, opastor pede que os levante e façam seus pedidos a Jesus e em voz alta.


134O pastor faz uma oração final. Em seguida, distribui o envelope do dízimo paratrazer no Domingo. Depois, distribui uma chave (feita de papel) e lembra da campanhadizendo: “ o que está ligado aqui na terra será ligado no céu. Faça cada um o seupedido do que você quer ligar para ser ligado no céu”. E abençoa a todos. 39Entre o depoimento do entrevistado (E. nº 8) e o discurso do pastor da IURDacima relatado, identificamos do ponto de vista da estrutura, uma forma constante deabordar um determinado problema, que nos parece típica do campo neopentecostalatual.Claramente, há através desses dois relatos, (i) a identificação de um problemana vida das pessoas (nos dois casos de ordem econômico-financeira ), e (ii) omomento do dar (geralmente dinheiro), sempre em correspondência com a fé comomediação imprescindível para que haja a superação do problema específico e daí, aabundância/multiplicação/sobra.Ao observamos bem, semioticamente, os dois sujeitos, das referidas falas, odinheiro, na condição de signo, é apresentado como uma linha que perpassa o tecidosocial pessoal/individual (ênfase maior aqui) e coletivo; e desenha, com isso, uma teiade significados como numa cadeia de coisas interligadas sem fim:39 Essas reuniões que acontecem bem cedo da manhã, observei são freqüentadas na sua maioria porpessoas que estão se dirigindo ao seu local de trabalho. Pelo fato de o templo se situar bem no coraçãoda cidade, muitos são comerciários, e um número grande de mulheres. Durante todo o dia as reuniõesvão se dando uma pós outra até a noite.


135JesusDinheiroVida financeiraDívidasEspírito imundoDesorientação financeiraQueda financeiraigreja/pastorOfertaDízimoEnvelopeBênçãoSituação financeiralibertaMultiplicaçãoSobra/Abundância/MilagreA vida financeira foi tomada por um poder estranho ao que rege aprosperidade: um espírito imundo tomou posse da vida financeira - é o "Devorador".Como num rápido vôo de águia, eles se transportam e se instalam em um dos eixosimportante da vida pessoal: a economia. Assim, o demônio, uma vez instalado, põe emprática seu projeto de debilitar a vida financeira desse indivíduo. A igreja (= pastor)ressalta que é preciso reconhecer e identificar o inimigo, para que o combate resulte notriunfo do redentor. E uma vez identificado onde fisicamente o demônio se "localiza",e afirmando Deus como elemento positivo, potência superior à do demônio, quedestinado a vencer, este último entra em cena como um outro elemento que, mais que


136restituir a vida financeira "amarrada", restitui ao fiel a possibilidade de adequação aoprojeto divino: a oferta .Através do desenho discursivo que o interpretante dinheiro assume, ao circularno espaço religioso neopentecostal, percebe-se como este ganha não só significadosdiversos, mas sentido, na medida em que esse discurso religioso em torno do dinheiro,como aqui entendido por nós, seja visto e entendido como responsável por/produtordessas significações.Nesse sentido, para um determinado fiel da IURD, importa o significado quenaquele momento historicamente determinado de sua vida em experiência religiosa, seesteja atribuindo ao dinheiro, bem como as conotações que estão a envolver essereferente. O lugar, o momento, as circunstâncias em que se encontra o fiel, se bemcaptados pelo dirigente da fala em torno do referente, produzirá progressivamente umaaceitação tácita de sentido que, dificilmente, o sujeito (= fiel) encontraria fora de suapertença ao grupo de que agora participa (como não encontrara em sua pertençareligiosa anterior). Como afirma Epstein, (1997: 23), o significado de uma palavra“Depende de quem a usa, quando a usa, onde, com que objetivos, em quecircunstâncias e com que sucesso, ou como diz Wittgenstein: ‘para um grande númerode casos – se bem que não para todos – nos quais empregamos a palavra significado,este pode assim ser definido: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem’”.Isso tem uma explicação, do ponto de vista teórico, se levarmos em conta aquestão da “formação discursiva” em que o discurso religioso encontra-se inserido. Aotomarmos o lugar da fala do dirigente (= pastor=igreja), a formação discursivacompreende o que o sujeito pode e deve dizer em uma determinada situação bem comoem uma determinada conjuntura, de forma que, “Remetendo seu discurso à ideologia,


137essa formação fará que suas palavras tenham um sentido e não outros possíveis. É pelaremissão à formação discursiva que se identifica uma fala”. (Orlandi, 1987: 17/18)Na experiência iurdiana a fala tecida em torno do dinheiro, se dá a partir deuma formação discursiva que, ao nosso ver, pode ser entendida como uma "gramática"para a produção de nossos sentidos. Assim, podemos observar que, quando se fala"colocar Deus à prova", deve-se ler exigir o que foi prometido; quando se fala de"fidelidade/infidelidade", deve-se ler quem paga e quem não paga; quando se fala de"fazer um propósito", deve-se ler determinar um valor em dinheiro. Isso explica nossaatitude metodológica, seja vinda da teoria da representação social como da semióticada significação, isto é, procurando sempre entender de uma outra forma o que se diz,face a essa característica de sobreposição de quê apresenta-se como dominante naformação discursiva da Igreja Universal do Reino de Deus.2. Sobre o Discurso ReligiosoO discurso religioso caracteriza-se como aquele em que fala a voz de Deus: avoz do pastor, do pregador, ou em geral, de qualquer representante seu - é a voz deDeus. Se voltarmos nossa leitura ao discurso do pastor anteriormente descrito em tornode sua compreensão sobre a "multiplicação dos pães" de João Cap. 6, ele dizia, numdeterminado momento: Mas Jesus não fez isso sozinho, tinha um rapaz com ele e querecolheu as primeiras ofertas e delas acontecia a multiplicação.A seqüência presente no discurso é a seguinte:JesusRapaz ( sujeito institucional) (= obreiro/pastor)Fiéis - OfertasMultiplicação


