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Agroboy e Bicho Grilo - Setor de Ciências Humanas UFPR

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GRUPO DE TRABALHO 8<br />

CULTURA E SOCIABILIDADES<br />

AGROBOY E BICHO GRILO:<br />

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE<br />

DO ESTUDANTE DE AGRONOMIA<br />

AO LONGO DE SUA FORMAÇÃO PROFISSIONAL.<br />

MARCIANO, Paulo Antônio<br />

FIÚZA, Ana Louise <strong>de</strong> Carvalho


Resumo<br />

AGROBOY E BICHO GRILO:<br />

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO ESTUDANTE DE<br />

AGRONOMIA<br />

AO LONGO DE SUA FORMAÇÃO PROFISSIONAL.<br />

MARCIANO, Paulo Antônio 1<br />

FIÚZA, Ana Louise <strong>de</strong> Carvalho 2<br />

Buscamos, neste estudo, compreen<strong>de</strong>r a relação existente entre a trajetória acadêmica do estudante<br />

<strong>de</strong> Agronomia da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa e sua formação profissional, consi<strong>de</strong>rando a<br />

influência <strong>de</strong> duas variáveis: 1) o pertencimento <strong>de</strong> classe do estudante, e 2) a sociabilida<strong>de</strong><br />

acadêmica construída ao longo do curso, através da sua vinculação a <strong>de</strong>terminados grupos e re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> amigos.<br />

O objetivo é analisar se a i<strong>de</strong>ntificação com certos grupos i<strong>de</strong>ntitários, quando o estudante entra na<br />

universida<strong>de</strong>, é influenciada por seu pertencimento a uma classe social específica; e se tal círculo <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> estudantil influencia a escolha das disciplinas, estágios e inserção na iniciação<br />

científica e na extensão rural, enquanto estudante, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formado, no seu direcionamento para<br />

o mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

O contexto <strong>de</strong> nossa análise e objeto principal <strong>de</strong>sse artigo é a alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> se percebe,<br />

<strong>de</strong> um lado, uma tendência homogeneizante em contraposição a diversificação social, lugar em que<br />

os indivíduos se encontram <strong>de</strong>sprendidos <strong>de</strong> suas raízes, sejam elas territoriais, sejam <strong>de</strong> valores; e<br />

por outro lado indivíduos repõem seus referenciais em preceitos efêmeros ou até mais radicais.<br />

Nesse panorama, a formação i<strong>de</strong>ntitária po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong> forma extremada. A auto-afirmação em<br />

grupos parece ser uma estratégia <strong>de</strong> reencaixe como medida reflexiva para escapar aos preceitos<br />

mo<strong>de</strong>rnos. Os estereótipos <strong>de</strong> grupo po<strong>de</strong>m ser entendidos como a busca por segurança no mundo<br />

da alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Em nossa pesquisa sobre os estudantes <strong>de</strong> Agronomia, notam-se duas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s ―extremadas‖; as<br />

pertencentes à perspectiva tecnológica tradicional (Agro-boys) e os que seguem as perspectivas<br />

alternativas (bicho-grilos). De um lado percebemos os ditames da revolução ver<strong>de</strong> e preceitos da<br />

biotecnologia e do outro vêem-se as alternativas ao processo convencional como a agroecologia e a<br />

participação em movimentos sociais.<br />

A presente análise contribui para a temática cultura e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e reforça estudos que concebem a<br />

dialética entre o global e o local, fugindo da dicotomia entre contextos micro e macro nas ciências<br />

sociais.<br />

Palavras Chave: I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, Alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, Representações coletivas.<br />

Introdução<br />

O presente artigo é fruto <strong>de</strong> um início <strong>de</strong> trabalho no programa <strong>de</strong> Mestrado em Extensão<br />

Rural pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa. A pesquisa relacionada a este trabalho traz como<br />

proposta situar o indivíduo (estudante <strong>de</strong> Agronomia) em sua trajetória universitária, relacionando o<br />

1 Mestrando em Extensão rural do Departamento <strong>de</strong> Economia rural da UFV.<br />

2 Profª. do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Extensão Rural do Departamento <strong>de</strong> Economia Rural da UFV.


seu perfil sócio econômico à sociabilida<strong>de</strong> estudantil, para que se torne possível analisar a formação<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional do estudante <strong>de</strong> Agronomia. Mediando essa trajetória, veremos como a<br />

relação <strong>de</strong>sses estudantes com a vida acadêmica influencia nesse caminho, traçado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ingresso<br />

na universida<strong>de</strong> até sua entrada para a vida profissional. A partir do entendimento da trajetória do<br />

aluno universitário, compreen<strong>de</strong>remos o papel que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> assumida na universida<strong>de</strong> exerce<br />

sobre as escolhas no mercado <strong>de</strong> trabalho do egresso da aca<strong>de</strong>mia.<br />

