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Manual de instruções: a lógica pixel - PPGE

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E<br />

<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>instruções</strong>: a <strong>lógica</strong> <strong>pixel</strong><br />

Tela <strong>de</strong> televisão com <strong>pixel</strong>s em movimento na mudança das imagens. Pixel é um termo<br />

abreviado, originário <strong>de</strong> Picture Cell, que são blocos elementares ou células que se<br />

<strong>de</strong>stinam a construção da imagens na tela. Fonte: Rabaça & Barbosa, Carlos Alberto e<br />

Gustavo in Dicionário <strong>de</strong> Comunicação. 1 Foto: Vanessa Maia<br />

ste é um manual <strong>de</strong> <strong>instruções</strong>. Foi preparado como uma apresentação ou uma<br />

introdução <strong>de</strong>ssa pesquisa, que estuda as tevês universitárias do Espírito<br />

Santo. Optamos pelo temo “manual” não para prescrever um uso que seria o mais<br />

correto e aceitável, mas para funcionar como um explicativo acerca do percurso <strong>de</strong><br />

um pensamento que se movimentou com os cotidianos <strong>de</strong>ssas tevês e, comas<br />

teorias que dialogaram conosco no movimento <strong>de</strong>sse percurso.<br />

1 Ed. Ática, São Paulo, 1987.<br />

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Escrevi, portanto, para falar <strong>de</strong> televisão e, na verda<strong>de</strong>, essa atitu<strong>de</strong> me inquietou<br />

bastante. Isso porque me <strong>de</strong>parei, <strong>de</strong> antemão, com meus próprios limites. Primeiro,<br />

porque precisei pensar a televisão para além. Para uma exteriorida<strong>de</strong> que está longe<br />

<strong>de</strong>la: o texto impresso. Ao fazer isso é como se eu levasse a televisão para<br />

“passear” por outros caminhos. E aí ela mesma já teria se perdido nesse trajeto.<br />

Restaria a mim, então, apenas vestígios <strong>de</strong>sse dispositivo 2 .<br />

Mas, pensando bem, o que seria da televisão se não fossem os vestígios que ela<br />

<strong>de</strong>ixa diariamente em nossas vidas? Quem nunca iniciou uma conversa a partir do<br />

que viu e/ou ouviu na televisão? Quem nunca teve a televisão como companhia<br />

enquanto se ocupava <strong>de</strong> outros afazeres da vida? Quem nunca parou diante <strong>de</strong><br />

uma cena <strong>de</strong> televisão?<br />

Essas perguntas não estão aqui para serem respondidas. Elas estão, na verda<strong>de</strong>,<br />

para provocar um pensamento sobre a televisão, sua presença em nossas vidas<br />

cotidianas e sua ambiência, uma vez que a televisão po<strong>de</strong> ser tema <strong>de</strong> nossos<br />

assuntos até mesmo quando está <strong>de</strong>sligada. Escrevi, contudo, não só para falar <strong>de</strong><br />

uma televisão que me traz vestígios <strong>de</strong> sua presença em minha vida como<br />

estudante e pesquisadora, como jornalista e professora.<br />

Escrevi para falar <strong>de</strong> uma televisão que me habita. Uma televisão que se<br />

apresentou para mim há mais cinco anos por uma nova interface. Uma televisão<br />

universitária. Escrevi, portanto, para falar sobre uma televisão em que trabalho, para<br />

falar <strong>de</strong> uma televisão que pesquisei. E para falar também <strong>de</strong> uma televisão que não<br />

tem muitos estudos sobre si, quer seja na área <strong>de</strong> Educação, quer seja na área <strong>de</strong><br />

Comunicação.<br />

Existe vida inteligente na televisão? Perguntam-me os céticos. É possível que o<br />

pensamento se exerça na televisão? É possível fazer da televisão uma instância<br />

2 O uso do conceito <strong>de</strong> dispositivo é utilizado como o enten<strong>de</strong> Gilles Deleuze no texto O que é um<br />

dispositivo? Segundo o autor, dispositivo seria “uma espécie <strong>de</strong> novelo ou meada, um conjunto<br />

multilinear. É composto por linhas <strong>de</strong> natureza diferente e essas linhas do dispositivo não abarcam<br />

nem <strong>de</strong>limitam sistemas homogêneos por sua própria conta (o objeto, o sujeito, a linguagem), mas<br />

seguem direções diferentes, formam processos sempre em <strong>de</strong>sequilíbrio” (1990, p. 155).<br />

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que se produza conhecimento? De que maneiras se produzem saberes, fazeres e<br />

po<strong>de</strong>res em uma televisão, mais especificamente em uma televisão universitária? E<br />

que saberes, fazeres e po<strong>de</strong>res são esses? Como estas instâncias são negociadas?<br />

De que maneira o currículo se apresenta nessa ambiência que, ao mesmo tempo é<br />

ambiente <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimentos, laboratório <strong>de</strong> extensão, possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

exercício <strong>de</strong> novas relações <strong>de</strong> saber, para além do que está restrito à sala <strong>de</strong> aula?<br />

Essas foram algumas das muitas questões que me orientaram e que me<br />

acompanharam durante essa pesquisa. Essas foram as minhas inquietações diante<br />

do entusiasmo, do barulho, da movimentação e das re<strong>de</strong>s tecidas por meus alunos<br />

no espaço da tevê universitária em que trabalho, a tevê FAESA, que terminou por<br />

se transformar em um atrator para que eu esten<strong>de</strong>sse a minha pesquisa às outras<br />

tevês universitárias que estão em funcionamento no Espírito Santo: A tevê UVV e a<br />

tevê UFES.<br />

Com essa investigação, resolvi compreen<strong>de</strong>r, a partir da pesquisa com os<br />

cotidianos, quais seriam as <strong>de</strong>finições, fronteiras e <strong>de</strong>slizamentos <strong>de</strong>ssas tevês<br />

quando elas são incitadas a se <strong>de</strong>finirem diante <strong>de</strong> um formato ou perfil <strong>de</strong> televisão.<br />

Busquei também compreen<strong>de</strong>r os usos que estariam fazendo estes jovens das<br />

televisões universitárias e os modos <strong>de</strong> relacionamento que eles empreen<strong>de</strong>m para<br />

negociarem com o cenário contemporâneo, marcados por crises <strong>de</strong> pertencimentos<br />

e por exclusões, que assolam o mundo atual. Julguei também necessário<br />

empreen<strong>de</strong>r uma pesquisa sobre o surgimento das tevês universitárias nos<br />

contextos nacional e local.<br />

Caminhando com essa pesquisa, estu<strong>de</strong>i os modos <strong>de</strong> conhecer e verda<strong>de</strong>s<br />

produzidas pela ciência no Oci<strong>de</strong>nte. A pergunta que me guiava era: como se<br />

conhece o que se conhece? Diante <strong>de</strong>ssa questão, também estu<strong>de</strong>i as verda<strong>de</strong>s<br />

que foram produzidas acerca da televisão nas variadas correntes teóricas que<br />

estudaram e estudam o veículo. Ainda foi foco <strong>de</strong>ssa pesquisa a produção das<br />

existências dos alunos enquanto estes produziam tevê.<br />

Nessa perspectiva, procurei enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que maneira os alunos, apontados como<br />

<strong>de</strong> baixo rendimento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> práticas acadêmicas, <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula,<br />

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negociavam usos diferenciados das regras do lugar, criando outros saberes e<br />

fazeres possíveis, ou seja, produzindo outros conhecimentos em currículos em re<strong>de</strong><br />

e <strong>pixel</strong>izado, que nem sempre são possíveis <strong>de</strong> ser mensurados e controlados pelos<br />

instrumentos tradicionais <strong>de</strong> avaliação.<br />

Não obstante todas as questões que me coloquei diante <strong>de</strong>ssa pesquisa, confesso<br />

que o mais difícil para mim foi apresentar todo esse material em uma escrita. A<br />

escrita é, como já disse alguém, como um bisturi elétrico. Ela abre e cauteriza.<br />

Cauteriza e abre. E durante todo o tempo em que me <strong>de</strong>diquei a escrita <strong>de</strong>sse<br />

trabalho, <strong>de</strong>parei-me sempre com a urgência da seguinte questão: é possível falar<br />

<strong>de</strong> televisão – que se constitui sob o estatuto primordial das imagens – em um texto<br />

escrito e linear?<br />

E ainda: como falar por um texto, que se funda sob um pressuposto <strong>de</strong> linearida<strong>de</strong>,<br />

sobre um tema que é composto por uma outra gramática narrativa composta por<br />

fluxos, interrupções, acelerações e que, sobretudo, se estabelece através <strong>de</strong> um<br />

estatuto da imagem?<br />

Precisei, então, para empreen<strong>de</strong>r tal tarefa, pensar pela <strong>lógica</strong> das imagens, no tom<br />

do funcionamento da gramática televisiva, empreen<strong>de</strong>ndo no ato <strong>de</strong> pensar e<br />

escrever o movimento brusco das mudanças, das interrupções, dos<br />

<strong>de</strong>scentramentos e das superposições que a própria gramática televisiva me<br />

oferece. Não conseguiria conceber um texto sobre televisão <strong>de</strong> outra forma, com<br />

outros parâmetros.<br />

Foi a própria televisão que me ofereceu a metodologia para pensá-la. Foi o próprio<br />

estatuto da imagem televisiva que me ajudou, assim, a fazer esse movimento. Vilém<br />

Flusser (2002) já dizia que quem quiser se lançar na vertiginosa aventura <strong>de</strong> pensar<br />

através <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong>ve permitir à sua vista vaguear pela superfície <strong>de</strong>ssa imagem,<br />

como se empreen<strong>de</strong>sse um movimento <strong>de</strong> scanning (FLUSSER, 2002 p. 07).<br />

Pensar por, através e com imagens, é <strong>de</strong>ixar o pensamento movimentar-se em seus<br />

elementos, numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> flanêur como postulou Walter Benjamin, <strong>de</strong>tendo-se<br />

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temporariamente, admirando paisagens, percebendo <strong>de</strong>talhes, procurando nuances,<br />

lançando-se no fluxo.<br />

Pensar com e por imagens pressupõe, portanto, o agenciamento <strong>de</strong> um novo<br />

sensorium que <strong>de</strong>verá articular sensibilida<strong>de</strong>s, situar-se em novos cenários e em<br />

territórios efêmeros, uma vez que o que se viu e ouviu 3 , po<strong>de</strong>rá não mais ser visto e<br />

ouvido, <strong>de</strong>vido ao movimento intrínseco ao imagético.<br />

Pensar com e por imagens é, portanto, diferente do pensar a partir do textual.<br />

Embora eu saiba que o textual também constitui imagens e que o texto po<strong>de</strong> ser<br />

apropriado por aquele que o lê <strong>de</strong> diversas formas. Contudo, a materialida<strong>de</strong> linear<br />

do texto já pressupõe uma seqüência que não se estabelece quando o pensamento<br />

se articula com as imagens visuais que temos diante <strong>de</strong> nós, conforme nos explica<br />

Flusser:<br />

O vaguear do olhar é circular: ten<strong>de</strong> a voltar para contemplar<br />

elementos já vistos. Assim, o ´antes´ se torna ´<strong>de</strong>pois´, e o ´<strong>de</strong>pois´<br />

se torna o ´antes´ (FLUSSER, 2002, p. 08).<br />

O tempo do pensamento que se articula através do olhar sobre a imagem é,<br />

portanto, um tempo superposto, simultâneo. A <strong>lógica</strong> televisiva comporta assim uma<br />

superposição <strong>de</strong> outras <strong>lógica</strong>s quando empreen<strong>de</strong> a constituição <strong>de</strong> sua própria<br />

gramática. Na televisão estão contidos tempos simultâneos, discursos heterodoxos<br />

(literatura, encenações teatrais, velocida<strong>de</strong>s, vi<strong>de</strong>oclipes), linguagens diferenciadas.<br />

O mundo do discurso explo<strong>de</strong> na tevê. O discurso na televisão, não se comporta <strong>de</strong><br />

maneira linear, embora comporte uma or<strong>de</strong>m própria para auferir sua inteligibilida<strong>de</strong>.<br />

E na constituição <strong>de</strong>ssa gramática que, a um primeiro olhar, po<strong>de</strong> parecer-nos<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada, está contida uma <strong>lógica</strong> paradoxalmente, organizada. A <strong>lógica</strong> do<br />

<strong>pixel</strong>.<br />

3 Uso o termo “viu e ouviu” porque o texto em tevê não é só imagem. O som (a voz, a música, o ruído)<br />

são fundamentais na composição <strong>de</strong>ssa gramática, diferentemente da fotografia. Aliás, como postula<br />

Lorenzo Vilches, em A Migração Digital (2003), na tevê a fala ou a música conduzem a leitura das<br />

imagens.<br />

17


Essa <strong>lógica</strong> que acabei <strong>de</strong> me referir, intrínseca à or<strong>de</strong>m televisiva, pressupõe não<br />

só à forma como se organiza, mas também ao pensamento que a engendra. A<br />

imagem e o discurso da televisão são formados por <strong>pixel</strong>s. O <strong>pixel</strong> é uma unida<strong>de</strong><br />

mínima <strong>de</strong> pontos que, quando atravessados por um feixe <strong>de</strong> luz, <strong>de</strong>finem os<br />

contornos <strong>de</strong> uma imagem na tela. Somente através do <strong>pixel</strong>, ou da conjugação <strong>de</strong><br />

uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>pixel</strong>s é que uma imagem po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>lineada, visualizada,<br />

apresentada.<br />

Nos milhões <strong>de</strong> pontilhados <strong>pixel</strong>s que compõem as nossas tevês, se organizam as<br />

imagens que vemos. Com exceção do cinema, que se processa a partir <strong>de</strong> 24<br />

quadros fotográficos por segundo em uma imagem em movimento, e da fotografia<br />

impressa em papel, revelada a partir <strong>de</strong> um filme com sal <strong>de</strong> prata, não há imagem<br />

fora do <strong>pixel</strong>. A organização aparentemente <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada impõe, portanto, sua<br />

or<strong>de</strong>m. Basicamente tudo o que conseguimos visualizar hoje em ecrãs ou telas<br />

informacionais, é composto por <strong>pixel</strong>s.<br />

Telas <strong>de</strong> televisão, monitores <strong>de</strong> computador, circuitos fechados <strong>de</strong> câmeras <strong>de</strong><br />

vigilância, vi<strong>de</strong>ogames, celulares, máquinas fotográficas digitais, vi<strong>de</strong>otextos e<br />

vi<strong>de</strong>odiscos (CDs/DVDs), câmeras que i<strong>de</strong>ntificam nossas cifras nas portarias <strong>de</strong><br />

nossos prédios, locadoras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, clubes <strong>de</strong> lazer e estabelecimentos <strong>de</strong> serviços,<br />

interfones <strong>de</strong> consultórios <strong>de</strong>ntários e médicos, salas <strong>de</strong> advogados, ultrasons nas<br />

maternida<strong>de</strong>s ou nos exames <strong>de</strong> rotina, <strong>de</strong>ntre muitos outros exemplos que<br />

po<strong>de</strong>ríamos aqui citar.<br />

18


Imagem <strong>de</strong> um <strong>pixel</strong> original, estático, todo iluminado, nas mais variadas telas<br />

Diante <strong>de</strong> um or<strong>de</strong>namento imagético que parece apresentar-se a nós por uma<br />

<strong>lógica</strong> <strong>pixel</strong>, enten<strong>de</strong>mos que um pensamento que tente estudar a complexida<strong>de</strong> da<br />

televisão também <strong>de</strong>ve ser “<strong>pixel</strong>izado”. Assim um estudo, uma pesquisa, uma<br />

narrativa, texto ou qualquer outra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão que fale sobre a<br />

televisão não po<strong>de</strong>m ser compostos por uma única unida<strong>de</strong> discursiva ou teórica.<br />

É necessário que façamos uma “<strong>pixel</strong>ização” dos estudos, abordagens e teorias que<br />

falam <strong>de</strong> televisão. “Pixelização” essa por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem passar vários feixes<br />

luminosos, vários pontos <strong>de</strong> vista, argumentos, teorias e metodologias que nos<br />

aju<strong>de</strong>m a compor uma imagem acerca do que estamos falando. Ou melhor,<br />

visualizando.<br />

Sendo assim, passo a apresentar alguns <strong>pixel</strong>s que constituíram essa pesquisa e<br />

que, a seguir, serão apresentados na forma <strong>de</strong> capítulos. Para estabelecer uma<br />

sintonia entre a gramática que estou usando, a do texto, e a gramática que estou<br />

estudando, a da televisão, fiz uma “sinopse da programação” <strong>de</strong> cada capítulo <strong>pixel</strong>.<br />

No primeiro capítulo: TV Universitária: uma televisão <strong>de</strong> fronteira, apresento o<br />

ambiente das tevês universitárias e a idéia <strong>de</strong>ssa televisão como uma televisão <strong>de</strong><br />

fronteira, no sentido como o enten<strong>de</strong> Homi Bhabha. Sendo e atuando na fronteira a<br />

19


tevê universitária não é nem uma tevê comercial, on<strong>de</strong> os imperativos<br />

mercadológicos ditam a produção, nem um ambiente <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, on<strong>de</strong> a<br />

didática, <strong>de</strong>ntre outras práticas, regem a relação <strong>de</strong> conhecimento. Trata-se,<br />

portanto, <strong>de</strong> um ambiente <strong>de</strong> fronteiriço que se constitui a partir do hibridismo, com<br />

superposições, mímicas, com táticas, negociações traduções, possibilitando que o<br />

“novo entre no mundo”.<br />

O segundo capítulo: O medo traduzido: a amiza<strong>de</strong> com potência no mundo atual<br />

me lanço no <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> falar das relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, que são constituídas na<br />

ambiências <strong>de</strong>ssas tevês. Entendo das amiza<strong>de</strong>s como instâncias <strong>de</strong> potência e, até<br />

mesmo, como instâncias táticas, para sobrevivência daqueles que procuram sentido<br />

em uma vida que nos escorre pelas mãos. As relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> são<br />

apresentadas no capítulo para mostrar que elas po<strong>de</strong>m ser uma potência para<br />

vencer o medo do isolamento que assola o mundo contemporâneo.<br />

Utilizei os conceitos <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> estudados por Francisco Ortega, Foucault, <strong>de</strong>ntre<br />

outros autores. Neste capítulo <strong>de</strong>fendo, também, que muitas ativida<strong>de</strong>s sejam elas,<br />

ensino, pesquisa, aprendizado, extensão, festival <strong>de</strong> cinema e produção <strong>de</strong> filmes,<br />

po<strong>de</strong>m ser transformadas em produções coletivas, se contarem com essa potência.<br />

Procuro mostrar, através <strong>de</strong> relatos (<strong>de</strong>ixados pelos alunos nas cartas <strong>de</strong> ingresso<br />

em uma das tevês estudadas e nas páginas do Orkut, no caso <strong>de</strong> outra tevê<br />

pesquisada) e <strong>de</strong> experiências pessoais, que foram captados durante essa<br />

pesquisa, como a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se configurar em um diferencial, em um lugar <strong>de</strong><br />

encontro que, mesmo esvaziado pelas leis do próprio, se (re) instaura a partir das<br />

relações tecidas ali, configurando novos modos <strong>de</strong> vida.<br />

No terceiro capítulo: Sob os ventos que varreram o mundo, surge em 1968, a<br />

primeira TV Universitária do país, me <strong>de</strong>ixo levar pelos ventos <strong>de</strong> mudança que<br />

sopraram sobre o emblemático ano <strong>de</strong> 1968, ano em que foi criada a primeira tevê<br />

universitária no Brasil. Nesse capítulo, consi<strong>de</strong>ro o ano <strong>de</strong> 1968 como antológico,<br />

que possibilitou a produção <strong>de</strong> muitas coisas, inclusive a criação da TV Universitária<br />

<strong>de</strong> Recife, em Pernambuco, consi<strong>de</strong>rada a primeira tevê universitária do país.<br />

20


No quarto capítulo: Exercícios <strong>de</strong> dizer: modos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s que<br />

agenciaram nosso saber problematizo a produção <strong>de</strong> conhecimentos que<br />

possibilitou o Oci<strong>de</strong>nte a conhecer o que conhece, do modo pelo qual conhece, em<br />

um diálogo muito próximo entre Michel Foucault e Michel De Certeau. Nesse capítulo<br />

discorro também sobre como foram produzidas as verda<strong>de</strong>s sobre a tevê, que até<br />

hoje habitam e assombram os pensamentos daqueles que anunciam seus estudos<br />

sobre e a partir da televisão.<br />

No quinto capítulo: Narrativas do Vivido: Uma questão <strong>de</strong> método e intuição no<br />

cotidiano apresento o método em que me orientei para realizar este estudo. Partindo<br />

do pressuposto que toda teoria engendra sua própria metodologia, faço uma<br />

<strong>pixel</strong>ização entre o cotidiano <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau e a intuição <strong>de</strong> Henri Bergson.<br />

Nessa perspectiva, cotidiano e intuição se complementam, se movimentam,<br />

consi<strong>de</strong>rando a vida e o movimento das coisas como momentos em que se<br />

apresentam diferenciações <strong>de</strong> estados, possibilida<strong>de</strong>s e premissas.<br />

No sexto capítulo: Pela estetização da vida cotidiana ou a breve história <strong>de</strong><br />

jovens infames, trato dos agenciamentos coletivos <strong>de</strong> enunciação diversos que<br />

compõem as subjetivida<strong>de</strong>s, discorrendo sobre a invenção <strong>de</strong> outros modos <strong>de</strong><br />

constituição <strong>de</strong> existência, da invenção <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida que os alunos que<br />

estiveram nos ambientes das tevês universitárias produziram. Abordo o modo como<br />

eles se produziram outros ao produzir tevê, em um permanente movimento que teve<br />

como efeito, a reinvenção da própria vida, da vida como ‘obra <strong>de</strong> arte’. É um<br />

capítulo que privilegia a criação, os intercessores, a heterogeneida<strong>de</strong>, a invenção, a<br />

experimentação, porque se não houver um pouco <strong>de</strong> possível, a gente sufoca.<br />

No sétimo e último capítulo: Currículos, cotidiano e mídia: uma intrincada re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>pixel</strong>s na composição <strong>de</strong> uma produção <strong>de</strong> conhecimentos em uma<br />

televisão apresento um breve histórico sobre os estudos <strong>de</strong> currículo e nos novos<br />

<strong>pixel</strong>s conceituais que formam a imagem que temos do currículo no contemporâneo,<br />

ou seja, a <strong>de</strong> um currículo em re<strong>de</strong>s que produzem saberes, po<strong>de</strong>res e quereres.<br />

Problematizo a questão da nomeação do termo em <strong>de</strong>finições que nublam a nossa<br />

visão e não nos permite ver um currículo que se apresenta para nós, diariamente,<br />

em suas visibilida<strong>de</strong>s.<br />

21


Para elaborar esse capítulo, segui um conselho filosófico que me foi dado, o <strong>de</strong> ter a<br />

generosida<strong>de</strong> para olhar o que está diante <strong>de</strong> mim. Talvez essa seja a maior lição<br />

que a filosofia das imagens, seja fotografia, cinema ou televisão tenha nos ensinado.<br />

Compor uma imagem a partir da generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um olhar para o que se<br />

movimenta diante <strong>de</strong> nós, compor um currículo<strong>pixel</strong>.<br />

Diante do que produzi, preciso dizer que o texto que ora apresento é, portanto, um<br />

texto composto por vários <strong>pixel</strong>s que preten<strong>de</strong>m formar uma imagem acerca do que<br />

pesquisei. É, portanto, um texto que não se <strong>de</strong>stina fechar-se em si mesmo, mas,<br />

antes disso, ser um texto que possa também se iluminar com <strong>pixel</strong>s externos,<br />

compostos por outras leituras, <strong>de</strong> outras pessoas. Termino essa longa introdução ou<br />

manual <strong>de</strong> <strong>instruções</strong> com um conselho <strong>de</strong> Julio Cortázar em O Jogo da<br />

Amarelinha 4 .<br />

Esta tese é uma tese e muitas teses. Convido então os leitores a fazerem o uso que<br />

quiserem na composição <strong>de</strong> suas leituras. Esse estudo po<strong>de</strong> ser lido da maneira<br />

como eu o organizei, pela or<strong>de</strong>m que <strong>de</strong>i aos capítulos, ou po<strong>de</strong> ser lido pulando a<br />

or<strong>de</strong>m adotada por mim e compondo um outro jogo, a partir dos interesses e das<br />

linhas <strong>de</strong> força que potencializam cada leitor.<br />

4 CORTÁZAR, Julio. O Jogo da Amarelinha. 6ª edição. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Civilização Brasileira, 1999.<br />

