Silogismos Categ—ricos - CFH
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Lógica I (2013)<br />
Notas de Aula (3)<br />
—<strong>Silogismos</strong> Categóricos—<br />
versão 01<br />
Conteúdo<br />
0.1 Conversa inicial 1<br />
0.2 Inferência silogística 3<br />
0.3 Redução à primeira figura 9<br />
0.4 Testando a validade de outra forma: diagramas de Venn 11<br />
0.5 O problema do conteúdo existencial 14<br />
0.1 Conversa inicial<br />
A primeira sistematização daquilo que ficou conhecido como ’Lógica’ encontra-se na<br />
obra de Aristóteles (384-322 a. C.), em seu Organon (ou Instrumento —para a busca<br />
da verdade) [Aris.2009]. Apesar do feito de Aristóteles em Lógica colocá-lo, segundo<br />
alguns historiadores, entre maiores nomes da lógica de todos os tempos (outros seriam<br />
Gottlob Frege, Kurt Gödel e Alfred Tarski), o que ele fez foi muito pouco se<br />
comparado ao alcance presente dessa disciplina (como vimos nas Notas de Aula (1)—<br />
lembre-se do que é a Lógica (como disciplina) hoje, conforme vimos na Mathematics<br />
Subject Classification). Os escritos do filósofo grego em lógica abarcam essencialmente<br />
o que ficou conhecido como Teoria dos <strong>Silogismos</strong>, que ao que tudo indica ele<br />
achava captava todas as formas relevantes de argumentação. Deste modo, a Lógica<br />
nos proporcionaria o modo de concatenar conceitos e formar juízos de forma a podermos<br />
elaborar argumentos (raciocínios), em especial destacando aqueles que poderiam<br />
ser considerados como válidos. Uma forma particular de tais concatenamentos estaria<br />
nos chamados silogismos categóricos. Neles, as proposições são todas de um formato<br />
particular, ditas proposições categóricas, que têm a seguinte estrutura:<br />
1
(A) [Universais Afirmativas] Todos os S são P — simbolicamente, Asp (cuidado:<br />
alguns textos escrevem Aps, por exemplo, o verbete "Aristotle’s Logic"da Stanford<br />
Encyclopedia usa esta notação).<br />
(I) [Particulares Afirmativas] Algum S é P — simbolicamente, Isp<br />
(E) [Universais Negativas] Nenhum S é P — simbolicamente, Esp<br />
(O) [Particulares Negativas] Algum S não é P — simbolicamente, Osp<br />
As do primeiro tipo (universais afirmativas) são ditas estarem em ’A’, as do segundo<br />
tipo (particulares afirmativas) em ’I’, as do terceiro (universais negativas) em ’E’ e as<br />
do quarto tipo (particulares negativas) estão em ’O’. Em cada uma delas, ’S ’ é o termo<br />
sujeito e ’P’ o termo predicado. 1<br />
Proposições O conceito de proposição é delicado, e já falamos sobre isso. Usamos a<br />
palavra informalmente para designar uma asserção que possa ser intuitivamente considerada<br />
como verdadeira ou como falsa, ainda que também não tenhamos explicado<br />
esses conceitos. Neste sentido, elas se distinguem das sentenças imperativas (como<br />
comandos) e das interrogativas.<br />
A lógica aristotélica, ou silogística, é uma lógica de termos (que podem ser entendidos<br />
como representando objetos do pensamento, ou seja, seriam nomes de entidades ou de<br />
coleções de entidades). Os termos podem ser universais ou gerais, como "cavalo" ou<br />
"inteligente", que se aplicam a vários objetos, ou singulares (individuais), que se aplicam<br />
a objetos individuais, como "Sócrates". Em um silogismo categórico, há sempre<br />
três termos, que designaremos por S , P e M, denominados de termos sujeito, predicado<br />
e médio. Na conclusão, aparecem somente os termos sujeito e predicado. Os sujeitos<br />
podem ser singulares ou universais, mas os predicados devem ser sempre universais<br />
(esta informação ajudará você a resolver um exercício abaixo).<br />
O objetivo é determinar quais formas de inferência, como ’Se todos os animais morrem<br />
um dia e se todos os homens são animais, então todos os homens morrem um dia’, são<br />
certas, ou válidas. A relação entre as proposições A, E, I e O é descrita pelo que de<br />
denomina de quadrado das oposições:<br />
Proposições categóricas contrárias podem ser ambas falsas, mas não ambas verdadeiras.<br />
