12.04.2013 Views

Trilogia - Centro Cultural de Belém

Trilogia - Centro Cultural de Belém

Trilogia - Centro Cultural de Belém

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Fausto<br />

Bordalo Dias<br />

Carta Branca a<br />

<strong>Trilogia</strong>


No seguimento da Carta Branca a Jorge Palma, em 2008, e a Camané em 2009,<br />

nesta temporada o CCB optou por dar Carta Branca a Fausto Bordalo Dias.<br />

Num concerto único e irrepetível, Fausto Bordalo Dias apresenta sete canções<br />

<strong>de</strong> cada um dos discos que compõem a sua trilogia sobre a diáspora lusitana,<br />

cujos primeiros dois discos, Por este rio acima e Crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte, são<br />

uma referência da música popular portuguesa.<br />

Nas vésperas do lançamento do tão aguardado terceiro quadro <strong>de</strong>ste tríptico,<br />

Fausto propõe-se levantar a ponta do véu, dando-nos a conhecer, em antecipação,<br />

sete canções do novo disco e, em revisitação, sete canções <strong>de</strong> Por este rio<br />

acima e <strong>de</strong> Crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte.<br />

Fausto Bordalo Dias, apologista da música e da cultura em português, compõe<br />

cada álbum <strong>de</strong> originais como quem conta uma história, da primeira à última<br />

canção. Dizem os seus admiradores que cada um dos seus discos <strong>de</strong>via ser escutado<br />

“<strong>de</strong> guião em punho”, como quem vai à ópera.<br />

“Por favor, leiam estes discos!”, diz o jornalista e crítico Viriato Teles.<br />

Por este rio acima, o sexto álbum <strong>de</strong> originais <strong>de</strong> Fausto, publicado em 1982, é<br />

inspirado nas viagens <strong>de</strong> Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto, relatadas na sua Peregrinação.<br />

Doze anos <strong>de</strong>pois, em Crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte, Fausto retoma a temática dos<br />

<strong>de</strong>scobrimentos, tendo como fonte a História Trágico-Marítima <strong>de</strong> Bernardo<br />

Gomes <strong>de</strong> Brito. Com título ainda a anunciar, este terceiro disco versa sobre as<br />

viagens dos portugueses por terras <strong>de</strong> África.<br />

<strong>Trilogia</strong><br />

Carta Branca a Fausto Bordalo Dias<br />

19 Junho 2010 \ Gran<strong>de</strong> Auditório \ 21h \ M/12<br />

DireCção MusiCAl José Mário Branco<br />

FiCha artístiCa<br />

Fausto Voz e GuiTArrA<br />

João Maló GuiTArrA<br />

Miguel Fevereiro GuiTArrA<br />

Filipe raposo PiANo<br />

enzo d’Aversa TeClADos e ACorDeão<br />

João Ferreira PerCussões<br />

Vítor Milhanas BAixo<br />

Mário João santos BATeriA<br />

aLiNhaMENtO<br />

Futuro Álbum<br />

e FoMos PelA ÁGuA Do rio<br />

VelAs e NAVios soBre As ÁGuAs<br />

e VieMos NAsCiDos Do MAr<br />

Nos PAlMAres DAs BAíAs<br />

FAsCíNio e seDução<br />

À luz MAis FrÁGil DAs AurorAs<br />

À soMBrA DAs CilADAs<br />

Por AlTAs serrAs De MoNTANhAs<br />

crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte<br />

a história trágico-marítima<br />

Ao soM Do MAr e Do VeNTo<br />

À DeriVA PorTo riCo<br />

ToDo esTe Céu<br />

NA PoNTA Do CABo<br />

o MAr<br />

A ChusMA sAlVA-se AssiM<br />

os NAVeGADos<br />

por este rio acima<br />

peregrinação <strong>de</strong> fernão men<strong>de</strong>s pinto<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

Porque Não Me Vês<br />

CoMo uM soNho ACorDADo<br />

leMBrA-Me uM soNho liNDo<br />

olhA o FADo<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

o BArCo VAi De sAíDA


4<br />

Reza a enciclopédia, austera e <strong>de</strong>finitiva:<br />

“Na astronomia, solstício é o momento em que o sol, durante o seu movimento aparente<br />

na esfera celeste, atinge a maior <strong>de</strong>clinação em latitu<strong>de</strong>, medida a partir da linha do<br />

equador. os solstícios ocorrem duas vezes por ano. o dia e hora exactos variam <strong>de</strong> um<br />

ano para o outro. quando ocorre no Verão, significa que a duração do dia é a mais<br />

longa do ano.” é em vésperas <strong>de</strong> solstício que Fausto Bordalo Dias volta a tomar assento<br />

numa sala que fez sua já noutro século. era Abril – sem acaso – quando aqui mesmo<br />

mostrou como era enorme a Viagem que nos propunha. Agora é Junho (não é coincidência),<br />

luminoso e cálido, bênção da Natureza, mês que resiste aos frios interiores<br />

que as nossas vidas foram assimilando, doentes e <strong>de</strong>screntes por culpa das promessas<br />

que o porvir se esqueceu, até agora, <strong>de</strong> cumprir. Valha-nos Junho. Valha-nos Fausto,<br />

cuja memória talentosa, cujo talento memorável nos relembra que, mesmo em tempos<br />

<strong>de</strong> esplendores e domínios longínquos, nós fomos sempre fonte <strong>de</strong> contradições,<br />

<strong>de</strong> improvisos, <strong>de</strong> ganâncias, mas também <strong>de</strong> sonhos e <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> ingenuida<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong> inquietação. é isso mesmo: valha-nos este homem que nos vê e fixa, tão<br />

iguais ontem como agora. que nos canta contos que são nossos, mas que só ele parece<br />

saber <strong>de</strong> cor.<br />

em dois capítulos, escritos a sangue e ambição, épicos mas redimensionados para que o<br />

homem comum não se sinta esconjurado por gran<strong>de</strong>zas que lhe escapam, Fausto assumiu<br />

o papel <strong>de</strong> cantor da Diáspora. se fosse apenas Poesia, rimaria com “metáfora”.<br />

se fosse linearmente geométrica, montaria verso com “facínora” ou com “espora”.<br />

se fosse somente o passado <strong>de</strong> Nação a que Deus ou os donos nos conduziram – ou nos<br />

seduziram? –, tornaria legítimo o uso concordante <strong>de</strong> “outrora”. Nada disso: a Diáspora<br />

<strong>de</strong> Fausto é a que ainda vivemos “agora”, por mais cambiantes que se vislumbrem<br />

no guarda-roupa, por mais febril que seja o actual mergulho nos efeitos especiais,<br />

por mais avassaladoras se sintam as trucagens, por mais empolgante e enganadora<br />

se pressinta a propaganda. Aos poucos, com arquitectura rendilhada mas honesta,<br />

transversal ao tempo mas bem fundada nos mo<strong>de</strong>los musicais <strong>de</strong>sta terra que parece<br />

servir-nos <strong>de</strong> emblema e maldição, <strong>de</strong> orgulho e asfixia, a sua casa ganha forma na<br />

justa medida em que distribui conteúdo. esta peregrinação particular começou há 28<br />

anos – foi “Por este rio Acima”, quando a europa ainda não tinha tomado posse. Continuou<br />

uma dúzia <strong>de</strong> anos <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>senhando “Crónicas da Terra Ar<strong>de</strong>nte”, marcadas<br />

a ferro e a Fé na nossa pele. Chegou a hora <strong>de</strong> seguir Viagem.<br />

quem estiver a ler estas notas já saberá, com gran<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, que faz parte <strong>de</strong><br />

um núcleo <strong>de</strong> privilegiados. Afinal, que outra <strong>de</strong>signação po<strong>de</strong>rá oferecer-se aos que<br />

se sentiram convocados para serem testemunhas, oculares e auditivas, da estreia <strong>de</strong><br />

nada menos <strong>de</strong> oito canções inéditas <strong>de</strong> Fausto Bordalo Dias, parte integrante do disco<br />

que completa a trilogia da Diáspora e que não tem ainda existência física, embora já<br />

tenha lugar reservado no cume das nossas expectativas e necessida<strong>de</strong>s? homem <strong>de</strong><br />

palavra e também homem da Palavra, Fausto cumpre o que prometeu, sabendo que<br />

o seu ritmo <strong>de</strong> respiração não se compa<strong>de</strong>ce com contratos a prazo, mas tão-só com o<br />

trabalho, a inspiração, o esculpir <strong>de</strong> cada canção. sempre um valor acrescentado em si<br />

mesmo, mas também peça fundamental para que a história corra sem outros sobressaltos<br />

que não os do próprio enredo. há-<strong>de</strong> levar-nos aos perfumes, à paleta e à imensidão<br />

<strong>de</strong> África, on<strong>de</strong> tantas vezes quisemos adivinhar lezírias ou socalcos. Fixemo-nos nos<br />

títulos que aqui vão ser <strong>de</strong>svendados: “e Fomos pela Água do rio”, “Velas e Navios<br />

sobre as Águas”, “e Viemos Nascidos do Mar”, “Nos Palmares das Baías”, “Fascínio e<br />

sedução”, “À luz Mais Frágil das Auroras”, “À sombra das Ciladas”, “Por Altas serras<br />

<strong>de</strong> Montanhas”. é todo um programa.<br />

Para que o roteiro fique completo, estão garantidas as escalas necessárias nos episódios<br />

anteriores. Todos juntos, vão mostrar-nos, <strong>de</strong> novo, como as nossas travessias não<br />

acabam nunca, enquanto houver memória, sentimento e juízo crítico. por este rio<br />

acima e crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte respon<strong>de</strong>m à chamada do criador que quer reunir<br />

o individual ao colectivo, a aventura à <strong>de</strong>sgraça, a conquista ao <strong>de</strong>sleixo, o altivo ao<br />

mesquinho, o sagrado ao profano, o sublime ao vergonhoso. De tudo isto se faz uma<br />

história tão única como único é o nosso cicerone <strong>de</strong>ste serão: conhecedor, sensível,<br />

atento, capaz do realismo como da fantasia. Fausto Bordalo Dias é o melhor dos guias<br />

que podíamos seguir – porque é tudo menos “turístico”, leviano ou efémero. Já se<br />

adivinhava o <strong>de</strong>sfecho: se o <strong>Centro</strong> <strong>Cultural</strong> <strong>de</strong> <strong>Belém</strong> quis dar-lhe “carta branca”,<br />

Fausto encarregou-se <strong>de</strong> preencher o vazio com canções que valem como espelhos,<br />

telescópios virados ao céu eterno, microscópios que não <strong>de</strong>ixam passar <strong>de</strong>spercebido<br />

o mais ínfimo dos pormenores. Da “carta branca” fez uma “carta <strong>de</strong> marear”, on<strong>de</strong><br />

cabem Portugal inteiro e mais todos os portos on<strong>de</strong> pusemos pé. Talvez por isso apetece<br />

dizer que o solstício é mesmo hoje. é mesmo agora. Porque este dia vai ficar, longo e<br />

brilhante. Único. Boa Viagem, outra vez.<br />

JOãO GOBErN \ Junho 2010


6<br />

Futuro Álbum “estes negros, tanto machos como fêmeas, vinham ver-me como uma maravilha,<br />

e parecia-lhes coisa extraordinária ver um cristão em tal lugar, nunca dantes<br />

“Na terra <strong>de</strong> Guiné, e pela gran<strong>de</strong>za, logo pensámos que aquele rio era o<br />

Gambia, e assim era. e subimos quanto pu<strong>de</strong>mos por causa da espessura dos arvoredos<br />

que estão <strong>de</strong> uma e outra parte. e aquella terra meridional está cheia <strong>de</strong> arvores e<br />

fructos; mas outras espécies <strong>de</strong> fructos, e as arvores são tão grossas e <strong>de</strong> tamanha altura<br />

que só vendo se po<strong>de</strong> crer. e eu digo com verda<strong>de</strong> que vi gran<strong>de</strong> parte do mundo,<br />

mas nunca vi coisa parecida. e disseram que aquella terra era povoada <strong>de</strong> gente<br />

admirável, como que os homens teem cabeça <strong>de</strong> cão e gran<strong>de</strong> cauda. Alli teem muitos<br />

abestruzes e gazellas, chamados Gatos <strong>de</strong> Algallia, e as aves esperavam-nos sem fugir, e<br />

assim as matávamos com paus. Porém, no outro dia, além da cabeça do rio, vimos gentes<br />

à parte direita e chegámos até proximo, e alguns eram avermelhados e outros pretos,<br />

e as mulheres são lindas e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vergonha. e os que habitam a terra se chamam<br />

Cenegios ou Arabes, e vivem vida bestial.”<br />

DiOGO GOMEs<br />

“As relAções Do DesCoBriMeNTo DA GuiNé e DAs ilhAs Dos Açores,<br />

MADeirA e CABo VerDe” (Versão Do lATiM, Por GABriel PereirA)<br />

“e correram tanto avante que passaram aquela terra e viram outra mui<br />

<strong>de</strong>sassemelhada daquesta primeira, porque esta era areosa e maninha, <strong>de</strong>sacompanhada<br />

