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Cap. 3 A EDUCAÇÃO EM ESPARTA E EM ATENAS Ramiro ...

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<strong>Cap</strong>. 3 A <strong>EDUCAÇÃO</strong> <strong>EM</strong> <strong>ESPARTA</strong> E <strong>EM</strong> <strong>ATENAS</strong><br />

<strong>Ramiro</strong> Marques<br />

Esparta e Atenas foram duas cidades gregas que<br />

apresentaram soluções distintas para a educação da juventude.<br />

Ambas ancoradas no conceito de cidade-estado, enquanto Esparta<br />

manteve a preferência por um regime militarista despótico, Atenas<br />

evoluía para uma democracia. As concepções educacionais<br />

divergentes, de uma e de outra, serviram esses regimes políticos.<br />

O processo educativo, em Esparta, servia o estado de guerra<br />

permanente em que a cidade-estado vivia. A imposição de uma<br />

disciplina de ferro, a preparação para a guerra, o ideal militarista e a<br />

subordinação do indivíduo ao estado eram preparados, bem cedo,<br />

com a frequência de uma escola autoritária inteiramente controlada<br />

pelo Estado. A criança era propriedade do Estado, o casamento<br />

obrigatório, mas a vida familiar era quase inexistente. Poucos dias<br />

após o nascimento, a criança era examinada por uma conselho de<br />

anciãos que decidiam se ela devia viver ou morrer. As crianças<br />

doentes ou demasiado fracas eram, quase sempre, expostas até<br />

morrerem. As outras eram entregues às mães até aos sete anos de<br />

idade, após o que eram entregues aos cuidados de uma escola oficial<br />

que deveria prepará-los para se tornarem bons soldados. Para os<br />

rapazes, a escola era obrigatória e obedecia a um currículo militar<br />

que se destinava a formar pessoas destemidas e capazes de<br />

dedicarem as suas vidas em defesa da cidade. "Ao ingressar na<br />

escola, o menino recebe uma cama de palha, sem cobertor, e uma<br />

camisola curta. Deve andar descalço. Para acostumar-se a passar<br />

fome em tempo de guerra, só recebe um mínimo de comida. O resto,<br />

ele deve conseguir como pode. Deve, pois, aprender a roubar. É meio<br />

de desenvolver a astúcia. Só que, se for apanhado em flagrante, será<br />

severamente castigado por falta de habilidade. O castigo para<br />

qualquer falta contra a disciplina será a flagelação com o chicote" (1).<br />

Uma vez por ano realizava-se o combate mortal que servia para<br />

desenvolver nos jovens o gosto pela morte violenta. Podia-se matar<br />

qualquer escravo que se encontrasse no caminho. O currículo escolar<br />

era constituído sobretudo por exercícios físicos: salto, natação,<br />

arremesso do disco, caça e luta livre. Nos anos mais adiantados,<br />

havia exercícios militares.<br />

A educação em Atenas era muito diferente da educação<br />

espartana. Em comum, o costume de expor até à morte os recémnascidos<br />

doentes ou deficientes, mas a responsabilidade pela decisão<br />

era dos pais e não do conselho de anciãos. Até aos sete anos de<br />

idade, a criança era entregue aos cuidados de uma ama. A partir dos<br />

sete anos de idade, era entregue a um pedagogo que, em casa, lhe<br />

proporcionava educação moral. A partir do século VI, o pedagogo<br />

começou a levar a criança à escola, onde aprendia ginástica, música,<br />

gramática e oratória. As escolas elementares funcionavam em


pátios, ao ar livre ou nos jardins de casas particulares. A música era<br />

muito apreciada e destinava-se a desenvolver, nos alunos, noção de<br />

harmonia e equilíbrio, tão queridas pela cultura grega, e a saber<br />

apreciar a participação em festivais, concursos e declamações<br />

públicas. Através do ritmo e da harmonia, o menino aprendia a ser<br />

moderado, temperado, continente, harmonioso e equilibrado. A<br />

música tinha uma importante função na educação do carácter das<br />

novas gerações.<br />

Era dada uma grande importância à aprendizagem da escrita. O<br />

aluno começava por copiar as letras individuais, para depois as<br />

combinar em sílabas e, por fim, decorava palavras inteiras. A escrita<br />

era feita em tábuas de barro cozido e o aluno utilizava um estilete<br />

para gravar as letras na camada de cera que cobria as tábuas. A<br />

partir do século IV, também se começou a utilizar as folhas de papiro,<br />

sem dúvida por influência egípcia. O cálculo também não era<br />

descurado, sendo utilizados os dedos e pequenas pedras redondas<br />

para contar e fazer contas. A leitura tinha uma importância<br />

fundamental, uma vez que a religião grega tinha sido fixada pelos<br />

poetas no período arcaico. A leitura era baseada nas obras de<br />

