Terra e água em Grande sertão: veredas, de Guimarães ... - Cielli
Terra e água em Grande sertão: veredas, de Guimarães ... - Cielli
Terra e água em Grande sertão: veredas, de Guimarães ... - Cielli
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
TERRA E ÁGUA EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS, DE GUIMARÃES<br />
ROSA, E PEDRO PÁRAMO, DE JUAN RULFO<br />
Beatriz Pazini Ferreira (G-UEM)<br />
Evely Vânia Libanori (UEM)<br />
Na América Latina, o ambiente regional t<strong>em</strong> oferecido material para a literatura<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época romântica com sua intenção <strong>de</strong> fixar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> latinoamericana por<br />
meio do enfoque <strong>em</strong> espaços e costumes específicos. A in<strong>de</strong>pendência política,<br />
conquistada pela maioria dos países da América Latina, torna a <strong>de</strong>scrição das paisagens<br />
carregada <strong>de</strong> intenções políticas. O enfoque das situações específicas <strong>de</strong>sse ou daquele<br />
país servia a um propósito <strong>de</strong> fixar a cultura latinoamericana como sendo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
da cultura europeia, a qu<strong>em</strong> esteve subordinada por centenas <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> colonização.<br />
Rosa e Rulfo se ass<strong>em</strong>elham aos escritores regionalistas porque mostram um espaço<br />
regional, afastado dos centros urbanos, com seus costumes e hábitos específicos. O<br />
tratamento estético com a linguag<strong>em</strong> também é s<strong>em</strong>elhante porque os dois escritores se<br />
apropriam <strong>de</strong> um falar regional com suas expressões e palavras peculiares. No entanto,<br />
esse falar regional é alvo do tratamento estético dos autores e disso resulta uma<br />
linguag<strong>em</strong> que, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que está ligada à comunicação <strong>de</strong> um povo,<br />
também expressa dimensões amplas e universais. O uso <strong>de</strong> palavras simbólicas é um<br />
dos recursos para alcançar o plano metafísico. Em Rosa, a fábula se passa nos sertões<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais, interior do norte do Brasil; <strong>em</strong> Rulfo, se passa nos páramos <strong>de</strong> Jalisco,<br />
interior do sudoeste do México. Entretanto, nenhum dos autores preten<strong>de</strong>u, com isso,<br />
um propósito <strong>de</strong> verossimilhança que inscrevesse a fábula nas coor<strong>de</strong>nadas do realismo.<br />
O universo regional é apenas um dos suportes do propósito estético dos escritores que<br />
superaram as amarras autóctones. Os ambientes regionais distanciam-se da estrutura<br />
histórico-social das regiões enfocadas, dados os recursos estilísticos utilizados pelos<br />
autores na apresentação <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as comuns ligados à nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à nossa presença<br />
na vida. Os t<strong>em</strong>as comuns a ambos são a relação com o outro, o amor, a solidão, o<br />
t<strong>em</strong>po, a vida, e a morte.
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
Dessa forma, as relações entre o ser e a vida/morte são constantes <strong>em</strong> <strong>Gran<strong>de</strong></strong><br />
<strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong> e Pedro páramo, ou seja, o confronto interno do hom<strong>em</strong> consigo<br />
mesmo e com os seres e coisas à sua volta está fort<strong>em</strong>ente presente. Ocorre, nas duas<br />
obras, inquietações internas do ser, como, por ex<strong>em</strong>plo, questões referentes à vida e a<br />
morte. As "<strong>veredas</strong>", <strong>de</strong> <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong> e os "páramos", <strong>de</strong> Pedro Páramo<br />
simbolizam o próprio universo habitado por homens que sent<strong>em</strong> as mesmas<br />
inquietações <strong>em</strong> qualquer lugar. Riobaldo, <strong>de</strong> <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong>, afirma: "O<br />
senhor tolere, isto é o <strong>sertão</strong>. Uns quer<strong>em</strong> que não seja: que situado <strong>sertão</strong> é por os<br />
campos-gerais a fora a <strong>de</strong>ntro, eles diz<strong>em</strong>. O <strong>sertão</strong> está <strong>em</strong> toda a parte." (ROSA, 2006,<br />
p.08), isto é, o <strong>sertão</strong> <strong>de</strong> <strong>Guimarães</strong> Rosa é o universo do hom<strong>em</strong> interior e<br />
exteriormente, que está repleto <strong>de</strong> inquietações e quer um sentido para vida.<br />
Juan Preciado também afirma que Contla é uma região <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm pessoas <strong>de</strong><br />
