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Rafael da Silva Coelho - IV Conferência Internacional de História ...

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Título: Moe<strong>da</strong> e antigo sistema colonial no Brasil: final do século XVII.<br />

Nome: <strong>Rafael</strong> <strong>da</strong> <strong>Silva</strong> <strong>Coelho</strong><br />

Filiação Institucional: Departamento <strong>de</strong> <strong>História</strong> Econômica – FFLCH-USP.<br />

Correio eletrônico: rafael.silva.coelho@usp.br<br />

Uma lei que causou muita polêmica<br />

Semanas antes <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> lei monetária <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688, dois editais 1 são<br />

emitidos em Portugal para o esclarecimento <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s monetárias que vinha tomando o governo.<br />

Determinava um <strong>de</strong>stes editais, que as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro antigas corressem a peso: estabeleceu-se o<br />

pagamento <strong>de</strong> oitenta mil réis o marco, <strong>de</strong>z mil réis a onça e mil e duzentos réis a oitava.<br />

Complementando, regulava o pagamento <strong>de</strong> 4$400 réis pelas moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro com um cerceamento<br />

menor do que 10%, o que era estendido às meias moe<strong>da</strong>s e aos quartos. Sobre as moe<strong>da</strong>s cercea<strong>da</strong>s<br />

em 10% ou mais, pagar-se-ia “com <strong>de</strong>z por cento <strong>de</strong> vantagem ao peso que tiverem”. O edital<br />

incentivava a entrega <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s antigas na Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, pois todos aqueles que apresentassem<br />

moe<strong>da</strong>s cercea<strong>da</strong>s receberiam um ganho em réis <strong>de</strong> até 10%. O outro edital estabeleceu o pagamento<br />

<strong>de</strong> juros <strong>de</strong> 5% (“ven<strong>de</strong>r juros a cinco por cento nas Casas do Infantado, Bragança, Junta do<br />

Commercio e Tabaco”) para as moe<strong>da</strong>s antigas que fossem entregues na Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>. Estes juros<br />

po<strong>de</strong>riam ser comprados com moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro ou prata, novas ou antigas, sendo que estas últimas<br />

<strong>de</strong>veriam, para tal operação, estar encordoa<strong>da</strong>s e cunha<strong>da</strong>s com a nova orla; as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro<br />

seriam aceitas, valendo 4$400 réis, se apresentassem até três oitavas <strong>de</strong> peso (uma gran<strong>de</strong> vantagem,<br />

pois o preço <strong>de</strong> três oitavas era naquele momento 3$750 réis). Este edital termina com o seguinte<br />

enunciado: “O que se faz presente a todos, para que se possam aproveitar <strong>de</strong>ste benefício, se<br />

quiserem comprar juros nas partes referi<strong>da</strong>s.” Tais publicações expressam a disposição do governo<br />

português em combater o cerceio, que estava tomando gran<strong>de</strong>s proporções, a ponto <strong>de</strong> fazer<br />

multiplicar as leis nos últimos meses contra o crime <strong>de</strong> raspar moe<strong>da</strong>s, <strong>de</strong>ntre as quais a <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong><br />

maio <strong>de</strong> 1688, que estabelecia equivalência do crime <strong>de</strong> cerceio com o <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> falsa,<br />

punido com pena <strong>de</strong> morte e confisco <strong>de</strong> bens.<br />

No dia 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688, em pleno clima festivo pela proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> do parto <strong>da</strong> rainha,<br />

quando já se previam as <strong>de</strong>corações públicas com luminárias, repiques e salvas, publica-se a lei 2 que<br />

1<br />

“Editais sobre a moe<strong>da</strong> correr a peso e outros assuntos e outro sobre ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> juros a cinco por cento nas Casas do<br />

Infantado, Bragança e Junta do Comércio e Tabaco”. Disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. Ius Lusitaniae: Fontes<br />

Históricas do Direito Português: Collecção Chronologica <strong>da</strong> Legislação Portugueza -1683-1700, p. 163.<br />

2<br />

Lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688. Disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. Ius Lusitaniae: Fontes Históricas do Direito<br />

Português: Collecção Chronologica <strong>da</strong> Legislação Portugueza -1683-1700, p. 163.<br />

1


<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou gran<strong>de</strong> polêmica e muitos conflitos, ao mesmo tempo em que pretendia oferecer<br />

contornos finais a um processo <strong>de</strong> reforma monetária em Portugal. No texto <strong>da</strong> lei, logo se reconhece<br />

que a or<strong>de</strong>m que obrigava as moe<strong>da</strong>s antigas correrem a peso causava <strong>da</strong>nos aos “Vassallos”, os<br />

quais, com esta lei, seriam compensados com o levantamento <strong>de</strong> vinte por cento do valor nominal ou<br />

extrínseco <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s “em conveniencia e utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> meus Vassallos”. A medi<strong>da</strong> ampliou,<br />

aparentemente, as vantagens em se entregar as moe<strong>da</strong>s antigas e as cercea<strong>da</strong>s para cunhagem na Casa<br />

<strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, pois, além <strong>da</strong> tolerância <strong>de</strong> cerceio, esclareci<strong>da</strong> nos editais anteriormente apresentados<br />

(até certa medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> raspagem, pagar-se-ia por metal que as moe<strong>da</strong>s não continham), há um ganho<br />

nominal significativo (20%) no meio circulante em todo o Império 3 . Eis o levantamento: “As moe<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> ouro <strong>da</strong>s fabricas novas <strong>de</strong> 4$000 réis a 4$800 réis; as meias moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 2$000 réis a 2$400 réis;<br />

os quartos <strong>de</strong> 1$000 réis a 1$200 réis”; em relação às moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro antigas, que correm a peso, é o<br />

peso que é levantado, passando a oitava a 1$500 réis, a onça a 12$000, o marco a 96$000 réis e o<br />

grão a 20 réis. Sem esquecer o incentivo para cunhagem <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s antigas e <strong>da</strong>s cercea<strong>da</strong>s,<br />

estabelece o valor extrínseco <strong>da</strong> oitava <strong>de</strong> ouro <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> nova a 1$600 “com que saem <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong><br />

Moe<strong>da</strong>”.<br />

A lei também explicita o levantamento para as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prata: “As moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 500 réis a<br />

600 réis – as <strong>de</strong> 250 réis a 300 réis – as <strong>de</strong> 400 réis a 480 réis – as <strong>de</strong> 200 réis a 240 réis – os tostões<br />

a 120 réis – os 80 réis a 100 réis – os meios tostões a 60 réis – os 40 tostões a 50 réis – e os vintens<br />

pelo mesmo que corriam”. Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a manutenção do valor do vintém em 20<br />

réis, que, possivelmente, tenha levado os possuidores <strong>da</strong>s boas moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> tal valor a entregá-las na<br />

Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> para cunhagem, pelo seu valor em peso, para aproveitarem o levantamento em réis<br />

do metal. Sendo assim, não há o mesmo incentivo para cunhagem <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 20 réis muito<br />

cercea<strong>da</strong>s, restando aos seus possuidores se arriscarem na praça, usando-as no comércio, ou<br />

entregarem-nas na Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> com gran<strong>de</strong> prejuízo no valor extrínseco. Deste modo, os<br />

interesses dos pequenos comerciantes são <strong>de</strong>sprezados, pois a moe<strong>da</strong> miú<strong>da</strong> não é levanta<strong>da</strong> e, se<br />

cerceado, seu uso po<strong>de</strong> acarretar punições que preveem até o <strong>de</strong>gredo. Segundo as pesquisas <strong>de</strong> Rita<br />

Martins <strong>de</strong> Sousa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1688, houve uma tendência <strong>de</strong> diminuição <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> menor<br />

valor e <strong>de</strong> privilegiar a produção <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s às transações <strong>de</strong> maior porte 4 .<br />

3<br />

Lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688. Disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. Ius Lusitaniae: Fontes Históricas do Direito<br />

Português: Collecção Chronologica <strong>da</strong> Legislação Portugueza -1683-1700, p. 164.<br />

4<br />

Rita Martins <strong>de</strong> Sousa. Moe<strong>da</strong>s e metais preciosos no Portugal setecentista (1688-1797). Lisboa: Imprensa Nacional-<br />

Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 2006, pp. 132-140. Respon<strong>de</strong>ria esta orientação às <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s do gran<strong>de</strong> comércio monopolista?<br />

Particularmente sobre o ouro, a historiadora conclui que as moe<strong>da</strong>s “mais cunha<strong>da</strong>s foram as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s a<br />

transações <strong>de</strong> maior montante” e explica esta composição <strong>da</strong> amoe<strong>da</strong>ção a partir <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> do Estado<br />

português, o que <strong>de</strong> modo algum exclui os interesses dos comerciantes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte e controladores do capital<br />

mercantil.<br />

2


O marco <strong>de</strong> ouro, na lei ou toque <strong>de</strong> 22 quilates 5 , tem o valor estabelecido <strong>de</strong> 96$000 réis,<br />

seguindo a onça (que é um oitavo <strong>de</strong> marco) e a oitava na mesma proporção. Em relação à prata, foi<br />

mantido o valor <strong>de</strong> 6$000 pelo marco <strong>de</strong> prata (como já havia sido <strong>de</strong>cretado em 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />

1688 6 ) na lei ou toque <strong>de</strong> 11 dinheiros 7 , e a onça a 750 réis. Deste modo, temos a oitava (que é um<br />

oitavo <strong>de</strong> onça) <strong>de</strong> prata ao valor <strong>de</strong> 93,75 réis. Regula também a lei e o valor do ouro e <strong>da</strong> prata <strong>de</strong><br />

ourivesaria: <strong>de</strong>termina-se a lei do ouro em vinte quilates e meio, valendo o marco 89$600 réis, tendo<br />

onça e oitava valores proporcionais; a lei <strong>da</strong> prata é estabeleci<strong>da</strong> em <strong>de</strong>z dinheiros e seis grãos 5$600<br />

réis, tendo onça e oitava valores proporcionais.<br />

Adiantando-se às querelas a respeito dos impactos do levantamento <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> sobre os muitos<br />

negócios assinados antes <strong>da</strong> lei, o texto esclarece explicitamente que os <strong>de</strong>vedores serão beneficiados<br />

e os credores prejudicados.<br />

O texto <strong>da</strong> lei termina relembrando a proibição do uso <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s cercea<strong>da</strong>s, mantendo as<br />

“penas <strong>da</strong>s Leis, que sobre esta materia se tem publicado – o que somente se não inten<strong>de</strong>rá nas<br />

moe<strong>da</strong>s, meias moe<strong>da</strong>s e quartos <strong>de</strong> ouro <strong>da</strong>s fábricas antigas, patacas, meias patacas, reales<br />

dobrados e singellos, que mando correr a peso, na forma referi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Lei”. No final <strong>da</strong>s contas uma<br />

pataca espanhola em bom estado acaba por ser aceita a 800 réis 8 . Regulava-se o uso <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s<br />

estrangeiras tão necessárias, no Brasil e em Portugal, para as operações monetiza<strong>da</strong>s <strong>de</strong> pagamento 9 .<br />

Houve gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento e agitação em várias partes <strong>da</strong> colônia, sobretudo, nos<br />

centros <strong>de</strong> produção açucareira. Não seria difícil para muitas autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s coloniais preverem a<br />

gran<strong>de</strong> insatisfação que a aplicação <strong>da</strong> lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688 provocaria entre os moradores do<br />

Brasil, o que coagia muitas autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s à vacilação. Por outro lado, a metrópole parecia intransigente<br />

no cumprimento <strong>da</strong> dita lei.<br />

As moe<strong>da</strong>s antigas ou estrangeiras correriam a peso ao preço <strong>de</strong> 100 réis a oitava,<br />

<strong>de</strong>terminação que impactava o Brasil diretamente, pois, grosso modo, as moe<strong>da</strong>s que corriam por<br />

aqui eram as patacas espanholas e em muito cercea<strong>da</strong>s 10 . Imediatamente, com a aplicação <strong>da</strong> lei, o<br />

meio circulante metálico dos colonos foi reduzido porque o valor facial <strong>de</strong> suas moe<strong>da</strong>s per<strong>de</strong>u<br />

5<br />

Um marco equivale, aproxima<strong>da</strong>mente, a 229,5 gramas. É uma medi<strong>da</strong> usa<strong>da</strong> para <strong>de</strong>terminar massa <strong>de</strong> ouro e prata,<br />

principalmente. Uma barra <strong>de</strong> ouro na lei <strong>de</strong> 22 quilates significa que na massa <strong>da</strong>quela barra 11/12 são <strong>de</strong> ouro.<br />

6<br />

Carta <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1688. Disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. Ius Lusitaniae: Fontes Históricas do<br />

Direito Português: Collecção Chronologica <strong>da</strong> Legislação Portugueza -1683-1700, p. 161.<br />

7<br />

Uma barra <strong>de</strong> prata na lei <strong>de</strong> 11 dinheiros significa que 11/12 <strong>da</strong> massa <strong>da</strong> barra são <strong>de</strong> prata.<br />

8<br />

Rita Martins <strong>de</strong> Sousa. Moe<strong>da</strong> e metais preciosos no Portugal setecentista: 1688-1797. Lisboa: Imprensa Nacional-<br />

Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 2006, p. 81.<br />

9<br />

Carl Hanson. Economia e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> no Portugal Barroco: 1668-1703. Lisboa: Dom Quixote, 1986, p. 175.<br />

