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Os Noivos, de Artur Azevedo - BEMaior

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O Zeferino esperava a confidência do conteúdo; mas o fidalgo, apesar da nobilitação do sargento-mor,<br />

continuava a consi<strong>de</strong>rá-lo o pedreiro que lhe fizera os canastros e reconstruíra as pare<strong>de</strong>s da cozinha. Não estava<br />

assaz bêbedo para confidências.<br />

– Conta lá o que te aconteceu, Zeferino. – E sentando-se, meteu o saca-rolhas à botija <strong>de</strong> Holanda.<br />

O Zeferino contou tudo com muita particularida<strong>de</strong>. Descreveu a figura do rei, as barbas que metiam<br />

respeito; pausava com eles os dizeres, dando ao braço direito, com a mão aberta, um movimento compassado.<br />

Repetiu, piorados na forma, os elogios que o Sr. D. Miguel fizera ao seu amigo Cerveira; que, quando estava a<br />

escrever. perguntou se o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Quadros tinha Limos.<br />

O fidalgo sentia muita se<strong>de</strong>. Misturava <strong>de</strong> meias a genebra com água açucarada. E ao passo que lhe sorriam<br />

as alvoradas do seu mundo fantástico, e as trevas da razão se <strong>de</strong>steciam, crescia- lhe o interesse na narrativa do<br />

pedreiro. Reperguntava pormenores já respondidos. Não havia já no seu espírito passageira sombra <strong>de</strong> dúvida. Era o<br />

seu amigo D. Miguel quem estava em São Gens <strong>de</strong> Calvos; e, se ele fizera coronel o plebeu das Lamelas e sargentomor<br />

o pedreiro, foi <strong>de</strong>certo com a intenção <strong>de</strong> o obsequiar a ele, para lhe mostrar com que prazer recebera a sua<br />

carta.<br />

– Sua Majesta<strong>de</strong> disse-me que estimava lá ver-me com outra carta do Senhor Con<strong>de</strong>, enquanto não ia lá<br />

abraçá-lo – esclareceu Zeferino.<br />

– Tens <strong>de</strong> lá ir amanhã. Aparece cedo.<br />

– Pronto, senhor.<br />

– Mas, se vais para casa, passa pelos Pombais e dá parte ao padre Rocha que preciso falar-lhe hoje à noite<br />

ou amanhã cedo.<br />

O padre Rocha preferiu vir <strong>de</strong> manhã, antes dos transportes cívicos do tenentecoronel. Repugnava-lhe o<br />

ébrio e professava uma sincera compaixão pelo homem.<br />

Pouco <strong>de</strong>pois do Sol nado, o capelão <strong>de</strong> D. Andresa estava em Quadros com um gran<strong>de</strong> interesse. Queda<br />

salvar o vizinho <strong>de</strong> uma ratoeira armada ao seu dinheiro, ou convencer-se <strong>de</strong> que realmente o príncipe proscrito<br />

estava no concelho da Póvoa <strong>de</strong> Lanhoso.<br />

Chegara um pouco tar<strong>de</strong>. O Cerveira Lobo já tinha matado o bicho copiosamente, um bicho muito antigo,<br />

invulnerável, que não se afogava em pouca genebra.<br />

– Não há dúvida, padre Rocha! Cá está o homem! – exclamou o fidalgo.<br />

– Mau! – disse consigo o padre, quando lhe apanhou em cheio as inalações alcoólicas do bafo. – Então é<br />

certo, Sr. Tenente-Coronel?<br />

– Se me quer chamar o que eu sou, amigo padre Rocha, chame-me general e con<strong>de</strong>. Veja.<br />

– Oh! sim? Muitos parabéns, Senhor Con<strong>de</strong>, muitos parabéns! Quanto folgo! – e lia o sobrescrito.<br />

– Po<strong>de</strong> abrir e leia alto!<br />

– Muito boa forma <strong>de</strong> letra, sim senhor... É do próprio punho do Sr. D. Miguel?<br />

– Leia e verá. É <strong>de</strong>le mesmo. Conheço a assinatura muito bem. Tal qual, sem tirar nem pôr. Vai um copito?<br />

– perguntava com a botija inclinada sobre o cálice.<br />

– Muito obrigado a V. Ex.a Tenho <strong>de</strong> dizer a missa à Srª D. Andresa às <strong>de</strong>z horas.<br />

– Leia lá então. Olhe que o nosso homem estudou. Explica-se muito sofrivelmente. Veja o padre que espiga<br />

se eu lhe mando uma carta escrita para aí à-toa, Fiem? Bem diz a Nação que ele andava a estudar lá por fora.<br />

– Se dá licença, leio – interrompeu o padre com impaciência curiosa.<br />

– Vá lá! – e puxou a ca<strong>de</strong>ira e a botija para junto do capelão.<br />

Velho, honrado e leal amigo, Vasco da Cerveira Lobo, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Quadros e general dos meus exércitos. Eu<br />

El-Rei vos envio muito saudar. Não po<strong>de</strong>is imaginar o gran<strong>de</strong> prazer que senti quando ouvi o vosso nome e o li<br />

escrito no final da vossa mais que todas preciosíssima carta.<br />

– Fiem? – interrompeu o Cerveira.<br />

– Muito bem – e prosseguiu lendo:<br />

Muitas vezes me lembrou no <strong>de</strong>sterro <strong>de</strong> onze anos o vosso nome, porque não podia esquecer o <strong>de</strong> um<br />

amigo que tão <strong>de</strong> perto conheci e tanto me acompanhou nas alegrias da minha mocida<strong>de</strong>.<br />

– Eu não lhe disse, padre, que o rei e mais eu tínhamos feito pân<strong>de</strong>gas rasgadas quando éramos rapazes?<br />

– Sim, senhor, V. Exª tinha-mo dito.<br />

– Ora aí tem, eu nunca minto. Ah! que bambochatas! – e recordava-se com os olhos num espasmo entre a<br />

sauda<strong>de</strong> e as iniciativas da borracheira.<br />

– Continuo, se V. Exª permite.<br />

– An<strong>de</strong> lá; Quem te viu e quem te vê, Cerveira Lobo! – disse com tristeza, muito abatido.<br />

Padre Rocha encarava-o com pieda<strong>de</strong>, sentia ânsias <strong>de</strong> abraçá-lo, e dizer-lhe:<br />

– An<strong>de</strong> lá. Leia, que o melhor está para baixo.

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