todos os lugares: “- Há uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caminhos. Há um que vai para Contla, outro<br />
que v<strong>em</strong> <strong>de</strong> lá. E há outro que dá direto na serra. Este que se vê daqui, não sei para on<strong>de</strong><br />
vai (...) - E este aqui passa pela Media Luna. E há mais outro que atravessava a terra<br />
inteira e é o que vai mais longe (RULFO, s.d, p. 46). Observa-se que o narrador afirma<br />
que na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Contla vêm pessoas <strong>de</strong> todos os lugares e que há vários caminhos.<br />
Assim, infere-se que os habitantes da cida<strong>de</strong> citada não diz<strong>em</strong> respeito apenas à região<br />
específica, mas sim aos vários caminhos que o hom<strong>em</strong> busca seguir. Trata-se <strong>de</strong> um<br />
espaço simbólico, uma vez que o sentido prático e utilitário do "caminho" está <strong>de</strong>sfeito,<br />
o que fica evi<strong>de</strong>nciado na existência <strong>de</strong> um caminho que vai até Contla e um caminho<br />
que v<strong>em</strong> <strong>de</strong> lá. Para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento, um mesmo caminho faria a função <strong>de</strong> ir e vir.<br />
Diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> Rosa, o sobrenatural é marca forte nas obras <strong>de</strong> Rulfo, pois as<br />
personagens dialogam com seres que já morreram, o que confere um tom sombrio e<br />
misterioso à narrativa. Nesse <strong>sertão</strong> e nesse páramo, o sertanejo e o mexicano são o<br />
hom<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>fronta com probl<strong>em</strong>as eternos, como a vida, a morte e o pós-morte.<br />
Nesse cenário <strong>de</strong> transcendência, o leitor <strong>de</strong>verá enten<strong>de</strong>r as entrelinhas da narrativa, e<br />
então, precisa compreen<strong>de</strong>r os sentidos dos "símbolos". Os significados simbólicos<br />
permit<strong>em</strong> a expansão dos sentidos do texto, uma vez que se refere a um conteúdo<br />
primitivo e, muitas vezes, ligados aos mitos.
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
Em <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong>, o pacto entre Riobaldo e o Diabo refere-se ao mito<br />
do Fausto que foi o protagonista <strong>de</strong> um acordo com o d<strong>em</strong>ônio. Trata-se do mito do Dr.<br />
Johannes Georg Faust (1480-1540), médico, mágico e alquimista al<strong>em</strong>ão. Com a<br />
intenção <strong>de</strong> superar os conhecimentos <strong>de</strong> sua época, Fausto evoca espíritos e o Diabo,<br />
ou inimigo da luz, como foi chamado na época, com o qual negocia viver por vinte e<br />
quatro anos s<strong>em</strong> envelhecer. Depois <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>po, conforme o contrato assinado com<br />
seu próprio sangue, serviria ao Diabo, <strong>em</strong> troca da sua alma.<br />
Levando <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração o mito Faustino, infere-se que Riobaldo evoca o<br />
Diabo com a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir seu rival Hermógenes. Depois do pacto, a personag<strong>em</strong><br />
fica estranha e aceita o posto <strong>de</strong> chefe concedido a ele pelos outros jagunços, que antes<br />
lhe negavam. Assim passa a ser chamado <strong>de</strong> Urutu-Branco e não mais <strong>de</strong> Riobaldo. Isso<br />
mostra que sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> passa a ser outra <strong>de</strong>pois do pacto com o d<strong>em</strong>ônio, como<br />
acontece no mito <strong>de</strong> Fausto. O sobrenatural é d<strong>em</strong>onstrado como sinônimo <strong>de</strong> força, ou<br />
seja, só com a força sobrenatural é que Riobaldo seria capaz <strong>de</strong> vencer a luta contra<br />
Hermógenes. O hom<strong>em</strong> sendo um ser repleto <strong>de</strong> fraquezas e imperfeições só po<strong>de</strong>rá<br />
ganhar força ao entrar <strong>em</strong> contato com seres sobrenaturais, aqui no caso, o Diabo, o<br />
<strong>de</strong>us cristão da vingança: “Feito o arfo <strong>de</strong> meu ar, feito tudo: que eu então havia <strong>de</strong><br />
achar melhor morrer duma vez, caso que aquilo agora para mim não fosse constituído. E<br />
<strong>em</strong> troca eu cedia às arras, tudo <strong>em</strong>u, tudo o mais - alma e palma, e <strong>de</strong>salma... Deus e o<br />
D<strong>em</strong>o! – Acabar com o Hermógenes! Reduzir aquele hom<strong>em</strong>!...” (ROSA, 2006, p. 421).<br />
Em Pedro Páramo, as personagens vivas conversam com os mortos para<br />
possíveis esclarecimentos. Juan Preciado vê os mortos e dialoga com eles. No diálogo<br />
