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a revista renovação ea construção do imaginário feminino sergipano

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Anais Eletrônicos <strong>do</strong> IV Seminário Nacional Literatura e Cultura<br />

São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128<br />

1<br />

ROMPENDO A BARREIRA DO SILÊNCIO: A REVISTA<br />

RENOVAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO FEMININO<br />

SERGIPANO<br />

INTRODUÇÃO<br />

Jaqueline Lima Fontes (PIBIC/UFS)<br />

Maria Leônia Garcia Costa Carvalho (UFS)<br />

O aparecimento <strong>do</strong>s discursos <strong>feminino</strong>s na mídia impressa de Sergipe deu-se,<br />

sobretu<strong>do</strong>, a partir da primeira metade <strong>do</strong> século XIX, mais significativamente no<br />

início <strong>do</strong> século XX, em especial na década de 1930. Em virtude de um sistema<br />

patriarcal, cuja ideologia vigente marcava as formações discursivas afirman<strong>do</strong> que a<br />

mulher era menos inteligente que o homem e fraca fisicamente, ela era reprimida,<br />

caben<strong>do</strong>-lhe apenas o papel de mera <strong>do</strong>na de casa e mãe de família e restringin<strong>do</strong> seu<br />

espaço ao lar. Não lhe era permiti<strong>do</strong> estudar, trabalhar fora <strong>do</strong> ambiente <strong>do</strong>méstico<br />

ou manter vida social.<br />

No final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX, algumas mulheres, sobretu<strong>do</strong> de classes<br />

mais abastadas, profissionalizam-se e passam, então, a reclamar direitos que até o<br />

século XX eram nega<strong>do</strong>s ao mun<strong>do</strong> <strong>feminino</strong>, como o de educar-se, de ocupar um<br />

lugar social, de participar da tomada de decisões, tanto no lar como na sociedade. A<br />

luta em prol da conquista de seus direitos não foi fácil. As mulheres que escreviam,<br />

por exemplo, eram mal vistas em seu meio, uma vez que transgrediam as regras de<br />

uma sociedade extremamente patriarcal, que lhes impedia de gerir a própria vida,<br />

pois a autoridade cabia somente aos homens.


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Assim, o ser <strong>feminino</strong> foi, aos poucos, toman<strong>do</strong> consciência de suas<br />

possibilidades e desenvolven<strong>do</strong> aptidões que iam além das fronteiras <strong>do</strong> lar, como<br />

afirma Carvalho (2007):<br />

[...] verifica-se que, apesar <strong>do</strong>s estreitos limites que lhes eram permiti<strong>do</strong>s,<br />

algumas (mulheres) conseguiram ultrapassá -los, mesmo enfrentan<strong>do</strong><br />

barreiras e preconceitos, através de uma atuação mais ampla na vida social.<br />

[...] há entre elas uma preocupação com a própria identidade,<br />

desenvolven<strong>do</strong> não apenas formas de expressão, mas de transgressão aos<br />

padrões que lhe foram administra<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> patentes pressões por<br />

referências mais genuínas. (CARVALHO, 2007, p. 102)<br />

No Esta<strong>do</strong> de Sergipe, a primeira advogada sergipana, Maria Rita Soares de<br />

Andrade cria a Revista Renovação (1931 – 1934), cuja estrutura dispõe de espaço para<br />

publicações literárias, notícias, anúncios de emprego, crônicas e artigos que tratam<br />

<strong>do</strong>s manifestos feministas. Sem dúvida, este periódico registra parte da ação das<br />

mulheres que, unidas ao movimento feminista nacional, promovem a luta por<br />

igualdade de direitos, inclusive o de votar e de candidatar-se.<br />

O objetivo deste trabalho consiste em proceder à análise de alguns discursos<br />

<strong>feminino</strong>s encontra<strong>do</strong>s na Revista Renovação durante o perío<strong>do</strong> entre 1931 e 1934.<br />