138O que nos sugere a seqüência acima, típica desse tipo de discurso, é que existeum desnivelamento na relação entre locutor e ouvinte (o pastor/pregador e os fiéis): olocutor - fundamentalmente mediador na relação com o divino - , como portador davoz do "dono"(Deus), encontra-se legitimado, por isto tomando parte do planoespiritual; e o ouvinte encontra-se identificado, nessa relação, com o plano temporal.Os fiéis, na condição de ouvintes, se relacionam com Deus através da mediaçãoinstitucional eclesiástica, pois este se coloca e se apresenta como quem recebediretamente de Deus a "voz". "O locutor e o ouvinte pertencem a duas ordens demundo totalmente diferentes e são afetados por um valor hierárquico, por umadesigualdade em sua relação: o mundo espiritual domina o temporal". (Orlandi,1996:243)Desse tipo de relação observa-se, então, que sendo o locutor quem recebe de Deusa voz diretamente - e não só isso, sendo também quem recolhe as ofertas(=dinheiro),situa-se, do ponto de vista do conhecimento e do poder, mais legitimado, com maisverdade sobre o que diz de qualquer coisa e, mais que isso, legitimado para alçar umaquantia em dinheiro como desafio a ser vencido para obtenção de prosperidadefinanceira:- "Aquele pouco que tinha Jesus multiplicou".- "Temos que dar gente, e não dar só aquilo que sempre deu".- "Temos que dar mais...".- "Eu não acredito que alguém não tenha nada para dar...".- "Estou com esse envelope e vou perguntar quem vem para dar".- "Eu quero três pessoas de fé(...)para trazer aqui(...)cem reais".- "Senhor, abençoa a situação financeira desse homem e que ele tenha o dobro doque ele vai dar em nome do Senhor".O ouvinte, o fiel, apresenta-se como destituído de poder e tão somente expressandosuas demandas para serem urgentemente resolvidas. Subjacente a esse tipo de discursoobservamos ainda, que a religião - como uma forma de representação -, abarca duas


139dimensões: a de concepção de mundo e a de atitude prática. Respectivamente, filosofiae senso comum.É desse dualismo que o discurso religioso se compõe, e é com esse esquema queobservamos o dinheiro enquanto signo ser tratado, na experiência religiosa iurdiana:Plano humanoOrdem TemporalSujeitoHomem.....MatériaPlano DivinoOrdem EspiritualSujeitoEspíritoDeusPor estar o dinheiro situado no plano humano não quer dizer que seja negado.Enquanto símbolo, é revestido de conteúdo (= imagens sígnicas) que o joga para cima,no momento da bênção, transformado semioticamente em novos interpretantes, agorapronto "a produzir [efeitos] numa mente interpretadora qualquer", comooferta/propósito/desafio/sacrifício/dízimo...numa série indefinida.2.1 O discurso, a Fé, o DinheiroHá um outro elemento importante que se mostra constitutivo dessa formaçãodiscursiva, mas que não obstante, é parte do objeto imediato (o percebemos por dentrodo signo) e se encontra representado no signo. Ele não é só um elemento constitutivode um tipo de discurso que se verifica em um processo de análise discursiva. Ele émais. Refiro-me ao elemento "Fé ", recorrentemente associado à ação de dar :- "Tem que Ter fé".- "A nossa fé deve ser assim...".- "quem tem fé".- "Quem vem aqui com sua fé".- "Quero cinco pessoas de fé".- "Trazer com sua fé".


140A fé está tomada pela hierarquia religiosa como elemento fundante da ação nocotidiano dos fiéis. Todo o jogo econômico do discurso encontra-se amarradosistematicamente pela fé.A fé participa no processo de semiose modificando a natureza do elementoprincipal do nosso estudo, o dinheiro. Isto é, esse "modificar" é um remeter tal objeto aum outro significado para fora dele mesmo, levando-o a constituir-se em um signo. Oque afirma a fé? Segundo o bispo Macedo, " Que o dinheiro é o sangue da Igreja, pois,carrega consigo parte das vidas das pessoas (tempo, suor, inteligência e esforço paraser conseguido)". (Macedo, 1996: 21)A fé, no entrelaçar das palavras que soam do púlpito como sendo voz de Deus, etendo como referência imediata situações financeiras desajustadas, fracassadas,miseráveis e amarradas pelos demônios - o que sustenta o tom econômico perante osfiéis - , parece representar o objeto imediato aqui estudado. Até porque, ela é aindahoje a grande reserva subjetiva que cada pessoa tem (o sentido aqui é antropológico,isto é, enquanto elemento vital e constitutivo da pessoa humana), 40sinônimofundamentalmente de confiança. No espaço religioso, ela é disponibilizadagratuitamente e revestida assim, de uma nova qualidade com base agora, em conteúdostipicamente religiosos e específicos de uma determinada doutrina. Nesse sentido, ela ésuporte para uma esperança de bem estar econômico a ser alcançado, pois, é veículoimpulsionador da ação no cotidiano. Na experiência que observamos na IURD, otamanho dessa fé é medido com o tipo de sacrifício que o fiel a ele mesmo se impõe ou40 Como dimensão antropológica, a fé constitui-se em um elemento vital e essencial. Ela atua comodefesa, crescimento da vida. Sem dúvida alguma, ela é uma componente indispensável de todaexistência humana. Nesse sentido, a fé tem a função de estruturar significativamente a existência, poisarticula o mundo dos valores, elaborando critérios para que se possa aceitar ou rechaçar certosreferenciais, que poderão se constituir em sentido para a vida. Nesse sentido, a fé necessariamente nãoestá para a religião, assim como o movimento desta não segue necessariamente o da fé. (Cf. Derrida;Vattimo, 1997: 49)


