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A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA EM PRIMEIRAS ESTÓRIAS ... - Cielli

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Universidade Estadual de Maringá – U<strong>EM</strong><br />

Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />

_________________________________________________________________________________________________________<br />

A <strong>HISTORIOGRAFIA</strong> <strong>LITERÁRIA</strong> <strong>EM</strong> <strong>PRIMEIRAS</strong> <strong>ESTÓRIAS</strong><br />

Rosalina Albuquerque Henrique (PG / UFPA)<br />

Brenda de Sena Maués (PG / UFPA)<br />

Ela [a obra literária] é, antes, como uma partitura<br />

voltada para a ressonância sempre renovada da<br />

leitura, libertando o texto da matéria das palavras e<br />

conferindo-lhe existência atual.<br />

(JAUSS, 1994, p. 25)<br />

Na década de 60, surge a Estética da Recepção 1 tendo à frente o estudioso alemão<br />

Hans Robert Jauss (1921-1997), que, segundo Roberto Figurelli (1988, p. 265), nascia<br />

sob o “signo da contradição”. Nesse sentindo, o ex-professor de Constança difundia<br />

uma teoria que valorizava a presença do leitor no texto literário em uma época que se<br />

apregoava o seu descrédito e desconfiança 2 . A priori, era um esboço de uma ideia<br />

intitulada “O que é e com que fim se estuda história da literatura?” (1967),<br />

posteriormente, transformada em uma teoria. Assim, o exame ora proposto para este<br />

artigo está concentrado com base em uma versão ampliada, A história da literatura<br />

como provocação à teoria literária 3 , de 1994.<br />

Jauss reconheceu o leitor como um mediador da história da literatura, a qual estava<br />

tradicionalmente, atrelada à história dos autores, das obras, dos gêneros e dos estilos, ao<br />

afirmar que a história da literatura é “um processo de recepção e produção estética que<br />

se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do<br />

escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete” (JAUSS,<br />

1994, p. 25). Seguindo essa premissa, salientamos, a propósito, os textos críticos de<br />

1 Na língua alemã é Rezeptionsästhetik.<br />

2 O termo em itálico é de Compagnon (2003, p. 139-164.) que discorre sobre a “desconfiança em relação<br />

ao leitor é — ou foi durante muito tempo — uma atitude amplamente compartilhada nos estudos<br />

literários, caracterizando tanto o positivismo quanto o formalismo, tanto o New Criticism quanto o<br />

estruturalismo. O leitor empírico, a má compreensão, as falhas da leitura, como ruídos e brumas,<br />

perturbam todas essas abordagens, quer digam respeito ao autor ou ao texto. Daí a tentação, em todos<br />

esses métodos, de ignorar o leitor ou, quando reconhecem sua presença, [...] a tentação [é] de formular<br />

sua própria teoria como uma disciplina da leitura ou uma leitura ideal, visando a remediar as falhas dos<br />

leitores empíricos”.<br />

3 Título original na Alemanha: Literaturgeshichte als Provokation der Literaturwissenschaft.


Paulo Rónai, Óscar Lopes e Renard Perez e, mais recentemente, os de Ana Paula<br />

Pacheco sobre o volume Primeiras Estórias, de 1962, do escritor João Guimarães Rosa<br />

(1908-1967).<br />

Em 1962, após seis anos do lançamento de Sagarana (1956), o escritor mineiro<br />

publica Primeiras Estórias, uma pequena coletânea (diga-se de passagem, em termos de<br />

escrita) com vinte e uma narrativas que de forma alguma fogem os anteriores textos<br />

rosianos. Haja vista que, quando o leitor se propõe a ler os contos “sente uma profunda<br />

e original meditação, tanto mais impressionante quanto maior a simplicidade de dados a<br />

que decorre” (LOPES, 1970, p. 330), tendo em mente que as estórias envolvem a<br />

documentação dos valores locais e o pitoresco das paisagens, o arcaico e o mítico, o<br />

universal e o metafísico.<br />

As estórias do livro são tradicionais causos mineiros, transformados pela ação<br />

interventora da veia artística literária do autor, sempre criativa. Causos que se passam,<br />

em sua maioria, em algum interior não identificável, continuando as experiências do<br />

autor no seu trabalho para retratar o sertão mineiro. Sobre isso, Ana Paula Pacheco<br />

(2007, p. 18) desenvolve a ideia de que os contos de Primeiras Estórias rememoram a<br />

origem das narrativas, uma vez que para ela são “mythos no duplo sentido, de mito e<br />

enredo, que se torna um só: algumas delas tecem cosmogonias contemporâneas (na<br />

infância, na rememoração), muitos mantêm, no enredo, um fundo mágico-religioso”.<br />

