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Acta Ped - Sociedade Portuguesa de Pediatria

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<strong>Acta</strong> <strong>Ped</strong>iatr Port 2008:39(3):120-1 Ferreira T et al – Varicela e alucinações<br />

Foi internado para vigilância, apenas com medidas sintomáticas,<br />

incluindo hidroxizina (1mg/Kg/dia), sendo suspensa a<br />

aplicação <strong>de</strong> difenidramina.<br />

O hemograma não apresentava alterações, a proteína C reactiva<br />

era <strong>de</strong> 8,8 mg/L e o doseamento <strong>de</strong> tóxicos na urina foi<br />

negativo.<br />

A evolução no internamento foi favorável, estando sempre<br />

apirético, sem outras queixas. O quadro <strong>de</strong> alucinações regrediu<br />

em menos <strong>de</strong> 24 horas. Teve alta clinicamente bem.<br />

Discussão<br />

Perante uma criança com varicela, que inicia subitamente<br />

alterações <strong>de</strong> comportamento, com alucinações visuais e auditivo-verbais,<br />

várias hipóteses diagnósticas foram pensadas.<br />

A encefalite foi inicialmente colocada como diagnóstico diferencial,<br />

mas dado a apresentação clínica não ser típica, sem<br />

sintomas adicionais para além das alterações <strong>de</strong> comportamento,<br />

nomeadamente prostração, sensação <strong>de</strong> doença, vómitos,<br />

cefaleias ou sinais focais, optou-se por uma atitu<strong>de</strong> expectante1,2<br />

. Se não tivesse ocorrido uma rápida melhoria clínica,<br />

para além <strong>de</strong> um exame <strong>de</strong> imagem e uma punção lombar para<br />

excluir uma encefalite da varicela, um electroencefalograma<br />

estaria também clinicamente indicado. Pela apresentação clínica<br />

e porque geralmente ocorre meses após a infecção, o quadro<br />

<strong>de</strong> angiopatia da varicela é improvável, assim como a<br />

encefalomielite aguda disseminada3 . A cerebelite da varicela<br />

não surge habitualmente no terceiro dia <strong>de</strong> evolução e predomina<br />

a ataxia, dismetria e tremor, ausentes nesta criança4 .<br />

Dados os antece<strong>de</strong>ntes familiares psiquiátricos, po<strong>de</strong>ria pensar-se<br />

que estaríamos perante o início <strong>de</strong> um surto psicótico.<br />

No entanto, na maioria dos casos as alucinações visuais são <strong>de</strong><br />

etiologia orgânica5 e, por outro lado, houve remissão rápida<br />

sem terapêutica antipsicótica, pelo que esta hipótese também<br />

foi excluída. Também estão <strong>de</strong>scritas neste grupo etário alucinações<br />

fóbicas benignas da infância, <strong>de</strong> características visuais<br />

e tácteis, associadas a ansieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> predomínio nocturno.<br />

Mas neste caso as crianças ficam assustadas e apresentam um<br />

medo inexplicado, com a sensação <strong>de</strong> terem animais a rastejar<br />

sobre elas. Os sintomas po<strong>de</strong>m persistir 1-3 dias a 1-2<br />

semanas, sendo auto-limitados4,6 .<br />

A intoxicação medicamentosa <strong>de</strong>ve ser pensada perante uma<br />

criança que se apresente com alterações súbitas do estado <strong>de</strong><br />

consciência ou <strong>de</strong> comportamento2 . De facto, no caso relatado,<br />

a rápida regressão do quadro após suspensão da difenidramina,<br />

e a ausência <strong>de</strong> outra sintomatologia, permitiu colocar como<br />

primeira hipótese a intoxicação, apesar <strong>de</strong> não ter sido possível<br />

dosear o nível sérico <strong>de</strong>sta substância. A aplicação cutânea <strong>de</strong><br />

difenidramina quando existe solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> na pele,<br />

através da absorção transdérmica, po<strong>de</strong> resultar em níveis tóxicos<br />

e consequentemente causar um quadro <strong>de</strong> psicose tóxica.<br />

Também está <strong>de</strong>scrito que os sintomas po<strong>de</strong>m aparecer com<br />

doses padrão por mecanismo <strong>de</strong> reacção idiossincrática7,8 .<br />