Pretende-se investigar, em suas práticas discursivas, a <strong>construção</strong> de um <strong>imaginário</strong><br />

social <strong>feminino</strong>, observan<strong>do</strong>-se se as mulheres que escreviam na Revista Renovação<br />

deram seqüência a suas lutas, ou se houve mudanças, propositadas ou não, que


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indicaram sua inserção e participação na sociedade de sua época, bem como a<br />

imagem que a sociedade tinha dessas mulheres (sabe -se que, apesar da Revista<br />

Renovação ser voltada ao público <strong>feminino</strong>, alguns homens também publicaram<br />

nela).<br />

O respal<strong>do</strong> teórico para a pesquisa foi a teoria <strong>do</strong> discurso de Michel Pêcheux<br />

(1988), e leituras de outros autores da Análise <strong>do</strong> Discurso (AD) francesa, a saber:<br />

Orlandi (1988), Pêcheux (1988), Althusser (1992), Florêncio (2009), além de outros que<br />

trataram <strong>do</strong> <strong>imaginário</strong>, a exemplo de Baczko (1985).<br />

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS<br />

A Análise <strong>do</strong> Discurso (AD) trata-se de um campo de conhecimento que aborda<br />

o sujeito em sua relação com a sociedade. Michel Pêcheux, ao analisar os discursos,<br />

penetra na materialidade lingüística e busca suas condições de produção e ajuda de<br />

outros campos <strong>do</strong> conhecimento, não se limitan<strong>do</strong> à mera análise de conteú<strong>do</strong>.<br />

Ten<strong>do</strong> como objeto de estu<strong>do</strong> o discurso, a AD busca “o ponto de articulação entre os<br />

processos ideológicos e os fenômenos lingüísticos” (BRANDÃO, 2004, p.122).<br />

Nessa perspectiva, a AD situa o sujeito na história, visto que ele interage com<br />

seu meio social, participan<strong>do</strong> na constituição das relações discursivas. Ao falar em<br />

sujeito histórico, a Análise <strong>do</strong> Discurso se refere ao mesmo tempo em sujeito<br />

ideológico, visto que, ao falar de um lugar social, ele traz na composição de seu<br />

discurso formações ideológicas (sen<strong>do</strong> estas que dão sustentação ao dizer).


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Segun<strong>do</strong> Orlandi (2005), levan<strong>do</strong> em conta o homem em sua história, a Análise<br />

<strong>do</strong> Discurso “considera os processos e as condições de produção da linguagem, pela<br />

análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações<br />

em que se produz o dizer”. As condições de produção, portanto, constituem a<br />

exterioridade, pois inserem os sujeitos em sua r<strong>ea</strong>lidade sócio-histórica.<br />

Ao se identificar com uma dada Formação Ideológica (representada em suas<br />

práticas discursivas), o sujeito pode assumir posições, dessa forma, dan<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> ao<br />

seu dizer. As Formações Ideológicas são representadas pelas Formações Discursivas,<br />

que, por sua vez, determinam o que pode e deve ser dito. Portanto, “os senti<strong>do</strong>s<br />

sempre são determina<strong>do</strong>s ideologicamente” (ORLANDI, 2005, p. 86).<br />

2.1 Sobre o Imaginário social<br />

A Análise <strong>do</strong> Discurso, ao recorrer à lingüística e às ciências sociais, busca<br />

extrair os efeitos de senti<strong>do</strong> que constituem os discursos, ancoran<strong>do</strong>-os na história.<br />

Ou seja, o sujeito <strong>do</strong> discurso sempre fala de um lugar social, compon<strong>do</strong>, assim, o<br />

que se pode chamar de tríade <strong>do</strong> discurso: social, histórico e ideológico. Conforme<br />

Althusser, “ideologia é uma “representação” da relação imaginária <strong>do</strong>s indivíduos<br />

com suas condições r<strong>ea</strong>is de existência” (1992, p. 85).<br />

É através da ideologia que o sujeito se instaura na sociedade, de forma<br />

consciente, mas não autônoma (ele não é a origem de seu próprio discurso). Ten<strong>do</strong><br />

em vista que a ideologia representa as relações imaginárias, o sujeito capta o que


