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Entre a Fé e o Império: Portugal e o Papado na ... - ANPUH-SP

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<strong>Entre</strong> a <strong>Fé</strong> e o <strong>Império</strong>: <strong>Portugal</strong> e o <strong>Papado</strong> <strong>na</strong> expulsão dos padres jesuítas<br />

dos domínios lusos<br />

Patrícia Ferreira dos Santos<br />

Universidade de São Paulo<br />

A Expansão Ocidental promovida pelo Reino de <strong>Portugal</strong>, sob a égide da Igreja,<br />

nos remete a vários episódios e emblemas acerca da interdependência entre esses dois<br />

gládios - o temporal e o imperial. Fenômeno bifronte, a Expansão, acelerada no século<br />

XVI, demandou incorporação territorial e espiritual. A um só tempo, temos aí duas<br />

atribuições e duas representações dos dois poderes: o gládio temporal, tendo <strong>na</strong> figura<br />

do Imperador seu executor; e o gládio imperial, com o Papa, em sua autoridade moral,<br />

sancio<strong>na</strong>ndo e legitimando os novos descobertos com vistas ao aumento da <strong>Fé</strong> cristã no<br />

mundo. Cuidadosamente previstos riscos de cisões nesse pacto, uma hierarquização foi<br />

estabelecida: o <strong>Império</strong> deveria ser organizado à imagem do Reino celestial e o<br />

Imperador recebia uma investidura de poder daquele que era o Rei dos Reis. Antes,<br />

contudo, de qualquer imperador, deveria estar o herdeiro do trono do primeiro herdeiro<br />

humano de Cristo: Pedro. A configuração do mundo de antanho, sem contigüidade<br />

territorial e cheia de “espaços inimigos” - protestantes, muçulmanos, gentios -,<br />

estimularia esse projeto comum entre Estado e Igreja 1 .<br />

Pode-se dizer, portanto, que o encontro com as populações de diferentes lugares,<br />

a forma como ele se deu e o local escolhido não seriam fortuitos, traindo a existência<br />

daquele que seria um genuíno projeto, racio<strong>na</strong>l e huma<strong>na</strong>mente estabelecido; um projeto<br />

pretensamente permanente para o mundo ultramarino. Envolveria um processo, bem<br />

como corpos de ações e políticas que se revelariam impossíveis, se os sacerdotes<br />

ignorassem o mundo enquanto realidade material, construída por Deus. Principalmente<br />

em meio ao duplo desafio da Reforma e do descobrimento, pelos Reinos Católicos, de<br />

novos territórios <strong>na</strong> América 2 .<br />

A aliança Estado-Igreja seria planejada tendo em vista o macro-panorama do<br />

tabuleiro mundial, tendo em vistas as pretensões universalistas da Igreja e econômicomercantis<br />

da mo<strong>na</strong>rquia portuguesa. Uma clara convergência de objetivos, planejada do<br />

alto. O plano mais específico, local, territorializado, encontraria semelhante precisão? A<br />

experiência ultramari<strong>na</strong> insinuaria uma resposta negativa. A interdependência entre a <strong>Fé</strong><br />

e o <strong>Império</strong> se revelaria sofrivelmente amigável - seriam muitos os desafios e impasses<br />

1<br />

NEVES, Luiz Felipe Baeta. O combate dos soldados de Cristo <strong>na</strong> Terra dos papagaios. Rio de Janeiro:<br />

Forense Universitária, 1978, p. 28-30.<br />

2<br />

NEVES, Luiz Felipe Baeta. O combate dos soldados de Cristo..., Op. Cit., p.28-30.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


que se apresentariam. Nesse artigo, pretendemos detectar, nos discursos reais e papais<br />

acerca da Expulsão dos Padres Jesuítas, uma dessas situações de impasse e de<br />

negociação entre as diretrizes nem sempre convergentes da <strong>Fé</strong> e o <strong>Império</strong>.<br />

1. A <strong>Fé</strong> como um socorro dos Mo<strong>na</strong>rcas Cristãos<br />

O Papa representava o socorro inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l dos mo<strong>na</strong>rcas cristãos em seus<br />

descobrimentos e avanços: “doutores tem a Santa Madre Igreja, que está em Roma e<br />

poderá suprir e tirar os escrúpulos” - afirmara um Autor Anônimo do século XVIII 3 .<br />

Por outro lado, os reis poderiam proceder com violência contra os eclesiásticos se<br />

ficasse constatado laesae majestatis divi<strong>na</strong>e e huma<strong>na</strong>e:<br />

“Que fossem os eclesiásticos isentos do foro secular por Cristo imediatamente, é questão<br />

controversa; que o Direito Canônico e os Sumos Pontífices os eximam, é certo. E daqui<br />

bem podemos dizer que Cristo os exime, porque os papas os eximem com o poder que<br />

receberam de Cristo E daqui se colhe conclusão certíssima que não poderão nunca ser<br />

privados desse privilégio sem consentimento do Sumo Pontífice 4 ”.<br />

Conforme salientava o Anônimo, o Reino fora fundado para propagar a Santa <strong>Fé</strong><br />

