LISPECTOR, Clarice - Perto do Coração Selvagem.pdf - No-IP
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é bem nos olhos, pisan<strong>do</strong> a gente...<br />
— Sim, disse o tio devagar, o regime severo de um<br />
internato poderia amansá-la. Padre Felício tem razão Acho<br />
que se meu irmão fosse vivo não hesitaria em matricular<br />
Joana num internato, depois de vê-la roubar... Logo esse<br />
peca<strong>do</strong>, um <strong>do</strong>s que mais ofendem a Deus... <strong>No</strong> fun<strong>do</strong> é isso o<br />
que me dói um pouco: o pai, negligente como era, não se<br />
incomodaria de mandar Joana até mesmo para um<br />
reformatório... Tenho pena de Joana, coitada. Você sabe, nós<br />
nunca teríamos interna<strong>do</strong> Armanda, mesmo que ela roubasse<br />
a livraria inteira.<br />
— É diferente! É diferente! — explodiu a tia vitoriosa.<br />
Armanda, até rouban<strong>do</strong>, é gente! E essa menina... Não se tem<br />
de quem ter pena nesse caso, Alberto! Eu é que sou a<br />
vítima... Mesmo quan<strong>do</strong> Joana não está em casa, fico agitada.<br />
Parece loucura, mas é como se ela estivesse me vigian<strong>do</strong>...<br />
saben<strong>do</strong> o que eu penso... Às vezes estou rin<strong>do</strong> e paro no<br />
meio, gelada. Daqui a pouco, na minha própria casa, no meu<br />
lar, onde criei minha filha, terei que pedir desculpas não-seide-quê<br />
a essa guria... É uma víbora. É uma víbora fria,<br />
Alberto, nela não há amor nem gratidão. Inútil gostar dela,<br />
inútil fazer-lhe bem. Eu sinto que essa menina é capaz de<br />
matar uma pessoa...<br />
— Não diga isso! — exclamou o tio assusta<strong>do</strong>. Se o pai<br />
de Joana tivesse si<strong>do</strong> outro, se levantaria agora <strong>do</strong> túmulo!<br />
— Me per<strong>do</strong>e, fico tonta, é ela ainda quem me faz dizer<br />
essas heresias... É um bicho estranho, Alberto, sem amigos e<br />
sem Deus — que me per<strong>do</strong>e!<br />
As mãos de Joana se mexeram independentes da sua<br />
vontade. Observou-as vagamente curiosa e esqueceu-as logo<br />
depois. O teto era branco, o teto era branco. Até seus ombros,<br />
que ela sempre considerara tão distantes de si mesma,<br />
palpitavam vivos, trêmulos. Quem era ela? A víbora. Sim,<br />
sim, para onde fugir? Não se sentia fraca, mas pelo contrário<br />
possuída de um ar<strong>do</strong>r pouco comum, mistura<strong>do</strong> a certa<br />
alegria, sombria e violenta. Estou sofren<strong>do</strong>, pensou de<br />
repente e surpreendeu-se. Estou sofren<strong>do</strong>, dizia-lhe uma<br />
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