Por exemplo, (A) "Todos os homens são honestos" e (E) "Nenhum homem é<br />
honesto". Já duas proposições contraditórias são tais que uma delas é a negação da<br />
outra; assim, se uma delas é verdadeira, a outra é falsa e reciprocamente.<br />
Exercício 1 Encontre dois exemplos de cada uma das proposições A, E, I e O.<br />
1. Para facilitar a memorização, é interessante observar que as letras ’A’ e ’I’, correspondentes às<br />
proposições categóricas afirmativas, são as duas primeiras vogais da palavra affirmo, enquanto que ’E’<br />
e ’O’, que correspondem às proposições categóricas negativas, são as vogais da palavra nego.<br />
2
(A)<br />
❅<br />
<br />
❅<br />
❅<br />
<br />
<br />
subalternação<br />
❅ contraditórias ❅<br />
subalternas<br />
❅<br />
<br />
<br />
<br />
❅<br />
❅❅<br />
(I)<br />
contrárias<br />
subcontrárias<br />
(E)<br />
(O)<br />
Figura 1: O quadrado das oposições<br />
Exercício 2 Verifique se as asserções seguintes são ou não proposições categóricas.<br />
Justifique.<br />
1. A pessoa filosofando em minha frente é Sócrates.<br />
2. Nenhum mortal é humano.<br />
Resposta: Na primeira, segundo uma informação dada acima, não teríamos uma proposição<br />
categórica porque o predicado não é um termo universal. Aristóteles chamaria tal<br />
asserção de uma predicação (ato de atribuir um predicado a algo) acidental [Smith.], e<br />
que deveria ser parafraseada para "Sócrates está filosofando em minha frente."<br />
A teoria do silogismo visa obter (inferir) uma conclusão a partir de duas premissas.<br />
Todas devem ser proposições categóricas. Mais detalhes virão aos poucos.<br />
Definição 1 (Silogismo categórico, 1) Um silogismo categórico é um argumento constituído<br />
de três premissas categóricas, duas delas sendo as premissas e a terceira a conclusão.<br />
Para entendermos melhor o que se passa, vamos iniciar analisando os tipos de inferência<br />
que são usuais na Teoria do Silogismo, ou seja, as inferências silogísticas.<br />
0.2 Inferência silogística<br />
Na inferência silogística, uma das operações lícitas é a da conversão. Há basicamente<br />
duas formas de conversão (de uma proposição a outra).<br />
(1) Primeiro, a conversão perfeita (’operada simpliciter’), que mantém o valor verdade<br />
da proposição dada. São as seguintes as conversões perfeitas lícitas:<br />
3
(a) uma simples troca entre os termos S e P, como ‘Algum S é P’ implica ‘Algum<br />
P é S ’ — simbolicamente, Isp → I ps<br />
(b) ‘Nenhum S é P’ implica ‘Nenhum P é S ’ — simbolicamente, Esp → Eps<br />
(c) se é falso que nenhum S seja P, então é falso que nenhum P seja S — ¬Esp →<br />
¬Eps (onde ¬ é nosso símbolo de negação).<br />
(d) se é falso que algum S seja P, então é falso que algum P seja S — simbolicamente,<br />
¬Isp → ¬I ps.<br />
Conversões perfeitas:<br />
(1) Isp → I ps<br />
(2) Esp → Eps<br />
(3) ¬Esp → ¬Eps<br />
(4) ¬Isp → ¬I ps<br />
(2) O segundo tipo de conversão, dito conversão imperfeita (per accidens) é o que<br />
conserva o valor verdadeiro, mas não necessariamente o falso, somente sendo legítima<br />
para as proposições universais (afirmativas e negativas), Assim, temos sa conversões<br />
imperfeitas seguintes:<br />
(a) aquela que leva de uma proposição em ‘A’ a uma em ‘I’: de ’Todo S é P’,<br />
chegamos a ‘Algum P é ‘S ’, mas não conversamente (repare que os termos sujeito<br />
e predicado foram trocados, e que há a necessidade de haver pelo menos um objeto<br />
que seja um S ). Simbolicamente, Asp → I ps. Por exemplo, de ’Todos os homens<br />
são mortais’ derivamos ’Algum mortal é homem’.<br />
(b) aquela que leva de uma proposição em ‘E’ a uma em ‘O’: de ‘Nenhum S é P<br />
para ‘Algum P não é S ’. Simbolicamente, Esp → Ops.<br />
Conversões imperfeitas:<br />
(1) Asp → I ps<br />
(2) Esp → Ops<br />
Exercício 3 Justifique: entre as proposições subalternas, as universais implicam as<br />
particulares, mas não reciprocamente.<br />
Exercício 4 Tendo em vista as conversões acima, mostre que valem também as seguintes<br />
conversões: Asp → Isp e que Esp → Osp.<br />
