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www.nead.unama.br<br />
aqui a fim de me explicar o seu silêncio; pela minha parte expliquei-lhe o meu<br />
desvario. Não posso ambicionar mais...<br />
— Não pode?...<br />
— Não. Meu fim era não desmerecer a sua estima.<br />
— E por que não o meu amor? perguntou Ernesto. Parece-lhe que o coração<br />
possa apagar de repente, e por simples esforço de vontade, a chama de que viveu<br />
longos dias?<br />
— Oh! isso é impossível! respondeu a moça; e pela minha parte sei o que vou<br />
padecer...<br />
— Demais, disse Ernesto, o culpado de tudo fui eu, francamente o confesso.<br />
Ambos nós temos que perdoar um ao outro; perdoô-lhe a levian<strong>da</strong>de; perdoa-me o<br />
fatal arrufo?<br />
Rosina, a menos de ter um coração de bronze, não podia deixar de conceder o<br />
perdão que o namorado lhe pedia. Foi recíproca a generosi<strong>da</strong>de. Como na volta do<br />
filho pródigo, as duas almas festejaram aquela renascença de felici<strong>da</strong>de e amaramse<br />
com mais força do que nunca.<br />
Três meses depois, dia por dia, foi celebrado na igreja de Sant’Ana, que era<br />
então no Campo <strong>da</strong> Aclamação, o consórcio dos dois namorados. A noiva estava<br />
radiante de ventura; o noivo parecia respirar os ares do paraíso celeste. O tio de<br />
Rosina deu um sarau a que compareceram os amigos de Ernesto, exceto o rapaz do<br />
nariz comprido.<br />
Não quer isto dizer que a amizade dos dois viesse a esfriar. Pelo contrário, o<br />
rival de Ernesto revelou certa magnanimi<strong>da</strong>de, apertando ain<strong>da</strong> os laços que o<br />
prendiam desde a singular circunstância que os aproximou. Houve mais; dois anos<br />
depois do casamento de Ernesto, vemos os dois associados num armarinho,<br />
reinando entre ambos a mais serena intimi<strong>da</strong>de. O rapaz do nariz comprido é<br />
padrinho de um filho de Ernesto.<br />
— Por que não te casas? pergunta Ernesto às vezes ao seu sócio, amigo e<br />
compadre.<br />
— Na<strong>da</strong>, meu amigo, responde o outro, eu já agora morro solteiro.<br />
Jornal <strong>da</strong>s Famílias, 1873.<br />
AURORA SEM DIA<br />
Naquele tempo contava Luís Tinoco vinte e um anos. Era um rapaz de estatura<br />
meã, olhos vivos, cabelos em desordem, língua inesgotável e paixões impetuosas.<br />
Exercia um modesto emprego no foro, donde tirava o parco sustento, e morava com<br />
o padrinho cujos meios de subsistência consistiam no ordenado <strong>da</strong> sua<br />
aposentadoria. Tinoco estimava o velho Anastácio e este tinha ao afilhado igual<br />
afeição.<br />
Luís Tinoco possuía a convicção de que estava fa<strong>da</strong>do para grandes destinos,<br />
e foi esse durante muito tempo o maior obstáculo <strong>da</strong> sua existência. No tempo em<br />
que o Dr. Lemos o conheceu, começava arder-lhe a chama poética. Não se sabe<br />
como começou aquilo. Naturalmente os louros alheios entraram a tirar-lhe o sono. O<br />
certo é que um dia de manhã acordou Luís Tinoco escritor e poeta; a inspiração, flor<br />
abotoa<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> na véspera, amanheceu pomposa e viçosa. O rapaz atirou-se ao<br />
papel com ardor e perseverança, e entre as seis horas e as nove, quando o foram<br />
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