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acontece ao seu re<strong>do</strong>r, geralmente assumin<strong>do</strong> uma posição, contra ou a favor <strong>do</strong><br />

sistema, e que é constituída de formações ideológicas.<br />

De acor<strong>do</strong> com Baczko (1985), o <strong>imaginário</strong> social é uma peça efetiva <strong>do</strong><br />

controle da vida coletiva, principalmente através <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder e autoridade,<br />

tornan<strong>do</strong>-se objeto e lugar <strong>do</strong>s conflitos sociais. É geralmente nas lutas de classes que<br />

o <strong>imaginário</strong> social aflora, permitin<strong>do</strong> emergir o simbólico, conforme nos cita<br />

Orlandi:<br />

Quanto ao social, não são os traços sociológicos empíricos (classe<br />

social, idade, sexo e profissão), mas as formações imaginárias que se<br />

constituem a partir das relações sociais que funcionam no discurso: a<br />

imagem que se faz de um pai, de um operário, de um presente, etc.<br />

(1994, p. 57).<br />

A imagem que se materializou sobre a mulher sergipana, até o início <strong>do</strong> século<br />

XX, foi a de um ser incapaz para o trabalho, devi<strong>do</strong> ao seu talhe frágil, que não<br />

suportava trabalhos pesa<strong>do</strong>s, que requeressem força e agilidade. Pelo fato de a<br />

mulher ter o corpo prepara<strong>do</strong> para procriar, sua função na sociedade quase se<br />

limitou a isso, pois seu ofício materno exigia que ficasse no lar cuidan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ofícios<br />

<strong>do</strong>mésticos e da educação <strong>do</strong>s filhos.<br />

A visão que o homem tinha da mulher que trabalhava era de um ser que não<br />

merecia valor, reflexo <strong>do</strong> pensamento machista, que fazia com que se pensasse que<br />

para ser homem de verdade teria que sustentar a casa, a esposa e os filhos. Ele era a


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autoridade máxima <strong>do</strong> lar e, portanto, a mulher lhe devia submissão. Naquela época,<br />

a oferta de trabalho também era escassa, levan<strong>do</strong> muitas mulheres que queriam<br />

trabalhar a r<strong>ea</strong>lizarem pequenas tarefas em casa, como bordar, costurar, pintar e<br />

fazer tricô, pois dessa forma elas podiam exercer uma função sem perder a postura<br />

de mãe e esposa, nem se exonerar das atividades <strong>do</strong>mésticas.<br />

Segun<strong>do</strong> Baczko, “a vida social é produtora de valores e normas e, ao mesmo<br />

tempo, de sistemas de representações que as fixam e as traduzem” (1985, p. 307).<br />

Observa-se que a ideologia vigente na época era <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio masculino e da<br />

repressão social, que menosprezava a mulher, ditan<strong>do</strong> valores que remetiam à<br />

ideologia patriarcal. Porém, veremos como a mulher constrói um <strong>imaginário</strong> ao<br />

partir em busca de espaço na sociedade.<br />

3. CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS DISCURSOS FEMININOS DA<br />

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX.<br />

Como vimos, o discurso é sempre produzi<strong>do</strong> num da<strong>do</strong> momento histórico,<br />

que, por sua vez, reproduz as formações discursivas. As condições de produção, na<br />

perspectiva da AD, remetem ao contexto em que se insere o sujeito. Veremos, a<br />

seguir, os aspectos sócio-históricos marcantes em Sergipe durante a primeira metade<br />

<strong>do</strong> século XX, que serviram de condição de produção para os discursos <strong>feminino</strong>s<br />

aqui analisa<strong>do</strong>s.<br />

No governo de Getúlio Vargas (1930-45) a economia basicamente era mantida<br />

pela exportação de açúcar e algodão. Aos poucos, as usinas de açúcar e a indústria