141é lançado pelo pastor, como desafio. Se a questão é prosperidade econômica,sacrifício 41é sinônimo de dinheiro, e o desafio é alçado num valor pelo dirigente doculto. A salvação não vem nunca pelo dinheiro, mas pela fé; contudo, o dinheiro éexpressão dessa fé, representa-a . A fé que se expressa no espaço iurdiano tambémtem seus ícones, que são veículos comunicacionais em torno de nosso referente.Citemos alguns exemplos.1. O envelope do "dízimo dobrado", medindo 21cm de altura por 31cm decomprimento, com um número 10 tomando conta de todo o envelope, indicando areferência do profeta Malaquias cap. 3,10 e grampeada uma tarja com o dizer:"Dízimo da Justiça".2. Um outro envelope, um pouco menor, estampa o dizer, em letras garrafais : "Estaé a minha vergonha. Porque, aonde iria eu com a minha vergonha?".3. Um outro ainda traz o desenho da bíblia aberta, por trás desta raios de luz e o dizer:"O dia da prova".4. Há também o desenho de uma rosa com sete espinhos num envelope, e o pedido desete reais; pois, para cada espinho(=dificuldade) corresponde um real.5. Uma chave feita com papel laminado e distribuído a todos, medindo 13cm decomprimento e assim explicada: "A chave indica que o que ligarmos na terra seráligado no céu, devemos nela escrever apenas o que se quer ver ligado no céu".6. Um coração feito de papel jornal, que deve ser trazido numa próxima reuniãojuntamente com um real, para ser abençoado (o dinheiro é pedido para cobrir asdespesas com os jornais dos quais foram confeccionados os corações).41" Aqui, o dinheiro ofertado para o sustento de Paulo, que estava fazendo um trabalho missionário,abrindo igrejas na Ásia Menor e na Europa, foi considerado como sacrifício aceitável e aprazível aDeus". (Cf. Macedo, 1996: 8)


1427. Distribuição de saquinhos com líquidos, sendo um com líquido incolor(água) eoutro, com um líquido cor vermelha; o fiel deve levar para casa e misturar os dois,e em seguida, jogar por cima daquilo que se quer ver prosperar.2.2 - Outros Objetos Signos e sua Relação com o DinheiroO que verifica-se com isso tudo, é que esses objetos/signos formam ou se expressamcomo uma extensão dentro do processo de semiose em torno do dinheiro. Não sãocoisas sem importância ou fúteis como aparentam ser, pois, constituem-se como"ferramentas" de um trabalho, de um trabalho de representação simbólica maior;poderíamos dizer ainda, uma mediação sígnica que tem como pano de fundo,necessidades humanas que se desejam alcançar, tais como prosperidade financeira, oupossuir algum outro bem material que seja naquele instante, expressão de carênciaindividual ou coletiva. "Todos os objetos são apanhados, no compromisso fundamentalde ter de significar, quer dizer, conferir o sentido social (...)". (Baudrillard, 1995: 13)Uma rosa, um envelope, um saquinho com água, um martelo para bater no demônio,uma porta para passar por ela, correntes de papel, saquinhos com sal e tantos outrosobjetos, mesmo que sejam vistos e entendidos como uma operação técnica ou mágica,"ganham o seu sentido na relação econômica do homem com o ambiente circundante"(Ibid. p.9). E o ambiente que envolve toda essa dança simbólica é religioso, evangélicoe pentecostal de fim de século: o demônio está solto e amarrando nossas vidas. "Sai !Sai ! Sai ! Queima ! Queima ! Queima !" - é o grito de exorcismo que põe em xeque oque seria a verdadeira causa de qualquer miséria que se esteja vivendo.O testemunho também compõe o quadro sintagmático funcional, haja vistofazer parte constante da organização do ambiente que se prepara não só para expressar


143o litúrgico, mas alguma coisa de pertença social que ali se experencia: tudo, mais quereligioso, traz significação social, pois revela relação, identidade, saber e poder. E aquieu gostaria de trazer o aspecto ideológico. A rosa com espinhos, o envelope, correntesde papel, saquinho com sal, uma chave de papel são todos objetos físicos enquanto tal,mas ao compor o ambiente sagrado tornam-se símbolos religiosos que comporão,como objetos-signos, um processo de ação também sígnica, em direção à umaperspectiva de mudança de situação. Nesse sentido, esses objetos transformam-se emsignos ideológicos:"Os signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos, todo produtonatural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentidoque ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como partede uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essarealidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signoestá sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto,justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: sãomutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também oideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico" (Bakhtin, 1997: 32)O valor semiótico é valor de função e de significação. Se alguma coisa reflete erefrata uma outra realidade, eis aí a eficácia ideológica dessa coisa transformada emsigno. É isso que acontece com o dinheiro no espaço iurdiano: " Costumo afirmar queo dinheiro é o sangue da igreja, pois carrega consigo parte das vidas das pessoas(tempo, suor, inteligência e esforço para ser conseguido)". (Macedo,1996: 21)É isso que se passa nesse campo de criatividade, pois o espaço iurdiano a partirdo que verifiquei das reuniões nos templos, é de uma produção de criatividadeconstante. É, a sua maneira, uma orientação para a realidade. Assim, o que se escondepor trás da rosa com sete espinhos (= para cada espinho, um real sacrifício sete reais noenvelope) tem sua incidência na realidade individual que não objetiva apenas aconsciência, mas a própria realidade material/social mesma; e o desejo que subjaz ésempre positivo, pelo menos no espaço da IURD, onde a fé é positiva e a tudo está