As <strong>de</strong>nominações <strong>Bicho</strong>-<strong>Grilo</strong> e <strong>Agroboy</strong>, estampadas no título <strong>de</strong>sse artigo, são categorias<br />

nativas muito recorrentes entre os alunos do curso estudado. Esses dois perfis parecem estar<br />

diretamente relacionados com a perspectiva acadêmica a qual o estudante se i<strong>de</strong>ntifica. Verificam-<br />

se duas concepções gerais que orientam as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s no curso <strong>de</strong> Agronomia na UFV. A primeira<br />

<strong>de</strong>las diz respeito aos alunos que seguem uma perspectiva pautada nos preceitos emergidos no<br />

período chamado <strong>de</strong> revolução ver<strong>de</strong> e posteriormente na biotecnologia. Período marcado pela<br />

associação entre a produção agrícola e a indústria, esta condicionando aquela. Segundo Elias<br />

(2006), em linhas gerais, a mudança na base técnica com o emprego <strong>de</strong> insumos artificiais, a<br />

difusão <strong>de</strong> inovações químicas e mecânicas teve como principal motivo a implantação <strong>de</strong> uma<br />

agricultura científica. Esse movimento segundo Graziano (1986) visava à redução no tempo <strong>de</strong><br />

produção e <strong>de</strong> trabalho buscando taxas <strong>de</strong> lucro mais elevadas através da maior produtivida<strong>de</strong> e da<br />

rotação do capital. Esses momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico muito influenciaram, e<br />

influenciam os problemas práticos a serem resolvidos nos centros <strong>de</strong> pesquisa das universida<strong>de</strong>s.<br />

Percebe-se então uma gama <strong>de</strong> estudantes que seguem os preceitos da biotecnologia, on<strong>de</strong> se tem<br />

um alto investimento em pesquisas nas áreas <strong>de</strong> biologia celular e molecular. Pesquisas que<br />

envolvem todas as áreas da produção agrícola.<br />

Seguindo uma perspectiva distinta, baseada, amiú<strong>de</strong>, na participação em movimentos<br />

sociais, e em uma ciência em prol da população menos favorecida, surgem no âmbito acadêmico<br />

outras propostas. Nesta perspectiva encontram-se os estudantes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> alternativa, os quais<br />

buscam uma ressiginificação do próprio caráter científico e questionam os preceitos emergidos na<br />

revolução ver<strong>de</strong>. Essa concepção <strong>de</strong> ciência atrelada aos movimentos sociais, em muitos países da<br />

América Latina, tem sua origem na influência da teoria Gramsciana, em que o cientista não <strong>de</strong>veria<br />

estar disposto apenas à compreensão da realida<strong>de</strong>, mas estar focado em sua transformação através<br />

da autonomia das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s coletivas, pautando-se, principalmente, nas minorias. A perspectiva<br />

da agroecologia é também uma opção para esses estes estudantes, uma vez que propõe o uso da<br />

técnica aliada a uma preocupação sócio-ambiental. Segundo Leff (2002), a agroecologia indica um<br />

novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção baseado nas experiências <strong>de</strong> uma agricultura ecológica, socialmente<br />

justa, economicamente viável, ecologicamente sustentável e na elaboração <strong>de</strong> ações sociais


coletivas para enfrentar a lógica do mo<strong>de</strong>lo produtivo baseado na agroindústria. Os estudantes <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> alternativa se apóiam nesses preceitos que alvitram um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agricultura.<br />

É nesse cenário <strong>de</strong> dicotomia que os esforços <strong>de</strong> nossa pesquisa estarão situados, buscando<br />

compreen<strong>de</strong>r quais são os elementos que i<strong>de</strong>ntificam o estudante <strong>de</strong> agronomia; qual a sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional, como se reconhece um estudante <strong>de</strong> agronomia e seu perfil <strong>de</strong> formação<br />

para o mercado <strong>de</strong> trabalho. Sem elementos para respon<strong>de</strong>r esses questionamentos, é preciso <strong>de</strong>ixar<br />

claro que a proposta <strong>de</strong>sse artigo se resume em um primeiro mapeamento sobre estudos atinentes a<br />

temática: i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Portanto não discorreremos a respeito do trabalho <strong>de</strong> mestrado em si, <strong>de</strong>vido<br />

ao fato <strong>de</strong> até a atual data não termos trabalhado com a pesquisa <strong>de</strong> campo, momento que só<br />

ocorrerá em 2010. Nessa proposta, estamos comprometidos a compor o pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> nossa<br />

análise, que seria a situação do indivíduo na contemporaneida<strong>de</strong>, pano <strong>de</strong> fundo esse fundamental,<br />

no nosso enten<strong>de</strong>r, para qualquer estudo sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Para compor essa proposta, <strong>de</strong>vemos compreen<strong>de</strong>r a contemporaneida<strong>de</strong> como uma<br />

conjuntura na qual se percebe uma tendência homogeneizante em contraposição à diversificação<br />

social, lugar on<strong>de</strong> indivíduos se encontram <strong>de</strong>sprendidos <strong>de</strong> suas raízes, sejam elas territoriais,<br />

sejam <strong>de</strong> valores, e que, por outra via, repõem seus referenciais em preceitos efêmeros ou até mais<br />

radicais. Po<strong>de</strong>mos conceber essa época, então, como um paradoxo. A contradição inerente se<br />

verifica pelo caráter ―racional‖ e técnico espraiados por quase todos os âmbitos da socieda<strong>de</strong>, e,<br />

como contraponto, pelas formas subjetivas <strong>de</strong> resistência a própria mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que são postas por<br />

diversas novas <strong>de</strong>mandas sociais (formação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s como reforço <strong>de</strong> valores tradicionais<br />

compõe-se como exemplo <strong>de</strong>ssas novas <strong>de</strong>mandas). É sob esse múltiplo cenário que se quer<br />

enten<strong>de</strong>r as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos estudantes universitários.<br />