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têxtil se desenvolvem e Sergipe insere-se na era da industrialização aumentan<strong>do</strong>,<br />

cada vez mais a carência de mão de obra. Em virtude da necessidade emergente de<br />

manter a família, uma vez que só o salário <strong>do</strong> “chefe da casa” já não suportava os<br />

gastos necessários à sua manutenção, as mulheres entram no merca<strong>do</strong> de trabalho,<br />

embora tenham uma remuneração bastante inferior.<br />

A exploração da mão de obra e as condições subumanas a que eram<br />

submeti<strong>do</strong>s os operários, levam-nos a se organizar e a reivindicar melhores salários e<br />

melhores condições de trabalho. Surgem, então, os movimentos operários, em que as<br />

mulheres sergipanas tiveram participação ativa, lideran<strong>do</strong> até greves, como é o caso<br />

de Maria Feitosa (em 1932); Aurelina Mangueira e Eulália Santos (no mesmo ano de<br />

1932).<br />

Em 1931, a Revista Renovação, id<strong>ea</strong>lizada e dirigida por Maria Rita Soares de<br />

Andrade, advogada sergipana, ofereceu espaço às mulheres, sobretu<strong>do</strong> às de classes<br />

sociais abastadas, para publicarem, além de assuntos relaciona<strong>do</strong>s ao lar, religião, e<br />

às boas maneiras; seus anseios, apelos, e suas reivindicações, com o propósito de<br />

mostrar que a mulher, antes vista como um ser frágil, era forte e merece<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s<br />

mesmos direitos que eram concedi<strong>do</strong>s aos homens: educação superior, emprego, e<br />

tomada de decisões na sociedade.<br />

Com o consentimento <strong>do</strong> direito ao voto <strong>feminino</strong>, em 1932, as sergipanas ainda<br />

continuam sua luta político-ideológica através de seus discursos na Revista<br />

Renovação, mesclan<strong>do</strong> textos que iam de receitas culinárias, poemas, crônicas, à


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reivindicação por instrução, apoio à cultura e a manifestos feministas que aconteciam<br />

em to<strong>do</strong> o país.<br />

4. ANÁLISE DOS DISCURSOS<br />

Marinetti Men<strong>do</strong>nça Car<strong>do</strong>so, leitora da Revista Renovação, em seu discurso<br />

intitula<strong>do</strong> “Feminismo”, anuncia a entrega <strong>do</strong> relatório <strong>do</strong> 2º Congresso<br />

Internacional Feminista ao presidente Getúlio Vargas pelas senhoras Bertha Lutz,<br />

Maria Luiza Bittencourt, Julia Lopes de Almeida, entre outras. Marinetti elogia a<br />

atitude dessas mulheres, afirman<strong>do</strong> que:<br />

[...] estas senhoras, alem de outras de tanto valor quanto ellas,<br />

debatem-se pelo id<strong>ea</strong>l a que fazem jus – a liberdade da mulher na<br />

actuação comum <strong>do</strong>s homens”. O alvo feminista, é que a mulher tenha<br />

o direito livre de cooperar para o bem estar <strong>do</strong> lar, da família, da<br />

sociedade, emfim, para o desenvolvimento da patria brasileira.”<br />

(CARDOSO, 1931, nº 18, p.11)<br />

Percebe-se no segmento discursivo “id<strong>ea</strong>l a que fazem jus”, que o uso <strong>do</strong><br />

substantivo masculino jus acentua a idéia de que a mulher tem por justiça o direito à<br />

liberdade de participação mais ativa na sociedade “para o desenvolvimento da patria<br />

brasileira”. Essa última frase, associada posteriormente ao anseio da mulher em ter<br />

“direito livre de cooperar para o bem estar <strong>do</strong> lar, da família e da sociedade”, nos<br />

leva a perceber de forma implícita um interdiscurso que remete a uma formação


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discursiva patriarcal que vê a mulher como um ser frágil, que não deve trabalhar,<br />

mas somente cuidar <strong>do</strong> lar e <strong>do</strong>s filhos.<br />

Em AD, o discurso mantém uma relação constante entre formações<br />

discursivas e formações ideológicas; essa ligação torna possível a manifestação <strong>do</strong><br />

interdiscurso (a memória <strong>do</strong> já-dito). Porém, como os discursos não são tão fecha<strong>do</strong>s<br />