22


TV Universitária: uma televisão <strong>de</strong> fronteira<br />

Gravação <strong>de</strong> um vi<strong>de</strong>oclipe – TV FAESA – 10/05/2008. Foto <strong>de</strong> Renan Torres (aluno)<br />

Sinopse da programação: Este capítulo tem a proposta <strong>de</strong> apresentar o ambiente<br />

das tevês universitárias e <strong>de</strong> discutir a idéia <strong>de</strong>ssa televisão como uma televisão <strong>de</strong><br />

fronteira, no sentido como o enten<strong>de</strong> Homi Bhabha. Sendo e atuando na fronteira a<br />

tevê universitária não é nem uma tevê comercial, on<strong>de</strong> os imperativos<br />

mercadológicos ditam a produção, nem um ambiente <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, on<strong>de</strong> a<br />

didática, a disciplina, <strong>de</strong>ntre outras práticas, regem a relação <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um ambiente fronteiriço que se constitui a partir do hibridismo,<br />

com mímicas, como táticas, e traduções, possibilitando que o “novo entre no<br />

mundo”.<br />

23


“Uma fronteira não é o ponto on<strong>de</strong> algo termina, mas,<br />

como os gregos reconheceram, a fronteira é o ponto<br />

a partir do qual algo começa a se fazer presente”<br />

Martin Hei<strong>de</strong>gger<br />

“Po<strong>de</strong>mos tomar o cotidiano da escola como um<br />

conjunto <strong>de</strong> coisas e situações que acontecem na<br />

sala <strong>de</strong> aula e para além da sala, na instituição<br />

escolar como um todo, e quero experimentar aqui a<br />

idéia <strong>de</strong> que os acontecimentos cotidianos em tal<br />

espaço são pedagógicos. Em outras palavras, na<br />

escola não se apren<strong>de</strong> apenas na formalida<strong>de</strong> da sala<br />

<strong>de</strong> aula, mas também na informalida<strong>de</strong> das múltiplas<br />

relações e acontecimentos que se dão no dia a dia da<br />

vida na instituição”.<br />

Silvio Gallo<br />

24


O<br />

que você estava fazendo no dia 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001? Naquela manhã <strong>de</strong><br />

sol alunos transitavam nos pátios daquela faculda<strong>de</strong>. Falavam <strong>de</strong> suas vidas,<br />

namoros, aulas, provas e trabalhos. Observam-se uns aos outros, riam, lotavam a<br />

cantina, conversavam com os professores. Na sala da tevê universitária on<strong>de</strong><br />

esperavam o horário para iniciar suas ativida<strong>de</strong>s, a televisão ligada <strong>de</strong>nunciava que<br />

algo extraordinário seria mostrado. A vinheta e o noticiário do plantão da Re<strong>de</strong><br />

Globo, com seus microfones circulando o mundo, informavam que dois aviões<br />

tinham colidido brutalmente contra as Torres Gêmeas do World Tra<strong>de</strong> Center, no<br />

coração <strong>de</strong> Nova Iorque. Imediatamente, as vozes se emu<strong>de</strong>ceram, os olhos se<br />

arregalaram e o século XXI anunciava a sua vinda, através das cenas da televisão.<br />

Diante da incredulida<strong>de</strong> das imagens retransmitidas da CNN pela Re<strong>de</strong> Globo, logo<br />

a profusão <strong>de</strong> falas não <strong>de</strong>moraria a vir:<br />

- Meus Deus, olha isso! Os aviões entraram nos prédios! Parece cinema! Ah, cala a<br />

boca! Não gente, não é nada disso, não estão vendo que a televisão está falando<br />

que é um atentado terrorista!<br />

Diante do episódio, da brutalida<strong>de</strong>, da mistura <strong>de</strong> sentimentos, começaram a<br />

conversar sobre atitu<strong>de</strong>s anti-americanistas, embargo econômico contra Cuba (será<br />

que a culpa é do Fi<strong>de</strong>l?), intolerância, racismo, prepotência, força do capital,<br />

terrorismo, revanche, <strong>de</strong>ntre tantos assuntos e opiniões que ali ora surgiam <strong>de</strong> um<br />

professor, ora <strong>de</strong> um aluno, ora <strong>de</strong> um funcionário, ora <strong>de</strong> outros alunos<br />

companheiros <strong>de</strong> sala dos que estava lá... .<br />

Ficaram juntos, compartilhando saberes, textos, opiniões, histórias, relatos <strong>de</strong><br />

viagens dos que tinham ido fazer intercâmbio nos Estados Unidos. Ficaram assim,<br />

trocando conhecimento e solidarieda<strong>de</strong>s. Falando <strong>de</strong> outras coisas para não<br />

expressar cruamente o que gostaríamos <strong>de</strong> estar dizendo naquele momento. Que o<br />

mundo estava se tornando um lugar muito difícil <strong>de</strong> se viver.<br />

Ficaram ali, contando com os afetos, solidarieda<strong>de</strong>s, cuidando uns dos outros,<br />

agra<strong>de</strong>cendo por estarem vivos, pelas famílias estarem seguras, sentindo pena das<br />

famílias e das pessoas que estavam <strong>de</strong>ntro daqueles prédios e aviões, sentindo<br />

25


também que naquele espaço on<strong>de</strong> estavam, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ser um lugar<br />

consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> ensino, tinham compartilhado muitas outras noções que, talvez,<br />

quando a poeira dos acontecimentos baixasse, já teriam perdido.<br />

Naquele momento, como cantou Gil, “o melhor lugar do mundo era ali e agora”.<br />

Surpreen<strong>de</strong>ram-se, com tanto conhecimento vindo <strong>de</strong> colegas e professores sem<br />

que, sequer, imaginassem que tinham tanta coisa para compartilhar sobre a nação<br />

atingida. Na verda<strong>de</strong>, com os olhos colados na tevê, o coração batendo forte e a<br />

mente negando-se a acreditar naqueles fatos, estavam diante <strong>de</strong> uma aula em que<br />

foram os protagonistas.<br />

O tempo passou, as equipes foram trocadas. E junto com a <strong>de</strong>struição daquele 11<br />

<strong>de</strong> setembro, construiu-se outras coisas, outros laços difíceis <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>sfeitos,<br />

porque estavam amarrados pelo compromisso da memória, pela experiência coletiva<br />

que viveram e que os atravessou. Estavam comprometidos, pelo aprendizado que<br />

compartilharam e que nunca mais esqueceriam. Tinham tornado-se cúmplices.<br />

Depois <strong>de</strong> passado o calor dos acontecimentos, viram quantas coisas<br />

compartilharam entre eles. Noções <strong>de</strong> ética, <strong>de</strong> territórios, <strong>de</strong> etnias, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong> pertencimentos, embora aquele ambiente não fora feito para isso, segundo a<br />

disposição dos móveis, nomenclatura do lugar, a informalida<strong>de</strong> das trocas entre as<br />

pessoas que ali estavam.<br />

Estudando os outros espaços <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento e problematizando as<br />

múltiplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> saberes <strong>de</strong>ntro dos ambientes <strong>de</strong> ensino,<br />

Ana Maria Faccioli Camargo (2007) afirma que pensar o cotidiano <strong>de</strong> todas essas<br />

instâncias não é só uma tarefa contingencial. É sobretudo, necessária.<br />

Para a autora, todo o universo da escola – salas <strong>de</strong> aula e professores, corredores,<br />

pausas <strong>de</strong> intervalo, avaliações, conteúdos, projetos, currículos, salas <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong><br />

extensão, ambientes <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> cartazes, programas <strong>de</strong> rádio e por que não?<br />

Tevês universitárias – são espaços e tempos <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> invenção, <strong>de</strong> tessituras<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saberes, fazeres e po<strong>de</strong>res e, também, <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s.<br />

26


De acordo com Camargo, no cotidiano da escola e em todos esses espaços, as<br />

práticas discursivas e não discursivas, <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas como dispositivos<br />

pedagógicos, que terminam por constituir a subjetivida<strong>de</strong> dos indivíduos que por ali<br />

transitam. E é necessariamente nesse aspecto que se abre o espaço para<br />

pensarmos uma outra escola, uma outra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento. Como bem<br />

diria Jorge Larossa, citado pela autora, “teremos que apren<strong>de</strong>r a viver <strong>de</strong> outro<br />

modo, a pensar <strong>de</strong> outro modo, a falar <strong>de</strong> outro modo e a ensinar <strong>de</strong> outro modo”<br />

(LAROSSA, 2007, p. 53).<br />

Naquele 11 <strong>de</strong> setembro os alunos e os professores apren<strong>de</strong>ram a produzir<br />

conhecimento <strong>de</strong> outro jeito, pois daquele lugar e a partir <strong>de</strong> tudo o que foi<br />

compartilhado ali, tiraram lições <strong>de</strong> conhecimento que levariam para o resto <strong>de</strong> suas<br />

vidas. Tinham chegado ao lugar <strong>de</strong> fronteira.<br />

O lugar <strong>de</strong> fronteira<br />

O lugar <strong>de</strong> fronteira, ao qual me refiro, não é o lugar on<strong>de</strong> as coisas se encerram ou<br />

se <strong>de</strong>stinam a uma condição <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acontecer. É o contrário, como<br />

bem se expressou Hei<strong>de</strong>gger, na epígrafe <strong>de</strong>sse texto. O lugar <strong>de</strong> fronteira é o lugar<br />

on<strong>de</strong> algo começa por se apresentar, a se fazer presente. Citando um texto poético,<br />

esse filósofo nos explica: “Ora, on<strong>de</strong> mora o perigo, é lá também que cresce, o que<br />

salva” (HEIDEGGER, 2002, p. 37).<br />

Penso, portanto, que não <strong>de</strong>veríamos consi<strong>de</strong>rar o lugar <strong>de</strong> fronteira como algo<br />

ameaçador, mas como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expansão da vida, <strong>de</strong> outras produções, <strong>de</strong><br />

outras <strong>de</strong>scobertas. Somente quando enfrentamos situações fronteiriças ou quando<br />

estamos em nossos limites, é que <strong>de</strong>scobrimos o quanto po<strong>de</strong>mos nos transformar<br />

em outros que talvez nem conhecêssemos se não tivéssemos chegado ali.<br />

Penso <strong>de</strong>ssa maneira, totalmente influenciada por Homi Bhabha (2003), que o<br />

fundamental a ser consi<strong>de</strong>rado no lugar <strong>de</strong> fronteira, é a tarefa <strong>de</strong> se passar para<br />

além das configurações originárias e essenciais. Somente <strong>de</strong>sse modo, segundo<br />

este autor, conseguiremos empreen<strong>de</strong>r um percurso <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> olhar para<br />

aqueles lugares e saberes que são produzidos na articulação <strong>de</strong> ambiências<br />

27


diferenciadas. A esse lugar imaginado, temido, <strong>de</strong>sconhecido ou conhecido por<br />

contingências limites, Bhabha chamou <strong>de</strong> “entre-lugar”.<br />

28<br />

Esses ‘entre-lugares’ fornecem o terreno para a elaboração <strong>de</strong><br />

estratégias <strong>de</strong> subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a<br />

novos signos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e postos inovadores <strong>de</strong> colaboração e<br />

contestação. (BHABHA, 2003, p. 20)<br />

Somente na emergência dos interstícios, segundo esse autor, é que o interesse<br />

comum e os valores po<strong>de</strong>m ser negociados. No “entre-lugar” a potência se exerce. E<br />

esse lugar, segundo o autor,<br />

evita que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s a cada extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le se estabeleçam<br />

em polarida<strong>de</strong>s primordiais. Essa passagem intersticial entre<br />

i<strong>de</strong>ntificações fixas abre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um hibridismo cultural<br />

que acolhe a diferença sem uma hierarquia suposta ou imposta<br />

(BHABHA, 2003, p. 22)<br />

Experimentamos aqui, então, ajudada pelos autores que nos levaram para caminhar<br />

pela região <strong>de</strong> fronteira a idéia <strong>de</strong> que uma televisão universitária é um ambiente <strong>de</strong><br />

fronteira. Ela é um híbrido, que não é nem sala <strong>de</strong> aula, embora muitos conteúdos,<br />

assuntos e aulas sejam ali compartilhados, e nem uma televisão comercial porque<br />

não está sujeita aos imperativos <strong>de</strong> uma audiência, que traz anunciantes e, portanto<br />

<strong>de</strong>termina uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação.<br />

Essas forças que po<strong>de</strong>riam ser encaradas a uma primeira vista como forças<br />

antagônicas – mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tevê comercial versus ambiente <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula – são, na<br />

minha concepção complementares pois, para Bhabha, é um sinal <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong><br />

política <strong>de</strong> nossa parte enten<strong>de</strong>rmos que as duas instâncias são fontes <strong>de</strong> discursos<br />

e que, nessa medida, produzem muito mais o que falam do que refletem. Utilizando<br />

do exemplo dos discursos da política ele assim nos explica:


29<br />

É um sinal <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> política aceitar que haja muitas formas <strong>de</strong><br />

escrita política cujos diferentes efeitos são obscurecidos quando se<br />

distingue entre o “teórico” e o “ativista”. Isso não significa que o<br />

panfleto utilizado na organização <strong>de</strong> uma greve seja pobre em teoria,<br />

ao passo que um artigo especulativo sobre a teoria da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>va<br />

ter mais exemplos ou aplicações práticas. Ambos são formas <strong>de</strong><br />

discurso, e nessa medida, produzem mais do que refletem seus<br />

objetos <strong>de</strong> referência. A diferença entre eles está em suas qualida<strong>de</strong>s<br />

operacionais. O panfleto tem um propósito expositório e<br />

organizacional específico, temporalmente preso ao acontecimento; a<br />

teoria da i<strong>de</strong>ologia dá sua contribuição para as idéias e princípios<br />

políticos estabelecidos em que se baseia o direito à greve. O último<br />

aspecto não justifica o primeiro e nem o prece<strong>de</strong> necessariamente.<br />

Eles existem lado a lado – um tornando o outro possível – como a<br />

frente e o verso <strong>de</strong> uma folha <strong>de</strong> papel (BHABHA, 2003, p. 46/47)<br />

Talvez <strong>de</strong>vêssemos temer produzir conhecimento e trabalhar em um ambiente que<br />

não tem bordas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> marcadas pela <strong>de</strong>finição. Talvez fosse mais tranqüilo<br />

saber o que é e o que <strong>de</strong>ve ser uma tevê universitária. Isso facilitaria e muito a<br />

questão <strong>de</strong> seus pressupostos, limites e possibilida<strong>de</strong>s. Se assim<br />

compreendêssemos uma tevê <strong>de</strong> caráter universitário estaríamos mais seguros do<br />

que <strong>de</strong>veríamos fazer ali e <strong>de</strong> como proce<strong>de</strong>r para empreen<strong>de</strong>r esse fazer. Mas<br />

enquanto somássemos os ganhos <strong>de</strong>ssa certeza, o que per<strong>de</strong>ríamos? O que<br />

<strong>de</strong>ixaríamos <strong>de</strong> produzir? O que <strong>de</strong>ixaríamos escapar? O que ficaria pelo caminho?<br />

Novamente é Bhabha que nos esclarece, afirmando que o que faz e dá sentido<br />

é sempre marcado pela ambivalência do próprio processo <strong>de</strong><br />

emergência, pela produtivida<strong>de</strong> dos sentidos que constrói contra-<br />

saberes, no ato mesmo do agonismo, no interior dos termos <strong>de</strong> uma<br />

negociação (em vez <strong>de</strong> uma negação) <strong>de</strong> elementos oposicionistas e<br />

antagonísticos (BHABHA, 2003, p. 48).<br />

Agonístico, agonia, <strong>de</strong>sassossego. É assim mesmo que nos sentimos nos cotidianos<br />

daquela televisão. O que fazer a partir disso? Como lidar com os domínios do lugar


do próprio, como diria Certeau (1994), o lugar do po<strong>de</strong>r? Como administrar as<br />

frustrações entre querer fazer e po<strong>de</strong>r fazer. Como retirar da impossibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

uma negação, uma experiência <strong>de</strong> conhecimento? Ou como negociar outra<br />

perspectiva ?<br />

Segundo Bhabha, “um saber só po<strong>de</strong> se tornar político através <strong>de</strong> um processo<br />

agonístico: dissenso, alterida<strong>de</strong> e outrida<strong>de</strong> são as condições discursivas para a<br />

circulação e o reconhecimento <strong>de</strong> um sujeito politizado” (BHABHA, 2003, p. 49). E é<br />

a negociação entre essas forças e esses discursos que abre a potência para um<br />

espaço <strong>de</strong> tradução e configura o lugar do híbrido, o lugar híbrido.<br />

A falta <strong>de</strong> uma essencialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição, gera situações <strong>de</strong> impasse, mas<br />

também abre possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criação do novo. Diariamente, professores e alunos<br />

que produzem tevês universitárias se inquietam na região da fronteira. O que somos<br />

nós? Produtores <strong>de</strong> televisão ou alunos? O que temos feito? Qual seria a nossa<br />

diretriz? O que nos caracteriza? Qual o nosso diferencial?<br />

O dilema não é só das tevês universitárias locais, do Espírito Santo, nem dos<br />

professores que atuam aqui. As inquietações têm âmbito e caráter nacional.<br />

Trazemos para esse texto, um dilema experimentado pelo professor coor<strong>de</strong>nador da<br />

TV PUC <strong>de</strong> São Paulo:<br />

30<br />

Vez ou outra os próprios editores da PUC-TV se pagam em dúvida se<br />

<strong>de</strong>vemos ou não cobrir <strong>de</strong>terminada pauta factual – a chacina na<br />

periferia, o soldado que matou a mulher e os filhos... Como modular na<br />

cobertura política, como abrir espaço no noticiário para o comunitário,<br />

mas isso vale à pena – se as comunida<strong>de</strong>s não têm acesso ao cabo?<br />

Pergunta que boa parte <strong>de</strong> nós se faz todos os dias (SALOMÃO, 2008)<br />

Mas essas não são as únicas questões com as quais esse autor 5 se <strong>de</strong>bate na zona<br />

da fronteira. Dentre suas muitas inquietações estão: é possível fazer jornalismo<br />

factual nas tevês universitárias? De que maneira é possível? Quais seriam as<br />

5 TV Universitária: Nem tudo po<strong>de</strong>, mas é possível ousar. Artigo publicado em<br />

www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da041220022p.htm. Acesso em 28/02/2008


práticas diferenciadas que <strong>de</strong>veriam pautar esse fazer? E, por fim, como evitar que o<br />

produto – programas – não prevaleça sobre o processo?<br />

Uma aposta no hibridismo<br />

Eu e meus alunos durante a gravação <strong>de</strong> um programa. Além <strong>de</strong> enquadramentos <strong>de</strong><br />

câmera, iluminação, o que discutíamos? Po<strong>de</strong>mos perguntar isso? Ele não vai ficar<br />

exposto? O que é relevante para as pessoas saberem sobre esse tema? Será que as<br />

pessoas querem saber sobre isso? Como <strong>de</strong>vemos conduzir (?) a entrevista? A<br />

pessoa terá tempo para falar tudo o que é preciso, ou o que ela gostaria <strong>de</strong> falar?<br />

Foto: Milena Ribeiro (aluna).<br />

A negação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los – pensar a tevê universitária a partir do binômio tevê<br />

comercial versus sala <strong>de</strong> aula - não seria uma boa solução, segundo Homi Bhabha.<br />

Produtivo, inovador e potente seria, para esse autor, apostar no lugar do hibridismo,<br />

entendido aqui pelo autor como “a construção <strong>de</strong> um objeto que não é nem um nem<br />

outro” (BHABHA, 2003, p. 51) e, ainda, na noção <strong>de</strong> negociação, que ocuparia o<br />

lugar da negação <strong>de</strong> uma ou outra posição estanque. A negociação, na avaliação<br />

<strong>de</strong> Bhabha, propiciaria que articulássemos<br />

31


elementos contraditórios e antagônicos, situados além da forma<br />

prescritiva da leitura sintomática (...). A negociação <strong>de</strong> instâncias<br />

contraditórias e antagônicas abre lugares e objetivos híbridos <strong>de</strong><br />

lutas e <strong>de</strong>stroem polarida<strong>de</strong>s negativas entre o saber e seus objetos<br />

e entre a teoria e a razão prático-política (BHABHA, 2003, p. 51).<br />

O valor, a contribuição da negociação, para esse autor, traz à tona o entre-lugar,<br />

entendido por algumas vezes, pelo autor como um “terceiro espaço” e é na<br />

exploração <strong>de</strong>sse “terceiro espaço” que teremos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitar a política<br />

da polarida<strong>de</strong> uma coisa versus a outra, e “emergir como outros <strong>de</strong> nós mesmos”<br />

(BHABHA, 2003, p. 69).<br />

Diante do que nos fala Bhabha, o fato <strong>de</strong> uma tevê universitária não ter uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fixa, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se constituir como um problema. Isso porque, para esse<br />

autor, não é possível existir essencialismos em nenhuma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Para ele, a<br />

fixi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não é possível porque toda a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é forjada a partir<br />

<strong>de</strong> uma narrativa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguma situação encontrada em <strong>de</strong>terminado momento.<br />

32<br />

As culturas vêm a ser representadas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos <strong>de</strong><br />

iteração e tradução através dos quais seus significados são<br />

en<strong>de</strong>reçados <strong>de</strong> forma bastante vicária a – por meio <strong>de</strong> um Outro.<br />

Isto apaga qualquer reivindicação essencialista <strong>de</strong> uma autenticida<strong>de</strong><br />

ou pureza inerente <strong>de</strong> culturas que, quando inscritas no signo<br />

naturalístico da consciência simbólica, freqüentemente se tornam<br />

argumentos políticos a favor da hierarquia e ascendência <strong>de</strong> culturas<br />

po<strong>de</strong>rosas (BHABHA, 2003, p. 95)<br />

A diferença então é articulada a partir <strong>de</strong> um hibridismo, mas o hibridismo tal como o<br />

enten<strong>de</strong> Bhabha não seria a mistura, não seria a mescla, mas seria a superposição<br />

das coisas. Um ser, uma narrativa, uma coisa, uma televisão que se pautasse pela<br />

força do híbrido, seria aquilo que se articularia em torno <strong>de</strong> um “e”.


