Aqui - Sapo

28 Paul Theroux
* * *
Na South Station, com a pele enrugada por causa do frio entorpecedor,
apareceram alguns amigos. O vapor surgia de baixo
do comboio, pelo que os meus amigos pareciam materializar-se
entre a neblina, seguidos pelas nuvens da sua própria respiração.
Bebemos champanhe em copos de papel e demos pequenos saltos
para nos mantermos quentes. A minha família apareceu acenando.
Com a excitação, o meu pai esqueceu-se do meu nome;
mas os meus irmãos estavam calmos, um irónico, o outro fitando,
com os olhos semicerrados, um jovem magro na plataforma
e dizendo: «Um pouco de lavanda, Paul... olha, ele vai subir!»
Subi para o comboio e disse adeus aos que tinham vindo
despedir-se. À medida que o Lake Shore Limited se afastava da
plataforma 15, senti-me como se estivesse ainda num estado
provisório, como se todos saíssem pouco tempo depois e eu fosse
o único a ficar no comboio até ao final da linha.
Era uma presunção agradável, mas guardei-a para mim. Se
um estranho me perguntasse onde ia, diria que a Chicago. Em
parte, era uma superstição — parecia-me que daria azar, logo
no início da viagem, revelar o meu destino preciso. Era também
para evitar surpreender quem me perguntasse por um nome absurdo
(Tapachula, Manágua, Bogotá) ou despertar a curiosidade
e desencadear um interrogatório. Em qualquer caso, estava
ainda em casa, tudo me era familiar: as inclinadas traseiras das
casas de pedra avermelhada da cidade, a solenidade ridícula dos
pináculos da Universidade de Boston e, do outro lado do gelado
rio Charles, os campanários brancos de Harvard, que na sua
fragilidade se assemelhavam a tentativas falhadas de torres de
marfim. O ar estava frio e límpido e carregava consigo o grito
do apito do comboio através de Back Bay. Os apitos dos comboios
americanos têm uma mudança de tom agridoce, e o mais
insignificante dos comboios toca essa nota solitária de uma forma
perfeita para os sonhadores que se encontram ao longo dos
carris. É o que em música se chama uma terceira diminuta: Hú-
-uí! Hú-uí!