10<br />

João Lúcio <strong>de</strong> Azevedo. Épocas <strong>de</strong> Portugal econômico. 4ª ed. Lisboa: Clássica Editora, 1988, pp. 229 e 230.<br />

3


importância, passando a valer pelo peso 11 .<br />

Além <strong>de</strong>sta drástica redução, houve outros impactos. A padronização <strong>de</strong> valor intrínseco e<br />

extrínseco, isto é, o estabelecimento <strong>de</strong> uma relação rígi<strong>da</strong> entre quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> metal e valor em réis<br />

<strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s impedia a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> dos levantamentos locais que tinham como objetivo atrair metal<br />

para as partes do Brasil. Os levantamentos 12 consistiam em <strong>de</strong>svalorizar o real em relação ao metal e<br />

outras mercadorias, atraindo compradores e seu dinheiro, pois a mesma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> metal precioso<br />

valia aqui mais réis que em Portugal. Portanto, on<strong>de</strong> foi praticado o levantamento, o real teria mais<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra. Sem este instrumento, até então tolerado, uma parte <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s <strong>da</strong> colônia<br />

ten<strong>de</strong>ria a fluir para outros lugares on<strong>de</strong> proporcionasse melhores negócios.<br />

A forma pela qual a lei contribuiu para a evasão monetária fica mais clara se compararmos o valor<br />

em réis que a prata passou a ter em Portugal após agosto <strong>de</strong> 1688. Se alguém entregasse um marco <strong>de</strong><br />

prata a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> Lisboa, sacaria, em moe<strong>da</strong> nova, o valor <strong>de</strong> 6$000. Um negociante que<br />

recebesse <strong>de</strong> seus negócios na América um marco <strong>de</strong> prata, em moe<strong>da</strong> antiga ou estrangeira, cercea<strong>da</strong><br />

ou não, teria em suas mãos 64 oitavas (um marco) correndo ca<strong>da</strong> oitava a 100 réis, isto é, teria em<br />

mãos o valor <strong>de</strong> 6$400 réis em moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> conta. Niti<strong>da</strong>mente, a lei procurava atrair metal para<br />

Portugal, principalmente, moe<strong>da</strong> dos domínios <strong>de</strong> Castela. Entretanto, tal medi<strong>da</strong> agravou a escassez<br />

<strong>de</strong> moe<strong>da</strong> no Brasil.<br />

Mobilizaram-se os interesses coloniais: “Dom Manuel <strong>da</strong> Ressurreição, presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> junta do<br />

governo <strong>da</strong> Bahia, convoca as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e acor<strong>da</strong>m todos no inconveniente <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> lei no<br />

Brasil” 13 . O arcebispo <strong>da</strong> Bahia, o chanceler <strong>da</strong> relação e as câmaras <strong>da</strong> Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />

Pernambuco reforçam o parecer <strong>da</strong> junta <strong>de</strong> governo. Documentos são enviados a Portugal, sobre os<br />

quais o Conselho Ultramarino emite a consulta <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1689. A Carta Régia <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong><br />

março <strong>de</strong> 1690 man<strong>da</strong> cumprir a lei. 14 São Paulo, São Vicente e Santos passam a merecer atenção do<br />

governador Câmara Coutinho, cujas correspondências dão o tom <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conflito,<br />

principalmente, as que se dirigem a São Paulo. “A Carta Régia <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1690, torna<strong>da</strong> pública em<br />

11<br />

Fernando C. G. C. Lima. “A lei <strong>da</strong> cunhagem <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688 e a emissão <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> provincial no Brasil (1695-<br />

1702): um episódio <strong>da</strong> história monetária do Brasil”. Revista <strong>de</strong> Economia Contemporânea. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Volume 9.<br />

Número 2. pp. 385-410. Agosto <strong>de</strong> 2005, p. 396. Nas páginas seguintes o autor apresenta uma síntese <strong>da</strong>s reações contra<br />

a aplicação a lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688.<br />

12<br />

Severino Sombra, <strong>História</strong> monetária do Brasil Colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Laemmert, 1938, p. 95. Apresenta uma<br />

Consulta do Conselho Ultramarino, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1681, que trata do levantamento praticado no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro pelo qual ca<strong>da</strong> pataca valia 640 réis e a meia pataca 320. Segundo Frédéric Mauro. Portugal, o Brasil e o<br />

Atlântico (1570-1670). Vol. II. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, pp. 174 e 175, a Bahia praticou levantamento<br />

semelhante ao do Rio <strong>de</strong> Janeiro na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1620 e preten<strong>de</strong>u outro, mais arrojado, chegando a 50%, no início <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1640.<br />

13<br />

Severino Sombra, Pequeno esboço <strong>de</strong> história monetária do Brasil colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1940,<br />

pp. 40 e 41.<br />

14<br />

Severino Sombra, <strong>História</strong> monetária do Brasil Colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Laemmert, 1938, p. 99.<br />

4


to<strong>da</strong> a Colônia pelo Edital <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1691, faz calar a todos” 15 .<br />

Sem escapatória, Câmara Coutinho informa ao rei que mandou aplicar a lei 16 . A situação<br />

chama a atenção <strong>de</strong> um observador ilustre, o padre Antônio Vieira. O próprio governador-geral, pela<br />

sua experiência e ação, forma firme opinião <strong>de</strong> que a aplicação <strong>da</strong> lei foi <strong>de</strong>sastrosa para o Brasil,<br />

cujos moradores que eram mais atingidos pelo gran<strong>de</strong> comércio continuavam agitados e sofrendo<br />

com o agravamento <strong>da</strong> evasão monetária.<br />

A situação <strong>da</strong>s principais regiões produtoras <strong>de</strong> açúcar no último terço do século XVII era <strong>de</strong><br />

regressão. A crise europeia do século XVII <strong>de</strong>terminou a curva <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte dos preços e a recessão em<br />

gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong> Europa 17 . Com importantes mercados europeus em retração ou estagnação, a<br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> pelos produtos coloniais caiu e os negociantes do gran<strong>de</strong> comércio passaram a preferir<br />

dinheiro nos pagamentos pelos produtos que man<strong>da</strong>vam a América. Em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 80,<br />

uma “peste” atacou a população e a mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os trabalhadores foi alta, o que levou a Câmara<br />

<strong>de</strong> Salvador a solicitar aprovação real para que São Francisco Xavier se tornasse padroeiro <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> 18 . Para uma maior aproximação do que se passava, <strong>de</strong>vemos juntar ao cenário a concorrência<br />

com outras áreas coloniais açucareiras, combina<strong>da</strong> a medi<strong>da</strong>s protecionistas na Europa e ao aumento<br />

dos preços <strong>de</strong> escravizados 19 , que agravaram ain<strong>da</strong> mais as contas dos senhores <strong>de</strong> engenho. Os<br />

“homens bons”, endivi<strong>da</strong>dos mas controladores do po<strong>de</strong>r municipal, mobilizaram-se para a resolução<br />

<strong>de</strong> seus problemas.<br />

A escassez <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, amplamente senti<strong>da</strong> e aponta<strong>da</strong> nas déca<strong>da</strong>s finais do século XVII, é<br />

um dos aspectos mais sensíveis <strong>da</strong> crise. Como tal escassez se aprofun<strong>da</strong>va, ganhou um peso ca<strong>da</strong><br />

vez maior nos textos produzidos a respeito <strong>da</strong> situação econômica <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte dos principais centros<br />

açucareiros. Neste tenso contexto a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> abrir uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> no Brasil para produção <strong>de</strong><br />

dinheiro provincial se fortaleceu, principalmente, após 1688. A moe<strong>da</strong> provincial é aquela que foi<br />

feita para circular em um <strong>de</strong>terminado espaço, por vezes, com valor especial. Fora <strong>da</strong>li, ou não po<strong>de</strong><br />

servir como meio <strong>de</strong> pagamento ou, como tal, tem menor po<strong>de</strong>r liberatório, isto é, menos valor. Uma<br />

15 Ibi<strong>de</strong>m, pp. 122 e 123. Nota XXX. Nas páginas 99 e 100 há uma relação <strong>de</strong> várias cartas e representações por parte <strong>da</strong>s<br />

instituições e autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s coloniais se posicionando contrários à aplicação <strong>da</strong> lei.<br />

16 Documentos Históricos. Vol. XI, “Carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1690 do governador-geral Câmara Coutinho aos oficiais<br />

<strong>da</strong> Câmara <strong>da</strong> vila <strong>de</strong> Santos sobre a lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, p. 167, Carta <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1691 do governador-geral ao<br />

capitão-mor do Espírito Santo sobre a lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, p. 169, Carta <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1691 do governador-geral ao<br />

capitão-mor <strong>da</strong> Capitania <strong>de</strong> São Vicente que acompanha a lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, p. 173, Carta do governador-geral aos oficiais<br />

<strong>da</strong> Câmara <strong>de</strong> São Paulo sobre a forma que se há <strong>de</strong> seguir a falta <strong>de</strong> capitão-mor e lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, p. 189 e etc.<br />

17 Vera Ferlini, Terra, trabalho e po<strong>de</strong>r: o mundo dos engenhos no Nor<strong>de</strong>ste colonial. Bauru: Edusc, 2003, pp. 98-117.<br />

18 O ofício <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1686 ao rei foi <strong>de</strong>ferido e respondido com carta régia assina<strong>da</strong> em Lisboa em 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

1687. Decidiu-se que, anualmente, no dia 10 <strong>de</strong> maio, em Salvador se fizesse a São Francisco Xavier “festa e procissão<br />

por assim lho prometterem”. Os documentos estão transcritos em Accioli I. & Amaral, B. Memórias históricas e políticas<br />

<strong>da</strong> Bahia. Volume II. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1937, pp. 79 e 80.<br />

19 Stuart Schwartz. Segredos interno: engenhos e escravos na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> colonial (1550-1835). São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s<br />

Letras, 1988.s, pp. 162 e 163.<br />

5


moe<strong>da</strong> provincial para o Brasil ofereceria a vantagem <strong>de</strong> repor, ao menos, parte <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> evadi<strong>da</strong>,<br />

estabelecendo uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> dinheiro para o atendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s comerciais<br />

<strong>de</strong>stas conquistas, não po<strong>de</strong>ndo ser <strong>da</strong>qui sacado.<br />

A existência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> produção monetária já era bem conheci<strong>da</strong>. Na Índia portuguesa<br />

havia moe<strong>da</strong> provincial e na Ma<strong>de</strong>ira, em meados do século XVII, existiu uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong><br />

temporária, que cunhou moe<strong>da</strong> provincial para as ilhas por tempo <strong>de</strong>terminado e com produção<br />

limita<strong>da</strong> 20 . Solicitações para abertura <strong>de</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> no Brasil não foram novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do final dos<br />

seiscentos: solicitou-se uma em 1613 e outra proposta foi leva<strong>da</strong> pelo representante <strong>da</strong> Bahia, João<br />

Góis <strong>de</strong> Araújo, a Lisboa em 1669 21 .<br />

O ilustrado e bem relacionado na corte padre Antônio Vieira acompanhou o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos problemas ligados à escassez <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>. Em carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1687 22 , o jesuíta<br />

informa “que muitos querem [...] moe<strong>da</strong> provincial, <strong>de</strong>ferente <strong>da</strong> do Reino, como na Índia”.<br />

Entretanto, apresenta as medi<strong>da</strong>s que, em sua convicta opinião, ofereceriam melhor solução para os<br />

problemas <strong>de</strong> cerceio e <strong>de</strong> evasão que oprimiam o Império: primeiramente, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o dinheiro<br />

valha pelo peso.<br />

O padre concor<strong>da</strong>va, portanto, com a solução draconiana, mas certeira com o crime <strong>da</strong>queles<br />

que raspavam moe<strong>da</strong>s. Ao menos, <strong>de</strong>ntro do Império, o cerceio estaria anulado sem a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gastos com Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e os embaraços comerciais gerados pela moe<strong>da</strong> provincial. Restava tratar<br />

<strong>da</strong> evasão <strong>de</strong> metal precioso amoe<strong>da</strong>do para países estrangeiros, o que seria resolvido, segundo o<br />

Vieira, ajustando o valor extrínseco do dinheiro em Portugal para atrair metal, elevando o valor do<br />

ouro e <strong>da</strong> prata em réis acima do que vale nos países vizinhos.<br />

A publicação <strong>da</strong> lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688 provocou certo alvoroço, que levou o governador-<br />

geral, o arcebispo Manuel <strong>da</strong> Ressurreição, a enviar em 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1689 uma carta 23 em que<br />

explicava os inconvenientes <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> lei. O gran<strong>de</strong> inconveniente era a <strong>de</strong>terminação que o<br />

dinheiro <strong>de</strong> prata corresse a peso, valendo a oitava 100 réis. Ante tal norma, as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s coloniais<br />

preferiam manter o valor do dinheiro cerceado e os levantamentos praticados pelas câmaras. A<br />

metrópole não ce<strong>de</strong>u e, em carta régia <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1690 ao governador-geral Câmara<br />

Coutinho, exigiu o cumprimento <strong>da</strong> lei, a qual foi reforça<strong>da</strong> por edital <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1691 24 , não<br />

<strong>de</strong>ixando alternativas ao governador.<br />

20 Frédéric Mauro. Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-1670). Vol. II. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, pp. 172 e 173.<br />