Homero, Hesíodo, Esopo, Tucídides, Focilíades e Sólon. O desenho e a<br />

geometria, embora não tivessem a importância da música, da leitura<br />

ou da gramática, também não foram descurados.<br />

Os professores eram, muitas vezes, escravos cultos e<br />

estrangeiros residentes em Atenas, porque a profissão era pouco<br />

considerada em Atenas. Tome-se em conta que, em Atenas, o<br />

trabalho remunerado era indigno de uma pessoa livre que, regra<br />

geral, vivia das suas propriedades e do trabalho dos seus escravos e<br />

servos. O professor estava ao mesmo nível social do artesão que se<br />

servia das suas capacidades manuais para ganhar a vida, prestando<br />

um serviço ou vendendo um bem. A ginástica era uma das disciplinas<br />

mais apreciadas e consistia na corrida, salto, dança, natação, luta<br />

livre e arremesso do dardo e do disco.<br />

A partir de Péricles (461-429) começam a dar-se grandes<br />

transformações na educação ateniense. A antiga formação estéticomilitar<br />

perde importância e ganha relevo a formação literária e a<br />

retórica. O objectivo principal da educação passa a ser formar<br />

cidadãos capazes de ocuparem altos postos na administração e na<br />

política da cidade, embora continue a dar-se relevo à aprendizagem<br />

da gestão dos negócios pessoais. Tendo em conta o regime<br />

democrático de Atenas, a retórica passa a constituir uma disciplina<br />

fundamental na formação dos políticos que precisavam de ser<br />

eloquentes para persuadirem as assembleias a votarem as suas<br />

propostas. O treino militar reduz-se a um ano e os jovens dos catorze<br />

aos dezoito anos passam a ter uma sólida formação literária, baseada<br />

nas disciplinas de gramática, retórica, literatura e filosofia. Estava,<br />

assim, aberto o caminho para a enorme influência dos sofistas no<br />

ensino superior de Atenas. Estes surgem como resposta ao novo<br />

ideal político, com a correspondente necessidade de formar cidadãos


capazes de exercerem as mais altas magistraturas e tratarem dos<br />

seus negócios pessoais. "Com o aumento do poderio comercial e do<br />

espírito cosmopolita e a subida da nova classe mercantil, aumenta<br />

também o espírito de inquérito e de crítica, bem como o anseio de<br />

repensar toda a tradição herdada do passado. Tudo é objecto de<br />

questionamento: costumes, valores, instituições e modos de pensar.<br />

Afirma-se mesmo que todos eles são irrelevantes, ou ao menos<br />

inoperantes. Pede-se novo processo educativo que se amolde às<br />

novas necessidades de uma sociedade prestes a surgir, de uma<br />

sociedade em que o êxito pertencerá àquele que souber conseguir o<br />

acerto na vida pública. Exige-se um ensino relevante que leve o aluno<br />

ao poder pessoal. A nova forma de educação deve garantir a<br />

vantagem política e o êxito nos assuntos públicos" (2). Os sofistas,<br />

vindos de toda a Grécia e da Ásia Menor, são os melhores garantes<br />

de uma educação utilitária desse tipo. Cultos, hábeis e excelentes<br />

oradores, abrem escolas nas principais cidades gregas, oferecendo os<br />

seus serviços em troca de dinheiro, e assegurando êxito na condução<br />

dos negócios privados e na vida pública. O objectivo da educação<br />

passa a ser desenvolver nos jovens a capacidade de persuasão, a<br />

eloquência e a oratória. A única verdade que interessa é a que<br />

conduz ao êxito e, por isso, o currículo escolar passa a centrar-se nas<br />

disciplinas utilitárias: retórica, gramática, etimologia e sintaxe. A<br />

verdade desinteressada, a bondade e a justiça deixam de ocupar o<br />

lugar central no currículo. Não há normas ou verdades absolutas,<br />

mas apenas verdades particulares, válidas para determinadas<br />

circunstâncias e lugares. O currículo passa a ser eminentemente<br />

prático. Daí a importância concedida à retórica, onde a ênfase recai<br />

na argumentação probabilística, na metáfora, na alegoria, na<br />

ornamentação e na estilística. O ideal educativo de Sócrates e de<br />

Platão começa a ser abandonado. A condenação à morte de Sócrates,<br />

sob a acusação infundada de impiedade e de corrupção do espírito da<br />

juventude, é o prenúncio da vitória da nova concepção educacional<br />

tão querida dos sofistas. O facto de entre os acusadores públicos de<br />

Sócrates estar um famoso retórico e orador é sintomático desta nova<br />

orientação pedagógica.<br />

Notas<br />

1) Giles, Th. (1987). História da Educação. São Paulo: EPU, p. 13<br />

2) Idem, p. 15

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