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CRÔNICA DE TEMPOS AMARGOS - Adusp

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Outubro 2004LUIZ HIL<strong>DE</strong>BRANDODO NAVIO-PRISÃOÀ PESQUISA NOINSTITUTO PASTEURMilitante do Partido ComunistaBrasileiro (PCB) desde o tempo deestudante da Faculdade de Medicina(1947-53), já em 1951 LuizHildebrando Pereira da Silva foiexpulso do Exército por suposta“incapacidade moral para o oficialato”,segundo decisão do comandanteda 2 ª Região Militar.Formado, em 1953 seguiu paraa Paraíba com o professor SamuelPessoa Barnsley, também comunista,onde foi trabalhar na recémcriadaFaculdade de Medicina. Em1957, a convite de Pessoa, Hildebrandotorna-se seu assistente naFaculdade de Medicina da USP.Três anos depois, defendendo umatese sobre toxoplasmose, preparasua livre-docência em Parasitolo-Revista <strong>Adusp</strong>USP/CCS/DVIDSON/Argus DocumentaçãoProfessor HildebrandoPRISÃO, TORTURA, PROCESSO POR ABANDONO <strong>DE</strong>CARGO... PUNIÇÕES PARA DOIS PROFESSORES EXILADOSMarina GonzalezJornalistaEm fevereiro de 1975, José FranciscoQuirino dos Santos e Célia NunesGalvão Quirino dos Santos, hojeprofessores aposentados da Faculdadede Filosofia, Letras e CiênciasHumanas da USP, ficaram dez diaspresos no Dops. Em setembro domesmo ano, foram presos pelo DOI-Codi. Desta vez, além dos interrogatórios,sofreram ameaças mais fortese José Francisco foi torturado durantetodo o dia. A história de perseguiçãopolítica do casal, porém, começaanos antes. O que mais choca Célia éo fato de essa repressão contar com acolaboração da própria Universidade.Em 20 dezembro de 1971, JoséRoberto Franco da Fonseca, chefede gabinete da Reitoria, consultao Dops sobre a conveniência doretorno ao Brasil dos dois docentes.Eles lecionavam na USP desde adécada de 1960 (José Francisco, noDepartamento de Antropologia, eCélia, no de Ciência Política) e emmarço de 1970 viram-se obrigados asair do país para fugir da repressão.Naquele momento, a professoraMaria do Carmo Campello, suacolega de faculdade, estava presano Dops, onde seria mantida atéo final do ano, e conseguiu avisálosde que eles poderiam ser ospróximos. José Francisco e Céliatiraram licença, viajaram às pressaspara a França e, já no exterior,pediram afastamento da USP paracursarem doutorado.Como de praxe, nove dias depoisdo envio do ofício da Reitoria,o delegado Alcides encaminha“informações reservadas” sobre osdois (em documento não encontradona pasta) e informa que a voltados professores é um assunto que“será levado aos Órgãos de Segurança,na reunião do próximo 5 dejaneiro”.Na metade de 1971, quando oafastamento dos docentes precisariaser renovado, eles perceberam que“alguma coisa estranha” acontecia.A resposta da USP demorou a sair e,avisados pelos colegas que estavamno Brasil, continuaram na França.O Conselho Interdepartamental daFaculdade concedeu a renovação emjulho de 1971, mas o despacho doReitor que aprovava o afastamentosaiu somente em junho do ano seguinte,“em caráter improrrogável”.“Em seguida, Antonio GuimarãesFerri (o famoso ‘Ferrinho’), diretorda ECA e membro do ConselhoUniversitário, pediu vistas ao nossoprocesso e segurou a renovação. Eledisse que nós estávamos fazendo subversãoe falando mal do Brasil forado país”, narra José Francisco.88