Católica, enlaçando definitivamente o sucesso da conquista à Missão: “levem<br />

pregadores evangélicos que conquistem o gentio para Deus, e Deus vos dará todos os<br />

bens temporais dessas conquistas que venham para nós”, sendo essa sentença de “eter<strong>na</strong><br />

verdade, que estabeleçamos primeiro o reino de Cristo e logo ficará estabelecido o<br />

nosso reino”, e “cansa-se debalde quem tratar as conquistas por outro caminho” 5 . Os<br />

jesuítas se celebrizariam por um intenso trabalho em prol deste ideal. Um melindroso<br />

equilíbrio de forças, por outro lado, se revelaria um imperativo da prudência e da<br />

própria viabilidade do Pacto Estado-Igreja.<br />

Tal pacto atribuía ao Rei de <strong>Portugal</strong> a honrosa condição de Defensor da <strong>Fé</strong>,<br />

concedendo-lhe o Título de Grão Mestre da Ordem de Cristo. Esta qualidade e<br />

3 XXIII: Dos que furtam com unhas temidas. ANÔNIMO do Século XVIII. Arte de Furtar: espelho de<br />

enganos, teatro de verdades, mostrador de horas minguadas, gazua geral dos Reinos de <strong>Portugal</strong><br />

oferecida a El Rei Nosso Senhor Dom João IV para que a emende (...) Apresentação de João Ubaldo<br />

Ribeiro. Porto Alegre: L & PM, 2005. p. 137.<br />

4 L: Mostra-se qual é a jurisdição queos reis têm sobre os sacerdotes. ANÔNIMO do Século XVIII. Arte<br />

de Furtar: espelho de enganos... Op. Cit, p. 232-233.<br />

5 “Quaerite primum regnum Dei, et haec omnia adjicientur vobis. Mat. 6”. XXIX: Dos que furtam com<br />

unhas irremediáveis; XXIX: Dos que furtam com unhas irremediáveis. ANÔNIMO do Século XVIII. Arte<br />

de Furtar: espelho de enganos... Op. Cit, p. 155.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


autoridade régia sobre a Igreja Ultramari<strong>na</strong> seria fartamente evocada, <strong>na</strong>s dioceses<br />

ultramari<strong>na</strong>s, pelo mo<strong>na</strong>rca, funcionários, clero e camaristas das vilas coloniais.<br />

Também as populações das conquistas viam-se estimuladas a se identificar, juntamente<br />

com os costumes da <strong>na</strong>ção portuguesa, com uma obrigatoriedade religiosa: “somos<br />

cristãos-católicos, não desmintamos nossa própria profissão” 6 .<br />

Para o reforço de tais concepções, inúmeros dignitários atuariam no Ultramar:<br />

<strong>na</strong>s Justiças, Defesa, Fisco, gerando uma infinidade de cargos e, com eles duas<br />

necessidades cruciais: a prestação de contas de ações e demandas a Lisboa; e uma<br />

satisfatória interação em meio ao círculo burocrático a serviço da Coroa. A orientação<br />

metropolita<strong>na</strong> rezava que se mantivessem em comum acordo, representantes<br />

pertencentes à hierarquia secular e eclesiástica. A grande maioria desses representantes<br />

era letrada – comumente, versados em Direito, como o Ouvidor e os Juízes de Fora.<br />

Por sua vez, encabeçava a hierarquia eclesiástica o bispo, que representaria, sob<br />

o regime do padroado, um importante papel, porta-voz que era da palavra, ora do papa,<br />

ora do rei. Nas dioceses mais tradicio<strong>na</strong>is, como a da Bahia, ocupavam o trono<br />

episcopal, ape<strong>na</strong>s dignitários titulados; assim como no Bispado de Maria<strong>na</strong>, nos seus<br />

três primeiros representantes episcopais: Dom Frei Manoel da Cruz, o primeiro Bispo,<br />

foi Doutor em Teologia por Coimbra; Dom Joaquim Borges de Figueiroa (1771-1772),<br />

Doutor em ambos os Direitos pela mesma Escola, à qual também se doutorou em<br />

Cânones o terceiro Bispo de Maria<strong>na</strong>, Dom Bartolomeu Manoel Mendes dos Reis<br />

(1772-1773); destes três primeiros, ape<strong>na</strong>s Dom Frei Manoel fez-se presente <strong>na</strong><br />

diocese 7 .<br />

Esse primeiro prelado da diocese mineira registrara grande veneração pela<br />

Companhia de Jesus. Isso pôde ser detectado textualmente, em suas cartas públicas e<br />

particulares, bem como em suas ações. Dom Frei Manoel procuraria direcio<strong>na</strong>r a<br />

diocese para um adensamento da discipli<strong>na</strong> religiosa tridenti<strong>na</strong>, a qual recomendava<br />

uma série de obrigações ao Pároco. Prescrevia, da mesma forma, muitas obrigações e<br />