Uma televisão universitária e uma sala <strong>de</strong> aula e uma televisão comercial e tantas<br />

outras possibilida<strong>de</strong>s que pu<strong>de</strong>rem ser criadas. O híbrido seria então, como o <strong>de</strong>fine<br />

o autor “menos do que um e um duplo” (Bhabha, 2003, p. 145). Menor do que um<br />

porque não seria algo dotado <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> essencial, una, indivisível e<br />

impermeável, uma vez que esse autor não trabalha com essa tipologia <strong>de</strong><br />

configuração i<strong>de</strong>ntitária, a do uno. Um duplo porque teria a dupla inscrição tal como<br />

ele cita os povos colonizados que <strong>de</strong>tém a inscrição <strong>de</strong> sua cultura e a da cultura do<br />

colonizador.<br />

Entendo, então, a idéia <strong>de</strong> que uma televisão universitária só po<strong>de</strong> se constituir<br />

como um lugar <strong>de</strong> potência a partir <strong>de</strong> uma aposta no híbrido, em uma região <strong>de</strong><br />

fronteiras, na superposição <strong>de</strong> entes, na dupla inscrição possível entre o ambiente<br />

<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, uma televisão comercial e as possibilida<strong>de</strong>s que pu<strong>de</strong>rem ser<br />

produzidas. Mas estou ciente <strong>de</strong> que essa proposta/aposta teórica po<strong>de</strong> suscitar<br />

muitas críticas. Sobretudo daqueles que se preocupam com <strong>de</strong>finições, lugares<br />

estáveis, imóveis, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> configurações eternas e bem balizadas.<br />

Uma concepção <strong>de</strong>lineadora <strong>de</strong> espaços talvez me aconselhasse que fosse mais<br />

seguro trabalhar assim, com posições estanques, bem <strong>de</strong>finidas. Isso, sem dúvida,<br />

é menos embaraçoso. E por que não dizer, mais fácil. Afinal, trabalhar na região <strong>de</strong><br />

fronteira é ameaçador, como já nos disse Hei<strong>de</strong>gger. Mas é também ali, como<br />

complementou o filósofo alemão, que cresce o que salva.<br />

Importante notarmos que – embora o texto <strong>de</strong> Homi Bhabha tenha se <strong>de</strong>tido sobre<br />

os discursos pós-colonialistas – o imperativo da classificação está implicado em<br />

diversas culturas que se acreditam mais dotadas ou superiores. Em uma<br />

universida<strong>de</strong> não são poucos os discursos que querem dar às tevês universitárias<br />

um lugar certo, <strong>de</strong>stinado e restrito.<br />

33


“Ela é da<br />

universida<strong>de</strong>!”<br />

“Mas aqui tem<br />

jornalismo?”<br />

Essas falas, soltas, entrecortadas e entreouvidas em diversas reuniões dos canais<br />

universitários, nas reuniões do colegiado e, também presentes em diversos textos<br />

que falam <strong>de</strong> tevê universitária são, antes <strong>de</strong> reclamações, provocações, tentativas<br />

<strong>de</strong> enquadrar a tevê em uma categoria fixa <strong>de</strong> pensar e agir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua gra<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

programação. A preferência <strong>de</strong>sses que <strong>de</strong>svelam estas falas é, <strong>de</strong> fato, que a tevê<br />

fique bem <strong>de</strong>ntro da gra<strong>de</strong>. Presa a um <strong>de</strong>stino, presa a uma intenção, presa a um<br />

saber e a uma classificação.<br />

“<br />

Não! Ela é do curso <strong>de</strong><br />

Comunicação!”<br />

“Mas essa tv é o quê,<br />

afinal?”<br />

“Falta espaço para a pesquisa acadêmica que se<br />

<strong>de</strong>senvolve na universida<strong>de</strong>! Aí sim, teríamos<br />

uma tevê <strong>de</strong> respeito!”<br />

“Que nada, essa tevê é<br />

mesmo instrumento da<br />

reitoria!”<br />

Não é à toa que os professores que estão à frente das tevês universitárias são<br />

constantemente inquiridos a falarem sobre o que essas tevês fazem, como fazem e<br />

34


por que fazem. Aliás, a exigência da confissão não é algo novo no domínio <strong>de</strong><br />

nossos conhecimentos. A vigilância exige a confissão e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

compreen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> se enquadrar o que se está conhecendo, sejam nativos, povos,<br />

culturas ou televisões. Para dominar é preciso que se conheça através <strong>de</strong> uma<br />

extração das falas.<br />

A prática da confissão, como já disseram, em outros termos, Bhabha, Certeau e<br />

Foucault, tem a intenção <strong>de</strong> dominar um indivíduo, uma situação, uma contingência,<br />

postulando uma suposta verda<strong>de</strong> que o sujeito, o ambiente, a situação, possui mas<br />

que ainda não sabe. Utilizo um texto <strong>de</strong> Bhabha, sobre a questão colonial,<br />

<strong>de</strong>slocando-o para pensar sobre a os imperativos que preten<strong>de</strong>m “controlar” as<br />

tevês universitárias. Os assuntos mudam, mas as motivações e questões,<br />

permanecem:<br />

A questão não é mais o ‘conte tudo exatamente como se passou’ <strong>de</strong><br />

Derrida. Do ponto <strong>de</strong> vista do colonizador, apaixonado pela posse<br />

limitada, <strong>de</strong>spovoada, o problema da verda<strong>de</strong> se transforma na difícil<br />

questão política e psíquica <strong>de</strong> limite <strong>de</strong> território: Digam-nos porque<br />

vocês, os nativos, estão aí. (BHABHA, 2003, p. 147)<br />

Televisões universitárias situadas na or<strong>de</strong>m do incalculável, do não enquadrável, do<br />

não generalizável criam um problema para aqueles que acreditam que as dominam.<br />

Sejam mantenedoras <strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s particulares, sejam reitorias <strong>de</strong><br />

universida<strong>de</strong>s públicas. E enquanto procuram fazê-la falar, a televisão universitária<br />

<strong>de</strong>sliza.<br />

35


A arte da mímica<br />

A arte da mímica e das táticas<br />

“Come on, baby<br />

Transformar esse<br />

limão em limonada,<br />

passar da solidão<br />

pra doce amada,<br />

pegar um trem pra<br />

próxima ilusão...<br />

“Come on Baby voar<br />

sem avião, sem ter<br />

parada. Inverso da razão<br />

ou tudo ou nada, fazer<br />

durar a chuva <strong>de</strong> verão...<br />

Nádia, a escultura guardiã do estúdio da TV FAESA, presenteada pelo professor José<br />

Soares Júnior e pintada e (re) pintada pelos alunos da TV.<br />

Foto: Vanessa Maia<br />

No embate entre o discurso classificatório do que <strong>de</strong>ve ser uma televisão<br />

universitária, empreendido por seus financiadores e <strong>de</strong>tentores, e a própria atitu<strong>de</strong><br />

daqueles que atuam nessa televisão, <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizarem constantemente das<br />

classificações, surge então a artimanha da mímica.<br />

“Come on Baby, você e eu,<br />

luar, beijos, madrugada, A vida<br />

não está certa nem errada<br />

Aguarda apenas nossa<br />

<strong>de</strong>cisão!”<br />

Itamar Assumpção/Zélia<br />

Duncan<br />

A mímica é a ironia contra a dominação. A mímica não é a mimese, a a<strong>de</strong>quação, a<br />

repetição. A mímica é o arremedo, a ironia. “O que vale dizer que o discurso da<br />

mímica é construído em torno <strong>de</strong> uma ambivalência ; para ser eficaz, a mímica <strong>de</strong>ve<br />

36


produzir continuamente seu <strong>de</strong>slizamento , seu excesso, sua diferença” (BHABHA,<br />

2003, p. 130).<br />

A artimanha da mímica, para Homi Bhabha, é a dupla articulação, uma estratégia<br />

complexa <strong>de</strong> reforma, regulação e disciplina que se “apropria” do outro ao visualizar<br />

o po<strong>de</strong>r. A mímica para esse autor é uma ameaça para aqueles que querem<br />

controlar as práticas e os espaços porque, “ao mesmo tempo em que intensifica a<br />

vigilância se coloca como um <strong>de</strong>safio para os saberes “normalizados” e para os<br />

“po<strong>de</strong>res disciplinados” (BHABHA, 2003, p. 130).<br />

O efeito da mímica sobre aquele que quer controlar é perturbador, pois os que se<br />

apropriam <strong>de</strong>ssa tática se apresentam como “quase os mesmos, mas não<br />

exatamente”. A mímica ganha, então, o caráter simultâneo <strong>de</strong> semelhança e<br />

ameaça. 6 Mas o que estou enten<strong>de</strong>ndo como mímica? Vou à explicação do autor:<br />

O que <strong>de</strong>nomino mímica não é o exercício familiar <strong>de</strong> relações<br />

através <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação. A mímica não escon<strong>de</strong> presença ou<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong> sua máscara. A ameaça da mímica é sua visão<br />

dupla que, ao revelar a ambivalência do discurso colonial, também<br />

<strong>de</strong>sestabiliza a autorida<strong>de</strong>. (...) a mímica libera elementos marginais<br />

e abala a unida<strong>de</strong> do ser do homem. A mímica <strong>de</strong>sestabiliza (ela é)<br />

quase o mesmo, mas não exatamente. (BHABHA, 2003, p.133/134).<br />

As tevês universitárias <strong>de</strong>slizam em suas práticas, saberes e fazeres através <strong>de</strong><br />

mímicas. Essa seria sua tática, na forma como a enten<strong>de</strong> Certeau (1994), como<br />

forma <strong>de</strong> resistência ao lugar do próprio e às estratégias <strong>de</strong>sse lugar, como formas<br />

<strong>de</strong> controle do lugar. Para questão <strong>de</strong> sua própria sobrevivência seria preciso que<br />

6 Ainda discorrendo sobre sua noção <strong>de</strong> mímica, Homi Bhabha diz que” a genealogia do mímico po<strong>de</strong><br />

ser traçada através das obras <strong>de</strong> Kipling, Forster, Orwell, Naipaul, até sua emergência mais recente<br />

na excelente obra <strong>de</strong> Benedict An<strong>de</strong>rson sobre o nacionalismo na figura do anômalo Bipin Chandra<br />

Pal. Ele é o resultado <strong>de</strong> uma mimese colonial <strong>de</strong>feituosa, na qual ser anglicizado é enfaticamente<br />

não ser inglês. Em outro estudo, o <strong>de</strong> Macaulay (1835), Homi Bhabha <strong>de</strong>screve os que se utilizam do<br />

estatuto da mímica são ‘uma classe <strong>de</strong> pessoas que são indianas em sangue e cor, mas inglesas em<br />

gosto, opiniões, moral e intelecto’ ” (2003, p. 132)<br />

37


essas tevês empreen<strong>de</strong>ssem suas táticas? Mímicas? Fizessem-se parecidas, mas<br />

não exatamente ?<br />

Entendo que o olhar classificatório, aquele que quer manter as coisas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

limite <strong>de</strong> controle trabalha com a idéia fixa: “Déspota, pagão, bárbaro, caos,<br />

violência” (BHABHA, 2003, p.149) e nas tevês universitárias: “sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>lirantes, insuficientes, incompetentes, rebel<strong>de</strong>s, caóticas”.<br />

Na maioria das vezes, alguns discursos <strong>de</strong> setores da universida<strong>de</strong> sobre suas<br />

tevês opera no mesmo modo do discurso colonialista. Deseja que estas se<br />

comportem tais como seus princípios, valores, relevâncias, referências. Atribuem a<br />

estes veículos provincianismo, inaptidão, amadorismo, ineficiência. Vejamos como<br />

se processa o discurso do “colonizador-universida<strong>de</strong>” nas palavras do professor<br />

Gabriel Priolli, ex-coor<strong>de</strong>nador da Associação Brasileiras <strong>de</strong> TVs Universitárias e<br />

diretor do Canal Universitário <strong>de</strong> São Paulo:<br />

38<br />

Chega a ser cômica a contradição que se estabelece, quando o forte<br />

criticismo da universida<strong>de</strong> para qualquer tema da televisão <strong>de</strong>fronta-<br />

se com a sua insegurança <strong>de</strong> apropriar-se, ela mesma, <strong>de</strong>ssa<br />

tecnologia que adora <strong>de</strong>monizar. Os estudos apontando o po<strong>de</strong>r<br />

tentacular <strong>de</strong> uma Re<strong>de</strong> Globo, por exemplo, com seu suposto papel<br />

nocivo à <strong>de</strong>mocracia e à cultura do país po<strong>de</strong>riam formar uma pilha<br />

equivalente à antena da emissora, na Avenida Paulista. No entanto,<br />

sempre que a TV Universitária <strong>de</strong>monstra alguma insuficiência, é<br />

com a Globo que o meio acadêmico a compara, para <strong>de</strong>squalificá-la.<br />

Da mesma forma, é comum professores <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nharem das<br />

entrevistas que conce<strong>de</strong>m a canais universitários, mas não se vê a<br />

mesma indiferença quando quem os convida para falar é o “Jornal<br />

Nacional”. O gran<strong>de</strong> satã das ondas hertzianas converte-se em guru<br />

da boa produção televisiva diante dos canais universitários, sempre<br />

vistos como coisa menor, 7 aos quais não tocarão jamais as bênçãos<br />

do Ibope. (PRIOLLI, 2007). 8<br />

7 Grifo nosso<br />

8 TV Universitária: uma televisão sem complexo. Por Gabriel Priolli in www.direitoainformacao.org.br.<br />

Acessado em 27/02/2008.


A mímica torna-se, então, a tática <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong>ssas tevês. Recorrer a ela<br />

talvez seja preciso. Sair das classificações, do que se espera, do lugar consi<strong>de</strong>rado<br />

como <strong>de</strong>squalificado, como “selvagem”. A universida<strong>de</strong>, para Priolli, tem dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a televisão. Sobretudo quando é pensada a sua influência sobre a<br />

cultura, a política, os costumes e porque não dizer, a educação. A universida<strong>de</strong><br />

ten<strong>de</strong>, segundo este autor, a superdimensionar, e eu diria, subdimensionar, o papel<br />

<strong>de</strong>sse meio, atribuindo a ele classificações não menos generosas que os<br />

colonizadores estudados por Bhabha atribuíam aos povos colonizados.<br />

Mas a classificação daqueles que falam do interior das universida<strong>de</strong>s, à procura <strong>de</strong><br />

uma <strong>lógica</strong> classificatória não resiste diante da ambigüida<strong>de</strong> proporcionada pela<br />

mímica que estas tevês adotam. Vejamos novamente o que nos fala Priolli:<br />

39<br />

E como não conseguem apreendê-la (a tevê universitária) na<br />

inteireza <strong>de</strong> suas ambigüida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>res e limitações, hesita<br />

diante <strong>de</strong>la, quando ela se oferece ao uso. Abriga-se em uma<br />

<strong>lógica</strong> comparativa (como fazer TV tão bem como a Globo?),<br />

que, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>scabida, é redutiva e imobilista. O resultado é o<br />

<strong>de</strong>scaso com os canais universitários que estão à sua<br />

disposição, transmitindo diariamente em mais <strong>de</strong> 50 centros<br />

urbanos gran<strong>de</strong>s ou médios do país, para muitos milhares <strong>de</strong><br />

brasileiros do outro lado da tela. (PRIOLLI, 2007, p. 17)<br />

Mas, embora carregando todas as críticas e in<strong>de</strong>cidibilida<strong>de</strong>s acerca <strong>de</strong> seu caráter<br />

e função, as tevês universitárias sobrevivem e seguem quase como que cantando a<br />

música <strong>de</strong> Caetano Veloso e Chico Buarque:<br />

Vai Levando<br />

Mesmo com toda a fama<br />

Com toda a brahma<br />

Com toda a cama<br />

Com toda a lama<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando


A gente vai levando<br />

Essa chama<br />

Mesmo com todo o emblema<br />

Todo o problema<br />

Todo o sistema<br />

Toda Ipanema<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

Essa gema<br />

Mesmo com o nada feito<br />

Com a sala escura<br />

Com um nó no peito<br />

Com a cara dura<br />

Não tem mais jeito<br />

A gente não tem cura<br />

Mesmo com o todavia<br />

Com todo dia<br />

Com todo ia<br />

Todo não ia<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

A gente vai levando<br />

Essa guia 9<br />

Mesmo com o todavia, com a sala escura, com um nó no peito, com a cara dura<br />

essas televisões seguem em suas produções e em seu cotidiano <strong>de</strong> enredar<br />

conhecimentos <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m junto aos seus alunos. E mais: segundo Priolli (2007),<br />

elas também são assistidas por muita gente. Gente que, segundo este autor, está<br />

cansada da mesmice dos canais tradicionais da tevê aberta, gente interessada em<br />

ver outros temas, gente interessada em uma informação boa e porque não? Muitas<br />

vezes divertida.<br />

9 Música: Vai Levando <strong>de</strong> Caetano Veloso e Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda.<br />

40


Até a Imprensa, que advoga para si um lugar <strong>de</strong> instância <strong>de</strong> saber, <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>s e até mesmo, muitas vezes o lugar <strong>de</strong> tribunal midiático, com ofício<br />

moralizador sobre a socieda<strong>de</strong>, busca nas tevês universitárias sugestões <strong>de</strong> pautas,<br />

pesquisadores com resultados <strong>de</strong> seus estudos, imagens diferenciadas,<br />

perspectivas <strong>de</strong> abordagem inusitadas.<br />

A questão é que, embora a universida<strong>de</strong> tenha a coerente noção <strong>de</strong> que é uma<br />

instituição múltipla, que <strong>de</strong>tém em sua constituição um mundo <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong>s,<br />

essa premissa não vale quando para as tevês universitárias. Sempre se busca para<br />

estas a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fixa, o caráter sério, a abordagem chata e sempre, leva-se a ela<br />

um olhar inquisidor e <strong>de</strong> censura.<br />

Novos modos <strong>de</strong> conhecer<br />

“A televisão me <strong>de</strong>ixou burra,<br />

muito burra <strong>de</strong>mais???”**<br />

Seminário Roteiros e Histórias no Cinema e na Televisão, dado pelo cineasta gaúcho<br />

Jorge Furtado, em Vitória. Alunos e professores na mesma turma, ouvindo como ele<br />

adaptou a obra <strong>de</strong> Rubem Fonseca – Agosto – para minissérie <strong>de</strong> mesmo nome para a<br />

Televisão. *** Música: Televisão – Titãs (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Tony<br />

Bellotto) Foto: Rodrigo Rossoni, ano 2007.<br />

Mesmo diante <strong>de</strong> colegas até mesmo muito inteligentes, esclarecidos e<br />

preocupados com uma ambiência <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento, ou seja, até<br />

41


mesmo os que estão longe das burocracias <strong>de</strong>liberativas das instâncias <strong>de</strong> reitorias<br />

e mantenedoras das instituições universitárias, ainda nos <strong>de</strong>paramos com um olhar<br />

preconceituoso do colonizador.<br />

Dia <strong>de</strong>sses na sala dos professores, na faculda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> trabalho, ouvi um colega<br />

dizer:<br />

“- Nossa conheci uma aluna muito inteligente. Ela já leu Platão,<br />

faz muitas intervenções na aulas, todas muito boas. Cara eu<br />

fiquei impressionado com a inteligência da menina. Olha só o<br />

texto que ela me mandou falando da catarse na filosofia.”<br />

Eu, interessada na fala <strong>de</strong> meu colega, olhei o texto, vi a<br />

qualida<strong>de</strong> do trabalho e falei:<br />

“Pôxa, que coisa boa, que coisa legal!”.<br />

Meu colega continuou:<br />

“- Ontem eu estava conversando com ela pelo msn e falei<br />

alguma coisa sobre um programa televisivo. Aí ela me disse: -<br />

Professor, que programa é esse? Quem é esse personagem<br />

que você citou?<br />

- Aí eu disse pra ela: não é possível que você não conheça,<br />

passa na televisão direto.<br />

- Daí ela me disse que não via televisão há um tempaço.<br />

- Então, cara, eu tive que concluir, gente inteligente não vê<br />

mesmo televisão”.<br />

A fala <strong>de</strong>sse professor não foi trazida para este texto para expor a pessoa,<br />

tampouco para <strong>de</strong>smerecer a aluna que “não vê televisão”. Ela foi pinçada, <strong>de</strong>ntre<br />

tantas outras, para mostrar o quanto <strong>de</strong> naturalizado está o preconceito que existe<br />

<strong>de</strong>ntro das universida<strong>de</strong>s e faculda<strong>de</strong>s sobre o veículo.<br />

Ou seja, estamos em pleno século XXI. O homem já conseguiu ir à lua <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

século passado, já se consegue clonar seres vivos em laboratórios, já existe um<br />

acelerador <strong>de</strong> partículas simulará o movimento do Big Bang e, mesmo diante <strong>de</strong><br />

tantas transformações, a televisão, que já é uma senhora, ainda <strong>de</strong>tém o lugar <strong>de</strong><br />

todos os preconceitos, sobretudo, quando o assunto é alienação e <strong>de</strong>spreparo.<br />

42


Mas o que mais me espantou nesse professor é que ele é professor <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong><br />

Comunicação, ou seja, um curso que tem em seu cerne muitos estudos sobre a<br />

televisão, muitas práticas sobre a televisão, muitas pesquisas <strong>de</strong> recepção sobre a<br />

televisão e, como se não bastasse, essa também é um veículo <strong>de</strong> comunicação,<br />

cujo saber ele ten<strong>de</strong>rá a ensinar, um dia em sala <strong>de</strong> aula. Mais a<strong>de</strong>rência <strong>de</strong>sse<br />

objeto <strong>de</strong> estudo – a televisão - com a área que esse professor atua, impossível.<br />

Mas por que as coisas têm que ser assim?<br />

Não quero aqui também, fazer o mesmo movimento, só que do outro lado. Não vou<br />

dizer que a televisão é o melhor dos mundos, que só mostra coisa bacana, que não<br />

contribui para a banalização da violência, do pensamento fácil e da exploração da<br />

nu<strong>de</strong>z excessiva. 10 Se eu fizesse isso, não só estaria adotando uma postura<br />

ingênua, mas e sobretudo, leviana em meu ato <strong>de</strong> pensar esse veículo.<br />

Penso, contudo, que a televisão <strong>de</strong>ve ser problematizada. Levada a sério, se<br />

quisermos <strong>de</strong> fato pensar com e a partir <strong>de</strong>la. A televisão não existia quando as<br />

<strong>de</strong>sgraças familiares, os assassinatos brutais 11 narrados na angustiante literatura <strong>de</strong><br />

Dostoievski. Ou seja, muitas tragédias já tinham sido elaboradas e compartilhadas<br />

com o imaginário das pessoas e o conhecimento do público a partir da literatura e,<br />

não, por um roteirista <strong>de</strong> televisão, tampouco por um jornalista em busca da<br />

audiência a qualquer custo.<br />

Penso também que se formos culpar a televisão por tudo isso teremos também que<br />

olhar um pouco mais <strong>de</strong>tidamente para os filmes que estão em cartaz nos cinemas,<br />

com suas miría<strong>de</strong>s <strong>de</strong> explosões, carros <strong>de</strong>rrapando, tiros, violência e sangue.<br />

Precisaremos falar também dos programas <strong>de</strong> rádio sensacionalistas que exploram<br />

10 Em um manifesto lido no Festival <strong>de</strong> Cinema do Rio <strong>de</strong> Janeiro, o ator Pedro Cardoso (que<br />

interpreta o personagem Agostinho, do seriado A Gran<strong>de</strong> Família) disse que nas mãos das<br />

"empresas que exploram a comunicação em massa", a nu<strong>de</strong>z, que fora "uma conquista contra<br />

excessos da repressão à vida sexual", tornou-se "apenas um modo <strong>de</strong> atrair público". Fonte: Folha<br />

Ilustrada, Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Cultura do jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo do dia 10/10/2008.<br />

11 Refiro-me respectivamente aos livros: Os irmãos Karamazov (1995- Círculo do Livro) e Crime e<br />

Castigo (2001 – Editora 34)<br />

43


os crimes, a miséria, a falta e a fome, em programas que comumente são<br />

apelidados <strong>de</strong> rádio tragédias...<br />

Teremos que olhar para as prateleiras das livrarias nas quais passeamos com<br />

freqüência para enxergarmos as pilhas <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> auto-ajuda e <strong>de</strong> resolução fácil<br />

<strong>de</strong> problemas. Enfim, o que me intriga é entendimento <strong>de</strong> um dispositivo tão<br />

complexo, composto por tantas multiplicida<strong>de</strong>s, por tantas televisões, em uma<br />

<strong>de</strong>finição a partir <strong>de</strong> um olhar limitado que encerra as <strong>de</strong>finições do mundo. Ou<br />

melhor, <strong>de</strong> televisão.<br />

Esse tema, inclusive, será mais trabalhado no terceiro capítulo, quando falaremos<br />

da produção histórica dos conhecimentos e verda<strong>de</strong>s que foram concebidas pela<br />

ciência acerca do Oci<strong>de</strong>nte e pelos teóricos que estudaram a televisão.<br />

Deleuze disse certa vez, em seu livro Diferença e Repetição, que “só escrevemos<br />

na extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso próprio saber” (2006, p. 18). Me apropriando do<br />

pensamento <strong>de</strong>leuziano, chego a pensar que, talvez esse professor só agiu assim<br />

porque só consiga pensar na extremida<strong>de</strong> do próprio saber <strong>de</strong>le. Não porque ele<br />

seja mal intencionado. Nada disso.<br />

Talvez ele tenha se empolgado com essa fala porque ele não trabalhe com o<br />

cotidiano <strong>de</strong> uma tevê, sobretudo, uma tevê universitária e talvez, ou justamente por<br />

isso, não consiga visualizar ali toda a potência que emerge das questões mais<br />

simples, toda a gama <strong>de</strong> conhecimento que é compartilhado das maneiras mais<br />

diferenciadas. Talvez ele não consiga visualizar todo o processo <strong>de</strong> conhecimento<br />

que se <strong>de</strong>senvolve como uma teia, transformando dias em acontecimentos para<br />

cada um do que ali transitam.<br />

Em uma dissertação <strong>de</strong> mestrado que se preocupou em estudar a produção <strong>de</strong><br />

conhecimentos <strong>de</strong>ntro do ambiente das tevês universitárias (TV UERJ e TV<br />

Estácio), Ricardo Néspoli 12 investigou como esta tevê se constituía em ambiente <strong>de</strong><br />

aprendizagem para os estudantes <strong>de</strong> jornalismo, levando em consi<strong>de</strong>ração o<br />