144ligada intimamente, ao ponto de a fé ser entendida como uma correia de transmissãoque movimenta o mundo material, conferindo-lhe novo sentido e significado:" É fundamental dinheiro e fé. O que adianta você ter uma porção de dinheiro evocê não ter fé? Dinheiro é uma coisa material, a gente não deve dar muitaimportância. A fé é que produz tudo isso, isto é, a conquista pelo dinheiro. Se você nãotem fé, o dinheiro possa ser que venha, mas não vai ser abençoado com certeza(...). Sevocê não colocar a fé em primeiro plano, esse dinheiro não tem sentido". (E. nº 01 de07/11/98)A fé, como correia de transmissão que movimenta o mundo material doscrentes iurdianos, nada mais é do que ação. O processo de semiose, já deixamos ditonesse capítulo, trata da ação dos signos. E como disse Deely (1990: 46), se o futuroexerce influência sobre eventos no presente, tem-se com certeza a semiose. Esta nuncase acha confinada àquilo que foi ou é, mas emerge exatamente na fronteira entre o queé e o que pode ser, ou ainda, o que poderia ter sido. E conclui o autor, dizendo: "Ossignos lingüisticos podem muito bem ser 'o fenômeno ideológico por excelência',como disse Volosinov, mas a ação dos signos vai muito além do que chamamos'língua', mesmo que seja pela língua que esse campo de ação signica nos é revelado"(Ibid.: 1990:46).E aqui volto a colocar, tudo isso se verifica em torno do dinheiro, primeiro quetudo, porque este enquanto realidade material e subjetiva, é invenção humana e porisso, se inclui no processo sígnico em que se encontra envolvido o ser humano. Assim,a própria interação entre a pessoa humana e o ambiente físico, respectivamente entre ofiel e sua freqüência ao templo e tudo o que ali se oferece, vai fazendo emergir sempremais fios que o ligam, dentro de um processo, a outros fiéis e ao próprio templo. Deum ponto de vista de antropossemiose (nível mais alto de semiose, incluindo todos osprocessos sígnicos em que os seres humanos se envolvem), essa ligação não se encerraa um determinado mundo específico, mas ganha sentido mais amplo.


145Ao investigarmos o dinheiro como componente simbólico dentro do espaçoreligioso da IURD, constatamos então, que subjacente ao processo de interligações queele provoca, o destino não é o limite da posse sobre o mundo das coisas, mas, comoforça de ação juntamente com a fé que o dinheiro representa, 42 o destino é a posse datotalidade do mundo com todas suas riquezas que pertencem à voz do dono: o Verbocriador. É muito comum ao assistirmos um culto da Universal, vez por outra um pastorconclamar a todos que venham tomar posse de todas as coisas e inclusive daquelasque um dia perderam .Esse "tomar posse" não tem limite, haja visto que todas as riquezas criadas porDeus são para serem usufruídas, realizando assim, a felicidade esperada da parte docrente; e cumprindo a justiça de Deus, cuja sua vontade, que a pessoa humana, paraser feliz, deva possuir e desfrutar dos bens desse mundo. 43O que estou pretendo dizer com isso é que, no dinheiro, os fiéis da IURDprojetam também o seu desejo de posse, pois, claramente observa-se que através darelação com esse objeto, há uma realização do espírito, isto é, o espírito se encarnanesse objeto, tornando-o um veículo através do qual se atribui atividade, levando aspessoas muitas vezes a ir "além". Dinheiro e fé no espaço iurdiano assim, se42 "Enquanto objeto visível, constata Simmel, o dinheiro é a substância que encarna o valor econômicoabstrato, da mesma forma que o som das palavras, fenômeno acústico e fisiológico, só tem significadoatravés da representação que carrega ou que simboliza". (cf. Moscovici, 1992: 28643"Ora, os membros da Igreja Universal do Reino de Deus são, em geral, muito pobres ou miseráveis.Experimentam o desemprego, doenças, problemas familiares e de moradia, etc. Vivem, portanto,enquanto privados de posse, a situação diametralmente oposta àquela a que Deus os destinou. Sãochamados a possuir por vocação teológica; vivem a ausência da posse por situação econômico-política.Está, portanto, estabelecido o paradoxo religioso que explica toda a prática e o sucesso, da IgrejaUniversal e, por extensão, das novas seitas populares em geral". (Cf. Gomes, 1993:51) O autormenciona em nota sobre o verbete "miseráveis", uma pesquisa realizada em Salvador no ano de 1989,sob sua coordenação, na qual encontrou que, quase 50% dos fiéis da IURD são mulheres; destas, apesquisa indica que 69,67% não trabalham fora de casa, o que conclui não perceberem salário para semanterem. E mais. O autor observa que 30% daquelas que trabalham fora de casa, apenas 5% desses,ganham mais de um salário mínimo. Conclui o autor em sua nota que, no cômputo geral, em se tratandode renda familiar, isso fica em torno de um a dois salários mínimos .


146constituem em uma ação sígnica, pois nesse espaço se revelam e se apresentam comouma expressão adequada da relação do homem com o mundo.Assim, nesse processo de semiose, o dinheiro se revela como signo através dosfiéis que se vêem como que filiados a um determinado grupo/ instituição. Isso põe deforma clara, o dinheiro como signo revestido de outros significados atuando comosigno de pertença social. É nesse sentido que ele ganha sua dimensão sociológica, pois,como um objeto através do qual se revela um trabalho simbólico, percebemos que háuma identificação social que fala, e esta é iurdiana, onde o dinheiro ocupa um lugarnuma ordem e muda a cada instante, conforme a estratégia mais conveniente àinstituição.