6 ANÔNIMO do século XVIII. Arte de Furtar... Op. Cit., p. 155-156.<br />

7 Dom Frei Domingos da Encar<strong>na</strong>ção Pontével (1779-1793) não era graduado, apesar de haver lecio<strong>na</strong>do<br />

15 anos <strong>na</strong> Ordem dos Dominicanos. Dom Frei Cipriano de São José (1798-1817) não era graduado,<br />

embora declarado professor jubilado pelo Núncio Apostólico; Dom Frei José da Santíssima Trindade<br />

(1820-1835), como também não era Graduado, rogara da Santa Sé as dispensas das exigências de<br />

titulação para assumir a diocese de Maria<strong>na</strong>. POLITO, Ro<strong>na</strong>ld. (Org.) Visitas Pastorais de Dom Frei José<br />

da Santíssima Trindade (1821-1825). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/ Centro de Estudos<br />

Históricos e Culturais, 1998, p. 24. (Mineiria<strong>na</strong>, Série Clássicos).<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


exercícios pios para as comunidades de fiéis. Todos os diocesanos deveriam contribuir<br />

para as obras caridosas: “se juntem em um domingo, ou dia santo para reconstruir a<br />

Matriz, estando a Velha tão arrui<strong>na</strong>da e incapaz de nela se celebrar” era um conclame<br />

comum dos Visitadores 8 .<br />

O lugar sagrado era importante como cenário e retiro para a realização de<br />

exercícios espirituais insistentemente recomendados, como a Oração Mental, e as<br />

meditações sobre os sacrifícios de Jesus. Toda uma atmosfera de devoção, rica em<br />

símbolos relacio<strong>na</strong>dos aos textos sagrados, era preparada para a Via Sacra: todas as<br />

sextas feiras, às três da tarde, hora em que o Divino Mestre entregou a Deus seu<br />

Espírito, os sinos das igrejas deveriam tocar. Nessas ocasiões, deveriam ser feitas<br />

orações pela Paz e Concórdia dos Príncipes Cristãos, pela extirpação das heresias e<br />

exaltação da Santa Madre Igreja católica, e também pela emenda dos pecadores que,<br />

participando de tais práticas, poderiam obter o perdão divino 9 . Seria difícil não se<br />

sensibilizar às vias sacras, com a meditação dos sacrifícios de Jesus , recordando-se a<br />

hora da sua agonia. A pastoral tridenti<strong>na</strong> privilegiaria, nesse sentido, que a confissão<br />

fosse o remédio para o arrependimento e a angústia causada pelas terríveis culpas<br />

huma<strong>na</strong>s 10 .<br />

Desta forma, estimulava-se a devoção e a caridade popular. Os santos<br />

forneceriam poderoso recurso de veneração por sua existência santa e de sacrifícios pela<br />

Igreja. Dom Frei Manoel forneceria vários modelos de santidade aos seus diocesanos. O<br />

intenso trabalho em prol da canonização de Padre Anchieta, nesse sentido, cumpria a<br />

esse fim, e aos objetivos de sua canonização. Cartas pastorais desse Bispo traziam<br />

conclames a testemunhos verdadeiros de fé, por parte dos fiéis que houvessem<br />

8 AEAM, Seção de Livros Paroquiais, Prateleira W, Livro 3 de Disposições Pastorais, fl. 16.<br />

9 Bula Pontifical passada em Roma, em Santa Maria Maior, aos 23 de dezembro de 1740. (meditação<br />

sobre os supremos sacrifícios de Jesus Cristo)Publicada no Bispado de Maria<strong>na</strong> em 20/12/1757, em<br />

pastoral de Dom Manoel da Cruz. AEAM, Seção de Livros Paroquiais, Prateleira H, Livro 14 de Visitas e<br />

Fábrica, fl.79-79v. Visita Pastoral do Dr. José dos Santos à freguesia de Catas Altas, em 30/08/1761.<br />

AEAM, Seção de Livros Paroquiais, Prateleira H, Livro 14 de Visitas e Fábrica, capítulo 8, fl. 108.<br />

10 Os confessores deveriam estar bem preparados e o Papa Benedito XIV manifestara sua preocupação<br />

em Constituição Pontifícia Sacramentum Penitentia, em junho de 1741, publicada em 1749 por Dom<br />

Manoel da Cruz. No texto, conde<strong>na</strong>va crimes de solicitação por palavras, escrita ou si<strong>na</strong>is nos<br />

confessionários, prevendo pe<strong>na</strong>s para que tanto as autoridades ordinárias quanto eclesiásticas aplicassem<br />

proibira absolvição por padre cúmplice, tor<strong>na</strong>ndo-a nula e irritante a não ser em artigo de morte, ou em<br />

ausência ou impossibilidade de sacerdote simples e habilitado para ouvir a dita confissão. O terceiro<br />

parágrafo impunha a obrigação do Bispo em denunciar à Inquisição os solicitantes. Cópia de uma<br />