12 TV Universitária: um ambiente tecnológico <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

In www..anped.org/br/reunoes/28textos/gt16/gt161294 int.rtf. Acessado em 20/03/2008<br />

44


embate das concepções presentes na mídia comercial e em uma tevê <strong>de</strong> caráter<br />

formativo.<br />

Em seu estudo o autor constatou que <strong>de</strong>ntro da tevê universitária “os alunos tem um<br />

acompanhamento sistemático <strong>de</strong> professores e os estudantes participam <strong>de</strong> um<br />

processo fundamental na relação com a aprendizagem que é a responsabilida<strong>de</strong><br />

que têm com um produto on<strong>de</strong> o público avalia o resultado.” (NESPOLI, s/d, p. 03).<br />

De acordo com esse autor, a tv universitária tem um importante papel a cumprir<br />

<strong>de</strong>ntro das instituições <strong>de</strong> ensino pois,<br />

45<br />

a exemplo dos hospitais universitários e dos centros <strong>de</strong> pesquisa na<br />

área <strong>de</strong> informática, as TVs Universitárias po<strong>de</strong>m cumprir o papel <strong>de</strong><br />

centro <strong>de</strong> pesquisa, experimentação e criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />

uma política <strong>de</strong> reflexão sobre esse fazer. Dentro <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong><br />

reflexão encontram-se as concepções utilizadas pelos professores<br />

participantes para caracterizar a televisão universitária como<br />

laboratório <strong>de</strong> ensino/aprendizagem para a formação <strong>de</strong> estudantes<br />

(NÉSPOLI, s/d, p. 03)<br />

A contribuição <strong>de</strong>sse autor nos foi muito válida. Mas gostaria <strong>de</strong> enfocar outros<br />

aspectos. E a pergunta <strong>de</strong> meu orientador sempre rebate em minha cabeça:<br />

- O que isso produz? O importante é você pensar o que isso produz.<br />

Enfim, pensando nessa questão que ele sempre me coloca, consi<strong>de</strong>ro que a tevê<br />

universitária é um excelente laboratório para que os alunos possam produzir<br />

conhecimento acerca da profissão que escolheram que é a <strong>de</strong> comunicadores. Mas<br />

não só isso. Durante o tempo <strong>de</strong>ssa pesquisa, que foi <strong>de</strong> dois anos, convivendo no<br />

ambiente das tevês universitárias do Espírito Santo, conversando com diversos<br />

alunos e vários professores, transitando entre os gritos <strong>de</strong> Gravando!; Gente vamos<br />

lá! Silêncio! Fala! O que você quer saber?<br />

Percebi que a ambiência <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>ssas e nessas tevês<br />

universitárias extrapolam os próprios imperativos da produção <strong>de</strong> tevê e seguem


para uma instância que inunda a própria vida. Tornando-se relevância e relevante,<br />

no momento em que uma tevê passa também não só a ser um lugar <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

conhecimento profissional, mas também uma instância <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

conhecimento pessoal, ético e fundamental para eles.<br />

Sendo assim, arrumando os armários da tevê on<strong>de</strong> trabalho e pesquiso (é arrumar<br />

também faz parte da vida e do cotidiano <strong>de</strong> toda gente) e reunindo vestígios <strong>de</strong><br />

documentos das outras duas tevês que fazem parte <strong>de</strong>ssa pesquisa, <strong>de</strong>scobri<br />

cartinhas <strong>de</strong> apresentação, memorialísticas, repletas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos e motivação dos<br />

alunos que fizeram o teste <strong>de</strong> seleção para as oficinas <strong>de</strong> monitorias nas televisões<br />

universitárias.<br />

Também pesquisei as páginas <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s do Orkut on<strong>de</strong> os alunos que<br />

fizeram parte das equipes das tevês UVV e UFES <strong>de</strong>ixaram suas narrativas quando<br />

falaram do tempo em que pertenceram às equipes <strong>de</strong>ssas tevês. Passo agora a<br />

reproduzir os relatos <strong>de</strong>les, para mostrar que o interesse <strong>de</strong>les não é apenas pelo<br />

conhecimento em comunicação.<br />

46


Aluno L. V. : “Bem...fui um moleque criado na frente da tevê. Na infância via as séries<br />

feitas para crianças e os programas comandados por apresentadoras loiras. Depois, entrando<br />

na adolescência, as novelas, as disputas dominicais por ibope, os jornalísticos<br />

sensacionalistas, os telejornais mexendo em resultados <strong>de</strong> eleições. Na juventu<strong>de</strong>, com a<br />

ajuda da literatura, da mídia impressa e do cinema, o olhar começa a exigir mais um pouco da<br />

televisão. E assim começo a enxergar outros programas, a buscar mais do entretenimento<br />

televisivo. Acho que por isso escolhi fazer comunicação. E quando apareceu a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pôr em prática, ainda <strong>de</strong>ntro do meio acadêmico, o que aprendo em sala <strong>de</strong> aula, e saciar<br />

minha curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> guri, não pensei duas vezes em me inscrever para ampliar meus<br />

conhecimentos. E o motivo <strong>de</strong> ser uma tevê universitária é ainda mais estimulante, porque<br />

apesar das regras, é um espaço para experimentação, <strong>de</strong>bates, novas idéias. Só vejo<br />

possibilida<strong>de</strong>s lucrativas nesta (possível) nova empreitada”<br />

Aluna A.G.D. : “Eu quero fazer parte da equipe <strong>de</strong> tevê porque eu quero chegar ao final da<br />

minha vida acadêmica com experiências diversas, fora do que nós vemos <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong><br />

aula. A partir <strong>de</strong>sse estágio, tenho certeza que eu conseguirei ótimas oportunida<strong>de</strong>s no<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho, tanto com outros estágios como empregos o que possibilitará o meu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento profissional. O interessante também é o fato <strong>de</strong>sse estágio permitir a<br />

convivência com pessoas <strong>de</strong> outras áreas. O que po<strong>de</strong> contribuir para o meu crescimento<br />

pessoal”.<br />

47


Aluna L.B.B.: “Decidi participar da Oficina <strong>de</strong> Produção <strong>de</strong> programas impulsionada pela<br />

curiosida<strong>de</strong>. Como a área <strong>de</strong> Comunicação e muito ampla, acredito que ela abrange <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

teorias até todas as técnicas e práticas. É um trabalho <strong>de</strong> equipe, on<strong>de</strong> existe a colaboração <strong>de</strong><br />

todos, on<strong>de</strong> cada um tem o seu papel fundamental para o sucesso do programa. Participando<br />

<strong>de</strong>ssa oficina não iremos só apren<strong>de</strong>r somente como produzir, como colocar em prática uma<br />

idéia, mas também como <strong>de</strong>senvolver um trabalho em equipe”.<br />

Aluno S. P.: UNI TV a TV da UVV. Era assim que era chamado no início esse canal da<br />

UVV. Funcionava na Praia da Costa e hoje tem um prédio sendo construído no local.<br />

Começou sob o comando das mestras Tatiana Gianordoli, Suzana Tatagiba entre outros<br />

qualificados profissionais <strong>de</strong> TV. Hoje alguns repórteres, apresentadores que estão no ar<br />

diariamente são frutos <strong>de</strong>sse importante laboratório. Tenho muito orgulho <strong>de</strong> ter feito parte<br />

<strong>de</strong>ssa equipe, pois durante o meu curso <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e propaganda fui cinegrafista/monitor<br />

dos jovens jornalistas que hoje ai estão. Bons tempos aqueles.<br />

Aluno F.: Caramba...eu mesmo já fiz muita coisa ali!!<br />

No 1º semestre <strong>de</strong> 2005 eu fui produtor dos programas "zona ver<strong>de</strong>", "Miscelânea" e fazia um<br />

"bico" no "Atitu<strong>de</strong> Saudável". Além <strong>de</strong> atuar como Câmera nas externas feitas nos finais <strong>de</strong><br />

semana para o "Zona" e para o "atitu<strong>de</strong>". No segundo semestre eu fui Apresentador, repórter,<br />

produtor e editor <strong>de</strong> texto do telejornal "Sintonia UVV", no qual fiquei até inicio <strong>de</strong> fevereiro<br />

<strong>de</strong> 2006, mas por motivos <strong>de</strong> força maior tive d sair d lá...<br />

com certeza foi um aprendizado muito gran<strong>de</strong>...<br />

48


Aluna I.: Hi!!! Eu <strong>de</strong>cupava!!! 13<br />

Com força!!! Mas era legal, assisti umas 100 fitas da Re<strong>de</strong> UVV, vi a evolução dos<br />

programas, aberturas e das propagandas...Foi uma experiência muito válida!!<br />

Isso sem contar a que o pessoal da TV é o máximo!! Um gran<strong>de</strong> beijo pra todos vc's<br />

Aluno M.: Eu também sou da época da UNI.TV(como se chamava a tv da UVV). Bom, eu<br />

tenho o maior carinho por essa tv. E tive o privilégio <strong>de</strong> ter sido o primeiro aluno <strong>de</strong><br />

jornalismo contratado pra trampar na TV. A equipe era muito guerreira e colocamos uma<br />

programação no ar com muita raça. Jean, Samuel, Samy, Suzana, Ivana e outros profissionais<br />

comandavam tudo e a gente era bem instruído. Eu fiz <strong>de</strong> tudo, fui apresentador do PASSEIO<br />

MUSICAL, fui repórter do CONEXÃO UVV , apresentei o ENTREVISTA DA<br />

SEMANA...foram bons tempos. Hoje consegui meu espaço no mercado e tenho certeza <strong>de</strong><br />

que a experiência me ajudou muito.<br />

Aluna G.: Bem fiquei alguns meses como voluntária mas foi um tempo <strong>de</strong> muito<br />

aprendizado e amiza<strong>de</strong>s bacanas.Eu era repórter do Sintonia UVV e tinha como "Chefinho"<br />

meu amigo lindo Saulo!!!! Sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Vc querido!!!! E da galerinha Gláucia, Rogério,<br />

Amanda,Lynson e Marcelo, estes dois queridos q eram a "minha equipe",rsrsrs enfim. Amei<br />

muito!! E TD SÓ FEZ O MEU AMOR POR TV SE TORNAR MAIOR AINDA !!!!!!!!<br />

13 Decupagem : Processo <strong>de</strong> elaboração e análise do roteiro <strong>de</strong> um filme ou programa <strong>de</strong> tevê.<br />

Consiste na indicação <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>talhes necessários à filmagem ou à gravação <strong>de</strong> cenas (planos,<br />

ângulos, or<strong>de</strong>m e duração, movimentos <strong>de</strong> câmera, lentes, música e ruídos). O roteiro <strong>de</strong>cupado<br />

serve <strong>de</strong> guia para a equipe técnica durante toda a realização. Do fr., découpage. In Dicionário <strong>de</strong><br />

Comunicação, Rabaça e Barbosa (orgs.). Carlos Alberto e Gustavo. Editora Ática, São Paulo, 1987,<br />

p. 194.<br />

49


Aluna L.:<br />

Massa!!! Sou da época <strong>de</strong> Samuca e Michel...fazia produção das entrevistas e contatos<br />

musicais...assessorada pela querida Ivana...pessoa maravilhosa!!! Vixi...a galera era bem<br />

legal...adora externa...rsrsrsr!!!<br />

Bjim pra todos!!<br />

As narrativas <strong>de</strong>sses alunos foram trazidas para esse texto para mostrar que, além<br />

das preocupações com a formação, com colocar em prática o que se apren<strong>de</strong> em<br />

sala <strong>de</strong> aula, com as expectativas do mercado <strong>de</strong> trabalho, os alunos não querem o<br />

aprendizado restrito da técnica, ou à técnica. Não estão focados apenas em como<br />

fazer um bom programa <strong>de</strong> televisão, em como selecionar as melhores imagens ou<br />

em como produzir os melhores conteúdos.<br />

Eles também <strong>de</strong>sejam e empreen<strong>de</strong>m um outro tipo <strong>de</strong> conhecimento: “O<br />

interessante também é o fato <strong>de</strong>sse estágio permitir a convivência com pessoas <strong>de</strong><br />

outras áreas. O que po<strong>de</strong> contribuir para o meu crescimento pessoal”, como<br />

enfatizou essa aluna.<br />

Eles querem se relacionar com outras pessoas: “É um trabalho <strong>de</strong> equipe, on<strong>de</strong><br />

existe a colaboração <strong>de</strong> todos, on<strong>de</strong> cada um tem o seu papel fundamental para o<br />

sucesso do programa. Participando <strong>de</strong>ssa oficina não iremos só apren<strong>de</strong>r somente<br />

como produzir, como colocar em prática uma idéia, mas também como <strong>de</strong>senvolver<br />

um trabalho em equipe”.<br />

E ainda, querem transitar por outros rumos, outros canais, querem ter outras<br />

experiências. “E o motivo <strong>de</strong> ser uma tevê universitária é ainda mais estimulante,<br />

porque apesar das regras, é um espaço para experimentação, <strong>de</strong>bates, novas<br />

idéias".<br />

E a experiência que eles passaram ali reforçou os laços com um grupo,<br />

potencializaram um trabalho em colaboração e em solidarieda<strong>de</strong>. Mostrou a<br />

importância <strong>de</strong> estar junto, <strong>de</strong> fazer com e junto. “Eu era repórter do Sintonia UVV e<br />

tinha como "Chefinho" meu amigo lindo Saulo!!!! Sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Vc querido!!!! E da<br />

50


galerinha Gláucia, Rogério, Amanda, Lynson e Marcelo, estes dois queridos q eram<br />

a "minha equipe",rsrsrs enfim. Amei muito!! E TD SÓ FEZ O MEU AMOR POR TV<br />

SE TORNAR MAIOR AINDA !!!!!!!!, como enfatizou essa aluna.<br />

“Passar por uma tevê universitária mostrou que o trabalho em equipe, faz muito<br />

sentido: Isso sem contar a que o pessoal da TV é o máximo!!” As falas mostram<br />

ainda um certo orgulho <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer parte <strong>de</strong> um projeto on<strong>de</strong> se trabalha em<br />

colaboração. Mostram ainda, na memória daqueles que ali estiveram, a sensação<br />

<strong>de</strong> um tempo afetuoso e, até mesmo, a marca <strong>de</strong> uma memória afetiva, tal como a<br />

invocação do gosto da Ma<strong>de</strong>leine, pelo livro <strong>de</strong> Proust e a sensação tida pelo<br />

personagem do crítico gastronômico, quando experimentou o Ratatoiulle, no filme<br />

<strong>de</strong> mesmo nome.<br />

“Hoje alguns repórteres, apresentadores que estão no ar diariamente são frutos<br />

<strong>de</strong>sse importante laboratório. Tenho muito orgulho <strong>de</strong> ter feito parte <strong>de</strong>ssa equipe,<br />

pois durante o meu curso <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e propaganda fui cinegrafista/monitor dos<br />

jovens jornalistas que hoje ai estão. Bons tempos aqueles ! 14 ”<br />

Assim, como as próprias narrativas indicam, a tevê universitária continua na sua<br />

trajetória (e acredito que daí vem sua potência) <strong>de</strong> ser um ambiente híbrido, porque<br />

está na zona <strong>de</strong> fronteira, um ambiente on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a fazer tevê<br />

comercial e também a potencializar conhecimentos que são produzidos e<br />

compartilhados em sala <strong>de</strong> aula.<br />

E ainda, on<strong>de</strong> se vislumbra no limiar dos fatos, composições e narrativas, lugar <strong>de</strong><br />

experimentar os afetos. Assim segue essa tevê com uma marca in<strong>de</strong>lével, porém<br />

forte e presente: a da fronteira. Afinal, como bem ecoa na minha cabeça a frase <strong>de</strong><br />

Heid<strong>de</strong>gger “lá on<strong>de</strong> mora o perigo, também cresce o que salva”<br />

Mas porque esses alunos que teriam tanto a <strong>de</strong>sejar sobre o aprendizado <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> televisão, mercado <strong>de</strong> trabalho, vagas em outras áreas da<br />

comunicação estariam falando <strong>de</strong> encontros, experimentações, trabalho com e<br />

14 Grifo nosso<br />

51


junto? Seriam eles estrangeiros na própria língua da comunicação, medida por<br />

índices <strong>de</strong> audiência, prazos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> e entrega <strong>de</strong> produtos, ranking <strong>de</strong><br />

concorrências e <strong>de</strong> disputas?<br />

Acredito que sim. Acredito que eles são estrangeiros na própria língua. E só<br />

experimentando a experiência da estrangeirida<strong>de</strong> – Por que esses meninos falam<br />

disso? - É que eles se tornam estrangeiros na própria língua da comunicação.<br />

Eles empreen<strong>de</strong>ram uma tradução. E a tradução, para Bhabha é uma natureza<br />

performativa da comunicação cultural. “A tradução põe o original em funcionamento<br />

para <strong>de</strong>scanonizá-lo, dando-lhe o movimento <strong>de</strong> fragmentação, um perambular <strong>de</strong><br />

errância, uma espécie <strong>de</strong> exílio permanente” (BHABHA, 2003, p. 313)<br />

As narrativas dos alunos estão carregadas, repletas <strong>de</strong> tradução. Ali a tevê é<br />

renegociada insistentemente, é traduzida cotidianamente. E a tradução, segundo<br />

Bhabha não invoca um consenso, mas<br />

52<br />

como algo que emerge em estado constante <strong>de</strong> contestação e fluxo<br />

causado pelos sistemas diferenciais <strong>de</strong> significação social e cultural.<br />

(...) E é essa semente que se transforma na famosa, rebuscada,<br />

analogia do ensaio <strong>de</strong> Benjamin: ao contrário do original, em que<br />

fruta e casca formam uma certa unida<strong>de</strong>, no ato <strong>de</strong> tradução o<br />

conteúdo ou assunto é tornado <strong>de</strong>sconectado, subjugado, alienado<br />

pela forma da significação (BHABHA, 2003, p. 312).<br />

Constituindo outros significados, (<strong>de</strong>s) originalizados, empreen<strong>de</strong>ndo outras formas<br />

<strong>de</strong> significação, no sentindo <strong>de</strong> constituir outro tipo <strong>de</strong> sentido para aquilo que fazem<br />

e que precisam fazer ou nos lugares on<strong>de</strong> estão ou que precisam habitar, é assim<br />

que, segundo Bhabha, o novo entra no mundo. Pela tradução - empreendida em um<br />

lugar híbrido -, que não se faz por consenso, que é performance, que é<br />

“estrangeirida<strong>de</strong> na própria língua”, segundo Walter Benjamin, citado por Bhabha<br />

(2003, 312).


Os usos táticos <strong>de</strong>ntro das leis do lugar<br />

Meninos gravando vi<strong>de</strong>oclipe. Os usos táticos como diria Certeau, e diferenciados<br />

que fazem da câmera, a fita isolante para substituir a grua no movimento <strong>de</strong><br />

travelling.Foto: Renan Torres<br />

A busca pelo encontro, por conhecer outras pessoas, por trabalhar em equipe,<br />

narradas por aqueles alunos em seus textos tem uma razão <strong>de</strong> existir que ultrapassa<br />

o mero interesse em apren<strong>de</strong>r a fazer televisão. Eles <strong>de</strong>sejam um encontro com o<br />

outro. E isso não se dá, penso e observo eu, por um altruísmo da parte <strong>de</strong>les. Eles<br />

estão traduzindo o mundo em que vivem e negociando com esse mundo.<br />

Zygmunt Bauman em duas célebres obras 15 afirma que nos tempos em que vivemos<br />

– mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida, entendida por ele, pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, entendida por outros,<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tardia, teorizada ainda por outros -, oscilamos entre estados<br />

constantes <strong>de</strong> medos. E os medos, segundo Bauman, <strong>de</strong>rivam das mais diferentes<br />

causas. O autor pontua que, atualmente, esse medo se tornou companheiro <strong>de</strong><br />

15 Refiro-me às obras: Medo Líquido e Comunida<strong>de</strong> – a busca por segurança no mundo atual,<br />

ambas editadas pela Zahar Editores, respectivamente nos anos <strong>de</strong> 2006 e 2003.<br />

53


nossas jornadas. “Medo sempre e por toda parte” afirma ele, citando o historiador<br />

Lucian Febvre (2006, p. 08).<br />

Para Bauman, todas as criaturas experimentam em <strong>de</strong>terminado grau esse tipo <strong>de</strong><br />

sentimento. E os seres humanos compartilham com os animais essa sensação. Não<br />

são poucos os especialistas que estudam a reação dos humanos e dos animais<br />

diante do medo. Alguns fogem, outros agri<strong>de</strong>m. Os humanos, contudo, segundo<br />

Bauman, experimentam um outro tipo <strong>de</strong> medo. Um medo que ele chama <strong>de</strong> “medo<br />

<strong>de</strong> segundo grau”, que é um tipo <strong>de</strong> sentimento social e culturalmente modificado,<br />

um “medo <strong>de</strong>rivado” que se manifesta havendo uma ameaça presente ou não.<br />

O “medo <strong>de</strong>rivado” para esse autor po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrito como<br />

uma sensação <strong>de</strong> insegurança (o mundo está cheio <strong>de</strong> perigos que<br />

po<strong>de</strong>m se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou<br />

nenhum aviso) e vulnerabilida<strong>de</strong> (no caso do perigo se concretizar),<br />

haverá pouca ou nenhuma chance <strong>de</strong> fugir ou <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r com<br />

sucesso” (BAUMAN, 2007, p. 09).<br />

Po<strong>de</strong>mos até imaginar alguns exemplos <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> medo que o<br />

autor explica: um assalto que po<strong>de</strong> ocorrer a nós ou a um dos nossos e uma<br />

catástrofe natural como um furacão, uma tromba d´água, ou um tsunami, por<br />

exemplo.<br />

Bauman reúne os medos em três tipologias gerais que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>rivar em torno <strong>de</strong><br />

suas próprias <strong>lógica</strong>s. Os medos que ameaçam o corpo e as proprieda<strong>de</strong>s; os<br />

medos que ameaçam a duração da or<strong>de</strong>m social e a confiança que temos, e aí ele<br />

cita o medo do <strong>de</strong>semprego, da perda da renda, os casos <strong>de</strong> invali<strong>de</strong>z na velhice e,<br />

por último, aqueles medos que ameaçam o lugar da pessoa no mundo, a situação<br />

<strong>de</strong>ssa pessoa em uma <strong>de</strong>terminada hierarquia social e, <strong>de</strong> modo mais geral, a falta<br />

<strong>de</strong> resistências para enfrentar à <strong>de</strong>gradação e à exclusão social.<br />

Contudo, segundo esse autor, os estudos mostram que, em geral, <strong>de</strong>ntro dos que<br />

sofrem <strong>de</strong> medo, o “medo <strong>de</strong>rivado” é <strong>de</strong>sligado dos perigos que o causam. Ou seja,<br />

54


excluem-se os motivos, fica o sentimento. E como nas situações <strong>de</strong> medo, tudo<br />

sempre po<strong>de</strong> piorar, porque esse sim, é um sentimento que nos arrebata, existe,<br />

ainda, segundo, Bauman o que ele consi<strong>de</strong>ra ser o pior e o maior dos medos. O<br />

medo <strong>de</strong> estar só.<br />

O medo <strong>de</strong> “ser pinçado sozinho da alegre multidão, ou no máximo,<br />

separadamente, e con<strong>de</strong>nado a sofrer solitariamente enquanto todos<br />

os outros prosseguem em seus folguedos. O medo <strong>de</strong> uma catástrofe<br />

pessoal. O medo <strong>de</strong> se tornar um alvo selecionado, marcado para a<br />

ruína. O medo <strong>de</strong> cair <strong>de</strong> um veículo em rápida velocida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> ser<br />

jogado pela janela, enquanto o resto dos viajantes, com os cintos <strong>de</strong><br />

segurança <strong>de</strong>vidamente afivelados, acha a viagem ainda mais<br />

divertida. O medo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ixado para trás. O medo da exclusão”<br />

(BAUMAN, 2007, p. 28,29)<br />

Utilizando-se dos exemplos dos reality shows (e ainda tem gente que acha que a<br />

televisão não é um dispositivo válido para um pensamento) Bauman afirma que eles<br />

mostram uma realida<strong>de</strong> que, muitas vezes teimamos em não ver. Os reality shows<br />

mostram o real e o inevitável: a regra da exclusão e a luta <strong>de</strong>sesperada dos<br />

participantes para não serem excluídos. Para Bauman os reality shows sequer<br />

precisam ter o exaustivo trabalho <strong>de</strong> explicar as suas regras. As regras dos reality<br />

shows, <strong>de</strong> acordo com o pensamento <strong>de</strong> Bauman, as socieda<strong>de</strong>s já sabem <strong>de</strong> cor,<br />

porque a temem e lutam contra ela, e muitas vezes a assistem em operação.<br />

A regra em questão, enfatizada pelo autor, é a da exclusão. “O que vemos são<br />

pessoas tentando excluir outras pessoas para evitar serem excluídas” (2007, p. 30).<br />