<strong>de</strong> arvores, como cousa em que faleciam as águas, e a outra viram acompanhada <strong>de</strong><br />

muitas palmeiras e outras arvores ver<strong>de</strong>s e formosas. Tendo já passado estas caravelas<br />

a terra <strong>de</strong> zaara, como é dito, viram as duas palmeiras pelas quaes conheceram que alli<br />

se começava a terra dos Negros, com cuja vista folgaram assaz. Disseram <strong>de</strong>pois alguns<br />

daqueles que ali eram, que bem mostrava o cheiro que vinha da terra a bonda<strong>de</strong> do seu<br />

fruito, estando eles no mar, lhes parecia que estavam em algum gracioso pomar, or<strong>de</strong>nado<br />

a fim <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>leitação. No outro dia fizeram seu caminho, e viram uma ilha,<br />

e bem é que os Mouros pouco havia que aí estiveram, segundo pareceu pelas re<strong>de</strong>s e<br />

outros aparelhos <strong>de</strong> pescar que lhe acharam, especialmente gran<strong>de</strong> multidão <strong>de</strong> tartarugas.<br />

e porque será que todos não haverão conhecimento <strong>de</strong>ste pescado, saiba que<br />

não são outra cousa tartarugas, senão cágados <strong>de</strong> mar, cujas conchas são tamanhas<br />

como escudos.”<br />

GOMEs EaNEs DE Zurara “CróNiCA De GuiNé”<br />

e Fomos pela ÁGua do rio<br />

Pág. 14<br />

“e <strong>de</strong>pois que navegámos contra as partes do Meio-Dia, nas terras dos negros<br />

da Baixa etiópia (Guiné), este rio separa a geração que se chama Azenegues, que<br />

são mais <strong>de</strong>pressa homens baços do que pardos, do primeiro reino dos negros.<br />

e maravilhosa coisa me parece que para cá do rio a terra é árida e seca e todos sejam<br />

negríssimos, gran<strong>de</strong>s e gordos, e para lá, seja abundante <strong>de</strong> enormes árvores e diversas<br />

espécies <strong>de</strong> fruta e todos sejam pardos e enxutos e <strong>de</strong> pequena estatura. e quando<br />

avistaram pela primeira vez velas ou navios, acreditaram que eles fossem gran<strong>de</strong>s aves<br />

com asas brancas que voassem <strong>de</strong> algum estranho lugar, e não vendo senão os cascos<br />

dos navios, alguns <strong>de</strong>les julgavam fossem peixes, vendo-os assim <strong>de</strong> longe. e diziam<br />

entre si: se estas fossem criaturas humanas, como nós, como po<strong>de</strong>riam percorrer numa<br />

noite um caminho que qualquer um <strong>de</strong> nós não percorreria em três dias? não conhecendo<br />

o artifício do navio.<br />

Luís DE CaDaMOstO “ViAGeNs De luís CADAMosTo e De PeDro De siNTrA”<br />

Velas e naVios sobre as ÁGuas<br />

Pág. 14<br />

visto: e não menos se espantavam do meu trajo e da minha brancura. reparavam para<br />

o pano <strong>de</strong> lã, reparavam para o jubão, e muito pasmavam. Têm um estranho costume<br />

que é continuamente trazerem um lenço em torno da cabeça com uma ponta que<br />

lhes passa <strong>de</strong> través na cara, e assim cobrem a boca e a parte do nariz: e dizem que a<br />

boca é uma feia coisa pois continuamente <strong>de</strong>ita umas ventosida<strong>de</strong>s e mau fedor; que<br />

portanto se quer coberta. e não a querem mostrar. quase a querem, salvo o <strong>de</strong>vido<br />

respeito, comparar ao cu; e, por isso, estas duas partes <strong>de</strong>vem-se cobrir.”<br />

Luís DE CaDaMOstO “ViAGeNs De luís CADAMosTo e De PeDro De siNTrA”<br />

e Viemos nascidos do mar<br />

Pág. 14<br />

“e vimos os berberes e os pardos que compram, ven<strong>de</strong>m e tratam com os<br />

árabes que vêm ao litoral merca<strong>de</strong>jando diversas coisas, como sejam panos, e tecidos<br />

<strong>de</strong> linho e pratas, alquicés, tapetes, saiotes e outras coisas, e sobretudo trigo; e dão em<br />

troca escravos pardos que trazem os ditos árabes da terra dos negros. esses tais árabes<br />

têm também muitos cavalos berberescos, com os quais fazem comércio; e levam-nos<br />

às terras dos negros, ven<strong>de</strong>ndo aqueles cavalos aos senhores os quais dão, em troca,<br />

escravos: e aqueles cavalos por 10, 12 e 15 escravos cada um, conforme forem os ditos<br />

cavalos. Destes escravos eles se servem <strong>de</strong> muitos modos; muitos <strong>de</strong>les ven<strong>de</strong>m-nos<br />

aos mercadores azenegues, e também os ven<strong>de</strong>m aos cristãos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que começaram,<br />

os ditos cristãos, a merca<strong>de</strong>jar nestas terras.<br />

Luís DE CaDaMOstO “ViAGeNs De luís De CADAMosTo e De PeDro De siNTrA”<br />

“estes negros Beafares são gran<strong>de</strong>s ladrões; furtam e ven<strong>de</strong>m muitos escravos,<br />

vacas, e tudo o mais que acham. é gente vadia o mais do tempo que lhes não dá<br />

mais que furtarem e folgarem. e aco<strong>de</strong>m a este rio que é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> trato, com muitos<br />

escravos da própria terra. e nesta terra <strong>de</strong> Guinala se faz a maior feira que há em toda<br />

a terra, chamada Bijorrei, na qual se juntam mais <strong>de</strong> 12 000 negros e negras, os mais<br />

formosos que há em toda a Guiné. e ven<strong>de</strong>m tudo o que naquela terra há e das circunstantes,<br />

a saber: escravos, roupa, mantimentos, vacas e ouro, que há algum e fino.<br />

Viu-se na Guiné trazerem a ven<strong>de</strong>r alguns escravos <strong>de</strong>stes aos nossos, e eles por respeito<br />

<strong>de</strong> os <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem os não compraram; e os que os traziam e vinham ven<strong>de</strong>r, por<br />

não serem <strong>de</strong>scobertos, os mataram em terra. Não sei se fora bom comprá-los, porque<br />

resultava disso receberem o baptismo e serem cristãos. Não me meto mais largo nesta<br />

matéria, porque são casos que eu não sei <strong>de</strong>terminar.”<br />

aNDré ÁLvarEs DE aLMaDa “TrATADo Dos rios De GuiNé Do CABo VerDe”<br />

nos palmares das baÍas<br />

Pág. 15<br />

“Como ali acerca estava um cavaleiro que se chamava Ahu<strong>de</strong> Meiman e que<br />

queria fazer com eles alguma mercadoria <strong>de</strong> guineus que trazia cativos, dous homens<br />

dos nossos foram levados como arreféns às tendas dos Mouros, on<strong>de</strong> eram <strong>de</strong> Mouras<br />

mui gran<strong>de</strong> parte, e das melhores daquela terra. e aconteceu, assim que os mouros<br />

levantaram arruido uns com os outros, por cuja causa se foram das tendas, afastados<br />

pelo campo uma gran<strong>de</strong> peça, que as Mouras, esguardando naqueles dous arrefens,<br />

pensaram <strong>de</strong> os cometer, mostrando mui gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> jazerem com eles; e aquelas<br />

que em si mais avantagem sentiam, <strong>de</strong> boamente se mostravam quejandas primei-


8<br />

ramente saíram dos ventres <strong>de</strong> suas madres, e assim lhes faziam outros muitos acenos<br />

assaz <strong>de</strong>shonestos. e vendo que os outros tinham maior sentido no temor que haviam,<br />

pensando que o arruido daqueles Mouros era cautelosamente levantado a fim <strong>de</strong> lhes<br />

fazer dano, elas todavia, aporfiando em sua <strong>de</strong>shonesta tenção, faziam-lhes sinaes <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> segurança, rogando-os, que chegassem à fim do que elas queriam. Mas se isto<br />

era enganosamente cometido ou se a natureza maliciosa <strong>de</strong> si mesma o constrangia,<br />

fique no encargo <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> o <strong>de</strong>terminar como lhe bem pareça.”<br />

GOMEs EaNEs Da aZurara “CróNiCA De GuiNé”<br />

FascÍnio e seduÇÃo<br />

Pág. 15<br />

e Antão Gonçalves falou-lhes em esta guisa:<br />

“Nós que viemos a esta terra por levar carga <strong>de</strong> tão fraca mercadoria, acertarmos<br />

agora em nossa dita <strong>de</strong> levar os primeiros cativos ante a presença do nosso principe!<br />

e quero vos dizer o que tenho consi<strong>de</strong>rado para receber vosso avisamento; e isto é,<br />

que em esta noite seguinte, eu com nove <strong>de</strong> vós outros, aqueles que mais dispostos<br />

estiver<strong>de</strong>s para o trabalho, quero ir tentar alguma parte <strong>de</strong>sta terra, ao longo <strong>de</strong>ste<br />

rio, para ver se sinto alguma gente. e encontrando-nos Deus com eles, a mais pequena<br />

vitória será filharmos algum, para cobrar conhecimentos por ele <strong>de</strong> quaes e quejandos<br />

são os outros moradores <strong>de</strong>sta terra.” e tanto que a noite sobreveio, fizeram sua viagem<br />

e acharam ali um caminho, o qual guardaram, presumindo que po<strong>de</strong>ria por ali<br />

acudir algum homem ou mulher que eles pu<strong>de</strong>ssem filhar.<br />

GOMEs EaNEs Da aZurara “CróNiCA De GuiNé”<br />

À luZ mais FrÁGil das auroras<br />

Pág. 16<br />

“e seguindo assim sua via, caminho <strong>de</strong> terra, disse um daqueles dos batéis<br />

contra o capitão: — ”Não sei se ve<strong>de</strong>s o que eu vejo”.<br />

— ”e o que é que tu vês — disse o capitão — que nós não vejamos”?<br />

— ”Vejo — disse ele — que aqueles pretos que estão naqueles medões <strong>de</strong> são cabeças<br />

<strong>de</strong> homens, nos quaes quanto mais esguardo, tanto mo mais parecem; e se bem<br />

esguardar<strong>de</strong>s, vereis que estão bulindo.” e <strong>de</strong>scobertos assim todos, <strong>de</strong> que os Mouros<br />

mostravam gran<strong>de</strong> prazer, metendo-se na água, <strong>de</strong>les até aos pescoços e outros mais<br />

baixos, todavia <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> chegar aos Cristãos, como se nos tivessem em cerco, sem<br />

esperança <strong>de</strong> socorro, acenando contra nós como homens seguros sobre coisas vencidas.<br />

e em isto, o capitão, fez vogar os bateis o mais rijamente que ser pu<strong>de</strong>sse, e que fossem<br />

dar <strong>de</strong> proa entre os Mouros e saltamos entre eles, como homens que temiam pouco a<br />

braveza <strong>de</strong> seus contrários. e como quer que a sua multidão fosse gran<strong>de</strong>, em comparação<br />

da pouquida<strong>de</strong> dos nossos, não voltaram porem atras, como homens em que o<br />

medo não cobrava senhorio, tendo-se com os seus contrarios um mui gran<strong>de</strong> pedaço,<br />

no qual os Mouros receberam gran<strong>de</strong> dano. Porem a fim, vendo a nossa gente a gran<strong>de</strong>za<br />

do perigo, viram vir contra eles muitos Guineus, uns com dargas e azagaias, outros<br />

com arcos; e tanto que foram acerca da água começaram <strong>de</strong> tanger e bailar, como<br />

homens afastados <strong>de</strong> toda a tristeza; e nós, os do batel, querendo escusar o convite<br />

daquela festa, nos tornamos para o nosso navio.”<br />

GOMEs EaNEs Da aZurara “CróNiCA De GuiNé”<br />

À sombra das ciladas<br />

Pág. 16<br />

“As encostas <strong>de</strong>sta aresta, viradas a leste, levantam-se abruptamente e em<br />

pendores súbitos <strong>de</strong> zona baixa e litoral do Mar Vermelho, atingindo rapidamente<br />

altitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> 2200 a 2700 metros. Ao subir esta encosta pelos secos das torrentes, convertidos<br />

em caminhos na época da estiagem, encontra-se em cima o gran<strong>de</strong> planalto<br />

da etiópia. o nome é talvez mal aplicado, porque o planalto está bem longe <strong>de</strong> ser<br />

plano. De outro lado, todo o planalto é rasgado por fundos valeiros, <strong>de</strong> margens<br />

abruptas e profundíssimas. um pouco para o interior, chegando às partes mais altas<br />

da “daga” ou terra fria, vêem-se ao claro sol dos trópicos as montanhas raiadas pelas<br />

manchas resplan<strong>de</strong>centes da neve, que em partes po<strong>de</strong> persistir durante todo o ano.<br />