Essas transformações não se aplicam para proposições em ’O’; com elas, o máximo<br />
que podemos fazer é o que se denomina de conversão por negação (ou por contraposição):<br />
de ’Algum S não é P’, que reescrevemos como ’Algum S é não-P’, chegamos<br />
a ’Algum não-P é S ’, e a não mais do que isso. Por exemplo, de ’Algum homem não<br />
é mortal’ chegamos a ’Algum imortal (não-mortal) é homem’.<br />
4
Além dessas inferências, cabe ainda salientar que de uma proposição universal afirmativa<br />
(em ’A’), como ’Todo homem é mortal’, podemos derivar ’Sócrates é mortal’;<br />
trata-se de uma aplicação do princípio aristotélico dictum de omni et nullo, como diziam<br />
os medievais: o que é predicado de qualquer todo é predicado de qualquer parte<br />
deste todo [Kneale&.1980, p.81]. Isso vale tanto para proposições afirmativas quanto<br />
para negativas.<br />
Exercício 5 Podemos fazer as seguintes inferências? Justifique:<br />
1. Obter "Alguns mortais são cachorros"de "Alguns cachorros são mortais".<br />
2. "Nenhum ser voador é um anjo"de "Nenhum anjo é um ser voador".<br />
3. "Alguns bêbados são divertidos"de "Todos os bêbados são divertidos".<br />
Os três termos Para as demais inferências, é preciso notar que, em um silogismo<br />
categórico, as três proposições que nele figuram ligam três termos, ditos termo maior<br />
(P), termo médio (M) e termo menor (S ). A conclusão (a terceira proposição) contém<br />
os termos maior e menor (na terminologia que se usa hoje, S designa o sujeito<br />
e P o predicado); o seu termo predicado é o termo maior e o seu termo sujeito é o<br />
termo menor. O termo médio aparece unicamente nas premissas, e em ambas deve ter<br />
o mesmo conteúdo, ou compreensão e deve haver pelo menos um objeto que comprove<br />
este conceito. Uma das premissas, a premissa principal, contém o termo médio<br />
e o termo maior, a premissa menor contém o termo médio e o termo menor. Os aristotélicos<br />
representaram todas as formas válidas de silogismos por meio de quatro figuras<br />
(Aristóteles havia considerado apenas três figuras — veja o verbete Aristotle’s Logic<br />
na Stanford Encyclopedia (SEP), [Smith.]), 2 como na figura 2, onde são apresentadas<br />
somente as duas premissas.<br />
Resumo<br />
Premissa maior: termos M e P<br />
Premissa menos: termos M e S<br />
Conclusão: termos S e P<br />
Nota-se que, como salientou Aristóteles, em todo silogismo devemos ter sempre uma<br />
premissa universal, e pelo menos uma delas deve ser afirmativa. Dentre as 64 possibilidades<br />
(4 3 ), os medievais usavam versos em latim para memorizar as 24 formas válidas<br />
de inferência dadas por cada figura. As 19 primeiras são: 3<br />
Barbara, Celarent, primae Darii, Ferio que.<br />
Cesare, Camestres, Festino, Baroco, secundae.<br />
2. Há uma tradução deste verbete, publicada na revista Kinesis, mas infelizmente a terceira figura tem<br />
um erro, conforme se pode constatar no artigo original na SEP.<br />
3. Cf. Dopp 1970, pp. 143-144.<br />
5
M P<br />
❅<br />
❅<br />
❅<br />
❅❅<br />
S M<br />
P M<br />
S M<br />
M S<br />
M P<br />
P M<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
M S<br />
Figura 2: As quatro figuras, onde são representadas apenas as premissas.<br />
Tertia grande sonans recitat Darapti, Felapton, Disamis, Datisi, Bocardo,<br />
Ferison.<br />
Quartae sunt Bamalip, Calemes, Ditamis, Fesapo, Fresison.<br />
A nessas deve-se acrescentar ainda Barbari e Celaront à figura 1, Cesarop e Camestrop<br />
à figura 2, e Camelop à figura 4. Importante notar que muitas dessas formas<br />
somente são válidas se admitirmos que sempre há pelo menos um objeto que comprove<br />
os conceitos.<br />
Exercício 6 Justifique que, se não admitirmos que há pelo menos um objeto que comprove<br />
os conceitos envolvidos, então Barbari, Celaront, Cesarop, Camestrop, Darapti,<br />
Felapton, Bamalip, Fesapo e Camelop deixam de ser válidos.<br />
Para entender como isso funciona, deve-se atentar para as vogais, que indicam as proposições<br />
categorias que figuram em cada silogismo. Por exemplo, em um silogismo<br />