Recriados sempre sobre uma geografia simbólica, mesmo que seja imagética, porque,<br />

como já disse Guimarães Rosa a respeito das expressões utilizadas por ele na obra<br />

supracitada, “[as expressões] não são tiradas da linguagem comum, mas sim criadas por<br />

mim [...], de modo que, também para o leitor brasileiro, elas soam novas, estranhas,<br />

completamente inéditas” 4 .<br />

Paulo Rónai, em artigo sobre Sagarana, não antevia a vocação de Guimarães Rosa<br />

para a escrita de contos curtos, vendo-a tão somente para o romance. No entanto,<br />

constata o interesse do diplomata pela língua com base em uma atuação inventiva,<br />

registrando matizes e modalidades até então desconhecidas do público leitor, cria<br />

palavras não-dicionarizadas, recupera o significado de outras, empresta termos de<br />

línguas estrangeiras e estabelece rupturas sintáticas.<br />

4 Para mais detalhes acerca da linguagem utilizada pelo autor mineiro Guimarães Rosa cf. CARTA a J. J.<br />

Villard, 23.12.1964. Fundo João Guimarães Rosa. Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros — USP.<br />

In: Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo, ns. 20-21, p. 83-84, dez. 2006.


Chegando a expor que em Darandina (décima oitava narrativa da obra em análise),<br />

os “neologismos, trocadilhos, onomatopéias e inversões estão a serviço de uma<br />

esfuziante comicidade — o que lembra que os processos sintáticos do autor não devem<br />

ser avaliados fora do clima de intencionalidade” (RÓNAI, 1972, p. LIII). Logo, as<br />

narrativas rosianas fazem resplandecer a linguagem, sua principal inspiração na<br />

construção de suas estórias.<br />

Por conseguinte, sabemos que a produção crítica sobre o autor de Tutaméia é<br />

numerosa, porém, deve-se levar em conta estudos que revelaram os primeiros alicerces<br />

do horizonte rosiano. A recepção crítica de Primeiras Estórias tem em Paulo Rónai uma<br />

importância, dada a sua sólida participação como um dos primeiros leitores de cada<br />

novo volume do criador de Famigerado, abrindo caminhos a posteriori, como as<br />

produções universitárias, dentre elas, o projeto EELLIP 5 que se destaca por contabilizar<br />

até o primeiro semestre de 2010 347 itens bibliográficos.<br />

Nesta ocasião, daremos ênfase ao texto “Os vastos espaços” 6 , considerando a<br />

inclinação de Guimarães Rosa, sobretudo, para contos e novelas, capaz de embrenhar-<br />

se, com o risco de perder-se, na universalização do regional, na construção de<br />

neologismos, na própria criação dos seus personagentes e na sugestão de interpretações,<br />

o qual adotou, excepcionalmente, o mistério no início da trama, seja para satisfazer o<br />

leitor no final, seja para esconder a explicação no título, entre dois parênteses ou o<br />

próprio título é o mistério. Logo, para Rónai (1972), o leitor vê-se obrigado a tornar-se<br />

um colaborador na interpretação da narrativa, sempre metamorfoseando o enredo.<br />

Baseado na participação do leitor rosiano, vale ressaltar que, segundo o alemão Jauss<br />

(1994, p. 33), há obras que “não podem ser relacionadas a nenhum público específico,<br />

mas rompem tão completamente o horizonte conhecido de expectativas literárias que<br />

seu público somente começa a formar-se aos poucos”. Isto significa, como o valor<br />

estético é observado, conforme o momento histórico da publicação do texto que pode<br />

superar, atender ou até mesmo contrariar as expectativas do seu público anterior.<br />

Expectativas em relação à recepção e ao escritor que fizeram com que o crítico<br />

reconhecesse o seu ledo engano quando alegou em A arte de contar em Guimarães<br />

5 Projeto EELLIP — Estudos Estéticos - Recepcionais sobre a Literatura em Língua Portuguesa:<br />

Guimarães Rosa, coordenado pelo Prof. Dr. Sílvio Holanda da UFPA.<br />

6 Em 1967, na 3ª edição, de Primeiras Estórias o texto intróito “Os vastos espaços” elaborado por Paulo<br />

Rónai antecede os 21 contos fazendo parte, então, do livro.