2. Caracterização da alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e feições <strong>de</strong> nosso objeto<br />

2.1 O indivíduo na alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

Antes <strong>de</strong> tratarmos propriamente <strong>de</strong> estudantes universitários como nosso objeto <strong>de</strong> estudo,<br />

<strong>de</strong>vemos concebê-los como indivíduos. E o indivíduo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é marcado por diversos<br />

traços em sua composição. Adjetivos que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os preceitos trazidos pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> até as<br />

conseqüências <strong>de</strong>la como marca da alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, seguindo o conceito <strong>de</strong> Gid<strong>de</strong>ns (1991). O<br />

racionalismo como i<strong>de</strong>al Iluminista e suas interpretações ou aplicações primeiras na socieda<strong>de</strong>, a<br />

burocratização, o esvaziamento <strong>de</strong> sentido, a ―jaula <strong>de</strong> ferro‖ para citar a expressão <strong>de</strong> Weber<br />

(1967) são aspectos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, e esse projeto crescente é sentido na contemporaneida<strong>de</strong>; mas<br />

o que se faz sentir preeminentemente são suas conseqüências, seus <strong>de</strong>saguares. A tendência<br />

homogeneizante, massificadora da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> não completa seu ciclo. Assistimos a um novo


eor<strong>de</strong>namento social, a saber: discussões <strong>de</strong> gênero, culturas híbridas, multiculturalismo, questão<br />

ambiental, grupos i<strong>de</strong>ntitários, etc. Esse cenário que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> provoca<br />

o <strong>de</strong>senraizamento social, processo esse caracterizado pelo <strong>de</strong>sencaixe, on<strong>de</strong> os indivíduos,<br />

<strong>de</strong>slocados <strong>de</strong> seus valores culturais, <strong>de</strong>sapegam-se dos preceitos tradicionais ou até mesmo se<br />

esvaziam <strong>de</strong> sentido, per<strong>de</strong>ndo assim todo seu referencial i<strong>de</strong>ntitário. Entretanto esse movimento<br />

não apenas possui uma direção. Ocorre também o processo <strong>de</strong> reencaixe, on<strong>de</strong> indivíduos se<br />

apegam a outros preceitos, <strong>de</strong> forma urgente, para fugir da falta <strong>de</strong> referenciais. Ou seja, há um<br />

<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> contextos, e um reencaixe em outra conjuntura, e essas po<strong>de</strong>m ser das mais<br />

diversas possíveis (GIDDENS, 2002). É possível encontrarmos na cultura contemporânea um<br />

indivíduo brasileiro, consumidor <strong>de</strong> tênis <strong>de</strong> marca mundialmente conhecida, ouvinte <strong>de</strong> música<br />

européia, torcedor <strong>de</strong> time <strong>de</strong> basquetebol estaduni<strong>de</strong>nse e, a<strong>de</strong>mais, ser seguidor <strong>de</strong> uma religião<br />

oriental. Canclini (2003) afirma que o indivíduo contemporâneo é um colecionador <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s,<br />

não segue um preceito uno. E esse colecionar po<strong>de</strong> ser facilmente relacionado ao constante processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixe e reencaixe.<br />

Tendo em mente todas essas feições que compõem o indivíduo mo<strong>de</strong>rno, po<strong>de</strong>mos inferir<br />

que em um ambiente universitário se reúne uma diversa gama <strong>de</strong> estudantes, com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s das<br />

mais diversas, provindos <strong>de</strong> todo o país. Esse cenário proporciona a interação <strong>de</strong> sujeitos com<br />

referenciais culturais, sociais, econômicos dos mais variados. E essa amálgama é que oferece um<br />

campo peculiar para se estudar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses indivíduos.<br />

2.2 Aspectos teóricos sobre a contemporaneida<strong>de</strong><br />

É premente para o objetivo <strong>de</strong>sse artigo, e a pesquisa <strong>de</strong> mestrado a qual ele se refere,<br />

observar as teorias que situam o indivíduo na era mo<strong>de</strong>rna e suas implicações na<br />

contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

Autores generalistas 3 como Bauman (1999), em As Conseqüências da Globalização,<br />

afirmam que os indivíduos da cida<strong>de</strong> enfrentam um problema <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> quase insolúvel. Desse<br />

modo, encontramos i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s segregadas, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s cosmopolitas e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s híbridas,<br />

figuradas a partir <strong>de</strong> uma mescla <strong>de</strong> culturas que não mais se encontram indivisíveis. Por outro lado,<br />

nota-se a contra tendência na qual há um esforço para a manutenção das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s coletivas, num<br />