Constituição Pontifícia do Santíssimo Padre Benedito Décimo Quarto, Sacramentum Penitentia. Roma,<br />

primeiro de junho de 1741. Publicada por ordem de Dom Frei Manoel da Cruz em junho de 1749; Visita<br />

de Dom Frei Manoel da Cruz à freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Catas Altas, em 20 de<br />

agosto de 1749. AEAM, Seção de Livros Paroquiais, Prateleira H, Livro 14 de Visitas e Fábrica (1727-<br />

1831), fls.52-53v.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


alcançado graças e prodígios por intercessão do pioneiro jesuíta, relatando-o<br />

minuciosamente ao seu pároco, que o registraria 11 .<br />

Como exigência conciliar, todo este trabalho paroquial deveria ser inspecio<strong>na</strong>do,<br />

e avaliado pelos bispos e Visitadores delegados. O poder dos Bispos tendia a ampliar-se<br />

com as visitas, que funcio<strong>na</strong>riam como importantes mecanismos discipli<strong>na</strong>dores da<br />

Igreja, a exercer seu poder de julgar 12 . Ademais, as Visitas eram uma das obrigações<br />

dos Bispos, um modo de se fazerem presentes em todo o território de suas dioceses.<br />

1.2 Alguns imperativos da <strong>Fé</strong> e do <strong>Império</strong><br />

As Visitas, o trabalho de fiscalização episcopal junto às freguesias, o controle do<br />

clero e da população, de forma paralela ao estímulo da devoção, piedade e caridade<br />

popular traçariam para a primeira gestão episcopal da diocese mineira algumas linhasmestras,<br />

observadas desde a atuação dos Bispos fluminenses até a chegada e posse do<br />

primeiro Bispo residente, Dom Frei Manoel da Cruz. Tais linhas de atuação pastoral são<br />

bastante devedoras da atuação jesuítica no Brasil.<br />

<strong>Entre</strong>tanto, se, de um lado, nota-se que os padres jesuítas possuíram importante<br />

papel <strong>na</strong> teorização do pacto entre reis e papas, sob os auspícios da Segunda Escolástica,<br />

e contribuíram para a catequização e difusão da <strong>Fé</strong> Católica em larga escala, de outro<br />

lado, vieram representar, em mais de um momento, uma ameaça concreta ao Pacto<br />

Estado-Igreja. Isso porque, como bem afirmaram alguns autores clássicos, a Companhia<br />

possuía uma organização teocrática, por sua imensa fidelidade ao papa 13 . Para os padres<br />

da Companhia, empreender uma missão alta e consagrada diretamente ao Chefe<br />

Supremo da Igreja Católica era tarefa incompatível com Estado e Família. Por isso eles<br />

eram um desafio às autoridades do mundo. Tudo teria levado os Jesuítas a uma<br />

organização teocrática. Se cultivada, tal ambição fora obstada pelo velho pacto do<br />

Estado Português e o <strong>Papado</strong> 14 .<br />

11<br />

Pastoral de Dom Frei Manoel da Cruz da Ordem do Dr. Melífluo São Ber<strong>na</strong>rdo por mercê de Deus e da<br />

Santa Sé Apostólica Primeiro Bispo deste Novo Bispado de Maria<strong>na</strong>. AEAM, Seção de Livros<br />

Paroquiais, Prateleira H, Livro 14 de Visitas e Fábrica, fl. 80.<br />

12<br />

FIGUEIREDO, Luciano Raposo de A. Barrocas Famílias: vida familiar em Mi<strong>na</strong>s Gerais no século<br />

XVIII. São Paulo: HUCITEC, 1997, p. 39-42.<br />

13<br />

TORRES, J. C. De O. História das Idéias Religiosas no Brasil. São Paulo: Grijalbo, 1968, p. 21ss; 49-<br />

50.<br />

14<br />

FAORO, R. Os donos do poder... Op. Cit., p. 198-202.<br />

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Ressaltava o Anônimo do Século XVIII que era justo que um rei procedesse<br />

contra a violência dos eclesiásticos “para defender sua pessoa e a de seus vassalos<br />

inocentes15 ”. Veremos que a justificativa para a drástica punição aos Padres Jesuítas de<br />

<strong>Portugal</strong> e domínios seria muito semelhante a esta. A sua expulsão de <strong>Portugal</strong> e<br />

domínios se daria oficialmente em 1759, mas veremos que essa drástica punição, bem<br />

como a sua dissolução, em 1773, inseria-se em um tenso e intrincado processo de lutas,<br />

travadas no território das Missões, entre os seus padres, os colonos, diferentes<br />

autoridades seculares – Gover<strong>na</strong>dores, Ouvidores – e até mesmo contra Bispos. O velho<br />

dissídio da Companhia por outra autoridade que não fosse a do Papa acabaria por se<br />

manifestar de maneira acintosamente firme e contrária aos interesses da Coroa<br />

