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MR18-Mariellen-Pereira-e-Denise-Teles-Freire-Campos

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PSICODINÂMICA DO ATO PERVERSO DE FAZER SOFRER<br />

<strong>Mariellen</strong> <strong>Pereira</strong> (Especialista em Psicopatologia Clínica, Psicóloga, membro do<br />

Laboratório de Psicanálise; Goiânia-GO) e <strong>Denise</strong> <strong>Teles</strong> <strong>Freire</strong> <strong>Campos</strong> (Doutora em<br />

Psicopatologia pela Université de Provence; Psicanalista, Psicóloga, Docente do<br />

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Goiás;<br />

Goiânia-GO).<br />

Frequentemente somos bombardeados por notícias de crimes bárbaros: crimes<br />

sexuais e de torturas, violências contra mulheres, crianças e idosos. Chocamo-nos com<br />

tanta crueldade e voracidade dessas pessoas que cometem essas aberrações, seres que<br />

gozam do sofrimento do outro, que gozam em ver o terror e o medo nos olhos do outro.<br />

É neste momento que nos deparamos com o perverso. Segundo Aulagnier-Spairani<br />

(2003) o objetivo deste, do perverso, é escandalizar. Não é somente fazer escândalo,<br />

mas o seu discurso se mantém sobre esse fazer escândalo, é através deste que ele<br />

escandaliza o espectador ou o ouvinte. Estes sujeitos “têm o poder de transformar a dor<br />

em prazer, o horror da castração em motivo de gozo, a degradação em valorização<br />

narcísica” (Aulagnier-Spairani, 2003). Ele deflagra a lei, instaura o seu prazer como o<br />

único a ser realizado, recusa as leis sociais, a ética, a moral, a compaixão...em nome de<br />

seu prazer e de ter prazer.<br />

O perverso, de acordo com Martins (2003), é alguém que pratica determinado<br />

ato contra a lei em que o sujeito não sofre, mas faz sofrer, via de regra, moralmente o<br />

outro. “Costuma-se brincar dizendo que aquilo que os neuróticos levam anos sofrendo,<br />

em luta, as perversões realizam em plena luz do dia. Enquanto um exprime a inibição da<br />

expressão de desejos, as perversões exprimirão o gênio de encontrar, custe o que custar,<br />

um jeito de realizar a impulsão” (Martins, 2003).<br />

O que pretendemos aqui com este estudo é investigar a psicodinâmica de um<br />

crime sexual cometido por quatro menores de 18 anos. Para isso, cotamos com análise<br />

psicanalítica dos conteúdos suscitados pelos arquétipos das pranchas do Teste Projetivo<br />

Rorschach. Este teste, dada a sua contribuição em psicopatologia, por meio de imagens<br />

não elaboradas, evocam percepções, projeções e associações, pois seus arquétipos<br />

fazem função de restos diúrnos para as representações do inconsciente (Adrados, 2000).<br />

O Teste Projetivo Rorschach foi aplicado de forma individual nos quatro jovens<br />

acusados do crime de estupro. Estes jovens se encontravam reclusos de sua liberdade<br />

em uma instituição sócio educativa.<br />

O crime aconteceu em uma cidade do interior de Goiás e teve como vítima uma<br />

mulher de aproximadamente 28 anos (informação dada pelos acusados) que reconheceu<br />

todos os envolvidos no estupro. Participaram do crime seis pessoas; quatro deles<br />

menores de 18 anos, os quais negam a autoria do crime e os outros dois maiores de 18<br />

anos assumiram a participação no crime.


De acordo com o depoimento da vítima, esta estava trabalhando em uma<br />

instituição quando os seis indivíduos invadiram o seu local de trabalho e já a agrediram<br />

com um golpe na cabeça que a deixou desacordada por alguns instantes. Eles bateram<br />

nela, estupraram-na, inseriram ferramentas e uma pistola no interior de sua vagina,<br />

riscaram suas coxas e nádegas com as ferramentas (alicate, chave de fenda).<br />

Foram realizados exames para verificar se havia espermatozóides deles na<br />

vítima e nada foi encontrado, somente vestígios de espermatozóides compatíveis com os<br />

indivíduos maiores de idade, fato este que os fazem reafirmar seus discursos de<br />

inocência.<br />

Para não identificar a identidade dos sujeitos, utilizamos nomes fictícios.<br />

Esclarecemos que à época da aplicação do teste, aproximadamente um ano após o<br />

crime, os sujeitos de que tratamos neste estudo, contavam com 18 anos: César, Magno e<br />

Cássio; Marco,15 anos. Todos, residentes no interior de Goiás, usuários de drogas e<br />

tendo em seus históricos roubos e arruaças. Serão apresentadas neste artigo apenas<br />

algumas das respostas das pranchas que indicaram o flagrante psicológico de tal crime.<br />

