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APONTAMENTOS ACERCA DA EVOLUCÂO DA MINA NO ...

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<strong>APONTAMENTOS</strong> <strong>ACERCA</strong> <strong>DA</strong> <strong>EVOLUCÂO</strong> <strong>DA</strong> <strong>MINA</strong> <strong>NO</strong> MARANHÂO<br />

Da Mina1 à Urnbanqa<br />

Maria do Rosário Carvalho-Santos(l)<br />

Manoel dos Santos Neto(2)<br />

RESUMO<br />

C.D.U: 394.2(812.11=96)<br />

visão da evolução das casas de culto de são Luís, onde se chama atençao<br />

para a hostilidade da classe dominante e a forte repressão policial sofridas p~<br />

los terreiros de Tambor de Mina em um determinado momento histórico.<br />

Enfocou-se a proliferação e o domínio da Umbanda sobre o espaço até há<br />

pouco tempo OCUp2ctO pelo Tambor de Mina.<br />

INTRODUCÂO<br />

Durante longos anos, os<br />

terreiros de Tambor de Mina, in<br />

fluenciados sobretudo pela Casa<br />

de Nag5,desenvolveram-se em S~o<br />

Luís ao lado de numerosas "Casas<br />

de Cura", dedicadas ~ pajelança<br />

que,por esta época, enfrentavam<br />

a perseguição policial e a ho st i.<br />

lidade da classe dominante mara<br />

nhense.<br />

Sem sossego e mui to m~<br />

nos liberdade, as "Casas de Cura"2<br />

viam-se impossibilitadas de fu~<br />

cionar. Mas, ainda assim, os cura<br />

dores, com seus penachos, metidos<br />

em impecáveis calças brancas,<br />

insistiam em fazer às escondidas,<br />

em sítios distantes, suas curas,<br />

ao som do pandeiro e maracá.<br />

Condenada pelos médicos,<br />

(1) Professora licenciada em História Funcionária das Secretarias de Cultura e<br />

Educa~ão - Técnica em Assuntos Culturais.<br />

(2) Jornalista - Kedator do Jornal do Movimento Negro AKOMABU.<br />

1<br />

2<br />

o termo "mina", muito difundido entre os pais e mães-de-santo maranhenses, é<br />

a forma simplificada da expressão TAMBOR DE HINA -- culto de raízes a::ri<br />

canas característico do Maranhão, cuja estrutura equivale, em outros Estados<br />

brasileiros,ao Candomblé (Bahí.a ), Xangô (Pernambuc o), Macumba (Rio de Jar.eiro)etc<br />

Cura, Haracá e Tambor da Hata são expressões corriqueiras nos terreiros mara<br />

nhenses, que servern de alusão à PAJELANÇA -- culto de origem indígena, cujas<br />

características, embora mescladas a elementos de origem diversa, ainda são<br />

muito fortes nos terreiros considerados de Mina.<br />

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 135 - 143, ja:1. /jun. 1988 135