Portuguesa 16 .<br />

Isso porque, explicitados ações, políticas, interesses e discursos, vários arranjos,<br />

locais e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is se costurariam; saindo em desvantagem, nesse quadro de forças,<br />

os Jesuítas, estes veriam duramente excluída a sua Ordem, que alavancara a Reforma<br />

Católica e marcara forte presença no Concílio Tridentino, no ensino, formação<br />

sacerdotal, catequização, pregação e estímulo ao sacrifício e às devoções no Novo<br />

Mundo. A Ordem que, por tempos, parecera tão bem encar<strong>na</strong>r o princípio de <strong>Portugal</strong><br />

como “Patrimônio de Cristo”, tor<strong>na</strong>ra-se agora uma ameaça perniciosa aos interesses do<br />

Reino de <strong>Portugal</strong> e uma série de cartas, documentos, alvarás, breves papais e panfletos<br />

exporiam, de muitas formas, a sua desgraça.<br />

Alguns episódios emblemáticos dar-se-iam <strong>na</strong> Província do Grão Pará e<br />

Maranhão, a qual se encontrava, no século XVIII, dividida em Missões, a cargo de<br />

diferentes ordens regulares - jesuítas, franciscanos, mercedários, carmelitanos. Tal<br />

região tor<strong>na</strong>ra-se um alvo estratégico de políticas de povoamento por parte da Coroa<br />

Portuguesa, por volta da assi<strong>na</strong>tura do Tratado de Madri, em 1750. A necessidade de<br />

controle impunha-se a <strong>Portugal</strong>, tendo em vista a forte tensão domi<strong>na</strong>nte no cenário<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e a concorrência de várias potências européias em torno a novas<br />

possessões. Desta forma, algumas iniciativas implantadas pela Coroa circunscreviam<br />

estratégia de povoamento e defesa daquela porção. Por atingir diretamente as Missões e<br />

sua população, no entanto, tais políticas modificavam pactos e feriam concessões de<br />

15 L: Mostra-se qual é a jurisdição queos reis têm sobre os sacerdotes. ANÔNIMO do Século XVIII. Arte<br />

de Furtar: espelho de enganos... Op. Cit, p. 232-233.<br />

16 AZEVEDO, Thales de. Igreja e Estado em tensão e crise: a conquista espiritual e o padroado <strong>na</strong><br />

Bahia. São Paulo: Ática, 1978. NEVES, Luiz Felipe Baeta. O combate dos soldados de Cristo <strong>na</strong> Terra<br />

dos Papagaios: colonialismo e repressão cultural. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.157-164.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


jurisdição temporal aos religiosos, que remontavam à época de Dom João V. Talvez o<br />

descontentamento dos i<strong>na</strong>cianos fosse inevitável; mas o vigor de seus protestos<br />

mostraram-se taxativos demais para as pretensões concentradores de um ministro que, à<br />

essa mesma altura, ganhava do rei Dom José a rara honra de ser nomeado “seu principal<br />

comissário e plenipotenciário com amplíssimos e ilimitados poderes” 17 .<br />

A hostil reação da Companhia e dos indíge<strong>na</strong>s sob seus cuidados à recepção, <strong>na</strong>s<br />

aldeias, às expedições demarcadoras de limites da região Norte da América Portuguesa<br />

contrastava vivamente com a boa acolhida oferecida pelos franciscanos. Os jesuítas<br />

teriam negado canoas, indíge<strong>na</strong>s e mantimentos para auxiliar <strong>na</strong>s expedições, e<br />

promovido a deserção dos que as acompanhavam. Paralelamente, era nomeado e<br />

empossado, em 1751, para o Governo da Capitania do Grão Pará e Maranhão, o irmão<br />

de Sebastião José de Carvalho e Mello, então Conde de Oeiras e futuro Marquês de<br />

Pombal. Este dignitário protagonizaria vários conflitos com o Provincial da Ordem dos<br />

Jesuítas, e levaria a cabo várias represálias da Coroa a seu afrontoso dissídio. Gradativas<br />

ordens régias foram cassando antigos benefícios anteriormente concedidos aos<br />

i<strong>na</strong>cianos. A Coroa intervinha mais, fiscalizava mais os aldeamentos; e ameaçava mais.<br />

Um duro golpe fora desferido em 1755, quando três diplomas régios eram sancio<strong>na</strong>dos,<br />

de forma a estimular o casamento com as índias, restituir aos índios a liberdade sobre<br />

suas pessoas, bens e comércio; o diploma de 7 de junho de 1755 pareceria terrível aos<br />

i<strong>na</strong>cianos: a Coroa recolocava em vigor uma Lei de 12 de setembro de 1653, que vedava<br />

às ordens religiosas o exercício da jurisdição sobre os indíge<strong>na</strong>s, aprovando o<br />

estabelecimento de governo e justiças seculares para as aldeias 18 .<br />

Os conflitos sucessivos dos jesuítas com colonos e dignitários seculares, em<br />

contexto tão pouco favorável, lograriam um ápice dramático com a sua Expulsão do<br />

