14.04.2013 Views

O Deus das Pequenas Coisas

O Deus das Pequenas Coisas

O Deus das Pequenas Coisas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Reparou que Sophie Mol estava acordada para o seu<br />

funeral. Ela mostrou a Rahel Duas <strong>Coisas</strong>.<br />

A Coisa Número Um era a cúpula da igreja amarela pintada<br />

de novo que Rahel nunca vira por dentro. Estava pintada<br />

de azul como o céu, com nuvens que flutuavam e<br />

minúsculos aviões a jacto que silvavam e deixavam rastos<br />

brancos por entre as nuvens. É verdade (e é preciso dizê-lo)<br />

que teria sido mais fácil ver essas coisas estando deitada<br />

num caixão e olhando para cima do que estando de pé num<br />

recanto da igreja, cercada por ancas tristes e livros de hinos.<br />

Rahel pensou no homem que se tinha dado ao trabalho<br />

de trepar até lá acima com latas de tinta, branco para as<br />

nuvens, azul para o céu, prateada para os jactos, e ainda<br />

pincéis e diluente. Imaginou-o lá em cima, alguém como<br />

Velutha, de tronco nu e lustroso, sentado numa prancha,<br />

balouçando-se do andaime na cúpula alta da igreja e pintando<br />

jactos prateados num céu azul de igreja.<br />

Pensou no que aconteceria se a corda rebentasse. Imaginou-o<br />

a cair como uma estrela escura do céu feito por si.<br />

Estendido e despedaçado no chão quente da igreja, sangue<br />

escuro derramando-se-lhe do crânio como um segredo.<br />

Por essa altura já Esthappen e Rahel tinham aprendido<br />

que o mundo tem outras maneiras de despedaçar os<br />

homens. Já lhe conheciam o cheiro. Enjoa-doce. Como<br />

rosas velhas na brisa.<br />

A Coisa Número Dois que Sophie Mol mostrou a Rahel<br />

foi o morcego bebé.<br />

Durante o serviço fúnebre, Rahel observou um pequeno<br />

morcego preto a trepar pelo caro sari fúnebre de Baby<br />

Kochamma, agarrando-se suavemente com as suas garras<br />

curvas. Quando chegou ao sítio entre o sari e a blusa, ao<br />

seu colo de tristeza, ao seu diafragma nu, Baby Kochamma<br />

gritou e esgrimou o ar com o livro de hinos. O cântico suspendeu-se<br />

com um «Oquéisto? Oquécaconteceu?» e deu<br />

lugar a um roçagar de peles e farfalhar de saris.<br />

Os padres tristes sacudiam o pó <strong>das</strong> suas barbas encaracola<strong>das</strong><br />

com dedos cobertos de anéis dourados, como se<br />

aranhas escondi<strong>das</strong> tivessem te cido súbitas teias nelas.<br />

18

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!