As pedras não morrem - Miriam Mambrini

Vender computadores velhos, para mim, é uma espécie de hobby, ou, se você
preferir, um serviço social. Trabalho como consultor de informática e ganho o suficiente para me
manter. Não custo muito caro, disse dando um risinho que mostrou os dentes trepados. Vendo
essas máquinas pelo prazer de ver os velhinhos de volta à ativa. Claro, uns trocados a mais
sempre caem bem, mas não é esse o motivo. Detesto o desperdício. Para mim, é um dos grandes
problemas do Brasil. Fico revoltado quando leio notícias sobre alimentos jogados fora ou
apodrecendo em armazéns precários, materiais de construção estragados pelo mau uso, essas
coisas. A maior parte dos computadores que os donos aposentam ainda funciona perfeitamente
bem e serve para usuários que não necessitem de um equipamento sofisticado, gente que está se
iniciando na informática, por exemplo, ou que não tem grana para coisa melhor. Acho um
absurdo esses micros ficarem jogados num canto, criando teias de aranha, por isso vou à caça
deles, compro-os, faço um ou outro ajuste e revendo.
Interrompeu o discurso ao perceber que Gabriel continuava examinando o XT:
Está gostando? Eu também gosto. Deu um suspiro, e sacudiu a cabeça, balançando
o rabo-de-cavalo. Até me emociono quando olho para ele. Meu primeiro computador foi um XT,
sabia? Isso em 1988. Não pensei que fosse comprar um outro tanto tempo depois.
Fez uma pausa e mudou de tom:
– Olha, não quero que você compre esse micro só porque tive um e fico sentimental
quando falo dele. Vamos aos fatos. Primeiro: O XT não dá acesso à internet. Segundo: Não
aceita Windows. Concluindo: Só serve para quem quer usá-lo para escrever e fazer cálculos.
É muito pouco.
Verdade. Em compensação, é uma máquina simples, robusta, nunca deixa o dono
na mão. E o melhor: baratíssima. Comprei por pouco, sabendo que era difícil encontrar alguém
que se interessasse por ele. Vendo por quase nada.
Seu desejo era ter um computador e não uma antiguidade, mas quanto mais olhava o
XT, mais se sentia atraído por ele. Aquela era a última chance do micro obsoleto voltar a
funcionar. Se não o levasse, ele ficaria por ali mais um tempo até que, mesmo Joca, tão
consciente da necessidade de aproveitar objetos usados, perceberia que acabara o seu tempo.
Seria vendido para um ferro-velho ou levado para algum lixão, onde se misturaria a outros
restos. Fim indigno para alguém ainda apto. Se pifasse nas suas mãos era como se morresse
numa batalha, como um velho e bravo soldado deve morrer.