EDUCAÃÃO PARA O LAZER: ENSAIOS DE UMA PROPOSTA ...
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EDUCAÇÃO <strong>PARA</strong> O <strong>LAZER</strong>: <strong>ENSAIOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>UMA</strong> <strong>PROPOSTA</strong> <strong>PARA</strong> A<br />
EDUCAÇÃO ESCOLAR<br />
Introdução<br />
Amanda Ferreira Furtado Rocha 1 , Leonardo Machado Da Silva 2 ,<br />
Luar Lucia Fonseca De Araujo 3 , Lúcia Cristina Novaes 4<br />
Mauro Sérgio Da Silva 5<br />
Este trabalho tem como finalidade apresentar os esforços iniciais para<br />
sistematização de uma proposta de intervenção da Secretaria de Educação de Vitória<br />
voltada à formação para o lazer. Inicialmente essa proposta visa orientar as intervenções<br />
em dois equipamentos públicos (o parque Mata da Praia e Praça dos Namorados) e um<br />
clube localizado no bairro Ilha do Boi. Nosso objetivo principal com essa proposta é<br />
oportunizar aos estudantes inseridos no Programa Educação em Tempo Integral 6 mais um<br />
espaço-tempo de desenvolvimento que vise à formação da cidadania plena por meio de<br />
práticas relacionadas à cultura corporal de movimento, com vistas à fruição de forma<br />
crítica e criadora dos espaços-tempos de lazer disponíveis no município de Vitória.<br />
Para dar inteligibilidade à proposta o texto está organizado da seguinte forma:<br />
busca inicialmente refletir sobre conceito de cultura e suas implicações para a educação<br />
escolar; sinaliza para a relação estabelecida entre cultura, educação e lazer; por traz alguns<br />
elementos de como está perspectivada a realização de uma proposta de formação<br />
audaciosa, qual seja, a formação para o lazer.<br />
Reflexões iniciais: alguns elementos conceituais sobre cultura e suas implicações para<br />
a educação escolar<br />
Como conceituar cultura pensando na complexidade do termo e, ainda,<br />
considerando que este tem sido debatido em diferentes campos? Para iniciar o diálogo nos<br />
reportamos aos dizeres de Taylor (apud GÓMEZ, 2001, p.13) que define cultura como<br />
aquele todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, leis, moral, costumes e<br />
qualquer outra capacidade e quaisquer outros hábitos adquiridos pelo homem enquanto<br />
membro de uma sociedade. Essa definição de cultura a apresenta como herança social e<br />
não biológica, além disso, vem se aligeirando os processos sociais que provocam a<br />
ressignificação desse termo, sendo debatido por diversas áreas de conhecimento.<br />
Na esteira de Guattari e Rolnik (2007, p.15), pode-se identificar que o conceito de<br />
cultura apresenta um caráter reacionário, por ser uma maneira de separar atividades em<br />
esferas às quais somos remetidos, “[...] tais atividades, assim isoladas, são padronizadas,<br />
instituídas potencial ou realmente e capitalizadas para o modo de semiotização dominante,<br />
1 Acadêmica do curso de Educação Física. Faculdade Salesiana Católica do Espírito Santo.<br />
2 Acadêmico do curso de Educação Física. Universidade Federal do Espírito Santo.<br />
3 Acadêmica do curso de Educação Física. Centro Universitário de Vila Velha.<br />
4 Prof. ª Esp. em Educação Física Escolar e Educação Comunitária. Secretaria de Educação de Vitória –<br />
Coordenação de Desporto Escolar.<br />
5 Prof. Ms. em Educação Física. Secretaria de Educação de Vitória – Coordenação de Desporto Escolar.<br />
6 Esse programa consiste numa ação articulada entre as diferentes secretarias municipais de Vitória e<br />
instituições parceiras, tem como finalidade ampliar as possibilidades de formação de estudantes da educação<br />
infantil e ensino fundamental com ações no contra-turno.