3 O entendimento conceitual que categorizamos como generalista refere-se à amplitu<strong>de</strong> da análise. Bauman e Gid<strong>de</strong>ns<br />

que serão exemplo <strong>de</strong>ssa análise <strong>de</strong> âmbito macro a<strong>de</strong>ntram-se nessa categorização. Esse âmbito <strong>de</strong> análise, em nossa<br />

concepção se oporia em <strong>de</strong>terminados pontos a estudos <strong>de</strong> âmbito micro como autores que exploram a corrente<br />

chamada interacionismo simbólico. Isso não significa, contudo, que esses autores aqui chamados <strong>de</strong> generalistas não<br />

trabalhem em âmbitos micro. Gid<strong>de</strong>ns mesmo em sua teoria da estruturação procura realizar um movimento justamente<br />

no propósito <strong>de</strong> equacionar, coor<strong>de</strong>nar, aspectos <strong>de</strong> âmbito macro e micro nos estudos da socieda<strong>de</strong>, relacionando,<br />

<strong>de</strong>starte, agência do indivíduo em âmbito micro e estruturas globais no âmbito macro.


movimento contra-hegemônico, proporcionando, assim, a formação <strong>de</strong> barreiras culturais. Ainda em<br />

Bauman (2003), na obra intitulada Comunida<strong>de</strong>, faz-se um apanhado <strong>de</strong> como se dá a relação<br />

contraditória e articulada entre segurança e liberda<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong> atual. E coloca a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

como elemento central para enten<strong>de</strong>rmos o indivíduo contemporâneo. As i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s se formam <strong>de</strong><br />

acordo com as aspirações <strong>de</strong> um grupo, portanto, é possível vincular a afirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> à<br />

idéia <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>. Para o autor “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> significa aparecer, ser diferente e, por essa<br />

diferença, singular — e assim a procura da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dividir e separar.” (p.<br />

21). O ser humano, na procura <strong>de</strong> confiança, pen<strong>de</strong>-se ao direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ssa forma se ganha<br />

por um lado e per<strong>de</strong>-se por outro. Ou seja, cria-se um vínculo com <strong>de</strong>terminado grupo, que traz<br />

segurança ao indivíduo, mas esse vínculo compromete a liberda<strong>de</strong> individual, <strong>de</strong> modo que quanto<br />

maior o comprometimento com o grupo, menor se torna a liberda<strong>de</strong> particular. Seguindo esse ponto<br />

<strong>de</strong> vista, po<strong>de</strong>mos conjeturar a vulnerabilida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> individual e a precarieda<strong>de</strong> da solitária<br />

construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, levando os construtores <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a procurarem cabi<strong>de</strong>s para<br />

postarem seus medos, anseios.<br />

Autores na mesma perspectiva generalista, que procuram mostrar o mundo mais em suas<br />

conjunturas do que suas especificida<strong>de</strong>s, como Gid<strong>de</strong>ns, atribuem o projeto da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

fazendo-se sofrer seus resultados. Estaríamos na alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Far-se-ia uma etapa <strong>de</strong><br />

radicalismo dos preceitos mo<strong>de</strong>rnos. A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> fazendo-se sentir <strong>de</strong> forma aguda, agravando<br />

suas características <strong>de</strong> um lado, e por outro assistimos as contraposições a ela, num movimento<br />

também conjuntural <strong>de</strong> resistência.<br />

2.3 Primeiras feições <strong>de</strong> nosso objeto<br />

Uma das características marcantes <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no que diz respeito a estudos<br />

i<strong>de</strong>ntitários é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunir em um mesmo local uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indivíduos com<br />

aspirações diversas. Os diferentes cursos oferecidos e suas linhas <strong>de</strong> pesquisa reúnem pessoas com<br />

condições sociais, referencial cultural e localização geográfica distintas, fazendo com que tenhamos<br />

uma diversificação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s construídas pelo passado vivido <strong>de</strong>sses estudantes e sua trajetória<br />

na universida<strong>de</strong>. Há, portanto, um confronto que coloca em paralelo o passado e a nova vivência<br />

universitária dos alunos.<br />

Em resposta a esse confronto, no cotidiano da universida<strong>de</strong>, esses indivíduos procuram<br />

i<strong>de</strong>ntificação, seja uns com os outros, seja com as perspectivas acadêmicas que lhes proporcionam<br />

mais afinida<strong>de</strong>. Esses traços são compostos ao longo da trajetória do indivíduo, reunindo pessoas<br />

através <strong>de</strong> grupos, e direcionando sua gra<strong>de</strong> curricular, <strong>de</strong> modo que as perspectivas acadêmicas<br />

preferidas pelos estudantes seriam tão diversas quanto às i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s assumidas no ambiente<br />

universitário.