Revista <strong>Adusp</strong>gia. Em 1963, conclui na França após-graduação em genética microbianae molecular, e, retornandoao Brasil, organiza o laboratórioda especialidade no Departamentode Parasitologia da USP.Em 1964, investigado pela comissãosecreta criada por Gama eSilva na USP, Hildebrando é presoe interrogado — por um tenentecoronele um coronel — no navioprisão“Raul Soares”, da Marinha,ancorado no porto de Santos. DesseInquérito Policial-Militar (IPM),comenta, saiu uma “peça surrealistade acusação”, encaminhada àJustiça Militar de São Paulo. Ojulgamento, um ano e meio depois,absolveu os 11 réus, mas todos jáhaviam sido demitidos.Convidado por François Jacob,Prêmio Nobel de Medicina em1965, voltou à França e lá trabalhouaté 1968, no Instituto Pasteur.Numa visita ao Brasil em 1967,para ministrar um curso na USP,Outubro 2004foi procurado por uma comissãode doutorandos da Medicina queo haviam escolhido como paraninfoda turma. Apesar de a Reitoriahaver impedido a formatura, asolenidade “realizou-se sem becase informalmente no Teatro Municipal,tendo sido Dráuzio Varela oorador da turma e eu o paraninfo”.Regressando ao Brasil em 1968,Pereira instalou-se em RibeirãoPreto, na Faculdade de Medicinada USP, onde organizou um labo-Professores Célia e José FranciscoEssa indefinição perdurou atéfinal de 1974, quando Célia veiosozinha ao Brasil para sondar apossibilidade de os dois voltaremdefinitivamente. Receosos de perdero cargo caso permanecessem maistempo longe da Universidade sema renovação do afastamento, e convencidosde que a fase mais dura darepressão já havia passado, voltaramao Brasil em 30 de janeiro de 1975.Enganaram-se. Foram retiradosda fila do aeroporto por dois policiais— um deles seria o próprio delegadoSérgio Paranhos Fleury — nafrente de parentes e amigos que osDaniel Garciaaguardavam, levadospara umasala da políciae dali para oDops, onde ficaramdez dias.Assim quesaíram da prisãovoltaram adar aulas, numatentativa de evitara configuraçãode abandonode cargo. Em setembro de 1975, noentanto, acontece a segunda prisão.“Na Oban [refere-se ao DOI-Codi]nós fomos torturados para contar oque fazíamos na França. Coisas obtusas.Não tinha nem sentido o que elesperguntavam”, lembra José Francisco.Célia relata que como não eramligados a nenhum grupo político, aatividade subversiva que praticaramera “ajudar alunos perseguidos, leválospara casa, arrumar trabalho paraeles fora do país, dar contatos”.Dentro da USP, os docentesainda enfrentavam outra batalha.Como já temiam, a Universidadeabriu um processo contra os docentespor abandono de cargo relativoao período entre o vencimentodo segundo afastamento (junho de1972) e o retorno ao Brasil. Foi fácilprovar que quem estava erradaera a própria USP, já que eles nãoreceberam resposta ao último pedidode afastamento.Segundo Célia, isso só aconteceu“por sabedoria dos amigos”,que pararam o processo dentro daFaculdade e não o encaminharamde volta à Reitoria. A absolvição foipublicada somente em 11 de maiode 1976. Durante mais de um ano,o casal trabalhou sem receber e,apesar de recolher a contribuiçãoprevidenciária regularmente, nãopôde incluir esse período no cálculoda aposentadoria.Os efeitos da perseguição políticaainda influenciaram a carreiraacadêmica de José Francisco pormais 15 anos. “Em 1976, peditempo integral. Recebi um turnocompleto seis anos depois. Somenteem 1989 é que me deram otempo integral”.89


Outubro 2004ratório de genética de micro-organismos.Mas, em abril de 1969, foidemitido pelo AI-5, com cerca de70 outros professores da USP e deoutras instituições.Animado pela proposta doprofessor Mauricio Peixoto, diretordo CNPq, que se dispunha apatrocinar o retorno de uma dezenade exilados cientistas, antigosprofessores e pesquisadores da Faculdadede Medicina e do InstitutoButantã, financiando por quatroanos os laboratórios e salários dosexpulsos, Hildebrando tentou novamentevoltar ao Brasil. A USPrecusou a proposta do CNPq e ocientista reassumiu suas funçõesno Instituto Pasteur, onde ficouaté se aposentar em 1996.Segundo ele, a colônia de exiladosem Paris era extremamenteunida e bem informada. “Durantetoda a minha permanência emParis mantive-me muito ligadoao Brasil e desenvolvendo umamilitância ativa de luta contra aditadura militar. Com isso, merecimesmo um processo de cassaçãode nacionalidade brasileira queme foi movido em 1975-6 e só foiarquivado nos anos 