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— A alegria e a verdade estão neste barracão armado à pressa, como uma<br />
tenda de campanha, para a cambalhota e as miséria mal disfarça<strong>das</strong>.<br />
Se<strong>das</strong>? Flores? Luzes elétricas! São fantasias para gente de casaca, que<br />
não sabe rir. Só a gente rude conserva frescura e sensibilidade de alma. Os únicos<br />
velhos que têm riso gostoso são os ignorantes. Vai-te embora.<br />
E eu vim-me embora, pensando nessas coisas quando, eis passa por mim<br />
um médico ilustrado a quem ouço dizer:<br />
— Pois senhores, o palhaço tem graça!<br />
A opinião dos homens confunde-me. O homem, pelo simples motivo de ser<br />
homem, está determinado que tenha de tudo uma visão mais positiva, mais clara e<br />
mais perfeita do que a minha. Relembro a cena principal do clown:<br />
Um sujeito de casaca e de chicote dá-lhe a incumbência de levar um<br />
embrulho de doces a certa moça...<br />
Procuro fixar o resto: não posso foge-me a idéia para outro assunto.<br />
O céu está estrelado, o ar doce, o aroma <strong>das</strong> magnólias sai dos jardins e<br />
envolve-me toda, como uma túnica invisível, que dá à minha alma uma pureza de<br />
Vestal.<br />
Pirilampos salpicam o ar de fulgurantes esmeral<strong>das</strong> viajoras. Chego ao alto<br />
e volto a vista para o local do circo: tudo em trevas; a noite como que suspira de<br />
alívio.<br />
Passa-me ainda uma vez pelo espírito o romance explorado pelos velhos<br />
contistas: o riso agudo do palhaço que se rebola na arena e que se transmuda em<br />
soluços quando nos intervalos se atira sobre o corpo moribundo do filho; as sovas<br />
nas crianças rouba<strong>das</strong>, nos estudos da acrobacia, e o pudor <strong>das</strong> écuyères, virgens e<br />
recata<strong>das</strong>.<br />
Para mim, todo o palhaço tem sempre no bastidor um filho moribundo e<br />
to<strong>das</strong> as crianças sinais de pancada sob os maillots rosados.<br />
E é talvez por isso que este circo de roça, grotesco, e em que as misérias se<br />
mostram tanto a nu, não consegue divertir-me nem dissipar-me a tristeza.<br />
À hora em que vou chegando a casa, está o palhaço, e estão os seus<br />
companheiros refazendo as forças com o bife e o vinho da ceia, e rindo-se, ainda por<br />
cima, porque a féria foi boa.<br />
Entretanto, (oh! Prodígios da imaginação enfeitiçada pelos romancistas!)<br />
como que distingo no ar, lá muito perto do céu, o senhor clown enfarinhado e<br />
choroso sustentando nos braços um filhinho morto!<br />
E como são horas de dormir, digo-te adeus!"<br />
Tua<br />
Francisca<br />
BRUTOS!<br />
Daqui a umas largas dezenas de anos, quem for amigo de ler crônicas deste<br />
século XX, que despontou com aspirações de paz universal e bondades<br />
aperfeiçoadoras do coração humano, poderá dizer que nestes dias houve um rei, que<br />
por amor da sua dama quebrou as mais rijas lanças. Para conquistá-la, expulsou ele o<br />
seu real pai e senhor, deportando-o para fora do reino, onde o mísero morreu sem<br />
amigos, no desamparo da ingratidão... Para colher dos lábios dela a cheirosa flor do<br />
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