Leia mais... - De Sambas e Congadas
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“velhas estórias de magias” registradas por Borges<br />
Ribeiro, e citadas por Slenes, descreve uma<br />
ocasião em que dois jongueiros se encontraram,<br />
tocaram tanto os tambús, fizeram tantas peripécias,<br />
“que o chão afundou no lugar dos dois tambús”<br />
(RIBEIRO apud SLENES, 2007, p.148). Esta<br />
história sugere uma metáfora para o ato de cavar,<br />
de se encontrar com o outro mundo: “O tambor<br />
é um canal poderoso para o outro mundo, mas<br />
o jongueiro cumba é quem comanda a ação e é<br />
responsável, no final, pela realização dessa comunicação<br />
através do instrumento.” (SLENES, 2007,<br />
p.150)<br />
O etnomusicólogo Paulo Dias (2001)<br />
abordou a relação das comunidades jongueiras<br />
com seus tambores, e traçou sua proximidade com<br />
a percepção do tambor na África tradicional, em<br />
que este instrumento era significado como capaz<br />
de estabelecer a união dos seres humanos entre si<br />
e também em relação às entidades divinas. Contudo,<br />
o tambor é considerado um ser animado,<br />
um instrumento que carrega consigo princípio de<br />
vida. Dias explica-nos que os jongueiros do Sudeste<br />
utilizam o termo ingoma para se referir aos<br />
instrumentos, ao grupo, bem como ao encontro<br />
musical. <strong>De</strong>sse modo, o autor esclarece a relação<br />
do uso deste termo com a palavra ngoma, que na<br />
cultura banto-africana significa tambor. Além de<br />
ocupar o lugar de instrumento central do festejo,<br />
o tambor ainda é capaz de intermediar a relação<br />
entre os batuqueiros e seus antepassados, agregando<br />
forças místicas. Um exemplo desta relação<br />
é a reverência às almas dos antepassados por<br />
meio dos pontos de louvação, que prestam homenagem<br />
a jongueiros que já faleceram. <strong>De</strong> acordo<br />
com Dias, o ato de passar cachaça no couro dos<br />
tambores tem o significado de nutrir, reverenciar,<br />
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os espíritos que ali estão no momento do Jongo. Como afirma o autor, a cachaça ritualizada é capaz de<br />
promover um elo entre o tambor, seu tocador e os antepassados.<br />
Contemporaneamente, além de louvar os ancestrais, por meio do Jongo a tradição se fortalece,<br />
e a identidade das comunidades que o praticam também. Como observamos no dossiê “Jongo<br />
no Sudeste”, em muitas localidades o Jongo deixou de ser praticado em decorrência de fatores como<br />
a urbanização, as constantes migrações do campo para a cidade, assim como o falecimento de jongueiros<br />
antigos sem deixar sucessores, dentre outros. Entretanto, permaneceu presente em diferentes<br />
localidades, memória viva dos tempos da escravidão e elemento capaz de fortalecer a identidade e<br />
autoestima de suas comunidades produtoras.<br />
Para a elaboração da pesquisa, a equipe do projeto “<strong>De</strong> <strong>Sambas</strong> e <strong>Congadas</strong>” entrou em contato<br />
com jongueiros de três cidades paulistas: Guaratinguetá, Cunha e São Luiz do Paraitinga. <strong>De</strong>sta<br />
feita, nas páginas seguintes serão apresentados o “Jongo do Tamandaré” da cidade de Guaratinguetá,<br />
o “Jongo de Antônio Monteiro” de Cunha, e o “Jongo de São Luiz do Paraitinga”.