em Festino, as proposições que nele figuram são E, I e O, dispostas como mostra a<br />
segunda figura acima. Algumas das consoantes têm papel relevante na redução dos silogismos<br />
aos da primeira figura, como veremos abaixo. Tomemos um exemplo de um<br />
silogismo em Festino:<br />
Nenhum super-herói é covarde.<br />
Algumas pessoas são covardes.<br />
Logo, algumas pessoas não são super-heróis,<br />
o termo maior é ’pessoas’, o menor é ’super-herói’ e o médio (que figura em ambas<br />
a as premissas mas não na conclusão, distribuído conforma ilustra a figura 2 acima) é<br />
’covarde’.<br />
Exercício 7 Dê exemplos de cada uma das formas de silogismo descritas pelos versos<br />
acima.<br />
6
Saliente-se que a teoria de Aristóteles não trata de inferências particulares, mas da<br />
estrutura de certos tipos de inferência (os silogismos), que se pensava à época captavam<br />
as formas válidas de raciocínio, e um dos fatores mais importantes para que isso<br />
pudesse ser feito foi o uso de variáveis, ou seja, letras (como ’S ’ e ’P’) que denotam<br />
objetos arbitrários de uma certa coleção de entidades (supostamente existentes).<br />
Assim, o silogismo exemplificado acima é um caso particular da forma geral<br />
Nenhum P é M.<br />
Alguns S são M.<br />
Logo, alguns S não são P,<br />
e se pode substituir S , P e M por outros termos, obtendo-se assim outras formas válidas<br />
de inferência (por exemplo, substitua P, M e S respectivamente por ’cavalo’, ’ser com<br />
penas’ e ’animais terrestres’).<br />
Não obstante genial sob certo ponto de vista, a silogística categórica aristotélica apresenta<br />
limitações. Uma delas é que trata unicamente de inferências contendo duas premissas,<br />
apenas três termos geais e todas as proposições envolvidas devem ser da forma<br />
A, E, I ou O. No entanto, é patente que as formas usuais de inferência exigem muito<br />
mais do que isso. Por exemplo, tomemos o seguinte raciocínio, que não pode ser captado<br />
por qualquer silogismo categórico:<br />
"Todo comerciante deve pagar seus impostos, e nenhum homem honesto<br />
gosta de pagar propinas a maus fiscais. Mas, se todo aquele que deve pagar<br />
impostos é honesto, então nenhum comerciante gosta de pagar propinas a<br />
maus fiscais”.<br />
Uma outra limitação da silogística aristotélica é devida ao fato de que ela não é adequada<br />
para grande parte das formas de inferência que se faz em matemática, em particular<br />
aquelas que envolvem não unicamente fatos acerca de se certos objetos têm ou<br />
não uma determinada propriedade, mas que encerrem relações entre eles. Por exemplo,<br />
o simples raciocínio válido "Se A é maior do que B e se B é maior do que C,<br />
então A é maior do que C", não é captado por qualquer das formas válidas de silogismo.<br />
Este ponto, percebido por exemplo por Leibniz, foi preponderante para uma<br />
maior aproximação da lógica com a matemática. Finalmente, a silogística aristotélica<br />
lida unicamente com termos que designam objetos supostamente existentes; se usarmos<br />
a teoria de silogismos sem obedecer a esta restrição, somos levados a situações<br />
paradoxais, como a seguinte, tirada de um silogismo válido (em Fesapo):<br />
Nenhum animal com um só chifre na testa é um unicórnio.<br />
Todos os unicórnios são animais com chifres.<br />
Portanto, alguns animais com chifres não são animais com um só chifre<br />
na testa.<br />
7
Se admitirmos que as premissas são verdadeiras, então a conclusão teria que ser verdadeira<br />
devido à validade do silogismo. Mas a conclusão parece estar em conflito com<br />
o fato de um argumento em Fesapo ser válido. O problema está em que a veracidade<br />
da premissa principal (a primeira) é alcançada na suposição de que não existam unicórnios,<br />
pois se eles não existem, então nenhum animal (em particular os que tenham<br />
chifres) pode ser um unicórnio. Ou seja, a silogística aristotélica só funciona para<br />
coisas ’reais’ como atletas, cavalos ou gaviões, mas dá problemas quando aplicada a<br />
coisas inexistentes, como unicórnios. 4<br />