Os indivíduos envolvidos nessa pesquisa serão estudantes do Centro <strong>de</strong> <strong>Ciências</strong> Agrárias da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa. Essa escolha se justifica pelo número <strong>de</strong> estudantes <strong>de</strong>ssa área e<br />

pela diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong> pesquisa oferecida. Além disso, quanto maior a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estudantes maior a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrarmos grupos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s distintas e assim melhores<br />

serão as condições <strong>de</strong> realização das relações propostas por nossa pesquisa <strong>de</strong> mestrado. Nota-se<br />

então que o referencial i<strong>de</strong>ntitário <strong>de</strong>sses indivíduos advirão <strong>de</strong> diversas fontes, a saber: seu passado<br />

<strong>de</strong> vida, participação em movimentos sociais, vinculação a grupos <strong>de</strong> pesquisa e iniciação científica,<br />

composição da gra<strong>de</strong> curricular e sua relação com as perspectivas científicas, sociabilida<strong>de</strong> em<br />

grupos, etc.<br />

Através <strong>de</strong>ssa pesquisa, mapearemos os grupos existentes e <strong>de</strong>screveremos a trajetória dos<br />

estudantes, atingindo todos os referenciais i<strong>de</strong>ntitários acima citados. Uma perspectiva que<br />

compreen<strong>de</strong> nossa análise vem por em <strong>de</strong>bate confrontando a afirmação <strong>de</strong> que o pensamento<br />

científico é abstraído como elemento <strong>de</strong>sprendido da dinâmica social. Esse apontamento diz<br />

respeito somente à peculiarida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> científica e se distancia do entendimento do que é a<br />

própria condição <strong>de</strong> estudante universitário e produtores <strong>de</strong> ciência. A partir disso, percebe-se a<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aplicar os métodos das ciências sociais para o estudo <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s. Bourdieu<br />

(2004) a<strong>de</strong>ntra nessa análise colocando o campo científico como pertencente ao campo social;<br />

propõe, <strong>de</strong>starte, uma sociologia da ciência. A polêmica e a novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste raciocínio estão<br />

justamente em colocar como objeto <strong>de</strong> estudo o próprio mecanismo <strong>de</strong> compreensão da realida<strong>de</strong>. A<br />

sociologia é uma ciência, logo, a<strong>de</strong>ntrar num estudo <strong>de</strong> sociologia da ciência implica em <strong>de</strong>safios<br />

que ultrapassam o caráter metacientífico do termo.<br />

Estudar a ativida<strong>de</strong> dos estudantes universitários, juntamente com o seu passado <strong>de</strong> vida, sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> assumida na universida<strong>de</strong> e sua composição da gra<strong>de</strong> curricular, nos ajudará a<br />

compreen<strong>de</strong>r o papel que a universida<strong>de</strong> exerce na vida profissional do indivíduo e na composição<br />

<strong>de</strong>sses como sujeitos capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rem e transformarem a realida<strong>de</strong> socialmente<br />

construída.<br />

Com todo o exposto <strong>de</strong> nosso objeto, frente ao panorama <strong>de</strong> constituição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> na<br />

contemporaneida<strong>de</strong>, buscaremos enten<strong>de</strong>r como se relaciona o pertencimento <strong>de</strong> classe dos<br />

estudantes à sociabilida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> grupos e a influencia <strong>de</strong>ssas variáveis na formação profissional<br />

do estudante <strong>de</strong> agronomia da UFV.


3. Estruturação, reflexivida<strong>de</strong> e a compreensão sobre as novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

3.1 Enveredando pelos caminhos da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

Mergulhar em uma discussão sobre as novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s na contemporaneida<strong>de</strong> exige antes<br />

uma reflexão complementar a respeito daquilo que enten<strong>de</strong>mos por homem mo<strong>de</strong>rno.<br />

A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é freqüentemente classificada como a ascensão <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> preceitos<br />

no campo das idéias (Iluminismo), uma mudança no âmbito político dando fim ao antigo regime<br />

(Revolução Francesa) e uma transição radical quanto ao modo <strong>de</strong> produção (Revolução Industrial).<br />

Todo esse conjunto <strong>de</strong> alterações traz os elementos daquilo que chamamos <strong>de</strong> preceitos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Atualmente, a discussão que impera <strong>de</strong>vido às novas <strong>de</strong>mandas sociais, diz respeito às<br />

características da contemporaneida<strong>de</strong>. Gid<strong>de</strong>ns (2002) nomeia essa época como alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />

nessa teríamos os preceitos mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> forma agravada e por outro lado uma série <strong>de</strong><br />

características que <strong>de</strong>frontam esses preceitos. A tendência homogeneizante da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> não<br />

completa seu ciclo — se assistimos à massificação, notamos também a crescente diversida<strong>de</strong><br />

proporcionada pela conjuntura da alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

É sob a luz da alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sejamos oferecer os contornos <strong>de</strong>sse artigo. Antes <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>ntrarmos na discussão sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s é necessário enten<strong>de</strong>r o projeto <strong>de</strong> indivíduo que<br />

emerge na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e como esse projeto com suas diferentes perspectivas nos direciona para<br />

um novo entendimento sobre indivíduos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