Vivemos em tempos <strong>de</strong> medo porque, segundo Bauman a estrutura social, movida<br />

por <strong>de</strong>scobertas científicas, ten<strong>de</strong> a apostar nos fortes, nos ricos, e isso se transfigura<br />

na <strong>lógica</strong> Titanic, utilizada pelo autor. “Quando se trata <strong>de</strong> evacuar um navio que está<br />

afundando ou <strong>de</strong> encontrar um assento nos botes salva-vidas, habilida<strong>de</strong> e coragem<br />

se mostram <strong>de</strong> pouca valia” (2007, p. 30).<br />

Diante da impotência gerada pelo sentimento do medo <strong>de</strong>scobrimo-nos sozinhos. E<br />

“as condições da socieda<strong>de</strong> individualizada são inóspitas à ação solidária. As<br />

55


socieda<strong>de</strong>s individualizadas caracterizam-se pelo afrouxamento dos laços sociais,<br />

esse alicerce da ação solidária” (BAUMAN, 2007, p. 32). Não é à toa que atualmente<br />

estão em vigor métodos <strong>de</strong> valoração <strong>de</strong> alunos que os colocam em produção<br />

solitária na socieda<strong>de</strong> contemporânea. Um exemplo disso são as famosas olimpíadas<br />

<strong>de</strong> conteúdos que, atualmente, se praticam nas mais variadas disciplinas dos ensinos<br />

fundamental e médio.<br />

Olimpíadas <strong>de</strong> matemática, olimpíadas <strong>de</strong> português, concursos <strong>de</strong> poesias. Nessas<br />

modalida<strong>de</strong>s a valorização e o incentivo são pelo “esporte” que não se faz em equipe<br />

e sim, individualmente. Portanto, trabalhar sozinho e, pior, competir contra o outro,<br />

contra o colega, abrir mão da relação <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e do compartilhar, que po<strong>de</strong>ria<br />

potencializar a todos, é a regra. Essas iniciativas, então, valorizam a busca individual,<br />

o mundo solitário, o ganho particular. A or<strong>de</strong>m é, portanto, <strong>de</strong>svincular, apartar,<br />

separar.<br />

Aqui chego no que estou apostando como um entendimento <strong>de</strong>ssas traduções feitas<br />

pelos meninos que preten<strong>de</strong>m estar ou já estão na tevê universitária. Eles têm<br />

medo, claro, como todos nós temos. Eles têm medo do <strong>de</strong>semprego, têm medo da<br />

<strong>de</strong>saprovação, têm medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r oportunida<strong>de</strong>s, mas e, sobretudo, têm medo <strong>de</strong><br />

serem excluídos <strong>de</strong> qualquer processo que diga respeito ao mundo em que<br />

transitam.<br />

Têm medo <strong>de</strong> estarem só, medo <strong>de</strong> não conseguirem se inserir em nenhum grupo,<br />

medo <strong>de</strong> não estarem entre os escolhidos, medo do olhar que eles próprios<br />

<strong>de</strong>stinam aos <strong>de</strong>mais colegas que, sorri<strong>de</strong>ntes e estri<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>scem a rampa<br />

contando experiências que viveram em um <strong>de</strong>terminado espaço, seja esse tevê<br />

universitária ou outro espaço qualquer. Medo <strong>de</strong> estarem sós. E é justamente esse<br />

medo que, em muitos <strong>de</strong> nós po<strong>de</strong>ria até causar imobilida<strong>de</strong>, que causa neles o<br />

movimento.<br />

56


Parte da equipe da TV FAESA: Dos seis que estão na foto, três são do interior e<br />

moram longe das famílias, em Vitória, para estudar. Foto: Vanessa Maia<br />

Inscrevem-se nas oficinas <strong>de</strong> seleções, preenchem cartas próprias <strong>de</strong> apresentação,<br />

buscam uma outra forma <strong>de</strong> convivência e aprendizado que não é o pautado pela<br />

laboriosa e solitária ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo individualizado em uma biblioteca ou em<br />

uma mesa, carteira, única <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula. Como forma <strong>de</strong> tradução <strong>de</strong>sse medo,<br />

esses meninos buscam uma “comunida<strong>de</strong>”, ainda que frágil, temporária, cultural,<br />

solidária, da qual possam fazer parte.<br />

Comunida<strong>de</strong>, aliás, foi outro conceito aprendido com Bauman que me ajuda a<br />

enten<strong>de</strong>r o movimento <strong>de</strong>sses meninos. Divididos entre os sentimentos <strong>de</strong><br />

experimentação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> proteção, muitos optam pela experiência<br />

da comunida<strong>de</strong>. Liberda<strong>de</strong> e comunida<strong>de</strong> são, para Bauman, sentimentos<br />

paradoxais que sentimos nesses tempos atuais.<br />

Desejamos ser livres para fazermos o que bem enten<strong>de</strong>rmos com as nossas vidas,<br />

mas a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas escolhas pressupõe também, o isolamento que elas<br />

po<strong>de</strong>m nos trazer. Desejamos então, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um peremptório momento <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> não dar satisfações a ninguém, <strong>de</strong> sair sozinhos e <strong>de</strong> respirar abrindo<br />

57


os braços, uma conversa que escute, uma palavra que acaricie, uma mão que nos<br />

toque com sincerida<strong>de</strong>.<br />

E é justamente aqui que a comunida<strong>de</strong> nos traz problemas, segundo Bauman<br />

(2003). Porque a comunida<strong>de</strong> pressupõe um acordo em comum, uma aceitação<br />

implícita das regras nas quais ela foi formada. Uma lealda<strong>de</strong> aos valores daquele<br />

grupo. A comunida<strong>de</strong> ao mesmo tempo em que se constitui em refúgio, também<br />

po<strong>de</strong> se configurar em sufocamento, em falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, em prestação <strong>de</strong> contas,<br />

em palavras <strong>de</strong> explicação. Assim nos fala Bauman:<br />

58<br />

Não seremos humanos sem segurança ou sem liberda<strong>de</strong>; mas não<br />

po<strong>de</strong>mos ter as duas ao mesmo tempo e ambas na quantida<strong>de</strong> que<br />

quisermos. Isso não é razão para que <strong>de</strong>ixemos <strong>de</strong> tentar (ao<br />

<strong>de</strong>ixaríamos nem se fosse uma boa razão). Mas serve para lembrar<br />

que nunca <strong>de</strong>vemos acreditar que qualquer das sucessivas soluções<br />

transitórias não mereceria mais pon<strong>de</strong>ração nem se beneficiaria <strong>de</strong><br />

alguma outra correção. O melhor po<strong>de</strong> ser inimigo do bom, mas<br />

certamente o ‘perfeito’ será inimigo dos dois.(BAUMAN, 2003, p. 11)<br />

Penso que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>sses meninos <strong>de</strong> fazerem parte das tevês universitárias<br />

também se reveste do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazer parte, ainda que temporariamente, <strong>de</strong> uma<br />

comunida<strong>de</strong>. Muitos moram sozinhos, vêem do interior do Estado para estudar na<br />

universida<strong>de</strong>, muitos já trabalham e têm seus carros. Muitos se criaram sozinhos,<br />

muitos saem à noite sem precisar dizer para on<strong>de</strong> vão, nem a que horas voltam.<br />

Muitos estão na vida adulta com sentimentos <strong>de</strong> infância. Experimentaram com<br />

profusão a liberda<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>sejam a proteção da comunida<strong>de</strong>. Querem um lugar<br />

para compartilhar idéias, sentimentos, afetos, palavras, presenças. Estão cansados<br />

<strong>de</strong> voltar pra casa sozinhos, comer um lanche requentado e dormir sem ter vivido o<br />

dia.<br />

Assim, nessa busca paradoxal, eles negociam as regras do lugar e traduzem<br />

sentidos. Por isso não querem ir para uma tevê universitária só para apren<strong>de</strong>rem<br />

técnicas, regras e filosofias da comunicação. Querem conhecer, mas não só isso:


querem conviver. A leitura do textos <strong>de</strong> Bauman me ajudaram a enten<strong>de</strong>r também a<br />

transitorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les e a circulação <strong>de</strong> alunos que passam pela tevê.<br />

Alguns ficam até por um longo período, que po<strong>de</strong>m chegar a até dois anos. Outros,<br />

ficam um ou dois meses. Outros quatro, cinco, alguns até um semestre inteiro. E<br />

assim eles vão, vivendo entre o medo do isolamento e felicida<strong>de</strong> do pertencimento,<br />

para em seguida, negociarem outros sentimentos, talvez medo do pertencimento e<br />

da constante afirmação e prestação <strong>de</strong> contas, e a felicida<strong>de</strong> do isolamento. Seguem<br />

assim, como mercadores <strong>de</strong> sentidos entre o medo e a alegria <strong>de</strong> viverem em um<br />

mundo que lhes escorre pelas mãos.<br />

59


O Medo Traduzido: A amiza<strong>de</strong> como potência no mundo atual<br />

Alunos que fizeram parte da equipe da TV FAESA – quinta geração <strong>de</strong> alunos, todos<br />

da mesma turma. Hoje eles são responsáveis pelo Festival REC – o único Festival <strong>de</strong><br />

Filmes Universitários do Espírito Santo. Foto: Rodrigo Rossoni<br />

Sinopse da programação: Este capítulo se propõe a falar das relações <strong>de</strong><br />

amiza<strong>de</strong>. Trata das amiza<strong>de</strong>s como instâncias <strong>de</strong> potência e, até mesmo, como<br />

instâncias táticas, para sobrevivência daqueles que procuram sentido em uma vida<br />

que nos escorre pelas mãos, como falamos no capítulo anterior. Usamos os<br />

conceitos <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> estudados por Francisco Ortega, Foucault, <strong>de</strong>ntre outros<br />

autores. Nele discutimos também que muitas ativida<strong>de</strong>s sejam elas, ensino,<br />

pesquisa, aprendizado, extensão, festival <strong>de</strong> cinema e produção <strong>de</strong> filmes, po<strong>de</strong>m<br />

ser transformadas em produções coletivas, se contarem com essa potência.<br />

Mostramos, através <strong>de</strong> relatos e <strong>de</strong> experiências pessoais, que foram captados<br />

durante essa pesquisa, como a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se configurar em um diferencial, em<br />

um lugar <strong>de</strong> encontro que, mesmo esvaziado pelas leis do próprio, se (re) instaura a<br />

partir das relações tecidas ali, configurando novos modos <strong>de</strong> vida.<br />

60


“Esse termo (relevance ou pertinência) <strong>de</strong>signa o fato <strong>de</strong> os<br />

estudos estarem ligados àquele que estuda, não por uma relação<br />

<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> significação. Estudos ‘relevantes’ são<br />

aqueles que apresentam um interesse, um significado, que estão<br />

ligados, relacionados com aqueles que os fazem, e isso <strong>de</strong> modo<br />

aparente, manifesto, evi<strong>de</strong>nte. Diante <strong>de</strong> seus estudos, os<br />

estudantes se perguntam: qual o sentido disso? O que eles<br />

significam? O que dizem?”<br />

Michel <strong>de</strong> Certeau, A Cultura no Plural<br />

61


N<br />

o capítulo anterior tentei apresentar como os alunos, apesar <strong>de</strong> buscarem um<br />

“algo a mais” em sua formação <strong>de</strong> comunicadores sociais, também buscam um<br />

certo tipo, ainda que temporário, <strong>de</strong> segurança comunitária no mundo atual. Agora,<br />

gostaria <strong>de</strong> compartilhar com vocês a trajetória <strong>de</strong> uma pesquisa na qual investi uma<br />

valoração <strong>de</strong> existência e <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> vida.<br />

É minha intenção dividir aqui nuances e flashes <strong>de</strong> uma carreira profissional como<br />

professora e <strong>de</strong> um caminhar como aluna on<strong>de</strong> tive que optar por algumas escolhas<br />

– por motivos <strong>de</strong> sobrevivência emocional e material – em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras.<br />

A relevância ou pertinência <strong>de</strong> meus estudos e trabalhos, como disse Antoine Prost<br />

apud Certeau (1995, p.105), está tão somente e intimamente ligada a um sentido <strong>de</strong><br />

vida que produzi e me agarrei para dar conta <strong>de</strong> vencer as angústias, <strong>de</strong>cepções e<br />

impossibilida<strong>de</strong>s que rondam a carreira <strong>de</strong> qualquer professor. E também o medo,<br />

que habita a vida <strong>de</strong> todo o ser que vive nesses confusos dias contemporâneos.<br />

Não busquei, portanto, uma relação <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> com minhas pesquisas, minhas<br />

leituras, meus estudos e meu trabalho. Busquei a significação. O que dá e me traz<br />

sentido, vonta<strong>de</strong>, valor e potência. Não busquei algo alheio ao que gosto e <strong>de</strong> quem<br />

gosto, mas algo próximo, que me dê vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar a estudar e atuar como<br />

professora. Penso que o fato <strong>de</strong> a vida interferir numa escolha <strong>de</strong> natureza<br />

acadêmica não <strong>de</strong>ve causar estranhamento. Qualquer pesquisa envolve, como<br />

afirma Certeau (2002), uma prática pessoal. Assim, por mais que o pesquisador se<br />

cerque <strong>de</strong> teorias e métodos, será a vida que estará irremediavelmente retratada<br />

naquelas páginas.<br />

Consi<strong>de</strong>ro assim a pesquisa como uma operação, no sentido como <strong>de</strong>fine o autor.<br />

Isso significa a compreensão das leituras, dos objetivos, dos procedimentos como a<br />

relação entre um lugar que, no olhar <strong>de</strong> Certeau, é organizado por uma série <strong>de</strong><br />

procedimentos que o autor chama <strong>de</strong> estratégias 16 , e o olhar que se lança na<br />

construção <strong>de</strong> um recorte, no uso <strong>de</strong> uma teoria ou na construção <strong>de</strong> um texto.<br />

16 Para Certeau “um lugar é organizado por uma série <strong>de</strong> procedimentos que o autor chama <strong>de</strong><br />

‘estratégias’ o cálculo, a manipulação <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Segundo o autor, as estratégias<br />

62


E essa operação é, sobretudo, sempre <strong>de</strong> natureza humana, combinando pois, um<br />

lugar social, com práticas científicas e um texto, que é apresentado como “escritura”,<br />

como afirma Certeau, dizendo que toda pesquisa:<br />

63<br />

(...) se articula com um lugar <strong>de</strong> produção sócio-econômico, político e<br />

cultural. Implica um meio <strong>de</strong> elaboração que circunscrito por<br />

<strong>de</strong>terminações próprias: uma profissão liberal, um posto <strong>de</strong><br />

observação ou <strong>de</strong> ensino 17 , uma categoria <strong>de</strong> letrados, etc. Ela está,<br />

pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma<br />

particularida<strong>de</strong> . É em função <strong>de</strong>ste lugar que se instauram os<br />

métodos, que se <strong>de</strong>lineia uma topografia <strong>de</strong> interesses, que os<br />

documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam<br />

(Certeau, 2002, págs. 66/67)<br />

Sendo assim, começo esta conversa, um tanto íntima, um tanto próxima, por ter <strong>de</strong><br />

pensar ao longo <strong>de</strong>sse tempo em que passei neste curso <strong>de</strong> doutorado e ao longo<br />

<strong>de</strong> uma década em que atuo como professora, em uma instituição particular <strong>de</strong><br />

ensino superior, em perguntas que me faço todos os dias nos lugares por on<strong>de</strong> ando<br />

e nas paradas que me fazem e que me faço.<br />

Como me tornei professora? O que me move? O que busco? O que me dá sentido?<br />

Caminhando e pensando com estas perguntas e, ao longo <strong>de</strong>sse tempo, percebo<br />

que cheguei à profissão por mãos <strong>de</strong> professores que além <strong>de</strong> próximos, se<br />

tornaram meus amigos. Professores que, para além do ambiente da sala <strong>de</strong> aula,<br />

souberam me apresentar diferenças, souberam dividir comigo seus conhecimentos,<br />

seus livros, suas opiniões, cafés em suas casas, manhãs <strong>de</strong> sol <strong>de</strong> conversa, tar<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> chuva pelo telefone. Professores que para além do conteúdo e das questões<br />

específicas, me ensinaram atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida, posturas nas adversida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong><br />

realizações, vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saber.<br />

organizam, <strong>de</strong>terminam um lugar que po<strong>de</strong> ser administrado em relação a uma exteriorida<strong>de</strong><br />

composta <strong>de</strong> alvos e ameaças”. (JOSGRILBERG, 2005:50)<br />

17 Grifos nossos.


Hoje, no meu dia-a-dia <strong>de</strong> professora, percebo que ainda trago muitos dos<br />

professores que tive (e tenho) comigo. No modo <strong>de</strong> falar. Nas leituras que faço, na<br />

maneira <strong>de</strong> agir com os alunos e colegas, nos livros que empresto, nos textos que<br />

leio, e que me fazem lembrar <strong>de</strong>les, nas conversas que temos... .<br />

Enfim, professores que foram fundamentais na (re) invenção <strong>de</strong> uma carreira que,<br />

para além dos clichês <strong>de</strong> sua representação, traz consigo a força que poucas<br />

carreiras possuem. Afinal, qual foi o médico, filósofo, engenheiro, jornalista,<br />

arquiteto, professor, advogado, <strong>de</strong>ntre tantas outras profissões, que nunca foi capaz<br />

<strong>de</strong> se lembrar <strong>de</strong> um professor (ou <strong>de</strong> vários professores) que passou (ou passaram)<br />

por sua vida?<br />

Programa “Tempos <strong>de</strong> Escola” veiculado no Canal Futura on<strong>de</strong> o apresentador Serginho<br />

Groisman entrevista convidados e conversa com eles sobre os anos que mais marcaram na<br />

trajetória escolar. O ponto alto do programa fica para a pergunta que o apresentador faz a seus<br />

convidados: - Qual o professor ou professores que mais marcou/marcaram a sua vida? Em<br />

geral, os <strong>de</strong>poimentos são emocionados.<br />

Fonte: www.canalfutura.com.br<br />

Ao longo <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>z anos constato que não me fiz ou que não me faço professora.<br />

Mas que me produzo professora a cada dia. Trago para esta conversa um texto que<br />

64


li <strong>de</strong> Regina <strong>de</strong> Fátima <strong>de</strong> Jesus 18 , que expressa bem esse meu sentimento: “Não<br />

me fiz professora, me construo professora, cotidianamente, em diferentes instâncias,<br />

nas quais tenho interagido, nas diferentes interlocuções que tenho feito, nas<br />

múltiplas teias <strong>de</strong> relações que tenho tecido”. 19 (Jesus, 2000, p. 39)<br />

Percebo também que só porque resolvi andar “em diferentes instâncias” e me lançar<br />

em “diferentes interlocuções” que encontrei <strong>de</strong> fato, meus alunos. Nas conversas,<br />

nas reclamações, nos elogios, nas críticas, na confiança, na <strong>de</strong>sconfiança, nos<br />

<strong>de</strong>safios que me fazem, na companhia, na amiza<strong>de</strong>, enfim, em toda essa re<strong>de</strong> tecida<br />

fora da sala <strong>de</strong> aula que só torna a sala um ambiente ainda mais prazeroso <strong>de</strong> se<br />

viver e freqüentar.<br />

Na ari<strong>de</strong>z dos dias atuais e nas metas propostas para a educação em suas mais<br />

diferentes instâncias (Enem, Ena<strong>de</strong>, Saebs, Prova Brasil e tantas outras tantas<br />

instâncias <strong>de</strong> cobrança sobre os resultados), noto que, em muitos casos, <strong>de</strong>ntro da<br />

escola não há mais espaço para compartilhar questões e situações. Dilemas, risos,<br />

congressos, trabalhos, textos, bancas, cafés, artigos, problemas, reuniões... Tudo se<br />

passa com tempo marcado, com hora prevista, em local a<strong>de</strong>quado.<br />

Vivemos atualmente, como ressaltou Ortega<br />

em uma socieda<strong>de</strong> na qual as relações permitidas são extremamente<br />

reduzidas e simplificadas, já que uma socieda<strong>de</strong> que aceitasse e<br />

fomentasse um número maior <strong>de</strong> relações seria extremamente<br />

complexa <strong>de</strong> administrar e controlar (ORTEGA, 2000, p. 41).<br />

E nada mais controlado com horários, emprego do tempo, “pressão dos fiscais,<br />

anulação <strong>de</strong> tudo o que possa perturbar e distrair” (Foucault 2000, p.128) do que o<br />

ambiente <strong>de</strong> conhecimento.<br />

18 Sobre alguns caminhos trilhados...ou mares navegados...hoje, sou professora, <strong>de</strong> Regina <strong>de</strong><br />

Fátima <strong>de</strong> Jesus, extraído do livro Como me fiz professora, organizado por Geni A. Vasconcelos.<br />

DP&A Editora, 2000.<br />

19 Grifos nossos<br />

65


A não ser que se faça um investimento muito gran<strong>de</strong> na força do encontro, nos<br />

laços <strong>de</strong> afeto e nas relações, esse quadro <strong>de</strong> distanciamento, reduções,<br />

simplificações, controle, vigilância, sobreposições <strong>de</strong> tarefas e cumprimento <strong>de</strong><br />

horários, dificilmente esse cenário se <strong>de</strong>sfaz.<br />

A não ser que cultivemos a amiza<strong>de</strong>, como afirmou Ortega, como “uma política”,<br />

dificilmente constituiremos um ambiente on<strong>de</strong> conhecer tenha o sopro do lúdico, da<br />

criação e da invenção, ao invés do controle, da vigilância e da punição. Como bem<br />

disse esse autor, diante “<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que limita e prescreve formas <strong>de</strong><br />

relacionamento, a amiza<strong>de</strong> seria a experimentação <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong>” (ORTEGA, 2000, p.13).<br />

E assim como Homi Bhabha (2003) eu procuro o encontro! Procuro viver em um<br />

mundo estranho on<strong>de</strong> se lida com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer. Me<br />

divido entre a alegria <strong>de</strong> trocar com meus amigos professores e alunos e a angústia<br />

<strong>de</strong> preencher formulários e requisitos que me exigem no exercício <strong>de</strong> minha função<br />

professora/funcionária/preenchedora <strong>de</strong> formulários.<br />

Entretanto, com todas essas fusões <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, necessida<strong>de</strong> e vonta<strong>de</strong> eu aprendi a<br />

sobreviver nesse mundo estranho que se apresenta para cada um <strong>de</strong> nós todos os<br />

dias. E nesse mundo estranho eu aprendi que há maneiras <strong>de</strong> sobreviver e <strong>de</strong> viver,<br />

<strong>de</strong> se lamentar e <strong>de</strong> se movimentar, <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer e <strong>de</strong> transgredir, <strong>de</strong> consentir e <strong>de</strong><br />

burlar, <strong>de</strong> paralisar e <strong>de</strong> lutar.<br />

Aprendi com Bhabha que “viver no mundo estranho (...), é também afirmar um<br />

profundo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social ”(2003, p.42). E como ele, eu procuro o<br />

encontro, eu <strong>de</strong>sejo e eu busco o encontro. E como em um chamamento, que eu<br />

repito em refrão, em atitu<strong>de</strong>, eu digo e me produzo a cada dia, <strong>de</strong>sejando “o<br />

encontro...quero o encontro...quero o encontro”. (Bhabha, 2003, p.42)<br />

66


“... A hora do encontro é também <strong>de</strong>spedida...”<br />

Os bastidores <strong>de</strong>ssa minha pesquisa <strong>de</strong> doutorado começaram paradoxalmente, por<br />

meio <strong>de</strong> em uma <strong>de</strong>spedida que me proporcionou um encontro. E ao pensar nisso<br />

não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> me lembrar da música <strong>de</strong> Milton Nascimento 20 , que trago agora<br />

para essa conversa:<br />

Man<strong>de</strong> notícias do mundo <strong>de</strong> lá<br />

Diz quem fica<br />

Me dê um abraço<br />

Venha me apertar<br />

Tô chegando<br />

Coisa que gosto é po<strong>de</strong>r partir<br />

Sem ter planos<br />

Melhor ainda é po<strong>de</strong>r voltar<br />

Quando quero<br />

Todos os dias é um vai-e-vem<br />

A vida se repete na estação<br />

Tem gente que chega pra ficar<br />

Tem gente que vai pra nunca mais<br />

Tem gente que vem e quer voltar<br />

Tem gente que vai e quer ficar<br />

Tem gente que veio só olhar<br />

Tem gente a sorrir e a chorar<br />

E assim, chegar e partir<br />

São só dois lados<br />

Da mesma viagem<br />

O trem que chega<br />

É o mesmo trem da partida<br />

A hora do encontro<br />

É também <strong>de</strong>spedida<br />

20 “Encontros <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedidas”. Música <strong>de</strong> Milton Nascimento gravada em álbum do mesmo nome no<br />

ano <strong>de</strong> 1985.<br />

67


A plataforma <strong>de</strong>ssa estação<br />

É a vida <strong>de</strong>sse meu lugar<br />

É a vida <strong>de</strong>sse meu lugar<br />

É a vida<br />

Assim como na música, minha pesquisa começou com um encontro, que se <strong>de</strong>u na<br />

hora <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>spedida. Isso se passou no início <strong>de</strong> 2006, quando um professor<br />

muito amigo 21 mudou-se para Recife, para realizar seu pós-doutorado. Ele<br />

coor<strong>de</strong>nava junto com outros três professores um dos programas realizados pela TV<br />