(são heterogêneos), o sujeito pode tanto desarticular como r<strong>ea</strong>rticular seus discursos,<br />

inserin<strong>do</strong> outras ideologias, como é o caso de Marinetti Car<strong>do</strong>so, que r<strong>ea</strong>rticula seu<br />

discurso ao afirmar que a mulher tem o direito livre de cooperar “para o<br />

desenvolvimento da patria brasileira”, ou seja, a autora <strong>do</strong> trecho supracita<strong>do</strong> não<br />

diz que a mulher tem direito a ter espaço na sociedade, nem independência<br />

financeira (apesar de ser um <strong>do</strong>s principais objetivos da luta feminina), mas de<br />

cooperar com a sociedade, com o desenvolvimento da pátria, e até de ajudar seus<br />

próprios mari<strong>do</strong>s.<br />

Em outro discurso da Revista Renovação, de 1934, intitula<strong>do</strong> “Carta aberta:<br />

Maria Rita”, Humberto Araújo presta elogios à <strong>revista</strong> e sua diretora, conforme<br />

podemos ver no seguinte trecho transcrito:<br />

Podemos dizer que você e a evoluíram a julgar pelos<br />

seus trabalhos literários e a aparência da <strong>revista</strong>. Estou bastante<br />

contente com o ressurgimento da nossa principal <strong>revista</strong> e mais ainda<br />

porque você voltou à atividade. (ARAÚJO, 1934, nº 1, p. 4).


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Dentre os artigos de autoria feminina presentes na <strong>revista</strong>, muitos homens<br />

também tiveram espaço para publicar poemas, notícias, crônicas, etc., associan<strong>do</strong>-se<br />

ao id<strong>ea</strong>l <strong>feminino</strong> e incentivan<strong>do</strong>-as a lutarem pelos seus direitos. Como exemplo<br />

disso, Humberto Araújo fez uma matéria para a <strong>revista</strong> Renovação demonstran<strong>do</strong><br />

sua satisfação tanto pelo dinamismo de Maria Rita que voltou a editar a <strong>revista</strong>,<br />

como pelo seu ressurgimento em 1934. Isso mostra certa mudança <strong>do</strong> sexo oposto em<br />

relação às manifestações femininas, o que, sem dúvida, contribuiu para que o<br />

<strong>imaginário</strong> não só masculino, mas de outras mulheres que mantinham um<br />

pensamento conserva<strong>do</strong>r, fosse aos poucos mudan<strong>do</strong>.<br />

Muitos homens passaram a considerar a Revista Renovação a principal <strong>revista</strong><br />

da cidade, devi<strong>do</strong> a seu vasto conteú<strong>do</strong> que tratava <strong>do</strong>s mais varia<strong>do</strong>s temas, de<br />

interesse de toda a população. Convém dizer que não temos registros da Revista em<br />

1933, nem notícias sobre o que poderia ter aconteci<strong>do</strong> (se neste ano a Revista ficou<br />

temporariamente fechada, ou se não existem mais <strong>do</strong>cumentos no arquivo público de<br />

nosso Esta<strong>do</strong>).<br />

Apesar de, no princípio, a sociedade ser contra as feministas, vê-se que aos<br />

poucos esse panorama muda, fazen<strong>do</strong> com que até os homens sejam solidários às<br />

lutas por direitos pelas mulheres. Como foi dito anteriormente, o <strong>imaginário</strong> social<br />

tem seu melhor ambiente de formação entre as lutas de classes. Quan<strong>do</strong> um sujeito<br />

assume uma determinada posição em seus discursos, os símbolos que surgem


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propiciam a emergência de um <strong>imaginário</strong>, a partir da imagem que a sociedade faz<br />