é certo, que nas <strong>de</strong>pressões fundas dos rios, na chamada “Kuala”, se volta a experimentar<br />

o mais intenso e abafado calor.<br />

CONDE DE FiCaLhO “ViAGeNs De Pêro DA CoVilhã”<br />

“e indo nós por mui boa estrada larga e chã, por on<strong>de</strong> caminhava toda a<br />

gente que na folga connosco folgara e outra muita que <strong>de</strong>trás caminhava, <strong>de</strong>ixamos<br />

esta estrada e metemo-nos por uns matos e serras sem caminho nenhum e por aí fizemos<br />

ir os camelos e a nós outros todos com eles; e <strong>de</strong>ixando os caminhos reais, vamos<br />

por on<strong>de</strong> andam os lobos, porque não caminham senão cáfilas com medo dos ladrões;<br />

e para a parte do levante, on<strong>de</strong> começam as mais bravas serras e fossas fundas <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />

aos abismos, as mais que homens nunca viram nem se po<strong>de</strong> crer sua fundura.<br />

e fomos sempre por ribeiras secas, e, <strong>de</strong> uma parte e da outra, serranias mui altas e <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s arvoredos <strong>de</strong> diversas nações e sem frutos as <strong>de</strong>mais, e on<strong>de</strong> não havia senão<br />

chamar por Deus, que os pecados andariam naqueles bosques ao meio-dia. e para que<br />

nos quisesse bem encaminhar, com <strong>de</strong>voção fizemos petição a Nosso senhor que, assim<br />

como a santa helena abrira caminho para a achar, assim abrisse a nós caminho <strong>de</strong><br />

nossa salvação, que tão cerrado o víamos.”<br />

P. FraNCisCO ÁLvarEs<br />

“VerDADeirA iNForMAção soBre A TerrA Do PresTe João DAs íNDiAs”<br />

por altas serras <strong>de</strong> montanHas<br />

Pág. 16<br />

crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte<br />

leTrAs e MÚsiCAs De FAusTo BorDAlo DiAs<br />

Baseadas e inspiradas nos relatos <strong>de</strong> A “história Trágico-Marítima”<br />

reunidos por Bernardo Gomes <strong>de</strong> Brito<br />

“Dando todas as naus à vela aquele dia com muito contentamento, era o mar<br />

como um rio fazendo mil maneiras <strong>de</strong> ondas e águas, os céus formosos e adamascados,<br />

muito para ver e maravilhar. Mas também houve prenúncio <strong>de</strong> ruim viagem, que fazíamos<br />

às partes da índia, porque aqui <strong>de</strong>mos com um peixe fusco e mal encarado que víamos<br />

ir diante da embarcação lançando gran<strong>de</strong>s refolhos <strong>de</strong> água. e numa quarta-feira<br />

<strong>de</strong> trevas <strong>de</strong>ram-nos uns mares tão grossos, com algumas bafugens que da trovoada nos<br />

ficavam, que se ren<strong>de</strong>u o navio, dando tão secreta entrada ao mar que nunca jamais<br />

se soube por on<strong>de</strong>. Abordados com as ilhas Terceiras, ali não pu<strong>de</strong>mos chegar nem nos<br />

atrevemos a <strong>de</strong>mandar Cabo Ver<strong>de</strong>, senão <strong>de</strong>ixá-lo ir a seu gosto. e <strong>de</strong>ixando-o ir assim<br />

para on<strong>de</strong> os ventos queriam, nos pôs a 25 <strong>de</strong> Março em Porto rico.”<br />

ao som do mar e do Vento<br />

Pág. 17


10<br />

“Chegando aquela tar<strong>de</strong> a reconhecer o porto, encontramos esta ilha muito<br />

rica com montes e bosques cheios <strong>de</strong> laranjas, limões, cidras, goiabas, papaias, mamões,<br />

bananas e o auge <strong>de</strong> todas as frutas que são os ananases. Vinho não o dá esta terra e<br />

em lugar <strong>de</strong>ste lhes serve o tabaco <strong>de</strong> santo Domingo a que nós chamamos erva-santa.<br />

e não há quem o tire nunca da boca, ou dos narizes, e infinitos há que nem <strong>de</strong> ambas<br />

as maneiras se fartam <strong>de</strong>le. só os po<strong>de</strong>ria fartar quem lhes <strong>de</strong>scobrisse invenção para,<br />

assim como o metem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si por estes dois sentidos, o po<strong>de</strong>rem também meter<br />

pelos outros três, que lhe ficam privados <strong>de</strong> tanto gosto. A estes canudinhos (como<br />

eles lhe chamam), acesos por uma ponta e metidos na boca pela outra, estão chupando<br />

o fumo reprimindo o fôlego quanto po<strong>de</strong>m, para que tenha tempo <strong>de</strong> andar<br />

visitando, consolando e amezinhando todas as partes interiores. e tanta é a doçura<br />

<strong>de</strong>ste veneno que, nesta forma, tomado pelos narizes, experimentou o Padre Gaspar<br />

Afonso também sua virtu<strong>de</strong>.”<br />

À <strong>de</strong>riVa porto rico<br />

Pág. 17<br />

“Partimos <strong>de</strong>stas ilhas em <strong>de</strong>manda da Baía <strong>de</strong> Todos os santos on<strong>de</strong> chegámos<br />

a salvamento. e <strong>de</strong>pois que saímos do Brasil, rumo ao Cabo da Boa esperança,<br />

começou o novo leme, que ali fizemos, a mostrar que, assim como o seu antecessor<br />

não quisera levar este navio à índia, assim nem ele o queria, dando muitas pancadas<br />

que parecia <strong>de</strong> todo se <strong>de</strong>spedaçava. olhando para a água, vimos que era muito ver<strong>de</strong><br />

e amassada, o que não era bom sinal por não haver suposição <strong>de</strong> água daquela cor<br />

nestas paragens. Passou assim aquela tar<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> nos acudiram tantos pássaros que<br />

cobriam o céu. e vendo que era noite, e eram mais os pássaros que nos seguiam, e que<br />

o piloto, por <strong>de</strong>svario, não virava em outro bordo nem amainava, começou na nau<br />

a haver muitas murmurações e clamores. Assim nos <strong>de</strong>ixávamos ir com gran<strong>de</strong> risco<br />

sobre baixos e arrecifes <strong>de</strong> que já estávamos tão perto. e os pássaros eram cada vez<br />

mais...”<br />

todo este céu<br />

Pág. 18<br />

“Mas a causa do que nos haveria <strong>de</strong> acontecer era terem-se ausentado dali<br />

todos os ventos para maior <strong>de</strong>scuido nosso, e irem-nos esperar todos juntos e muito<br />

calados, como em cilada, e aí, em <strong>de</strong>sembocando, se arremassaram todos a nós. o céu<br />

conjurado contra todos, encobriu-se com a maior cerração e escurida<strong>de</strong> que se viu,<br />

e a fúria do temporal fez sofrer o navio tão mal ao pairo que, ficando muitas vezes<br />

afogado dos mares o trazia <strong>de</strong> todo vencido e muito apalpado daquele trabalho.<br />

e neste tempo veio um homem <strong>de</strong>baixo dizendo que já lá andava no porão uma campainha<br />

tangendo como quando vai com <strong>de</strong>funto. Todos juntos <strong>de</strong> joelhos, chamando<br />

por Nossa senhora, não pediam outra coisa mais que remédio para as almas que da<br />

salvação dos corpos estavam todos <strong>de</strong>sconfiados. e <strong>de</strong> súbito <strong>de</strong>u o navio <strong>de</strong> meio<br />

através nos baixos uma pancada temerosíssima.”<br />

na ponta do cabo<br />

Pág. 18<br />

“Ao outro dia, e <strong>de</strong>pois que amanheceu, estava toda a praia cheia <strong>de</strong> coisas<br />

preciosas numa confusa or<strong>de</strong>m com que a <strong>de</strong>saventura tinha tudo aquilo or<strong>de</strong>nado.<br />

e havia gente na fralda do mar com vista espalhada pelas praias e arrecifes porque em<br />

saindo o sol, o abrandou <strong>de</strong> sua fúria e braveza.”<br />

o mar Pág. 19 “<br />

“Carregada a nau no fundo do mar por cobiça e cuidando então que fosse<br />

ao fundo por quão rota e aberta ia, começaram por confessar-se sumariamente a alguns<br />

clérigos, sem tino e sem or<strong>de</strong>m, que o confessor chega a tapar a boca ao alienado<br />

que vai gritando alto os seus pecados. e a gente do mar, por natureza inumana e mal<br />

inclinada, embarcava em jangadas que construíam, roubando e <strong>de</strong>struindo tudo, e<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo as embarcações dos quais que as vinham <strong>de</strong>mandar, à força das espadas<br />

e <strong>de</strong> safanões. Foi o espectáculo <strong>de</strong>ste dia o mais triste e lastimoso que se podia ver.<br />

e aquela gente toda aos arrecifes agarrada, e que a maré enchendo os afogava, bradavam<br />

pelos do batel e das jangadas nomeando muitos por seus nomes, toda a noite<br />

num perpétuo grito tamanho que penetrava os céus.”<br />

a cHusma salVa-se assim<br />

Pág. 19<br />

“e por gestos nos convidaram a segui-los, e pondo-se diante da avanguarda<br />

iam cantando a seu modo ao longo daquele arvoredo. No próprio dia à tar<strong>de</strong> chegámos<br />

à sua povoação, e ao sol posto se assentou o arraial, on<strong>de</strong> nos apresentaram<br />

algumas almadias com galinhas, arroz, figos, cocos e mel <strong>de</strong> abelhas. e nos ofereceram<br />

gran<strong>de</strong>s cabaças <strong>de</strong> vinho feito <strong>de</strong> milho, e cheio <strong>de</strong> baratas, que eles bebem com<br />

gran<strong>de</strong> sabor, <strong>de</strong> que nos <strong>de</strong>ram a beber e que todos o gostaram por lhes fazer mimo<br />

e cortesia. Aquele tempo o passámos com gran<strong>de</strong> festa e alegria, recordando ainda os<br />

penosos sofrimentos que havíamos experimentado.”<br />

os naVeGados<br />

Pág. 20


12<br />

por este rio acima<br />

leTrAs e MÚsiCAs De FAusTo BorDAlo DiAs<br />

Baseadas e inspiradas na “Peregrinação”<br />

<strong>de</strong> Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto<br />

“Continuando nosso caminho por este rio acima, tudo quanto a vista alcançava<br />

era embarcações com toldos <strong>de</strong> seda e muitos estandartes, guiões e ban<strong>de</strong>iras e varandas<br />

pintadas <strong>de</strong> diversas pinturas. Ali se trocam e oferecem todas as sortes <strong>de</strong> caças e<br />

carnes quantas se criam na terra, que nós andávamos como pasmados como requeria<br />

tão espantosa e quase incrível maravilha. Noutras embarcações vêm gran<strong>de</strong> soma <strong>de</strong><br />

amas para crianças enjeitadas e outras, pelo tempo que cada um quiser, mulheres<br />

velhas que servem <strong>de</strong> parteiras dando mezinhas para botarem crianças, e fazerem<br />

parir ou não parir. Noutros barcos há homens honrados que servem <strong>de</strong> correctores <strong>de</strong><br />

casamentos e consolam mulheres enlutadas por morte <strong>de</strong> maridos e filhos e outras<br />

coisas <strong>de</strong>sta maneira. em barcaças <strong>de</strong> muitas cores, com invenções <strong>de</strong> muitos perfumes<br />

e cheiros muito suaves, vêm homens e mulheres tangendo em vários instrumentos<br />

para darem música a quem os quiser ouvir. Na terra do labirinto das trinta e duas leis,<br />

nesta terra toda lavrada <strong>de</strong> rios, a China, há uma tamanha observância da justiça e um<br />

governo tão igual e tão excelente, que todas as outras, por mais grandiosas que sejam,<br />

ficam escuras e sem lustro.”<br />

por este rio acima<br />

Pág. 21<br />

“o meu <strong>de</strong>sejo seria sair <strong>de</strong>sta viagem muito rico em pouco tempo sem pensar<br />

quão arriscada eu então levaria a vida, confiado nesta promessa e enganado nesta<br />

esperança. Na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Diu, preparava-se então a guerra por suspeita que se tinha<br />

da vinda da armada do turco. Parti <strong>de</strong> Portugal na Primavera e, navegando todos os<br />

barcos pela sua rota, cheguei ao mar da outra banda do oceano. A índia.”<br />

porque nÃo me Vês<br />

Pág. 22<br />

“embarcado num jurupango, com o Mouro Coja Ale, feitor do capitão <strong>de</strong><br />