147ConsideraçõesFinais


148Considerações FinaisConsiderações e não conclusões. Seria difícil aceitar que chegamos a um fim, aum final, e muito menos ainda que chegamos conclusão. O processo de elaboração deum dissertação implica que, o aprendizado que daí decorreu, apenas, sinaliza para umnovo começo. As portas para conhecer continuam abertas, e o desafio que se coloca, éum chamado para a continuidade da reflexão. Perspectivas outras poderão estar sendointuídas, e as imagens começam a dançar, e o processo como um curso de um rio, sevai...O estudo desenvolvido até o momento deixa, ao nosso ver, perfilar algunspontos que ora denominamos de "considerações finais". Esses pontos não sãointuições, como se fossem algo meramente subjetivo, mas considerações que decorremdo nosso processo de análise. Também eles não encerram nada, porém, apontam esustentam o que já dissemos em nossos objetivos bem como confirmam algumashipóteses levantadas, que estão no corpo do nosso projeto; porém, não pretendemosuma generalização sem medida. Esses pontos, portanto, continuam sendo questões aserem retomadas por quem demonstra interesse pelo aprofundamento e produção doconhecimento científico.Eis nossas considerações:1 - O dinheiro não é algo periférico no cotidiano religioso da Igreja Universal do Reinode Deus. Ao compor o ethos atualmente presente dessa Instituição, ele se destaca comoelemento constitutivo da expressão da fé. Isto se verifica, por exemplo, também, pelasistemática nomeação do dinheiro no próprio espaço cúltico iurdiano .


1492 - É patente a capacidade de construção representacional do dinheiro, feita pelaIURD. Isso explica interpretarmos o dinheiro nessa experiência religiosa, como umarealidade dinâmica e sempre ancorada na categoria teológica iurdiana central, que a"Prosperidade".3 - A prosperidade financeira é o carro-chefe do discurso Neopentecostal iurdiano. Suavisibilidade está no testemunho permanente que se dá nas reuniões, principalmente,naquelas que se realizam às segundas-feiras, dedicadas exclusivamente à corrente daprosperidade.4 - A IURD desenvolveu uma concepção de religião que articula, de uma novamaneira, fé e dinheiro, sem que isso repercuta em meio ao grupo dos fiéis, algumaespécie de drama de consciência, por estarem a expressar sua fé tendo que juntardinheiro e religião.5 - Uma das estratégias da IURD é conceber poupança e prosperidade como alicercebásico da pregação dos pastores, como perspectiva de ação individual para os fiéis, edo ponto de vista da sua teologia, como vontade de Deus que quer ver seus filhosgozando de um mundo de abundância. Essa estratégia redireciona também,principalmente, a escassez daquilo de que tanto se sofre e se deseja ter: dinheiro.6 - O dinheiro, além de se constituir um meio de troca ou referência de valor, nopróprio espaço cúltico iurdiano, ele desempenha o papel de "desamarrar" as forçasnegativas (demoníacas) que agem especificamente na vida financeira dos fiéis, quandoofertado como dízimo.


1507 - No imaginário cristão da IURD, o dinheiro quando transformado em dízimo, eleune recriando laços supostamente desfeitos por Satanás, resgatando com isso o desejohumano de posse.8 - A posse, é também categoria central na pregação da IURD e se constitui a forma,através da qual, as pessoas se sentem no direito de dispor das coisas do mundo, detodos os bens da terra. Tomar posse é um fundamento ético da identidade iurdiana.9 - Oferta e sacrifício, são nomes de maior importância dado ao dinheiro no espaçoreligioso da IURD, e como tais, simbolizam a destruição/aniquilação/ o fim de umavida amarrada por forças responsáveis em levar as pessoas ao "fundo do poço".10 - A fé, é força impulsionadora de ação na vida de cada fiel, ela faz com ele coloquepara si mesmo um desafio: dar. Dar tudo que tem. Dar o melhor. Dar o dobro. Se hádúvida, é sinal de que o demônio ainda age e só é expulso da vida do fiel, quando estedar, e dar dinheiro, dinheiro ofertado.


A P Ê N D I C E S151


152APÊNDICE IComo os membros entrevistados da Igreja Universal do Reino de Deus imaginamo dinheiro. 44O que segue corresponde a uma síntese representativa do conjunto das entrevistasrealizadas com os membros da IURD. Através dessas falas poderemos apreciar, porexemplo, como funcionam certas estratégias elaboradas pelos membros oficiais dainstituição, para ancorar o dinheiro a representações já existentes na mente dos fiéis.É importante frisar que todos os entrevistados deitam suas origens religiosas em umaprática de religiosidade popular, seja de expressão pentecostal ou de catolicismopopular, marcadamente situados no meio urbano da grande cidade.Síntese das EntrevistasE.1.a) - O dízimo representa a décima parte do nosso salário que temos que dar àcasa do Senhor, para que a casa do Senhor Jesus permaneça e isso acontece porcausa do nosso dízimo;E.1.b)- O dízimo representa o amor para com o Senhor Jesus.E.1.c)- Antes quando eu não era dizimista, o que acontecia comigo? Eu era infiel,dava quanto eu queria. Hoje não, hoje sou fiel, recebi tanto e tanto é de Deus e doumesmo; eu não quero nem saber se tenho luz para pagar;E.1.d)- O dinheiro representa a nossa conquista através da fé ;E.1.e)- É dando que se recebe. Se eu dou ao Senhor Jesus, o Senhor Jesus vai me dar emuito mais do que eu dou para ele, porque ele tem poder de autoridade.E.1.f)- A campanha de Israel, por exemplo, você tem uma filha que está com câncer, eaí você vai prestar sacrifício; lógico que vai entrar dinheiro, lógico ele vai representara tua fé. Temos que fazer sacrifício. É nosso holocausto. Se eu ganhei R$ 100,00 reaise tenho que fazer esse voto, deixo tudo e vou dar e Deus vai dar em dobro. É umaprova, temos que sacrificar!44 Os depoimentos listados são precedidos de E (entrevista) + número seqüencial da entrevista + letrascorrespondentes aos destaques da entrevista do referido número seqüencial .