<strong>de</strong> Juan Preciado e Dona Eduviges, ele pergunta o que se passa na cida<strong>de</strong> e ela diz que o<br />
cavalo <strong>de</strong> Miguel Páramo estava galopando a caminho <strong>de</strong> Media Luna à procura do<br />
mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua morte (RULFO, s.d, p. 23). No <strong>de</strong>correr da narrativa Juan<br />
Preciado ao perguntar sobre as coisas <strong>de</strong>scobre que conversa com mortos. Ao dialogar<br />
com Dona Damiana <strong>de</strong>scobre que está conversando com uma morta. “- A senhora está<br />
viva, Dona Damiana? Diga, Dona Damiana! E me encontrei <strong>de</strong> repente sozinho<br />
naquelas ruas vazia. As janelas das casas abertas para o céu, <strong>de</strong>ixando aparecer as
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
varetas secas do mato. Esteiras esburacadas, que mostravam os tijolos gastos./ -<br />
Damiana!- gritei. / - Damiana Cisneros!/ Respon<strong>de</strong>u o eco” (RULFO, s.d, p. 39).<br />
Assim, <strong>em</strong> Pedro Páramo, a questão sobrenatural e o mito do além-túmulo estão<br />
fort<strong>em</strong>ente presentes. A todo momento as personagens conversam com os mortos, na<br />
tentativa <strong>de</strong> buscar respostas para o seu <strong>de</strong>stino, como se po<strong>de</strong> constatar nesse excerto:<br />
E na minha casa erámos <strong>de</strong>zesseis filhos, <strong>de</strong> modo que você po<strong>de</strong><br />
calcular há quanto t<strong>em</strong>po já está morta. E veja só, ainda está vagando<br />
por este mundo. De modo que não se assuste se ouvir ecos mais<br />
recentes (...) - E a sua alma? Aon<strong>de</strong> acha que ela foi?/ - Deve estar<br />
vagando pela terra como tantas outras, procurando viventes que rez<strong>em</strong><br />
por ela (RULFO, s.d, p. 39 e 59).<br />
Na antiguida<strong>de</strong>, os fenícios acreditavam na vida após a morte. A alma humana<br />
separada do corpo levava uma vida s<strong>em</strong> prazeres e nas sombras. Os gregos antigos<br />
tinham uma lenda para simbolizar o ciclo <strong>de</strong> vida-morte. Trata-se da história <strong>de</strong><br />
Perséfone, filha <strong>de</strong> D<strong>em</strong>éter, <strong>de</strong>usa da fertilida<strong>de</strong>. Perséfone foi raptada por Ha<strong>de</strong>s, que<br />
a levou para o mundo infernal. D<strong>em</strong>éter experimenta uma tristeza profunda a tal ponto<br />
que toda a terra se torna infértil. Zeus, então, permite que Perséfone volte à terra. No<br />
entanto, ela havia se alimentado no mundo dos infernos, o que foi entendido como o seu<br />
consentimento <strong>em</strong> viver lá e, portanto, ela passara a fazer parte dos infernos. A<br />
conciliação encontrada foi fazer a <strong>de</strong>usa passar meta<strong>de</strong> do ano nos infernos e meta<strong>de</strong> do<br />
ano na terra. A lenda simboliza o ciclo <strong>de</strong> vida-morte, ciclo esse que se suce<strong>de</strong> e é<br />
eterno. Hoje, o Cristianismo apregoa a eternida<strong>de</strong> da existência pós-morte no Paraíso ou<br />
no Inferno. As personagens mortas <strong>de</strong> Pedro Páramo se encontram <strong>em</strong> vários estados:<br />
algumas são uma consciência no túmulo, outras parec<strong>em</strong> fantasmas na terra, outras são<br />
viajantes no espaço-t<strong>em</strong>po. O que há <strong>em</strong> comum entre todas é que todas se l<strong>em</strong>bram da<br />
vida miserável que viveram e ninguém encontrou salvação.<br />
No mito <strong>de</strong> Higino, um pedaço <strong>de</strong> barro é encontrado por Júpiter e mo<strong>de</strong>lado<br />
como uma criatura humana. Logo <strong>de</strong>pois, o <strong>de</strong>us chamado Cuidado sopra o espírito na<br />
criatura. A <strong>Terra</strong> aparece e quer conferir o seu nome ao ser recém-criado. Saturno, o<br />
<strong>de</strong>us mais sábio, tomou a <strong>de</strong>cisão e disse que a criatura <strong>de</strong>veria ser chamada <strong>de</strong>
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
"hom<strong>em</strong>" porque é feita <strong>de</strong> húmus, que significa "terra fértil". Há ainda o mito bíblico<br />
da criação do hom<strong>em</strong>. A gênese bíblica mostra que o hom<strong>em</strong> foi feito <strong>de</strong> barro ou terra<br />
fértil é um aproveitamento da fábula <strong>de</strong> Higino <strong>em</strong> que o húmus é convocado para<br />
compor a criatura humana: "Então Jeová Deus mo<strong>de</strong>lou o hom<strong>em</strong> com a argila do solo,<br />
insuflou <strong>em</strong> suas narinas um hálito <strong>de</strong> vida e o hom<strong>em</strong> se tornou um ser vivente”<br />
(GÊNESIS 2: 06). Em Platão e Higino não só a terra t<strong>em</strong> função prepon<strong>de</strong>rante para a<br />