21 Frédéric Mauro. Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-1670). Vol. II. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p. 176.<br />

22 Cartas, III, p. 561. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1687 <strong>de</strong> Vieira ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castanheira.<br />

23 Severino Sombra, <strong>História</strong> monetária do Brasil Colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Laemmert, 1938, p. 99.<br />

24 Severino Sombra, Pequeno esboço <strong>de</strong> história monetária do Brasil colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1940,<br />

p. 40.<br />

6


Câmara Coutinho enviou correspondência a várias autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e câmaras municipais<br />

instruindo a aplicação <strong>da</strong> lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1688 25 . Vale citar que em meio ao esforço do governador-<br />

geral, ocorreram significativos episódios <strong>de</strong> resistência na vila <strong>de</strong> São Paulo, cuja câmara municipal<br />

procurava manter o stock metálico paulista, tão necessário às aquisições <strong>de</strong> materiais para as já<br />

tradicionais expedições sertanistas 26 . Em 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1690 muitos moradores protagonizaram uma<br />

“[...] notavilissima Rebolusão com armas gritando e emquietando ao Senado estando a V.ª to<strong>da</strong><br />

enquieta gritando com vozes se lhe levantasse o dinheiro [...]” 27 . A Câmara aten<strong>de</strong>u, levantando a<br />

moe<strong>da</strong> entre 20 a 33%. Como os paulistas resistiam e <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ciam à aplicação <strong>da</strong> lei, o governador-<br />

geral enviou uma carta em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1692 por meio <strong>da</strong> qual cobrava submissão ao rei e<br />

ameaçava man<strong>da</strong>r <strong>da</strong>r liber<strong>da</strong><strong>de</strong> aos índios caso a lei não fosse aplica<strong>da</strong>. O uso ilícito <strong>da</strong> mão <strong>de</strong> obra<br />

indígena era um dos pilares <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> econômica do Planalto, <strong>da</strong>do a partir do qual se po<strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r o tom <strong>da</strong> ameaça 28 .<br />

Entretanto, mesmo com as fortes palavras <strong>de</strong> Câmara Coutinho, São Paulo continuava a<br />

resistir. Em 23 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1693, novo motim armado levou a Câmara a aprovar um novo<br />

levantamento 29 . Os paulistas apenas se acomo<strong>da</strong>ram inteiramente ao sistema monetário português em<br />

1698, quando já estavam mais aliviados com ouro <strong>da</strong>s minas 30 .<br />

Em meados <strong>de</strong> 1690, Antônio Vieira parece protestar contra a resistência <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

coloniais em aceitar a nova lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, que contemplava as i<strong>de</strong>ias do padre: “O ouro e a prata<br />

gastam-se com o tempo, só o <strong>de</strong>sinteresse é metal que não cerceia, e antes lhe cresce o preço, como<br />

ao <strong>da</strong> nossa moe<strong>da</strong>” 31 . Porém um ano <strong>de</strong>pois, o clérigo jesuíta se vê obrigado a compreen<strong>de</strong>r os<br />

efeitos sobre a colônia <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> que o governador procurava implementar: as<br />

notícias que chegavam do Rio <strong>de</strong> Janeiro eram <strong>de</strong> que em tinha 9 se achou com 5, proporção que<br />

representa a redução do valor do dinheiro, que passava a valer 100 réis a oitava 32 .<br />

Com o dinheiro correndo a peso e o açúcar <strong>de</strong>svalorizado, a evasão se intensificou 33 . Na<br />

Bahia, em meados <strong>de</strong> 91, esperava-se pela saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> frota para que a lei fosse aplica<strong>da</strong>, pois se o<br />

25<br />

Severino Sombra, <strong>História</strong> monetária do Brasil Colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Laemmert, 1938, pp. 99-102.<br />

26<br />

Roberto C. Simonsen. <strong>História</strong> econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 225.<br />

27<br />

Actas <strong>da</strong> Câmara <strong>da</strong> Villa <strong>de</strong> São Paulo. Volume 7, pp. 388 e 389.<br />

28<br />

Severino Sombra, Pequeno esboço <strong>de</strong> história monetária do Brasil colonial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1940,<br />

p. 41.<br />

29<br />

Actas <strong>da</strong> Câmara <strong>da</strong> Villa <strong>de</strong> São Paulo. Volume 7, pp. 431 e 432.<br />

30<br />

Roberto C. Simonsen. <strong>História</strong> econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 227.<br />

31<br />

Cartas, III, p. 608. Carta <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1690 <strong>de</strong> Vieira a Pedro <strong>de</strong> Melo.<br />

32<br />

Cartas, III, pp. 629 e 630. Carta <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1691 <strong>de</strong> Vieira a Diogo Marchão Temudo.<br />

33<br />

Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, Cod. 51-V-42, fl. 6. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1791 do governador-geral Câmara Coutinho ao<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val <strong>de</strong> Reis. “A lei <strong>da</strong> baixa <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> pareceu-me não lha <strong>da</strong>r senão <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> frota carrega<strong>da</strong> para não<br />

embaraçar as ven<strong>da</strong>s e pagamentos porque do contrário se seguiria uma confusão, como foi no Rio <strong>de</strong> Janeiro que <strong>da</strong>ndose<br />

antes execução a lei, nem o açúcar teve ven<strong>da</strong>. A frota empatou-se, o contrato faltou quem o rematasse e o dinheiro foi<br />

para o reino a peso, com que ficou o Rio <strong>de</strong> Janeiro com muita per<strong>da</strong>”. Em carta <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1691 ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

7


dinheiro cerceado fosse reduzido a 100 réis a oitava <strong>de</strong> prata 34 , seria necessário pagar muito mais<br />

para obter os produtos europeus. Esta situação foi apresenta<strong>da</strong> por Vieira, em carta <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />

1691 35 .<br />

Poucos dias <strong>de</strong>pois, o padre escreveu ao marquês <strong>da</strong>s Minas uma carta sobre o que estava a<br />

passar o Rio <strong>de</strong> Janeiro e o que ocorria na Bahia, incluindo uma reclamação sobre falta <strong>de</strong> moe<strong>da</strong><br />

miú<strong>da</strong> para trocos. “No Rio <strong>de</strong> Janeiro com a baixa <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> se fizeram exéquias ao dinheiro, com<br />

per<strong>da</strong> <strong>de</strong> quase a meta<strong>de</strong>, e aqui dizem se lhe farão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> a frota. Já nos contentaremos<br />

com o cobre, porque é terrível pensão haver <strong>de</strong> ir comprar uma alface com meia pataca” 36 . O<br />

governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro sofreu com a falta <strong>de</strong> contratadores, pois publicara a lei antes <strong>da</strong> saí<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> frota, o que <strong>de</strong>sfalcou os moradores do Rio <strong>de</strong> Janeiro, fazendo muitos <strong>de</strong>clinarem do intuito <strong>de</strong><br />

arrematar os contratos 37 .<br />

O esforço do governador em aplicar a lei colhia seus efeitos não só no comércio mas também<br />

nos contratos, que estavam ameaçados pela organização <strong>da</strong>queles que podiam fazer os lançamentos<br />

para arrematá-los. Os possíveis contratadores, no primeiro semestre <strong>de</strong> 1691, expressaram o seu<br />

interesse <strong>de</strong> “que SM tome alguma resolução sobre que se torne levantar o dinheiro ou algum meio<br />

que eles apontam nos embargos que remetem, querem mostrar que a dita baixa prejudica aos<br />

contratos e por esta razão se uniram para não haver lançadores” 38 . Apesar <strong>de</strong>stas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

Câmara Coutinho se empenhou na arrematação dos contratos, conseguindo quatro mil cruzados a<br />

mais do que em 1690, porém, para tanto, foi obrigado a publicar a lei após as arrematações e a saí<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> frota 39 .<br />

No ano seguinte, 1692, com a lei publica<strong>da</strong> e sendo executa<strong>da</strong> nas principais partes do Brasil,<br />

o quadro que se <strong>de</strong>senha é <strong>de</strong>salentador para a economia colonial: os mercadores man<strong>da</strong>vam levar o<br />

Castelo Melhor, o padre Vieira apresenta relato semelhante, Cartas, III, pp. 646 e 647. Carta <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1691 <strong>de</strong><br />

Vieira ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor.<br />

34<br />

Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., p. 144. O pequeno enunciado escrito por José Ribeiro Rangel em 18 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 1694 nos dá uma i<strong>de</strong>ia do nível <strong>de</strong> cerceamento <strong>de</strong> muitas moe<strong>da</strong>s que corriam no Brasil: “E correndo hoje huma<br />

moe<strong>da</strong> por 240 réis que não chega a pezar duas oitavas <strong>de</strong> prata e muitas não passão hua oitava e meia”.<br />

35<br />

Cartas, III, pp. 629 e 630. Carta <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1691 <strong>de</strong> Vieira a Diogo Marchão Temudo.<br />

36<br />

Cartas, III, p. 635. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1691 ao marquês <strong>da</strong>s Minas.<br />

37<br />

Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, Cod. 51-V-42, fl. 6v. Carta <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1691 do governador-geral Câmara Coutinho ao<br />

secretário <strong>de</strong> Estado Mendo <strong>de</strong> Fóios Pereira. “E assim se experimentou no Rio <strong>de</strong> Janeiro, que nem se ven<strong>de</strong>ram os<br />

açúcares, a frota esteve embaraça<strong>da</strong> (<strong>de</strong> que não tenho ain<strong>da</strong> notícia se carregou), o contrato está sem contratador e<br />

finalmente Luís Cesar me escreve que <strong>de</strong> <strong>da</strong>r cumprimento logo a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> SM que lhe mandou se tem visto em gran<strong>de</strong><br />

aperto, pelas faltas que consi<strong>de</strong>ra naquela capitania. Mas a mim me pareceu conveniente fazê-lo agora, e assim ... o avisei<br />

ao governador <strong>de</strong> Pernambuco”.<br />

38<br />

Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, Cod. 51-V-42, fl. 6. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1791 do governador-geral Câmara Coutinho ao<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val <strong>de</strong> Reis.<br />

39<br />

Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, Cod. 51-V-42, fl. 6v. Carta <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1791 do governador-geral Câmara Coutinho ao<br />

secretário <strong>de</strong> Estado Mendo <strong>de</strong> Fóios Pereira. “Não me pareceu publicar a baixa <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> senão <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> frota<br />

carrega<strong>da</strong> e os contratos arrematados, porque <strong>de</strong> outra maneira, não teriam os açúcares reputação, a frota não carregaria,<br />

os contratos ficariam por rematar, com que isto teria uma per<strong>da</strong> mui consi<strong>de</strong>rável, assim para o serviço <strong>de</strong> SM e per<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

sua real fazen<strong>da</strong>, como para o bem comum <strong>de</strong>ste Estado”.<br />

8


dinheiro e não comprar açúcar e outros gêneros coloniais, a tal ponto que os moradores pareciam não<br />

ter mais com que comprar os produtos europeus. O padre Vieira, que cinco anos antes, <strong>de</strong>sprezava a<br />

opinião <strong>da</strong>queles que <strong>de</strong>fendiam uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> no Brasil e produção <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> provincial,<br />

passou a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o dinheiro provincial. Em carta a Roque <strong>da</strong> Costa Barreto, assina<strong>da</strong> em primeiro<br />

<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692, o jesuíta advogava o envio <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> provincial para o Brasil e, diante <strong>da</strong> grave<br />

situação, esperava a chega<strong>da</strong> do dinheiro na próxima frota 40 .<br />

Em carta ao duque <strong>de</strong> Ca<strong>da</strong>val 41 , Vieira prevê o fim do comércio colonial entre Portugal e<br />

Brasil: Já que as frotas tinham diminuído sensivelmente a compra <strong>de</strong> açúcar, seu único interesse era<br />

levar dinheiro, que, por sua vez, estava a se extinguir. Na sequência <strong>da</strong> carta, o padre aponta outras<br />

causas para a extinção <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>. Esta seria man<strong>da</strong><strong>da</strong> a Portugal também para “o gasto dos negócios<br />

políticos, apelações, <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s, pretensões <strong>de</strong> ofícios eclesiásticos e seculares, dotes <strong>de</strong> freiras,<br />

mu<strong>da</strong>nça para Portugal <strong>de</strong> mercadores <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> enriquecidos, e ministros que sempre levam mais do<br />

que trouxeram”. A diminuição do dinheiro pelas “sangrias” (a frota e os gastos com processos<br />

políticos e jurídicos e com transferências) afetava já o crédito, que também se extinguia, pois “não<br />

havendo, pela causa sobredita, como antes <strong>da</strong> alteração <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, quem passe letras”. A produção<br />

colonial po<strong>de</strong> cessar, segundo Vieira, que torna a advogar como único remédio a moe<strong>da</strong> provincial,<br />

“que se não for pronto, e vier resoluto por S. M. na primeira ocasião, ain<strong>da</strong> que <strong>de</strong>pois se queira<br />

remediar não haverá com quê, acaba<strong>da</strong>s as últimas relíquias do pouco, a que nesta mesma frota se<br />

não perdoa”.<br />

Em meados <strong>de</strong> 1692, Antônio Vieira escreveu várias cartas nas quais tocou no assunto <strong>da</strong> falta<br />