Rosa (1946), a falta de dote do seu amigo brasileiro para os contos. Erro logo desfeito<br />

na aparição de Primeiras Estórias, elogiando a riqueza de uma diversidade e unidade<br />

das narrativas fundidas pela arte fecunda do artista. Nas palavras do intérprete vemos<br />

que,<br />

[d]iversos, antes de mais nada, os assuntos: tente-se recontá-los em<br />

breves palavras para ver quantos. Diversas as situações, os problemas<br />

envolvidos e suas soluções. Note-se ainda que cada espécime<br />

pertence, por assim dizer, a outra variante ou subgênero — o conto<br />

fantástico, o psicológico, o autobiográfico, o episódio cômico ou<br />

trágico, o retrato, a reminiscência, a anedota, a sátira, o poema em<br />

prosa... Distinga-se a multiplicidade dos tons: jocoso, patético,<br />

sarcástico, lírico, arcaizante, erudito, popular, pedante —<br />

multiplicidade decorrente não só do tema, senão também da<br />

personalidade do narrador, manifesto ou oculto. Observe-se a<br />

variedade da construção e do ritmo (RÓNAI, 1972, p. XXXII).<br />

De modo que, o professor húngaro saudou Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa,<br />

como uma obra de ficção enriquecedora não só para as letras brasileiras, mas também<br />

para a literatura mundial, somando-a aos trabalhos que lhe sucederam, passando a ser<br />

lida por um universo diferenciado de espectadores mais exigentes, dentre estes, o<br />

lusitano Óscar Lopes.<br />

O crítico Óscar Lopes havia contrariado a delegação portuguesa de candidatura ao<br />

Prêmio Internacional de Literatura [Prix International de Littérature] de 1964 por ter<br />

sido favorável ao autor de Corpo de Baile em detrimento da indicação de Jorge Amado,<br />

é claro que não negava que o romancista baiano representava um dos melhores<br />

escritores de prosa da Literatura Brasileira. Mas, defendia que o senhor Guimarães<br />

Rosa era<br />

o autor vivo de língua portuguesa que melhor nos persuade de como a<br />

linguagem é, em última análise, criação continua, veredas singrando<br />

num horizonte imprevisto; de como a linguagem é traduzível, portanto<br />

convencional, nas suas estruturas ossificadas, mas produtora do real<br />

humano na sua mais viva linha de avanço. Quando se fala de «uma<br />

formiga preta a pernejar no mármore preto», o verbo «pernejar», ainda<br />

por cima valorizado na frase por efeitos de aliteração e paronímia,<br />

foca a imagem de pernas esguias e negras em movimentos articulados,<br />

sobre outra imagem secundária respeitante aos corpos dos insectos,<br />

que por seu turno se apagam no negrume polido do mármore: não se<br />

reproduz uma realidade, faz-se, sim, uma análise e síntese do real,<br />

herarquizado de uma dada maneira, sob a incidência de um humor<br />

humano muito especial que nos leva a sorrir (LOPES, 1970,<br />

p. 335-336).


É interessante observar, além do grande sucesso de Grande Sertão: Veredas, como<br />

um diminuto conto de quatro páginas Sorôco, sua mãe, sua filha pôde chamar atenção<br />

do co-autor de História da Literatura Portuguesa (1955), aparentemente de narrativa<br />

simples, no entanto, proporciona uma densa reflexão, “de uma necessidade de ordenar<br />

impressões, de ler a fundo o que se lê, de viver com mais calma intimidade aquilo que<br />

certa leitura nos ajuda a viver” (LOPES, 1970, p. 347). Notadamente, o lusitano<br />

experimentou um choque emocional ao ler este conto comparando-o a pena de Fernando<br />

Pessoa ao fazer uma semelhança do último parágrafo da narrativa de Guimarães Rosa<br />

com o canto da Ceifeira 7 do poeta. Um choque<br />

comparável ao de várias outras das melhores páginas de Guimarães<br />

Rosa. Mas relêem-se, ora esta, ora aquela passagem, ora um, ora outro<br />

parágrafo, ora o texto inteiro, e começa a perceber-se que muitos dos<br />

seus ingredientes, alguns deles talvez à primeira vista aparentemente<br />

estranhos ou desgarrados, participam de uma íntima cumplicidade nas<br />

ressonâncias mais profundas da emoção, que não são necessariamente<br />

as primeiras nem talvez as de intensidade mais aparente. // O eixo da<br />

«estória» está naquele canto à toa, primeiro da moça, depois da velha,<br />

depois de Sorôco, e por último entoado em coro. Eis esse parágrafo:<br />

«Agora, mesmo, a gente só escutava era o acorçôo do canto, das duas,<br />

aquela chirimia, que avocava: que era um constado de enormes<br />

diversidades desta vida, que podiam doer na gente, sem jurisprudência<br />

de motivo, nem lugar, nenhum, mas pelo antes, pelo depois» (LOPES,<br />

1970, p. 348).<br />

Logo em seguida, o autor de Ler e depois conclui que tanto o conto rosiano quanto o<br />

canto do poeta português pronunciam os estados emotivos que, sejam de alegria ou de<br />

desventura, portanto, “em todo o canto que «alegra e entristece», comparecem mil e<br />

uma razões antigas, esquecidas, quase todas inconscientes, talvez mesmo<br />

duradoiramente recalcadas por higiénica repressão mental, de chorar, rir ou cantar”<br />