Se um dado silogismo de uma certa figura é ou não válido só pode ser conhecido por<br />
inspeção. Por outro lado, das quatro figuras, levando em conta que há quatro tipos de<br />
proposições categóricas, concluímos que há 256 silogismos possíveis. Para eliminar<br />
os que não são válidos, há alguma regras básicas, que os reduzem para 24 formas<br />
válidas; dessas 24, cinco podem ser eliminados porque de certo modo estão implícitos<br />
em outras; por exemplo, sabemos que uma proposição em ’A’ implica uma em ’I’.<br />
Assim, um silogismo AAI (as premissas sendo em ’A’ e a conclusão em ’I’), de certa<br />
forma já se encontra em Barbara, e não precisa ser considerado. As regras são as<br />
seguintes ([Kneeb.1063, p.17]): 5<br />
R1. Todo silogismo tem unicamente três termos.<br />
R2. Todo silogismo tem apenas três proposições.<br />
R3. O termo médio deve estar distribuído pelo menos uma vez. Um termo dizse<br />
distribuído em uma proposição se é afirmado ou negado universalmente nessa<br />
proposição. Ou seja, para que o termo médio diga respeito ao mesmo objeto nas<br />
duas premissas, em ao menos uma delas ele deve ser tomado universalmente. 6<br />
R4. Nenhum termo pode estar distribuído na conclusão se não estiver distribuído<br />
em pelo menos uma das premissas.<br />
R5. De duas premissas negativas nada pode ser concluído.<br />
R6. Se uma das premissas é negativa, a conclusão é negativa. Se a conclusão é<br />
negativa, uma das premissas é negativa.<br />
R7. De duas premissas particulares, nada pode ser concluído.<br />
R8. Se uma das premissas é particular, a conclusão é particular.<br />
Exercício 8 Justifique a afirmativa feita acima: "Um silogismo Barbari (as premissas<br />
sendo em ’A’ e a conclusão em ’I’), de certa forma já se encontra em Barbara, e<br />
não precisa ser considerado."Ache ‘onde já estão cada um dos seguintes’: Celaront,<br />
Cesarop, Camestres e Camelop.<br />
4. O exemplo é retirado de [Dev.1997, p. 44].<br />
5. Para um estudo detalhado da silogística aristotélica, ver [Luk.], [Kneale&.1980].<br />
6. Caso contrário, teríamos por exemplo as premissas "Algum M é P" e "Algum S é M,"que podem ser<br />
ambas verdadeiras com distintos objetos M.<br />
8
0.3 Redução à primeira figura<br />
Um dos feitos mais relevantes de Aristóteles no que se refere à lógica foi ter mostrado<br />
de que forma os silogismos podem ser ’reduzidos’ uns aos outros, de modo que bastam<br />
apenas poucos deles para sustentar todas outras formas de argumentação silogística.<br />
Ele mostrou que há várias possibilidades de se realizar essa redução. Aqui, esboçaremos<br />
como os silogismos das figuras 2, 3 e 4 podem ser reduzidos aos da primeira,<br />
ou seja, transformados em um silogismo equivalente da primeira figura. Na verdade,<br />
como mostrou Aristóteles, bastam os silogismos em Barbara e Darii, mas aqui, por<br />
facilidade, ficaremos com os quatro da primeira figura. 7 Isso funciona, resumidamente,<br />
do seguinte modo (seguiremos mais uma vez [Kneeb.1063, pp. 18ss]).<br />
Deve-se levar em conta os processos de conversão vistos acima, e atentar para as seguintes<br />
regras, dadas em função dos nomes dos silogismos mostrados nos versos anteriormente<br />
exibidos:<br />
(i) No nome de cada silogismo, a primeira letra indica para qual silogismo da primeira<br />
figura ele será reduzido (o de mesma letra inicial).<br />
(ii) A letra s indica uma conversão perfeita da proposição denotada pela vogal precedente.<br />
(iii) A letra p indica uma conversão imperfeita (por limitação) da proposição denotada<br />
pela vogal precedente.<br />
(iiv) A letra m (de mutare) indica uma permutação das duas premissas.<br />
Vamos ilustrar com alguns casos. Por exemplo, um silogismo em Cesare, da forma (E)<br />
’Nenhum P é M’, (A) ’Todos os S são M’ / (E) ’Nenhum S é P’, reduz-se a Celarent<br />
(de acordo com (i) acima) do seguinte modo: primeiro, a letra s indica que devemos<br />
converter de modo simples a proposição E, obtendo ’Nenhum M é P’. Esta premissa,<br />
junto com a segunda original e a conclusão, dão um silogismo em Celarent. Assim,<br />