FAESA, uma tevê universitária da faculda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> leciono.<br />

A saída <strong>de</strong>sse professor me trouxe um sentimento <strong>de</strong> perda, uma nostalgia <strong>de</strong> sete<br />

anos em que trabalhamos juntos. Tempo em que partilhamos idéias, projetos,<br />

leituras, conversas e atitu<strong>de</strong>s. Mas para além da nostalgia, das lágrimas e <strong>de</strong> um<br />

sentimento <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> futura, a saída <strong>de</strong>sse professor me trouxe também um<br />

convite para substituí-lo na tevê.<br />

As palavras daquele convite abriam em mim uma janela <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s. Janela<br />

esta que trazia um sopro <strong>de</strong> esperança e criativida<strong>de</strong>. Afinal, como disse Certeau, as<br />

palavras podiam mudar tudo, como uma janela em um aposento fechado. Podiam<br />

permitir ganhar a batalha contra si próprio e autorizar um outro tipo <strong>de</strong> comércio com<br />

os outros (Certeau, 1995, p.36).<br />

E foi tentando ganhar uma batalha contra mim mesma que eu aceitei o convite na<br />

perspectiva <strong>de</strong> autorizar para mim mesma um outro tipo <strong>de</strong> troca com os sujeitos da<br />

escola. Convite aceito, eu fui, na esperança <strong>de</strong> criar, produzir, provocar, incitar, na<br />

esperança <strong>de</strong> me livrar das prescrições e recomendações que permeiam a ativida<strong>de</strong><br />

em sala <strong>de</strong> aula.<br />

21 Edgar Rebouças (atualmente, é pós-doutor em sistemas internacionais <strong>de</strong> mídia, na época <strong>de</strong><br />

escrita <strong>de</strong>sse capítulo ele já era professor da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco. Atualmente está<br />

no Departamento <strong>de</strong> Comunicação da UFES).<br />

68


Eu fui como cantou Caetano Veloso: “por entre fotos e nomes, os olhos cheios <strong>de</strong><br />

cores, o peito cheio <strong>de</strong> amores... Eu vou ! Porque não? Porque não?” 22 Fui porque<br />

queria experimentar outro ambiente <strong>de</strong> tessitura <strong>de</strong> conhecimentos que não fosse o<br />

da sala <strong>de</strong> aula. Fui porque queria experimentar outros lugares, outras chamadas,<br />

outras <strong>lógica</strong>s, outros pertencimentos.<br />

E quando eu cheguei, mesmo sabendo que os programas e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>veriam<br />

refletir uma formação acadêmica voltada para as <strong>de</strong>mandas do mercado <strong>de</strong> trabalho,<br />

me <strong>de</strong>parei com uma profusão <strong>de</strong> falas, <strong>de</strong> animações, <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> palavras, <strong>de</strong><br />

significados. Tudo me fora apresentado por meus alunos.<br />

Alunos que constantemente eram carimbados/rotulados nas reuniões <strong>de</strong> conselho<br />

<strong>de</strong> classe como apáticos, sem leitura, sem interesse, encontravam naquela ativida<strong>de</strong><br />

“extra-curricular” uma outra maneira <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> se interessar, <strong>de</strong> estudar. Uso o<br />

termo “extra-curricular” entre aspas porque para a escola on<strong>de</strong> trabalho ativida<strong>de</strong>s<br />

curriculares são tão somente àquelas recomendadas pelo MEC ou pelo currículo da<br />

faculda<strong>de</strong>. Ou seja, para esta instituição o lócus exclusivo <strong>de</strong> exercício educacional é<br />

a sala <strong>de</strong> aula.<br />

Tudo o que se passa nos corredores, no pátio, nos intervalos, nos banheiros, nas<br />

festas e em outros ambientes, não é lugar privilegiado <strong>de</strong> aprendizagem. Noção da<br />

qual eu discordo, justamente por perceber que nesse ambiente existem alunos que<br />

estudavam, cirurgia bariátrica, música, cinema, foto, iluminação, política, legislação,<br />

enfim...tudo o que fosse necessário para produzir seus programas.<br />

22 “Alegria, alegria”.<br />

Música <strong>de</strong> Caetano Veloso gravada em álbum do mesmo nome no ano <strong>de</strong> 1968.<br />

69


Fotos alunos em produção na TV FAESA, retirada em agosto 2007. Foto: Vanessa Maia<br />

Vi alunos que escapavam da prescrição, que criavam um outro modo <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong><br />

produzir e até mesmo <strong>de</strong> se produzirem nessas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimentos que se<br />

apresentam em fluxos, em rizomas, em <strong>pixel</strong>s, em pulsos, em relações on<strong>de</strong> os<br />

professores são antes orientadores, interlocutores.<br />

E quando eu me entrelacei nessas re<strong>de</strong>s que passariam a fazer parte <strong>de</strong> meu<br />

cotidiano, um mundo explodiu diante <strong>de</strong> mim. E aí sim eu pu<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a<br />

relevância dada à amiza<strong>de</strong> por Foucault, quando ele ressaltou a importância <strong>de</strong><br />

recorremos a um movimento <strong>de</strong> esforço para procurarmos outras regras do jogo:<br />

70<br />

O movimento pelo qual, não sem esforço e hesitações, não sem<br />

sonhos e ilusões, nos libertamos daquilo que passa por verda<strong>de</strong>iro e<br />

procuramos outras regras do jogo. (...) o <strong>de</strong>slocamento e a<br />

transformação das molduras do pensamento, a modificação dos<br />

valores estabelecidos e todo o trabalho que se faz para pensar <strong>de</strong><br />

maneira diferente, para fazer outra coisa, para tornar-se outro do que<br />

se é (Foucault apud Ortega, 2000, p.110)


Aqueles alunos que ali encontrei procuraram, com sonhos, práticas e atitu<strong>de</strong>s,<br />

mudar as regras do jogo. Procuraram se libertar daquilo que se passavam como<br />

verda<strong>de</strong>iro, o discurso <strong>de</strong> alguns professores diante dos esperados <strong>de</strong>sempenhos,<br />

para escreverem uma outra história, um outro roteiro, um outro script para suas<br />

vidas, aprendizados e afetos.<br />

Durante a escrita <strong>de</strong>sse texto, encontrei na sala dos professores uma colega que<br />

estava me substituindo durante um período na tevê universitária. Perguntei a ela<br />

como estavam “os meninos”. Ela então - para a minha surpresa – me disse:<br />

“ Menina, eles são ótimos. Correm atrás, lêem tudo. Olha até o L., que foi meu aluno<br />

no primeiro período e não querida nada, me surpreen<strong>de</strong>u, ele se superou!” 23<br />

A reação daquela professora não surpreen<strong>de</strong>u, pois foram os meus alunos que me<br />

fizeram – em cena e nos bastidores – <strong>de</strong>linear essa pesquisa, foram eles que me<br />

mostraram que apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um outro modo é possível e também foram eles que<br />

mostraram que nem sempre se permanece o mesmo, quando outras possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> conhecimento se colocam diante das pessoas. Não tenho pudores <strong>de</strong> revelar<br />

aqui os meus afetos neste texto tecido com letras, músicas, citações e sentimentos.<br />

Com Joanir Gomes <strong>de</strong> Azevedo aprendi que:<br />

A inteligência humana está fundamentalmente relacionada com<br />

afetivida<strong>de</strong>, com emoção. Somos constituídos ao mesmo tempo, <strong>de</strong><br />

razão, emoção e intuição. (E) o trabalho educativo exige esta<br />

totalida<strong>de</strong> dos indivíduos nele envolvidos: além <strong>de</strong> competências<br />

técnicas, requer paixão, vonta<strong>de</strong> política, envolve sentidos, emoções,<br />

sentimentos e intuições. Lidamos com outros seres humanos,<br />

portadores, também, <strong>de</strong> saberes, sentidos, emoções, sentimentos e<br />

intuições. Po<strong>de</strong>mos gostar ou não do que fazemos e/ou do lugar em<br />

que trabalhamos; mas não po<strong>de</strong>mos ficar indiferentes. Não há lugar<br />

para a indiferença no trabalho educativo. 24 Nosso maior ou menor<br />

comprometimento, nosso maior ou menor engajamento com o<br />

trabalho que realizamos <strong>de</strong>corre do maior ou menor grau <strong>de</strong><br />

23 Grifos nossos.Conversa mantida na sala dos professores da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação e<br />

Educação - FAESA- na manhã <strong>de</strong> quarta-feira, dia 11/11/2008.<br />

24 Grifo nosso.<br />

71


ansieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> prazer que tenhamos em relação a<br />

ele. O engajamento e o prazer po<strong>de</strong>m ser expressos <strong>de</strong> muitas<br />

maneiras, mas sempre se referem à maneira como trabalhamos, à<br />

nossa prática. (Azevedo, 2003, págs.: 11, 12)<br />

Ao ler e pensar sobre esta questão dos afetos, <strong>pixel</strong>izo ao texto <strong>de</strong> Joanir Gomes <strong>de</strong><br />

Azevedo o <strong>de</strong> Muniz Sodré quando ele, lendo o livro Do Sentir, <strong>de</strong> Mário Perniola,<br />

afirma que<br />

parece que é justamente no plano do sentir que a nossa época<br />

exerceu o seu po<strong>de</strong>r. Talvez por isso ela possa ser <strong>de</strong>finida como<br />

uma época estética: não por ter uma relação privilegiada e direta<br />

com as artes, mas essencialmente porque o seu campo estratégico<br />

não é o cognitivo, nem o prático, mas o do sentir, o da aisthesis<br />

(Perniola apud Sodré 2006, p.17) 25<br />

E foi através do meu sentir, com muita curiosida<strong>de</strong>, e a intenção <strong>de</strong> trabalhar o meu<br />

engajamento com aquele tipo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento na minha constituição<br />

como professora, que me lancei naquele ambiente com prazer. E neste lugar foi<br />

impressionante perceber como os bastidores <strong>de</strong> uma pesquisa acadêmica se<br />

parecem com os <strong>de</strong> uma televisão.<br />

Diariamente recomeçamos nossos trabalhos na tentativa <strong>de</strong> fazer o melhor.<br />

Contudo, nem sempre o cenário está a<strong>de</strong>quado, pronto e arrumado como<br />

<strong>de</strong>sejávamos. Nem sempre as pessoas que estariam lá para nos “dar a <strong>de</strong>ixa”, o<br />

“gancho”, estão. Nem sempre os atores/autores principais têm as falas na ponta da<br />

língua como queríamos que tivessem, nem sempre o roteiro, o script, corre como<br />

achávamos que <strong>de</strong>veria. E diariamente precisamos rever nossas práticas, intenções<br />

e, principalmente, nossos roteiros.<br />

E nessa revisão <strong>de</strong> roteiros, trajetos, andanças, leituras e escrituras, percebemos<br />

também que é muito comum que alguns personagens – tanto em nossa pesquisa,<br />

25 Sodré, Muniz. As estratégias sensíveis. Afeto, mídia e política. Vozes, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2006.<br />

72


quanto nos bastidores <strong>de</strong> uma tevê – sejam trocados <strong>de</strong> última hora, que roteiristas<br />

que nos acompanhavam em vários outros projetos, com os quais estávamos<br />

contando, não possam mais participar.<br />

E nesse front cotidiano <strong>de</strong> batalha, on<strong>de</strong> atuamos como professores, vivemos assim,<br />

<strong>de</strong> alegrias e <strong>de</strong>cepções, <strong>de</strong> realizações e frustrações, <strong>de</strong> pequenas <strong>de</strong>scobertas e<br />

felicida<strong>de</strong>s clan<strong>de</strong>stinas. E a minha felicida<strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stina (e a dos meus amigos<br />

professores) veio na colação <strong>de</strong> grau dos alunos que se formaram no final do<br />

semestre 2007/02, no Centro <strong>de</strong> Convenções <strong>de</strong> Vitória.<br />

Naquele lugar, os alunos, souberam usar do espaço do outro, para colocarem em<br />

prática suas “artes <strong>de</strong> fazer”. Utilizaram, em uma operação certauniana do tipo tática<br />

– que se configura como a operação no espaço do outro – a revanche do “dom”,<br />

como conceitua Certeau:<br />

A or<strong>de</strong>m efetiva das coisas é justamente aquilo que as táticas<br />

“populares” <strong>de</strong>sviam para fins próprios, sem a ilusão que mu<strong>de</strong><br />

proximamente. Enquanto é explorada por um po<strong>de</strong>r dominante, ou<br />

simplesmente negada por um discurso i<strong>de</strong>ológico, aqui a or<strong>de</strong>m é<br />

representada por uma arte. Na instituição a servir se insinuam assim<br />

um estilo <strong>de</strong> trocas sociais, um estilo <strong>de</strong> invenções técnicas e um<br />

estilo <strong>de</strong> resistência moral, isto é, uma economia do “dom” (<strong>de</strong><br />

generosida<strong>de</strong> como revanche), uma estética <strong>de</strong> “golpes” (<strong>de</strong><br />

operações <strong>de</strong> artistas) e uma ética da tenacida<strong>de</strong> (mil maneiras <strong>de</strong><br />

negar à or<strong>de</strong>m estabelecida o estatuto <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong> sentido ou<br />

fatalida<strong>de</strong>). (Certeau, 1994, págs.: 88,89)<br />

O “dom”, no sentido como é entendido por Certeau é feito <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong>s que<br />

atuam como revanches (1994, p.88). E <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong>s, revanches e dons foi feito<br />

o discurso <strong>de</strong> formatura dos alunos no final daquele semestre. Texto este que se<br />

operou num discurso tático, feito para mostrar ao outro, em seu lugar que, mesmo<br />

diante dos sistemas <strong>de</strong> vigilâncias, eles (os alunos) praticam seus espaços, saberes<br />

e relações com as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimentos tecidas com os professores, <strong>de</strong> outro<br />

73


modo. Reproduzo aqui o discurso <strong>de</strong> formatura <strong>de</strong>sses alunos como mais um <strong>pixel</strong><br />

nessa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> significações, saberes e haveres entre professores e alunos:<br />

A Fantástica Fábrica <strong>de</strong> Tijolos<br />

(por André Félix, Milena Ribeiro e Charlaine Rodrigues)<br />

Assim como em todos os lugares longínquos, era mais um dia numa fábrica <strong>de</strong><br />

tijolos. As máquinas, funcionários e os próprios tijolos sabiam qual era a or<strong>de</strong>m<br />

inflexível: Todos os tijolos <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer à forma!<br />

Naquele mesmo dia chega Dom, um cantante arquiteto, que por um <strong>de</strong>scuido<br />

calhou o oficio <strong>de</strong> talhar tijolos na fábrica. Dom não era somente um esteta e<br />

empilhador <strong>de</strong> tijolos. Dom fazia tudo o que era preciso para se construir castelos,<br />

catedrais, palacetes e teatros.<br />

Dom, logo começou a <strong>de</strong>sfilar sua bela voz no chão da fábrica, cantava músicas<br />

<strong>de</strong> um tempo que foi embalsamado pela memória e pela tristeza contida que ele<br />

carregava em si quase como uma nostalgia, o que fazia o canto parecer mais<br />

profundo. Conversava com os tijolos e dizia-lhes: Não sois tijolos somente, sois<br />

pedra, sois mar, sois castelos e palácios, sois sonho.<br />

Dom contava <strong>de</strong> todas as suas <strong>de</strong>sventuras para chegar até ali e quantos tijolos<br />

teve que talhar para construir os sonhos.<br />

Porém toda a hora e vez em que ele estava a contar das suas, o alto-falante como<br />

se <strong>de</strong>spertando os tijolos bradava: Todos os tijolos <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer à forma.<br />

A cada dia que passava os tijolos começavam a <strong>de</strong>scobrir que precisavam ser<br />

maciços para conseguir ser uma pedra do <strong>de</strong>sejo, mas os alto-falantes três vezes<br />

por dia repetiam: Todos os tijolos <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer à forma. E Dom, sem se<br />

importar com os <strong>de</strong>miurgos, continuava a dar mais massa aos seus tijolos do que<br />

os outros.<br />

Ao final do dia seus tijolos maciços estavam, porém por ter gasto neles mais<br />

massa do que o preciso, foi dispensado. Ora, naquela fábrica eles faziam tijolos<br />

para construir outras fábricas, não castelos ou palacetes.<br />

Porém aqueles tijolos já haviam ganhado o mundo e carregariam consigo para<br />

sempre a mesma melancolia, tão bela do seu Dom, que a partir <strong>de</strong> então eram<br />

eles mesmos.<br />

Graças a Dom, os tijolos pu<strong>de</strong>ram ganhar o mundo e souberam reconhecer quais<br />

seriam os <strong>de</strong>sejos a serem talhados para construírem sonhos possíveis.<br />

O passado já não interessava mais, apenas o que foi feito <strong>de</strong>le. E o que foi feito<br />

74


<strong>de</strong>le se dissipa pelas frestas em forma dos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> cada tijolo, que<br />

seguramente foram bem emassados e bem aprumados, para que tivessem<br />

condições <strong>de</strong> construir castelos, mesmo que fossem <strong>de</strong> areia.<br />

Esperamos que daqui pra frente os tijolos possam:<br />

- amar o seu ofício <strong>de</strong> todo coração, para que a árdua tarefa <strong>de</strong> tirar leite <strong>de</strong> pedra,<br />

ou melhor, <strong>de</strong> tijolos, seja prazerosa:<br />

- que não “empreendam” seus castelos apenas por dinheiro ou por ganância, para<br />

que não se tornem incapazes <strong>de</strong> sonhar:<br />

- que tenham sensibilida<strong>de</strong> para reconhecer que a cultura <strong>de</strong> um homem não se<br />

me<strong>de</strong> apenas pelos livros que ele leu:<br />

- que encontrem pessoas que tenham a mesma coragem <strong>de</strong> abrir mão da novela<br />

das oito, da praia <strong>de</strong> domingo, ou dos cinco minutinhos a mais para arquitetar<br />

sonhos mirabolantes:<br />

- que tenham consciência que a arte <strong>de</strong> seu oficio é capaz <strong>de</strong> construir mundos,<br />

situações <strong>de</strong> glórias e também <strong>de</strong> tragédias. E que por enquanto, não existe<br />

glamour algum na nossa profissão <strong>de</strong> construir castelos. E que se essa for a sua<br />

escolha, você precisa estar bem preparado, ou melhor, bem emassado, pois você<br />

não ficará muito famoso, talvez você possa se matar para produzir um bom<br />

trabalho e alguns não vão dar a menor bola, e que por mais que digam o contrário,<br />

você não vai ficar podre <strong>de</strong> rico trabalhando nisso. Mas em compensação não<br />

existe nada mais gratificante e divino, do que po<strong>de</strong>r olhar pra cima e ver o quanto<br />

os tijolos se tornaram maciços e como conseguem manter seus castelos vivos e<br />

vibrantes, e terá certeza <strong>de</strong> que eles transformaram numa gratificante realida<strong>de</strong>.<br />

Aos nossos Dons:- José Soares; Marcos Trancoso; Rodrigo Rossoni; Hudson<br />

Moura; Vanessa Maia e, em especial, João Barreto (uma parte do que nos toca, e<br />

um ter que nos falta).<br />

Ao trazer o <strong>pixel</strong> do discurso <strong>de</strong> formatura dos alunos para essa conversa que<br />

estamos tendo, opero por um <strong>de</strong>svio, seguindo os conselhos <strong>de</strong> Certeau. Não é por<br />

acaso ou coincidência que os professores citados por aqueles alunos são alguns<br />

dos que constam na lista dos meus amigos do front <strong>de</strong> batalha.<br />

E também não é coincidência ou acaso que os alunos que fizeram o texto <strong>de</strong><br />

formatura estão citados por mim aqui. Aqueles alunos foram alunos que estiveram<br />

conosco nos cotidianos da tevê universitária da faculda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> trabalho e que hoje,<br />

75


são responsáveis pelo único festival <strong>de</strong> cinema universitário do Espírito Santo, o<br />

REC.<br />

Amigos/alunos Milena, André, Chalaine na<br />

organização do único Festival <strong>de</strong> Filmes Universitários – o REC – foto <strong>de</strong> encerramento.<br />

Foto Rodrigo Rossoni, ago/2008<br />

Eles viveram conosco os bastidores daquela tevê, viveram conosco os bastidores e<br />

a cena <strong>de</strong> nossa atuação profissional, eles estão inseridos em uma re<strong>de</strong> que se<br />

conecta o tempo inteiro com os sentidos que damos às ativida<strong>de</strong>s e a tessitura dos<br />

saberes cotidianos e científicos que empreen<strong>de</strong>mos diariamente.<br />

Foram eles, em uma relação contínua com os professores, que souberam praticar<br />

um outro lugar no momento em que teciam seus conhecimentos nessa re<strong>de</strong> maior<br />

que é a da tessitura dos conhecimentos produzidos seja na sala <strong>de</strong> aula ou em uma<br />

tevê universitária. Foram eles que, tendo consciência <strong>de</strong> que “a política do dom se<br />

torna uma tática <strong>de</strong>sviacionista” (Certeau, 1994, p.89) souberam aproveitar a “<strong>de</strong>ixa”<br />

e o “<strong>de</strong>adline” 26 . Foram eles que nos lembraram que “quem sabe faz a hora, não<br />

espera acontecer”.<br />

26 “Deixa”, <strong>de</strong>adlines” são termos utilizados no vocabulários <strong>de</strong> televisão para explicitarem,<br />

respectivamente, o gancho, a oportunida<strong>de</strong> e a hora final, o momento que não se po<strong>de</strong> ultrapassar<br />

sob risco <strong>de</strong> o material não ir ao ar.<br />

76


E foram eles também que me lembraram que <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixas” e “<strong>de</strong>ad-lines” também são<br />

feitas as pesquisas e os bastidores <strong>de</strong> uma televisão. E os prazos não nos esperam.<br />

Tememos tanto o erro, tanto a reação do público, que também esquecemos que<br />

tudo isso é prática, seja <strong>de</strong> televisão, seja <strong>de</strong> pesquisa acadêmica, discursos <strong>de</strong><br />

formatura ou escrituras, tudo é apren<strong>de</strong>r. Tudo é tecer e <strong>pixel</strong>izar coletivamente<br />

significados para a profissão, para o aprendizado e para a vida.<br />

E é nessa conversa enredada e misturada, resultante <strong>de</strong> minhas andanças que fiz<br />

para <strong>de</strong>senvolver este trabalho que percebi que a amiza<strong>de</strong> é uma potência não só<br />

para enfrentarmos o medo do isolamento nos tempos atuais, mas também uma<br />

potência curricular, uma vez que valores como solidarieda<strong>de</strong>, trabalho em<br />

colaboração e ajuda mútua se constituem, para os professores e para esses alunos,<br />

como uma forma <strong>de</strong> realizar tarefas que estão prescritas e tarefas que, sequer,<br />

estavam previstas.<br />

Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> afetos, amiza<strong>de</strong>s e pertencimentos<br />

