Leia mais... - De Sambas e Congadas
Leia mais... - De Sambas e Congadas
Leia mais... - De Sambas e Congadas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
~ 70 ~<br />
to cuidado com a bebida ingerida durante a festa.<br />
O próprio seu Antônio ficou conhecido como feiticeiro na região de Cunha, embora tenha<br />
sido por um engano, uma confusão. Ele conta que, certa vez, estava acontecendo um Jongo na casa de<br />
um de seus cunhados e, de repente chegou Dito Gustavo, temido jongueiro da localidade. Sabendo<br />
que Dito tentaria dar pinga “temperada” aos jongueiros da roda, seu Antônio pegou uma garrafa de<br />
pinga dentro da casa de seu cunhado e escondeu em baixo do paletó que vestia. Então puxou conversa<br />
com Dito Gustavo, pediu um pouco da pinga dele para beber e, ao pegar a garrafa do jongueiro, sem<br />
que este percebesse, trocou pela garrafa que trazia no paletó, com a pinga “limpa”. Seu Antônio bebeu<br />
um gole e ofereceu aos de<strong>mais</strong> jongueiros da roda, que, mesmo com medo, beberam a pinga. E o final<br />
da história, seu Antônio nos conta:<br />
<strong>De</strong>sse dia em diante eu fiquei o maior feiticeiro na boca deles. Porque eu joguei a pinga dele fora,<br />
num pegô ninguém. Ele queria que pegasse, não pego ninguém, aí ele achô que eu era feiticeiro.<br />
Aí cobraro medo de mim. Se eu tivesse cantando, chegava aí e parava o tambu e cantava, eles<br />
sumia do jongo. Era triste.<br />
Seu Antônio menciona que eram muitas as histórias contadas antigamente sobre feitiços ocorridos<br />
nos terreiros em que o Jongo era dançado. <strong>De</strong>ntre estas histórias está aquela que descrevemos<br />
no início deste capítulo, do crescimento de uma bananeira durante a celebração, assim como relatos<br />
sobre tatus que chegava na roda de Jongo com “carotinha” de pinga presa nas costas. Nestas histórias,<br />
seu Antônio diz não crer, apenas diz que acredita no que viu: um jongueiro derrubar o outro.<br />
Para seu José Bideco estes feitiços eram a parte ruim do Jongo, o que inibia muitos jongueiros<br />
de continuar participando da festividade. Por outro lado, seu José ressalta o lado bom do Jongo antigo:<br />
os desafios cantados com muito respeito, sem conflitos, mas em tom de brincadeira. O jongueiro men-<br />
ciona que muitas vezes um ponto cantado seguia<br />
por quase toda a noite por falta de alguém que o<br />
desatasse. Era comum que, no dia seguinte, o jongueiro<br />
que propôs o desafio cantado desvendasse<br />
o enigma para seus colegas. Quando o ponto<br />
era desatado no momento da celebração, era uma<br />
“festa”, uma alegria entre os jongueiros presentes.<br />
Nas festas em que há o Jongo em Cunha<br />
nos dias atuais não ocorre <strong>mais</strong> este tipo de feitiço,<br />
tampouco conflitos, como ressalta seu José<br />
Bideco: “Meu pai falava: meu fio, num entra meu<br />
fio, que é perigoso. Hoje não tem maldade <strong>mais</strong>,<br />
hoje cê canta e ninguém faz nada, que é brincadeira<br />
mesmo, é jongueiro ensaiando só.” Muita<br />
coisa mudou dos tempos antigos, hoje são três os<br />
jongueiros na cidade de Cunha que cantam pontos<br />
no Jongo: Antônio Monteiro, Lico Sales e Zé<br />
Barbinha. Os de<strong>mais</strong> participantes dos encontros<br />
de Jongo na cidade apenas repetem o que foi cantado<br />
em côro e dançam. Muitos jongueiros atuais<br />
são também integrantes da Congada de São Benedito<br />
chefiada por seu José Bideco.<br />
No entanto, os saberes de outrora se mantém<br />
na memória dos jongueiros, assim como em<br />
seus fazeres, como é o caso da fabricação artesanal<br />
do tambu, descrita por seu Antônio Monteiro:<br />
A gente escolhe, quando acha no mato,<br />
o pau que tem oco. A gente corta ele do<br />
tamanho certo do tambu, limpa ele bem<br />
limpinho por dentro e prega o couro. O<br />
couro dele não tem coisa de acoxá não,<br />
o fogo que dá o som dele (...) o couro<br />
é pregado, móia o couro bem moiado,<br />
deixa ele bem molinho e depois vai pregando,<br />
esticando ele, e deixa secá, aí ele<br />
dá o som.