formação do hom<strong>em</strong>, mas todos os el<strong>em</strong>entos. Sobre a orig<strong>em</strong> da <strong>Terra</strong>, que dá e tira o<br />
alimento dos seres humanos, há muitos; entre eles o mito grego. No mito grego, <strong>Terra</strong> é<br />
chamada <strong>de</strong> Gaia. Seu surgimento se dá através da escuridão do nada (Caos), na qual<br />
vai surgindo à imag<strong>em</strong> da divinda<strong>de</strong> Gaia (<strong>Terra</strong>), que coberta por alvos mantos vai<br />
dançando e rodopiando. Com os rodopios seu corpo vai se solidificando e se<br />
transformando <strong>em</strong> montanhas e vales; seu suor transforma-se <strong>em</strong> mares e rios; seus<br />
braços alongam-se e a envolv<strong>em</strong> <strong>em</strong> proteção, formando o firmamento à sua volta. A<br />
união da <strong>Terra</strong> e do firmamento gerou condições para o surgimento e manutenção da<br />
vida vegetal e animal. Sabe-se que a terra é dotada <strong>de</strong> seres animais e vegetais, como,<br />
por ex<strong>em</strong>plo, as árvores, os animais, o hom<strong>em</strong>, as moradias entre outros. Nas obras<br />
poéticas, esses el<strong>em</strong>entos que compõ<strong>em</strong> a terra pod<strong>em</strong> ter vários significados, ou seja,<br />
os “indivíduos” que comportam a terra pod<strong>em</strong> ser representados por símbolos, cada qual<br />
com sua particularida<strong>de</strong>.<br />
Em relação ao el<strong>em</strong>ento <strong>água</strong>, há várias divinda<strong>de</strong>s, como por ex<strong>em</strong>plo, a <strong>de</strong>usa<br />
Tétis, que v<strong>em</strong> do grego “ama, nutriz” ou “a que nutre”, ou seja, as <strong>água</strong>s têm o po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> nutrir os seres. Sobre o mito grego, o oceano é representado por um velho sentado<br />
sobre as ondas, <strong>em</strong>punhando uma lança numa das mãos e, na outra, segurando uma urna<br />
da qual <strong>de</strong>speja <strong>água</strong>. A Hídros/<strong>água</strong> passa a fazer parte dos <strong>de</strong>uses do Olimpo e é<br />
representada por Poseidon, o <strong>de</strong>us dos rios e mares. Ele faz tr<strong>em</strong>er e oscilar a terra e as<br />
marés, como também faz nascer sobre a terra plantas nutritivas para todas as espécies<br />
(CHEVALIER, 2009) .<br />
Na antiguida<strong>de</strong>, a <strong>água</strong> servia para a purificação, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> guerras, lutas e<br />
mortes. Os gregos se banhavam <strong>em</strong> rios para se purificar <strong>de</strong> algum ato <strong>de</strong>sprezível que<br />
cometess<strong>em</strong>. Para a cultura grega, a <strong>água</strong> s<strong>em</strong>pre foi muito importante, um el<strong>em</strong>ento
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
fortíssimo, venerado e respeitado. Entre os símbolos que compõ<strong>em</strong> a <strong>água</strong> estão:<br />
criaturas que estão no mar/rio e o próprio rio. Assim, a <strong>água</strong> é um el<strong>em</strong>ento que<br />
comunga força. Aliás, na gênese bíblica, Deus trouxe o dilúvio para <strong>de</strong>struir muitos dos<br />
homens. Tamanha é a força da <strong>água</strong>. Ela po<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir como também dar vida nutrindo<br />
as plantas, os animais e o próprio hom<strong>em</strong>.<br />
Diante dos el<strong>em</strong>entos que foram aqui explicitados, terra e <strong>água</strong>, há alguns<br />
símbolos que os compõ<strong>em</strong>. Para o el<strong>em</strong>ento terra, o cavalo está expresso como criatura<br />
da mesma e o el<strong>em</strong>ento <strong>água</strong> po<strong>de</strong> ser representado pela simbologia dos rios. Em<br />
<strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong> e Pedro Páramo, o cavalo e o rio têm gran<strong>de</strong> importância por<br />
revelar, através <strong>de</strong> seus símbolos, a transcendência do mundo concreto. Em relação ao<br />
el<strong>em</strong>ento <strong>Terra</strong>, t<strong>em</strong>os como símbolo o cavalo. Ao ler s<strong>em</strong> buscar os símbolos, o cavalo<br />
po<strong>de</strong> ser apenas animal <strong>de</strong> montaria nas duas obras, mas <strong>em</strong> uma investigação v<strong>em</strong>os<br />
que o cavalo po<strong>de</strong> conduzir o seu dono a caminhos sobrenaturais. Além disso, na crença<br />
dos povos antigos o cavalo está associado às trevas e à luz, à morte e à vida. O cavalo é<br />
presságio <strong>de</strong> morte e conhece o caminho subterrâneo por on<strong>de</strong> as almas percorr<strong>em</strong> e é<br />
inseparável do <strong>de</strong>stino do hom<strong>em</strong> (GHEERBRANT, 2009, p. 206).<br />
