01-07-08 - www.noticiasalentejo.pt - <strong>na</strong>.diario.pdf@gmail.com
01-07-08 - www.noticiasalentejo.pt EPISÓDIOS E METEOROS | 90 Vergílio Ferreira ou o blogue à Henrique VIII Por Luís Carmelo* Edita<strong>do</strong> por Fer<strong>na</strong>nda Irene Fonseca, saiu a público, há cerca <strong>de</strong> um mês, o Diário Inédito <strong>de</strong> Vergílio Ferreira. Para além <strong>de</strong> romancista e ensaísta, o autor ficou também conheci<strong>do</strong> como diarista <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>, por via sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s volumes <strong>do</strong> Conta-Corrente (entre 1980 e 1994). O que não era público até agora era a aventura <strong>do</strong> diário, ao longo <strong>do</strong>s anos que suce<strong>de</strong>ram o fi<strong>na</strong>l da Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra Mundial, <strong>de</strong> 1945 a 1949 (com ligeiro intervalo em 1947). A chegada <strong>de</strong> Vergílio Ferreira a Évora, on<strong>de</strong> iria viver quase década e meia, <strong>do</strong>mi<strong>na</strong> o diário. Os ecos da vida literária e política <strong>do</strong> país, neste perío<strong>do</strong> conturba<strong>do</strong>, também ecoam <strong>na</strong>s pouco mais <strong>de</strong> cem pági<strong>na</strong>s <strong>do</strong> volume agora edita<strong>do</strong> pela Bertrand. Mas este diário também acolhe factos pessoais <strong>de</strong> relevância: o casamento <strong>do</strong> escritor, o dia <strong>do</strong>s seus trinta anos e os momentos em que a <strong>do</strong>ença assalta a alarmada consciência <strong>do</strong> autor <strong>de</strong> Aparição. Há precisamente sessenta anos, no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1948, escrevia Vergílio Ferreira: “É a terceira ou quarta vez que tento o diário. Suponho que <strong>de</strong>sistirei ainda. Tu<strong>do</strong> e a repugnância <strong>de</strong> ver o papel que me lê”. Este <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> bloguea<strong>do</strong>r – próprio <strong>de</strong> quem começa e acaba com a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nuvem que se faz e refaz – é tão livre quanto a revelação que é <strong>de</strong>pois levada a cabo para justificar a própria escrita: “A ironia, essa confissão irresponsável, é o único meio que tenho à mão <strong>de</strong> con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>r em me observar”. Ou seja: o “papel” – sim, falamos <strong>de</strong> um tempo em que se escrevia à mão – parece querer observar o escritor <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que o escritor se observa através <strong>de</strong> uma ironia <strong>de</strong>liberada. Num trecho <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1948, Vergílio Ferreira estabelecerá uma semelhança (panteís- ta) entre a luz que entra pela janela e a “irresponsabilida<strong>de</strong>” da confissão que antes <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ra através da palavra “ironia”: “Do alto da galeria da janela pen<strong>de</strong> uma corti<strong>na</strong> <strong>de</strong> cassa em pregas fluidas. Com a aragem breve que vem lá <strong>de</strong> fora, as pregas ondulam aban<strong>do</strong><strong>na</strong>das. A lâmpada apagada roda com o abajur em torno <strong>do</strong> fio suspenso <strong>do</strong> tecto. Caio no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> sofá e <strong>de</strong>ixo, irresponsável, que a luz quebrada <strong>do</strong> céu <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>sça sobre mim, me cubra <strong>de</strong> sossego.” Estes sortilégios dir-se-á ‘rendilha<strong>do</strong>s’ fazem – ou fizeram – o que era, à época, a sacralizada vida <strong>de</strong> um escritor: um <strong>de</strong>stino ímpar. Vejase: “Creio que não se fazem obras só com palavras mas também com a própria pessoa <strong>do</strong> escritor, a sua presença, a sua voz, até a sua gravata. Que são escritores <strong>de</strong>scobertos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mortos senão isso mesmo?”. Um <strong>de</strong>stino ímpar em que o escritor surgia em ce<strong>na</strong> como o sacer<strong>do</strong>te da convulsão mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>. Era este o impasse que caberia a um Vergílio Ferreira <strong>de</strong> trinta anos quebrar. Um confronto que o existencialismo e a fúria da leitura completavam. Estamos tão longe <strong>de</strong>ste “cal<strong>do</strong> <strong>de</strong> cultura” (como dizem os pregões televisivos franceses) como <strong>do</strong> dia em que Henrique VIII disse – “Mate-se!”