Percebi que, embora ausente do caráter prescritivo do currículo, a amiza<strong>de</strong> (como<br />

prescrever esse item?) era uma força potente que os movia para, não só cumprir o<br />

que <strong>de</strong>veria ser realizado, mas também para (re) inventar outras formas <strong>de</strong> fazer<br />

para além do que estava prescrito. Durante a realização <strong>de</strong>ssa pesquisa, outro dado<br />

singular me chamou a atenção. Na maioria das vezes, as equipes que entram para<br />

estagiar nas tevês universitárias são compostas por alunos, já colegas <strong>de</strong> uma<br />

mesma turma.<br />

77


“Há um dado interessante a se notar. Muitas vezes eles (os alunos)<br />

chegam por turma. Um fala pro outro, um chama o outro, e eles<br />

vêm para a tevê. Quer dizer, já eram amigos antes <strong>de</strong> entrar aqui e<br />

aqui fortalecem ainda mais os laços e se ajudam bastante. Mas há<br />

também outra coisa, às vezes eles não se conhecem. Chegam<br />

aqui, fazem amiza<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>senvolvem um companheirismo e<br />

esten<strong>de</strong>m essas amiza<strong>de</strong>s para outras instâncias da vida e também<br />

da vida acadêmica” 27 . (coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> uma das tevês<br />

universitárias do Espírito Santo). 28<br />

“O que a gente percebe é que em geral, se chega um <strong>de</strong> uma<br />

turma, sempre na próxima seleção, virão outros que já são amigos.<br />

Eu sempre percebo isso. Tem sempre uma turminha que ‘domina’ a<br />

tevê. Des<strong>de</strong> o início foi assim, um vai chamando o outro, que vai<br />

chamando o outro. E daqui a pouco, estão todos lá <strong>de</strong>ntro. O bom<br />

disso é que eles já se conhecem, já são amigos <strong>de</strong> outros lugares e<br />

épocas, enfim, se enten<strong>de</strong>m. Produzem bem juntos. Agora o mais<br />

curioso é que eles chegam lá e logo fazem amiza<strong>de</strong> com quem já<br />

estava ou que, por ventura, chegou <strong>de</strong>pois. Aí tem horas que você<br />

começa a trocar as bolas. Fulano, fala pra sua turma que hoje eu<br />

vou mostrar isso e isso. E aí o aluno retruca: - mas eu não sou<br />

daquela turma. Gozado. Eu jurava que eles se conheciam <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

pequenininhos”<br />

(coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> outra tevê universitária do Espírito Santo) 29<br />

27 Grifos nossos<br />

28 Em entrevista à autora em novembro <strong>de</strong> 2008.<br />

29 Em entrevista à autora em agosto <strong>de</strong> 2008.<br />

78


Yolanda/Ricardo, amigos,<br />

produtores, alunos da TV<br />

UVV.<br />

79


Natália Bourguignon, que atua na tevê e é amiga <strong>de</strong>...<br />

80<br />

....Aline Fadlalah, que estuda com ela, e tem mais outros<br />

quatro amigos na TV FAESA.<br />

Foto: Vanessa Maia


Mas o que estamos enten<strong>de</strong>ndo por amiza<strong>de</strong>, suas formas <strong>de</strong> manifestação e as<br />

possibilida<strong>de</strong>s que ela po<strong>de</strong> apresentar na potencialização <strong>de</strong> uma produção <strong>de</strong><br />

conhecimento ou <strong>de</strong> uma prática das relações <strong>de</strong>sses alunos consigo, com os outros<br />

e com o mundo? Existiriam, a priori, formas únicas <strong>de</strong> manifestações da amiza<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>terminações certas, precisas e absolutas?<br />

Francisco Ortega <strong>de</strong>dicou parte <strong>de</strong> seus estudos a estudar a amiza<strong>de</strong>. Segundo ele,<br />

o interesse por esse tema, nos últimos 20 anos, tem aumentado consi<strong>de</strong>ravelmente.<br />

Inserir os estudos sobre a amiza<strong>de</strong> em nossos estudos não só é fundamental, na<br />

avaliação <strong>de</strong>sse autor, mas também contingencial, pois a amiza<strong>de</strong> é uma<br />

garantia <strong>de</strong> compensação e estabilida<strong>de</strong> diante das tendências<br />

individualizantes e subjetivantes da socieda<strong>de</strong>. (...) No amigo<br />

encontramos um triplo apoio: emocional, cognitivo e mental, uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superação solidária dos riscos e proveito das<br />

oportunida<strong>de</strong>s em nossa socieda<strong>de</strong> individualizada (ORTEGA,<br />

1999, p. 26).<br />

Para além do “triplo apoio” como o conceituou Ortega, amiza<strong>de</strong> seria também, e aí<br />

ele toma por empréstimo as palavras <strong>de</strong> Foucault, uma maneira <strong>de</strong> experimentarmos<br />

novas formas <strong>de</strong> vida que não estivessem sujeitas a prescrições societárias,<br />

matrimoniais, familiares, <strong>de</strong>ntre outras. Os resultados da pesquisa <strong>de</strong>sse autor sobre<br />

a amiza<strong>de</strong> e seus modos <strong>de</strong> operação <strong>de</strong>ram a ele uma convicção que, em nossos<br />

tempos, talvez seja mais do que necessário que se crie uma “arte da amiza<strong>de</strong>”.<br />

Tentarei aqui, com a ajuda <strong>de</strong> Ortega e <strong>de</strong> Foucault, apresentar noções e<br />

entendimentos sobre como esse conceito – o da amiza<strong>de</strong> – foi pensado nos últimos<br />

tempos. De acordo com Ortega, a sociologia 30 , por sua vez, tem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado o<br />

conceito porque o implica com elementos unitários, <strong>de</strong>stinados a sujeitos e/ou<br />

indivíduos, <strong>de</strong>svinculando esse pensamento <strong>de</strong> práticas societárias maiores<br />

30 Exceção <strong>de</strong>ve ser feita aos estudos <strong>de</strong> Max Weber, George Simmel e Gabriel Tar<strong>de</strong>, que não<br />

necessariamente estudaram a amiza<strong>de</strong>, mas a referência foi feita pelo fato <strong>de</strong> esses autores<br />

consi<strong>de</strong>rarem as relações micro <strong>de</strong>ntro do contexto macro, sempre abordado pela sociologia,<br />

segundo Celina Rosa dos Santos, socióloga e minha amiga, com quem partilhei várias conversas<br />

sobre esse conceito.<br />

81


(ORTEGA, 1999, p. 155). A tônica <strong>de</strong>sse conceito vem então, a ser retomada por<br />

este autor, porque ele acredita que alguns estudos não <strong>de</strong>ram a verda<strong>de</strong>ira dimensão<br />

do que a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> propiciar.<br />

Diante <strong>de</strong>ssas leituras, penso que qualquer pesquisador que se <strong>de</strong>dique a estudar<br />

fenômenos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> instituições prescritivas – hospitais, repartições, escolas,<br />

partidos, movimentos, comunida<strong>de</strong>s, religiões, <strong>de</strong>ntre outros - <strong>de</strong>veria se preocupar<br />

também com as relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, pois estas oferecem uma visão privilegiada<br />

das muitas relações que ali estão sendo constituídas e também dos modos <strong>de</strong><br />

existência que ali po<strong>de</strong>m se configurar, para além <strong>de</strong> regulamentos, normas,<br />

imposições e códigos <strong>de</strong> condutas.<br />

82<br />

A amiza<strong>de</strong> é uma forma <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar das convenções sociais: ‘toda<br />

amiza<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira é uma espécie <strong>de</strong> secessão, até uma rebelião<br />

(...). Em cada conjunto <strong>de</strong> amigos existe uma ‘opinião pública’<br />

seccional, que fortifica seus membros contra a opinião pública da<br />

comunida<strong>de</strong> em geral’. Toda amiza<strong>de</strong> é, por conseguinte, um ponto<br />

<strong>de</strong> resistência potencial (ORTEGA, 1999, p. 157).<br />

Joseph Vogl 31 talvez tenha sido o que mais me ajudou a aproximar as reflexões que<br />

faço agora sobre a amiza<strong>de</strong>, com as reflexões do capítulo anterior, em que utilizei o<br />

conceito <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>. Segundo esse autor, talvez a amiza<strong>de</strong> seja o link, o elo <strong>de</strong><br />

ligação, possível entre aquilo que está pré-estabelecido, condicionado, atrelado a um<br />

pertencimento sem limites, e aquilo que po<strong>de</strong> ser feito, burlado, utilizado e<br />

apropriado. Em outras palavras, nem sempre uma comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> constituir<br />

amigos, mas os amigos sempre po<strong>de</strong>m constituir tipos fluídos <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s.<br />

A amiza<strong>de</strong>, então, nos estudos <strong>de</strong>sse autor, chama a uma recuperação ao conceito<br />

do político, o que significaria para Vogl “liberar a comunida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>formações<br />

mito<strong>lógica</strong>s, ou seja, nacionais, totalitárias, naturais e reconhecer a<br />

‘irrepresentabilida<strong>de</strong>’ como a única forma possível” (VOGL, apud ORTEGA, 1999, p.<br />

157).<br />

31 Citado por Ortega, p. 157.


Nessa perspectiva a amiza<strong>de</strong> seria uma “contingência irrevogável” e faria com que a<br />

comunida<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse a ser entendida não como um “bem comum”, um “acordo<br />

universal”, uma “existência imperdível”, um lugar <strong>de</strong>limitado por uma fronteira<br />

comportamental, para se tornar uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida através das possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> vida capaz <strong>de</strong> constituir.<br />

Foucault e o conceito da amiza<strong>de</strong><br />

São vastos e profícuos os textos e ensaios que dissertam sobre o entendimento <strong>de</strong><br />

Foucault sobre o que seria a noção <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>. O importante, para Foucault foi<br />

evi<strong>de</strong>nciar o caráter da amiza<strong>de</strong> como uma arte do cuidado <strong>de</strong> si e o cuidado <strong>de</strong> si,<br />

para este autor, estaria indissociavelmente, ligado ao cuidado do outro. Vejamos o<br />

que ele nos diz:<br />

83<br />

O cuidado <strong>de</strong> si é ético em si mesmo; porém implica relações<br />

complexas com os outros, uma vez que esse êthos da liberda<strong>de</strong> é<br />

também uma maneira <strong>de</strong> cuidar dos outros. (..) O êthos também<br />

implica uma relação com os outros, já que o cuidado <strong>de</strong> si permite<br />

ocupar na cida<strong>de</strong>, na comunida<strong>de</strong> ou nas relações interindividuais o<br />

lugar conveniente – seja para exercer a magistratura ou para manter<br />

relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>. Além disso, o cuidado <strong>de</strong> si implica também a<br />

relação com um outro, uma vez que para cuidar bem <strong>de</strong> si, é preciso<br />

ouvir as lições <strong>de</strong> um mestre. Precisa-se <strong>de</strong> um guia, <strong>de</strong> um<br />

conselheiro, <strong>de</strong> um amigo, <strong>de</strong> alguém que lhe diga a verda<strong>de</strong>. Assim,<br />

o problema das relações com os outros está presente ao longo <strong>de</strong>sse<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do cuidado <strong>de</strong> si (FOUCAULT, 2006, p. 270, 271).<br />

A amiza<strong>de</strong>, então, seria um exercício, como bem disse Alexandro Rodrigues (2009),<br />

uma das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> si e dos outros. Dito <strong>de</strong> outro modo, a amiza<strong>de</strong><br />

para Foucault seria uma relação que <strong>de</strong>sviaria das relações previstas por uma<br />

socieda<strong>de</strong> que dá a cada um, um lugar que acredita que convém e engendraria<br />

novos modos <strong>de</strong> relacionamentos que incluiriam o cuidado <strong>de</strong> si e do outro, os afetos,<br />

a preocupação, o telefonema para saber se o outro está bem, o compartilhamento<br />

dos lanches, o aconselhamento, <strong>de</strong>ntre tantas outras formas <strong>de</strong> cuidado.


Talvez pudéssemos pensar na amiza<strong>de</strong> talvez uma nova forma <strong>de</strong> “comunida<strong>de</strong>”, não<br />

mais como uma irmanda<strong>de</strong> (envolvida em graus <strong>de</strong> parentesco) ou em uma<br />

solidarieda<strong>de</strong> (baseada em relações estatais). Talvez uma força potente seria pensar<br />

a amiza<strong>de</strong> como uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afetos, como bem ilustrou Carvalho (2009).<br />

Quando se pensa na amiza<strong>de</strong> como uma política, pensa-se também em uma<br />

configuração relacional que produz novas formas <strong>de</strong> relacionamento e, com isso, se<br />

produz uma ambiência difícil <strong>de</strong> controlar, uma vez que esses relacionamentos<br />

po<strong>de</strong>riam estabelecer outras formas <strong>de</strong> contato que não estavam previstas para o<br />

lugar.<br />

Portanto, a amiza<strong>de</strong> para Foucault, traça potentes linhas <strong>de</strong> força que não po<strong>de</strong>m ser<br />

previstas. Constitui-se, então, não apenas em modos <strong>de</strong> existência, mas também em<br />

potência geradora <strong>de</strong> instâncias políticas, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sviantes, <strong>de</strong> práticas não<br />

estabelecidas, <strong>de</strong> lugares que, embora prescritos, não são ocupados, ou são<br />

ocupados <strong>de</strong> outra maneira.<br />

Se ampliarmos o foco <strong>de</strong>ssa noção, a amiza<strong>de</strong> seria, para esse autor, uma instância<br />

que po<strong>de</strong>ria estabelecer novos modos <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> existência, “uma noção <strong>de</strong><br />

modo <strong>de</strong> vida que me parece muito importante”. Assim diz ele:<br />

84<br />

Esta noção <strong>de</strong> modo <strong>de</strong> vida me parece importante. Não seria<br />

preciso introduzir uma diversificação outra que não aquela <strong>de</strong>vida às<br />

classes sociais, diferenças <strong>de</strong> profissão, <strong>de</strong> níveis culturais, uma<br />

diversificação que seria também uma forma <strong>de</strong> relação e que seria o<br />

‘modo <strong>de</strong> vida’? Um modo <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> ser partilhado por indivíduos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, estatuto e ativida<strong>de</strong>s sociais diferentes. Po<strong>de</strong> dar lugar a<br />

relações intensas que não se parecem com nenhuma daquelas que<br />

são institucionalizadas e me parece que um modo <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> dar<br />

ligar a uma cultura e a uma ética (FOUCAULT, 1981, s/p)<br />

A contribuição <strong>de</strong> Foucault aos estudos a amiza<strong>de</strong> é ímpar porque nos convida a ir<br />

além. Complementando os pensamentos foucaultianos com os <strong>de</strong> Ortega, penso,


como disse esse autor, que, ao refletirmos sobre a amiza<strong>de</strong>, o fundamental é que<br />

pensemos nela como “uma forma <strong>de</strong> vida, cuja importância resi<strong>de</strong> nas inúmeras<br />

formas que po<strong>de</strong> encarnar” 32 (ORTEGA, 1981, p. 158)<br />

A potência <strong>de</strong> um conceito emergencial<br />

Assim pensando, pelas inúmeras formas que uma amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> encarnar, acredito<br />

como já mencionei anteriormente, que qualquer pesquisa que estu<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e<br />

práticas que se dêem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> instituições, <strong>de</strong>va passar, também, por um estudo<br />

das amiza<strong>de</strong>s que ali se configuram. Isto é, se estas amiza<strong>de</strong>s se apresentarem<br />

como potências para muitas realizações, inclusive <strong>de</strong> sujeitos que se (re) organizam<br />

e (re) configuram através <strong>de</strong>ssas amiza<strong>de</strong>s, em suas práticas cotidianas.<br />

Levo-me a pensar <strong>de</strong>ste modo por acreditar, é claro que agenciada por Foucault, que<br />

a amiza<strong>de</strong> é uma relação intensa e que produz ao mesmo tempo em que é<br />

produzida. Talvez a amiza<strong>de</strong> seja a potência emergencial (e necessária) para que<br />

aqueles que estão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> instituições prescritoras se relacionem <strong>de</strong> outras<br />

maneiras, <strong>de</strong>sviantes que escapem a qualquer forma <strong>de</strong> controle ou <strong>de</strong><br />

enquadramento. Pois, segundo Foucault,<br />

85<br />

O exército, a burocracia, a administração, o ensino não po<strong>de</strong>m<br />

funcionar com relações intensas 33 . Creio que se po<strong>de</strong> observar em<br />

todas estas instituições um certo esforço por reduzir ou limitar essas<br />

relações afetivas(FOUCAULT apud ORTEGA, 1999, p. 165)<br />

Agora retorno aos exemplos, cartas, discursos <strong>de</strong> formatura, lembranças <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />

entre alunos e professores 34 , professores e professores, professores e alunos, alunos<br />

32 Grifos nossos<br />

33 Grifos nossos.<br />

34 Refiro-me assim pois estou traçando momentos <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> minha trajetória pessoal tecida<br />

junta com a trajetória <strong>de</strong> outras pessoas. Assim refiro-me a alunos e professores para <strong>de</strong>signar o<br />

momento em que era/sou aluna e tinha alguns professores como amigos. Refiro-me a professores e<br />

professores aos momentos em que me reporto como professora, tendo outros professores como<br />

amigos e, ainda, refiro-me a professores e alunos aos momentos em que falo dos meus amigos


e alunos que mencionei no início <strong>de</strong>sse capítulo. Sempre ouvi na instituição <strong>de</strong><br />

ensino on<strong>de</strong> trabalho há <strong>de</strong>z anos – é certo que não ouvi <strong>de</strong> todos os chefes – que<br />

amiza<strong>de</strong> entre alunos e professores não era lá coisa boa. Na verda<strong>de</strong>, até hoje ouço<br />

que é, mesmo, coisa que não se <strong>de</strong>ve ter. Mas por que isso? Porque entendi, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ler Foucault e Ortega, que as amiza<strong>de</strong>s configuram situações que são difíceis <strong>de</strong><br />

serem controladas pelo lugar.<br />

Afinal, tradicionalmente, relações entre alunos e professores na maioria das<br />

instituições <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>vem, literalmente, se pautar por uma pauta entre os dois. Ou<br />

entre o professor e tantos alunos ele tiver. Deve se pautar pela entrega <strong>de</strong> trabalhos,<br />

notas, classificações, avaliações e mornos cumprimentos <strong>de</strong> bom dia, e boa tar<strong>de</strong>.<br />

Não quero aqui dizer e fazer uma apologia <strong>de</strong> que alunos não <strong>de</strong>vam entregar os<br />

seus trabalhos e professores não <strong>de</strong>vam ser cuidadosos na correção dos mesmos.<br />

Na verda<strong>de</strong> a amiza<strong>de</strong>, o cuidado com o outro, é fundamental. Se gostamos,<br />

queremos o melhor, queremos que façam o melhor, que dêem o melhor <strong>de</strong> si e que<br />

se preparem para quaisquer lugares que forem transitar. Daí a necessida<strong>de</strong> da<br />

exigência.<br />

O contrário também é pertinente. Se gostamos do professor, queremos apresentar o<br />

melhor, ouvir os conselhos, ler os livros que indicou, escutar atentamente as<br />

consi<strong>de</strong>rações que nos fazem. Mas eu não estou falando disso. Estou falando no<br />

momento em que a amiza<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> tornar-se um problema não para professores e<br />

alunos, torna-se uma questão incômoda para aqueles que precisam ter tudo sob seu<br />

controle e influência.<br />

Estou falando <strong>de</strong> quando a amiza<strong>de</strong> produz laços que se transformam em relações<br />

políticas, como quando aqueles alunos fizeram o discurso da fábrica <strong>de</strong> tijolos<br />

<strong>de</strong>nunciando a or<strong>de</strong>m do lugar, que queria transformá-los em ‘tijolos’ <strong>de</strong> uma<br />

construção, e homenageando aqueles que burlaram isso e que transformaram o<br />

relacionamento aluno-professor em algo que os potencializou para a vida.<br />

alunos. Falo ainda da amiza<strong>de</strong> entre alunos e aos modos como estes experimentam outras<br />

configurações do lugar, quando estão entre eles.<br />

86


E, neste caso específico, aqueles alunos souberam reconhecer a potência <strong>de</strong>ssa<br />

amiza<strong>de</strong> e das outras relações que ela pô<strong>de</strong> estabelecer, em um texto muito<br />

potente, embora o alto falante estivesse sempre a repetir: “Todos os tijolos <strong>de</strong>vem<br />

obe<strong>de</strong>cer à forma”, mas os meninos enten<strong>de</strong>ram o que aquela amiza<strong>de</strong> tinha<br />

produzido em suas vidas e transformaram aquela relação em fala discursiva,<br />

emblemática e política. E se tornaram outros. Eles e os professores, interpretando<br />

os <strong>de</strong>sejos que durante um tempo foram tecidos juntos e, posteriormente se<br />

transformaram em discurso (manifesto político) <strong>de</strong> formatura 35 :<br />

87<br />

Não sois tijolos somente, sois pedra, sois mar, sois castelos e<br />

palácios, sois sonho. Ora, naquela fábrica eles faziam tijolos para<br />

construir outras fábricas, não castelos ou palacetes. Porém aqueles<br />

tijolos já haviam ganhado o mundo e carregariam consigo para<br />

sempre a mesma melancolia, tão bela do seu Dom, que a partir <strong>de</strong><br />

então eram eles mesmos. Graças a Dom, os tijolos pu<strong>de</strong>ram ganhar<br />

o mundo e souberam reconhecer quais seriam os <strong>de</strong>sejos a serem<br />

talhados para construírem sonhos possíveis. O passado já não<br />

interessava mais, apenas o que foi feito <strong>de</strong>le. E o que foi feito <strong>de</strong>le se<br />

dissipa pelas frestas em forma dos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> cada tijolo 36 , que<br />

seguramente foram bem emassados e bem aprumados, para que<br />

tivessem condições <strong>de</strong> construir castelos, mesmo que fossem <strong>de</strong><br />

areia. (FELIX, RODRIGUES E RIBEIRO, discurso <strong>de</strong> formatura,<br />

2007/02)<br />

Não só por este discurso <strong>de</strong> formatura, mas também por outras experiências <strong>de</strong><br />

amiza<strong>de</strong> que experimentamos ao longo <strong>de</strong> nossas carreiras <strong>de</strong> professores com<br />

nossos professores amigos e alunos amigos, po<strong>de</strong>mos vivenciar a amiza<strong>de</strong> como<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamentos que não estejam prescritos, formas que estão para<br />

além do instituído.<br />

35 O texto lido na formatura foi uma tática e tanto. Revoltava-se com a <strong>de</strong>missão do professor citado<br />

primeiramente no texto. E a administração nada podia fazer diante <strong>de</strong> um auditório lotado <strong>de</strong> pais,<br />

alunos e ex-alunos, pois o texto/discurso estava sendo lido pelo orador da turma. A amiza<strong>de</strong> ali se<br />

apresentou sob a configuração do político.<br />

36 Grifos nossos


Certeau (1994) afirma que as práticas cotidianas <strong>de</strong> usos produzem modos <strong>de</strong><br />

relações sociais, sejam estas relações nossas com os outros ou nossas com os<br />

lugares em que habitamos. E a amiza<strong>de</strong> é uma forma <strong>de</strong> relacionamento muito<br />

singular <strong>de</strong> se experimentar e <strong>de</strong> se <strong>de</strong>screver. A amiza<strong>de</strong> é perigosa para quem<br />

<strong>de</strong>seja ter o controle dos relacionamentos que se processam nos lugares porque ela<br />

é inapreensível.<br />

A amiza<strong>de</strong> não tem regra, não tem forma estabelecida, não tem maneira <strong>de</strong> operar<br />

uniforme. Com cada amigo e em cada tipo <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, estabelecemos um tipo <strong>de</strong><br />

configuração, <strong>de</strong> experiência e experimentação.<br />

E não é à toa que os alunos que transitam pelas tevês universitárias <strong>de</strong>ssa pesquisa<br />

estreitem ou configurem laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>. A partir da amiza<strong>de</strong> que eles mantém<br />

entre si, po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sviar das regras do lugar, po<strong>de</strong>m fazer da amiza<strong>de</strong> uma potência<br />

política, uma maneira <strong>de</strong> reinvidicar questões e <strong>de</strong> colocar insatisfações, po<strong>de</strong>m<br />

firmar um posicionamento que negocie com os professores, po<strong>de</strong>m discutir<br />

<strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas, posicionamentos e questões.<br />

A amiza<strong>de</strong> passa a se potencializar porque se configura em relações <strong>de</strong> estima, <strong>de</strong><br />

pertencimento, e <strong>de</strong> política “em cada conjunto <strong>de</strong> amigos existe uma ‘opinião<br />

pública’. Toda amiza<strong>de</strong> é, por conseguinte, um ponto <strong>de</strong> resistência potencial” e,<br />

sobretudo, uma questão emergencial, porque, segundo esse autor, “a amiza<strong>de</strong><br />

representa uma saída para o dilema entre uma saturação <strong>de</strong> relações surgidas da<br />

dinâmica da mo<strong>de</strong>rnização e uma solidão ameaçadora 37 ” (ORTEGA, 1999, págs.<br />