(LOPES, 1970, p. 349).<br />

Para tanto, atente-se, a interpretação de Óscar Lopes de Grande Sertão: Veredas e de<br />

Primeiras Estórias, assinaladas nos parágrafos anteriores, Jaus (1994, p. 32) salienta<br />

que a<br />

relação entre literatura e público não se resolve no fato de cada obra<br />

possuir seu público específico, histórica e sociologicamente definível;<br />

7 O canto da Ceifeira está assim descrito em Lopes (1970): “Ouvi-la alegra e entristece, / na sua voz há o<br />

campo e a lida, /e canta corno se tivesse / mais razões para cantar do que a vida./ Ah! canta, cauta sem<br />

razão!”.


de cada escritor depender do meio, das concepções e da ideologia de<br />

seu público; ou no fato de o sucesso literário pressupor um livro „que<br />

exprima aquilo que o grupo esperava, um livro que revela ao grupo<br />

sua própria imagem‟ [grifo nosso].<br />

Além da recepção crítica de Paulo Rónai e do escritor português Óscar Lopes,<br />

Renard Perez acreditava que a linguagem do filho de D. Francisca (Chiquitinha) não<br />

constituía obstáculo intransponível, ao contrário, ampliava sua audiência. Este último<br />

estudioso relata que em Primeiras Estórias a falta de largura e o caráter não-sinfônico<br />

dos livros anteriores não fazem desaparecer “talvez até em grau mais acentuado, aquelas<br />

surpreendentes pesquisas formais. Caracterizam-se ainda essas miniaturas [as 21<br />

estórias] por sua grande delicadeza, e uma atordoante poesia” (PEREZ, 1972, p. XXI).<br />

Enfim, arrolados pela dinâmica da Estética da Recepção que não vê o texto como<br />

algo inerte, preso às estruturas formais do tecido escrito, mas sim, por uma maneira<br />

nova de discutir o texto, portanto, de repeti-lo. Guimarães Rosa em conversa com o seu<br />

tradutor alemão Günter Lorenz fala da tarefa fundamental do estudioso da palavra<br />

literária: a crítica para o literato, declarando positivamente que deve ser um diálogo<br />

entre iguais (intérprete e autor) “que apenas se servem de meios diferentes. Ela exerce<br />

uma função literária indispensável. Em essência, deve ser produtiva e co-produtiva,<br />

mesmo no ataque e até no aniquilamento se fosse necessário” (LORENZ, 1991, p. 76).<br />

Essa conversa entre receptor e autor, ideia defendida pelo criador de Diadorim, para<br />

o teórico da Estética da Recepção, a arte literária não é um sistema acabado, fixo e<br />

imutável e coloca-se em oposição aos formalistas e aos estruturalistas que se<br />

distanciaram do subjetivismo da obra, além do que, ignoraram o “leitor em seu papel<br />

genuíno, imprescindível tanto para o conhecimento estético quanto histórico: o papel do<br />

destinatário a quem, primordialmente, a obra literária visa” (JAUSS, 1994, p.23).<br />

Sendo assim, o estudioso Hans Robert Jauss nega uma estrutura já completa em que<br />

não há uma discussão entre o texto e o leitor, isso significa dizer que o autor de Por uma<br />

hermenêutica literária refuta a desconsideração do sujeito na interpretação de uma dada<br />

produção escrita.<br />

De modo favorável a este ator por muito tempo nebuloso até a chegada dos estudos<br />

jaussianos em que a literatura passou a ser analisada a partir do ponto de vista deste,<br />

Hans-Georg Gadamer (1900-2002), em seu Verdade e Método 8 declara que “[o] sentido<br />

8 Título original: Wahrheit und Methode.


de um texto supera seu autor não ocasionalmente, mas sempre. Por isso a compreensão<br />

não é nunca um comportamento somente reprodutivo, mas é, por sua vez, sempre<br />

produtivo” (GADAMER, 2002, p. 444). Ora, isto está vinculado ao horizonte do<br />

intérprete tanto o de expectativa estética quanto o de expectativa da experiência, todavia<br />

