Terceirização da Cultura para as OS já consome - Adusp

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Revista Adusp Outubro 2011 in t e r v e n ç ã o de al c k m i n n o me m o r i a l da al f o i “desastrada”, diz ca r lo s gU i l h e r m e mo ta Professor Carlos Guilherme O professor emérito Carlos Guilherme Mota, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), perdeu o respeito pelo governador Geraldo Alckmin. A gota d’água que desbordou a paciência do historiador foi a intervenção “desastrada” do tucano na direção da Fundação Memorial da América Latina. Em agosto, o Palácio dos Bandeirantes pediu a cabeça de Fernando Leça, que estava à frente da instituição havia seis Tadeu Breda Jornalista anos. Em seu lugar, assumiu Antônio Carlos Pannunzio, ex-deputado estadual que ficou sem mandato após as eleições de 2010. A mudança constrangeu alguns intelectuais ligados ao Memorial, como Mota, por dois motivos. Primeiro, porque avaliam que Leça vinha realizando um bom trabalho. Segundo, porque seu mandato ainda não havia terminado: duraria até 2013. Na entrevista abaixo, o professor também se diz incomodado pelo in- Daniel Garcia disfarçável caráter “politiqueiro” da nomeação. Procurados pela Revista Adusp, nem Pannunzio nem Leça quiseram comentar o troca-troca de cargos: o ex-presidente decidiu tirar férias no exterior, e o novo ainda está delineando os objetivos de sua gestão. Enquanto isso, Mota está preocupado. “Não sei para onde vai o Memorial”. O que fez com que o Sr. se colocasse contra a mudança de direção na Fundação Memorial da Améri- 93
Outubro 2011 Revista Adusp ca Latina? O governador tem sido infeliz em suas ações no plano cultural. Ele tem o poder de mudar diretores e presidentes de órgãos da administração, mas não desse modo desastrado, atendendo a interesses de grupetos partidários. Incomodame o fato de ter escolhido gente de baixo nível cultural para postos que, por definição, requerem formação e excelência, estudos e conhecimento. No caso do Memorial da América Latina, que ajudei a definir em seu início, a pedido de Darcy Ribeiro e Antonio Candido, contamos com a participação de Octávio Ianni, Aracy Amaral, Alfredo Bosi e Amayo-Zevallos, entre outros especialistas que auxiliaram em sua conceituação. Ora, o Memorial viveu uns poucos momentos bons — com Fabio Magalhães, por exemplo — e outros de decadência gritante. Agora, com Fernando Leça, vinha entrando numa fase muito produtiva e crítica. Leça é ligado à cultura, foi secretário da Cultura, deu apoio à Fapesp quando deputado, enfim, é um homem respeitado pela comunidade letrada, com visão cosmopolita e densa. Além disso, tinha um mandato a cumprir, que foi desconsiderado pelo governador. Inacreditável que o “democrata” Geraldo Alckmin tenha feito isso. Perdi-lhe o respeito. Quanto a Panunzzio, trata-se de político de pouco sucesso, de perdidas eleições e parcas leituras, sem uma visão de mundo e da problemática América Latina em suas complexas dimensões político-culturais. Não sei para onde vai o Memorial. Espero que o 94 novo interventor ao menos mantenha o que Leça construiu. Aliás, o problema não se resume a ele, pois inclui o secretário da Cultura, Andrea Matarazzo, e suas pretensões absurdas para nosso Estado. Antes do Memorial, pelo menos duas instituições públicas geridas por Organizações Sociais sofreram intervenção direta do governo: Museu da Imagem e do Som e Museu Afro Brasil. Como interpreta essas atitudes do governo? Essas intervenções são desastradas, feitas sem critério e sem consultas à comunidade universitária, que tem formado quadros de excelência aqui e no Exterior. Faça-se um levantamento de pesquisadores em nossas três principais universidades — e mais algumas poucas outras particulares — e veremos que há gente de alto nível a quem esse governo politiqueiro não dá voz nem vez neste Estado. O que motivou o governo de São Paulo a instituir o sistema de Organizações Sociais (OS) para administrar os equipamentos públicos de cultura? Está claro que teríamos exemplos melhores a seguir, como o do Sesc e o do Senac. Tenho muitas dúvidas sobre o papel de certas Organizações Sociais... e de muitas ongs. O que me assusta mesmo é a incultura de nossos políticos, e a falta de visão de nosso governador nesse campo. Aliás, tanto tucanos quanto petistas andam devendo um projeto de nação para este país, o que é um tema fundamentalmente cultural. Chafurdamos na sociedade do espetáculo, da violência, do capitalismo sen- zaleiro e da cultura do marketing. Que cultura é essa? Quem somos nós e valemos enquanto povo? Acho que perdemos o sentido histórico que vinha sendo delineado desde as Diretas-Já até a Constituinte. Enredamo-nos logo no tal modelo autocrático-burguês denunciado pelo professor Florestan Fernandes, agora com o molho do subperonismo lulista, nada moderno. Enfim, como disse Mandela na prisão, o momento é de estudo, de leituras, de críticas, para sairmos desse lodaçal neoliberal e desse pseudomarxismo populista que “melou” as visões críticas que floresciam até a chegada dos dois últimos presidentes ao poder. Em perspectiva, como avalia as gestões da Secretaria da Cultura desde o governo de Mário Covas até hoje em dia? De modo geral, foram gestões medíocres, com poucas iniciativas úteis, como o Arquivo do Estado, a Sala São Paulo, a reforma da Pinacoteca ou o Museu Afro-Brasil. Mas, de fato, não houve uma continuidade de políticas administrativoculturais que jogassem o Estado de São Paulo num patamar mais alto no cenário nacional e internacional. A Rádio Cultura vai bem, mas veja a TV Cultura, que pobreza, que falta de inspiração. A Universidade, a USP em particular, ainda vai jogar um papel importante na atualização de nossa cultura. Nosso inimigo é a mediocridade, tanto dos ditos “democrata-liberais” como das esquerdas. Mas para isso precisamos despertar as congregações, os conselhos departamentais, as associações, atualizando-as.
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