Malaca, fomos surgir no rio <strong>de</strong> Parles no reino <strong>de</strong> quedá. Nesse tempo, estava o rei<br />

celebrando com gran<strong>de</strong> aparato e pompa fúnebre as exéquias da morte <strong>de</strong> seu pai,<br />

que ele matara às punhaladas para casar com sua mãe que estava prenhe <strong>de</strong>le. Para<br />

evitar murmurações mandou lançar pregão que sob gravíssimas mortes ninguém<br />

falasse no que já era feito. Mas Coja Ale era <strong>de</strong> sua natureza solto <strong>de</strong> língua e muito<br />

atrevido em falar o que lhe vinha à sua vonta<strong>de</strong>. e foi assim que preso por soldados<br />

fui chamado ao rei e olhando para on<strong>de</strong> ele me acenava, vi jazer <strong>de</strong> bruços no chão<br />

muitos corpos mortos todos metidos num charco <strong>de</strong> sangue. entre eles o Mouro Coja<br />

Ale. Por mais <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> hora estive como pasmado, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> abano, sem po<strong>de</strong>r<br />

falar, arremessado aos pés do elefante em que el-rei estava. Depois <strong>de</strong> perdoado pelas<br />

lamentações e <strong>de</strong>sculpas toscas, mas que vinham ao momento muito a propósito, me<br />

fiz à vela muito <strong>de</strong>pressa pelo gran<strong>de</strong> medo e risco da morte em que me vira.”<br />

como um sonHo acordado<br />

Pág. 22<br />

“embarquei para Portugal, assim como parti, sem nada <strong>de</strong> meu, confiado<br />

nesta esperança <strong>de</strong> que a minha Pátria me não negasse o que por meus serviços eu<br />

cui<strong>de</strong>i que me era <strong>de</strong>vido. Cheguei a salvamento à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lisboa.”<br />

lembra-me um sonHo lindo<br />

Pág. 22<br />

“Por conversa do pirata similau e convencimento <strong>de</strong> António <strong>de</strong> Faria partimos<br />

em busca da ilha <strong>de</strong> Calempluy, também chamada a ilha do ouro, on<strong>de</strong> se encontravam<br />

os jazigos dos reis da China trasbordando <strong>de</strong> prata e outras fortunas. esta<br />

temerária empresa trazia-nos a todos muito receosos, mas lá fomos levando o nome<br />

<strong>de</strong> Jesus na boca e no coração. Como ministros da noite, os soldados saquearam este<br />

lugar sagrado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dominado o ermitão. À vista das minas <strong>de</strong> Conxinacau <strong>de</strong>u-nos<br />

um tempo <strong>de</strong> sul chamado tufão que era coisa medonha <strong>de</strong> ver. e foi nesta tempesta<strong>de</strong><br />

que morreu António <strong>de</strong> Faria aos cinco do mês <strong>de</strong> Agosto pelo qual nosso senhor seja<br />

louvado para sempre. os nove que escapámos por misericórdia, procurámos chegar<br />

por terra a Cantão para regressar a Malaca. Mas assim tão <strong>de</strong>samparados logo as gentes<br />

nos tomavam por ladrões e vadios, e fomos feitos prisioneiros e levados a Pequim por<br />

apelação, viagem que a seguir darei parte. Nesta adversida<strong>de</strong> semeou-se, apesar disto,<br />

uma violenta contenda entre nós, nascida <strong>de</strong> uma certa vaida<strong>de</strong> que a nossa nação<br />

portuguesa tem consigo.”<br />

olHa o Fado<br />

Pág. 23<br />

“De Diu embarquei para o estreito <strong>de</strong> Meca, daqui fomos a Maçuá e daí,<br />

por terra, ao reino do Preste João. Passei ao reino dos Batas e <strong>de</strong> fugida pelo reino<br />

<strong>de</strong> quedá como adiante darei parte. em Patane conheci António <strong>de</strong> Faria, capitão a<br />

quem servi na venda da mercadoria. Fomos atacados e roubados pelo perro do Coja<br />

Acém, temido pirata <strong>de</strong>pois que heitor da silveira lhe matara seu pai e dois irmãos.<br />

Por isso, Coja Acém havia prometido a Mafame<strong>de</strong> matar todos da geração <strong>de</strong> Malaca.<br />

em pequenas fustas, enfrentei também a gran<strong>de</strong> armada do turco que bor<strong>de</strong>java na<br />

nossa esteira com as velas quarteadas <strong>de</strong> cores e muitas ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> seda.”<br />

a Guerra é a Guerra<br />

Pág. 23<br />

“Ainda muito jovem vim para lisboa on<strong>de</strong> um tio meu me pôs ao serviço<br />

<strong>de</strong> uma senhora <strong>de</strong> geração nobre e <strong>de</strong> parentes ilustres. suce<strong>de</strong>u-me então um caso<br />

que me pôs a vida em tanto risco que para a po<strong>de</strong>r salvar me vi forçado a sair naquela<br />

mesma hora <strong>de</strong> casa, fugindo com a maior pressa que pu<strong>de</strong>. indo assim tão <strong>de</strong>satinado,<br />

entre outros medos, e sem trabalho que bastasse para minha sustentação, <strong>de</strong>cidi<br />

embarcar-me para a índia, ainda que com poucas ilusões, já disposto a toda a ventura,<br />