Sabe-se que, com a morte <strong>de</strong> Miguel Páramo, o cavalo continua à sua procura.<br />
Isso porque conhece o caminho pós-morte e pensa po<strong>de</strong>r reencontrar seu dono: “Um<br />
cavalo passou a galope on<strong>de</strong> a rua principal cruza com o caminho que vai a Contla.<br />
Ninguém viu. Mas uma mulher que esperava nas proximida<strong>de</strong>s do povoado contou que<br />
vira o cavalo correndo, com as pernas dobradas como se fosse cair <strong>de</strong> bruços.<br />
Reconheceu o alazão <strong>de</strong> Miguel Páramo (RULFO, s.d, p. 28). O cavalo <strong>de</strong> Miguel<br />
Páramo percorre a cida<strong>de</strong> à procura <strong>de</strong> seu dono, constant<strong>em</strong>ente. Em <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>:<br />
<strong>veredas</strong>, Riobaldo vê Joca Ramiro sentado <strong>em</strong> um cavalo branco, logo <strong>de</strong>pois, v<strong>em</strong> a<br />
notícia <strong>de</strong> que Joca Ramiro havia morrido. Quando Joca Ramiro estava sentado no<br />
cavalo branco ele estava anunciando sua própria morte (FERREIRA, TOFALINI,<br />
2009). Na Antiguida<strong>de</strong> grega até a Ida<strong>de</strong> Média, principalmente nas lendas al<strong>em</strong>ãs, os<br />
cavalos eram chamados <strong>de</strong> pressagiadores da morte e quando esses cavalos são<br />
chamados <strong>de</strong> brancos <strong>de</strong>ve-se enten<strong>de</strong>r que a brancura refere-se à frieza, à ausência <strong>de</strong><br />
vida e po<strong>de</strong> ser comparado com fantasmas. Sua brancura está próxima da cor negra, que
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
quer dizer luto. Assim, po<strong>de</strong>-se inferir que ao estar sentado <strong>em</strong> um cavalo branco, Joca<br />
Ramiro estava pré-dizendo que iria morrer: “Montado no cavalo branco, Joca Ramiro<br />
<strong>de</strong>u uma <strong>de</strong>spedida” (Rosa, 1974, p. 191).<br />
Outro símbolo do cavalo que po<strong>de</strong> se associar a Joca Ramiro sentado no cavalo<br />
branco é a representação <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r. Segundo Gheerbrant (2009, p. 211) o cavalo é<br />
também símbolo <strong>de</strong> majesta<strong>de</strong>. Na maioria das vezes, ele é montado por aquele a qu<strong>em</strong><br />
a Bíblia se refere como fiel e verda<strong>de</strong>iro. Joca Ramiro é visto como o lí<strong>de</strong>r<br />
incomparável no bando dos jagunços. Riobaldo, <strong>em</strong> vários momentos da narrativa, não<br />
aceita a condição <strong>de</strong> chefe por receio <strong>de</strong> não conseguir chegar ao mesmo patamar que<br />
Joca Ramiro chegou: a <strong>de</strong> melhor chefe, pois só um verda<strong>de</strong>iro e fiel chefe po<strong>de</strong>ria estar<br />
montado <strong>em</strong> um cavalo branco. Além disso, <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Joca Ramiro, Diadorim<br />
quer vingar-se a todo o custo do causador da morte <strong>de</strong> seu pai, não apenas pela condição<br />
paterna, mas também pelo chefe ex<strong>em</strong>plar que era.<br />
Em Pedro Páramo o cavalo <strong>de</strong> Miguel Páramo está <strong>em</strong> contato com o mundo<br />
natural-terra e o sobrenatural-além-túmulo, ou seja, permanece atormentado pela nãoexistência<br />
do seu dono na superfície da <strong>Terra</strong> e, ao atravessar os limites <strong>de</strong>la, o cavalo<br />
po<strong>de</strong> reencontrá-lo. O cavalo <strong>de</strong> Miguel Páramo está atormentado pelo fato do seu dono<br />
não estar presente: “ele e o cavalo se gostavam e estou quase achando que o animal está<br />
sofrendo mais que Dom Pedro. Não comeu n<strong>em</strong> dormiu e não faz outra coisa senão<br />
andar pra cima e pra baixo. Como se sentisse <strong>de</strong>spedaçado e carcomido por <strong>de</strong>ntro”<br />
(RULFO, s.d, p. 23). Andar <strong>de</strong> um lado para o outro buscando seu dono é uma forma <strong>de</strong><br />
tentar achar o caminho do sobrenatural, para on<strong>de</strong> Miguel Páramo foi levado. De acordo<br />
com Gheerbrant (2009, p. 213), “o cavalo também representa a face humanizada”, isto é<br />
sente as dores dos que se foram, no caso o cavalo sente a dor da perda <strong>de</strong> Miguel<br />
Páramo.<br />
Outro símbolo presente nas duas obras é <strong>em</strong> relação às <strong>água</strong>s. O rio é o gran<strong>de</strong><br />
referente que se liga à <strong>água</strong>. Em <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong>, o rio vai <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar a<br />
narrativa. O Rio São Francisco é uma via natural <strong>de</strong> entrada para o <strong>sertão</strong>. Na obra, é<br />