obtivemos um silogismo da primeira figura cuja conclusão é derivada de premissas<br />
equivalentes.<br />
Mais um exemplo: veremos como Felapton (por exemplo, (E) ’Nenhum M é P’, (A)<br />
’Todo M é S ’ / (O) ’Algum S não é P’) se reduz a Ferio. Primeiro, a letra p indica que<br />
devemos converter por limitação (per accidens) a premissa em A, obtendo ’Algum S<br />
é M’; então, ficamos com o silogismo (E) ’Nenhum M é P’, (I) ’Algum S é M’ / (O)<br />
’Algum S não é P’, que é um caso de Ferio.<br />
Os únicos silogismos que não podem ser reduzidos seguindo-se as regras acima são<br />
Baroco e Bocardo, devido à presença de uma proposição em ’O’, que não pode ser<br />
convertida das formas acima. Para reduzí-los, usa-se o método indireto ou reductio<br />
ad impossible, que pode também ser aplicado a outras formas de silogismo). 8 Este<br />
7. O leitor curioso pode alternativamente ver o capítulo 12 de [?], [Dopp.1970, p. 147].<br />
8. Ver Kneale & Kneale op. cit., p. 80.<br />
9
método, resumidamente, é o seguinte: iniciamos tomando como uma nova premissa a<br />
negação da conclusão original. (Repare abaixo que a posição do c diz qual premissa<br />
será tomada como contraditória da conclusão.) Depois, combinando esta nova premissa<br />
com a antiga premissa maior, chegamos a um silogismo da primeira figura (nos<br />
dois casos, a Barbara). Aplicando-o, obtemos uma conclusão que é incompatível com<br />
a premissa menor original. Assim, a hipótese de que a conclusão original é falsa leva<br />
a uma impossibilidade, o que nos obriga a aceitá-lo. Este procedimento está de acordo<br />
com o seguinte teorema do cálculo proposicional clássico, conforme veremos à frente:<br />
((p ∧ q) → r) → ((p ∧ ¬r) → ¬q), e ao método de redução ao absurdo, usado por<br />
exemplo por Euclides.<br />
Vamos exemplificar este método com a redução de Bocardo a Barbara. O que temos<br />
de saída é algo do tipo (O) ’Algum M não é P’, (A) ’Todo M é S ’ / (O) ’Algum<br />
S não é P’. Formamos então um novo silogismo cuja premissa maior é a negação<br />
(contraditória) da conclusão, ou seja, (A) ’Todo S é P’. A premissa menor é a premissa<br />
menor do argumento original, ou seja, (A) ’Todo M é S ’. Aplicando Barbara obtemos<br />
’Todo M é P’. Ora, isso contraria a premissa maior do silogismo original, o que nos<br />
indica que negar a sua conclusão é incorrer em uma falsidade. Portanto, o argumento<br />
é válido.<br />
Aristóteles apresentou ainda uma ’silogística modal’, da qual não falaremos aqui. A<br />
lógica aristotélica, que incorpora não só o que fez Aristóteles, mas também seus seguidores<br />
(que, por exemplo, incorporam a quarta figura), permaneceu praticamente<br />
inalterada até meados do século XIX. O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) chegou<br />
a comentar, no Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura, que a lógica, desde<br />
Aristóteles, não havia dado nenhum passo avante e nenhum para trás, permanecendo,<br />
”ao que tudo indica, completa e acabada”. Quão equivocada foi a opinião de Kant, em<br />
achar que a lógica de então seria algo completo e acabado, é tema que abordaremos<br />
daqui para frente.<br />
O curioso sobre a lógica aristotélica é que, como dito, não obstante Aristóteles ser<br />
considerado o ’pai’ da lógica, não há menção a ele ou à sua silogística nos trabalhos<br />
de matemáticos como Arquimedes ou Euclides, ou de importantes matemáticos<br />
posteriores. 9 Essa é uma questão interessante que deixamos para ser respondida pelos<br />
historiadores: por que esses matemáticos não citam Aristóteles? Teriam eles ignorado<br />
a silogística aristotélica? Por que a lógica (no sentido do estudo de inferências dedutivas)<br />
e a matemática andaram em linhas paralelas até praticamente a época de Leibniz?<br />
9. Não obstante, o grande geômetra italiano Federigo Enriques sustenta que o verdadeiro ’criador’ da<br />
lógica teria sido Zenão de Eléia, e não Aristóteles, pelo fato de ter chegado ao método de redução ao<br />
absurdo, que implica na ’construção’ de figuras impossíveis em geometria. As demonstrações diretas,<br />