3.2 Perspectivas indivíduo – socieda<strong>de</strong>, ou a prepon<strong>de</strong>rância do social<br />

Com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, assistimos ao processo <strong>de</strong> individuação no qual o homem encontra-se<br />

epistemologicamente separado da natureza. O indivíduo traz para si as explicações sobre o mundo;<br />

através da razão <strong>de</strong>smistifica o mundo natural não se encontrando mais submisso ao medo, aos<br />

mistérios que a natureza proporcionava 4 .<br />

É na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que surge o projeto científico universal, <strong>de</strong>sta forma o conhecimento é<br />

fracionado em diversas ciências, <strong>de</strong>ntre elas a sociologia, que aparece para explicar <strong>de</strong> fato o mundo<br />

mo<strong>de</strong>rno. Assim como quase todas as ciências sociais a sociologia em um primeiro momento foi<br />

fortemente marcada pela influência das ciências naturais. Essa influência não se refere <strong>de</strong> todo aos<br />

métodos e procedimentos (a prática em si científica), mas sim influenciou as abordagens, as<br />

4 Nesse ponto, estamos abordando o caráter mítico da natureza, chamando a atenção para a relação <strong>de</strong> dádiva que havia<br />

em relação a esta, o período analisado nessa passagem é pré-mo<strong>de</strong>rno. Na alta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, com advento da socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> risco, o medo, a insegurança em relação aos <strong>de</strong>sastres naturais, adquire outra perspectiva.


concepções teóricas das ciências sociais. A corrente <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> funcionalismo ilustra a contento<br />

essa idéia. Nessa abordagem dá-se ênfase à função e como essa está pautada para garantir a or<strong>de</strong>m<br />

social. Nesse conjunto <strong>de</strong> funções para estabelecer a or<strong>de</strong>m percebemos as características <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> orgânica, on<strong>de</strong> qualquer dissonância é encarada como patologia. No funcionalismo<br />

indivíduos seriam componentes <strong>de</strong> um ente maior: a socieda<strong>de</strong>. Durkheim possui a autoria <strong>de</strong>ssa<br />

concepção, explicitando que os comportamentos, as vonta<strong>de</strong>s, as atitu<strong>de</strong>s não são individuais, elas<br />

refletem sobremaneira a coerção social impelida pela socieda<strong>de</strong>. Os contornos do indivíduo seriam<br />

marcados pela socieda<strong>de</strong> (DURKHEIM, 1996).<br />

Com a corrente estruturalista o foco <strong>de</strong> análise se torna mais complexo, em nossa<br />

compreensão, em relação ao funcionalismo. Posto que nessa abordagem mesmo que estrutural,<br />

lança-se um primeiro entendimento sobre a ação do indivíduo. O estruturalismo baseia-se em<br />

tipologias para orientar a explicação e o entendimento do que é chamado estruturas. Saussure<br />

(2006), a título <strong>de</strong> exemplo, em sua concepção lingüística <strong>de</strong>ixa claro que a linguagem é resultado<br />

das interações sociais, porém admite que esse não é o foco <strong>de</strong> sua discussão; estuda, logo, a língua<br />

em si, os significantes e não os significados. A estrutura lingüística estaria <strong>de</strong>scolada, como<br />

estratégia <strong>de</strong> análise, das relações sociais, sendo possível analisar seus elementos per si.<br />

Weber quando constrói tipos i<strong>de</strong>ais para orientar a explicação da realida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntra em uma<br />

perspectiva estruturalista. A partir dos tipos i<strong>de</strong>ais geramos componentes amplos, que não<br />

correspon<strong>de</strong>riam fi<strong>de</strong>dignamente ao real, mas que po<strong>de</strong>m ser utilizado como lente para<br />

compreen<strong>de</strong>r um âmbito maior <strong>de</strong> análise. Apesar do individualismo metodológico percebido na<br />

abordagem weberiana, po<strong>de</strong>mos classificar no estruturalismo, <strong>de</strong> maneira abrangente, toda uma<br />

atenção as perspectivas macro <strong>de</strong>ntro da ciência social.<br />

Concepções como o individualismo metodológico, interacionismo simbólico e o viés<br />

antropológico do interpretativismo, dirigem os procedimentos <strong>de</strong>ssas abordagens para um<br />

protagonismo do indivíduo, para as relações face a face, pautando as análises sob um âmbito micro.<br />

Com todo o exposto percebe-se a dicotomia micro – macro nas perspectivas sociais e o<br />

paradoxo que po<strong>de</strong> incidir ao tentar conciliar-se o empírico às <strong>de</strong>duções <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m geral.<br />

3.3 Estruturação e o novo movimento teórico<br />

Em sua revisão sobre uma série <strong>de</strong> abordagens nas ciências sociais, Alexan<strong>de</strong>r (1987) chama<br />

atenção a respeito do caráter insatisfatório da micro e da macro teoria. “(...) ação e estrutura<br />

precisam ser agora, articuladas.” (ALEXANDER, 1987, p. 6).<br />

Gid<strong>de</strong>ns (2003) no intuito <strong>de</strong> contornar essa limitação lança sua teoria da estruturação, na<br />

qual essa abarca traços da estrutura, socieda<strong>de</strong> e agência. Gid<strong>de</strong>ns <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não há aspectos nas


elações face a face que não se reflitam nos âmbitos mais gerais da estrutura. Essa abordagem da<br />

agência e estrutura é uma tentativa explícita <strong>de</strong> conciliação micro e macro.<br />