ou seja, simplesmente cortadas de suas realidades políticas”.<br />
Entende-se que talvez a questão aqui, não seja só conceituar cultura, mas interpretála,<br />
entendê-la como um fenômeno social através do qual os sujeitos interagem, refletem,<br />
compartilham, criam e recriam símbolos e significados. São esses significados que<br />
possibilitam as trocas, as associações, o estabelecimento de redes entre grupos sociais num<br />
determinado tempo e espaço. Vale ressaltar que só existe cultura entre humanos. Para<br />
Arendt (apud FORQUIN, 1993), ao nascer, as crianças não recebem somente a vida, mas<br />
são introduzidas num mundo que preexiste, portanto recebem, a partir do nascimento,<br />
educação e também a responsabilidade de substituir seus antepassados, preservando e<br />
dando continuidade de forma a perpetuar a experiência humana.<br />
Nesse sentido, pode-se sinalizar que a cultura se materializa a partir das relações,<br />
nas trocas estabelecidas entre os diferentes parceiros de interação, consistindo num<br />
processo de construção permanente. Portanto, as noções de cultura serão sempre parciais e<br />
provisórias, estando em constante transformação, condição que favorece o estabelecimento<br />
de novos significados, inclusive no que diz respeito à apropriação dos bens culturais<br />
relacionados à cultura corporal de movimento. Desse modo, a cultura representa uma<br />
construção social, sendo assim, não deve ser pensada como uma entidade isolada, livre das<br />
influências e dos anseios de consumo da sociedade capitalista, mas sim, percebê-la como<br />
integrante da dinâmica dos conflitos sociais.<br />
Corroborando com Forquin (1993, p. 10) quando assevera que há uma relação<br />
“íntima e orgânica” entre educação e cultura. A instituição escolar tem sido considerada,<br />
desde a sua criação, como a responsável pela educação no sentido de socialização e<br />
formação dos indivíduos, sendo que somente a ela foi atribuída à tarefa de transmissão de<br />
conhecimentos, competências, técnicas, valores, hábitos, como o conteúdo da educação<br />
(FORQUIN, 1993, p. 14). Desta forma, o papel da escola, enquanto instituição social é a<br />
transmissão cultural, partindo do pressuposto que “a cultura é o conteúdo substancial da<br />
educação sua fonte e sua justificação última [...]”.<br />
Compreendendo que a função da escola não se resume somente à função de<br />
transmissão cultural e, também, que não cabe apenas a ela essa tarefa, pode-se considerar a<br />
escola como um dos espaços sociais de acesso, troca, ampliação e produção de cultura, ou<br />
de culturas, pensando que no interior da mesma, como afirma Gomez (2007), existem<br />
culturas que se entrecruzam, possibilitando intercâmbios que vão permitir a construção de<br />
significados individuais e coletivos. A escola tem a função educativa de oferecer aos<br />
estudantes a possibilidade de entender os elementos da cultura com os quais tem contato no<br />
seu interior e fora dela, compreender as tensões e conflitos que esses elementos<br />
estabelecem com os outros espaços da sociedade e contribuir para sua participação na<br />
sociedade como sujeito autônomo, emancipado.<br />
Nesse bojo, fomentar processos formativos que oportunizem o desenvolvimento de<br />
uma cidadania plena, assume grande relevância no atual contexto educacional, e, é nesse<br />
ponto que ganha fôlego uma proposta de formação para o lazer que aperfeiçoe o usufruto<br />
dos equipamentos públicos disponíveis na cidade, bem como dos clubes que possuem<br />
isenção de impostos. Além disso, oferecendo horizontes para a elaboração de críticas e<br />
cobranças no nível do desenvolvimento de políticas públicas que garantam os direitos de<br />
acesso ao lazer como bem cultural a todos os cidadãos.<br />
Cultura, educação e lazer: como fica o corpo nessa relação?<br />
No modelo de sociedade vigente onde as informações são passadas de forma