é inexistente o sujeito que ler e outro que vive em sociedade.<br />

É somente um sujeito havendo em conjunto o histórico e o social que realiza a<br />

dialética consciente na operação em dois horizontes. Fazendo uma reconstrução do<br />

horizonte passado (da época original que o autor lançou a obra) distanciando-se do<br />

presente de seu horizonte próprio para poder encontrar os caminhos que o escritor fez na<br />

realização do texto, as suas escolhas e, como também as suas devidas interpretações; só<br />

assim com base a uma “pré-compreensão” poderá, no caso o crítico, colocar-se em<br />

expectativa de apreciação da tríade hermenêutica (compreender, interpretar, aplicar).<br />

Tendo em vista que, o conceito de horizonte de expectativas pode ser definido como<br />

um sistema intersubjetivo ou estrutura de espera. Ligado à Hermenêutica que não se fixa<br />

à imanência do texto, sem a mediação do leitor, ela “não é uma ciência hermética mas<br />

um instrumento precioso na prática da vida, na medida em que, pela compreensão<br />

dialógica na experiência do texto, ela permite ao mesmo tempo a experiência do outro”<br />

(JAUSS, 1994, p. 29). Cada leitura é a concretização de um sentido trazendo à tona a<br />

que pergunta a obra responde porque, como já afirmou o filósofo Gadamer, a ação da<br />

reconstrução da questão nos permite compreender o sentido de uma dada produção<br />

escrita como sendo a resposta do nosso ato de questionar. Então, voltamos à concepção<br />

da obra literária como algo não terminado e, sim sempre em estado móvel, transitiva,<br />

pois, segundo Jauss (1994, p. 23),<br />

a relação entre literatura e leitor possui implicações tanto estéticas<br />

quanto históricas. A implicação estética reside no fato de já a recepção<br />

primária de uma obra pelo leitor encerrar uma avaliação de seu valor<br />

estético, pela comparação com outras obras lidas. A implicação<br />

histórica manifesta-se na possibilidade de, numa cadeia de recepções,<br />

a compreensão dos primeiros leitores ter continuidade e enriquecer-se<br />

de geração em geração.<br />

Portanto, quando o intérprete realiza uma leitura torna-se também em um “autor”<br />

ressignificando, em sua época, muitos dos aspectos da obra litéraria assinalando as<br />

relações do texto literário com o período do seu aparecimento, uma vez que durante o<br />

processo de leitura o leitor não deve considerar que possa ter um papel passivo e preso


tão somente ao da recepção, mas que deve sim perceber “como fonte de prazer, sua<br />

atividade imaginante, experimentadora e doadora de significação” (JAUSS, 1979, p. 74)<br />

em relação a uma determinada obra.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CARTA a J. J. Villard, 23.12.1964. Fundo João Guimarães Rosa. Arquivo do Instituto<br />

de Estudos Brasileiros — USP. In: Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo, ns.<br />

20-21, p. 83-84, dez. 2006.<br />

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Trad. Cleonice P. B. Mourão e<br />

Consuelo F. Santiago. Belo Horizonte: UFMG, 2003. 303 p.<br />

FIGURELLI, Roberto. Hans Robert Jauss e a estética da recepção. Revista Letras.<br />

Curitiba (UFPR), v. 37, p. 265-285, 1988.<br />

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. 4. ed. Trad. Flávio Paulo Meurer.<br />

Petrópolis: Vozes, 2002. 731 p.<br />

JAUSS, Robert Hans. O prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis,<br />

aisthesis e katharsis. In: LIMA, Luiz Costa. A Literatura e o leitor: textos de estética de<br />

recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 213 p.<br />

JAUSS, Hans Robert. Limites e tarefas de uma Hermenêutica Literária. In: Por uma<br />

hermenêutica literária. Trad. Maurice Jacob. Paris: Gallimard, 1982. p. 11-29.<br />

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad.<br />

Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. 78 p.<br />

LOPES, Óscar. Ler e depois. 3. ed. Porto: Inova, 1970. v. 1, p. 313-365.<br />

LORENZ, Günter W. Diálogo com Guimarães Rosa. In: COUTINHO, Eduardo F.<br />

(org.). Guimarães Rosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 62-97.<br />

PEREZ, Renard. Perfil de Guimarães Rosa. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras<br />

estórias. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. p. XIII-XXII.<br />

RÓNAI, Paulo. Os vastos espaços. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. 6.<br />

ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. p. XXIX-LVIII.

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