Reino de <strong>Portugal</strong> e domínios. Reduzidos às ordens sacras, os padres estariam<br />

novamente submetidos a uma autoridade eclesiástica ora apreciada, ora combatida: os<br />

bispos.<br />

17 COUTO, Jorge. “O poder temporal <strong>na</strong>s aldeias de índios do Estado do Grão Pará e Maranhão no<br />

período pombalino: foco de conflitos entre os jesuítas e a Coroa (1751-1759)”. In: SILVA, M. B. N.<br />

(Coord.) Cultura Portuguesa <strong>na</strong> Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995, p. 53 ss.<br />

18 COUTO, Jorge. “O poder temporal <strong>na</strong>s aldeias de índios do Estado do Grão Pará e Maranhão no<br />

período pombalino: foco de conflitos entre os jesuítas e a Coroa (1751-1759)”. In: SILVA, M. B. N.<br />

(Coord.) Cultura Portuguesa <strong>na</strong> Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995, p. 53 ss.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


1.3 - Discursos articulados: as cartas do Rei, Papa e Bispo<br />

Em fevereiro de 1772 registrou-se uma carta de Dom José I ao Bispo de Maria<strong>na</strong>,<br />

Dom Bartolomeu Manoel Mendes dos Reis, sobre a extinção e supressão da Companhia<br />

de Jesus. Comunicava El rei ao Reverendo dignitário que o Presidente da Universal<br />

Igreja de Deus, Santo Padre Clemente XIV, por Bula expedida em forma de Breve,<br />

suprimira aos jesuítas todos os seus ministérios, ofícios casas, escolas, colégios,<br />

hospícios, residências, Estatutos, Constituições, Decretos, usos, costumes e Privilégios,<br />

Gerais, e especiais. O Pontífice absolvia-os dos votos da Companhia e transferia aos<br />

respectivos Ordinários a jurisdição que sobre eles teve até agora, por ficarem reduzidos<br />

ao Estado Clerical os que tivessem ordens sacras. Para a execução deste Breve<br />

Apostólico, comunicava o rei que lhe atribuíra o Real Beneplácito e Régio auxílio,<br />

recomendado por Sua Santidade, e que mandara publicar, <strong>na</strong> Real Chancelaria, uma lei<br />

acerca daquele importante negócio. O rei demonstrava o desejo de que a decisão sua se<br />

perpetuasse em eter<strong>na</strong> memória, justificando ao Bispo:<br />

Me pareceu participar-vos o referido; não só para que antes de tudo fôsseis render a<br />

Deus Nosso Senhor as mais solenes graças pela especial providência, e ilumi<strong>na</strong>ção,<br />

com que visivelmente inspirando, e guiando todas as disposições do mesmo Santo<br />

Padre desde o primeiro dia, em que tão dig<strong>na</strong>mente subiu à cadeira de São Pedro<br />

até o dia 21 de julho deste corrente ano e destinou para empreender com ilumi<strong>na</strong>da<br />

compreensão, prosseguir com singular prudência, e confessar com apostólica<br />

Constancia uma obra de que dependia todo o sossego e Paz da Igreja Universal, e<br />

tranqüilidade// pública de todas as mo<strong>na</strong>rquias, soberanias, e Povos das quatro<br />

partes do Mundo descoberto: e não só para que no que vos pertencer hajais de<br />

executar, e fazer executar as sábias, prudentes e pater<strong>na</strong>is disposições do referido<br />

Breve; mas também para que, fazendo-o registrar com esta nos livros, a quem tocar<br />

sejam os exemplares de um e de outro, guardados em cofre de três diferentes<br />

chaves, para perpétua memória de todos os séculos futuros 19 .<br />

No ano seguinte, o Beneplácito régio chegaria ao Bispo através de outra carta<br />

régia, registrada em 9 de fevereiro de 1774, pela qual mandava “munir com a Sua Real<br />

autoridade a execução da Bula com que Sua Santidade suprimiu, extinguiu inteiramente<br />

19 Carta de El Rei de <strong>Portugal</strong> para o Bispo de Maria<strong>na</strong>, escrita no palácio de Nossa Senhora da Ajuda, em<br />

9 de setembro de 1773, acerca da supressão da Companhia de Jesus. Acerca do Breve “Dominus Ac<br />

Redemptor noster Jesus Christus”, (dado em Sta. Maria Maior, debaixo do anel do Pescador, no dia 21 de<br />

julho deste anno 5º de seu Feliz Pontificado). Lisboa, 9 de setembro de 1773. AEAM, Seção de Governos<br />

Episcopais. Governo de Dom Bartolomeu Manoel Mendes dos Reis (1773-1779). Arquivo 1, Gaveta 3,<br />