por meio <strong>de</strong>sse rio que Reinaldo/Diadorim e Riobaldo se conhec<strong>em</strong>. Conhecer<br />
Reinaldo/Diadorim e ter atravessado com ele o Rio São Francisco muda para s<strong>em</strong>pre o
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Riobaldo. O simbolismo do rio está ligado à renovação e representa a<br />
existência humana e o curso da vida, com a sucessão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos, sentimentos e<br />
intenções (GHEERBRANT, 2009). Assim, ao atravessar o rio São Francisco com<br />
Reinaldo/Diadorim, Riobaldo iria conhecer outras facetas da vida, como, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
o pacto com o Diabo, o ser chefe e indagações sobre seus próprios sentimentos. Depois<br />
<strong>de</strong> conhecer Reinaldo, Riobaldo fica repleto <strong>de</strong> inquietações sobre seus sentimentos.<br />
Sua vida passa por gran<strong>de</strong>s mudanças <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atravessar o Rio São Francisco com<br />
Reinaldo:<br />
(...) Mas, com pouco, chegávamos no do – Chico. O senhor surja: é <strong>de</strong><br />
repent<strong>em</strong>ente, aquela terrível <strong>água</strong> <strong>de</strong> largura: imensida<strong>de</strong> (...)Depois,<br />
foi entrando no do-Chico, na beirada (..) enxerguei os confins do rio,<br />
do outro lado (...) O que até hoje, minha vida, avistei, <strong>de</strong> maior., foi<br />
aquele rio (...) (ROSA, 2006, p. 108).<br />
Para Riobaldo o que aconteceu <strong>de</strong> melhor <strong>em</strong> sua vida foi conhecer Reinaldo e<br />
com ele atravessar o rio. Atravessar o rio é seguir para outro estágio, ou seja, Riobaldo<br />
nunca mais foi o mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa ação. Os banhos são comuns <strong>em</strong> <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>:<br />
<strong>veredas</strong>. Os jagunços aproveitam os rios para se banhar. Simbolicamente banhos nos<br />
rios são atos <strong>de</strong> purificação e regeneração. Po<strong>de</strong>-se dizer que o banho é o primeiro dos<br />
ritos que sancionam gran<strong>de</strong>s etapas da vida, como, por ex<strong>em</strong>plo, o nascimento (batismo)<br />
e a morte (lavar o corpo para ser enterrado), isto é, o banho, <strong>em</strong> especial no rio,<br />
converge para diferentes períodos da vida e o hom<strong>em</strong> purifica-se para passar <strong>de</strong> um<br />
plano a outro. Riobaldo ao não banhar-se com Reinaldo no Rio das Velhas estava<br />
negando sua possível homossexualida<strong>de</strong>, ou seja, a etapa <strong>de</strong> mudar seus outros<br />
interesses sexuais não aconteceria. Por mais dúvidas, medos e <strong>de</strong>sejos que Riobaldo<br />
pu<strong>de</strong>sse ter <strong>em</strong> relação aos seus sentimentos para com Diadorim, a sua<br />
heterossexualida<strong>de</strong> permaneceria, conforme segue a narrativa <strong>de</strong> <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>:<br />
<strong>veredas</strong>:<br />
Depois, o Reinaldo disse: eu fosse lavar o corpo no rio (...) Mas o<br />
Reinaldo me instruiu aquilo, e me <strong>de</strong>ixou na beira da praia, alegrias do<br />
ar <strong>em</strong> meu pensamento. Cheguei a encarar a <strong>água</strong>, o Rio das Velhas
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
passando seu muito, um rio é s<strong>em</strong>pre s<strong>em</strong> antiguida<strong>de</strong>. Cheguei a tirar<br />
a roupa. Mas então notei que estava contente d<strong>em</strong>ais <strong>de</strong> lavar meu<br />
corpo porque Reinaldo mandasse, e era um prazer fofo e perturbado<br />
(...) Destapei raivas. Tornei a me vestir (ROSA, 2006, p. 145-146).<br />
Segundo a simbologia, os banhos têm relações com o sagrado e o profano, ou<br />
seja, banhar-se para purificar-se ou para libertar-se da purificação e a<strong>de</strong>ntrar para outro<br />
modo <strong>de</strong> vida, ou renunciar <strong>de</strong> alguma responsabilida<strong>de</strong>. Além disso, na Ida<strong>de</strong> Média,<br />
os "banhos públicos" tinham a reputação <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> lugares <strong>de</strong> libertinag<strong>em</strong>, por esse<br />
motivo foram proibidos pelos cristãos. Levando <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração os símbolos do banho,<br />
po<strong>de</strong>-se inferir que, ao banhar-se no rio com Diadorim, Riobaldo estava a<strong>de</strong>ntrando a<br />
outro modo <strong>de</strong> vida e por isso <strong>de</strong>cidiu não se banhar com ele. O simbolismo do rio e do<br />
fluir <strong>de</strong> suas <strong>água</strong>s é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o da possibilida<strong>de</strong> universal e o da flui<strong>de</strong>z das<br />