ou má ou boa, que me suce<strong>de</strong>sse.”<br />

o barco Vai <strong>de</strong> saÍda<br />

Pág. 24


Futuro Álbum<br />

e Fomos pela ÁGua do rio<br />

e FoMos PelA ÁGuA Do rio<br />

eM BusCA DAquelA TerrA<br />

e A MAré Foi De rosAs<br />

PelA BoCA<br />

NA CAlMAriA Tão GrANDe<br />

e AssiM CoMo Fosse CANsADo<br />

A ÁGuA VAi MuiTo MANsA<br />

e o Meu CorPo suADo<br />

eMBAlADo<br />

FluTuA e DesCANsA<br />

e ViMos CoM os Nossos olhos<br />

que eM MArAVilhA se<br />

olhArAM<br />

uMA Cor NA ÁGuA Do rio<br />

DesVAirADA DA ouTrA<br />

DesVAirADA Pelo ToM<br />

AluCiNADA<br />

Pelo DesVAiro DA Cor<br />

se uMA erA DoCe<br />

e A ouTrA sAlGADA<br />

eM oNDulANTe sABor<br />

e A Cor Do ouro rePousA<br />

DerrAMADo NA AreiA<br />

e sABorosA e Tão quieTA<br />

erA A VisTA<br />

PouCo lAVADA Dos VeNTos<br />

são iNFiNDAs As GArçAs reAis<br />

eM Voos MuiTo ArABesCos<br />

que só Do olhAr TiVeMos<br />

uM DoCe e GrANDe reFresCo<br />

e eM ToDo Aquele rio<br />

erA GrANDe<br />

A CóPiA De PesCAriAs<br />

De MulTiDão De<br />

GATos-De-AlGÁliA<br />

PAPAGAios e BuGiAs<br />

e surGeM Do DeNso ArVoreDo<br />

iNCoNTÁVeis GeNTes PreTAs<br />

De Tão liNDAs Mulheres<br />

e De GrANDe VerGoNhA<br />

Tão leDAs<br />

e o PerFuMe DesTA TerrA<br />

é A DoçurA Do seu FruTo<br />

o MisTério Do seu VulTo<br />

eM selVA De ArVoreDos<br />

De PAlMAres<br />

lArANJeirAs<br />

liMoeiros e CiDreirAs<br />

CrisTAliNAs Pelos Ares<br />

BrilhAM As Cores Do ArCo<br />

CelesTe De iNFiNiTAs MANeirAs<br />

De iNFiNiTAs MANeirAs<br />

Velas e naVios sobre as ÁGuas<br />

quANDo AVisTArAM PelA PriMeirA Vez<br />

VelAs e NAVios soBre As ÁGuAs<br />

Por MArAVilhA iMAGiNArAM<br />

que erAM BrANDAs<br />

AsAs BrANCAs<br />

que VoAVAM PelAs FrÁGuAs<br />

ViNDAs Por MAGiA<br />

De esTrANhos luGAres<br />

AssiM leVANTADAs<br />

MuiTo MAis AlADAs<br />

PelAs eNTrANhAs DAs CAFrAriAs<br />

e NAsCiDAs De ouTros MAres<br />

De ouTros Ares<br />

e quANDo ArreÁMos VelAs<br />

lANçÁMos Ferro<br />

e VeNDo APeNAs CAsCos<br />

De FeiTio<br />

CuiDArAM eNTão<br />

que FosseM Peixes<br />

NuNCA ANTes TiNhAM VisTo<br />

quAlquer oBrA De NAVio<br />

Vão reMos Ao AlTo<br />

PÁrA De VoGAr<br />

e olhAM-Nos De esPANTo<br />

e Nós NesTe queBrANTo<br />

ACorDÁMos eM soBressAlTo<br />

se ANDAM CAFres Pelo Ar<br />

A roNDAr A roNDAr<br />

TAMBéM JulGAVAM que<br />

os olhos PiNTADos<br />

e PiNTADos MesMo À ProA<br />

Do NAVio<br />

erAM VerDADeiros olhos<br />

e Por esses olhos<br />

ViA e ANDAVA<br />

o NAVio Pelo rio<br />

PAirANDo No esCuro<br />

erA APArição<br />

esTrANhA CriATurA<br />

NA NeGrA MolDurA<br />

e NA AFlição Do esCoNJuro<br />

ATroPelAM ÁGuA<br />

Céu e Chão<br />

os PAGãos os PAGãos<br />

e CoBreM o Ar GAFANhoTos<br />

MosquiTos e MosCos<br />

PAVões e PATolAs<br />

liBeliNhAs<br />

zANGões<br />

BorBoleTAs<br />

TABões<br />

ABelhiNhAs<br />

GrAlhAs<br />

GAliNholAs<br />

e No Chão<br />

ABerTos os GorGoMilos<br />

hÁ BiChAs e CroCoDilos<br />

MuiTo ABuNDANTes<br />

De BeiçA lArGA<br />

e PAPos GrANDes<br />

14 15<br />

e NA TAPADA<br />

ANDAM leões e leoPArDos<br />

eNTre MuiTos ruMiNANTes<br />

MirABolANTes<br />

loNGos FoCiNhos<br />

De “AliFANTes”<br />

e Viemos nascidos do mar<br />

e MuiTo se esPANTAM DA NossA BrANCurA<br />

eNTreTANTo<br />

e MuiTo PAsMAVAM De olhAr<br />

olhos ClAros AssiM<br />

PAlPAVAM As Mãos e os BrAços<br />

e ouTrAs PArTes<br />

PorTANTo<br />

esFreGAVAM De CusPo MiNhA Pele<br />

PArA Ver se erA<br />

eNFiM<br />

uMA TiNTA<br />

ou se erA De esTAMPA<br />

uMA CArNe Tão BrANCA<br />

VeNDo AssiM que erA BrANCo<br />

o Meu CorPo e A BrANCurA De eNTão<br />

exTAsiAM<br />

e MuiTo se MArAVilhAM<br />

De ToDo eM ADMirAção<br />

e uNs esCoNDeM As suAs VerGoNhAs<br />

CoBerTAs De esToPAs<br />

e erAM GrANDes e GorDos<br />

e BAços<br />

e eNxuTos<br />

os PreTos<br />

PelAs VeNTosiDADes<br />

CoNFuNDeM TrAseiros e BoCAs<br />

e TAPAM Aqueles e esTAs<br />

DoBrAM CAlAFeTos<br />

e os MAis PArDos<br />

lÁ Vão quAse Nus<br />

Vão Ao léu GABirus<br />

e De TeTAs ATé À CiNTurA<br />

hÁ Mulheres CrePiTANTes<br />

Tão DesNuDAs<br />

MeNeiAM NA DANçA<br />

o seu CorPo DANçANTe<br />

e érAMos BrANCos De<br />

AssoMBro<br />

e NAsCiDos Do MAr<br />

PelAs NAVes<br />

GuiADos Pelos VeNTos Do Céu<br />

e Pelo Voo DAs AVes<br />

nos palmares das baÍas<br />

e esTe iMeNso GeNTio<br />

rouBA<br />

CoMPrA<br />

e TroCA AssiM MuiTos esCrAVos<br />

No MAis Do TeMPo são VADios<br />

A GozAr e A FolGAr<br />

Nos DesCoNChAVos<br />

VêM A Preço<br />

eM GrANDes FeirAs<br />

os que MorAM NA AreiA DA BerBeriA<br />

e FiCAM os PreTos À VeNDA<br />

Dos que ViVeM Nos PAlMAres DAs BAíAs<br />

e VêM BAços<br />

e ouTros PArDos<br />

ANDAM MAis A TrATo De MerCADoriA<br />

e VeNDeM esTes e ouTros TANTos<br />

VeNDeM CAFres<br />

e DA PróPriA CAFrAriA<br />

e TroCAM GeNTes Por CAVAlos<br />

ouro e PrATA<br />

ArTes De seDA MourisCA<br />

Pelos esCrAVos<br />

CoMPrAM TeCiDos De liNho<br />

e sAioTes De oDAlisCAs<br />

DeMos oFerTAs De BisCoiTo<br />

e ViNho Nosso<br />

que o Deles é De PAlMeirA<br />

ProMeTeM seTe ACorreNTADos<br />

e uMA NeGrA<br />

P´rA Meu CoNsolo De esTeirA<br />

Tão requeBrADA<br />

leVA A BAilA No ANDAr<br />

eM PerNAs De JeiTos FeliNos<br />

MuiTo CheirosA<br />

AlMisCArADo erA o seu CorPo<br />

De AliNhAMeNTos DiViNos<br />

lADiNos<br />

Tão esqueCiDo<br />

DesTes reGAlos huMANos<br />

eu Vou MuDAr De rePAsTo<br />

CoM ToDA A luxÚriA<br />

e ToDA A DelíCiA<br />

CoM ToDA A VolÚPiA<br />

e ToDA A CAríCiA<br />

NA BAilA DA DANçA<br />

DAs PerNAs MourisCAs<br />

CoM MuiTA MAlíCiA<br />

FascÍnio e seduÇÃo<br />

e elAs são MuiTo luxuriosAs<br />

NA suA lAsCíViA<br />

e MuiTo se ANiMAM eM GesTos<br />

Por luxuriAr<br />

e TrANsluzeM<br />

NA DANçA DAs PerNAs<br />

PelA ArTe DAs Mãos<br />

os olhos que BrilhAM e FiTAM<br />

De AlTo A BAixo<br />

A quesTão<br />

e DeslizAM No VeNTre<br />

Dos CorPos suADos<br />

os DeDos<br />

se No DeleiTe<br />

erA MuiTo MAis DoCe<br />

essA CoNsolAção<br />

que DeseNhA<br />

PelA CurVA DA CoxA<br />

A soMBreADA eleGâNCiA<br />

e A Cor Do Meu e Do seu<br />

À MAis CurTA DisTâNCiA<br />

leVe CoMo uM BeiJo<br />

leVe o seu BAilAr<br />

queNTe o seu DeseJo<br />

queNTe<br />

queNTe CoMo o Ar<br />

roDA<br />

VirA<br />

e Mexe o seu Colo<br />

GirA GirA<br />

CoMo uM Pião<br />

TreMe CoMo A seDA<br />

PelA PAlMA DA Mão<br />

serPeNTeiA o seu VeNTre<br />

e GeMe CoMo o VeNTo suão


À luZ mais FrÁGil das auroras<br />

ó que BeNDiTo CoNTeNTAMeNTo seriA<br />

leVArMos AMosTrA<br />

DesTes NATiVos BrAVios<br />

VelANDo A NoiTe<br />

e ANDANDo No Pé DAs esPiAs<br />

De PAsso AGAChADo<br />

No sussurro Dos CiCios<br />

Por TerrA BoéMiA<br />

A sABer<br />

se seNTíAMos GeNTe<br />

e No Cheiro Do rAsTo De AlGuéM<br />

Do leVANTe Ao PoeNTe<br />

seM hAVer seNTiDo De Nós<br />

ArreBATArMos<br />

CATiVA<br />

uMA AlMA<br />

eNCoNTrADA que Fosse<br />

ViNDA AssiM De VeNCiDA<br />

PelA CAlMAriA DA NoiTe<br />

A esPerA<br />

DeseNhA A CilADA Do CerCo<br />

DA FerA<br />

JÁ se seNTe AlGuéM Por PerTo<br />

VulTo DéBil<br />

PAsso iNCerTo<br />

e CATAPulTAM No AssAlTo<br />

CorPos lANçADos Dos NeGruMes<br />

e ouTro AMArrADo<br />

MAis se AquieTA<br />

De uM soBressAlTo De queixuMes<br />

ó que NeGrA MAis liNDA<br />

CiNGiMos AGorA<br />

suAVeMeNTe leVADA<br />

À luz MAis FrÁGil DAs AurorAs<br />

À sombra das ciladas<br />

CorPo A CorPo<br />

GolPe A GolPe<br />

MATA<br />

PAsso A PAsso<br />

sAlTo A sAlTo<br />

NADA esCAPA<br />

DeCePADos<br />

os CorPos À sorTe<br />

CorTA<br />

se reCeBeM<br />

TrABAlhADA MorTe<br />

MorTA<br />

e ACoDeM MesMo AssiM<br />

eNTão MuiTos GuiNéus<br />

ViNDos De ATroPelo<br />

e De TerrAs DesVAirADAs<br />

MAs VirAM CosTAs Aos CoNTrÁrios<br />

iNDo À ouTrA PArTe<br />

Ao Ver A NossA TurBA<br />

Tão APArelhADA<br />

se reCeBe TeMores<br />

A CorJA ACoMeTiDA<br />

se ArroJA ArMAs Ao Chão<br />

CoMo CoisA JÁ VeNCiDA<br />

esTAlA<br />

BruTA<br />

A esCArAMuçA<br />

AFliGe o PeiTo<br />

e JÁ soluçA<br />

esTilhAçAM ossos<br />

CusPiNDo sANGue<br />

e VoMiTAM As AlMAs PeNADAs<br />

MAs hÁ GeNTe eNCoBerTA<br />

À soMBrA DAs CilADAs<br />

PelA NossA PerDição<br />

Por soMBrAs PerseGuiDos<br />

e lANçAM-Nos PeçoNhAs<br />

rAsGAM-Nos As ChAGAs<br />

TAlhAM-Nos Do rosTo<br />

ACerCA<br />

ToDA esTA queixADA<br />

sANGrADos e PurGADos<br />

iNoCeNTAM-se os FeriDos<br />

No soCorro TArDiNheiro<br />

NA TorMeNTA Dos CAíDos<br />

sAlTA<br />

e FoGe<br />

NA liGeiriCe<br />

esCAPA<br />

iNsANo<br />

DA iMuNDiCe<br />

reVolViDos VAMos<br />

uNs CoM os ouTros<br />

e soFreMos TrABAlhADA MorTe<br />

Pelos Céus<br />

Pelos rios<br />

Pelos FoGos<br />

Pelos MATos<br />

MAis soMBrios<br />

Pelos Ares<br />

FluTuANTes<br />

PelAs ÁGuAs<br />

lATeJANTes<br />

PelAs serrAs<br />

oFeGANTes<br />

PelAs ChAMAs<br />

suPliCANTes<br />

DesAVisADos PelA sorTe Vão<br />

eM leNTos PAssos De MorTe<br />

Por suA DoCe PieDADe e PAixão<br />

Deus reCeBA As suAs AlMAs<br />

e No luGAr Dos sANTos<br />

AléM<br />

iMACulADos seJAM<br />

TAMBéM<br />

e rePouseM eM sANTA PAz<br />

AMéN<br />

16 17<br />

por altas serras <strong>de</strong> montanHas<br />

Pelo Nosso ANDAMeNTo AVANTe<br />

Por AlTAs serrAs De MoNTANhAs<br />