<strong>da</strong> moe<strong>da</strong> e suas consequências. Sempre <strong>de</strong>nunciando as sangrias e os mercadores, que “hoje são<br />

arma<strong>da</strong>s <strong>de</strong> inimigos e piratas que vêm saquear o Brasil” 42 ; propunha como único remédio a moe<strong>da</strong><br />

provincial; anunciava que a produção e comércio <strong>de</strong> açúcar e outros produtos coloniais tendiam a<br />

acabar 43 ; prevenia que na corte po<strong>de</strong> haver ministros interessados nas ditas sangrias <strong>de</strong> dinheiro;<br />

atacava os impostos sobre as drogas coloniais pois tornam o custo do comércio <strong>de</strong>stes produtos mais<br />

caro.<br />

Além <strong>da</strong> grave redução do valor extrínseco do meio circulante dos moradores do Brasil, a<br />

utilização do dinheiro a partir <strong>de</strong> seu peso guar<strong>da</strong>va outro inconveniente, <strong>de</strong>scrito abaixo por um<br />

contemporâneo: tendo as moe<strong>da</strong>s que correr “pelo valor do peso, <strong>de</strong> que se seguia muito embaraço,<br />

40<br />

Cartas, III, pp. 651 e 652. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 <strong>de</strong> Vieira a Roque <strong>da</strong> Costa Barreto.<br />

41<br />

Cartas, III, pp. 653 e 654. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 <strong>de</strong> Vieira ao duque do Ca<strong>da</strong>val.<br />

42<br />

Cartas, III, pp. 657 e 658. Carta <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 <strong>de</strong> Vieira ao marquês <strong>da</strong>s Minas.<br />

43<br />

Cartas, III, p. 663. Carta <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 <strong>de</strong> Vieira a Cristóvão <strong>de</strong> Alma<strong>da</strong>. “A causa <strong>de</strong>sta mu<strong>da</strong>nça foi haver<br />

muitos anos que os mercadores achavam mais conta em levar o dinheiro, que não paga fretes nem direitos, que as drogas<br />

carrega<strong>da</strong>s com tantos; o que tem <strong>de</strong>ixado esta praça, noutro tempo tão opulenta, totalmente exausta <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>, com que<br />

não há quem compre ou ven<strong>da</strong>, nem com quê”.<br />

9


pois havendo em muitas <strong>de</strong>las pelo cerceamento menos peso dos setecentos e cinquenta, era preciso<br />

para se receberem, trazerem-se balanças em que se pesassem, gastando-se muito espaço <strong>de</strong> tempo<br />

para se contar pouca quantia <strong>de</strong> dinheiro” 44 .<br />

A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> não publicar a lei antes <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> frota em 1691, indica que Câmara Coutinho<br />

se tornou consciente <strong>de</strong> que os inconvenientes <strong>de</strong>nunciados pelos colonos, também afetavam a saú<strong>de</strong><br />

do Estado, pois para conseguir a arrematação dos contratos foi necessário o adiamento <strong>da</strong> publicação.<br />

Um ano <strong>de</strong>pois, com a situação agrava<strong>da</strong>, o governador-geral escreve o documento abaixo<br />

apresentado: uma carta envia<strong>da</strong> ao rei e assina<strong>da</strong> em 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 45 expõe os problemas<br />

monetários e seus efeitos para a arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Real, para o comércio e para a produção no<br />

Brasil. É um documento que reúne e sistematiza as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s coloniais e as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Império<br />

Português na América. Não propõe medi<strong>da</strong> inédita ou inovadora, mas organiza as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s,<br />

algumas antigas, e explica os problemas com bastante persuasão, sobretudo, porque utiliza os<br />

princípios argumentativos do pensamento mercantilista 46 . Possivelmente foi um fator <strong>de</strong>terminante<br />

para a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>r a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> na Bahia e, portanto, está apresenta<strong>da</strong> abaixo.<br />

Logo no primeiro parágrafo <strong>da</strong> carta enunciou frases fortes como “opressão em que <strong>de</strong><br />

presente se acha esta e as <strong>de</strong>mais praças <strong>de</strong>ste Estado” e a gran<strong>de</strong> ameaça <strong>de</strong> “total ruína do Estado e<br />

conseguintemente do real serviço <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong>, como já se experimenta”, por outro lado,<br />

anuncia que apresentará “os meyos que me ocorrem com que unicamente se po<strong>de</strong> reparar o <strong>da</strong>mno<br />

presente e evitar o futuro”.<br />

Afirma que a ruína no Brasil tem como causa a falta <strong>de</strong> dinheiro, que é agrava<strong>da</strong> pela<br />

padronização do valor extrínseco e intrínseco <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> que corre no Império, entre Brasil e<br />

Portugal. Valendo um tostão ca<strong>da</strong> oitava, o dinheiro ten<strong>de</strong>u a sair <strong>da</strong>s conquistas americanas atraído<br />

pelos negócios em Portugal e na Europa. Utiliza comparações bastante comuns no século XVII e<br />

próprias do mercantilismo, por exemplo, ao comparar o dinheiro ao sangue que mantém vivo o corpo<br />

do Estado ou ao “nervo vital do corpo político”.<br />

Portanto, sem o sangue vivificador, isto é, sem o dinheiro, cessa o comércio 47 , “sem o qual<br />

não se po<strong>de</strong>m sustentar, e economizar Praças tão importantes como estas, em que a fazen<strong>da</strong> <strong>de</strong> Vossa<br />

44<br />

Sebastião <strong>da</strong> Rocha Pita. <strong>História</strong> <strong>da</strong> América Portuguesa. Belo Horizonte-São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1976, p. 210.<br />

45<br />

Cleber G. Gonçalves. Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1989, pp. 95-100.<br />

46<br />

Frédéric Mauro. Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-1670). Vol. II. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p. 176. É cita<strong>da</strong><br />

uma proposta <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> na Bahia em 1670, que inclui levantamento <strong>de</strong> 30% do dinheiro<br />

provincial e uma produção <strong>de</strong> dois milhões <strong>de</strong> cruzados, mesmo valor proposto por Câmara Coutinho.<br />

47<br />

Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>. COD. 51 – V – 42. Fl. 7v. “Carta para Mendo <strong>de</strong> Fóios Pereira, secretário <strong>de</strong> Estado, sobre as<br />

promessas que fizeram os homens <strong>de</strong> negócio e moradores <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong> para a junta do comércio <strong>da</strong> Índia”. Trata-se <strong>de</strong><br />

uma carta do governador-geral A. L. G. <strong>da</strong> Câmara Coutinho <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1691 e emiti<strong>da</strong> <strong>da</strong> Bahia. O<br />

documento respon<strong>de</strong> à carta do rei envia<strong>da</strong> a ele em 21 <strong>de</strong> março do mesmo ano pela qual Dom Pedro II or<strong>de</strong>nava que se<br />

ajuntasse os homens <strong>de</strong> maior cabe<strong>da</strong>l <strong>da</strong> Bahia a fim <strong>de</strong> estimulá-los a entrar na Junta <strong>da</strong> Companhia <strong>da</strong> Índia, que<br />

10


Majesta<strong>de</strong> faz tam gran<strong>de</strong>s dispendios com as duas folhas Ecclesiasticas e Secular”. Em segui<strong>da</strong><br />

apresenta as três causas <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> dinheiro.<br />

Em primeiro lugar, a “gran<strong>de</strong> per<strong>da</strong> que teve e sentia no abatimento do dinheiro serrilhado,<br />

cuja somma, só nesta Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Bahia, passou <strong>de</strong> novecentos mil cruzados”. A <strong>de</strong>terminação que<br />

obrigava o dinheiro a correr por peso, valendo cem réis a oitava <strong>de</strong> prata, efetivamente, diminui o<br />

numerário. Para reforçar a i<strong>de</strong>ia <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> redução do meio circulante, Câmara Coutinho<br />

compara a miséria presente com o próspero passado e cita também as epi<strong>de</strong>mias, que mataram muita<br />

gente nos últimos tempos.<br />

Em segundo lugar, os preços do açúcar estavam muito baixos, minando os lucros dos<br />

negociantes. Segundo Coutinho, eles vinham ao Brasil não mais para negociar o açúcar, mas ven<strong>de</strong>r<br />

por dinheiro, pois “avançam mais em lhes ficar logo esse dinheiro livre para logo negociarem com<br />

elles”. O governador-geral observa que a frota <strong>de</strong> 1669 havia levado <strong>da</strong> Bahia só para o Porto 80 mil<br />

cruzados em moe<strong>da</strong> e, a partir <strong>de</strong>sta base <strong>de</strong> comparação, apela ao rei para refletir sobre a “sangria”<br />

<strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s que sofre o Brasil sem po<strong>de</strong>r lançar mão dos levantamentos costumeiros após a lei <strong>de</strong> 88.<br />

A terceira causa são os gastos do Estado e <strong>de</strong> particulares realizados fora do Brasil. Câmara<br />

Coutinho <strong>de</strong>staca na carta o papel do dote que, com as mulheres que se casam com homens <strong>de</strong> reino,<br />

são enviados para Portugal e do patrimônio constituído e levado pelos seus proprietários quando<br />

retornam a Europa 48 . O governador finaliza as três causas com uma apresentação sobre os efeitos <strong>da</strong><br />

evasão monetária no crédito.<br />

A abolição dos levantamentos e o combate à moe<strong>da</strong> cercea<strong>da</strong>, por meio <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m para que a<br />

prata corresse a peso, levaram a uma agu<strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong>s operações <strong>de</strong> crédito 49 . Com menos<br />

dinheiro em circulação, não havia mais quem pu<strong>de</strong>sse, seguramente, oferecer letras ou remeter<br />

“effeitos”. O real no Brasil, <strong>de</strong>vido a gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> cercea<strong>da</strong>, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma<br />

referência segura e os <strong>de</strong>sconfiados negociantes vão se apegar ao peso. O real se mantinha como<br />

moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> conta 50 , mas na hora <strong>de</strong> pagar o que contava eram as oitavas, pois estava em jogo a<br />

carecia <strong>de</strong> investimentos. Neste esforço, <strong>de</strong>tectou-se gran<strong>de</strong> resistência dos senhores baianos que alegavam escassez<br />

monetária. Entretanto, o governador escreveu que conseguiu reunir quase 10 contos <strong>de</strong> réis em dinheiro e mercadorias.<br />

Em 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1693, em carta ao mesmo secretário e sobre o mesmo assunto, o governador afirma não ter conseguido<br />

apoio algum para a companhia e se mostra firmemente convencido <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s <strong>da</strong> colônia <strong>de</strong>vem atendi<strong>da</strong>s para<br />

o bem <strong>da</strong> própria Fazen<strong>da</strong> Real. Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>. COD. 51 – V – 42. Fl. 22v.<br />

48<br />

Alguns trechos <strong>da</strong> carta são muito parecidos com trechos <strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> Antônio Vieira sobre o assunto. O texto <strong>da</strong><br />

terceira causa sobre a falta <strong>de</strong> dinheiro no Brasil é quase cópia <strong>de</strong> uma parte <strong>da</strong> carta envia<strong>da</strong> pelo ilustre padre ao duque<br />

<strong>de</strong> Ca<strong>da</strong>val em primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692, três dias antes do envio <strong>de</strong>ste documento que ora apresentamos. Um forte<br />

indício <strong>de</strong> que Câmara Coutinho e Vieira conversaram sobre os problemas monetários. Cartas, III, carta CCLXV, pp.<br />

652-655.<br />

49<br />

Cartas, III, pp. 653 e 654. Carta <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 <strong>de</strong> Vieira ao duque do Ca<strong>da</strong>val.<br />

50<br />

Encontramos uma explicação sobre o que é moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> contra nas páginas 378 e 379 <strong>de</strong> F. Brau<strong>de</strong>l & F. Spooner. “Prices<br />

in Europe from 1450 to 1750”. In: The Cambridge Economic History of Europe. Vol. <strong>IV</strong>. London: Cambridge University<br />

Press, 1967.<br />

11


ealização <strong>de</strong> negócios em Portugal, on<strong>de</strong> as patacas que circulavam por aqui valeriam pelas oitavas.<br />

A crise monetária acaba por se agravar com a falta <strong>de</strong> crédito, que faz a evasão monetária se<br />

intensificar, uma vez que nas trocas o metal é mais exigido. Com base na <strong>de</strong>scrição do gorvernador-<br />

geral, po<strong>de</strong>-se aplicar a equação <strong>da</strong> teoria quantitativa <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, pois a restrição do crédito, que<br />

imprime veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> às operações comerciais, e a diminuição do meio circulante provocariam o<br />

<strong>de</strong>créscimo dos preços e <strong>da</strong>s operações comerciais 51 .<br />

A partir <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong>s três causas <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> dinheiro, Câmara Coutinho enumerou os<br />

seis principais “<strong>da</strong>mnos” provocados pela pouca liqui<strong>de</strong>z.<br />

Eis o primeiro: “Que faltando moe<strong>da</strong> se abaterão forçosamente <strong>de</strong> todos os assucares por falta<br />

<strong>de</strong> haver com que comprem, e do mesmo modo succe<strong>de</strong>rá aos outros gêneros <strong>de</strong> negocio do Brasil”.<br />