1980”, enfatizao autor de O fio da meada (1991)e Crônicas de Nossa Época (2000),livros que abordam a repressão ea luta dos estudantes e intelectuaisno país e no exterior.Dividido entre Paris e Porto Velho,ele dirige o Instituto de Pesquisasem Medicina Tropical (Cepem),em Rondônia, que desenvolve programaspara investigar patologiascomo malária, arboviroses, hepatitese vetores de doenças infecciosastradicionais e emergentes.JOSÉ MARQUES <strong>DE</strong> MELOPERIGOSA APOSTILASOBRE A TÉCNICA DOLEADO alagoano José Marques deMelo, jornalista e professor universitário,chegou a São Paulo em1966, dois anos após o golpe militare a deposição do primeiro governode Miguel Arraes (PE), do qual fezparte, e ingressou na USP, tornando-seum dos fundadores da Escolade Comunicações Culturais — queem 1969 passaria a chamar-se Escolade Comunicações e Artes (ECA).Intimado a depor em InquéritosPoliciais-Militares (IPMs)no Recife, Melo resolvera deixaro ambiente “assaz opressivo” doNordeste e migrar para o Sudeste.Porém, teria agora de defrontar-secom as arbitrariedades cometidaspela Reitoria da USP.Desde 1967 à frente do recémcriado Departamento de Jornalismo,passou a sofrer intensa perseguiçãoa partir de 1970. “Tudo começouquando coordenei a II Semana deEstudos de Jornalismo, sobre o tema‘Censura e Liberdade de Imprensa’.Vivíamos então a ameaça de censuraprévia aos livros publicados em territórionacional, agravando o controleque o governo militar impusera aosjornais e revistas, depois da ediçãodo AI-5”, explica.A iniciativa foi comunicada ao diretorda ECA, Antonio GuimarãesFerri, “que a submeteu aos escalõessuperiores no âmbito da Reitoria”.Paralelamente, Marques envioutambém telegrama convidando oentão ministro da Justiça, AlfredoProfessor José Marques de MeloRevista <strong>Adusp</strong>Buzaid, para que explicasse as motivaçõesda legislação que restauravaa censura à edição de livros no país.“O ministro Buzaid enviou-metelegrama declinando do convite,mas desejando êxito ao seminário.Enquanto isso, o serviço de segurança,que funcionava sigilosamentena Reitoria da USP, chamou o diretorda ECA e recomendou o cancelamentoda Semana de Jornalismo.Mas, diante do telegrama recebidodo ministro da Justiça, o dr. Ferrilavou as mãos e transferiu ao Departamentode Jornalismo o ônusda sua manutenção”, completou.Segundo Marques, uma semanadepois de ocorrido o eventoele recebeu a visita de policiais,que requisitaram as fitas gravadas.“Fui advertido informalmentede que minha vida estavasendo vasculhada”.O desligamento arbitrário doprofessor Freitas Nobre iniciara umaonda de cassações e perseguições90


Revista <strong>Adusp</strong>Daniel Garciana ECA,seguidapela demissãodo professorThomas Farkas e prisão (e tortura)do professor Jair Borin. Em 1972,logo após a realização da IV Semanade Estudos de Jornalismo, que haviareunido mais de mil estudantes, Melofoi enquadrado no Decreto 477.No processo, baseado numa apostilasobre a técnica do lead produzidapor alunos, foi acusado de insuflaros estudantes de jornalismo contra oregime militar.“A comissão processante daUSP condenou-me liminarmente,recomendando a demissão sumária”,relata. O ministro JarbasPassarinho o absolveu, “garantindoa permanência nos quadrosda USP”. Porém, afastado dadireção do Departamento de Jornalismoe impedido “burocraticamente”de lecionar, dedicou-se ac o n c l u i rsua tese.Primei-ro doutorem JornalismonoBrasil,adefesadesuatese,em fevereirode 1973,foi assistidapor mais deuma centenade amigos ecolegas, quelotaram o auditórioprincipalda ECA.Em vista doquadro políticonacional que seagravava, resolveuseguir parao pós-doutorado na Universidadede Wisconsin, nos EUA, com bolsade estudos da Fapesp.Ao regressar em meados de1974 para as aulas na pós-graduação,foi surpreendido com o vetoda Reitoria da USP à renovaçãode seu contrato de trabalho. Foiimpedido