Por MuiTAs esCArPADAs TerrAs<br />

se AVisTAM Do MuNDo As eNTrANhAs<br />

CorTADA A roChA A Pique CAi<br />

A luz MAis AlTA Do eTerNo<br />

Por ToDA A PArTe DelA olhANDo<br />

As ProFuNDezAs Do iNFerNo<br />

No TróPiCo ArDeNTe Do sol<br />

se AFuNDAM rios No DeserTo<br />

que os MAres AreNosos BeBeM<br />

ANTes Do MAr DA ÁGuA iMerso<br />

Por MAis AlTos e FuNDos Morros<br />

e Por Cerros eNDiABrADos<br />

BrADAVAM CÁFilAs PAreCiA<br />

que eM CulPA As ToMAVA o PeCADo<br />

quAse MorTA Por FrAGosos CAMiNhos<br />

VAi A CorJA Por CAMiNho NeNhuM<br />

e VAMos Nós ouTros ToDos CoM elA<br />

reNTe À MorTe e A luGAr AlGuM<br />

eM suBiDAs e PelAs CAlMAriAs<br />

NAs DesCiDAs DA CAlMA que FAziA<br />

eNTre AliMÁriAs De VÁriAs NAções<br />

PelAs serrANiAs De AlTurA e FuNDurA<br />

e No MurMÚrio DAs orAções<br />

eNTre A “KuAlA” ArDeNTe<br />

e AquelA “DAGA” FriA<br />

luz A serrA iNCANDesCeNTe<br />

que DA BrANCA NeVe ArDiA<br />

CAMiNhÁMos CAMiNho AVANTe<br />

Por AlTAs serrAs De MoNTANhAs<br />

crónicas da terra ar<strong>de</strong>nte<br />

ao som do mar e do Vento<br />

CArreGADos De uMA BANDA<br />

e Tão PouCo DA ouTrA<br />

Tão BoiANTes DAquelA<br />

DeseNGoNçADos NA roTA<br />

PeNeTrANDo A GrANDezA<br />

Dos oCeANos DAs ilhAs<br />

serViA A quilhA De CosTADo<br />

e o CosTADo De quilhA<br />

VeNTou-Nos o VeNTo<br />

VeNTou<br />

Por Mil iNVeNções e MANeirAs<br />

oNDAs e ÁGuAs Pelo Ar<br />

eM BorrisCADAs e ChuVeiros<br />

e No CorPo DA NAu<br />

De rAsTos<br />

NA TolDA<br />

Nos MAsTAréus<br />

e ATé Por ForA Do CAsCo<br />

JÁ TuDo são FoliAs<br />

PANDeiros e zoMBAriAs<br />

Vão eM NossA CoMPANhiA<br />

eM GrANDes FesTAs MulTiCores<br />

MuiTAs AVes MArisCANDo<br />

e MuiTos Peixes VoADores<br />

uMA TurBA De BAleiAs<br />

eM BAiles<br />

BorriFos<br />

são elAs<br />

roMPeNDo NesTe MAr De rosAs<br />

MANChAs De oVAs De AGuArelAs<br />

VêM ATé Nós DAqueles Céus<br />

iNFiNiTAs ANDoriNhAs<br />

que No sABor NiNGuéM sABiA<br />

se erAM CArNes ou sArDiNhAs<br />

seM sTº. ANTóNio que os DouTriNe<br />

hÁ Peixes Feros Tão DANADos<br />

FrusCos e MAl eNCArADos<br />

MAs TuDo são FoliAs<br />

PANDeiros e zoMBAriAs<br />

CoNTeMPlANDo Dos ChAPiTéus<br />

o MoViMeNTo Dos Céus<br />

o CArTeANDo o sol Tão BeM<br />

Meu BeM<br />

eu CirCuNDo<br />

NAs DerrADeirAs PArTes Do MuNDo<br />

só P’rA Te ABrAçAr e BeiJAr<br />

CoM ToDo esTe seNTiMeNTo<br />

Ao soM Do MAr e Do VeNTo<br />

Ao soM Do VeNTo e Do MAr<br />

AGueNTA o BArCo AlTos MAres<br />

CoNVoCADos Pelos VeNTos<br />

CoM que ArFAVA e MeTiA<br />

MuiTo Pelo BArlAVeNTo<br />

seNão quANDo uM MAriNheiro<br />

Aos sAlTos Pelo DesCoNJuNTo<br />

GriTou que se DAVA JÁ<br />

ANTes De MAis<br />

CoMo DeFuNTo<br />

e APoNTA A oNDA<br />

que De MuiTo loNGe<br />

CheGA leVANTADA<br />

soBre elA ViNhAM FoliANDo<br />

VulTos NeGros eM MANADA<br />

MAs PAssA o MAu e o DesDiToso<br />

TuDo se esqueCe<br />

ACABou-se<br />

o que Foi PAssADo<br />

PAssou-se<br />

e TuDo são FoliAs<br />

PANDeiros e zoMBAriAs<br />

À <strong>de</strong>riVa porto rico<br />

NAquele luGAr<br />

serVeM-Nos TABACo<br />

eM luGAr<br />

De ViNho<br />

eM PorTo riCo<br />

CheirA A erVA sANTA<br />

De sANTo DoMiNGo<br />

Tão DoCe e seNTiDA<br />

ChuPADA e CoNTiDA<br />

No PeiTo<br />

Tão só<br />

sorVeM CoMo suMos<br />

P’lAs BoCAs eM FuMos<br />

Pelos NArizes<br />

eM Pó<br />

DeBAixo DAs liNhAs<br />

queNTes<br />

TroPiCAis<br />

soAM MAis<br />

CrisTAliNAs<br />

MÚsiCA De BÚzios<br />

Dos ATABAliNhos<br />

De CAMPAiNhAs<br />

e BuziNAs<br />

TrANsMAriNAs<br />

esGArABulhA sAlTA PulA PiNChA<br />

FAzeM MuiTAs Mil DoiDiCes<br />

queM o Disse<br />

De TAl MANeirA A MAriNhAr<br />

P’rA Não se ATirAreM Ao MAr


os ATÁVAMos uNs Aos ouTros<br />

PelAs GâMBiAs Pelos CoTos<br />

esVoAçA AVoA ADeJA AlA<br />

PelAs VeNTAs exTAsiA<br />

queM DiriA<br />

iMiTAM AVes<br />

o que é rAro<br />

P’lA ForçA ou Furor Do FAro<br />

uM VAi ToNTo e ouTro Tolo<br />

Pois TANTo ACoMeTe Ao Miolo<br />

A ChusMA De Gulosos<br />

DeDilhA FolhAs seCAs<br />

ViCiosos<br />

CANuDiNhos<br />

eM êxTAses CoNTíNuos<br />

De ToDo Areou<br />

PerDeu o TiNo<br />

P’los CAMiNhos<br />

e ANDÁMos Ao PAiro<br />

seM NorTe NeM sol<br />

No DesVAiro<br />

DAs FoliAs<br />

se o PiloTo TrAz<br />

Dois NorTes<br />

P’lo seu sol<br />

ouTro eM suA FANTAsiA<br />

e As ilhAs DesTe MuNDo<br />

seM rAiz que As PreNDA<br />

lÁ No FuNDo<br />

DesTe MAr<br />

ANDAM soBre As ÁGuAs<br />

BAilAM PelAs FrÁGuAs<br />

CoMo BóiAs<br />

A BAilAr<br />

A BoiAr<br />

todo este céu<br />

ABrAçA-Me BeM<br />

e CoBre o Meu CorPo<br />

eNFiM<br />

Nesse AGAsAlho<br />

são os Teus BrAços<br />

siM<br />

CuiDA De MiM<br />

BAsTA-Me uM GesTo<br />

PoréM<br />

ABrAçA-Me BeM<br />

BeM No Teu Colo<br />

CheGA-Me MAis A Ti<br />

uM PouCo MAis<br />

suAVeMeNTe<br />

AssiM<br />

TuDo Por FiM<br />

são MÁGoAs<br />

que eu CoNsolo<br />

BeM No Teu Colo<br />

ToDo esTe Céu<br />

De PÁssAros e ToNs<br />

MuiTo AssoMBrADo<br />

TrAz o Teu ser<br />

Tão BoM<br />

ToDo esTe soM<br />

DesCe A Nós<br />

CoM uM Véu<br />

ToDo esTe Céu<br />

lANçADo À TerrA<br />

soBre resTiNGAs e ilhéus<br />

Mil soMBrAs De AsAs<br />

leMBrAM A AusêNCiA<br />

De uM Deus<br />

NuM ÚlTiMo ADeus<br />

Pois só Teu AFAGo<br />

Me esPerA lANçADo À TerrA<br />

e quAlquer CoisA ACoNTeCe<br />

No MAis AlTo Dos Céus<br />

quAlquer CoisA No FuNDo<br />

Do Meu CorAção<br />

MAs Não sei DAs TreVAs<br />

NeM DA luz<br />

Pois seM Ti Não hÁ<br />

NeM Céu<br />

NeM Chão<br />

e se A NoiTe JÁ roNDA<br />

MiNhA Cruz<br />

luz NAs TreVAs<br />

MiNhA PAixão<br />

na ponta do cabo<br />

AMANheCeMos<br />

NA PoNTA Do CABo<br />

DoBrÁMos leVANDo<br />

NossA ViAGeM eMBorA<br />

AGArruNChADos<br />

CosiDos<br />

CoM os PeNeDos e os CAlhAus<br />

Do CABo Do CABo Do CABo Do CABo<br />

Aquele CAsCo VAi<br />

CoM o BorDo DeBAixo De ÁGuA<br />

MeTe De PoPA e De ProA<br />

lÁ VAi eM Pulos e sAlTos<br />

CoM As TilhAs eM BAixo<br />

ACoDe À VelA<br />

À BoMBA<br />

Ao leMe<br />

Ao reMo<br />

Ao BoTe Ao BoTe Ao BoTe<br />

ABriu eNTão PelAs PiCAs<br />

ATirou ForA A esToPA<br />

Do CAlAFeTo CusPiNDo<br />

os CiNCo MAres que Nos DerAM<br />

CoMiAM CoMiAM CoMiAM CoMiAM<br />

e o VeNTo ForTe<br />

e o VeNTo ForTe TrAVessão<br />

Deu-Nos uM GrANDe ChuVeiro<br />

ChAMADo olho De Boi<br />

olhA o Boi<br />

Corre A NAu PelA BoliNA<br />

AGuçANDo De ló<br />

Deu uMA GrANDe CABeçADA<br />

que PArTiu o GAliNDréu<br />

o GuruPés<br />

o MAsTAréu A MoNeTA<br />

A esCoTA<br />

A CArliNGA o PAPA-FiGo<br />

o TAMBoreTe<br />

seM MoNeTA NeM MAsTro NeM NADA<br />

ACoDe À VelA<br />

À BoMBA<br />

Ao leMe<br />

Ao reMo<br />

Ao BoTe Ao BoTe Ao BoTe<br />

18 19<br />

e Foi uM MAr que lhe Deu<br />

Foi-se Ao leMe<br />

Vão os MAChos<br />

MeTiDos NAs FêMeAs<br />

Tu ArrAsADo De ÁGuA<br />

MeTiDA A VelA NA VerGA<br />

MeTiDA MeTiDA MeTiDA MeTiDA<br />

e PelA ProA<br />

suBiTAMeNTe PelA ProA<br />

hÁ uM PoNeNTe Tão riJo<br />

que Nos Deixou A VerGA eM BAixo<br />

olhA o BAixo<br />

e PAirAVA soBre Nós<br />

uM olho De FoGo<br />

CheirAVA A eNxoFre e PAreCiA<br />

que se DerreTiA o MuNDo<br />

os CAlDeirões<br />

A esCoTilhA A esTriNCA<br />

o PosTAréu A CeVADeirA<br />

A CoNJurA Do TeMPo<br />

e No BATel e No BATel<br />

que NeM MoVer se PoDiAM<br />

uNs Por CiMA Dos ouTros<br />

ACoDe À VelA<br />

À BoMBA<br />

Ao leMe<br />

Ao reMo<br />

Ao BoTe Ao BoTe Ao BoTe<br />

PelA BANDA De BorDo<br />

FAz uM MeDo De Ver<br />

só MAis uM Pé-De-VeNTo<br />

erA NoiTe erA NoiTe<br />

erA o FiM Pelos VisTos<br />

e soAVAM soAVAM<br />

AlTos GriTos Nos BAixos<br />

são GeMiDos e MeDos<br />

e rezANDo DeMAis<br />

VAi o BoM e o MAu<br />

VAi o BArCo e A NAu<br />

A sAFAr o MesAMe<br />

leVANTAVA leVANTe<br />

e VeNTAVA PoeNTe<br />

erA MAis Do que TuDo<br />

Pelo quArTo DA PriMA<br />

TroVões AlTos GriTos<br />

ArreCiFes e MAis<br />

são susPiros e PrANTos<br />

AliJANDo De MeNos<br />

esTe e Aquele MuNDo<br />

VAi A Pique e Ao FuNDo<br />

PelA BANDA De BorDo<br />

A sAFAr o MesAMe<br />

FAz uM MeDo De Ver<br />

leVANTAVA leVANTe<br />

só MAis uM Pé-De-VeNTo<br />

e VeNTAVA PoeNTe<br />

erA NoiTe erA NoiTe<br />

erA MAis Do que TuDo<br />

erA o FiM Pelos VisTos<br />

Pelo quArTo DA PriMA<br />

e soAVAM soAVAM<br />

TroVões AlTos GriTos<br />

AlTos GriTos Nos BAixos<br />

ArreCiFes e MAis<br />

são GeMiDos e MeDos<br />

são susPiros e PrANTos<br />

e rezANDo DeMAis<br />

AliJANDo De MeNos<br />

VAi o BoM e o MAu<br />

esTe e Aquele MuNDo<br />

VAi o BArCo e A NAu<br />

VAi A Pique e Ao FuNDo<br />

sAlVA<br />

sAlVA o CorPo<br />

ò CorPo sANTo<br />

sAlVA<br />

o mar<br />

e ToDo o MAr se CoBriu De iNFiNiTAs riquezAs<br />

De ANil e seDAs e JóiAs e De oDoríFerAs DroGAs<br />

De si DeiTAVA NAs PrAiAs MosCATéis e liCores<br />

ADoçANDo De suA BrAVurA<br />

o MAr<br />

NAs MArGeNs ADAMAsCADAs ANDAM NÁuFrAGos DisPersos<br />

MArisCANDo lAGosTAs osTrAs ChouPAs TAíNhAs<br />

e BeBeM ViNhos DisTiNTos De siNGulAres AroMAs<br />

se ANDA Ao loNGo DA CosTA eM oFerTAs<br />

o MAr<br />

e eNTreGou leoNor<br />

seus CABelos Aos VeNTos<br />

NA quieTuDe Tão só<br />

Tão AuseNTe De TuDo<br />

e MAis quieTA erA A luz<br />

No sosseGo DAs ÁGuAs<br />

e uMA MÚsiCA esCorre Dos Céus<br />

DeVAGAr<br />