A teoria da estruturação diferencia-se do funcionalismo porque preten<strong>de</strong> buscar um ―(...)<br />

afastamento da tendência <strong>de</strong> ver o comportamento humano como resultado <strong>de</strong> forças que os atores<br />

não controlam nem compreen<strong>de</strong>m‖ (GIDDENS, 2003, p. XIV). Ao mesmo tempo em que esse<br />

estudo permite a compreensão sobre as instituições ele lança um esclarecimento sobre a agência.<br />

De modo diverso da concepção estruturalista, a abordagem das ciências sociais <strong>de</strong>veria ser<br />

contextual. No caso da linguagem, para enfatizarmos um exemplo, essa não seria um aparato pronto<br />

através do qual os indivíduos estariam limitados as suas regras sintáticas. Gid<strong>de</strong>ns ajuda-nos no<br />

entendimento <strong>de</strong>ssa limitação estrutural, inferindo a respeito da importância do contexto.<br />

Saber uma língua significa certamente reconhecer regras sintáticas, mas,<br />

igualmente importante, saber uma língua é adquirir um conjunto <strong>de</strong> recursos<br />

metodológicos para, ao mesmo tempo, produzir sentenças e construir (e<br />

reconstruir) a vida social nos contextos diários da ativida<strong>de</strong> social. (GIDDENS,<br />

1987, p. 288).<br />

Na teoria da estruturação o foco não é o comportamento individual, nem o fenômeno em si;<br />

tampouco o foco é inclinado à prepon<strong>de</strong>rância do social. Tem-se <strong>de</strong> fato o foco <strong>de</strong>bruçado sobre<br />

“(...) práticas sociais or<strong>de</strong>nadas no tempo e no espaço” (GIDDENS, 2003). Essa teoria ajuda-nos<br />

na compreensão do afastamento espaço-tempo do contexto do lugar, em contraponto ao que ocorria<br />

nas socieda<strong>de</strong>s pré-mo<strong>de</strong>rnas; esse distanciamento é provocado e agravado por aquilo que Gid<strong>de</strong>ns<br />

chama <strong>de</strong> sistemas abstratos. Por sua vez, os sistemas abstratos constituem-se como peça chave<br />

para se enten<strong>de</strong>r o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixe.<br />

3.4 Desencaixe, reflexivida<strong>de</strong> e a construção das novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

A alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como projeto reflexivo do eu po<strong>de</strong> ser compreendida a luz do conceito<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixe. A partir <strong>de</strong> uma primeira interpretação <strong>de</strong>sse conceito, percebemos que esse<br />

mecanismo ―forçaria‖ o agente em sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>sencaixe <strong>de</strong> um contexto e<br />

seu posterior reencaixe em outro distinto faz com que o agente se encontre submetido a escolhas, e<br />

essas são feitas a todo o momento na contemporaneida<strong>de</strong>. Essas escolhas aqui comentadas são<br />

reflexos do, e ao mesmo tempo medidas que influenciam o, contexto global. A construção das<br />

novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s se relaciona ao processo reflexivo da escolha. A reflexivida<strong>de</strong>, por sua vez, po<strong>de</strong><br />

adquirir diversos níveis, no entanto, o agente é sempre reflexivo.<br />

A diversida<strong>de</strong> social e a amálgama <strong>de</strong> contextos vivenciados na alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> permitem<br />

o surgimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s extremadas. Indivíduos não apenas colecionam modos <strong>de</strong> vida, mas


também essas maneiras <strong>de</strong> se viver influenciam e são influenciados por fenômenos que extrapolam<br />

o contexto do lugar.<br />

Os estereótipos <strong>de</strong> grupos e os preceitos agravados em uma <strong>de</strong>terminada ótica são diversos<br />

e concomitantes; mas essa coexistência não significa ausência <strong>de</strong> conflitos. Como ilustração,<br />

tomemos exemplos drásticos pelo grau <strong>de</strong> contraste: em um mesmo ambiente metropolitano on<strong>de</strong><br />

ocorre a maior parada gay do mundo, faz-se também palco <strong>de</strong> ação dos grupos <strong>de</strong>nominados<br />

Skinheads como contraponto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Sob cada ótica formam-se grupos <strong>de</strong> indivíduos que<br />

reflexivamente procuram um preceito com o qual se i<strong>de</strong>ntificam. Apenas no ramo do<br />

entretenimento, para ilustrarmos mais um exemplo, é possível encontrar grupos inúmeros pautados<br />

por preferências específicas.<br />

O esvaziamento <strong>de</strong> sentido da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> faz com que na alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> o agente<br />

busque um sentido <strong>de</strong>slocado em uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opções, as mais diversas, e por isso mesmo,<br />

mais efêmera possíveis. Ou seja, ao mesmo tempo em que ressurge um apego a tradição, notamos<br />

também o nascimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s rasas e passageiras.<br />