por seu turno, nunca ’torcem’ as figuras. Enriques sublinha que assim nasceu a lógica, quando a ’forma’<br />
tornou-se independente da ’matéria’.<br />
10
0.4 Testando a validade de outra forma: diagramas de Venn<br />
No capítulo 6 do livro de Copi [Copi.1983], expõe-se a teoria dos silogismos. No<br />
parágrafo 3, há uma apresentação bastante boa da técnica que utiliza os diagramas de<br />
Venn, introduzidas por John Venn no final do século XIX.<br />
O método usa círculos que se interceptam para representar os termos envolvidos. Vamos<br />
ver como ele funciona considerando as proposições categóricas.Na figura 3, hachureamos<br />
a área daqueles objetos de S que não estão em P. Isso significa que tais<br />
objetos não devem ser considerados; portanto, áreas hachureadas significam que não<br />
há objetos presentes. Portanto, a figura 3 representa uma proposição categórica em<br />
(A).<br />
Figura 3: "Todos os S são P". A área escura foi eliminada, de modo que restaram em<br />
S somente aqueles elementos que também são P.<br />
Para representarmos uma proposição em (E), hachureamos a interseção dos dois círculos,<br />
eliminando assim os elementos em comum. Portanto, o diagrama da figura 4<br />
representa tanto "Nenhum S é P" quanto "Nenhum P é S ".<br />
Para indicarmos "Algum S é P", simplesmente colocamos uma cruz na área comum.<br />
Claramente, isso também representa "Algum P é S ", conforme a figura 5.<br />
Finalmente, para dizer que "Algum A não é P", colocamos uma cruz na região de S<br />
que não pertence a P. Veja que se quiséssemos representar "Algum P não é S ", a cruz<br />
deveria estar na região de P que não está em S . Veja a figura 6.<br />
Mas os silogismos envolvem três termos, portanto, precisamos de três círculos como os<br />
da figura 7. A partir daí, representamos em um tal diagrama as premissas e analisamos<br />
a conclusão. Vamos ver alguns casos antes de vermos o que devemos fazer com tais<br />
representações. No início, você fará vários desenhos até se acostumar com o método,<br />
mas com a prática ele se automatiza.<br />
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Figura 4: "Nenhum S é P", "Nenhum P é S ". Novamente: a área escura foi eliminada.<br />
Figura 5: "Algum S é P", "Algum P é S ".<br />
Exemplo 1 Comecemos com o silogismo inválido seguinte:<br />
P1 - Todos os morcegos (P) são animais voadores (M).<br />
P2 - Todos os canários (S ) são animais voadores (M).<br />
C - Todos os canários (S ) são morcegos (P).<br />
Note que S = canários, P = cães e M = animais voadores.<br />
No entanto, a conclusão deveria ser tal que a interseção das duas áreas hachueradas<br />
(indicada na figura 10) deveria estar em branco, e não colorida. Com efeito, não poderíamos<br />
ter eliminado (lembre que colorir significa eliminar) parte dos canários que são<br />
morcegos. Como não é, o argumento não é válido.<br />
Mais um exemplo. Considere o seguinte argumento:<br />
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Figura 6: "Algum S não é P".<br />
Figura 7: Diagrama de Venn para um silogismo. Usam-se três círculos que se interceptam.<br />
Exemplo 2 P1 - Todos os retângulos têm quatro lados.<br />
P2 - Todos os quadrados são retângulos.<br />
C - Portanto, alguns quadrados têm quatro lados.<br />
O diagrama da primeira premissa é dado pela figura 11, o da premissa 2 pela figura 12.<br />
As duas premissas juntas dão a figura 13.<br />
Ora, podemos colocar uma cruz atestando a conclusão em uma área não eliminada,<br />
como indica a figura 14. Portanto, o argumento é válido.<br />
Agora é com você. Os livros indicados têm muitos exemplos.<br />
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Figura 8: Diagrama premissa P1 do exemplo 1.<br />
Figura 9: Diagrama premissa P2 do exemplo 1.<br />
Exercício 9 Utilize diagramas de Venn para verificar a validade de cada um dos seguintes<br />
argumentos. Justifique suas respostas.<br />
1. Todos os M são P. Nenhum M é S . Portanto, algum S não é P.<br />
2. Nenhum M é P. Todos os M são S . Portanto, algum S não é P.<br />