galopante, questiona-se a existência da clareza de como essas informações refletem sobre o<br />
comportamento e os corpos dos indivíduos. Há de certa forma um desconhecimento de si<br />
mesmo, da sua história, da sua identidade, das suas particularidades, do seu corpo.<br />
Determinados grupos estão ficando padronizados e, de certa forma, se todos têm o mesmo<br />
padrão (corpos, cabelos, roupas, aparelhos eletrônicos, etc.) se tornam “idênticos”, não<br />
questionam, ou seja, estão na mesma fôrma. Nessa perspectiva o ser humano se torna um<br />
produto, a ênfase é dada à desempenho, ao resultado, à aparência e o corpo fica submetido<br />
ao mercado. Entretanto, muitos corpos subvertem a essa lógica de mercado, criando<br />
estratégias de desobediência a padrões estabelecidos.<br />
Submeter-se ou fugir ao padrão predominante está diretamente relacionado à forma<br />
como as pessoas se relacionam com a cultura e com os espaços de acesso, ampliação e<br />
ressignificação da mesma (escola, praça, teatro, parque, rua, museu entre outros).<br />
Hodiernamente, busca-se relacionar o prazer e o lazer ao consumo, vende-se<br />
constantemente a ideia de conhecimento/consumo, poder/consumo, beleza/consumo,<br />
felicidade/consumo, sucesso/consumo. Essas relações se dão também no campo do<br />
trabalho. Sendo consumidos, expostos e aproveitados como instrumentos e imagens no<br />
tempo e espaço do lazer, como ir a determinados lugares. O tempo e o espaço do lazer<br />
também são utilizados para meios de manutenção de um modelo corporal (ROSA, 2003).<br />
O que a educação e a escola têm a ver com isso? Como é tratado pela escola o<br />
corpo e os conflitos da sua relação com o modelo de sociedade capitalista? Qual a relação<br />
que existe entre corpo, cultura, educação, lazer e consumo? A escola educa para o lazer?<br />
Refletindo sobre a interpretação do termo cultura que foi trabalhado anteriormente, pode-se<br />
afirmar que o lazer é um direito social, um espaço de produção cultural, portanto, deve ser<br />
garantido a todos/as. Entretanto, somente aqueles/as que pertencem às classes sociais mais<br />
privilegiadas economicamente, usufruem do seu tempo livre com liberdade. O que<br />
diferencia a garantia do direito de acesso ao lazer e as possibilidades de escolha nas<br />
diferentes classes sociais, possui íntima relação com o acesso à informação, ao<br />
conhecimento e ao poder de consumo.<br />
A intenção é refletir sobre as possibilidades e estratégias que o corpo utiliza para<br />
não se submeter ao processo de mercantilização e como isso pode se dar a partir do papel<br />
da escola na perspectiva de educar também para o lazer. Para isso a necessidade de<br />
repensar a forma como a escola organiza seu currículo, os tempos e espaços escolares de<br />
troca de conhecimentos, a seleção do que deve ou não ser ensinado, da relação que a escola<br />
estabelece com outros espaços sociais como espaços potencialmente educativos.<br />
O lazer tem caráter interdisciplinar ligado à educação, saúde, habitação, transporte e<br />
serviço social, sendo necessária a interação entre os diferentes setores da sociedade, a fim<br />
de estabelecer ações concretas para o desenvolvimento de uma política de lazer<br />
consistente, para tanto, há a necessidade de entender e discutir novas formas de<br />
organização da sociedade (NELSON, 2001). Os espaços ao qual se desenvolvem<br />
atividades voltadas ao lazer, são propícios às evoluções culturais. Segundo Rosa (2003) a<br />
possibilidade de interagir com outros no espaço de lazer, tende a fomentar, a interação<br />
entre as diferentes dinâmicas culturais, permitindo a reinterpretação das perspectivas<br />
estabelecidas, fazendo com que os parceiros de interação reflitam, questionem e participem<br />
criticamente de suas construções como sujeitos da ação.<br />
Objetivos para os polos de intervenção voltados para o lazer<br />
O debate acerca do uso dos equipamentos públicos da capital voltados para o lazer