153E.2.a)- A gente acredita através da fé, que Deus é o Deus da prosperidade. Em Ageu,se não me engano, Ele é o dono de todo ouro e toda a prata. Então, se eu sou filho deDeus através do sangue de Jesus, eu tenho que conquistar tudo aquilo que eu tenhodireito. Então, todo filho tem o direito a tudo aquilo que o Pai tem;E.2.b)- É através do dízimo e das ofertas que a igreja tem se levantado e tem pregadoa palavra de Deus. Hoje só há uma forma do dízimo ser simbolizado, que é através daoferta em dinheiro, já que o dinheiro é algo que mexe com o homem. Então, aquelaparte é de Deus e tenho que dar. A gente dar porque tem um retorno. E o retorno sãoas bênçãos de Deus. As dificuldades que encontramos em nossa vida nós clamamos aDeus e Deus tem que responder. No A.T. todas as pessoas que clamarem a Deustiveram que sacrificar alguma coisa;E.3.a)- Se não fossem os dízimos e as ofertas que o povo traz à igreja, não teríamos aigreja aberta; e não tendo a igreja aberta, as pessoas não prosperam, não sãocuradas, não são libertas de espíritos malignos e não têm salvação. A pessoas que nãodá o dízimo, que não dá a oferta, ela tem uma vida amaldiçoada. Trabalham,trabalham mas não conseguem progredir, elas não conseguem prosperar. A pessoatira o dízimo do seu dinheiro, então dá a Deus e Deus se encarrega de abençoar avida dele e dá o melhor para ele;E.3.b)- Existe um espírito devorador, ou seja, um demônio que quando a pessoa nãodá o dízimo ele entra na vida da pessoa e devora tudo. E quando a pessoa dá o dízimo,Deus promete abrir as janelas do céu e derramar bênçãos sem medida;E.3.c)- Uma coisa é a pessoa trazer dinheiro para a igreja e outra coisa é a pessoatrazer oferta. Dinheiro, Deus não aceita, Deus aceita a oferta; porque a oferta tem afunção de ganhar almas. A oferta na igreja não é a quantidade mas a qualidade,aquilo que sai do coração. O dinheiro quando não se dá de coração, quando não se dácomo oferta para a casa de Deus, tem a função de fazer reparos na igreja, não servepara ganhar almas.E.4.a)- A Bíblia relata que existe três tipos de demônios: o devorador, o cortador, omigrador. Esses três demônios são presos através do dízimo.E.4.b)- O homem depende do dinheiro hoje para tudo. Se ele não tiver dinheiro nãotem valor. É por isso que levamos as pessoas a fazer sacrifício, porque dói na pele agente dizer que a oferta é de tanto e a pessoa perguntar por quê? Porque Deus estáprovando a sua fé!E.4.c)- Nós levamos o povo a uma fé. Nós falamos, olha fulano, você vai fazer um votopara com Deus de tantos reais; a pessoa vai fazer o quê? Vai fazer um sacrifício emcima disso aí, para alcançar aquele voto e pagar aquele voto;E.4.d)- A campanha de Israel é uma prova de tudo ou nada, é uma prova do cristãopara com Deus; ou você crer em Deus ou não crer. Nós pedimos o voto de tudo ounada, ou a pessoa crer ou não crer. Também nós não forçamos. O voto é o dinheiro.Ao fazê-lo a pessoa está dando prova de sua fé.


154E.5.a)- Na sexta feira o pastor pediu para todos trazerem na sexta seguinte três reais,e esses três reais ele disse que está ligado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Odinheiro está ligado com Deus, nós não estamos ligados com Ele?E.6.a)- No dia 15 (de novembro) vai ter a campanha da palavra. A gente pega umenvelope, a gente está pegando até vinte reais, e coloca o propósito. Numa folha dabíblia a gente faz o pedido que a gente quer alcançar de Deus, ou seja, eu quero queDeus me abençoe na vida financeira, na saúde, na vida familiar, na vidasentimental...então a gente faz esse propósito e vamos lá no dia 15 exigir de Deus.E.6.b)- Para mim agora nesse momento cinco reais é sacrifício, porque eu não tenhode onde tirar, mas graças a Deus porque eu digo "vou pegar esse envelope de cincoreais", levo e luto, luto, luto e arrumo um jeito para cumprir esse propósito. O pastordiz que Deus tem de abençoar porque estamos tirando de tudo, de dentro da gente,porque é um sacrifício grande de quem não tem. Ele narra isso.E.6.c)- [ o que é o dízimo dobrado?] O dízimo em dobro é isso: em vez de colocar R$12,00 ( 10% de R$ 120,00 ), a gente coloca R$ 24,00. É outro propósito que eu estoude acordo. Se a gente quer mais então a gente tem que dar mais.E.8.a)- O dinheiro é recebido tanto quanto as outras coisas com ação de graça. Odinheiro não é o demônio, o dinheiro é uma bênção, como a televisão é uma bênção,como todo veículo de comunicação é uma bênção;E.8.b)- Essa paz, essa alegria, o dinheiro e tudo mais, só advém quando você fazcrescer o nome do nosso Senhor Jesus Cristo;E.8.c)- Quando você pega num dinheiro em que você vai gastar numa carteira decigarro, e dá na igreja, "Senhor isso aqui é uma oferta, eu estou dando de coraçãopara tua obra", creia, esse dinheiro nunca fez e nunca fará falta a ninguém, aocontrário, a pessoa não sente falta desse dinheiro que dá a igreja;E.8.d)- Eu fiz um teste comigo mesmo. Eu tinha cem reais e tinha um pagamento novalor de cem reais, e naquela hora que o pastor tinha lançado a oferta, "quem temcem reais", o meu coração disse dê. E fica dois pensamentos, um, você não dá; outro,você dá. Um é pelo espírito de Deus que é único. Eu dei. Aquele dinheiro não me fezfalta, nem me acarretou danos com relação a minha obrigação que eu tinha decumprir, meu pagamento. Não me fez falta, e eu fui abençoado!E.11.a)- A bíblia fala que o dízimo pertence a Deus. Quando o homem não dá odízimo, quando nós não devolvemos o dízimo na casa de Deus, então a própriapalavra de Deus fala que nós estamos roubando a Deus. Por isso que a bíblia diz "dara Deus o que é de Deus";E.11.b)- O dízimo não é uma oferta. O dízimo é uma obrigação. É devolver aquilo queé de Deus. A oferta é uma prova que a pessoa tem para com Deus, "prova-me comisto" diz o Senhor dos exércitos;


