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O Lake Shore Limited<br />
Era evidente que naquela carruagem de metropolitano um<br />
de nós não ia para o trabalho. Notava-se imediatamente pelo tamanho<br />
da mala. Pode sempre reconhecer-se um fugitivo pela<br />
sua vaga expressão de presunção: parece ter um segredo na boca<br />
— como se estivesse prestes a rebentar um balão. Mas porquê<br />
fazer-me de tímido? Acordara no meu velho quarto, na casa onde<br />
passara a maior parte da minha vida. A neve acamava-se espessa<br />
em volta da casa, e havia pegadas de um lado ao outro do<br />
jardim até ao caixote do lixo. Um nevão acabara de passar,<br />
outro era esperado para breve. Tinha-me vestido e atado os sapatos<br />
com um cuidado maior do que o habitual; deixei uma<br />
penugem no lábio superior preparando um futuro bigode. Apalpando<br />
os bolsos para ter a certeza de que a esferográfica e o passaporte<br />
estavam a salvo, desci as escadas, passei pelo soluçante<br />
relógio de cuco da minha mãe e segui para Wellington Circle<br />
para apanhar o comboio. O frio gélido paralisava, a manhã era<br />
perfeita para partir rumo à América do Sul.<br />
Para alguns, este era o metro para a Sullivan Square, a Milk<br />
Street ou, quando muito, Orient Heights; para mim, era o comboio<br />
para a Patagónia. Dois homens falavam baixo numa língua<br />
estrangeira; havia outros com marmitas com o almoço, malas<br />
e pastas, e uma senhora com um saco enrugado de uma loja, in-