formas, o da fertilida<strong>de</strong> e da morte. O mar é o gran<strong>de</strong> responsável pelo dinamismo da<br />
vida, pois tudo que sai do mar retorna a ele. Além disso, é lugar <strong>de</strong> transformações. Por<br />
isso, o mar é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, a imag<strong>em</strong> da vida e da morte. No mito grego, o <strong>de</strong>us<br />
dos mares é chamado <strong>de</strong> Poseidon, como já diss<strong>em</strong>os. Ele teve muitas relações<br />
amorosas com <strong>de</strong>usas e mortais e, por isso, representa a fecundida<strong>de</strong>. Nas mitologias<br />
egípcias, o nascimento da terra e da vida era concebido como uma <strong>em</strong>ersão do oceano,<br />
por isso o simbolismo do oceano está relacionado com a orig<strong>em</strong> da vida. Sobre o mito<br />
grego, <strong>em</strong> relação à orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> Afrodite, Urano (Céu) <strong>de</strong>rramou o sêmen no mar, após a<br />
castração do Céu por seu filho Cronos, ou seja, Afrodite nasceu das espumas do mar e<br />
representa as forças da fecundida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação aos possíveis <strong>de</strong>sejos e sexualida<strong>de</strong><br />
(GHEERBRANT, 2009).<br />
Em Pedro Páramo, a personag<strong>em</strong> Suzana San Juan faz referências ao mar, com<br />
aspectos <strong>de</strong> possíveis <strong>de</strong>sejos carnais, conforme a narrativa:<br />
Meu corpo sentia b<strong>em</strong> o calor da areia. Tinha os olhos fechados, os<br />
braços abertos, as pernas estendidas para a brisa do mar. E o mar ali<br />
na frente, distante, mal <strong>de</strong>ixando uns restos <strong>de</strong> espuma nos meus pés<br />
com o subir da maré.<br />
- Agora sim é ela que está falando, Juan Preciado. Não se esqueça <strong>de</strong><br />
me dizer o que ela está dizendo.
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
Era cedo. O mar corria e <strong>de</strong>scia <strong>em</strong> ondas. Desprendia-se da sua<br />
espuma e ia <strong>em</strong>bora, limpo, com sua <strong>água</strong> ver<strong>de</strong>, <strong>em</strong> ondas<br />
silenciosas.<br />
No mar eu só podia tomar banho nua, disse a ele. E ele foi comigo no<br />
primeiro dia, nu também fosforescente ao sair do mar (...) o mar<br />
molha os meus tornozelos e vai <strong>em</strong>bora; molha os meus joelhos, as<br />
minhas coxas; ro<strong>de</strong>ia a minha cintura com o seu braço suave; dá a<br />
volta sobre os meus seios, abraça-se ao meu pescoço; aperta-me os<br />
ombros. Então me fundo com ele, inteira. Entrego-me a ele no seu<br />
quebrar forte, na sua posse suave, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar sombras. E no dia<br />
seguinte estava outra vez no mar, me purificando. Entregando-me às<br />
suas ondas (RULFO, s.d, p. 84).<br />
A personag<strong>em</strong> ao dizer que “mal <strong>de</strong>ixando uns restos <strong>de</strong> espuma nos meus pés com o<br />
subir da maré” po<strong>de</strong> estar fazendo referência à sexualida<strong>de</strong>, visto que a <strong>de</strong>usa Afrodite,<br />
<strong>de</strong>usa da fecundida<strong>de</strong>, nasceu da espuma do mar. Além disso, o <strong>de</strong>us dos mares,<br />
Poseidon, teve muitas relações amorosas com mulheres e, por isso, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r<br />
que, ao se referir ao mar, a personag<strong>em</strong> faz alusão aos <strong>de</strong>sejos carnais.<br />
Observa-se também, que a personag<strong>em</strong> diz que, ao se ao entregar ao mar, este a<br />
purificaria. A simbologia diz que uma das características do mar é a purificação. Ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que faz ligações com os prazeres, também purifica, “o mar se situa<br />
entre Deus e nós” (GHEERBRANT, 2009, p. 593). Ao querer banhar-se no mar a<br />
personag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> a intenção <strong>de</strong> purificar-se, conforme a simbologia da palavra "mar".<br />
Além disso, tal interpretação po<strong>de</strong> ter duas facetas. A palavra ‘purificar’ po<strong>de</strong><br />
conter ironias, <strong>em</strong> relação ao seu sentido <strong>de</strong> santificar, ou seja, se o mar se situa entre<br />
Deus e os humanos, <strong>de</strong> acordo com a simbologia, ele faz referências ao pecado dos<br />
homens, porque este comete pecados. Nota-se que as palavras da personag<strong>em</strong> estão<br />
repletas <strong>de</strong> sensações carnais próprias dos seres humanos, o que se po<strong>de</strong> inferir como<br />
pecado segundo a tradição cristã. Sobre “se situar <strong>em</strong> Deus”, ou seja, santificar-se, a<br />
personag<strong>em</strong> diz que vai até o mar para se purificar, ou seja, para limpar-se dos possíveis<br />