O <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> contextos na alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> causa aquilo que Gid<strong>de</strong>ns (1991)<br />

<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> <strong>de</strong>senraizamento social. Esse processo combinado com o mecanismo <strong>de</strong> individuação<br />

transformando-se em individualismo faz com que indivíduos busquem grupos <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> como<br />

resposta urgente ao cenário <strong>de</strong> impessoalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rno.<br />

Um dos objetivos principais <strong>de</strong>ssa busca (reencaixe) é a obtenção <strong>de</strong> confiança. Diante<br />

<strong>de</strong>ssa série <strong>de</strong> sistemas abstratos no mundo mo<strong>de</strong>rno, esse sentimento <strong>de</strong> confiança é importante<br />

para enten<strong>de</strong>rmos a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco. Esse cenário provoca uma nova dicotomia — se <strong>de</strong> um lado<br />

o mundo mo<strong>de</strong>rno da impessoalida<strong>de</strong> e individualismo proporciona um grau consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> para o indivíduo; <strong>de</strong> outro oferece um sentimento constante <strong>de</strong> solidão. A conformação<br />

em grupos seria então a estratégia reflexiva para escapar <strong>de</strong>sse sentimento. No entanto, o indivíduo<br />

logo se <strong>de</strong>para com um novo questionamento. Esse conforto <strong>de</strong> estar vinculado a um grupo provoca<br />

necessariamente a perda <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, uma vez que para conjugar seu pertencimento ao grupo <strong>de</strong>ve<br />

haver uma constante consonância <strong>de</strong> idéias.<br />

Uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão sobre o tema i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, e esse é o aspecto instigante <strong>de</strong><br />

nossa abordagem, é a promoção <strong>de</strong> mecanismos coercitivos, se assim po<strong>de</strong>mos chamar, em pequena<br />

escala (a <strong>de</strong> um grupo, por exemplo), concomitante a um cenário <strong>de</strong> autonomia reflexiva em âmbito<br />

global. Portanto, em nossa concepção, preceitos da análise micro na ciência social, como também<br />

da análise macro, po<strong>de</strong>m ser conjugados; ―tomar emprestado‖ conceitos tanto <strong>de</strong> uma quanto <strong>de</strong><br />

outra, para assim melhor uso fazer <strong>de</strong> uma teoria como a da estruturação. Seguindo esse viés<br />

propositivo, um grupo po<strong>de</strong> ser alvo <strong>de</strong> processos coercitivos — no entanto isso não <strong>de</strong>notaria<br />

ausência <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong> por parte dos agentes, essa ocorrendo, porém, <strong>de</strong> maneira rasa. É isso que


queremos evi<strong>de</strong>nciar quando estamos falando em níveis <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong>. E esse entendimento por<br />

ora exposto parece direcionar uma nova compreensão a respeito das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s contemporâneas.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Trazendo as pon<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> nossa argumentação é forçoso dizer, pelo imperativo do<br />

costume, que não queremos esgotar a discussão, e sim oferecer apontamentos sobre como as teorias<br />

clássicas refletem nos entendimentos e abordagens teóricas contemporâneas e, a<strong>de</strong>mais, como essas<br />

po<strong>de</strong>m lançar luz para enten<strong>de</strong>rmos a formação das novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s na alta-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Esse primeiro exercício conceitual contribuirá para a formação do pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> nossa<br />

análise a respeito das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos estudantes <strong>de</strong> agronomia. Os bicho-grilos e <strong>Agroboy</strong>s são<br />

categorias <strong>de</strong> nosso futuro trabalho aqui ocultadas <strong>de</strong>vido à relevância <strong>de</strong>sse mapeamento teórico<br />

inicial e ausência <strong>de</strong> dados empíricos até o andamento da pesquisa. O direcionamento que se dará a<br />

esse estudo pautar-se-á doravante a uma perspectiva <strong>de</strong> formação profissional, sociabilida<strong>de</strong><br />

estudantil em âmbito micro. Sentimo-nos encorajados a trilhar por esse novo caminho visto a<br />

construção teórica geral <strong>de</strong> nosso pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> trabalho.<br />

Esse contexto global <strong>de</strong> confluência <strong>de</strong> argumentos teóricos não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> acompanhar uma<br />

das próprias características da contemporaneida<strong>de</strong>: a diversida<strong>de</strong>. E essa pautada em consensos e<br />

conflitos faz com que nossa própria abordagem aqui apresentada possua as características <strong>de</strong> nosso<br />

campo <strong>de</strong> análise, lembrando aquilo que Gid<strong>de</strong>ns (1987) chama <strong>de</strong> dupla hermenêutica. Nosso<br />

entendimento sobre uma realida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> influenciar essa mesma realida<strong>de</strong> que, por sua vez,<br />

retorna, influenciando novamente a interpretação. É nesse sentido que nos sentimos aptos a elencar<br />

o novo movimento teórico não apenas como revisionismo e conciliação, mas como coexistência da<br />

diversida<strong>de</strong> teórica e fundamentação inicial <strong>de</strong> nossa pesquisa.


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