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Resumo: 10 a 15 linhas, com até cinco palavras-chave

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Fotojornalismo registra o fim de um patrimônio cultural: a desativação<br />

do antigo cemitério municipal de Frederico Westphalen-RS<br />

Fernanda Kieling Pedrazzi 1<br />

Leandro Antonio Kempka 2<br />

<strong>Resumo</strong><br />

Em agosto de 2007 foi dado início ao projeto “Visita ao Antigo Cemitério Municipal de<br />

Frederico Westphalen-RS” que buscava registrar através de fotografias o estado precário e<br />

de abandono que se encontrava um patrimônio cultural da cidade de Frederico Westphalen,<br />

localizada no noroeste do Rio Grande do Sul: o seu antigo cemitério municipal. Professora<br />

e aluno do Curso de Jornalismo, a partir de princípios do fotojornalismo e da fotografia,<br />

passaram a visitar regularmente o antigo cemitério para captar imagens. Entre as certezas a<br />

de que “memória é um elemento fundamental na construção da identidade” (CORREA &<br />

FREITAS, 2005, p. 23). O rumo do trabalho muda quando, através de um decreto<br />

municipal no 221/2007, de 8 de outubro de 2007, a prefeitura do município decide cumprir<br />

a desativação do local, prevista em outro decreto municipal, de 1985, é determinado o fim<br />

do cemitério. O referido documento dispunha sobre a trasladação dos “despojos do antigo<br />

cemitério”. A partir daí o objeto da pesquisa passa a ser a documentação da retirada e<br />

mudança dos restos mortais e o destino da área de 6.400 m 2 , localizada no Bairro Fátima,<br />

na região central de Frederico Westphalen.<br />

Palavras-<strong>chave</strong>: Cemitério, documento, fotografia, Frederico Westphalen, memória,<br />

Patrimônio Cultural.<br />

Introdução<br />

A fotografia remete a um referente real que pode ser pessoa ou um objeto. O<br />

fotógrafo que sabe trabalhar <strong>com</strong> emoção, sensibilidade e técnica consegue reproduzir o<br />

real e através da fotografia congela um dado momento, fazendo <strong>com</strong> que o acontecimento<br />

fuja do esquecimento. Mas a imagem congelada na fotografia não exclui a palavra, ela<br />

pode, isso sim, <strong>com</strong>plementá-la, considerando-a carregada de sentido.<br />

Como o nome já diz, fotografar é escrever <strong>com</strong> a luz. E dessa escrita pode-se fazer<br />

jornalismo. O fotojornalismo nasce da fotografia, e deseja ser um registro, uma forma de<br />

testemunhar da vida. Entre as possibilidades do fotojornalismo estão as fotografias<br />

documentais e as foto reportagens.<br />

Sem levar em conta a manipulação de fotografias e as questões éticas sobre o que é<br />

verdade ou inverdade, a fotografia <strong>com</strong>o registro jornalístico traz o espontâneo, o realismo,<br />

o que muitas vezes choca. Para Côrrea & Freitas (2005, p. 23) “uma das questões<br />

1 Mestre, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen, RS<br />

2 Acadêmico de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus<br />

Frederico Westphalen, RS


contemporâneas que se apresenta à fotografia é a exploração da paisagem urbana”. Com o<br />

projeto “Visita ao Antigo Cemitério Municipal de Frederico Westphalen - RS” foi possível<br />

exercitar o registro de acontecimentos, tendo a imagem <strong>com</strong>o um testemunho de um<br />

movimento de desativação de um cemitério.<br />

Ilustração 1 – Entrada do antigo cemitério municipal de Frederico Westphalen em 30 de<br />

agosto de 2007. Foto de Fernanda Kieling Pedrazzi<br />

Com a foto o olhar jornalístico ganha lente de aumento. Das primeiras reportagens<br />

de guerra no século XIX, às revistas ilustradas chegando aos dias de hoje, o fotografável<br />

ganha amplitude. Do interesse pelo exótico, curioso, diferente chega-se ao documento.<br />