epudiada pela burguesia e esco!.<br />

raçada pela polícia, a cura (pr~<br />

curada pelas classes desfavore<br />

cidas da sociedade como medicina<br />

alternativa) não resistiu à ine<br />

vitável opressão, cujo arrefeci<br />

mento só ocorreu à proporção em<br />

que os curadores adotaram um es<br />

tratagema.<br />

Eles projetaram sobre a<br />

mina o sonho de uma relativa vi<br />

da à luz do sol. E, numa terra<br />

que já se acostumava a "dormir<br />

ao som dos tambores", as "Casas<br />

de Cura" (ansiosas por um pouco<br />

de paz e liberdade) resolveram<br />

mascarar-se de Tambor de Mina,<br />

para ludibriar as forças da re<br />

pressao.<br />

Com efeito, acelerou-se<br />

o processo de fusão da mina com<br />

a pajelança. E notórios cura<br />

dores --.- ou pajés --- a partir<br />

daí, passaram a comportar-se como<br />

autênticos "mineiros". Na ver<br />

dade, eles só queriam uma coisa:<br />

ver-se livres, ainda que parcial<br />

mente, dos assédios da polícia.<br />

E, por conta da perseguição PQ<br />

licial, os curadores foram obri<br />

gados a substituir o pandeiro e<br />

o maracá inicialmente por palmas<br />

(menos ruidosas, poderiam difi<br />

cul tar o faro da pO.L-,-~~a)e d~<br />

pois, como disfarce, adotaram o<br />

mesmo ritua] dos chamados "mi<br />

neiros".<br />

Naqueles tempos ,enquanto<br />

a Igreja Católica associava as<br />

religiões de possessão (a mina<br />

e a pajelança)à demonolatria, a<br />

medicina convencional acusava a<br />

cura de charlatanismo --- um p~<br />

sado estigma que sobrevive até<br />

hoje.<br />

Graves eram os problemas<br />

acarretados pela repressão aos<br />

terreiros, a ponto de se criar<br />

um clima de apreensão na comuni<br />

dade. Entretanto, logo após a PrQ<br />

clamação da República 3,apareceu,<br />

a nível de governo, alguém que<br />

se sensibilizou diante da ví.o Lên<br />

cia desfechada contra os "mirrei<br />

ros" e, principalmente, os cur~<br />

dores. O primeiro governador prQ<br />

visório do Maranhão, Pedro Augu~<br />

to Tavares Júnior ,baixou, em 23<br />

de dezembro de 1889, um decreto<br />

que proclamava a liberdade de cul<br />

to e suspendia todos e quaisquer<br />

pagamentos à Igreja Católica.<br />

Este decreto, ainda que<br />

se coadunasse com a atmosfera<br />

criada pelo positivismo, não m~<br />

receu a acolhida do Governo Cen<br />

3 Mário Meireles. História do Maranhão. são Luís, Ed. Dasp, 1960, pág.298.<br />

136 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 135 - 143, jan./jun. 1988


