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página<br />
Opinião<br />
GUaÍBa – Uma reLação<br />
de 200 anos<br />
o arquiteto e urbanista Bruno cesar euphrasio de mello, mestre <strong>em</strong> Planejamento Urbano e regional,<br />
convida à reflexão sobre despejo de esgoto, água potável e 200 anos de relação com o Guaíba<br />
“Este artigo é uma breve reflexão sobre a relação de Porto Alegre<br />
com as águas do lago Guaíba, mais especificamente no que tange à captação<br />
para consumo e ao despejo do esgoto da capital gaúcha <strong>em</strong> suas<br />
águas. E para iniciá-la volt<strong>em</strong>os no t<strong>em</strong>po, para o início do século XIX.<br />
O francês Auguste Saint-Hilaire foi botânico, explorador e, com<br />
o intuito de “estudar a flora brasileira e formar coleções de história<br />
na tural” (1) , fez extensas incursões pelo País. Percorreu uma série de<br />
es tados brasileiros, entre eles o Rio Grande do Sul. Esteve <strong>em</strong> Porto<br />
Ale gre por duas t<strong>em</strong>poradas. A primeira no inverno de 1820, entre<br />
os meses de junho e de julho e, a segunda, no outono-inverno do<br />
ano de 1821, entre os meses de maio e julho. Estupefato com a relação<br />
da população da cidade com o Guaíba, faz, <strong>em</strong> seu diário, uma<br />
bre ve, porém importante, anotação. Escreve ele que “Apesar de ser<br />
o lago o único manancial de água potável utilizado pela população,<br />
con sent<strong>em</strong> que nele se faça o despejo das residências” (2) . Cont<strong>em</strong>poraneamente<br />
a relação da cidade com o lago parece não ter se modificado<br />
muito, apesar das atuais preocupações ecológicas e da pressão<br />
exercida pelos novos paradigmas ambientais. Senão vejamos.<br />
O ranking do saneamento realizado pelo Instituto Trata <strong>Brasil</strong> (3) ,<br />
com avaliação dos serviços nas 81 maiores cidade do País, d<strong>em</strong>onstra<br />
que a cidade de Porto Alegre está posicionada no 27º lugar, atrás de<br />
importantes capitais como Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Curitiba<br />
(PR), Goiânia (GO) e São Paulo (SP) e de municípios como Campi na<br />
Grande (PB), Niterói (RJ), Sorocaba (SP), Londrina (PR), dentre outros.<br />
O site do Departamento Municipal de Águas e Esgotos da capital<br />
do Rio Grande do Sul oferece uma série de dados acerca do tratamento<br />
do esgoto da cidade (4) . Indica que um pouco mais da metade da população<br />
é atendida pela rede de esgotamento cloacal e pluvial – são<br />
56%. Aponta, ainda, que a quantidade de esgoto realmente tratado<br />
<strong>em</strong> Porto Alegre é 20% do esgoto coletado da cidade. E o resto disso,<br />
a parte não tratada desse esgoto, vai para que lugar?<br />
Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociências da UFRGS,<br />
mestre <strong>em</strong> Geociências, doutor <strong>em</strong> Ecologia e coordenador do Atlas<br />
Ambiental de Porto Alegre, <strong>em</strong> ent<strong>revista</strong> ao portal de notícias do<br />
Jornal JÁ (5) , afirma que “o esgoto doméstico lançado diretamente no<br />
rio é um grave probl<strong>em</strong>a, por causa do enorme volume. Mas ele é<br />
biológico, ele se degrada. Pior é o industrial, que vai se acumulando<br />
<strong>em</strong> camadas no fundo, onde se depositam substâncias que se acumulam<br />
também no organismo, causando graves doenças”.<br />
Se o probl<strong>em</strong>a do lançamento do esgoto doméstico e industrial<br />
não fosse suficient<strong>em</strong>ente prejudicial à cidade a ponto de ser danoso<br />
da perspectiva ecológica, da balneabilidade, de espantar potenciais<br />
banhistas, de afastar o interesse dos cidadãos pelos esportes<br />
náuticos, como o r<strong>em</strong>o e a vela, o Guaíba é, também, o principal<br />
manancial de captação de água para abastecimento da cidade. Ainda<br />
segundo o DMAE, das sete estações de bombeamento da água<br />
bruta para abastecimento da cidade, seis faz<strong>em</strong> captação diretamente<br />
no Guaíba, <strong>em</strong> diversos pontos.<br />
Quase duzentos anos separam as impressões do botânico e viajante<br />
francês Auguste Saint-Hilaire das avaliações dos pesquisadores<br />
e dos dados oficiais do departamento municipal responsável pela<br />
administração da água e do esgoto de Porto Alegre. E o espanto<br />
acerca da relação da população com seu corpo d’água mais importante,<br />
com o fato de ser ele ao mesmo t<strong>em</strong>po o lugar do despejo do<br />
esgoto e da captação para abastecimento, permanece o mesmo.<br />
A que tipo e grau de contaminação e toxicidade estão expostos<br />
os habitantes da cidade ao consumir<strong>em</strong> água do local de despejo do<br />
esgoto doméstico e industrial de boa parte da região metropolitana<br />
de Porto Alegre? Por que os sucessivos administradores do poder<br />
público municipal não conseguiram ainda, <strong>em</strong> todo este t<strong>em</strong>po, resolver<br />
esta relação da cidade com o corpo d’água que a deu orig<strong>em</strong>?<br />
Esta é uma excelente pauta que unifica uma diversidade de bandeiras,<br />
a de uma nova relação com o Guaíba, de sua despoluição.<br />
Pod<strong>em</strong> unir-se a ela desde associações de bairro que lutam pelo saneamento<br />
básico <strong>em</strong> suas áreas, médicos que pod<strong>em</strong> acessar o probl<strong>em</strong>a<br />
desde a perspectiva da saúde pública, passando por ecologistas,<br />
além de arquitetos e urbanistas.<br />
O Projeto Integrado Socioambiental da Prefeitura de Porto Alegre<br />
pretende ampliar substancialmente a capacidade de tratamento de<br />
esgoto da capital até 2012. O investimento é grande e a meta futura<br />
é propiciar a balneabilidade do Guaíba até 2028. Torc<strong>em</strong>os para que<br />
não precis<strong>em</strong>os esperar mais.”<br />
(1) BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. O <strong>Brasil</strong> dos viajantes: um lugar no<br />
universo. São Paulo: Metalivros, 1994, p. 158.<br />
(2) SAINT-HILAIRE in, FILHO, Valter Antonio Noal e FRANCO, Sergio da Costa. Os<br />
viajantes olham Porto Alegre: 1754-1890. Santa Maria, Anaterra, 2004, p.44.<br />
(3) Ranking do Instituto Trata <strong>Brasil</strong> disponível <strong>em</strong><br />
.<br />
(4) Portal do DMAE, < http://www.portoalegre.rs.gov.br/dmae/>.<br />
(5) Portal de Notícias do Jonal JÁ, .<br />
Foto Ricardo Stricher/Arquivo PMPA