3. Nenhum M é P. Todos os S são M. Portanto, algum S não é P.<br />
4. Nenhum M é P. Nenhum M é S . Portanto, algum S não é P.<br />
0.5 O problema do conteúdo existencial<br />
Uma proposição tem "conteúdo existencial" quando afirma a existência de objetos<br />
de algum tipo. Por exemplo, "Há garrafas naquele bar". Em grande parte dos casos,<br />
pode-se atestar a veracidade de uma tal proposição por inspeção, por exemplo indo-se<br />
ao referido bar, uma vez que temos mais ou menos claro o que significa "existirem<br />
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Figura 10: Exemplo 1: superposição das premissas 1 e 2. O "x"mostra a possibilidade<br />
de haver um canário que não é morcego em uma área que não foi eliminada.<br />
Figura 11: Diagrama premissa P1 do exemplo 2.<br />
garrafas". Mas, na maioria dos casos, não há como fazer isso, como em "Há infinitos<br />
números primos" (teorema demonstrado por Euclides de Alexandria na antiguidade<br />
grega) ou "Há duendes verdes em meu jardim". Na verdade, o que está por trás disso<br />
é a questão de se saber o que significa "existir". O problema é complexo, e não tem<br />
resposta fácil, tendo sido discutido amplamente na literatura filosófica.<br />
Já na antiguidade grega, Parmênides colocada questões sobre a existência, mas não<br />
adentraremos nesta questão aqui (para ver algo sobre o assunto, consulte o capítulo<br />
inicial de [Kra.2013]).<br />
Mesmo na ciência presente, há afirmações sobre certas entidades cuja "existência" é<br />
vaga, como certas entidades supostas pelas teorias físicas. O físico não está muito preocupado<br />
com isso, pois essas questões ontológicas não lhe dizem muito respeito. Em<br />
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Figura 12: Diagrama premissa P2 do exemplo 2.<br />
Figura 13: Diagrama das duas premissas do exemplo 2.<br />
matemática, usualmente se aceita que uma certa entidade existe se a sua não existência<br />
levar a uma contradição, mesmo que não possamos exibí-la ou nomeá-la. É assim que<br />
normalmente o matemático prova que "Existe uma entidade assim e assim": sua não<br />
existência levaria a uma contradição.<br />
No caso das proposições categóricas, dissemos que os termos devem denotar, que não<br />
podem ser "vazios". Quando adentrarmos à quantificação, poderemos justificar este<br />
fato.<br />
Referências<br />
[Aris.2009] [Referência básica] Aristóteles, Organon. Edipro, 2009. (Há várias versões disponíveis<br />
na web).<br />
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Figura 14: Comprovando a conclusão do exemplo 2.<br />
[Smith.] [Verbete excelente] Smith, R. "Aristotle’s Logic", Stanford Encyclopedia of Philosophy,<br />
http:\plato.stanford.edu. Tradução na revista Kinesis, mas há alguns erros<br />
de digitação, como comentado no texto.<br />
[Kneale&.1980] [História da Lógica] Kneale, W. e Kneale, M. [1980], O Desenvolvimento da<br />
Lógica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian.<br />
[Copi.1983] [Argumentação, falácias, lógica] Copi, I. M., Introdução à Lógica 2a. ed., S.<br />
Paulo: Mestre Jou<br />
[Copi,2008] [Copi, edição melhorada] Copi, I. M. and Cohen, C., Introduction to Logic. 8th.<br />
ed., New York: Macmillan.<br />
[Dopp.1970] Dopp, J., Noções de Lógica Formal. S, Paulo: Herder, 1970.<br />
[Kneeb.1063] [Fundamentos da Matemática] Kneebone, G. T., Mathematical Logic and the<br />
Foundations of Mathematics. Van Nostrand, 1963.<br />
[Luk.] [Estudo da silogística aristotélica] Łukasiewicz<br />
[Dev.1997] [Excelente livro sobre aspectos atuais da lógica] Devlin, K., Goodbye, Descartes:<br />
The End of Logic and the Search for a New Cosmology of the Mind. John Wiley, 1997.<br />
[Kra.2013] Krause, D., Tópicos em Ontologia Analítica. A aparecer pela Livraria Ciência Moderna.<br />
[Sin-Arm.2010] Sinnott-Armstrong, W. and Fogelin, R., Understanding Arguments: An Introduction<br />
to Informal Logic. 8th. ed., Wadsworth, 2010.<br />
[Heg.2012] Hegenberg, L., Lógica. Forense Universitária, 2012.<br />
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