Existem alguns casos <strong>de</strong> intoxicação após aplicação <strong>de</strong> difenidramina<br />

publicados na literatura, sendo o primeiro relatado<br />

em 1986. Filloux <strong>de</strong>screveu o caso clínico <strong>de</strong> uma criança <strong>de</strong><br />

nove anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> com varicela que aplicara por toda a<br />

superfície corporal uma loção contendo calamina-difenidramina<br />

1%, dado o intenso prurido. A toxicida<strong>de</strong> da difenidramina<br />

resultou numa psicose tóxica. O doseamento sérico<br />

<strong>de</strong>sta substância <strong>de</strong>monstrou níveis tóxicos <strong>de</strong> 1,4 μg/mL,<br />

sendo o nível terapêutico <strong>de</strong> 0,3 μg/mL. Após a suspensão da<br />

aplicação <strong>de</strong> difenidramina houve regressão do quadro clínico,<br />

com normalização dos níveis séricos, tendo alta clinicamente<br />

bem7 .<br />

Outros artigos <strong>de</strong>screvem casos clínicos <strong>de</strong> crianças com varicela<br />

medicados com difenidramina oral e tópica, alertando<br />

para o risco <strong>de</strong>sta associação9 . As crianças apresentam sintomas<br />

comuns da toxicida<strong>de</strong> da difenidramina: pupilas dilatadas,<br />

rubor facial, agitação, confusão, alucinações e por vezes<br />

ataxia e/ou retenção urinária. Após a suspensão <strong>de</strong> difenidramina,<br />

todas as crianças apresentam um status mental normal<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 24 a 36 horas.<br />

Em 1997 a FDA (Food and Drug Administration) publicou<br />

um documento on<strong>de</strong> <strong>de</strong>saconselhava a prescrição <strong>de</strong> difenidramina<br />

tópica em crianças com varicela ou outras doenças<br />

em que houvesse alterações da barreira cutânea, bem como o<br />

uso concomitante <strong>de</strong>sta substância por via oral9 .<br />

Com este caso clínico alertam-se os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

para a potencial toxicida<strong>de</strong> da aplicação tópica <strong>de</strong> difenidramina<br />

nas crianças com varicela, não sendo por isso indicada a<br />

sua prescrição. Perante uma criança com varicela e alucinações<br />

a hipótese <strong>de</strong> intoxicação <strong>de</strong>ve ser pon<strong>de</strong>rada.<br />

Referências<br />

1. Tomlinson G, Helfaer M, Wie<strong>de</strong>rmann B. Diphenhydramine toxicity<br />

mimicking varicella encephalitis. <strong>Ped</strong> Inf Dis J 1987;6:220-1.<br />

2. O’Connell K, Karen MD. A teenager with confusion. <strong>Ped</strong>iatr Case<br />

Rev 2003;3:47-54.<br />

3. Nagel MA, Cohrs RJ, Mahalingam R, Wellish MC, Forghani B,<br />

Schiller A et al. The varicella zoster virus vasculopathies: clinical,<br />

CSF, imaging, and virologic features. 2008;70:853-60.<br />

4. Shah PE, Dalton R, Boris NW. Pervasive <strong>de</strong>velopmental disor<strong>de</strong>rs and<br />

childhood psychosis. In Nelson Textbook of <strong>Ped</strong>iatrics 18th edition.<br />

Kliegman RM, Behrman RE, Jenson HB editors. Saun<strong>de</strong>rs. 2007:133-<br />

8.<br />

5. Hamilton M. Transtornos <strong>de</strong> la percepción. In Psicopatologia clínica<br />

<strong>de</strong> Fish, 2ª edição, Interamericana, 1986;19-42.<br />

6. E<strong>de</strong>lsohn GA. Hallucinations in children and adolescents: consi<strong>de</strong>rations<br />

in the emergency setting. Am J Psychiatry 2006;163:781-5.<br />

7. Filloux F. Toxic encephalopathy caused by topically applied diphenhydramine.<br />

J <strong>Ped</strong>iatr 1986;108:1018-20.<br />

8. Taketomo CK, Hodding JH, Kraus DM. Diphenhydramine. In:<br />

<strong>Ped</strong>iatric Dosage Handbook 10th Edition. Lexi-Comp, Hudson, Ohio<br />

EUA, 2003: 393-4.<br />

9. Food and Drug Administration, HHS, Fed Regist, 1997;62:45767- 73.<br />

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