A menor quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro em circulação provocaria uma valorização <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s por meio <strong>da</strong><br />

consequente diminuição dos preços, não só do açúcar, mas dos gêneros que participam do circuito<br />

monetário. Deste modo, estando o valor do dinheiro fixado, amarrando-se a moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> conta à<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> metal precioso, os negócios sofreriam uma <strong>de</strong>flação, que é fenômeno<br />

prejudicial ao processo <strong>de</strong> realização <strong>da</strong> mais valia na circulação, a que<strong>da</strong> dos preços restringe a<br />

valorização do capital mercantil. Agora, tendo como referência os vassalos <strong>da</strong> produção colonial, a<br />

baixa do preço do açúcar compromete a (metamorfose mercadoria-dinheiro: M-D) ven<strong>da</strong> do produto,<br />

o que ten<strong>de</strong> a restringir (a metamorfose dinheiro-mercadoria: D-M) a aquisição <strong>de</strong> escravos, insumos<br />

para o engenho e produtos manufaturados europeus 52 .<br />

O segundo é que, como consequência lógica <strong>da</strong> que<strong>da</strong> dos preços do açúcar, as receitas dos<br />

senhores <strong>de</strong> engenho estavam diminuindo sem o mesmo abatimento <strong>da</strong>s <strong>de</strong>spesas. O resultado seria o<br />

abandono <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> açúcar.<br />

O terceiro <strong>da</strong>no foi que o levantamento <strong>de</strong> 20% <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> em Portugal, <strong>de</strong>terminado pela lei<br />

<strong>de</strong> 1688, provocou o aumento dos preços dos produtos europeus. Na explicação sobre este “<strong>da</strong>mno”<br />

o govenador apresenta o preço <strong>de</strong> vários produtos trazidos <strong>da</strong> Europa para ven<strong>da</strong> no Brasil: o cobre,<br />

que se ven<strong>de</strong> em 1692 a 360 e 400 réis, era comprado por 240 réis a libra 53 ; o preço do quintal 54 do<br />

ferro subiu <strong>de</strong> 3 mil a 4 e 5 mil réis. Sobre produtos coloniais necessários ao engenho, <strong>de</strong>staca os<br />

caixões, cujos preços subiram <strong>de</strong> 800 para 1$200 réis; os escravizados, cujos preços saltaram <strong>da</strong><br />

faixa <strong>de</strong> 50 mil para 60$000 réis.<br />

51 Pierre Vilar. Ouro e moe<strong>da</strong> na história: 1450-1920. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e terra, 1980, p. 28. Partindo <strong>da</strong> Equação <strong>de</strong><br />

Fisher, versão que inclui variável fiduciária <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> e crédito, foi aplica<strong>da</strong> a teoria quantitativa <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> para explicar<br />

problemas monetários no Império Português no século XVII em Frédéric Mauro. Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-<br />

1670). Vol. II. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, pp. 177-181.<br />

52 Karl Marx. O Capital: crítica <strong>da</strong> economia política, vol 1, 3ª. ed., São Paulo: Nova Cultural, 1988, pp. 92 e seguintes.<br />

53 A libra e o arrátel correspon<strong>de</strong>m a quase meio quilo, 458,9568 gramas.<br />

54 O quintal correspon<strong>de</strong> a 58,75 kg aproxima<strong>da</strong>mente; equivale a 4 arrobas, 128 libras e 256 marcos.<br />

12


O quarto <strong>da</strong>no é sobre as alfân<strong>de</strong>gas, que arreca<strong>da</strong>rão ca<strong>da</strong> vez menos <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>sativação <strong>de</strong><br />

parte dos engenhos, reduzindo a arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> “real fazen<strong>da</strong>”.<br />

O quinto <strong>da</strong>no é sobre os contratos, que não serão arrematados por falta <strong>de</strong> dinheiro<br />

disponível. Tal per<strong>da</strong> comprometeria o pagamento <strong>da</strong> folha <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nados militares. O contrato do<br />

açúcar, que pelo qual já se pagara 120$000, passava a valer 80$000 réis apenas e com previsão <strong>de</strong><br />

que<strong>da</strong> para 40 e 50 mil réis, “como cedo se verá”.<br />

O sexto <strong>da</strong>no é sobre os efeitos negativos <strong>da</strong> menor arreca<strong>da</strong>ção pela que<strong>da</strong> do valor dos<br />

contratos. Configurava-se o “<strong>de</strong>trimento do serviço <strong>de</strong> Deus e <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong>”. As câmaras<br />

também ten<strong>de</strong>riam a sofrer com que<strong>da</strong> <strong>de</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> seus contratos, comprometendo or<strong>de</strong>nados<br />

dos militares e com graves consequências para a <strong>de</strong>fesa 55 .<br />

Concluindo a apresentação dos <strong>da</strong>nos, sentencia que eles “ameação a ruina <strong>de</strong>ste Estado,<br />

senão que já o arruinão, sendo a Real fazen<strong>da</strong> a mais prejudica<strong>da</strong>”. Traçado este quadro na<strong>da</strong><br />

promissor para o Império Português na América, o governador-geral sugere a solução: a instalação <strong>de</strong><br />

uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> no Brasil para produção <strong>de</strong> dois milhões em moe<strong>da</strong> provincial <strong>de</strong> ouro e prata:<br />

um milhão para a Bahia, 600 mil cruzados para Pernambuco e 400 mil para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. A<br />

moe<strong>da</strong> provincial apresentaria um levantamento sobre a moe<strong>da</strong> do reino <strong>de</strong> 20%, sendo 5% para as<br />

<strong>de</strong>spesas <strong>da</strong> fabricação e 15% para o dono do metal entregue para cunhagem <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> provincial. A<br />

Casa seria apenas temporária e fecharia após a produção dos dois milhões <strong>de</strong> cruzados, que não<br />

po<strong>de</strong>riam ser retirados do Brasil, recaindo sobre o autor <strong>da</strong> contravenção <strong>de</strong> exportar moe<strong>da</strong><br />

provincial pesa<strong>da</strong>s penas. Tais propostas <strong>de</strong>monstram que o governador manteve conversas com<br />

oficiais <strong>da</strong> Câmara <strong>de</strong> Salvador e outros interlocutores, possivelmente o próprio padre Vieira, com os<br />

quais tinha muitas opiniões em comum, inclusive a avaliação <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> do meio circulante<br />

naquela praça, isto é, quase um milhão <strong>de</strong> cruzados 56 .<br />

Destaca um complemento à solicitação <strong>de</strong> uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, emen<strong>da</strong>ndo um pedido<br />

complementar <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> miú<strong>da</strong> <strong>de</strong> prata, isto é, tostão, meio tostão e vintém, no valor <strong>de</strong> 30 mil<br />

cruzados e mais 10 mil cruzados em moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> cobre <strong>de</strong> três até cinco réis. Quinze mil cruzados em<br />

moe<strong>da</strong> miú<strong>da</strong> <strong>de</strong> prata e cinco mil cruzados em cobre para a Bahia, nove mil em prata e três mil em<br />

cobre para Pernambuco e seis mil e dois mil em moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> baixo valor para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. As<br />

moe<strong>da</strong>s miú<strong>da</strong>s também seriam levanta<strong>da</strong>s indiretamente pela per<strong>da</strong> <strong>de</strong> valor intrínseco, por<br />

exemplo, propõe a fabricação <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> meio tostão com 30 grãos <strong>de</strong> prata. Para <strong>de</strong>ixar mais<br />

claro, o cálculo será feito com base em 100 réis ou duas moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> meio tostão, que correspon<strong>de</strong>ria a<br />

60 grãos <strong>de</strong> prata. No Reino, o tostão <strong>de</strong> fábrica nova no valor <strong>de</strong> 100 réis correspondia ao peso <strong>de</strong><br />

55 Cartas, III, p. 647. Carta <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1691 do padre Antônio Vieira ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor.<br />

56 Documentos Históricos, XXX<strong>IV</strong>, p. 73.<br />

13


76,8 grãos. Comparando o po<strong>de</strong>r liberatório <strong>da</strong> prata no Brasil e em Portugal, segundo a proposta do<br />

governador-geral, o valor <strong>da</strong> prata por aqui ficaria levantado em 28%, na prática 57 . O varejo, os<br />

trocos e as esmolas estão comtemplados na proposta, mas, neste sentido, muito pouco se efetivou.<br />

Câmara Coutinho concluiu o documento prevendo as resistências que a proposta po<strong>de</strong>rá<br />

enfrentar e apela ao rei para que leve em conta primeiramente o bem público, a <strong>de</strong>fesa do Estado e a<br />

restauração <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> real.<br />

O governador estava bastante empenhado na questão. Sobre o assunto, escreveu uma outra<br />

carta ain<strong>da</strong> em julho <strong>de</strong> 1692 58 . Esta para o secretário <strong>de</strong> Estado Mendo <strong>de</strong> Fóios Pereira, a quem<br />

relata as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para pagar os soldos: <strong>de</strong>sentesourou os metais preciosos <strong>de</strong> que dispunha,<br />

porém, por ouro alega não ter encontrado quem lhe <strong>de</strong>sse dinheiro. Os problemas administrativos se<br />

agravavam e era necessário investir mais incisivamente a fim <strong>de</strong> conseguir uma resposta positiva<br />

para suas propostas, para tanto, segundo informou a Mendo F. Pereira, enviara à corte Dom João<br />

Lencastro e Francisco Men<strong>de</strong>s Galvão, pessoas <strong>de</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e bons serviços prestados, para<br />

testemunhar pessoalmente sobre a situação do Brasil. O tom pessimista no final <strong>da</strong> carta lembra a<br />

maneira com que o padre Vieira tratava o mesmo problema em suas correspondências: “estando eu<br />

governando com to<strong>da</strong> a inteireza e cui<strong>da</strong>do, como a VM lá lhe será presente e se o remédio não vier<br />

na primeira frota, para a outra já é tar<strong>de</strong>”.<br />

A Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> provincial do Brasil e o sistema colonial<br />

Entre meados <strong>de</strong> 1692 e início <strong>de</strong> 1694, as negociações do governador-geral Câmara<br />

Coutinho, apoiado por várias autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s coloniais, com a Coroa se intensificaram. A resistência<br />

inicial <strong>de</strong> Dom Pedro II em aprovar uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> no Brasil levou o govenador a aperfeiçoar<br />

os seus argumentos: em carta <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1693, o governador afirma que anualmente a Bahia<br />

recebe até 60 mil cruzados em ouro <strong>da</strong> Mina, o que, sendo amoe<strong>da</strong>do, po<strong>de</strong>ria passar para o Reino<br />

on<strong>de</strong> a escassez <strong>de</strong> numerário, assim como no Brasil, oprimia o comércio e as contas do governo 59 .<br />

57<br />

Um marco correspon<strong>de</strong> a 4068 grãos. Se 4068 grãos <strong>de</strong> prata valiam 6$000 réis pela lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688, então,<br />

temos que 100 réis em moe<strong>da</strong> nova correspondiam a 76,8 grãos.<br />

58<br />

Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>. COD. 51-V-42 Fl. 14. Carta <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 para Mendo <strong>de</strong> Fóios Pereira, secretário <strong>de</strong><br />

Estado, sobre não haver dinheiro neste estado com a baixa <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>.<br />

59<br />

Fernando C. G. C. Lima. “A lei <strong>da</strong> cunhagem <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688 e a emissão <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> provincial no Brasil (1695-<br />

1702): um episódio <strong>da</strong> história monetária do Brasil”. Revista <strong>de</strong> Economia Contemporânea. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Volume 9.<br />

Número 2. pp. 385-410. Agosto <strong>de</strong> 2005. O autor apresenta um diagnóstico <strong>da</strong>s propostas do governador entre as páginas<br />

399 e 401. Sobre o último argumento <strong>de</strong> Câmara Coutinho, apresenta transcrição na página 401 retira<strong>da</strong> <strong>de</strong> Documentos<br />

Históricos, XXXVIII, pp. 151-153. Escreve o governador-geral sobre este ponto ao secretário <strong>de</strong> Estado Mendo Pereira<br />

em 30 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1693: Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>. COD. 51-V-42 Fl. 42v. Carta <strong>de</strong> Antônio Luís Gonçalves <strong>da</strong> Câmara<br />

Coutinho ao secretário <strong>de</strong> Estado Mendo Fóios Pereira, Bahia, 30 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1693.<br />

14


Em 8 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1694, Dom Pedro II mandou publicar a lei 60 que foi um marco na <strong>História</strong><br />

monetária colonial 61 . O texto <strong>da</strong> lei quase reproduz um trecho <strong>da</strong> carta <strong>de</strong> Câmara Coutinho ao rei 62 ,<br />

mostrando-nos a força <strong>da</strong> argumentação <strong>da</strong>quele governador-geral que oferecia soluções práticas<br />

para problemas graves, ancorado no pensamento econômico 63 predominante naquele momento.<br />

Apesar <strong>da</strong> sofisticação <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> Câmara Coutinho, a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção dos contratos <strong>da</strong><br />

Coroa no Brasil parece ter sido o motivo prepon<strong>de</strong>rante 64 .<br />

Mandou-se pela lei lavrar moe<strong>da</strong> provincial e ratificou-se uma medi<strong>da</strong> monetária comumente<br />

pratica<strong>da</strong> na colônia, por várias câmaras municipais, que era o levantamento do valor extrínseco <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong>, isto é, a <strong>de</strong>svalorização do real em relação ao metal precioso: por exemplo, uma moe<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

prata valeria mais réis e, portanto, teria maior valor nas locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s on<strong>de</strong> houvesse sido <strong>de</strong>terminado<br />

um levantamento. O objetivo era evitar a evasão monetária, estimulando os negociantes a <strong>de</strong>ixarem a<br />

moe<strong>da</strong> em troca <strong>de</strong> mercadorias coloniais. O tamanho do levantamento legalizado pelo rei foi <strong>de</strong><br />