de proferir conferências,dar aulas e participar debancas examinadoras em universidadespúblicas.Reintegrado em 1979, juntocom outros professores, o professoremérito da ECA, autor devários livros, admite ter adotadouma “atitude pró-ativa, sem revanchismo”.Vem atuando comoconsultor acadêmico e professor-visitanteem universidadesestrangeiras.LUIS MENNA-BARRETOOutubro 2004ARMADO, DOUTORLEO DAVA EXPEDIENTENA REITORIAAprovado em concurso públicono Instituto de Ciências Biomédicas(ICB) em 1977, o professorgaúcho Luís Silveira Menna-Barretosó foi admitido pela USP em 25de julho de 1980 — um mês antesde caducar o prazo. “Eu já tinhasido aprovado em 1º lugar numconcurso precário em novembrode 1977. Em junho de 1978 presteioutro e fui aprovado. Em agosto de1978 havia dois processos de contrataçãomeus, mas acabei abrindomão do primeiro por ser contratoprecário”, detalha o biomédico.Frente à demora para ser chamado,Menna-Barreto passou afreqüentar a Reitoria por mais oumenos um ano. Encaminhado deseção em seção, recebia semprerespostas evasivas: “Seu processonão saiu”, ou “está parado”.“Até que um dia, na Coordenadoriade Administração Geral (Codage),saí visivelmente contrariadoe uma senhora, pedindo sigilo, disseque meu processo estava preso eque eu deveria procurar o assessordo Reitor, Doutor Leo”, relata. Tratava-sede Leovigildo Pereira Ramos,“um agente secreto indicadopelo II Exército”, que fiscalizavaideologicamente as contratações.“Ocupava uma mesa a menosde 20 metros da sala do Reitor.Na mesa dele — ‘3º estágio’, comochamavam — os nomes dos contratadoseram listados com umaespécie de ficha de identificação,91


Revista <strong>Adusp</strong>Professor Boris Schnaidermandas conquistas espaciais soviéticas.“Todo mundo estava sequioso porsaber como um país devastado naguerra tinha conseguido passar àfrente dos Estados Unidos”, comentao professor.Em 1964, Schnaiderman recusou-sea dar aulas no ConjuntoResidencial (Crusp) na época datransferência para a Cidade Universitária.“Desde que foi invadidopelos tanques, era um símbolo daopressão da Ditadura. Eu disseque as salas eram muito pequenase não comportavam os alunos. Ficavana porta do prédio”.Nos conflitos de 1968, o professordeu apoio ao movimentoestudantil contra os ataques doComando de Caça aos Comunistas(CCC): participou, no prédioda Maria Antonia, de um plantãode professores. “Levávamos travesseirospara o saguão do prédioe ficávamos lá, o clima era desolidariedade. Não houve ataque,mas atiraram algumas bombas paraassustar”.“Principalmente a partir do AI-5, houve muitas prisões. Até então,eu não havia sido molestado,mas pouco tempo depois meu filhoentrou para a guerrilha. Passamosa ter visitas freqüentes da políciaem nossa casa. O clima era muitotenso. Em uma ocasião, ficaramestacionados em frente ao prédio odia todo. Fui detido algumas vezes— não posso dizer que fui preso,porque o máximo que passei nacadeia foram duas horas”.O episódio mais grave foi noprédio da História, na CidadeUniversitária. No edifício, as salasdos professores têm duas entradas,uma pela frente e outra pelosfundos, que dá acesso a uma áreacomum. “Eu estava dando umaaula de literatura russa, bastanteentusiasmado com um conto deTchekov, os alunos também estavamentusiasmados, quando ouvimosum homem entrar pela portados fundos. ‘Com licença’, pediu.Ele estava armado. À procurade alguns estudantes, pediu quetodos mostrassem as carteiras deidentidade.”