Pasta 2. Diversos. Fl. 1-2.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


a Companhia denomi<strong>na</strong>da de Jesus”. El rei Dom José, saudava os seus vassalos,<br />

louvava o Pontífice e vituperava a Companhia:<br />

O Santo Padre Clemente XIV, ora presidente da Universal Igreja de Deus, tendo<br />

observado, exami<strong>na</strong>do e combi<strong>na</strong>do desde a eminência do supremo apostolado com<br />

as suas claríssimas luzes; com o seu finíssimo discernimento, com a sua Pastoral<br />

mansidão, e com a sua Apostólica prudência não só todos os fatos concernentes a<br />

fundação, ao progresso, e ao último estado da Companhia denomi<strong>na</strong>da de Jesus em<br />

ordem à Igreja Universal, e às Mo<strong>na</strong>rquias, Soberanias, e Povos das quatro partes<br />

do mundo descoberto; mas também todas as revoluções, tumultos, e escândalos,<br />

que nelas causou a sobredita companhia todos os remédios//com que não menos<br />

que 24 Romanos Pontífices dos Predecessores haviam procurado acorrer a aqueles<br />

grandes males, ora com os benefícios, ora com as comi<strong>na</strong>ções ora com as<br />

correções, e ora com as coações sem outros efeitos que não fossem os de se ter<br />

manifestado de dia em dia mais freqüentes as queixas, e os clamores contra a<br />

referida Companhia, e os de se verem abortar ao mesmo tempo em diferentes<br />

Reinos e Estados do Mundo, sedições, mortes, discórdias e escândalos<br />

perigosíssimos, que destruindo e quase acabando de romper o vínculo da Caridade<br />

Cristã, inflamarão os ânimos dos fiéis nos espíritos de divisão, de ódio, e de<br />

inimizade até chegarem a fazer-se tão urgentes os referidos insultos, e os perigos<br />

deles, que os mesmos Mo<strong>na</strong>rcas, que mais se tinham distinguido <strong>na</strong> piedade e <strong>na</strong><br />

liberalidade hereditária em beneficio da mesma Companhia, foram<br />

necessariamente constrangidos não só a extermi<strong>na</strong>rem todos os sócios dela desde<br />

os Reinos, Províncias e Domínios, por ser este extremo remédio o único, que as<br />

urgências igualmente extremas podiam já permitir-lhes para impedirem que os<br />

Povos Cristãos dos seus respectivos Reinos, e Domínios se provocassem,<br />

ofendessem e lacerassem uns aos outros dentro no seio da Santa Madre Igreja e<br />

dentro das suas mesmas Pátrias, mas também a recorrerem no mesmo tempo à Sede<br />

Apostólica, interpondo em causa comum a todas as maiores instâncias da sua<br />

Autoridade para total abolição e extinção da mesma Companhia, como único meio<br />

que já lhes restava para proverem assim <strong>na</strong> perpétua segurança dos seus vassalos,<br />

como <strong>na</strong> reconciliação, e sossego público de toda a Cristandade 20 .<br />

A estratégica menção aos Bispos reforçava a idéia de periculosidade da Companhia:<br />

havendo-se também acumulado com os mesmos instantíssimos motivos os outros<br />

muitos eficacíssimos rogos, súplicas, e votos, que muitos Bispos, e insignes varões<br />

muito conspícuos pela sua Religião, e doutri<strong>na</strong>, e Dignidade, haviam feito soar <strong>na</strong><br />

Cadeira de São Pedro aos ouvidos do Supremo Pastor com//estas e outras<br />

justíssimas, e urgentíssimas causas; depois de haver concluído,<br />

demonstrativamente o mesmo Santo Padre, que a sobredita Companhia não só não<br />

podia já produzir o benefício da Igreja, e dos fiéis Cristãos aqueles copiosos frutos<br />

que haviam feito os objetos da sua instituição, e dos muitos privilégios com que<br />

20 Carta de Lei por que Vossa Majestade, conformando-se com as Pater<strong>na</strong>is Intenções do muito Santo<br />

Padre. Clemente XIV ora Presidente <strong>na</strong> Universal Igreja de Deus, e acordando o seu Real Beneplácito, e<br />

Régio auxilio à Bula, que principia = Dominus, Ac Redemptor Noster Jesus Christus = dada no dia 21 de<br />

julho deste presente ano, que suprimiu e extinguiu inteiramente a Companhia denomi<strong>na</strong>da de Jesus, todos<br />

os seus estatutos, e privilégios: manda munir com a sua Real autoridade a execução das referidas<br />

determi<strong>na</strong>ções Apostólicas em todos os seus Reinos, e Domínios, tudo <strong>na</strong> forma acima declarada. Dada<br />

no Palácio de N. S. da Ajuda aos 9 dias do mês de setembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo de 1773. Fl. 3-6. AEAM, Seção de Governos Episcopais. Governo de Dom Bartolomeu<br />