. A literatura, hoje em dia, é uma <strong>na</strong>tureza exótica e pouco praticada. Confun<strong>de</strong>-se com a miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> livros que escala pelos escaparates como mulúsculos nos merca<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Xangai. A coisa que foi a literatura – uma revelação da socieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong> humano como referência central <strong>de</strong> vida – encheu o século <strong>de</strong>zanove e boa parte <strong>de</strong> novecentos. E hoje olha para nós como uma “ironia” que quase radicalmente nos escapa. *Crónica publicada no Expresso Online a partir <strong>de</strong> dia 26 <strong>de</strong> Junho. PAÍS Nova Lei <strong>do</strong> Asilo A nova lei <strong>do</strong> Asilo, que prevê o reforço da protecção a menores e proíbe a expulsão <strong>do</strong>s candidatos para locais on<strong>de</strong> corram perigo, foi publicada ontem em Diário da República, entran<strong>do</strong> em vigor <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>do</strong>is meses. O diploma da Assembleia da República prevê que os menores requerentes ou beneficiários <strong>de</strong> asilo ou <strong>de</strong> protecção subsidiária possam ser representa<strong>do</strong>s por um tutor, que po<strong>de</strong> ser uma organização não gover<strong>na</strong>mental. O Serviço <strong>de</strong> Estrangeiros e Fronteiras <strong>de</strong>ve “envidar to<strong>do</strong>s os esforços” para encontrar os membros da família <strong>do</strong> menor <strong>de</strong>sacompanha<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que nos casos em que a vida ou a integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> um menor ou <strong>do</strong>s seus parentes próximos esteja em risco, a recolha, o tratamento e a divulgação <strong>de</strong> informações são realiza<strong>do</strong>s a “título confi<strong>de</strong>ncial”, estipula ainda o diploma. Previsto está também que os menores não acompanha<strong>do</strong>s, com ida<strong>de</strong> igual ou superior a 16 anos, sejam coloca<strong>do</strong>s em centros <strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong> adultos requerentes <strong>de</strong> asilo. Estatuto <strong>do</strong> refugia<strong>do</strong> Aprovada em Maio pela Assembleia da República, sem votos contra, a nova Lei <strong>do</strong> Asilo e Estatuto <strong>do</strong> Refugia<strong>do</strong>s consagra também a proibição <strong>de</strong> expulsar os candidatos a asilo para locais on<strong>de</strong> a sua liberda<strong>de</strong> corra perigo. “Da expulsão <strong>do</strong> beneficiário <strong>de</strong> protecção inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l [...] não po<strong>de</strong> resultar a sua colocação em território <strong>de</strong> país on<strong>de</strong> a sua liberda<strong>de</strong> fique em risco”, refere o diploma, acrescentan<strong>do</strong> que “ninguém será <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong>, afasta<strong>do</strong>, extradita<strong>do</strong> ou expulso para um país on<strong>de</strong> seja submeti<strong>do</strong> a torturas ou a tratamentos cruéis e <strong>de</strong>gradantes”. Lusa As vítimas <strong>de</strong> tortura, violação ou outros actos <strong>de</strong> violência grave terão assegura<strong>do</strong> “tratamento especial a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> aos danos causa<strong>do</strong>s” e serão acompanhadas pela Segurança Social ou pelos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. O texto publica<strong>do</strong> consagra, por outro la<strong>do</strong>, o regime <strong>de</strong> reinstalação <strong>de</strong> refugia<strong>do</strong>s acolhi<strong>do</strong>s noutros Esta<strong>do</strong>s-membros da União Europeia. O diploma visa também a preservação da unida<strong>de</strong> familiar e conce<strong>de</strong> os direitos ao emprego, à saú<strong>de</strong>, à educação e à protecção social. Na nova Lei <strong>do</strong> Asilo são reforçadas as competências <strong>do</strong> representante em Portugal <strong>do</strong> Alto-Comissaria<strong>do</strong> das Nações Unidas para os Refugia<strong>do</strong>s (ACNUR) e <strong>do</strong> Conselho Português para os Refugia<strong>do</strong>s (CPR), que serão sempre informa<strong>do</strong>s sobre a perda <strong>do</strong> direito à protecção inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>do</strong>s refugia<strong>do</strong>s. A lei relativa ao novo regime <strong>do</strong> asilo <strong>de</strong> vítimas <strong>de</strong> perseguição transpõe para a or<strong>de</strong>m jurídica <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l as mais recentes orientações da Política Comum <strong>de</strong> Asilo <strong>na</strong> União Europeia (UE). A nova legislação entra em vigor <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 60 dias e aplica-se aos pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> asilo pen<strong>de</strong>ntes. Portugal recebeu 90 pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> asilo espontâneo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong> ano, com um “acréscimo significativo” em Junho, pelo que o Conselho Português para os Refugia<strong>do</strong>s (CPR) prevê que no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> 2008 se ultrapassem as 200 solicitações registadas em 2007. O número <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> asilo recebi<strong>do</strong>s até agora é muito semelhante aos 95 regista<strong>do</strong>s no mesmo perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>. Em 2007, Portugal acolheu ape<strong>na</strong>s 16 refugia<strong>do</strong>s, continuan<strong>do</strong> a figurar no fim da lista <strong>do</strong> número <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> asilo e <strong>de</strong> reinstalação aceites. Livraria Sítio das Letras Em Julho, encomen<strong>de</strong> os livros escolares R. S. João <strong>de</strong> Deus, 18 Reguengos <strong>de</strong> Monsaraz 266.508010 * 266.508017 (fax)