155E.11.c)- Os espíritos que atuam na vida financeira são: o cortador, o destruidor, omigrador, o devorador. Só que tem um, o devorador, que nós só podemos repreenderatravés do dízimo. Se a pessoa não dá o dízimo na casa de Deus, então a vida delapassa a ser um fracasso; enquanto ela não der o dízimo o devorador não tem como serrepreendido, e nem sua vida financeira liberta ;E.11.d)- O propósito é o desafio. A prova. Se faz através da oferta. Se a pessoa querreceber ou alcançar algo, então, ela tem que provar a Deus. Se a pessoa não provar aDeus não tem como Deus fazer nada. É dando que se recebe, então se a pessoa querreceber ela tem que dar.E.12.a)- Depois que eu entrei na Igreja Universal do Reino de Deus, fui abençoada,porque eu cheguei na igreja no fundo do poço. A minha vida está sendo abençoada. Omeu marido está para receber um dinheiro, e eu tenho certeza que ele vai serabençoado. A prosperidade que eu me refiro é aquela onde na minha casa faltavatudo, faltava dinheiro, uma feira que fazíamos não dava...hoje não, dá para o mêstodo. Deus tem abençoado. Quanto mais eu dou mais Jesus tem abençoado a minhavida;E.12.b)- O propósito é sempre uma coisa a mais, porque as pessoas dão aquilo quenão têm, faz um desafio com Deus: coloca Deus na parede com uma coisa que ela nãotem. ( essa coisa é dinheiro?) - É . Mas não como dízimo. É algo sempre maior.E.13.a)- Quando a gente compra algo na loja, aquela loja não quer deixar apromissória para amanhã ou depois não, ela quer receber naquele prazo; mesmacoisa é o Senhor Jesus. Ele quer receber naquele dia. Naquele dia ali, aquelepropósito, aquele sacrifício. É o tudo da pessoa .E.13.b)- Eu faço um propósito de cem reais, eu posso dar, é o meu sacrifício.Conseguindo, é uma honra para Jesus e alegria para o meu coração .E.13.c)- O diabo não quer que as pessoas sejam abençoadas, coloca dúvida na horade dá o dízimo; porém, Deus quer que a pessoa seja abençoada .E.15.a)- O dízimo dobrado é um teste. É uma prova com Deus. Quando a pessoa dá odízimo dobrado é porque ela está querendo resgatar alguma coisa. Mas não são todosque fazem isso, mas o interesse da pessoa é o resgate; isto está, se não me engano, emDeuteronômio .E.15.b)- Olhe, nós vemos o dinheiro como sacrifício, e a coisa mais difícil hoje que apessoa pode se desfazer não é o pai nem a mãe, não é nada disso, mas o dinheiro; dóipra caramba você se desfazer de uma coisa quando isso é dinheiro.


156APÊNDICE IICaracterização geral da área onde residem os membros da IUR<strong>DO</strong>s membros da Igreja Universal do Reino de Deus entrevistados nesse período,residem nos bairros de Tejipió, Totó, Sancho, Coqueiral e Sucupira. Esses referidosbairros estão situados na cidade do Recife, centro sul da Região Metropolitana. Essaárea se localiza a 13 km do centro do Recife e, segundo dados do IBGE ( InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística), Censo Populacional (Contagem Nacional daPopulação, 1996: 31; 80; 86; 90), possuem o seguinte número de habitantes: Sancho,7.963; Tejipió, 7.929 ; Totó, 2.448; Coqueiral, 12.581. Quanto ao bairro de Sucupira,por situa-se no município do Jaboatão dos Guararapes, o ffiGE, situado na rua doHospício, Recife/centro não possuía os dados referentes a população desse bairro.Nessa área se localiza um dos distritos industriais da Região Metropolitana: o distritoindustrial do Curado.Os bairros acima mencionados, corno todos os bairros de periferia, enfrentamsérios problemas tais como: precariedade nos serviços de transportes, falta desaneamento básico (calçamento, esgotos, coleta de lixo), falta de escolas, desemprego,falta de assistência médica, falta de segurança, enchentes causadas pelos rios deTejipió e Manaus, quando em épocas de chuvas. No bairro do Totó existem duas áreasde ocupação: Brasília do Totó e o Planeta dos Saguins .Das instituições religiosas existentes na área se destacam: a) quatro templos daIgreja Universal do Reino de Deus (sendo que dois estão situados em Sucupira e emCavaleiro, ambos no município do Jaboatão dos Guararapes, mas vizinhos dos bairros