Manoel Mendes dos Reis (1773-1779). Arquivo 1, Gaveta 3, Pasta 2. Diversos.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


fora or<strong>na</strong>da; mas que, muito pelo contrário, era impraticável que a conservação da<br />

dita Sociedade fosse já compatível com a restituição, e conservação da constante, e<br />

permanente paz da Igreja Universal, e da Sociedade Civil e União Cristã 21 .<br />

Dissolvida a Companhia, declarava o rei haver já escrito a todos os<br />

Metropolitanos, Diocesanos e Prelados dos Reinos e Domínios, para registrarem e<br />

guardarem <strong>na</strong>s suas Câmaras, cumprindo e observando as disposições do referido Breve<br />

que transferia à sua autoridade os antigos jesuítas. Também prescrevia tarefas aos<br />

dignitários seculares: Tribu<strong>na</strong>is, Gover<strong>na</strong>dores, Magistrados e Justiças do Reino e<br />

Domínios, deveriam, <strong>na</strong>s suas respectivas jurisdições exami<strong>na</strong>r cuidadosamente:<br />

primo, se nelas tor<strong>na</strong> aparecer algum indivíduo com roupeta ou distintivo algum do<br />

hábito da referida Companhia abolida; secundo; se entre os que foram dela<br />

expulsos, e se acham tolerados se tem algumas práticas, ou se fazem alguns<br />

conventículos orde<strong>na</strong>dos ou se associações entre si, ou a caluniarem o referido<br />

Breve; tertio; se há, ainda, quem se atreva a sentir mal do conteúdo nele em todo,<br />

ou em parte; quarto, que havendo algum, ou alguns de seus Réus, contra toda a<br />

presente esperança, sejam presos, autuados, e remetidos às cadeias da Cidade de<br />

Lisboa à Ordem do Dr. Juiz da Inconfidência para ou sobre eles determi<strong>na</strong>r o que<br />

me parecer justo 22 .<br />

Ordens expressas rezavam o arquivamento desta carta régia junto aos exemplares<br />

do Breve, e registro nos livros de tribu<strong>na</strong>is de cabeças das comarcas, e Câmaras,<br />

consoante o Alvará de 3 de setembro de 1759. Publicara-se <strong>na</strong> Real Chancelaria, de<br />

onde se remeteriam cópias seladas a todos os Tribu<strong>na</strong>is, Cabeças de Comarcas e Vilas<br />

dos Reinos Lusos. Esses relatos evidenciam o devir das alianças, arranjos e dos<br />

discursos, os quais, uma vez imbricados e afi<strong>na</strong>dos, ganhavam eloqüência <strong>na</strong><br />

identificação e perseguição dos dissídios ameaçadores às forças políticas domi<strong>na</strong>ntes.<br />

21 Carta de Lei por que Vossa Majestade, conformando-se com as Pater<strong>na</strong>is Intenções do muito Santo<br />

Padre. Clemente XIV ora Presidente <strong>na</strong> Universal Igreja de Deus, e acordando o seu Real Beneplácito, e<br />

Régio auxilio à Bula, que principia = Dominus, Ac Redemptor Noster Jesus Christus = dada no dia 21 de<br />

julho deste presente ano, que suprimiu e extinguiu inteiramente a Companhia denomi<strong>na</strong>da de Jesus, todos<br />

os seus estatutos, e privilégios: manda munir com a sua Real autoridade a execução das referidas<br />

determi<strong>na</strong>ções Apostólicas em todos os seus Reinos, e Domínios, tudo <strong>na</strong> forma acima declarada. Dada<br />

no Palácio de N. S. da Ajuda aos 9 dias do mês de setembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo de 1773. Fl. 3-6. AEAM, Seção de Governos Episcopais. Governo de Dom Bartolomeu<br />

Manoel Mendes dos Reis (1773-1779). Arquivo 1, Gaveta 3, Pasta 2. Diversos.<br />

22 Carta de Lei por que Vossa Majestade, conformando-se com as Pater<strong>na</strong>is Intenções do muito Santo<br />

Padre. Clemente XIV ora Presidente <strong>na</strong> Universal Igreja de Deus, e acordando o seu Real Beneplácito, e<br />

Régio auxilio à Bula, que principia = Dominus, Ac Redemptor Noster Jesus Christus = dada no dia 21 de<br />

julho deste presente ano, que suprimiu e extinguiu inteiramente a Companhia denomi<strong>na</strong>da de Jesus, todos<br />

os seus estatutos, e privilégios: manda munir com a sua Real autoridade a execução das referidas<br />

determi<strong>na</strong>ções Apostólicas em todos os seus Reinos, e Domínios, tudo <strong>na</strong> forma acima declarada. Dada<br />

no Palácio de N. S. da Ajuda aos 9 dias do mês de setembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo de 1773. Fl. 3-6. AEAM, Seção de Governos Episcopais. Governo de Dom Bartolomeu<br />

Manoel Mendes dos Reis (1773-1779). Arquivo 1, Gaveta 3, Pasta 2. Diversos.<br />

Texto integrante dos A<strong>na</strong>is do XIX Encontro Regio<strong>na</strong>l de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

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