“Atirei a minha na mesa e comeceium discurso bravo, violento,mostrando o absurdo daquela situaçãoem que nós, armados com gizde lousa, enfrentávamos homenscom metralhadoras na mão. O policialdeu uma ordem a outro paraque chamasse o capitão do Exército.Depois, o major. Fui levadopara o Dops, perto da Estação daLuz, com alguns estudantes”.Mais ou menos à meia-noite, oprofessor foi levado à sala de umdelegado, que mostrou-se irritadocom ele. Enfim, o major que oOutubro 2004Daniel Garciatrouxera da USP disse: “O senhoragora está livre. Vai descer e vaiandando junto às paredes, porquese andar no passeio mesmo, o sentinelavai passar fogo”. No pontode ônibus, a professora AuroraBernardini, à época assistente deSchnaiderman, esperava-o numcarro. Fora chamada pela políciapara buscá-lo.Schnaiderman conta que foidetido outras “quatro ou cinco”vezes. “É verdade que tinha meaproximado do Partido Comunistaanos antes, mas afastei-me depoisdo informe de Krushev e da Revoluçãona Hungria, em 1956. Eunão tinha inclinação política”, esclarece.Era apenas, define-se, um“opositor passivo: escrevi um ououtro artigo indignado entre aspasnas brechas possíveis”.O professor, hoje com 87 anos,lamenta a destruição que os ataquescausaram ao antigo prédio daFilosofia, na rua Maria Antonia:“O que foi perdido ali jamais serárecuperado”.95


Outubro 2004NAIR BENEDICTORevista <strong>Adusp</strong>Daniel Garcia“LEMBRO DO FLEURYPERGUNTANDO: ESTA ÉQUE É A MILIONÁRIA DAVILA MARIANA?”Filha de imigrantes italianosque se instalaram nos arredoresde São Paulo, a paulistana NairBenedicto, autora de trabalhosconsagrados e premiados no fotojornalismo,não esconde o viéssocialista, que carrega desde oberço. Formada pela USP, em1972, Nair integrou a primeiraturma do curso de Rádio e TVda ECA.Já casada e mãe de três filhos,mas ainda estudante, Nair viveuna pele a tortura, e depois asagruras da cadeia, por nove meses.Presa em 1º de outubro de1969, sua memória ainda abrigadetalhes do episódio. “Lembrodireitinho do Fleury perguntando:‘Essa é que é a milionária da VilaMariana?’, ao me ver chegar decalça jeans, camiseta e sandália.Ele se espantou, eu já estava estereotipadana cabeça dele”, relembroua fotógrafa, que atuava como“apoio” do grupo político AçãoLibertadora Nacional (ALN).Nas sessões de tortura, Nairenfrentou a patologia dos agentesdo regime. “Um dos torturadoresgozou enquanto me torturava... eos outros zombavam dele dizendo:Ah, se a dona Mafalda soubesse queo único filho dela só goza assim”.O fato de ser mãe de três filhos eestudar já se traduzia em suspeita.“Eles imaginavam: Como umamulher que tem três filhos não temNair Benedictobarriga? Só pode ser treinamento deguerrilha!”, analisa.Na cadeia teve contato com ahoje ministra das Minas e Energia,Dilma Roussef, e com professorasda USP, como Emilia Viotti. “Aconvivência era complicada porquehavia intelectuais, estudantes,donas de casa. Havia 13 mulheresdos 18 aos 60 anos”.Frente às torturas, respondeucom silêncio. “Quando começarama me torturar, ao invés de medesesperar, me fortaleceu muito.Pensei: se está acontecendo essadesgraça toda à minha família, entãoeu preciso segurar”, racionalizavaNair, referindo-se às ameaçasdos algozes aos seus familiares.Ao sair da cadeia em julho de1970, Nair voltou à USP, ondeencontra o movimento estudantildesmantelado, a maioria daslideranças sumidas ou presas. “AUSP perdeu 2/3 de seus alunos.Foi uma devassa. Morreu muitagente. Era um clima de retomada,devagar, para reestruturar”,reitera a ex-militante da ALN,que refuta a vulgarização da críticaà luta armada. “Quando chegamosaos 50 é fácil criticar o quefizemos com 30. Houve coisas importantes.Às vezes me perguntose sem isso teria existido a grevedo ABC nos moldes em que elaexistiu”, defende.Impedida de trabalhar com TV,seu sonho, por falta de um atestadode “bons antecedentes”, Nairfoi se profissionalizando na fotografia.Em 1979 fundou a AgênciaF4 de Fotojornalismo (com JucaMartins, Delfim Martins e RicardoMalta), especializada em temassociais. Em 1991, desligou-se daF4 para fundar a N-Imagens, quedirige até hoje. É autora de livroscomo A greve do ABC, A questãodo menor (em parceria com JucaMartins) e Nair Benedicto, As melhoresfotos.96

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