PD 18 - Fundação Astrojildo Pereira
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Colisão de direitos fundamentais no debate sobre aborto<br />
tor o princípio da dignidade da pessoa humana. A imputação isolada<br />
do termo ‘abortista’ não denota o exercício honesto do direito<br />
de crítica assegurado pela liberdade de expressão, porque ignora o<br />
postulado da máxima transparência próprio das relações de boa-fé.<br />
Assim como todas as palavras ofensivas e ultrajantes da língua portuguesa,<br />
a palavra ‘abortista’ sempre estará disponível para quem dela<br />
quiser lançar mão. Não faz sentido proibir a pronúncia e o uso de<br />
qualquer palavra pelas pessoas. Isso seria dar espaço para lógica do<br />
impossível. Contudo, a certeza de que a censura prévia é incompatível<br />
com a democracia e a vida civilizada não significa que a livre expressão<br />
não possa e não deva ser judicialmente punida quando infringe valores<br />
individuais, difusos e coletivos de respeito mútuo vigentes nestas<br />
sociedades, com a incitação ao ódio, ao apartheid e ao preconceito. Nenhuma<br />
palavra é proibida, mas toda palavra pode ser alvo de repreensão<br />
judicial quando servir como instrumento para atingir a felicidade e<br />
o bem-estar alheio, causando constrangimento, angústia, sofrimento<br />
e dissabor significativos ao ofendido.<br />
Se, por um lado, o preceito fundamental de liberdade de expressão<br />
permite a qualquer pessoa, religiosa ou não religiosa, defender publicamente<br />
a abreviação de gestação como uma extensão dos direitos à<br />
dignidade humana, à autonomia da vontade e à saúde em sua acepção<br />
mais ampla, por outro, também autoriza outras pessoas a exporem<br />
seu repúdio ao aborto com base na premissa da santidade e da<br />
intocabilidade da vida humana. Todos têm resguardado, em princípio,<br />
o direito à liberdade de opinião. Em qualquer caso, porém, o direito<br />
à livre expressão não se coaduna com violência, que funciona senão<br />
como um fator de descaracterização desse direito.<br />
O uso da palavra ‘abortista’ fomenta a marginalização social,<br />
constituindo um neologismo perigoso para a coexistência pacífica<br />
entre estranhos morais, porque alimenta a falsa premissa de que as<br />
pessoas não adeptas da razão ‘pró-vida’ são nocivas ao bem-estar da<br />
humanidade.<br />
As liberdades públicas não são incondicionais, e, portanto, ninguém<br />
pode exceder os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes<br />
no gozo de quaisquer direitos. O abuso que coloque em risco<br />
direito alheio, de mesma natureza ou não, faz surgir a responsabilidade<br />
civil para o autor dos danos, como expõe o Código Civil, motivo pelo<br />
qual, inclusive, a Constituição Federal veda o anonimato. Segundo<br />
precedentes do STF, os direitos fundamentais pressupõem uso harmônico<br />
por parte de seus titulares, sob pena de grave lesão à ordem<br />
jurídica.<br />
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