Embora muda, a fotografia fixa, admite uma volta infinita ao ponto de<br />

observação, uma contemplação detida, longa, múltipla e repetida. A<br />

imagem pode ser lida <strong>com</strong>o um mosaico que muda constantemente de<br />

configuração, à medida que o olhar perpassa através dos planos e grãos,<br />

conforme o distanciamento em que a fotografia é colocada ou do grau de<br />

ampliação que dela se faz. (FLUSSER, 1985, p.11)<br />

O trabalho de fotografar um espaço abandonado, esquecido, <strong>com</strong>eçou a ser<br />

desenvolvido <strong>com</strong> o enfoque de apenas ser um registro fotográfico temporal e passou a ser<br />

mais amplo <strong>com</strong> os novos fatos relacionados ao tema: um decreto municipal e um edital de<br />

chamamento público. Assim, o trabalho acadêmico rompe fronteiras não sendo apenas a<br />

captação da imagem do cemitério abandonado para ser também, e principalmente, ser o<br />

registro da memória de toda uma cidade, um documento histórico. Com isso criam-se as<br />

condições de documentar um momento único: o fim de um patrimônio cultural. Segundo<br />

Côrrea & Freitas (2005, p. 23) “as cidades, assim <strong>com</strong>o as pessoas, são feitas de suas<br />

memórias”.


O antigo cemitério de Frederico Westphalen foi escolhido <strong>com</strong>o objeto de pesquisa<br />

de um trabalho acadêmico por ser uma temática de interesse público, relacionado à<br />

memória da população, e também polêmica, por se tratar de um local sagrado, pelo menos<br />

para aqueles que cultivam a crença cristã. Além disso, a memória de pelo menos 342<br />

pessoas ainda enterradas no local estava em questão. O a<strong>com</strong>panhamento do processo de<br />

desativação do cemitério deu a certeza de que nenhum detalhe da memória frederiquense<br />

seria deixado de fora das lentes.<br />

Já nas primeiras visitas pode-se observar que o local possuía túmulos destruídos e<br />

vias internas em péssimo estado de conservação. Assim o registro fotográfico através do<br />

projeto, levando em conta os estudos sobre fotojornalismo, foi necessário para tornar<br />

pública a necessidade de medidas urgentes, do contrário toda a memória dos primeiros<br />

habitantes de Frederico Westphalen, ali enterrados, seria perdida.<br />

A fotografia exige uma constante modificação da paisagem para sua<br />

documentação. Essa condição ambígua do fotógrafo para <strong>com</strong> seus<br />

objetos é intrigante: ao mesmo tempo em que ele necessita preservar<br />

memórias, seu trabalho exige a mutabilidade da paisagem para novos<br />

registros. (CÔRREA & FREITAS, 2005, p. 25)<br />

Assim o objetivo principal do trabalho era documentar a área referente ao antigo<br />

cemitério para depois dar publicidade à <strong>com</strong>unidade dos resultados do projeto através de<br />

uma futura exposição que, pretende-se, case imagens e texto, mostrando a realidade em que<br />

se encontrava o cemitério entre os anos de 2007 e 2008.<br />

Entre os objetivos secundários deste trabalho estava a pesquisa da história do local,<br />

o registro da voz dos cidadãos sobre o tema, o levantamento da opinião dos moradores da<br />

cidade sobre a desativação do cemitério e a visualização de um projeto para a área.<br />

Objeto das lentes<br />

O objeto da pesquisa é um cemitério abandonado, sem sepultamentos há mais de 25<br />

anos, que tinha sido há muito tempo deixado de lado e que continha vegetação a esconder<br />

os jazigos que ainda faziam-se em pé.<br />

O antigo cemitério municipal de Frederico Westphalen, no Noroeste do Rio Grande<br />

do Sul, ficava situado no centro do perímetro urbano da cidade.<br />

Considerando a desativação ocorrida através do Decreto no 045, de 21 de<br />

agosto de 1985, do antigo cemitério, situado no Lote Urbano no 3, quadra<br />

“64”, <strong>com</strong> área de 6.400m2, no quarteirão formado pelas ruas Vicente<br />

Dutra, Guararapes e Tamoio, no Bairro Fátima, pertencente ao município,<br />

conforme matrícula no 16.321 do C.R.I de Frederico Westphalen<br />

(DECRETO No 224/2007)