e FAzeM TeNDAs De ADuelAs De AlCATiFAs MAJesTosAs<br />

De ouTrAs PeçAs De ouro e PrATA De CAMBrAiAs e CeTiNs<br />

CoBerTAs De ColChAs VerMelhAs De rosÁrios De CrisTAl<br />

MAs MAis GArriDo Do que ToDA AquelA PrAiA<br />

o MAr<br />

e FAzeM VelAs DAs CAMisAs e ouTrAs De DAMAsCo VerDe<br />

As AMArrAs De ouTros PANos De VeluDo CArMesiM<br />

De uM reMo FizerAM o MAsTro<br />

e A eNxÁrCiA De uMA liNhA<br />

e Tão DoCeMeNTe eMBAlA esTe BATel<br />

o MAr<br />

se ToDo o MAr se CoBriu De iNFiNiTAs riquezAs<br />

a cHusma salVa-se assim<br />

JÁ ANDA A GeNTe Do MAr<br />

A FAzer FArDos e TrouxAs<br />

ArroMBANDo Porões<br />

A rouBAr ArCAs e CAixões<br />

e ABANDoNAM As Mulheres<br />

os Filhos DesAMPArADos<br />

que ChorAM MuiTo AssusTADos<br />

seM ouTrA CoNsolAção<br />

que uNs ABrAçADos CoM ouTros<br />

iNChAM DAs ÁGuAs Aos PouCos<br />

Dos TrAGos sAlGADos DA MorTe<br />

iMPlorAM A Deus ouTrA sorTe<br />

Às ArFADAs<br />

Aos ArrANCos<br />

eM PrANTos<br />

e Às GolFADAs<br />

e uNs se AFoGAM De Vez<br />

DeixANDo-se ir Ao FuNDo


e se eNTreGAM AssiM<br />

Ao soNo MAis ProFuNDo<br />

ouTros GriTAM Aos Céus<br />

PelA ABsolVição<br />

e se eNForCAM DePois<br />

CoM suAs PróPriAs Mãos<br />

PerNeANDo CoM A MorTe<br />

As PerNAs DesCArNADAs<br />

FeiTAs eM rAChAs eM lANhos<br />

e Tão esTilhAçADAs<br />

que Por esTA PArTe eM DesTroços<br />

lhes Vão CAiNDo os TuTANos Dos ossos<br />

e seM sABereM NADAr<br />

seM A NAu<br />

seM TÁBuA NeM PAu<br />

VAi o MuNDo ADorNAr<br />

CAi Ao MAr<br />

CAi Ao MAr<br />

DAquelA AssADA Do BArCo<br />

CoNsTroeM seu sAlVAMeNTo<br />

AMArrou-se A GeNTe Ao Troço<br />

P´lA CiNTurA P´lo PesCoço<br />

iNDo AssiM Tão CArreGADA<br />

FereM CoM FACAs e lANçAs<br />

As Mulheres As CriANçAs<br />

que se AFerrAM À JANGADA<br />

MAs rezAM AVé-MAriAs<br />

PADre-Nossos liTANiAs<br />

P´lAs AlMAs Dos MuTilADos<br />

que P´rA Ali são ABANDoNADos<br />

Às ArFADAs<br />

eM ArrANCos<br />

eM PrANTos<br />

e Às GolFADAs<br />

Cheio VAi o BATel<br />

e quAse A AFuNDAr<br />

P´rA AliJAreM A CArGA<br />

BoTAM GeNTe Ao MAr<br />

eNGole uMA Vez De ViNho<br />

e DA MArMelADA uM BoCADo<br />

o PoBre De uM MAriNheiro<br />

MesMo ANTes De ser lANçADo<br />

Deixou-se eNTão ATirAr<br />

CoM os BrAços CruzADos<br />

e se oFereCeu ToDo À MorTe<br />

Tão quieTo e CAlADo<br />

e o PiloTo loGo ABeNçoou<br />

os seus Dois Filhos<br />

que ele PróPrio lANçou<br />

e seM sABereM NADAr<br />

seM A NAu<br />

seM A TÁBuA NeM PAu<br />

VAi o MuNDo A ADorNAr<br />

CAi Ao MAr<br />

CAi Ao MAr<br />

PequeNA erA A TuA FilhA<br />

e Não A quiserAM sAlVAr<br />

FiCou Ao Colo DA AMA<br />

No BArCo GrANDe A AFuNDAr<br />

suPliCAs DA JANGADA<br />

eNFiM<br />

erGues Teus BrAços De Mãe<br />

MAs Não Te esCuTA NiNGuéM<br />

A ChusMA sAlVA-se AssiM<br />

GAsPAr xiMeNes<br />

CAlADo<br />

Não Chores AlTo<br />

CuiDADo<br />

Tu ChorA só No CorAção<br />

ou TAMBéM VAis CoMo o Teu irMão<br />

Às ArFADAs<br />

Aos ArrANCos<br />

eM PrANTos<br />

e Às GolFADAs<br />

PAssAM DiAs A Fio<br />

À PurA FoMe e seDe<br />

e hÁ queM VÁ TrAGANDo uriNA<br />

e MorrA Do que BeBe<br />

ouTros DA ÁGuA sAlGADA<br />

FAleCeM Dos seNTiDos<br />

GriTANDo seMPre Por ÁGuA<br />

lANçAM-se Ao MAr ressequiDos<br />

VAi-se o solDADo e o ChiNA<br />

Não FiCA Dor NeM MÁGoA<br />

BoTou-se esTêVão MulATo<br />

CoM A MesMA seDe De ÁGuA<br />

e NA TArDe DAquelA AriDez<br />

ATirou-se o PADre<br />

e o PiloTo ouTrA Vez<br />

e seM sABereM NADAr<br />

seM A NAu<br />

seM TÁBuA NeM PAu<br />

VAi o MuNDo A ADorNAr<br />

CAi Ao MAr<br />

CAi Ao MAr<br />

os naVeGados<br />

A GrANDe PArTe Dos que érAMos<br />

VieMos MAlTrATADos<br />

Do Miolo<br />

MANeTAs<br />

e Ao loNGo DesTA CosTA<br />

só se ViAM CAMiNhAr<br />

os BorDões<br />

As MuleTAs<br />

e A CADA PAsso<br />

Aos PouquiNhos<br />

CAíAMos No Chão<br />

De FoCiNhos<br />

loGo CAlhÁMos De roMPer<br />

No MAis esPesso Desses MATos<br />

Tão esCurA erA A NoiTe<br />

que lÁ VieMos De GATiNhAs<br />

TAMBéM Às APAlPADelAs<br />

AMiMADos De AçoiTes<br />

e uNs Aos ouTros Nos seGuiMos<br />

Pelo soM Dos Nossos Ais<br />

De ouTrAs TANTAs MArrADAs<br />

ArreMeTiDos<br />

PerseGuiDos<br />

Pelos CAVAlos MAriNhos<br />

Por lAGArTos AquÁTiCos<br />

e MAis De ouTros BiChiNhos<br />

20 21<br />

P’rA ForA Do BArCo<br />

esTANDo NA PoNTA DA VerGA<br />

Foi leVADo Pelo Ar<br />

esCArrANChADo<br />

MAs CoM TANTA sorTe<br />

VAi e Foi<br />

soBre uM CABo De ouTrA VelA<br />

e lÁ FiCou CAVAlGADo<br />

e Por MilAGre<br />

CAi eNTão<br />

No Meio Do CoNVés<br />

De ChAPão<br />

se TeVe A MorTe Por uM CABo<br />

ouTro CABo lhe Deu A ViDA<br />

A ViDA À MorTe suCeDe<br />

e Foi À ViDA e Não À MorTe<br />

DesTA AssiM Pois se liVrou<br />

D’ouTrA MANeirA ACTuM erAT<br />

MAs Ao CAir roçou NA PeçA<br />

e lhe leVou Tão ArrANCADA<br />

ToDA A Pele DA CABeçA<br />

que lÁ FiCou ProPriAMeNTe<br />

C’o CABelo<br />

AliÁs<br />

PeNDurADo De ouTrA BANDA<br />

Do TouTiço<br />

Por DeTrÁs<br />

VAMos AssiM lANçADos<br />

soMos os NAVeGADos<br />

os MAis AForTuNADos<br />

lÁ Vão iNDo JÁ DesFeiTos<br />

reTorCiDos eM TorCiDelAs e JeiTos<br />

DesTA BruTA seDe<br />

Morro C’os CANos TAPADos<br />

NossA seNhorA BeNDiTA<br />

VirGeM sANTA<br />

se o ViNho MisTurADo<br />

CoM AquelA ÁGuA sAlGADA<br />

seCA-Me os BoFes TAMBéM<br />

NA GArGANTA<br />

P’lA FoMe DeVorADos<br />

seM TeMPeros<br />

DA MAlDADe DAs ÁGuAs<br />

só VeNeNos<br />

Não PerDoÁMos NeM A CoBrA<br />

NeM lAGArTo ou lAGArTixA<br />

GAFANhoTos Besouros<br />

que Nos MANDou Nosso seNhor<br />

uMA DoeNçA GerAl<br />

De BexiGAs e Choros<br />

e os ATAques erAM TAis<br />

que uM PADre VoMiTAVA BiChos<br />

FAçANhuDos e MAis<br />

CoM o sAlMo Do Miserere<br />

NA BoCA e eM CoNClusão<br />

MAs Não só e JÁ AGorA<br />

PeNso que No CorAção<br />

VAMos AssiM lANçADos<br />

soMos os NAVeGADos<br />

os MAis AForTuNADos<br />

lÁ Vão iNDo JÁ DesFeiTos<br />

reTorCiDos eM TorCiDelAs e JeiTos<br />

por este rio acima<br />

por este rio acima<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

DeixANDo PArA TrÁs<br />

A CôNCAVA FuNDA<br />

DA CAsA Do FuMo<br />

CheGuei PerTo Do soNho<br />

FluTuANDo NAs ÁGuAs<br />

Dos rios Dos Céus<br />

esCorre o GeNGiBre e o Mel<br />

seDAs PorCelANAs<br />

PiMeNTA e CANelA<br />

reCeBeNDo oFerTAs<br />

De MÚsiCAs suAVes<br />

eM NossAs orelhAs<br />

leVe CoMo o Ar<br />

A TerrA A NAVeGAr<br />

Meu BeM CoMo eu Vou<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

os BArCos Vão PiNTADos<br />

De MuiTAs PiNTurAs<br />

DesCreVeM VArANDAs<br />

e os CABelos De iNês<br />

DeseNhAM MeMóriAs<br />

Ao loNGo DA ÁGuA<br />

Bosques eNFeiTiçADos<br />

souTos lArANJeirAs<br />

CAMPiNAs De TriGo<br />

AMores rePArTiDos<br />

AFAGAM As Dores<br />

quANDo são seNTiDos<br />

MoNsTros ADorMeCiDos<br />

NA esFerA Do FoGo<br />

CoMo NAsCe A PAz<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

Meu soNho<br />

quANTo eu Te quero<br />

eu NeM sei<br />

eu NeM sei<br />

FiCA uM BoCADiNho MAis<br />

que eu TAMBéM<br />

que eu TAMBéM<br />

Meu BeM<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

isTo que é De uNs<br />

TAMBéM é De ouTros<br />

Não é MAis NeM MeNos<br />

NAsCiDos ForAM ToDos<br />

Do suor DA FêMeA<br />

Do CAlor Do MACho<br />

Aquilo que uNs TrATAM<br />

Não hão-De TrATAr<br />

ouTros De ouTrA CoisA<br />

Pois o que VeNDe o FresCo<br />

Não VeNDe o sAlGADo<br />

NeM TAMBéM o seCo<br />

NA TerrA eM hArMoNiA<br />

PerFeiTA e suAVe<br />

DAs MArGeNs Do rio<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

Meu soNho<br />

quANTo eu Te quero<br />

eu NeM sei<br />

eu NeM sei<br />

FiCA uM BoCADiNho MAis<br />

que eu TAMBéM<br />

que eu TAMBéM<br />

Meu BeM<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

DeixANDo PArA TrÁs


A CôNCAVA FuNDA<br />

DA CAsA Do FuMo<br />

CheGuei PerTo Do soNho<br />

FluTuANDo NAs ÁGuAs<br />

Dos rios Dos Céus<br />

esCorre o GeNGiBre e o Mel<br />

seDAs PorCelANAs<br />

PiMeNTA e CANelA<br />

reCeBeNDo oFerTAs<br />

De MÚsiCAs suAVes<br />

eM NossAs orelhAs<br />

leVe CoMo o Ar<br />

A TerrA A NAVeGAr<br />

Meu BeM CoMo eu Vou<br />

Por esTe rio ACiMA<br />

porque nÃo me Vês<br />

Meu AMor ADeus<br />

TeM CuiDADo<br />

se A Dor é uM esPiNho<br />

que esPeTA soziNho<br />

Do ouTro lADo<br />

Meu BeM DesVAirADo<br />

Tão AFliTo<br />

se A Dor é uM Dó<br />

que DesFAz o Nó<br />

e DesATA uM GriTo<br />

uM MAu olhADo<br />

uM MAl PeCADo<br />

e A sAuDADe é uMA esPerA<br />

é uMA AFlição<br />

se é PriMAVerA<br />

é uM FiM De ouToNo<br />

uM TeMPo MorNo<br />

é quAse Verão<br />

eM PleNo iNVerNo<br />

é uM ABANDoNo<br />

Porque Não Me Vês<br />

MAresiA<br />

se A Dor é uM CiÚMe<br />

que esPAlhA uM PerFuMe<br />

que Me AGoNiA<br />

VeM Me Ver AMor<br />

De MANsiNho<br />

se A Dor é uM MAr<br />

louCo A TrANsBorDAr<br />

NouTro CAMiNho<br />

quAse A esPrAiAr<br />

quAse A AFuNDAr<br />

e A sAuDADe é uMA esPerA<br />

é uMA AFlição<br />

se é PriMAVerA<br />

é uM FiM De ouToNo<br />

uM TeMPo MorNo<br />

é quAse Verão<br />

eM PleNo iNVerNo<br />

é uM ABANDoNo<br />

como um sonHo acordado<br />

CoMo se A TerrA Corresse<br />

iNTeiriNhA ATrÁs De MiM<br />

o MeDo roNDA-Me os seNTiDos<br />

Por ABAixo DA MiNhA Pele<br />

Ao esGueirAr-se VisCoso<br />

esCorre PeGAJoso<br />