tral,dadas as pressões da Igreja,<br />

e Tavares Júnior,ressentido com<br />

a revogação do referido ato, r~<br />

nunciou ao cargo, permanecendo<br />

os terreiros sob as regras da r~<br />

pressao.<br />

A memória dos pais e<br />

mães-de-santo de são Luís regi~<br />

tra até hoje, com riqueza de de<br />

talhes,toda a perseguição a que<br />

as casas de culto estavam subme<br />

tidas. Lembra-se sempre, com i~<br />

sistência e constrangimento, o<br />

episódio do terreiro de Nhá Rosa,<br />

no Codozinho. Ela estava reali<br />

zando um trabalho de cura quando<br />

a pOlícia, comandada por Flávio<br />

Bezerra, invadiu sua residência,<br />

aos pontapés, levando preso o m~<br />

rido da religiosa. Ao despertar<br />

na cadeia, o esposo da curadeira,<br />

que também era médium, sofreu um<br />

ataque cardíaco e morreu -- Nhá<br />

Rosa, angustiada, fechou o seu<br />

terreiro para sempre.<br />

Não obstante os vexames<br />

e decepções,ainda hoje há muitas<br />

histórias de terreiros que conse<br />

guiam,por meio de seus poderes,<br />

neutralizar a açao da polícia.<br />

são histórias de tropas de mi<br />

Li.ci.aque passavam a noite a pr~<br />

cura de casas de cura e 1 ao se<br />

4<br />

aproximarem destas, acabavam se<br />

perdendo nas espessas matas. Nem<br />

mesmo Flávio Bezerra, o chefe de<br />

polícia que mais importunou teE<br />

reiros em são Luís, isto no g~<br />

verno Paulo Ramos, escapou das<br />

mirongas dos espertos pais -de-<br />

santo,que faziam com que muitos<br />

de seus soldados dormissem a noi<br />

te inteira no salão, quando nao<br />

chegavam até mesmo a dançar.<br />

Em contrapartida, numa.<br />

época em que já se evidenciava a<br />

conjugação da mina com a paj~<br />

lança no Maranhão, a "mesa bran<br />

ca" (espiritismo) ainda mantinha-<br />

se distante dos terreiros. E,<br />

concebida como integrante de um<br />

"plano superior",usufruía de um<br />

certo privilégio e até mesmo da<br />

condescendência da classe domi<br />

nante.<br />

o historiador Carlos de<br />

Lima4revela, por exemplo, que o<br />

"Dr. Tarquínio Lopes Filho, ci<br />

rurgião de fama e moço de esme<br />

rada educação, kardecista con<br />

victo, não operava sem consul tar<br />

o espírito do pai, também cirur<br />

gião" .<br />

Até então, entendia-se<br />

como incompatível a aproximação<br />

entre o tambor de mina e a "mesa<br />

Carlos de Lima. História do Haranhão. S2.0 LuI s , 1981, pág.197.<br />

Cad. Pesq. sãor.ui.s, 4 (1)::L35 -143, jan.ijun. 1988 137


anca", uma vez que estavam em<br />

planos diferentes. Aliás, curí.o sa<br />

,mente, a concepção predominante<br />

entre os chefes de terreiros,<br />

ainda hoje, indica que a cura e<br />

a "linha de baixo" com seus<br />

caboclos bravos; a mina, a "li<br />

nha do meio" -- com seus voduns<br />

imponentes; e o espiritismo (ou<br />

astral), a "linha de cima" com<br />

seus espíritos de luz.<br />

Urna caixeira antiga, de<br />

78 anos de idade, que desde cri<br />

ança participa das festas do Di<br />

vino nos terreiros de são Luís,<br />

informou que "antigamente era<br />

tudo separado: mina era mina,<br />

cura era cura e astral era as<br />

tral".<br />

Mas, com o decorrer do<br />

tempo, as "linhas" dos cultos de<br />

possessao começaram a se cruzar,<br />

constituindo hoje um quadro co~<br />

plexo em que fica difícil anali<br />

sar separadamente elementos, ou<br />

trora nítidos,que hoje quase se<br />

confundem entre si.<br />

A esta altura, e impo~<br />

tante frisar que os terreiros de<br />

mina não estavam, de maneira al<br />

guma, isentos do cerco da polícia.<br />

Ocorre porém, que a cura cometia<br />

dois graves pecados: acolhia a<br />

possessao (como a mina), recaindo<br />

sobre si a ira da Igreja, e t~<br />

bém arvorava-se a capacidade de<br />

extirpar doenças, numa "a f rorrt.an<br />

a medicina convencional.<br />

Daí, o preço que a cura<br />

pagava: uma desenfreada persegui<br />

ção policial,que só se moderava<br />

um pouco ao voltar-se para as c~<br />

sas de mina. Portanto, ainda que<br />

a repressão se abatesse pr i.ncí<br />

palmente sobre as casas de cura,<br />

não se pode negar, de maneira<br />

alguma, a perseguição sobre os<br />

tambores de mina em seu inevitá<br />

vel choque com os demais segme~<br />

tos da sociedade.<br />

A intolerãncia da classe<br />

dominante da epoca, orgulhosa<br />

dos valores que lhe asseguravam<br />

o prêmio de "Atenas Brasileira",<br />

refreava-se um tanto somente<br />

diante das Casas das Minas e de<br />

Nagô, que haviam se implantado<br />

onde até hoje estão: em pleno<br />

centro da cidade de são Luís. Mes<br />

mo assim,a Casa das Minas 5, con<br />

siderada o terreiro mais antigo<br />

do Maranhão, defrontou-se com a<br />

ofensiva de Flávio Bezerra, que<br />

quisera obrigá-la a transferir-<br />

se para longe do centro urbano<br />

de são Luís -- mas a arbitrarie<br />

dade não vingou, graças à inter<br />

-5 Sérgio Figueiredo Ferretti. Querebentam de Zomadonu. Natal, 1983, pago 55-56.<br />