Até o segundo semestre de 2007 jaziam ali os restos mortais de cerca de 342<br />

pessoas, segundo dados apurados pela Prefeitura. Eram cidadãos frederiquenses, que<br />

fizeram parte da história de Frederico, suas conquistas e seus sabores.<br />

Com o tempo, o local tornou-se um lugar de esquecimento e abandono por vários<br />

setores da sociedade: família, poder público, iniciativa privada. Dois terços das sepulturas<br />

sequer tinham identificação, ficando uma incógnita sobre a existência ou não de vestígios<br />

de um corpo. Uma realidade que envolve questões sociais e <strong>até</strong> mesmo religiosas. O desafio<br />

estava lançado.<br />

Durante a execução da pesquisa, a equipe formada por professor e aluno além de<br />

fotografar o local realizou entrevistas <strong>com</strong> vizinhos do cemitério, poder público e cidadãos<br />

em geral. Convidados a dar sua opinião sobre o cemitério eles apontavam dois lados de<br />

uma mesma questão: a desativação ou preservação do local.<br />

Ilustração 2 – Memória e descaso: lado a lado o passado e o presente, em 30 de agosto de<br />

2007. Foto de Fernanda Kieling Pedrazzi<br />

Nas várias visitas ao Antigo Cemitério foram realizadas mais de duas mil<br />

fotografias que retraram diferentes momentos: dos vestígios de um cemitério <strong>com</strong>um, <strong>com</strong><br />

seus túmulos e adornos, ao abandono a desocupação. Para Machado (2004, p. 36) as<br />

fotografias são indícios de uma determinada época e por isso possibilita uma retomada da<br />

história.<br />

Ao longo dos anos de 2007 e 2008, enquanto o projeto estava sendo desenvolvido,<br />

houve uma troca permanente de informações entre a Prefeitura de Frederico Westphalen e o<br />

acadêmico e a orientadora.<br />

No período vigente do Edital de Chamamento Público (No 001/2007, de 7 de<br />

novembro de 2007) publicado pelo poder executivo, enquanto os cidadãos faziam a retirada<br />

e traslado dos restos mortais do cemitério foram feitas fotografias que trazem imagens de<br />

situações delicadas.


Ilustração 3 – Família Millani desenterra o patriarca, em 28 de fevereiro de 2008. Foto de<br />

Fernanda Kieling Pedrazzi<br />

Entre os documentos mais tocantes estão as imagens do desenterro de um pai por<br />

sua família, bem <strong>com</strong>o os vestígios de quem ali esteve: as covas abertas de modo<br />

permanente, ossadas aos pedaços, roupas, sapatos, dentaduras, objetos pessoais... O que<br />

outrora era intacto e escondido agora estava ficava extravasado.<br />

Ilustração 4 – Parte de um crânio desenterrado no antigo cemitério de Frederico<br />

Westphalen, em 24 de março de 2008. Foto de Fernanda Kieling Pedrazzi<br />

Situações <strong>com</strong>o a retirada de um corpo intacto, onde se podia observar <strong>até</strong> a pele,<br />

ser desenterrado e depois dobrado em frente a câmera fazem do trabalho fotojornalístico<br />

uma tarefa que mistura prazer e sensações de desconforto.


O trabalho frenético de abertura de túmulos e jazigos realizado por duas empresas<br />

funerárias licitadas pela Prefeitura foi destaque no período de desativação definitiva.<br />

Já no mês de março de 2008, e já findo o prazo dado para que os familiares<br />

retirassem os restos de seus entes, a frieza do trabalho formal prestado pela Prefeitura toma<br />

conta do local.<br />

Utilizando-se somente de luvas e uma máscara do tipo cirúrgica, paulatinamente os<br />

homens contratados abriam os túmulos, os esvaziavam e iam enchendo a carroceria de um<br />

caminhão <strong>com</strong> aquilo que sobrou das pessoas ali enterradas.<br />

Entre sacos azuis e pretos histórias de vida eram ensacadas, levadas a outro<br />

endereço, sem nem mesmo a presença de seus familiares.<br />

Ilustração 5 – Funerárias locais retiram nos túmulos o que restou no cemitério central, em<br />

24 de março de 2008. Foto de Fernanda Kieling Pedrazzi<br />

Dessa forma a equipe da pesquisa a<strong>com</strong>panha a morte de um cemitério destruído,<br />

depredado e antes freqüentado <strong>até</strong> mesmo por vândalos, no período noturno, <strong>com</strong> o<br />

transporte em definitivo dos enterrados para um novo local, sagrado cercado e limpo.<br />