desse sujeito.<br />

As posições que as mulheres assumiram na <strong>revista</strong> Renovação, através de seus<br />

discursos, serviram de base para a <strong>construção</strong> de um <strong>imaginário</strong> social, que ora apóia<br />

a luta feminina consideran<strong>do</strong> a mulher forte, ativa e decidida e voltan<strong>do</strong>-se<br />

veementemente contra a ideologia patriarcal (que concedia direitos somente aos<br />

homens), ora constrói a visão de uma mulher sensível, que ainda se dedica ao lar e<br />

aos filhos, aos mais necessita<strong>do</strong>s, e às artes.<br />

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Na década de 1930 as mulheres ainda não desfrutavam de muito espaço, na<br />

mídia impressa, para publicações, uma vez que transgrediam a conduta da sociedade<br />

patriarcal. Porém, apesar da escassez de discursos <strong>feminino</strong>s, eles foram aos poucos<br />

toman<strong>do</strong> corpo na luta a favor da emancipação feminina. Com o surgimento da<br />

Revista Renovação, liderada por Maria Rita Soares de Andrade, vê-se este cenário<br />

mudar progressivamente. As mulheres, antes silenciadas pela sociedade, encontram<br />

um novo meio para protestar por seus direitos, e mostrar a to<strong>do</strong>s que não é mais<br />

aquele ser considera<strong>do</strong> fraco e menos inteligente que o homem.<br />

Pode-se perceber que as mulheres inteligentemente r<strong>ea</strong>rticulam seus discursos,<br />

com o propósito de incutir na sociedade que ela não quer aban<strong>do</strong>nar suas atividades<br />

<strong>do</strong>mésticas, ou sua função de mãe e educa<strong>do</strong>ra, mas conquistar um espaço que por


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direito é seu. De fato, a luta feminina foi político-ideológica, voltada à independência<br />

financeira e aos direitos de cidadania, porém vale ressaltar que a mulher sergipana<br />

também manifestou seus id<strong>ea</strong>is mostran<strong>do</strong>-se sensíveis às causas mais nobres, como<br />

a r<strong>ea</strong>lização de trabalhos volta<strong>do</strong>s à religião, e a ajudar aos mais necessita<strong>do</strong>s.<br />

Diante de tais circunstâncias, emerge na sociedade sergipana uma nova<br />

concepção de mulher, que abre espaço à <strong>construção</strong> de um <strong>imaginário</strong> <strong>feminino</strong> que<br />

condiz com a ideologia de que toda mulher pode ser independente e ao mesmo<br />

tempo mãe de família, esposa e <strong>do</strong>na de casa. Esta nova imagem da mulher<br />

sergipana sobrepõe-se, aos poucos, à imagem patriarcalista tão enraizada no Esta<strong>do</strong><br />

de Sergipe, até início <strong>do</strong> século XX.<br />

6. REFERÊNCIAS<br />

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Esta<strong>do</strong>. 6ª Ed. Rio de Janeiro:<br />

EDIÇÕES GRAAL, 1992.<br />

BACKZO, Bronislaw. A imaginação social. In L<strong>ea</strong>ch, Edmund ET Alii. Anthropos-<br />

homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.<br />

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise <strong>do</strong> Discurso. Campinas; UNICAMP,<br />

2004.


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13<br />

CARVALHO, M. L. G. C. Discursos <strong>feminino</strong>s e alteridade: a <strong>construção</strong> de uma<br />

identidade de gênero. (Qualificação de tese para Doutora<strong>do</strong> em Linguística)<br />

Faculdade de Letras, UFAL, 2007.<br />

FLORÊNCIO, A. M. G. Análise <strong>do</strong> discurso: fundamentos e práticas. Maceió:<br />

EDUFAL, 2009.<br />

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas:<br />

PONTES, 2005.<br />

______. Discurso, imaginação social e conhecimento. Em aberto, ano 14, nº 61,<br />

jan./mar. 1994.<br />

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação <strong>do</strong> óbvio. São Paulo:<br />

UNICAMP, 1988.

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