AMOR PATERNO - AMOR MATERNO - Instituto Paulo Freire
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em casa, perambulam pelas ruas, muitas vezes não têm o que comer e, por isso,<br />
encontram mais facilmente o caminho da delinqüência. Como podemos, então, nos<br />
ocupar apenas dos “nossos” filhos. “Melhor não tê-los”, diria Sartre, não só no sentido<br />
de possuí-los, mas no sentido mais comum de criar um filho. Não posso criar meu filho<br />
sentindo-me feliz convivendo com ele e ignorando as crianças que estão na rua. Se<br />
olharmos para os olhos delas quando elas nos abordam nos semáforos das cidades, nos<br />
sentiremos também responsáveis e encontraremos alguma coisa a fazer por elas.<br />
Embora “condenados à liberdade” (Sartre) e à felicidade, não podemos ser felizes e<br />
livres sozinhos (ainda Sartre).<br />
Muitos pais e mães estão se afastando dos filhos por necessidades de trabalho.<br />
Não só nas classes populares, mas também nas classes médias. Recebi de Santos (SP),<br />
dia 16 de maio de 1989, uma carta que me chamou atenção também para isso.<br />
Querido Gadotti,<br />
Peregrinei um pouqinho atrás do teu livro. Eu queria comprá-lo e<br />
dá-lo de presente para o pai do Pedro meu filho. Como ia dá-lo de presente,<br />
tratei de lê-lo sem escancarar as páginas, sem grifar frases, coisas que me<br />
fazem íntima dos livros. E foi tudo num fôlego. Distraída, até passei do<br />
ponto do ônibus.<br />
Logo na página 24, terceiro parágrafo, tomo uma punhalada!!! Mas<br />
continuo. Afinal, verdades doem, a realidade às vezes também.<br />
E hoje, depois de desistir de fazer uma porção de coisas agendadas,<br />
sentei num banco da praia e fiquei lendo como há muito tempo não lia, com<br />
emoção. Até um nozinho na garganta apareceu, meio de “improviso”. É que<br />
ultimamente, estou devorando livros mais técnicos. Mas nenhum mexeu<br />
tanto comigo...<br />
Gadotti, só terminando de “ler” você, a Inaê e o Dimitri, através do<br />
seu livro, é que compreendi porque não concluí um trabalho sobre as mães<br />
que trabalham fora e toda a problemática envolvida: é que ser<br />
“doloridamente transparente” é muito sofrido, e eu não estava preparada,<br />
ainda.<br />
Meu filho está com 4 anos e há 8 meses que mora com o pai e os<br />
avós paternos em São <strong>Paulo</strong> e me vê apenas fim de semana. Em prol do meu<br />
trabalho, pois sou educadora de classe especial e tive que me deslocar para<br />
cá. No começo foi tão duro, Gadotti, foi mesmo uma sensação de perda,<br />
irresponsável, coisa de morrer mesmo... Agora, engajada no processo, eu e<br />
o Pedro tiramos proveito dessa situação. Confiei no meu filho e nem eu<br />
mesma sabia da profundidade desse sentimento. Coincidências à parte, em<br />
julho irei a Campinas... quem sabe te vejo, apanhando flores com a Inaê.<br />
Um grande beijo. Isabel Helena Nascimento.<br />
Amar uma criança é amar a todas as crianças, também a criança espancada,<br />
violentada, vítima da sociedade injusta... Não posso realmente amar plenamente meu<br />
filho enquanto existirem tantas crianças vítimas de violência. Digo isso não apenas<br />
como pai, mas também como educador, como o fez Georges Snyders no seu livro Não<br />
é fácil amar nossos filhos, um verdadeiro hino ao amor e à família (à família em devir,<br />
não à família burguesa).<br />
A violação dos direitos é também resultado de um processo distorcido de<br />
“educação” daquelas mesmas pessoas que deveriam resguardar esses direitos. Essa é a<br />
educação dominante, sustentada na cultura da indiferença, herança de uma civilização<br />
que nasceu com a marca da violência e do descompromisso com a sorte das maiorias.<br />
Não podemos esquecer que o Brasil foi o último país do mundo a por fim à escravidão,<br />
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