Respostas de César:<br />

Prancha II: “Aqui tem um pezinho de fora parecendo um neném nascendo. É<br />

tem dois pezinhos aqui. É um pé mesmo.”<br />

No inquérito: “É uma vagina, pelo formato do meio.”<br />

Respostas de Magno:<br />

Prancha VI: “Dois cachorro sentado numa árvore, num galho. “Tipo, um pedaço de um<br />

vidro quebrado.”<br />

Inquérito: “Ele tá assim, tipo num galho. O galho tá solto, um pouco seco. Ele tá<br />

sentado em cima dele. Aqui tá parecendo um vidro, um lençol rasgado. Tem formato de<br />

um vidro quebrado todo despedaçado e um lençol velho.” (Foi o vidro que rasgou o<br />

lençol?) Não.”<br />

Resposta de Cássio:<br />

Prancha II: “Parece um rosto”.<br />

Ideoafetivo: “Solitário. Parece que ele tá triste. Tristeza! Parece que tá chorando.<br />

Dá a impressão que tá chorando. Parece que tá com o olho caído.” (Qual é motivo?)<br />

“Raiva!” (Qual é o seu sentimento?) “Sinto dó, fico com dó!<br />

Respostas de Marco:<br />

Prancha II: “Trem preto com as ponta vermelha, parece uma mão fechada. Não<br />

sei o que é esse bagulho não. Tem umas pintas vermelhas, um buraco com uma listinha<br />

vermelha, parece a mão. Esse aqui. Tem um trem aqui que veio na minha cabeça que eu<br />

não vou dizer não. Vermelho com um risco...com o buraco tem um trem (mostra) que


não vou dizer. ( Pode dizer, você está com vergonha?) “Tá parecendo uma vagina com<br />

um trem branco, vermelha, cheia de sangue.”<br />

Inquérito: “Vagina: quase igual, trem branquinho, parecendo que tá espirrando<br />

sangue. Buraco: tá fazendo parte aqui da vagina...espirrando! Tem um cara aqui, outro<br />

aqui, eles tipo juntado, batendo a mão. Dois caras brigando...tem sangue aqui, logo na<br />

borda aqui.”<br />

Ideoafetivo: Tudo parecendo que tem duas pessoas foi vendo de longe e<br />

cumprimentando feliz. (Qual o sentimento?) “Bom!” (Vagina é bom?) “Sentimento bom<br />

também para os homens.” (Mesmo com sangue?) “Aí tem que esperar dar uma<br />

lavadinha, saber o que aconteceu...pra depois né!”<br />

A prancha II representa a capacidade do sujeito de reagir e enfrentar o trágico, o<br />

terrificante, a dor tanto física quanto psicológica. As respostas dadas nesta prancha<br />

apresentam o flagrante de experiências com a genitalidade feminina. “Trem branquinho,<br />

parecendo que tá espirrando sangue...tem um cara aqui, outro aqui, eles tipo juntando,<br />

batendo a mão”. O que poderia ser um trem branquinho que faz uma vagina espirrar<br />

sangue? No depoimento da vítima consta que inseriram ferramentas dentro da sua<br />

vagina e que ela tenha ficado muito machucada, fato este tendo sido comemorado de<br />

acordo com o teor da resposta dada por Marco nesta prancha.<br />

“Aqui tem um pezinho de fora parecendo um neném nascendo. É, tem dois<br />

pezinho aqui”. Ora, os bebês não nascem pelos pés, mas pela cabeça. Analisando a<br />

resposta de César podemos fazer a seguinte associação: dois pezinhos/duas cabeças/dois<br />

estupradores/dois tipos de espermatozóides que não foram compatíveis com as dos<br />

quatro menores em questão, por isso a negativa da acusação de estupro. Na resposta de<br />

Cássio parece exprimir a reação da vítima: “Solitário. Parece que ele ta triste. Tristeza!<br />

Parece que ta chorando. Dá a impressão que ta chorando. Parece que ta com o olho<br />

caído.” “Raiva!”<br />

Quanto a resposta de Magno na prancha VI: “Dois cachorro sentado numa<br />

árvore, num galho. “Tipo, um pedaço de um vidro quebrado.” Um objeto cortante<br />

que pode cortar um tecido, provavelmente a pele de uma mulher com alguma<br />

ferramenta utilizada por dois “cachorros”.<br />

Como vemos, a análise das provas projetivas apontam para um flagrante<br />

psicológico, além de remontar a cena do crime e descortinar a dinâmica perversa da<br />

personalidade dos sujeitos envolvidos, onde a experiência do crime de estupro é<br />

vivenciada sem qualquer sentimento de culpa. Pelo contrário, vibra, goza e despreza o<br />

sofrimento da vítima.<br />

Portanto, o que estamos falando aqui não é somente de um crime, é o que vem<br />

junto a ele, que escandaliza, que choca; manifestado pela crueldade e prazer daqueles<br />

que o cometem. É deste modo que o perverso realiza o seu espetáculo, faz da dor de sua<br />

vítima um troféu em função do seu próprio gozo.


Referências Bibliográficas:<br />

Adrados, I. (2000). Teoria e Prática do Teste de Rorschach. Rio de Janeiro: Vozes.<br />

Aulagnier-Spairani, P. (2003, setembro). A perversão como estrutura. Revista<br />

Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3, 43-69.<br />

Martins, F. (2003). Psicopathologia II: Semilogia Clínica: investigação teórico clínica<br />

das síndromes psicopatológicas clássicas. Brasília: Universidade de Brasília, Instituto<br />

de Psicologia.

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