138 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 135 - 143, j an ./j un . 1988


venção do governante da época.<br />

Austera e fechada, a Ca<br />

sa das Minas colecionara, ao<br />

longo do tempo, uma sucessão de<br />

dirigentes, fervorosamente cons~<br />

gradas ao culto jêje. Velhas r~<br />

traídas e ciosas de seus misté<br />

rios, elas guard~ram, por muito<br />

tempo, o Querebentam longe da<br />

curiosidade pública, até a deci<br />

siva ascensão de Mãe Andresa,<br />

hoje símbolo da religião africana<br />

no Maranhão.<br />

Durante aproximadamente<br />

quarenta anos, Mãe Andresa im<br />

primiu a chefia da Casa das Mi<br />

nas uma marcante atuação, que a<br />

elevaria ao conceito de ser a<br />

mãe-de-sant.o mais famosa do Mara<br />

nhão. E, em vista do valor de<br />

.sua figura histórica, Mãe An<br />

dresa -- celebrizada pelo livro<br />

de Nunes Pereira "A Casa das Mi<br />

nas", e por outras obras de es<br />

tudiosos nacionais e est ranqe í<br />

ros -- converteu-se em um refe<br />

rencial de todo o culto afro-ma<br />

ranhense.<br />

Efetivamente, aludir ao<br />

universo afro-religioso do Mara<br />

nhão remete à figura da afamada<br />

Mãe Andresa, cuja morte deu-se<br />

em abril de 1954. Por Lssc . e<br />

uma personagem de relevo do ro<br />

mance "Os Tambores de são Luis" r<br />

de Josué Montello, e uma musa de<br />

Cad. pesq. são Luis, 4 (li<br />

composi tores populares, que a<br />

imortalizaram em sambas-enredo<br />

de agremiações carnavalescas e<br />

outras cançoes que fazem refe<br />

rência ao culto de raízes afri<br />

canas praticado em nosso Estado.<br />

Tamanha é a formalidade<br />

do culto da Casa das Minas que,<br />

no levantamento de campo efeti<br />

vado em cerca de cem casas de<br />

culto, ainda não se identificou<br />

nenhum terreiro oriundo de pe~<br />

soas egressas da tradicional C~<br />

sa de Jêje. Em contrapartida, são<br />

vários os terreiros cujos diri<br />

gentes,de alguma forma, pa ssaram<br />

pela Casa de Nagõ, que ainda ho<br />

je exercem uma influência consi<br />

derável sobre as demais casas de<br />

culto.<br />

No curso de sua história,<br />

a Casa de Nagõ enfrentou graves<br />

crises, provocadas por desente~<br />

dimentos entre as dançantes, das<br />

quais algumas afastaram-se da C~<br />

sa definitivamente. Nhá Maria<br />

Cristina, do Terreiro do Justino,<br />

assim como Vó Severa, da Casa<br />

Grande, por exemplo, egressas da<br />

Casa de Nagõ,partiram para abrir<br />

seu próprio espaço, respectiv~<br />

mente no Bacanga e Monte Castelo,<br />

por volta do início do século.<br />

Mãe Alta, uma conhecida<br />

filha da Casa de Nagõ, começou<br />

então a organizar em sua própria<br />

135 - 143, jan./jun. 1988 139


.residência, no Turu, festas de<br />

devoção à Santa Bárbara e Santa<br />

Rosa de Lima, passando depois a<br />

também orientar pessoas que e~<br />

travam em transe --- como foi o<br />

caso de Francisco de Oliveira ,<br />

preparado para depois fundar a<br />

"Tenda do Caboclo Roxo", na Bra<br />

sília do Anil.<br />

D. Noêmia Fragoso, pr~<br />

parada por Cota do Barão,também<br />

era da linha Nagô, segundo asse<br />

gurou a sua própria filha, D.<br />

Joana Batista,que assumira a di<br />

reçao do terreiro com a morte<br />

de sua mãe, em 1941. Clarinda<br />

Santos, depois de cair (entrar<br />

em transe pela primeira vez) na<br />

Casa de Nagô, em 1911, na gestão<br />

de Mãe Joaninha, estruturou seu<br />

próprio terreiro (denominado<br />

"Viva Rei de Nagô"), seguindo o<br />

ritual que já comportava, a esta<br />

aitura, a maioria dos tambores<br />

de mina no Maranhão.<br />

Com efeito, verifica-se<br />

na maioria dos terreiros conSl<br />

derados de mina, espalhados por<br />

são Luís, traços mui to fortes da<br />

Casa de Nagô,quer nas doutrinas,<br />

nas entidades, nas obrigaçôes,<br />

enfim, a Casa hoje dirigida por<br />

Mãe Dudu e preponderantemente<br />

influenciadora no universo reli<br />

gioso afro-maranhense en<br />

quanto nenhum chefe de terreiro<br />

declara-se vinculado ao culto<br />

jêje da Casa das Minas.<br />

Mesmo no século XIX, a<br />

capital maranhense,turbulenta e<br />

preconceituosa,já abrigava (além<br />

das Casas Matrizes) outros emi<br />

nentes terreiros de mina, cujos<br />

caracteres rituais deferiam um<br />

pouco entre si. Entre estes, so<br />

bressaíam o Terreiro do Egito,<br />

de Mãe Maria Pia; do Justino, de<br />

Mãe Cristina e da Turquia (f~<br />

dado por Mãe Anastácia logo no<br />

ano seguinte à Abolição da Escra<br />

vatura), dos quais somente este<br />

último sobrevive até hoje,embora<br />

precariamente.<br />

Em sua caminhada histó<br />

rica,o movimento afro-religioso<br />

do Maranhão experimentava, já<br />

nos anos 50, fortes influências<br />

que lhe conduziam a uma propre~<br />

siva mudança de configuração. Os<br />

terreiros multiplicavam-se e no<br />

vos pais e mães-de-santo criavam<br />

o seu próprio espaço num culto<br />

que, a esta altura, acolhia as mais<br />

diversas influências.<br />

Efetivamente,a Mina,por<br />

esta época, já não era ma i s ames<br />

ma. zé Negreiros e Mundica<br />

Tainha --- duas figuras temidas<br />

140 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 135 - 143, jan./jun. 1988