deve-se às nossas observações sobre a forma como a população de Vitória tem se<br />
apropriado desses espaços, notadamente, a população mais pobre (por um quantitativo<br />
significativo dos estudantes matriculados no sistema municipal de educação de Vitória) que<br />
tem ao longo da história tido uma série de negações de direito. Para tanto, pensa-se a<br />
organização do trabalho no Parque Mata da Praia, Praça dos Namorados e no Clube,<br />
inicialmente a partir dos seguintes objetivos:<br />
Democratizar o acesso a bens culturais construídos historicamente pela humanidade<br />
e que são fruto de debate no âmbito da formação para o lazer;<br />
Construir coletivamente conhecimentos relacionados aos temas da cultura corporal<br />
de movimento, fomentando o lazer como uma perspectiva fundante para o<br />
desenvolvimento da cidadania plena;<br />
Articular o lazer como uma dimensão da vida social, assim como a educação,<br />
saúde, emprego, dentre outras;<br />
Potencializar o desenvolvimento de práticas sustentáveis no âmbito do lazer, por<br />
meio do estabelecimento de uma política educativa que contribua para o<br />
desenvolvimento de níveis de autonomia relacionados às vivências no lazer;<br />
Articular essa proposta de intervenção a política de desporto educacional que vem<br />
sendo desenvolvida pela Secretaria de Educação de Vitória, buscando ressignificar<br />
os tempos e espaços disponíveis para a vivência do lazer, fomentando o valor das<br />
práticas em questão para o desenvolvimento dos sujeitos envolvidos em diversas<br />
dimensões, tais como: social, cultural, ambiental etc.<br />
Considerações parciais<br />
Ampliar as possibilidades culturais dos estudantes é um papel que a escola ainda<br />
pode cumprir de maneira potente, precipuamente, porque as construções, fruto de conflitos<br />
entre os interesses dos sujeitos que fomentam o processo de formação humana dos<br />
estudantes e os próprios interesses desses, engendram elementos que, a partir da ampliação<br />
da formação cultural, são potencializadas novas formas de ser e estar no mundo.<br />
Possibilita-se assim, caminhos para a contestação das situações de desrespeito<br />
mútuo, que vexam o indivíduo, como tentativas de sucumbir à existência do sujeito em seu<br />
contexto singular, submetendo-o às formas de cultura, socialmente, consideradas e<br />
veiculadas como legítimas para o consumo, formando guetos consumistas transitórios que<br />
se sujeitam e aguardam novas reformulações das modas. As possibilidades de ampliação<br />
dos saberes desencadeados pelas reconstruções do conhecimento que serão vividos durante<br />
os encontros sociais proporcionados pelas vivências nos pólos, podem vir a ser<br />
potencializadoras de novas formulações conceituais que avancem para além da submissão<br />
acrítica das novas modas. Isso reforça a ousadia de construir uma proposta que fomente o<br />
lazer como um direito que potencializa a cidadania plena, está pautada na compreensão de<br />
que os processos de formação ligados à dimensão do lazer são essencialmente<br />
emancipadores por propiciarem que sejam repensadas as formas como estão sendo<br />
utilizados os equipamento públicos que se destinam a esse fim, bem como suscita o<br />
desenvolvimento de políticas públicas cada vez mais voltadas para o atendimento de toda a<br />
população.<br />
Referências
FORQUIN, J. C. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento<br />
escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.<br />
GÓMEZ, A. I. P. A Cultura Escolar na Sociedade Neoliberal. Porto Alegre: Artmed,<br />
2001.<br />
GUATTARI, F. ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes. 8.<br />
ed. 2007.<br />
NELSON, C. M. Lazer e esporte: Políticas públicas. Campinas, SP: Autores Associados,<br />
2001.<br />
ROSA, M. C. Corpo e Cultura. In:_____ ISAYAMA, H. F.; WERNECK, C. L. G. Lazer,<br />
Recreação e Educação Física. (Orgs.) Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 115-142.