10% para a moe<strong>da</strong> provincial sobre a moe<strong>da</strong> metropolitana, matéria em que Câmara Coutinho<br />

reclamava 20% 65 <strong>de</strong> levantamento.<br />

Sobre moe<strong>da</strong> miú<strong>da</strong> e <strong>de</strong> cobre, a lei na<strong>da</strong> <strong>de</strong>termina. Alguns fatores po<strong>de</strong>m contribuir para<br />

eluci<strong>da</strong>r o fato: o cobre não foi amoe<strong>da</strong>do em Portugal nas últimas déca<strong>da</strong>s do século XVII <strong>de</strong>vido<br />

aos conflitos bélicos europeus que requisitavam para produção <strong>de</strong> armas este metal, assim como a<br />

produção <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> cobre para os mecanismos dos engenhos num momento em que a produção<br />

açucareira no Brasil vivia certa recuperação 66 . Entretanto, os interesses particulares acusados por<br />

Coutinho e “to<strong>da</strong> a supposição e experiência” dos ministros do rei, ao que parece, não imaginavam<br />

que as esmolas dos mendigos e os trocos contribuiriam para a Real Fazen<strong>da</strong> ou, como “remédio”, à<br />

saú<strong>de</strong> do comércio colonial. A produção monetária baiana em 1698, último ano <strong>de</strong> cunhagem <strong>da</strong><br />

primeira fábrica <strong>da</strong> Bahia, concentrou-se nas “moe<strong>da</strong>s” <strong>de</strong> ouro no valor <strong>de</strong> 4$000, abandonando-se<br />

60<br />

Cleber Baptista Gonçalves. Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1989, pp. 99 e 100. A<br />

documentação apresenta<strong>da</strong> no livro e aproveita<strong>da</strong> neste estudo foi extraí<strong>da</strong> do Livro I do Arquivo <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>.<br />

61<br />

“Carta <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1694. Criação <strong>de</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> na Bahia, levantamento do marco <strong>de</strong> ouro e prata”.<br />

Disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. Ius Lusitaniae: Fontes Históricas do Direito Português: Collecção<br />

Chronologica <strong>da</strong> Legislação Portugueza -1683-1700.<br />

62<br />

Anais <strong>da</strong> Biblioteca Nacional, LVII, p. 148.<br />

63<br />

Eli F. Heckscher. La época mercantilista: <strong>História</strong> <strong>de</strong> la organización y las i<strong>de</strong>as económicas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el final <strong>de</strong> la E<strong>da</strong>d<br />

Media hasta la Socie<strong>da</strong>d Liberal. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1983, pp. 644-659.<br />

64<br />

Roberto C Simonsen. <strong>História</strong> econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 340.<br />

65<br />

No texto <strong>de</strong>sta lei publicado na Collecção Chronológica <strong>de</strong> José Justino <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e <strong>Silva</strong>, disponível no sítio do<br />

projeto Ius lusitaniae, o levantamento indicado é <strong>de</strong> 1 por cento; já no texto <strong>de</strong> Cleber Baptista Gonçalves, Casa <strong>da</strong><br />

Moe<strong>da</strong> do Brasil, o levantamento é <strong>de</strong> 10%, conforme o que se <strong>de</strong>u.<br />

66<br />

Rita Martins <strong>de</strong> Sousa. Moe<strong>da</strong> e metais preciosos no Portugal setecentista (1688-1797). Lisboa: Imprensa Nacional-<br />

Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 2006, pp. 117 e 118. O cobre também era utilizado para produção <strong>de</strong> mecanismos dos engenhos e estava<br />

a ocorrer na primeira meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1690 o início <strong>de</strong> uma “recuperação conjuntural” <strong>da</strong> produção açucareira:<br />

conferir em Vera Ferlini, Terra, trabalho e po<strong>de</strong>r: o mundo dos engenhos no Nor<strong>de</strong>ste colonial. Bauru: Edusc, 2003, pp.<br />

113-117.<br />

15


as “meias moe<strong>da</strong>s” e os “quartos”, que já não se fabricavam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 96; no que diz respeito à produção<br />

em prata, naqueles <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros meses, produziram-se apenas as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> “duas patacas” e “uma<br />

pataca”, no valor <strong>de</strong> 640 e 320, réis respectivamente – assim como em Portugal, aqui o perfil <strong>da</strong><br />

amoe<strong>da</strong>ção privilegiou as gran<strong>de</strong>s transações 67 .<br />

Seguindo outra sugestão <strong>da</strong> carta <strong>de</strong> Câmara Coutinho envia<strong>da</strong> ao rei em 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1692 68 ,<br />

a lei que fun<strong>da</strong> a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> provincial <strong>de</strong>termina pesa<strong>da</strong>s penas a todos que cometerem o crime<br />

<strong>de</strong> retirarem do Brasil moe<strong>da</strong> provincial, a saber, as que constam no Livro V <strong>da</strong>s Or<strong>de</strong>nanças, Título<br />

113: pena <strong>de</strong> morte natural e confisco <strong>de</strong> bens, o que era comparável ao crime <strong>de</strong> lesa-majesta<strong>de</strong>.<br />

Em meados <strong>de</strong> 1694, chegava a Bahia o novo governador-geral, Dom João <strong>de</strong> Lencastre, com<br />

a missão <strong>de</strong> abrir a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>. Este fato foi celebrado por muitos, inclusive pelo padre Antônio<br />

Vieira 69 .<br />

Após a lei <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1694, que estabelecia a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> na Bahia e algumas<br />

regras sobre o valor <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s provinciais, coube a autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s coloniais <strong>de</strong>terminarem o ajuste a<br />

ser feito para a produção do dinheiro na colônia. Este documento <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1694 trata<br />

<strong>de</strong>ste assunto um tanto confuso.<br />

Os limites estabelecidos pela lei <strong>de</strong> 94 <strong>de</strong>terminavam que o marco 70 <strong>de</strong> ouro, na lei <strong>de</strong> 22<br />

quilates 71 , correspon<strong>de</strong>ria ao valor <strong>de</strong> 105$600 réis no Brasil, enquanto em Portugal se manteria em<br />

96$000 réis. O valor <strong>da</strong> onça <strong>de</strong> ouro 72 no Brasil foi fixado em 13$200 e a oitava 73 em 1$650; em<br />

Portugal, a onça foi fixa<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1688 em 12$000 e a oitava em 1$500 réis.<br />

Para a prata, que era ain<strong>da</strong> o metal dominante no estoque monetário <strong>da</strong> colônia, a situação não<br />

é tão clara, pois a lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688 fixou o valor do marco <strong>da</strong> prata em 6$000 réis, a onça,<br />

seguindo a proporção, foi estabeleci<strong>da</strong> em 750 réis e, portanto, a oitava correspon<strong>de</strong>ria ao valor <strong>de</strong><br />

93,75 réis, porém o levantamento extrínseco exce<strong>de</strong>, aparentemente, os 10% <strong>de</strong>terminados na dita lei<br />

<strong>de</strong> 94, uma vez que o marco <strong>de</strong> prata <strong>de</strong>veria ser entregue a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil a 7$040 réis, o<br />

67<br />

Cleber Baptista Gonçalves. Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1989, p.148. Estu<strong>da</strong>r o processo<br />

<strong>de</strong>cisório na Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e suas influências é uma <strong>da</strong>s tarefas que ain<strong>da</strong> nos resta executar. Saber se a tendência <strong>da</strong><br />

produção <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> maior valor respondia às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do comércio colonial e se houve resistências ou<br />

insatisfações com a composição <strong>da</strong> produção monetária entre 1697 e 1698. Preten<strong>de</strong>-se encontrar os beneficiados e os<br />

prejudicados e seu encaixe no sistema colonial.<br />

68<br />

Cleber Baptista Gonçalves. Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1989, pp. 95-99. E nos Anais <strong>da</strong><br />

Biblioteca Nacional, LVII, pp. 147-153.<br />

69<br />

Cartas, III, pp. 676 e 677. Carta <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1694 <strong>de</strong> Vieira ao duque do Ca<strong>da</strong>val.<br />

70<br />

Um marco, aproxima<strong>da</strong>mente, equivale a 229,48 gramas.<br />

71<br />

A lei ou toque do ouro é a proporção <strong>de</strong> ouro em uma <strong>da</strong><strong>da</strong> massa ou objeto dito feito <strong>de</strong> ouro. Tal proporção é<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> em quilates, que po<strong>de</strong>m chegar ao máximo <strong>de</strong> 24, caso em que o objeto seria composto inteiramente <strong>de</strong><br />

ouro. O toque para as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro, segundo a lei <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688, era <strong>de</strong> 22 quilates, isto é, 22 partes <strong>de</strong> ouro e<br />

duas <strong>de</strong> outro metal na composição <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s – 91, 666% <strong>de</strong> ouro na massa <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s, aproxima<strong>da</strong>mente.<br />

72<br />

Uma onça é a oitava parte <strong>de</strong> um marco.<br />

73 Uma oitava é a oitava parte <strong>de</strong> uma onça.<br />

16


que correspon<strong>de</strong> a um avanço <strong>de</strong> 17,33%, aproxima<strong>da</strong>mente. Para se resolver este problema, não se<br />

po<strong>de</strong> esquecer que a mesma lei <strong>de</strong> 88 <strong>de</strong>terminou que as patacas e outras moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prata corressem<br />

a peso, valendo 100 réis a oitava – encontramos aí uma política para atração <strong>de</strong> metal estrangeiro,<br />

que valeria mais por oitava ao entrar em Portugal do que a oitava <strong>de</strong> prata em dinheiro português.<br />

Isto posto, uma informação importante, é que o estoque monetário no Brasil era composto,<br />

sobretudo, por moe<strong>da</strong>s espanholas <strong>de</strong> prata 74 e, por isso, a moe<strong>da</strong> aqui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a aplicação <strong>da</strong> dita lei<br />

<strong>de</strong> 1688 <strong>de</strong>veria correr a peso <strong>de</strong> 100 réis por oitava. O levantamento <strong>de</strong> 10%, no valor extrínseco <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> prata provincial sobre a moe<strong>da</strong> do reino, partiria do valor <strong>de</strong> 100 réis por oitava,<br />

estabelecendo a lei <strong>de</strong> 94 o valor <strong>de</strong> 110 réis para ca<strong>da</strong> oitava <strong>de</strong> prata a ser refundi<strong>da</strong> na Casa <strong>da</strong><br />

Moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> Salvador. Consequentemente, os valores estabelecidos para a onça e para o marco <strong>de</strong> prata,<br />

a ser transforma<strong>da</strong> em moe<strong>da</strong> provincial, eram <strong>de</strong> 880 e 7$040 réis respectivamente. Não haveria<br />

mu<strong>da</strong>nças na lei <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> prata, que permaneceria em 11 dinheiros 75 .<br />

Quanto aos ajustes a serem feitos para a produção <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> provincial, o juiz <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong><br />

Moe<strong>da</strong>, José Ribeiro Rangel, em carta <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1694 76 ao governador-geral Dom João<br />

<strong>de</strong> Lencastro pon<strong>de</strong>ra sobre a proporção <strong>de</strong> metal precioso na moe<strong>da</strong> provincial. Assinala a<br />

liberali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> intenção do rei em não cobrar para si a senhoriagem, o que não livra a Casa <strong>de</strong> pagar<br />

por seu próprio funcionamento e outros custos, <strong>de</strong>legando às autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s monetárias, recém-<br />

empossa<strong>da</strong>s 77 , o cálculo sobre o quanto <strong>de</strong> metal precioso terão as moe<strong>da</strong>s produzi<strong>da</strong>s no Brasil <strong>de</strong><br />

modo que sobre quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> suficiente <strong>de</strong> ouro e prata para pagar a <strong>de</strong>spesa <strong>da</strong> dita Casa. Pagar-se-ia,<br />

por exemplo, 110 réis por oitava 78 <strong>de</strong> prata na entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e, na saí<strong>da</strong>, 110 réis em<br />

moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prata (meio tostão e três vinténs) que conteriam menos <strong>de</strong> uma oitava <strong>da</strong>quele metal.<br />

Determinar esta diferença foi a tarefa sobre a qual se <strong>de</strong>bruçou José Ribeiro Rangel 79 .<br />

O juiz apresenta cálculos que apontam que um levantamento <strong>de</strong> 20% seria o i<strong>de</strong>al, pois pagar<br />

a oitava a 100 réis e <strong>de</strong>volvê-la em moe<strong>da</strong> nova a 120 réis faria restar 640 réis por marco “<strong>de</strong> fabrica<br />

74<br />

Pedro Calmon. <strong>História</strong> do Brasil, vol. III, Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio Editora, 1959, p. 877.<br />

75<br />

A lei <strong>da</strong> prata é a proporção <strong>de</strong> prata na massa <strong>de</strong> <strong>da</strong>do objeto dito feito <strong>de</strong> prata. Uma moe<strong>da</strong> na lei <strong>de</strong> onze dinheiros<br />

apresenta em sua massa metálica 91,666% <strong>de</strong> prata, isto é, 11/12 <strong>de</strong> prata. Interessante explanação sobre esta lei se<br />

encontra em Fernando C. G. C. Lima. “A lei <strong>da</strong> cunhagem <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1688 e a emissão <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> provincial no<br />