pecados cometidos.<br />
Diante do exposto, interpretar os símbolos é uma forma <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as obras<br />
poéticas, pois há conteúdos que estão implícitos e ao investigar o conteúdo simbólico a<br />
narrativa amplia seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação. A obra poética é uma espécie <strong>de</strong> diálogo<br />
entre texto-leitor. Bakhtin diz que o “diálogo não é apenas a comunicação <strong>em</strong> voz alta,
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
mas toda a comunicação verbal, inclusive o livro impresso, que é feito para ser<br />
estudado, comentado e criticado <strong>de</strong> maneira ativa pelo leitor” (BAKHTIN apud<br />
COSTA, 1998, p. 25). Assim, levantar e interpretar os símbolos nas obras: <strong>Gran<strong>de</strong></strong><br />
<strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong> e Pedro Páramo é uma maneira <strong>de</strong> recuperar as formas <strong>de</strong> pensamento<br />
primitivas para entendimento das mesmas.<br />
O estudo dos símbolos permite que se entenda o que há <strong>de</strong> conteúdo para além<br />
daquilo que se vê. Estudar seus sentidos é tomar contato com outros significados para<br />
além do significado imediato. Coutinho (2001) explica que <strong>Guimarães</strong> Rosa, nas suas<br />
obras, envolve o estado das personagens, ambientes, episódios, situações e a ação<br />
simbólica, nos t<strong>em</strong>as, idéias, i<strong>de</strong>ário, i<strong>de</strong>ologia- contexto mágico <strong>de</strong> arte e religião, e o<br />
mundo dos símbolos (...); assim, se serviu não como qu<strong>em</strong> explora uma paisag<strong>em</strong>,<br />
porém como qu<strong>em</strong> manipula um ingrediente simbólico (COUTINHO, 2001, p. 518).<br />
Em Pedro Páramo “o símbolo e o mito aparec<strong>em</strong> enfaticamente, reforçando -<br />
portanto - os anseios humanos <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong> (...) a obra está repleta <strong>de</strong> significado que<br />
só por meio da totalida<strong>de</strong> dos componentes míticos será possível sua interpretação”<br />
(EUZÉBIO, 2009, p. 10 e 66). Assim, as duas obras contêm el<strong>em</strong>entos simbólicos que<br />
precisam <strong>de</strong> interpretação para que o leitor possa fazer suas próprias leituras. Conforme<br />
afirma Benoist (1975, p. 10) “na ord<strong>em</strong> das idéias um símbolo é igualmente um<br />
el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> ligação plena <strong>de</strong> intervenção e une o que é contraditório, pois não pod<strong>em</strong>os<br />
compreen<strong>de</strong>r nada, n<strong>em</strong> comunicar nada, s<strong>em</strong> a sua participação”. Assim, colocar a<br />
análise dos símbolos nas obras poéticas é <strong>de</strong>ixar a significação dos símbolos<br />
participar<strong>em</strong> da interpretação das mesmas. Dessa forma, neste estudo, buscou-se<br />
conhecer os símbolos: “cavalo” e “rio” nas obras <strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong> <strong>de</strong> <strong>Guimarães</strong><br />
Rosa e Pedro Páramo <strong>de</strong> Juan Rulfo, dois escritores <strong>de</strong> diferentes nações, mas que<br />
buscaram algo <strong>em</strong> comum: fazer literatura regional com peso universal.<br />
Referências<br />
BENOIST, Luc. Signos, símbolos e mitos. Lisboa: LDA, 1975.<br />
COSTA, Lígia Militz da. Representação e Teoria da Literatura: dos gregos ao pós<br />
mo<strong>de</strong>rno. Cruz alta: UNICRUZ, 1998.
Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
_________________________________________________________________________________________________________<br />
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 6ª edição. Rev. atual. São Paulo: Global,<br />
2001.<br />
GÊNESIS: In: A Bíblia: <strong>de</strong> Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo:<br />
Paulus, 2002.<br />
EUZÉBIO, Vilmar Machado. A morte e as mortes na obra <strong>de</strong> Juan Rulfo. Florianópolis:<br />
UFSC, 2008. Disponível <strong>em</strong>:<br />
Acesso <strong>em</strong>: 07/04/2010.<br />
FERREIRA, Beatriz Pazini; TOFALINI, Luzia Aparecida Berloffa. Simbologia <strong>em</strong><br />
<strong>Gran<strong>de</strong></strong> <strong>sertão</strong>: <strong>veredas</strong>. Cascavel: Unioeste, 2009.<br />
GHEERBRANT, Jean et GHEERBRANT, Alain. Dicionário <strong>de</strong> símbolos. 13. ed. Trad.<br />
Vera da Costa e Silva. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 2009.<br />
ROSA, <strong>Guimarães</strong>. <strong>Gran<strong>de</strong></strong> Sertão: Veredas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 2006.<br />
RULFO, Juan. Pedro Páramo. São Paulo: Círculo do livro, s.d.