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O Deus das Pequenas Coisas

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caída enterrado até às orelhas. As paredes, raia<strong>das</strong> de<br />

musgo, tinham-se tornado moles e ligeiramente boju<strong>das</strong><br />

devido à humidade proveniente do solo. O jardim selvagem<br />

e pujante estava repleto do sussurro e frémito de vi<strong>das</strong><br />

diminutas. Por entre a vegetação rasteira, uma cobra esfregava-se<br />

contra uma pedra cintilante. Rãs amarelas, enormes<br />

e esperança<strong>das</strong>, navegavam pelo lago escumoso à procura<br />

de parceiros. Um mangusto encharcado disparou pela<br />

alameda coberta de folhas.<br />

A casa parecia vazia. As portas e as janelas estavam tranca<strong>das</strong>.<br />

A varanda da frente deserta. Sem mobília. Mas o<br />

Plymouth azul-celeste com barbatanas croma<strong>das</strong> ainda<br />

estava parado lá fora e Baby Kochamma ainda estava viva<br />

lá dentro.<br />

Era a tia-avó de Rahel, a irmã mais nova do seu avô. O seu<br />

verdadeiro nome era Navomi, Navomi Ipe, mas todos lhe<br />

chamavam Baby. Tornou-se Baby Kochamma quando já<br />

tinha idade suficiente para ser tia. Rahel não a viera ver,<br />

porém. Nem sobrinha nem tia-avó alimentavam ilusões a<br />

esse respeito. Rahel viera ver o irmão, Estha. Eram gémeos<br />

biovulares. «Dizigó ticos», chamavam-lhes os médicos. Nascidos<br />

de dois óvulos separados mas fertilizados simultaneamente.<br />

Estha – Esthappen – era mais velho dezoito minutos.<br />

Estha e Rahel nunca se pareceram muito, e mesmo<br />

quando eram crianças de braços magros e peito liso, com<br />

lombrigas na barriga e poupa à Elvis Presley, não despertavam<br />

o habitual «Quem é quem?» e «Qual é qual?» a<br />

parentes demasiado sorridentes ou aos bispos sírios ortodoxos<br />

que amiúde visitavam a casa de Ayemenem pedindo<br />

donativos.<br />

A confusão alojava-se num lugar mais fundo e secreto.<br />

Nesses primeiros anos amorfos, quando a memória<br />

estava ainda a começar, quando a vida parecia cheia de<br />

Princípios e sem Fins e Tudo era Para Sempre, juntos<br />

Esthappen e Rahel consideravam-se como Eu e, separada<br />

e individualmente, como Nós. Como se fossem uma espécie<br />

rara de gémeos siameses, fisicamente separados mas<br />

com identidades uni<strong>das</strong>.<br />

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