Brasil (1695-1702): um episódio <strong>da</strong> história monetária do Brasil”. Revista <strong>de</strong> Economia Contemporânea. Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Volume 9. Número 2. pp. 385-410. Agosto <strong>de</strong> 2005.<br />

76<br />

Cleber Baptista Gonçalves. Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1989, pp. 144-146.<br />

77<br />

Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., pp. 110 e 111. Lista dos oficiais moe<strong>de</strong>iros com seus or<strong>de</strong>nados e informação sobre<br />

os quais vieram <strong>de</strong> Portugal e que, portanto, receberam uma aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> custo a ser restituí<strong>da</strong> pela Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> a ser<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

78<br />

A oitava equivale a 3,5856 gramas.<br />

79<br />

José Ribeiro Rangel veio <strong>de</strong> Portugal para o Brasil para a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> com or<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> 400$000 por<br />

ano. Cerca <strong>de</strong> sessenta anos <strong>de</strong>pois o or<strong>de</strong>nado do provedor era <strong>de</strong> 800$000 segundo José Antônio Cal<strong>da</strong>s. Notícia Geral<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong> esta Capitania <strong>da</strong> Bahia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu <strong>de</strong>scobrimento até o presente ano <strong>de</strong> 1759. Edição fac-similar. Salvador:<br />

Tipografia Beneditina, 1951, p. 460.<br />

17


para as <strong>de</strong>spezas dos feitios, or<strong>de</strong>nados, engenhos e obras, <strong>da</strong> mesma caza”. Porém, pelas leis do<br />

reino não seria possível tal encaminhamento. Procurando seguir o que faz a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Lisboa, “tomando o regimento pella observação <strong>da</strong>s casas <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> do Reyno, e fazendo a conta<br />

respetivamente pela observação”, mas sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> projetar o pagamento <strong>da</strong> <strong>de</strong>spesa <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong><br />

Bahia, finaliza a proposta sobre as moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prata ao governador-geral: 3 oitavas e 30 grãos 80 para<br />

moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 400 réis; 1 oitava e 51 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 200 réis; 61 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 100 réis;<br />

49,5 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 80 réis; 30 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 50 réis; 24,5 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 40<br />

réis e 12,25 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> vinte réis. Saindo <strong>de</strong>ssa maneira o marco <strong>de</strong> prata amoe<strong>da</strong>do por<br />

7$460 réis: 7$040 para as partes, conforme <strong>de</strong>termina a lei, e 420 réis para as <strong>de</strong>spesas <strong>da</strong> fábrica.<br />

Com a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> em pleno funcionamento, o marco <strong>de</strong> prata em moe<strong>da</strong> nova acabou por sair a<br />

7$600 réis, possivelmente, para a<strong>de</strong>quar a produção às <strong>de</strong>spesas <strong>da</strong> Casa.<br />

Em relação às moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro 81 , a proposta 82 do juiz foi a seguinte: 2 oitavas e 20 grãos para<br />

moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 4$000 réis; 1 oitava e 10 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 2$000 e 41 grãos para moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1$000<br />

réis. Estes <strong>da</strong>dos sobre a produção <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro estão concor<strong>da</strong>ntes com o relato <strong>de</strong> Sebastião<br />

<strong>da</strong> Rocha Pita. Saindo o marco <strong>de</strong> ouro lavrado a 112$640 réis, dos quais 105$600 para as partes,<br />

cumprindo a lei, e o restante para a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>. Concluindo, para marco <strong>de</strong> prata cunhado,<br />

caberia à instituição 560 réis e para ca<strong>da</strong> marco <strong>de</strong> ouro cunhado, caberia para as <strong>de</strong>spesas <strong>da</strong> Casa<br />

960 réis.<br />

Entre 1695 e 1698, a produção monetária provincial foi <strong>de</strong> 921:022$140 réis, sendo<br />

102:070$000 83 em ouro e 818:952$140 em prata 84 , valor que superou em muito a quantia reclama<strong>da</strong><br />

para a Bahia por Câmara Coutinho, um milhão <strong>de</strong> cruzados e 30 mil réis em moe<strong>da</strong>s miú<strong>da</strong>s, ou<br />

494:400$000 <strong>de</strong> réis em moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro prata e cobre. Mesmo se consi<strong>de</strong>rarmos que houve<br />

significativas remessas pernambucanas, a diferença ain<strong>da</strong> seria saliente. Estes <strong>da</strong>dos fun<strong>da</strong>mentaram<br />

a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> fechamento <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> em Salvador.<br />

Câmara Coutinho, em meio às negociações pela Casa, já apontava para uma produção<br />

limita<strong>da</strong> 85 <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> para a colônia e para a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produção nas três principais praças, isto<br />

é, além <strong>da</strong> Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro e Pernambuco 86 . Após extensa negociação e troca <strong>de</strong><br />

80 Uma oitava contém 72 grãos; ca<strong>da</strong> grão correspon<strong>de</strong> a 49,8 miligramas.<br />

81 Sobre a origem do ouro amoe<strong>da</strong>do, afirmou-se ser oriundo <strong>da</strong> África e <strong>de</strong> São Paulo. Sebastião <strong>da</strong> Rocha Pita. <strong>História</strong><br />

<strong>da</strong> América Portuguesa. Belo Horizonte-São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1976, p. 211.<br />

82 Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., p. 148.<br />

83 Severino Sombra estima a produção monetária em ouro <strong>da</strong> Bahia em 102 contos. Pequeno esboço <strong>de</strong> história<br />

monetária do Brasil colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1940, p. 47.<br />

84 Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., p. 148.<br />

85 Biblioteca <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>. COD. 51-V-42 Fl. 42v. Carta <strong>de</strong> Antônio Luís Gonçalves <strong>da</strong> Câmara Coutinho ao secretário <strong>de</strong><br />

Estado Mendo Fóios Pereira, Bahia, 30 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1693.<br />

86 Anais <strong>da</strong> Biblioteca Nacional, LVII, p.153.<br />

18


correspondências entre Artur <strong>de</strong> Sá e Menezes, governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro, e Dom João <strong>de</strong><br />

Lencastro, governador-geral 87 , o rei tomou a <strong>de</strong>cisão favorável à transferência para o Rio <strong>de</strong>vido às<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e resistências em fazer os moradores <strong>da</strong>s capitanias do sul enviar seu dinheiro para<br />

recunhagem em Salvador. Contudo, ao confrontarmos a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro fabricado ante o<br />

conteúdo e forma <strong>da</strong> dita carta, pela qual parecia que nem haveria metal suficiente para produção<br />

proposta, resta um certo estranhamento ou uma suposta contradição que, possivelmente, alimentou a<br />

suspeita que apresenta<strong>da</strong> na carta <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1698.<br />

Em 1697, foi emiti<strong>da</strong> <strong>de</strong> Portugal a primeira or<strong>de</strong>m para o fechamento <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> por<br />

meio <strong>de</strong> carta régia em 7 <strong>de</strong> março 88 . A Casa <strong>de</strong>veria ser fecha<strong>da</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um ano a contar <strong>da</strong><br />

chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> próxima frota e após este prazo todo dinheiro não cunhado em Pernambuco não mais<br />

teria valor legal. Em relação ao Rio <strong>de</strong> Janeiro, o rei compreen<strong>de</strong>u ou ce<strong>de</strong>u às alegações dos<br />

moradores <strong>da</strong>s capitanias do sul sobre sua resistência em enviar o dinheiro para Bahia. Tais<br />

resistências tinham como argumento principal os perigos <strong>da</strong> viagem, sobretudo, os piratas. Em carta<br />

régia <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> janeiro do mesmo ano foi ofereci<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> instalar Casa <strong>de</strong> Moe<strong>da</strong> naquela<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> 89 , a qual foi aceita pela Câmara em 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1697 com os custos do transporte dos<br />

equipamentos e oficiais por conta <strong>da</strong> municipali<strong>da</strong><strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Des<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> 1698, o rei já havia man<strong>da</strong>do fechar a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> Salvador 90 ,<br />

or<strong>de</strong>nando o fim dos trabalhos <strong>da</strong> amoe<strong>da</strong>ção. Observava, porém, que, caso chegassem moe<strong>da</strong>s<br />

antigas <strong>de</strong> Pernambuco no prazo <strong>de</strong> quinze dias, sobre elas o trabalho continuaria para que não<br />

houvesse <strong>de</strong>sperdício dos recursos <strong>de</strong> transporte <strong>da</strong>s peças. A carta chegou às mãos do<br />

superinten<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> João <strong>da</strong> Rocha Pita e do governador Dom João <strong>de</strong> Lencastro em 8<br />

<strong>de</strong> julho, portanto, a partir <strong>da</strong> última semana do sétimo mês <strong>de</strong> 1698, apenas moe<strong>da</strong>s oriun<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

Pernambuco <strong>de</strong>veriam ser processa<strong>da</strong>s.<br />

Com a Carta Régia <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1698 ao governador-geral Dom João <strong>de</strong> Lencastro, o<br />

rei <strong>de</strong>finiu o impasse, <strong>de</strong>terminando o encerramento <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> provincial na Bahia por julgar a<br />

produção 91 executa<strong>da</strong> mais que suficiente 92 , e or<strong>de</strong>nando a transferência <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> para a<br />

87<br />

Severino Sombra. Pequeno esboço <strong>de</strong> história monetária do Brasil colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1940,<br />

pp. 43-45.<br />

88<br />

Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., p. 153.<br />

89<br />

Severino Sombra. <strong>História</strong> monetária do Brasil colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Laemmert, 1938, p. 107. Vivaldo Coaracy. O<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro no século 17. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio Editora, 1944, pp. 224 e 228.<br />

90<br />

Carta Régia <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1698, transcrita em Cleber Baptista Gonçalves. Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Brasil, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1989, p. 149. O autor não apresenta a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produção por ano, o que <strong>de</strong>ixa dúvi<strong>da</strong>s se a<br />

produção <strong>de</strong> 1698 foi volumosa. Este estudo carece <strong>de</strong>sses <strong>da</strong>dos, pois po<strong>de</strong>m ser indícios <strong>de</strong> pressão dos interesses<br />

comerciais ou administrativos sobre o perfil <strong>da</strong> amoe<strong>da</strong>ção na Bahia entre 1695 e 1698.<br />

91<br />

Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., p. 149.<br />

19


ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Porém, o <strong>de</strong>spacho <strong>da</strong> maioria dos oficiais e dos equipamentos para o sul<br />

só se efetivou em <strong>de</strong>zembro <strong>da</strong>quele ano 93 .<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>da</strong> fiscalização sobre os ourives, o que <strong>de</strong>staca na explicação do rei é o<br />

entendimento <strong>de</strong> que o reino sofria a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ficar sem pataca alguma e que a Bahia<br />

<strong>de</strong>sempenharia uma parte nesta temi<strong>da</strong> evasão <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s 94 . Estabeleceu-se que as patacas corressem<br />

a 750 réis no máximo, valor ligeiramente menor do que tinham no reino 95 , sem levantamento local<br />

além do <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s provinciais, e que seja observado o seu peso, pois os negociantes, “usando <strong>de</strong><br />

cautelas contra a prohibição <strong>da</strong> Ley”, estariam a evadir patacas <strong>de</strong> Portugal.<br />

Outros locais <strong>da</strong> Europa tinham maior influência sobre a evasão monetária <strong>da</strong>s patacas <strong>de</strong><br />

Portugal. Segundo Pierre Vilar, a reforma monetária na Espanha 96 se baseou em: menor utilização <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> cobre, substituí<strong>da</strong> pela prata na circulação; valorização do maravedi, moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> conta<br />

espanhola que passava a ter maior valor em prata 97 ; levantamento do valor extrínseco do real <strong>de</strong> prata<br />

na Espanha, mantendo seu valor antigo nas colônias com o objetivo <strong>de</strong> atrair mais prata <strong>da</strong> América;<br />

tudo isso ain<strong>da</strong> foi reforçado por uma possível recuperação <strong>de</strong>mográfica, reanimando a produção,<br />

com influência positiva para estabilização dos preços. Para a Espanha, o “fim <strong>da</strong> crise, <strong>de</strong> fato,<br />

aparece em 1686” 98 . Outros países <strong>da</strong> Europa também realizaram reformas monetárias para resolver<br />

problemas <strong>de</strong> inflação e atrair metal precioso.<br />

Certamente, a Bahia não seria o centro causador <strong>da</strong> evasão monetária <strong>de</strong> Portugal, mas, a<br />

Coroa portuguesa queria se salvaguar<strong>da</strong>r por todos os lados. Por outro lado, não po<strong>de</strong>mos negar que<br />

a carta régia era, ao menos, um indício <strong>de</strong> que negociantes estivessem retirando metal do reino e<br />

entregando para cunhagem na Bahia, a fim <strong>de</strong> aproveitar o levantamento <strong>de</strong> 10% <strong>da</strong> prata em moe<strong>da</strong><br />

provincial. Segundo a carta, a proibição <strong>de</strong> não se retirar moe<strong>da</strong> do reino não era cumpri<strong>da</strong> e,<br />

consequentemente, a moe<strong>da</strong> provincial não se encontrava melhor protegi<strong>da</strong>. Segundo Pierre Vilar, a<br />