e respeitadas --- atingiram o<br />

auge de suas façanhas. Repenti<br />

namente,morria o líder da Oposi<br />

ção COligada,vice-governador s~<br />

turnino Belo 6, em meio a uma<br />

acirrada disputa pelo Governo do<br />

Estado.E,pela cidade, difundiam-<br />

se os rumores de que "o Tambor<br />

de Mina estaria sendo utilizado<br />

pelos governantes contra seus<br />

adversários".<br />

Exótica, Mundica Tainha<br />

popularizou-se como uma mãe-de-<br />

santo singularmente vaidosa (ex~<br />

gerava em requintados trajes e<br />

jóias abundantes), que seduzia a<br />

todos por sua maneira simpática<br />

e envolvente de tratar as pessoas.<br />

E, ao lado disto, ela exerceu,<br />

até o dia de sua morte, uma in<br />

crível capacidade de contornar<br />

os problemas daqueles que a pr~<br />

curavam. Da mesma forma, zé Ne<br />

greiros, falecido em outubro de<br />

1983, transformou-se num famoso<br />

pai-de-santo que, por seus nume<br />

rosos amigos e filhos de santo,<br />

usufruía de muito prestígio na<br />

comunidade.<br />

A esta altura, os cultos<br />

de possessão entrelaçavam-se de<br />

forma considerável, criando as<br />

condições para que a Umbanda,<br />

surgida no Sul do País, fosse im<br />

plantada também no Maranhão.<br />

Inspirado por pais-de-<br />

santo do Rio de Janeiro, José<br />

Cupertino, considerado o intro<br />

dutor da Umbanda no território<br />

maranhense, partiu para estrut~<br />

rar, em 1962,a primeira entidade<br />

representativa dos terreiros: a<br />

Federação de Umbanda e Cultos<br />

Afro-Brasileiros do Maranhão.<br />

Atuando como um catali<br />

zador neste processo evolutivo,<br />

Cupertino adquiriu uma fama e PQ<br />

pularidade extraordinária. Cons~<br />

guiu eleger-se vereador por qu~<br />

tro mandatos consecutivos e, v~<br />

lendo-se de sua fama como pai-<br />

de-santo e de seu prestígio co<br />

mo homem público, tentou organi<br />

zar a Umbanda no Maranhão e, no<br />

início dos anos 60,começou a le<br />

var os terreiros para as praias<br />

de são Luís,rendendo homenagens<br />

a Iemanjá, por ocasião da pa~<br />

sagem do ano.<br />

6 História do Maranhão.Mário Meireles.Ed.Dasp.1960, pág.358.<br />

Desastrosamente, ao tro<br />

car de partido político, saindo<br />

da Oposição para a legenda gove!.<br />

nista r Cupertino perdeu a eleição<br />

de 1982. Já gravemente adoenta<br />

do, veio a falecer no dia 24 de<br />

julho de 1984, encerrando-se, as<br />

sim, a trajetória da figura que<br />

mais se notabilizou no entremeio<br />

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 135 - 143, jan.íjun. 1988 141