Métodos e técnicas utilizados<br />

Para o registro das imagens foi escolhida uma câmera Nikon D40 de <strong>10</strong> megapixels.<br />

O aluno do Curso de Comunicação Social e a professora realizaram a captação das imagens<br />

ao longo de 14 meses, ampliando os olhares sobre o objeto pesquisado. As últimas<br />

fotografias foram capturadas no mês de outubro, quando <strong>com</strong>pletava um ano da data do<br />

decreto 221/2007.<br />

Os depoimentos da <strong>com</strong>unidade, de moradores e de representantes do poder publico,<br />

foram gravados em forma de entrevista em gravador digital. Após a decupagem do


material, as informações foram analisadas qualitativamente, sendo <strong>com</strong>provado o abandono<br />

do antigo cemitério de Frederico Westphalen.<br />

Ilustração 6 – O terreno do cemitério já desativado, depois de um ano do decreto. Em pé a<br />

cruz e alguns poucos sepulcros, em 19 de outubro de 2008. Foto de Fernanda Kieling<br />

Pedrazzi<br />

No período em que o trabalho desenvolveu-se também foi feita uma pesquisa de<br />

Opinião Pública sobre o tema, utilizando-se de perguntas fechadas e abertas. Os<br />

questionários foram aplicados previamente na vizinhança do local e posteriormente<br />

ampliado e aplicado junto a <strong>com</strong>unidade em geral em um ponto central da cidade. Os<br />

resultados deste levantamento mostraram a insatisfação do povo <strong>com</strong> a desativação do<br />

cemitério e apontaram alternativas para o uso futuro da área, que ainda não está definido<br />

pelo poder público.<br />

Um próximo passo da prefeitura municipal será realizar um estudo de viabilidade de<br />

ocupação da área que abrange quase um quarteirão, sendo importantes os dados já<br />

levantados para apontar um norte para as futuras pesquisas.<br />

Considerações finais<br />

Nas últimas visitas ao antigo cemitério constatou-se que o abandono continua.<br />

Apesar dos restos mortais terem sido retirados, e grande parte das construções terem sido<br />

eliminadas ainda restam em pé algumas edificações em situação bem precária.


O trabalho fotojornalístico teve maior intensidade no período em que estava vigente<br />

o edital de chamamento público e logo após seu término, quando, em março, foi feita a<br />

retirada dos despojos mortais de maneira acelerada.<br />

Durante a execução do trabalho o acadêmico teve grande entusiasmo na captação<br />

das imagens tanto pela qualidade alcançada pelo material <strong>com</strong>o também pela curiosidade<br />

que gera a temática.<br />

Um dos méritos do trabalho foi quebrar paradigmas na sociedade quanto ao trabalho<br />

fotográfico de um cemitério.<br />

Referências bibliográficas<br />

BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.<br />

BUSSELE, Michael. Tudo sobre fotografia. São Paulo: Pioneira, 1982.<br />

CORREA, Ayrton D. & FREITAS, Mariana M. Fotografia e paisagem urbana. In:<br />

Expressão – revista do Centro de Artes e Letras. Santa Maria: UFSM, (1), Jan/jun. 2005.<br />

DECRETO 224/2007, de 8 de outubro de 2007. Dispõe sobre a trasladação dos despojos do<br />

antigo cemitério e dá outras providências. Frederico Westphalen, RS, 2007.<br />

EDITAL de chamamento público No 001/2007, de 7 de novembro de 2007. Frederico<br />

Westphalen, RS, 2007.<br />

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: HUCITEC, 1985.<br />

MACHADO, M. B. P. Educação patrimonial. Caxias do Sul, RS: Maneco Livr & Editora,<br />

2004.<br />

MENEGHEL,Stela et al. Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos.<br />

Revista História, Ciências, Saúde . Manguinhos, Rio de Janeiro, 200?.<br />

PREFEITURA Municipal de Frederico Westphalen. Histórico. Disponível em<br />

http://www.fredericowestphalen.rs.gov.br/html Acesso em 21/11/2007.<br />

VANOYE, Francis. Usos da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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