PLATONISMO CRISTÃO? QUE PLATONISMO? - PUC-Rio
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Miguel Spinelli<br />
há uma reversão de pontos de vista e de significados. As expressões são<br />
semelhantes, por vezes até as mesmas, inclusive o conteúdo, mas<br />
manifestam uma mentalidade completamente distinta. Também a<br />
mensagem que quer veicular e os propósitos que quer alcançar são<br />
diferentes. Quando ele diz, por exemplo, no trecho citado, que quem<br />
escolheu o "caminho do bem (...) eleva-se acima das coisas visíveis a fim<br />
de apegar-se às estáveis", todos esses termos – bem, elevação, coisas<br />
visíveis e coisas estáveis – assumem significados muito diferentes.<br />
Vejamos: no que se refere ao bem (no sentido de bem supremo), em<br />
Platão, ele expressa, digamos assim, uma idéia reguladora do pensamento<br />
ético e da ação; já em Gregório, além de prescrever um caminho ético (pois<br />
indica a obrigação de um agir moral segundo os ditames da doutrina cristã),<br />
designa, em última instância, o próprio divino (tido como o juiz supremo de<br />
toda ação). No que diz respeito à elevação prescrita por Platão, ela tem um<br />
sentido prioritariamente gnosiológico, enquanto que, em Gregório, persiste<br />
sempre a conotação moral. Por kátharsis, Platão concebe uma forma de<br />
conter o arrebatamento das paixões ou as inclinações intensas<br />
da alma: afetivas e sensuais. Gregório, por sua vez, não fala propriamente<br />
de paixões da alma, mas da carne . É pela purificação da carne<br />
(através do batismo e pela observância dos mandamentos divinos) que o<br />
cristão se torna iluminado, e, assim, em condições de ver "a luz divina". Isso<br />
está claro, por exemplo, no elogio que Gregório fez ao seu confrade Basílio<br />
(em oração fúnebre dedicada ao amigo): ao dizer que Basílio "domesticou a<br />
carne pela Filosofia" 10 , ele se referia não propriamente à dimensão da<br />
sensibilidade humana, em termos gnosiológicos, mas aos impulsos afetivos<br />
10 Discours. XLIII, 10, 508 A 25, p. 136 - Discours 42-43. Introduction, texte critique traduction et<br />
notes par Jean Bernardi. Paris: Les Éditions du CERF, 1992.<br />
162 Boletim do CPA, Campinas, nº 15, jan./jun. 2003