142<br />

de dois distintos momentos his<br />

tóricos, assinalado pelo avanço<br />

da Umbanda emergente sobre o T~<br />

bor de Mina tradicional. Ou, en<br />

tão, pe la pa ssagem da dura re<br />

pressao para uma relativa tran<br />

qUilidade.<br />

À medida que a Umbanda<br />

se impunha, e principiava a se<br />

consolidar nos terreiros de são<br />

Luis, uma série de apreensoes<br />

eram feitas em torno de seus<br />

efeitos numa terra até então ca<br />

racterizada pelo Tambor de Mina,<br />

em termos de religião popular.<br />

Receiosos e constrangidos ,os te!.<br />

reiros de mina começaram a rep~<br />

lir as inovações introduzidas p~<br />

los chefes de terreiros "feitos<br />

através de livros,sem que tive~<br />

sem sequer pai ou mãe-de-santo".<br />

Por isso recusavam-se a ir para<br />

as praias, na festa dedicada à<br />

Iemanjá, como também criticavam<br />

a crescente absorção de elementos<br />

alheios ao culto.<br />

Na verdade, a Umbanda pr~<br />

vocou uma expressiva reviravolta<br />

no quadro dos valores do culto<br />

original,acelerando todo um prQ<br />

cesso de mudanças na estrutura<br />

e no comportamento das "linhas"<br />

existentes (o Tambor de Mina, a<br />

Cura e a "Mesa Branca") no es<br />

forço de torná-las uma coisa SOe<br />

E"o lento processo de con<br />

jugação entre si de elementos es<br />

pecificos da Mina, Pajelança e<br />

Espiri tismo encontrou-se com a<br />

difusão da Umbanda,rompendo, a~<br />

sim, as formalidades do culto<br />

tradicional. A isto, acrescentou-<br />

se o delineamento das divergê!!.<br />

cias entre os terreiros da nova<br />

"linha" e as casas de maior vin<br />

culo com a tradição.<br />

De fato, o confronto en<br />

tre o,Tambor de Mina e a Umban<br />

da --- fenômeno da história re<br />

cente da religiosidade popular<br />

do Maranhão --- evidencia-se,<br />

sem muito esforço de pesquisa, a<br />

partir da costumeira troca de<br />

criticas e acusações entre "mi<br />

neiros" e umbandistas, de certo<br />

modo intensificando as velhas ri<br />

validades havidas entre os ter<br />

reiros.<br />

Enquanto os "mineiros"<br />

atacam a "falta de fundamentos"<br />

dos umbandistas,estes acusam os<br />

"mineiros" de utilizarem e~0men<br />

tos de fachada para mascara:r:sua<br />

identidade.<br />

Convencido de que a U!!!<br />

banda é a religião efetivamente<br />

brasileira, o pai-de-santo José<br />

Ribamar Castro fundou, em 1976,<br />

o TOUEM:~ --- Tribunal de Ogum<br />

Umbandista do Estado do Maranhão,<br />

para, segundo afirma, favorecer<br />

a organização dos umb andi st as ,<br />

Cada Pesq. são Luís, 4 (1): 135 - 143, jan./jun. 1988