Inglaterra exercia uma crescente influência política e econômica sobre Portugal nas déca<strong>da</strong>s finais do<br />

século XVII, justamente um período inflacionário vivido pelos ingleses, o que explicaria muito <strong>da</strong><br />

92 O critério para fazer este julgamento, o <strong>de</strong> que a produção monetária “não só basta mais sobra”, <strong>de</strong>ve ter sido baseado<br />

na proposta <strong>de</strong> Câmara Coutinho, que projetava 2 milhões <strong>de</strong> cruzados, quantia que a produção monetária baiana<br />

aparentemente superara.<br />

93 Severino sombra. Pequeno esboço <strong>de</strong> historia monetária do Brasil colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1940,<br />

p. 46.<br />

94 Aviso <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1697 citado por Severino Sombra. <strong>História</strong> monetária do Brasil colonial. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Laemmert, 1938, p. 107. A escassez <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s também era um problema em Portugal.<br />

95 Rita Martins <strong>de</strong> Sousa. Moe<strong>da</strong> e metais preciosos no Portugal setecentista: 1688-1797. Lisboa: Imprensa Nacional-<br />

Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 2006, pp<br />

96 Pierre Vilar. Ouro e moe<strong>da</strong> na história: 1450-1920. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e terra, 1980, pp. 292-295.<br />

97 A partir <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1680, o maravedi tem seu valor aumentado <strong>de</strong> 28 para 62 mg <strong>de</strong> prata.<br />

98 Carl Hanson. Economia e Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> no Portugal barroco: 1668-1703. Lisboa: Dom Quixote, 1986, p. 240 e seguintes.<br />

O autor apresenta a reforma monetária portuguesa e os impactos <strong>da</strong> reforma espanhola sobre a evasão <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

Portugal.<br />

20


evasão monetária portuguesa na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1690 99 . Para eluci<strong>da</strong>r a suposta<br />

contradição entre a anuncia<strong>da</strong> escassez <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> e a relativa gran<strong>de</strong> produção monetária <strong>da</strong> Bahia,<br />

po<strong>de</strong>-se lançar mão mais uma vez <strong>de</strong> Vilar, que afirma ter havido entesouramento <strong>de</strong> ouro no Brasil<br />

antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> por conta <strong>de</strong> leis monetárias portuguesas 100 .<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suspeitas e hipóteses, a orientação era que a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> encerrasse<br />

os trabalhos o mais rapi<strong>da</strong>mente e, logo, fosse instala<strong>da</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> a amoe<strong>da</strong>ção <strong>de</strong>veria<br />

ser executa<strong>da</strong> no mais breve tempo possível. Importantes oficiais como José Ribeiro Rangel, juiz, e<br />

Manoel <strong>de</strong> Sousa, ensaiador, além <strong>de</strong> outros necessários <strong>de</strong>veriam ser enviados <strong>da</strong> Bahia ao Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro on<strong>de</strong> a nova Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> cunharia sob a instrução escrita 101 por João <strong>da</strong> Rocha Pita,<br />

superinten<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Casa na Bahia, que recebera carta do rei sobre esta matéria já em 7 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

1697 102 . Miguel <strong>de</strong> Siqueira Castelo Branco assumiu o posto <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong><br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Em primeiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1698, Dom João <strong>de</strong> Lencastro já havia fretado um<br />

navio para o traslado <strong>da</strong> “fábrica e oficiais” por 600$000 réis a serem pagos no Rio <strong>de</strong> Janeiro 103 . Em<br />

carta <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 98, o governador-geral remete a instrução sobre os trabalhos <strong>de</strong> cunhagem<br />

ao <strong>de</strong>sembargador Doutor Miguel <strong>de</strong> Siqueira Castelo Branco e, em 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1699, iniciaram-<br />

se os trabalhos na Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro 104 .<br />

Em outubro <strong>de</strong> 1700, a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> foi transferi<strong>da</strong> para o Recife, a fim <strong>de</strong> amenizar a<br />

escassez <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> entre os pernambucanos 105 . A Casa amoedou até início <strong>de</strong> 1702 em Pernambuco.<br />

A amoe<strong>da</strong>ção no Rio <strong>de</strong> Janeiro, durante todo o tempo em que ali funcionou a fábrica, produziu as<br />

mesmas moe<strong>da</strong>s que se produzira na Bahia, com exceção <strong>da</strong>s <strong>de</strong> 20 réis. A produção totalizou<br />

612:644$640 em ouro e 255:694$940 em prata; total <strong>de</strong> 868:339$580 réis. Certamente, o valor muito<br />

maior do ouro reflete a afluência <strong>de</strong> metal <strong>da</strong>s minas. Em 1702, a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> voltaria ao Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, on<strong>de</strong> se fixou, mas não para produzir moe<strong>da</strong> provincial.<br />

A população <strong>de</strong> Pernambuco e capitanias anexas tiveram pouco tempo para levar o dinheiro à<br />

nova fábrica, pois o bando que or<strong>de</strong>nava a operação foi emitido pelo governador e capitão geral <strong>de</strong><br />

Pernambuco, Dom Fenando Miz <strong>de</strong> Lancastro em 14 <strong>de</strong> setembro, com prazo máximo em 31 <strong>de</strong><br />

99<br />

Pierre Vilar. Op. cit. pp. 268-279.<br />

100<br />

I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 283.<br />

101<br />

Cleber Gonçalves. op. cit., pp. 155-157. O interessante item 14 foi recomen<strong>da</strong>do pelo próprio Dom Pedro II a Pita. C.<br />

Gonçalves. op. cit., p. 111.<br />

102<br />

Cleber Baptista Gonçalves. op. cit., p. 153. Transcrição integral <strong>da</strong> carta régia.<br />

103<br />

Documentos Históricos, XI, pp. 269-270. Severino Sombra afirma que foi nesta <strong>da</strong>ta que a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> embarcou<br />

para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Pequeno esboço <strong>de</strong> historia monetária do Brasil colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional,<br />

1940, p. 46.<br />

104<br />

Documentos Históricos, XI, pp. 271-272.<br />

105<br />

Evaldo Cabral <strong>de</strong> Mello, A fron<strong>da</strong> dos mazombos, São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1995, p. 132.<br />

21


outubro <strong>de</strong> 1700 106 , um mês e meio. A Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> do Recife cunhou apenas um tipo <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

ouro, o <strong>de</strong> 4$000 réis, e todos os tipos <strong>de</strong> moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prata, diferentemente do Rio <strong>de</strong> Janeiro que não<br />

cunhou os vinténs. Cunhou-se 428:383$260 em prata e 8:108$000 em ouro, totalizando 436:488$260<br />

réis, dos quais 12:838$405 foram entregues ao Almoxarifado <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Real a título <strong>de</strong><br />

senhoriagem, direito não cobrado em outras locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e <strong>de</strong> braçagem 107 , que são os custos <strong>de</strong> mão-<br />

<strong>de</strong>-obra <strong>da</strong> fábrica. Em carta régia <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1702 108 , o rei or<strong>de</strong>na o encerramento <strong>da</strong><br />

cunhagem em Pernambuco e o retorno <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> ao Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Algumas informações são importantes para a compreensão <strong>da</strong> presença <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> em<br />

Pernambuco, particularmente, no Recife. A Câmara <strong>de</strong> Olin<strong>da</strong>, já em 1693, diligenciava no sentido<br />

<strong>de</strong> receber uma Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> 109 , <strong>de</strong>ntro do mesmo contexto em que o governador Câmara<br />

Coutinho escrevera <strong>da</strong> Bahia: forte evasão monetária, conjuntura ain<strong>da</strong> não favorável à produção<br />

açucareira e, no caso pernambucano, em meio às crescentes tensões entre “mazombos” e “mascates”.<br />

Os comerciantes <strong>de</strong> Recife, diante <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Pernambuco receber a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> 110 ,<br />

conseguem afastar Olin<strong>da</strong> e sediar a dita Casa. Nesta disputa, uma <strong>da</strong>s mais importantes figuras foi<br />

Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Matos, próspero comerciante que começara a vi<strong>da</strong> como pedreiro e enriquecendo nas<br />

últimas déca<strong>da</strong>s do XVII atuando no varejo e no atacado <strong>de</strong> mercadorias e na agiotagem; agente do<br />

“capital comercial e usurário encarnado [...] no Recife” 111 . Fernan<strong>de</strong>s Matos ofereceu a suas próprias<br />

custas o prédio on<strong>de</strong> se instalou a Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e recebeu o reconhecimento real 112 .<br />

Tendo em vista os negócios <strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Matos, o ambiente tenso <strong>de</strong> Pernambuco<br />

naqueles anos do final do XVII e início do XVIII, que aproximava comerciantes do pequeno e do<br />

gran<strong>de</strong> comércio contra a aristocracia <strong>de</strong> Olin<strong>da</strong> e o perfil <strong>da</strong> amoe<strong>da</strong>ção no Recife, abre-se um<br />

caminho para investigação: a produção apenas <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> 4$000 réis apontam para a<br />

influência do gran<strong>de</strong> comércio, enquanto a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> produção dos vinténs, cujos ferros ficaram<br />

empoeirados por todo o tempo que estiveram no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Tal fato indica uma certa atenção<br />

aos comerciantes <strong>de</strong> varejo. A moe<strong>da</strong> provincial, a moe<strong>da</strong> miú<strong>da</strong> e a política <strong>de</strong> levantamento<br />

monetário local, em breve, voltaram a aparecer como temas importantes na política pernambucana,<br />

106<br />

A transcrição do documento está em Cleber B. Gonçalves. op. cit., p. 164.<br />

107<br />

Cleber Baptista Gonçalves publicou em sua obra, aqui muitas vezes cita<strong>da</strong>, nas páginas 164 e 165, um documento que<br />

escapou a Severino Sombra, pois este não o apresenta em seu livro. A escrituração final dos trabalhos <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong><br />

em Pernambuco, fonte dos números apresentados neste texto.<br />

108<br />

Carta Régia <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1702, o governador <strong>de</strong> Pernambuco. Documento transcrito integralmente por Cléber<br />

Baptista Gonçalves. op. cit., p. 166.<br />

109<br />

Cleber B. Gonçalves. op. cit., p. 163.<br />

110<br />

Carta régia <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1698 apud Cleber B. Gonçalves, op. cit., p. 163.<br />

111<br />

Evaldo Cabral <strong>de</strong> Mello. A fron<strong>da</strong> dos mazombos, São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1995, p. 144.<br />

112<br />

Carta transcrita do Arquivo Histórico Ultramarino por Cleber B. Gonçalves. op. cit., p. 163.<br />

22


haja vistas sobre mais <strong>de</strong> um ponto entre aqueles que os senhores <strong>de</strong> engenho <strong>de</strong> Olin<strong>da</strong> pretendiam<br />

discutir com a Coroa no episódio <strong>da</strong> “Guerra dos Mascates” 113 .<br />

Somando a produção monetária entre 1695 e 1702, obtém-se o valor <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong><br />

4.637.193 cruzados. Se excluirmos a produção em ouro do Rio <strong>de</strong> Janeiro, por tratar-se <strong>de</strong> uma<br />

contingência própria do período posterior à crise <strong>da</strong> economia colonial do século XVII, chega-se ao<br />

número mínimo aproximado <strong>de</strong> 3.360.850 cruzados ou 16.132 contos <strong>de</strong> réis, resultado muito<br />

distante dos 2.040.000 cruzados reclamados por Câmara Coutinho. Apesar <strong>da</strong> imprecisão dos<br />

números apresentados, a discrepância é significativa e po<strong>de</strong> reforçar a hipótese <strong>de</strong> que havia<br />

entesouramento no Brasil. Como <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong>sta hipótese, inferimos que além <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais imediatas <strong>de</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Coroa na colônia, as Casas <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> provincial<br />

cumprram a função <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentesourar ouro e prata 114 <strong>da</strong>s conquistas na América num momento <strong>de</strong><br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s na metrópole: sem notícias ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s minas, os metais preciosos <strong>de</strong>veriam sair dos baús<br />

e prateleiras, reforçando o Estado metropolitano na colônia e, ao mesmo tempo, possibilitando a<br />

valorização do capital mercantil e a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> do comércio colonial, quando este estava a se<br />

encolher 115 .<br />

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113 Pedro Calmon. <strong>História</strong> do Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio Editora, 1959 Vol III, p. 1002-1004.<br />

114 Sebastião <strong>da</strong> Rocha Pita. <strong>História</strong> <strong>da</strong> América Portuguesa. Belo Horizonte-São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1976, p. 211. O<br />

contemporâneo dos fatos <strong>de</strong>screve o <strong>de</strong>sentesouramento: “[...] muita prata em barras e outra lavra<strong>da</strong> em peças e feitios<br />

antigos, que seus donos quiseram man<strong>da</strong>r <strong>de</strong>sfazer e reduzir a dinheiro, pela conveniência que achavam no valor pelo<br />

qual se lhes pagava o marco”. Também sobre o mesmo processo: Fernando C. G. C. Lima. “A lei <strong>da</strong> cunhagem <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />

agosto <strong>de</strong> 1688 e a emissão <strong>de</strong> moe<strong>da</strong> provincial no Brasil (1695-1702): um episódio <strong>da</strong> história monetária do Brasil”.<br />

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provincial no Brasil (1695-1702): um episódio <strong>da</strong> história monetária do Brasil”. Revista <strong>de</strong> Economia<br />

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