157anteriormente citados); b) a Igreja Católica Romana, que conta com três templos eduas capelas; c) o Centro Espírita "Humberto de Campos"; d) uma Igreja Batista, em :Coqueiral; e) uma Assembléia de Deus, e f) uma Igreja Evangélica Congregacional,ambas no bairro do T otó .Quanto aos templos da IURD, dois situam-se onde antes funcionavamsupermercados de porte médio: "Mercadinho Econômico" (templo de Sucupira),localiza-se próximo a entrada do loteamento Novo Recife, no bairro de Sucupira,Jaboatão dos Guararapes; e "Mercado São Luiz" ( templo de Cavaleiro), localiza-sebem ao lado do metrô de Cavaleiro e da feira pública desse bairro também distrito doJaboatão dos Guararapes. Os outros dois, do bairro do Totó e Tejipió, são galpõesalugados. O templo do Totó situa-se bem em frente a uma capela da Igreja Católica,construída pelos próprios moradores católicos desse bairro.O motivo principal de ter escolhido essa área para desenvolver o trabalho depesquisa de campo, se deve ao fato de suas características sociais serem de origemmarcadamente populares, por eStar situada na fronteira com o município do Jaboatãodos Guararapes "velho" (distinção que os moradores da localidade fazem em relação aao distrito de Prazeres e de Piedade ), onde percebe-se um número bastante grande deevangélicos, além do que também, minha militância política no movimento popular etambém de pastoral de juventude, se deram por vários anos nessa área o que facilitaria,através do meu quadro de relação, os contatos necessários para a realização dasentrevistas, uma vez que o acesso aos membros da IURD para esse objetivo, não seriatão fácil como de fato não foi.A estratégia montada para a realização das entrevistas foi: a) saber de católicosque passaram a freqüentar os templos da IURD; b) identificar através de amigos


158pessoas que pertencem a IURD; c) cada contato feito com pessoas da IURD, através.dela chegar a um outro; d) não realizar entrevistas nos templos com os membros enem com os obreiros, priorizando as entrevistas nas casas; e) nos templos, realizarentrevistas apenas com os pastores auxiliares e titulares.Situações que dificultaram a realização de algumas entrevistas e que foramcondição dadas pelos entrevistados: a) não gravar dizendo o nome completo; não dizero nome do templo que freqüentava; c) pedir autorização do pastor; d) marcava- se odia da entrevista e na hora dava uma desculpa dizendo que não podia. Quanto aospastores, só 1 (um) não aceitou entrevista gravada; as realizadas foram feitas nostemplos, logo após o culto, com o pastor sentado em uma cadeira no altar e semprecom a Bíblia na mão.Situações interessantes que aconteceram durante a realização das entrevistas commembros e alguns obreiros: orar por alguns minutos pedindo a Deus para guiar suafala; em algumas casas os familiares assistiam a entrevista e às vezes inesperadamenteum ou outro opinava sobre uma questão; ao falar da prosperidade apontava-se semprepara algum bem material adquirido e que se encontrava na casa como: carro, armáriocom mantimentos alimentícios, a carteira de trabalho assinada, a casa que morava, umdocumento mostrando que ganhou um processo na justiça e que implicava recebimentode dinheiro, o comercio que estava fazendo na casa -fabricação de vassouras, umaacademia de dança e ginástica, um salão de beleza, uma oficina de conserto deeletrodoméstico e eletrônica -, após a entrevista pedir para ouvir tudo que foi gravado.Os serviços religiosos oferecidos em cada templo durante a semana obedecemao seguinte calendário comum a todos:


159Segunda -feira -Corrente da ProsperidadeTerça -feira -Corrente da SaúdeQuarta -feira -Doutrina BíblicaQuinta -feira -FamíliaSexta -feira -Libertação dos demôniosSábado -Voltado aos Problemas FinanceirosDomingo -Louvor e Adoração a Deus


160APÊNDICE IIILista de nomes das Pessoas EntrevistadasI -Entrevistas realizadas no mês de Novembro/98Seqüência Dia Nome01 12 Sandro José da Silvaobreiro/casado -templo de Tejipió02 07 Jaciararesponsável por aconselhamentoaos jovens e adolescentes/casada/prof de dança/dona de umaacademia/templo do Totó.03 09 Edson Ferreiraobreiro/casado de Tejipió04 11 Rogériopastor/casado/templo do Totó05 14 Célia Salustiana de Oliveiramembro/casada/vendedora decosméticos templo de Tejipió .06 14 Jurema Maria de Oliveiramembro/solteira/responsável poraconselhamento aos jovens/temploTejipió07 23 Maria de Lourdes Ferreira Limamembro/casada/cabeleireira/templodo Totó


16108 19 Emanuel da Rochamembro/casado/temploSucupirade09 25 Paulo Ferreiraobreiro/casado/templo de TejipióII -Entrevistas realizadas no mês de Dezembro/9810 01 José Carlos da Silvapastor auxiliar/casado/templo doTotó11 05 Maria Joséobreira/casada/templo de Tejipió12 15 Maria José dos Santosmembro/solteira/temploSucupirade13 17 Edite Maria da Silvaobreira/casada/templo de Sucupira14 31 Maria Conceiçãoobreira/solteira/templo de Tejipió15 15 Alexandrepastor/casado/natural do Rio deJaneiro (não forneceu o nomecompleto; entrevista feita comanotações por escrito )templo deTejipió.16 17 Sr. Paulo da "vassoura"obreiro/casado/trabalha produzindovassouras em sua casa/templo deTejipió


16217 03 Maria das Graças Amorimmembro/casada/templo de Tejipió18 02 José Cosmeobreiro/casado/aux. de serviçosgerais templo do Totó19 01 Lúcia Helenamembro/casada/o marido é obreiroe dono de uma barbearia/templo doTotó20 01 Ana "cabeleireira"membro/solteira/templo Sucupira


B I B L I O G R A F I A163


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