uma vez que o projeto da Federa<br />

çao de Cultos estaria fadado ao<br />

Lnsuce s sc .<br />

poy'meio do processo de<br />

difusão da Umbanda, paralelo a<br />

remoçao de barreiras impostas<br />

pela classe dominante, os ter<br />

reiros de são Luís passaram a<br />

ser cortejados pelo poder. Gove~<br />

nadures, prefeitos e outros mem<br />

bros do esquema de poder poli<br />

tico começaram a ver nas casas<br />

de culto a perspectiva de trans<br />

formá-las em redutos eleitorais.<br />

Mediante sua aproximação<br />

com o poder,provavelmente a pa~<br />

tir do governo de Newton Bello<br />

(1961 - 1965), os terreiros viam-<br />

se diante de uma nova situação:<br />

o Governo e a sociedade em geral,<br />

embora ainda preconceituosos, a~<br />

sumiam uma postura mais transi<br />

gente.<br />

Com esta nova atmosfera,<br />

alguns chefes de terreiros deci<br />

diam-se então a exibir-se com<br />

seus filhos-de-santo em praça p~<br />

blica e até mesmo em espetáculos<br />

para turistas em hotéis de cate<br />

goria. A Administração Pública<br />

Municipal, por sua vez, construiu<br />

a "Praça de Iemanjá" na praia da<br />

Ponta D'Areia, para os festejos<br />

do fim do ano, e, muito recente<br />

mente',pfomoveu a "Procissão dos<br />

Orixás" (reunindo num concorrido,<br />

desfile diversos pais e mães-de-<br />

santo) por ocasião do ani versàr;o<br />

de fundação da cidade de são<br />

Luís.<br />

Tentados a usufruir do<br />

espaço que lhes foi aberto, te~<br />

reiros de são Luís, ainda hoje<br />

obrigados a pedir licença ou a!<br />

vará na Delegacia de Costumes,<br />

mantêm-se sob o influxo da ver<br />

tiginosa expansão da Umbanda, e,!!<br />

volvendo até mesmo as Casas tra<br />

dicionais.<br />

REFERENCIAS BIBLIOGRÂFICAS<br />

BARRETO,Maria Amália Pereira.Os<br />

Voduns do Maranhão - FUNC. do<br />

Maranhão. Gráfica Olímpio Ed.<br />

Ltda. 1977.<br />

FERRETTI,Sérgio Figueiredo. Que<br />

rebentam de Zomadonu. Natal~<br />

1983. pág. 55 - 56.<br />

LIMA, Carlos de. História do Ma<br />

ranhão.São Luís,1981.pág.197~<br />

MEIRELES,Mário Martins.História<br />

do Maranhão.São Luís,Ed.Dasp.<br />

1960, pág. 298.<br />

MONTELLO, Josué. Os Tambores de<br />

são Luís. Rio de Janeiro. Ed.<br />

José Olímpio. 1976.<br />

NUNES PEREIRA, Manoel. Casa das<br />

Minas. Ed. Petrópolis.1947.<br />

ENDERECO DO AUTOR<br />

MARIA DO ROSÁRIO CARVALHO SANTOS<br />

Avenida 3, Casa 61, Coheb do Sa<br />

cavem<br />

Tel: 223-4317<br />

65.000 - SÃO LuíS-MA.<br />

Cada Pesq. são Luís, 4 (1): 135 - 143, jan./jun. 1988 143

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