e sAi<br />

Pelos Meus Poros<br />

Pelos Meus Ais<br />

ele PeNeTrA-Me Nos ossos<br />

Ao DerrAMAr-se seDeNTo<br />

NAs eNTrANhAs siNuosAs<br />

eNTre As VísCerAs MorDeNDo<br />

sAlTA e esPAlhA-se No Ar<br />

VAi e VolTA<br />

DelirANTe<br />

Tão DelirANTe<br />

é CoMo uM soNho ACorDADo<br />

esse VulTo BesuNTADo<br />

A reVolVer-se No loDo<br />

A DeslizAr De uMA lArVA<br />

eMerGiNDo lÁ No FuNDo<br />

TeNho MeDo ó MeDo<br />

leVA TuDo é Teu<br />

MAs DeixA-Me ir<br />

ArrAsTA-Me À CôNCAVA Do FuNDo<br />

Do GrANDe lAGo DA NoiTe<br />

CruzANDo As GrADes De FoGo<br />

eNTre o Céu e o iNFerNo<br />

ATé À BoCA esCANCArADA<br />

esFAiMADA<br />

ATrÁs De MiM<br />

ATrÁs De MiM<br />

é CoMo uM soNho ACorDADo<br />

esses olhos No esCuro<br />

DAs CArPiDeirAs ViÚVAs<br />

Pelo PAi AssAssiNADo<br />

DesVeNTrADo Por seu Filho<br />

que Possuiu lAsCiVo<br />

A suA PróPriA Mãe<br />

e suA AMANTe<br />

Meu AMor quANDo eu Morrer<br />

ó liNDA<br />

VesTe A MAis GArriDA sAiA<br />

se eu Vou Morrer No MAr AlTo<br />

ó liNDA<br />

e eu quero Ver-Te NA PrAiA<br />

MAs AFAsTA-Me essAs Vozes<br />

liNDA<br />

TeNs MeDo Dos ViVos<br />

e Dos MorTos DeCePADos<br />

Pelos Pés e PelAs Mãos<br />

e P´lo PesCoço e Pelos PeiTos<br />

ATé Ao Fio Do loMBo<br />

CoMo Te TreMeM As CArNes<br />

FerNão MeNDes<br />

22 23<br />

lembra-me um sonHo lindo<br />

leMBrA-Me uM soNho liNDo<br />

quAse ACABADo<br />

leMBrA-Me uM Céu ABerTo<br />

ouTro FeChADo<br />

esTAlA-Me A VeiA eM sANGue<br />

esTrANGulADA<br />

esToirA No PeiTo uM GriTo<br />

À DesFilADA<br />

CANTA rouxiNol CANTA<br />

Não Me Dês PeNAs<br />

CresCe GirAssol CresCe<br />

eNTre AçuCeNAs<br />

AFoGA-Me o CorPo ToDo<br />

se Te PerTeNço<br />

rAsGA-Me o VeNTo ArDeNDo<br />

eM FuMos De iNCeNso<br />

Ai CoMo eu Te quero<br />

Ai De MADruGADA<br />

Ai AlMA DA TerrA<br />

Ai liNDA<br />

AssiM DeiTADA<br />

Ai CoMo eu Te AMo<br />

Ai Tão sosseGADA<br />

Ai BeiJo-Te o CorPo<br />

Ai seArA<br />

Tão DeseJADA<br />

olHa o Fado<br />

eu CÁ sou Dos FoNseCAs<br />

eu CÁ sou Dos MADureirAs<br />

De Ferro o Puro sANGue<br />

o que Me Corre NAs VeiAs<br />

NAsCi DA PAixão TeMPorAl<br />

Do PorTo Dos VeNDAVAis<br />

Cresço No FrAGor DA luTA<br />

NuMA ForçA BruTA<br />

P’rA AléM Dos MorTAis<br />

MAs TeNho MuiTAs sAuDADes<br />

CerTAs PeNAs e DeseJos<br />

e AquelA louCA ANsieDADe<br />

CoMo uM PeCADo<br />

Meu AMor se Te Não VeJo<br />

olhA o FADo<br />

orA é Tão ViNGATiVo<br />

orA é Tão PACieNTe<br />

AMANhã é CoMeDor<br />

hoJe ABsTiNeNTe<br />

MeNTiroso AlCoViTeiro<br />

DoCe e VerDADeiro<br />

uMA Vez CoNquisTADor<br />

ouTrA Vez VeNCiDo<br />

AMANhã é NAVeGANTe<br />

hoJe é DesVAliDo<br />

seNsuAl AVeNTureiro<br />

DoiDo e BANDoleiro<br />

soMos CAPiTães<br />

soMos AlBuquerques<br />

Nós soMos leões<br />

os loBos Do MAr<br />

De olhos PreGADos Nos Céus<br />

De CiMA Dos ChAPiTéus<br />

soMos CAPiTães<br />

soMos AlBuquerques<br />

Nós soMos leões<br />

os loBos Do MAr<br />

e NA VerDADe o que Vos Dói<br />

é que Não quereMos ser heróis<br />

a Guerra é a Guerra<br />

I.<br />

sAlTo No esCuro<br />

eNTre DeNTes TrAGo A FACA<br />

e Nos Meus olhos ColoriDos<br />

Juro<br />

VeM Ver o FoGo No MAr<br />

os Peixes A ArDer<br />

ó ANA VeM Ver<br />

ó ANA VeM Ver<br />

ó ANA VeM Ver<br />

VoANDo eM ArCo<br />

esGueiro o CorPo NuM BAlANço<br />

CoMo uM PiloTo Do iNFerNo<br />

AssAlTo<br />

NAs AsAs GuerreirAs De uM ANJo<br />

seJA louVADo<br />

ATACAMos Mui BArAlhADos<br />

CoMo uM BANDo eNDiABrADo<br />

Por Jesus NA suA Cruz<br />

ChorA Por MiM ó MiNhA iNFANTA<br />

esCorre sANGue o Céu e A TerrA<br />

Ah Pois Por MAis que seJA sANTA<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

Coro I<br />

MAlACA MAlACA<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

No Céu e NA TerrA<br />

Nos DeNTes A FACA<br />

Coro II<br />

AVANço AVANço<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

No Céu e NA TerrA<br />

BAlANço BAlANço<br />

Coro III<br />

CruzADo CruzADo<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

No Céu e NA TerrA<br />

o MAis eNFeiTADo<br />

lArGAr lArGAr<br />

o FoGo No MAr<br />

II.<br />

seJA BeNDiTo<br />

De ToDos o MAis eNFeiTADo<br />

olhA P’rA MiM o MAis Guerreiro<br />

Ao ViVo<br />

olhA P’rA MiM o Teu AMADo<br />

e o Céu A ArDer<br />

ó ANA VeM Ver<br />

ó ANA VeM Ver<br />

ó ANA VeM Ver<br />

BArCos eM ChAMAs<br />

erGuiDAs<br />

PAreCiA CoisA soNhADA<br />

queiMADos<br />

os GriTos horreNDos DA BesTA<br />

FeriDA<br />

e lÁ DeNTro ArDiAM hoMeNs<br />

eNCurrAlADos<br />

e CÁ ForA À CuTilADA<br />

DeCePADos<br />

P’lA CAlADA<br />

Pelos PeiTos JÁ DesFeiTos<br />

ChorA Por MiM ó MiNhA iNFANTA<br />

esCorre sANGue o Céu e A TerrA<br />

Ah Pois Por MAis que seJA sANTA<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

(Coro)<br />

FoGe sAloio<br />

eh PArolo<br />

AGueNTA ANTóNio De FAriA


e A FiDAlGuiA<br />

ToDo o MAssACre<br />

e ToDo o DesCoNsolo<br />

que JÁ lÁ VeM o CoJA ACéM<br />

e o MAr A ArDer<br />

ó ANA VeM Ver<br />

ó ANA VeM Ver<br />

ó ANA VeM Ver<br />

Diz-Nos ADeus o PirATA<br />

o lABreGo<br />

De CiMA DAquele MAsTro<br />

TroCisTA e Airoso<br />

MosTrANDo o TrAseiro CAFre<br />

PreTo esCuro De uM NeGro<br />

leVANDo-Nos Coiro e Tesouro<br />

riNDo De Gozo<br />

PerDeu-se o resTo NA MolhADA<br />

Pelo esTroNDo<br />

NA queBrADA<br />

No eDeMA DA GANGreNA<br />

ChorA Por MiM ó MiNhA iNFANTA<br />

esCorre sANGue o Céu e A TerrA<br />

Ah Pois Por MAis que seJA sANTA<br />

A GuerrA é A GuerrA<br />

o barco Vai <strong>de</strong> saÍda<br />

o BArCo VAi De sAíDA<br />

ADeus ó CAis De AlFAMA<br />

se AGorA Vou De PArTiDA<br />

leVo-Te CoMiGo ó CANA VerDe<br />

leMBrA-Te De MiM ó Meu AMor<br />

leMBrA-Te De MiM NesTA AVeNTurA<br />

P´rA lÁ DA louCurA<br />

P´rA lÁ Do equADor<br />

Ah MAs que iNGrATA VeNTurA<br />

BeM Me Posso queixAr<br />

DA PÁTriA A PouCA FArTurA<br />

CheiA De MÁGoAs Ai queBrA-MAr<br />

CoM TANTos PeriGos Ai MiNhA ViDA<br />

CoM TANTos MeDos e soBressAlTos<br />

que eu JÁ Vou Aos sAlTos<br />

que eu Vou De FuGiDA<br />

seM CoNTAr essA hisTóriA esCoNDiDA<br />

Por serVir De CriADo A essA seNhorA<br />

serViu-se elA TAMBéM Tão seDuTorA<br />

Foi PeCADo<br />

Foi PeCADo<br />

e Foi PeCADo siM seNhor<br />

que ViDA BoA erA A De lisBoA<br />

GiNGão De roDA BATiDA<br />

CorsÁrio seM CruzADo<br />

Ao soM Do BAile MANDADo<br />

eM TerrAs De PiMeNTA e MArAVilhA<br />

CoM soNhos De PrATA e FANTAsiA<br />

CoM soNhos DA Cor Do ArCo-íris<br />

DesVAirAs se os Vires<br />

DesVAirAs MAGiA<br />

JÁ TeNho A VelA eNFuNADA<br />

MArrANo seM VerGoNhA<br />

JuDeu seM CoisA seM FroNhA<br />

Vou De ViAGeM Ai que lArGADA<br />

só VeJo Cores Ai que AleGriA<br />

só VeJo PirATAs e Tesouros<br />

são PrATAs são ouros<br />

são NoiTes são DiAs<br />

Vou No esPANToso TroNo DAs ÁGuAs<br />

Vou No TreMeNDo AssoPro Dos VeNTos<br />

Vou Por CiMA Dos Meus PeNsAMeNTos<br />

ArrePiA<br />

ArrePiA<br />

e ArrePiA siM seNhor<br />

que ViDA BoA erA A De lisBoA<br />

o MAr DAs ÁGuAs ArDeNDo<br />

o Delírio Dos Céus<br />

A FÚriA Do BArlAVeNTo<br />

ArreiA A VelA e VAi MAruJo Ao leMe<br />

VirA o BArCo e CAi MAruJo Ao MAr<br />

VirA o BArCo NA CurVA DA MorTe<br />

olhA A MiNhA sorTe<br />

olhA o Meu AzAr<br />

e DePois Do BArCo VirADo<br />

GrANDes urros e GriTos<br />

NA sAlVAção Dos AFliTos<br />

esFolA<br />

MATA<br />

AGArrA Ai queM Me AJuDA<br />

rezA<br />

iMPlorA<br />

esCAPA Ai que PAGoDe<br />

rezA<br />

TreMeM heróis e euNuCos<br />

são Mouros são TurCos<br />

são Mouros ACoDe<br />

Aquilo é uMA TeMPesTADe MeDoNhA<br />

Aquilo VAi P´rA lÁ Do que é eTerNo<br />

Aquilo erA o reTrATo Do iNFerNo<br />

VAi Ao FuNDo<br />

Vou Ao FuNDo<br />

e VAi Ao FuNDo siM seNhor<br />

que ViDA BoA erA A De lisBoA.<br />

CCB / CONsELhO DE aDMiNistraÇãO<br />

ANTÓNIO MEGA FERREIRA [PresiDeNTe] | ANA ISABEL TRIGO MORAIS [VoGAl] | MARGARIDA VEIGA [VoGAl]<br />

AssessorA PArA A ProGrAMAção GABRIELA CERQUEIRA<br />

CoNsulTor PArA A ProGrAMAção liTerÁriA jOãO pAULO COTRIM<br />

CENtrO DE EsPECtÁCuLOs DireCção Do CeNTro De esPeCTÁCulos MIGUEL LEAL COELHO ADJuNTA PArA A ProGrAMAção LUÍSA TAVEIRA ADJuNTA<br />

PArA o PlANeAMeNTo CLÁUDIA BELCHIOR Assessores PArA ProGrAMAção MusiCAl jOãO GODINHO | FRANCISCO SASSETTI AssisTeNTe De ProGrA-<br />

MAção RITA BAGORRO seCreTAriADo De DireCção LUISA INÊS ProDução CARLA RUIZ | INÊS CORREIA | pATRÍCIA SILVA| HUGO CORTEZ | INÊS LOpES | VERA<br />

ROSA DireCTor De CeNA COORDENADOR jONAS OMBERG DireCTores De CeNA pEDRO RODRIGUES | pATRÍCIA COSTA | pAULA FONSECA | jOSÉ VALÉRIO seCreTAri-<br />

ADo De DireCção De CeNA YOLANDA SEARA DireCTor TéCNiCo pAULO GRAÇA | CheFe TéCNiCo De PAlCo RUI MARCELINO | seCreTAriADo De DireCção<br />

TéCNiCA SOFIA MATOS | TéCNiCo PriNCiPAl pEDRO CAMpOS | LUÍS SANTOS | RAUL SEGURO | TéCNiCo exeCuTiVo ARTUR BRANDãO | F. CÂNDIDO SANTOS |<br />

VÍTOR pINTO | CÉSAR NUNES | jOSÉ CARLOS ALVES | HUGO CAMpOS | MÁRIO SILVA | RICARDO MELO | RUI CROCA | CheFe TéCNiCo De AuDioVisuAis NUNO<br />

GRÁCIO TéCNiCo De AuDioVisuAis RUI LEITãO | EDUARDO NASCIMENTO | LUIS GARCIA SANTOS | NUNO BIZARRO | pAULO CACHEIRO | NUNO RAMOS | CheFe<br />

TéCNiCo De GesTão e MANuTeNção SIAMANTO ISMAILY TéCNiCo De MANuTeNção jOãO SANTANA | LUÍS TEIXEIRA | VÍTOR HORTA

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!