156,157).<br />

37 Grifos nossos.<br />

88


Sob os ventos que varreram o mundo, surge em 1968, a primeira TV<br />

Universitária do país<br />

Fotografia reproduzida da televisão <strong>de</strong> cena do documentário Lúmen, feito por estudantes<br />

universitários <strong>de</strong> Minas Gerais, exibido no programa Bitola, da TV FAESA. O documentário<br />

participou do REC em agosto <strong>de</strong> 2008. Foto: Vanessa Maia<br />

Sinopse da Programação: Este capítulo vai falar do surgimento das tevês<br />

universitárias, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que sua criação foi, em si, uma criação híbrida, no que<br />

tange a funcionamento e intenções. E como vamos fazer um flashback na história<br />

das tevês universitárias no Brasil e do Espírito Santo, falamos do emblemático ano<br />

<strong>de</strong> 1968, em que a primeira tevê universitária do país foi fundada, a tevê<br />

universitária do Recife. É um texto panorâmico, que dá a conhecer alguns cenários<br />

fundamentais para o país e o mundo. Ano <strong>de</strong> intensificação do Regime Militar, no<br />

Brasil, com a sanção do AI 5, e também, ano que mudou o mundo com a revolta dos<br />

estudantes franceses, os protestos contra a guerra do Vietnã, o movimento hippie, a<br />

morte <strong>de</strong> Martin Luter King e os movimentos <strong>de</strong> mudança que surgiram nas artes, na<br />

política...enfim, um ano que passou, <strong>de</strong>ixando como herança para nós a condição <strong>de</strong><br />

nunca mais sermos os mesmos.<br />

89


“Na bruma leve das paixões que vem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro/ Tu<br />

vens chegando pra brincar no meu quintal/ No teu<br />

cavalo, peito nu, cabelo ao vento/ E o sol quarando<br />

nossas roupas no varal/ Tu vens, tu vens, eu já<br />

escuto os seus sinais/ A voz do anjo sussurou no<br />

meu ouvido/ Eu não duvido já escuto os seus<br />

sinais/Que tu virias numa manhã <strong>de</strong> domingo/ Eu te<br />

anuncio nos sinos das catedrais/ Tu vens, tu vens,<br />

eu já escuto os seus sinais”<br />

Anunciação – Alceu Valença<br />

“Um acontecimento vivido é finito, pelo menos<br />

encerrado na esfera do vivido, ao passo que um<br />

acontecimento lembrado é sem limites, porque é<br />

apenas uma chave para tudo o que veio antes e<br />

<strong>de</strong>pois”<br />

Walter Benjamin<br />

90


N<br />

ão há nada que supere a força dos ventos. Os ventos alimentam o fogo,<br />

<strong>de</strong>slocam camadas maciças <strong>de</strong> água, <strong>de</strong>rrubam casas, levantam carros,<br />

<strong>de</strong>senraizam árvores. Não <strong>de</strong>ixam nada no lugar. Por on<strong>de</strong> passam marcam<br />

cida<strong>de</strong>s, episódios, pessoas e limites geográficos. Os ventos, parecem-me às<br />

vezes, que mostram vonta<strong>de</strong>s próprias. Sopram em algum lugar, não em outro.<br />

Em um instante arrebatam, no seguinte, acariciam. Os ventos escolhem o que<br />

mudam <strong>de</strong> lugar, o lugar e a época. E para aquela epifania eles escolheram um<br />

ano. Sopraram com força. Fizeram-se sentir em todos os cantos do mundo, jogaram<br />

os estilhaços para longe, giraram cabeças, <strong>de</strong>slocaram corações, inverteram a<br />

or<strong>de</strong>m, inspiraram filosofias. O ano era 1968 e <strong>de</strong>pois daqueles ventos que<br />

sopraram nele, nós nunca mais fomos os mesmos.<br />

Nesse ano, em Paris, o estudante Daniel Cohn-Bendit ocupou a universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Nanterre junto com outros 300 estudantes para protestar contra a proibição da<br />

palestra do psicanalista Wilhelm Reich por parte das autorida<strong>de</strong>s francesas. As<br />

palavras do estudante ganharem as ruas e logo <strong>de</strong>pois, seriam transformadas em<br />

slogans contra o autoritarismo.<br />

91


Fotos: Daniel Cohn-Bendit em 1968 e em 2008. fonte: http://especiais.globonews.globo.com/68/<br />

O movimento iniciado pelos estudantes franceses encontraria eco em outros<br />

setores como sindicalistas, professores, funcionários, jornaleiros, comerciários,<br />

bancários, que a<strong>de</strong>riram a causa estudantil. A repressão governamental, não tardou<br />

a vir. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris viu as vidraças <strong>de</strong> suas janelas estilhaçadas, suas ruas com<br />

calçadas <strong>de</strong>struídas e os postes tombados no chão. Entre 18 <strong>de</strong> maio a 7 <strong>de</strong> junho<br />

cerca <strong>de</strong> nove milhões <strong>de</strong> franceses entraram em greve geral. 38<br />

Nos Estados Unidos o lí<strong>de</strong>r da luta contra a segregação racial Martin Luther King<br />

era assassinado, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Memphis, lá também os jovens protestavam contra a<br />

Guerra do Vietnã, em um movimento que se iniciava e <strong>de</strong>pois viria a dar sua face<br />

como movimento hippie, contestando os valores da cultura <strong>de</strong> consumo norte-<br />

americana e o american way of life. Jimi Hendrix sonoriza a trilha para o psicodélico<br />

ano com seu ousado, diferente e entorpecedor, “Eletric Ladyland”, tocado por ele e<br />

por seu trio, o Jimi Hendrix Experience.<br />

38 Dados coletados dos programas especiais sobre maio <strong>de</strong> 68 exibidos na Globonews, às 23 horas<br />

<strong>de</strong> quarta-feira a partir do dia 16/04/2008 e da entrevista <strong>de</strong> Daniel Cohn-Bendit publicada em O<br />

Globo do dia 11/04/2008 em Ca<strong>de</strong>rno Especial Maio 68.<br />

92


Ventos que sopram: Assassinato <strong>de</strong> Luther King, o movimento hippie e a capa do “Eletric<br />

Ladyland”. Fontes: www.blacklooks.org;www.universo70.wordpress.com;<br />

www.anos60.wordpress.com.<br />

Ainda nas artes Godard produz “Sympathy for the <strong>de</strong>vil” sobre os Rolling Stones,<br />

Stanley Kubrick lança seu profético “2001 – uma odisséia no Espaço”, Os Beatles<br />

lançam o lendário “Álbum Branco” e a Broadway estréia o musical “Hair” que<br />

posteriormente, viria a se tornar filme pelas mãos <strong>de</strong> Milos Forman.<br />

“Hair” e “2001, uma odisséia no Espaço”, filmes que marcaram época.<br />

Fonte: www.confraria<strong>de</strong>cinema.com.br.<br />

No Brasil, estréia o espetáculo “Roda Viva” dirigido por José Celso, Hélio Oiticica<br />

escreve o texto “Tropicália”, no qual explica o conceito que criou, o disco “Tropicália<br />

ou panis et circenses” é lançado e <strong>de</strong>le participam Gilberto Gil, Caetano Veloso,<br />

Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé. Na condução dos rumos do país, entra em vigor<br />

93


o Ato Institucional nº 5, baixado pelo então presi<strong>de</strong>nte da época, Arthur da Costa e<br />

Silva. 39<br />

O manifesto “Tropicália” <strong>de</strong> Hélio Oiticica, silkado, capa do dispo “Tropicália” e capa do jornal<br />

O Globo quando do anúncio do Ato Institucional número 5.<br />

Fontes: www.estudosliterarios.blogspot.com; www.uff.br; Imagem <strong>de</strong> acervo pessoal.<br />

O ato institucional nº 5 surgiu, <strong>de</strong>ntre outros fatores conjugados e, sobretudo, a uma<br />

imensa <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> autoritarismo, como uma reação do discurso do <strong>de</strong>putado<br />

Márcio Moreira Alves, na Câmara dos Deputados, que conclamava a população a<br />

boicotar as comemorações do 07 <strong>de</strong> setembro e, por extensão, ao militarismo que<br />

governava o país.<br />

Márcio Moreira Alves na tribuna da Câmara dos Deputados.<br />

Fonte: www.marciomoreiraalves.com.br<br />

39 Dados extraídos do ca<strong>de</strong>rno cultural do Jornal O Globo, intitulado O ano da revolução pela arte. De<br />

18/05/2008<br />

94


Os militares consi<strong>de</strong>raram o pronunciamento um insulto e solicitaram ao Congresso<br />

Nacional autorização para cassá-lo. Diante na negativa daquele po<strong>de</strong>r, o governo<br />

promulgou a medida que autorizava o presi<strong>de</strong>nte da República a colocar o<br />

Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas em recesso, avocou-se o direito<br />

<strong>de</strong> cassar mandatos eletivos, suspen<strong>de</strong>r direitos políticos, <strong>de</strong>mitir ou aposentar<br />

juízes e funcionários, confiscar bens, suspen<strong>de</strong>r os habeas-corpus e autorizar a<br />

instauração <strong>de</strong> julgamentos em tribunais específicos para crimes políticos.<br />

Mas não só isso. Também suspen<strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> voto em eleições sindicais, proibiu<br />

manifestações e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> natureza política e instituiu medidas que consi<strong>de</strong>rou<br />

<strong>de</strong> segurança, tais como: a liberda<strong>de</strong> vigiada, a proibição <strong>de</strong> freqüentar<br />

<strong>de</strong>terminados lugares. 40 As conseqüências do referido ato institucional já são<br />

sabidas por todos nós, pois fazem parte da recente história do país. Torturas,<br />

<strong>de</strong>saparecimentos, censura <strong>de</strong> jornais, perseguição <strong>de</strong> pessoas, chantagens, medo,<br />

universida<strong>de</strong>s silenciadas, intelectuais angustiados e um país perplexo.<br />

Se nos <strong>de</strong>tivermos sobre esses fatos <strong>pixel</strong>izados aleatoriamente <strong>de</strong>ntre tantos outros<br />

importantes e também fundamentais <strong>de</strong> nossa história recente, certamente<br />

enten<strong>de</strong>remos que 1968 foi um ano realmente <strong>de</strong> chumbo no país. Mas ele não foi só<br />

isso. Foi o ano em que se escutou sinais <strong>de</strong> coisas diferentes, foi o ano em que se<br />

viu gente <strong>de</strong> “peito nu e cabelo ao vento” como cantado na música <strong>de</strong> Alceu Valença,<br />

foi o ano em que ecoaram palavras não antes ditas, e se expressaram ações e artes<br />

talvez antes inesperadas. Um ano em que sopraram ventos que, mais do que<br />

fazerem parte <strong>de</strong> uma época, ajudaram, também a formá-la.<br />

Depois <strong>de</strong> 1968 nunca mais a música, o cinema, as artes, os movimentos sociais e<br />

as pessoas foram os mesmos. Como bem disse a frase <strong>de</strong> Benjamin que faz a<br />

40 Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: I -<br />

cessação <strong>de</strong> privilégio <strong>de</strong> foro por prerrogativa <strong>de</strong> função; II - suspensão do direito <strong>de</strong> votar e <strong>de</strong> ser<br />

votado nas eleições sindicais; III - proibição <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ou manifestação sobre assunto <strong>de</strong> natureza<br />

política; IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas <strong>de</strong> segurança: a) liberda<strong>de</strong><br />

vigiada; b) proibição <strong>de</strong> freqüentar <strong>de</strong>terminados lugares; c) domicílio <strong>de</strong>terminado. Fonte: Fonte:<br />

Acervoditadura.rs.gov.br<br />

95


epígrafe <strong>de</strong>sse capítulo, “um acontecimento vivido é finito, pelo menos encerrado na<br />

esfera do vivido, ao passo que um acontecimento lembrado é sem limites, porque é<br />

apenas uma chave para tudo o que veio antes e <strong>de</strong>pois” (BENJAMIN, 1994, p. 37).<br />

TV Recife, a primeira TV Universitária do país<br />

Imagens <strong>pixel</strong>izada do quadro “Ângelus Novus”, <strong>de</strong> Paul Klee.<br />

Fonte: site www.fotowho.net<br />

E porquê o ano <strong>de</strong> 1968 foi lembrado aqui? Foi lembrado porque, se bem entendi o<br />

que disse Walter Benjamin, os aconteciments vividos ali foram uma chave para<br />

enten<strong>de</strong>rmos o que veio nele e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Uma <strong>de</strong>sconstrução que construiu muitas<br />

coisas novas, como vimos no breve relato <strong>de</strong>sse ano, feito aqui nesse texto.<br />

E <strong>de</strong>ntre as muitas coisas que ocorreram no ano <strong>de</strong> 1968, surgiu também, para a<br />

minha surpresa, a primeira tevê universitária do país. Tratava-se da tevê <strong>de</strong> Recife,<br />

que foi fundada no dia 22 <strong>de</strong> novembro daquele ano, surgindo como um veículo que<br />

seria integrado ao Núcleo <strong>de</strong> TV e Rádios Universitárias - órgão suplementar da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco – e passaria a ser veiculada no canal 11.<br />

96


Essa tevê surgia com o propósito <strong>de</strong> “ampliar os horizontes da informação, cultura e<br />

educação”. O surgimento <strong>de</strong>ssa tevê universitária se <strong>de</strong>u no auge da ditadura militar,<br />

no Nor<strong>de</strong>ste da época, on<strong>de</strong> 50% da população era analfabeta e a televisão já<br />

ocupava lugar cativo nas salas <strong>de</strong> 200 mil casas. 41 Mas alguma coisa nisso tudo –<br />

uma tevê universitária criada no ano <strong>de</strong> 1968, em plena ditadura militar – não fazia<br />

sentido para mim.<br />

41 Dados retirados do relatório “Televisão Universitária, canal 11”, que discorre sobre a implantação<br />

da emissora.<br />

Por que a implantação <strong>de</strong> uma<br />

tevê como essa, justamente<br />

nessa fase brasileira?<br />

De que maneiras po<strong>de</strong>riam os<br />

militares controlar essa tevê,<br />

diante <strong>de</strong> tanta diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

opiniões, <strong>de</strong>sejos e vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

expressão?<br />

Seria seguro para esse regime <strong>de</strong>ixar ser<br />

gestada uma televisão <strong>de</strong>ntro da<br />

universida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o pensamento, por<br />

mais vigiado e regulado que fosse, se<br />

mantinha inquieto?<br />

97


Então, um texto extraordinário, indicado a mim por minha orientadora do Mestrado 42 ,<br />

fez com que eu achasse o sentido. Nesse texto que ganhei “<strong>de</strong> presente”, Paul<br />

Veyne, discorrendo sobre o método <strong>de</strong> historização <strong>de</strong> Foucault, 43 afirmou que uma<br />

das gran<strong>de</strong>s contribuições teóricas que esse autor nos legou foi a <strong>de</strong> <strong>de</strong>scortinar que<br />

as práticas é que constituem os objetos, os lugares e os discursos.<br />

Estes por sua vez, também são consi<strong>de</strong>rados por Foucault como práticas, que po<strong>de</strong>m<br />

constituir outros objetos, sujeitos, lugares, haveres e saberes. Sendo assim, me<br />

ensinou Veyne, o método <strong>de</strong> Foucault consistia em compreen<strong>de</strong>r que<br />

98<br />

as coisas não passam <strong>de</strong> objetivações <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong>terminadas,<br />

cujas <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong>vem ser expostas à luz, já que a consciência<br />

não as concebe. Esse esclarecimento, ao termo <strong>de</strong> um esforço <strong>de</strong><br />

visão, é uma experiência original e até atraente, que po<strong>de</strong>mos, em<br />

tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, chamar <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>nsificação’. (...) E, então, no lugar<br />

ocupado pelo gran<strong>de</strong> aquilo-que-é-óbvio, aparece um pequeno<br />

objeto <strong>de</strong> época, estranho, raro, exótico, jamais visto. Ao vê-lo,<br />

<strong>de</strong>dicamos, apesar <strong>de</strong> tudo, alguns minutos a lamentar<br />

melancolicamente a condição humana, as pequeninas coisas<br />

inconscientes e absurdas que somos, as racionalida<strong>de</strong>s que<br />

fabricamos para nós próprios e <strong>de</strong> que o objeto parece zombar.<br />

Durante esse breve instante, o fragmento da história colocou-se no<br />

lugar, sozinho, os falsos problemas <strong>de</strong>sapareceram, as articulações<br />

encaixaram-se, todas elas (VEYNE, 1998, p. 254, 255)<br />

Então, para aquilo que eu queria que parecesse óbvio – a tevê universitária surgiu a<br />

partir <strong>de</strong> todas as modificações que ocorreram no mundo e no Brasil nos anos <strong>de</strong><br />

1968 –, um “pequeno objeto <strong>de</strong> época”, essa tevê universitária, “estranha”, “rara” e<br />

“exótica” surge <strong>de</strong>ntro do contexto <strong>de</strong> uma ditadura militar para não só “ampliar os<br />

horizontes da informação, da cultura e da educação”, como me informou o relatório<br />

<strong>de</strong> criação daquela tevê, mas também para fomentar o ambiente <strong>de</strong> integração<br />

nacional, <strong>de</strong> simpatias a um regime, <strong>de</strong> amplificação <strong>de</strong> um discurso que queria<br />

42 Marialva Barbosa autora dos livros História Cultural da Imprensa (Mauad X, 2007); Percursos do<br />

Olhar (Editora EdUFF, 2007), Os Donos do Rio – Imprensa, Po<strong>de</strong>r e Público (Ed.Vício <strong>de</strong> Leitura,<br />

2000)<br />

43 Referência encontrada no livro “Como se escreve a história”, <strong>de</strong> Paul Veyne. Brasília, UNB, 1998.


controlar um país, já que a maioria nor<strong>de</strong>stina não tinha leitura e passaria a ter seus<br />

conhecimentos obtidos através das telas da televisão.<br />

Regime Militar e Tevê: Tudo a ver<br />

Naquela época falar <strong>de</strong> política, <strong>de</strong>bater assuntos importantes para o país, fazer<br />

reuniões, juntar pessoas para conversar sobre temas diversos era perigoso. Pra não<br />

dizer temerário. É claro que a vida se processava apesar <strong>de</strong> tudo. As pessoas iam ao<br />

<strong>de</strong>ntista, as crianças à escola, os alunos à universida<strong>de</strong>. Operários beijavam suas<br />

esposas e saíam para o trabalho. Mas havia algo estranho no ar. As vozes ecoavam<br />

baixo, a respiração estava sempre suspensa e no ar um tenso e nada tranqüilo clima<br />

<strong>de</strong> que as coisas não andavam muito bem. Não se podia falar mal do governo.<br />

Alunos e professores que ousassem conversar sobre o tema corriam o risco <strong>de</strong> não<br />

voltar mais à sala <strong>de</strong> aula. Corriam o risco, inclusive, <strong>de</strong> não voltarem mais para a<br />

casa. Imaginem o clima <strong>de</strong>ntro das salas da universida<strong>de</strong>. A máxima da época,<br />

simplificada em uma piada, era resumida nas seguintes frases:<br />

- O que você acha da situação atual?<br />

- Eu não acho nada. Tinha um amigo<br />

que achava muito. E hoje, ninguém acha ele! 44<br />

Fazer televisão, ou qualquer outro conteúdo midiático, naquela época era<br />

complicado. A TV Globo, atualmente, um dos maiores conglomerados <strong>de</strong> mídia do<br />

mundo, já existia e era importante aliada do Regime Militar. Mostrava ao povo<br />

brasileiro o quanto o país tinha encontrado seu rumo e o quanto estava em mãos<br />

seguras (e por que não dizer muito bem armadas), não importando a situação política<br />

e econômica que se processava.<br />

44 Retirado <strong>de</strong> http://www.culturabrasil.pro.br/ditadura.htm<br />

99


Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/ditadura.htm<br />

100<br />

O governo militar estava encantado com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parceria “educacional”<br />

com técnicos norte-americanos nos rumos da educação do país. No pacote das<br />

propostas dos norte-americanos da época estavam à proibição das discussões<br />

políticas entre os estudantes e a qualificação dos alunos para trabalharem nas<br />

multinacionais.<br />

Em contrapartida, os estudantes foram para as ruas. Tão somente aconselhados pelo<br />

Hino Nacional Brasileiro “verás que um filho seu não foge à luta”. Fizeram passeatas,<br />

manifestações, sensibilizaram pais, mães, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> classe econômica ou<br />

social. Sobretudo, <strong>de</strong>pois da morte do estudante Edson Luiz, no restaurante<br />

Calabouço, em 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1968. A morte <strong>de</strong> Edson Luiz <strong>de</strong>flagrou a “passeata<br />

dos cem mil”.<br />

Formada por outros alunos e diversas pessoas da socieda<strong>de</strong>, a manifestação levou o<br />

corpo <strong>de</strong> Edson da Assembléia Legislativa do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> foi velado, até o<br />

cemitério São João Batista, on<strong>de</strong> foi sepultado. Disse anteriormente que a<br />

manifestação sensibilizou pais e mães do país porque nela ecoou a célebre frase:


“Um estudante foi assassinado,<br />

ele po<strong>de</strong>ria ser seu filho”. 45<br />

Fontes: www.alerj.rj.gov.br / www.revistaepoca.globo.com<br />

Foi nesse ano, em meio a esse turbilhão <strong>de</strong> acontecimentos nas ruas e nas<br />

universida<strong>de</strong>s do país, que a tevê universitária <strong>de</strong> Recife entraria em funcionamento.<br />

Interessante notar que, embora fundada pelo Regime Militar, ela não nasce como<br />

uma política <strong>de</strong> governo da Ditadura Militar. Isso porque as televisões públicas<br />

surgiram, na época, sem uma política concreta que as incentivasse, 46 como<br />

enfatizou Alexandre Fradkin no artigo História da TV Pública:<br />

101<br />

A televisão educativa foi implantada, no Brasil, sem obe<strong>de</strong>cer a um<br />

planejamento que <strong>de</strong>corresse <strong>de</strong> uma política setorial do Governo.<br />

Algumas emissoras tiveram como raiz <strong>de</strong> sua criação razões <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m política, outras <strong>de</strong>veram sua existência à tenacida<strong>de</strong> individual<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alistas, e poucas foram as que surgiram com objetivos<br />

explicitamente <strong>de</strong>finidos (FRADKIN, apud CARMONA, 2003)<br />

O ano <strong>de</strong> 68 foi o “ano <strong>de</strong> chumbo” da ditadura militar no país. Os veículos <strong>de</strong><br />

comunicação estavam sob censura, respaldada pelo Ato Institucional nº 5. Nenhum<br />

assunto que não fosse do interesse do Regime Militar po<strong>de</strong>ria ser exibido nas telas<br />

45 Retirado <strong>de</strong> http://www.uce.org.br/in<strong>de</strong>x.php?option=com_content&task=view&id=76&Itemid=2<br />

46 Monografia <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> Comunicação Social da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco, <strong>de</strong><br />

autoria <strong>de</strong> Mariana Martins, sob o título Políticas <strong>de</strong> Comunicação no Brasil: na contramão do interesse público –<br />

uma análise da TV Universitária <strong>de</strong> Recife. Agosto <strong>de</strong> 2005.


102<br />

<strong>de</strong> televisão, tampouco abordado pelos jornais, embora alguns assim agissem<br />

cientes das retaliações que po<strong>de</strong>riam sofrer.<br />

Aqueles que insistissem em <strong>de</strong>scumprir as normas corriam o risco <strong>de</strong> serem<br />

enquadrados na Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional. Os jornais trabalhavam com censores,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas redações. Tinham matérias cortadas, divulgavam receitas <strong>de</strong> bolo,<br />

parte <strong>de</strong> textos clássicos, como os Lusíadas, <strong>de</strong> Camões, páginas inteiras com textos<br />

e sem manchetes, como tática para <strong>de</strong>nunciarem à população que estavam sob<br />

censura.<br />

Matéria<br />

censurada.<br />

Em seu lugar,<br />

um trecho <strong>de</strong><br />

Os Luzíadas,<br />

<strong>de</strong> Camões.<br />

Foto reproduzida da exposição “200 anos <strong>de</strong> Imprensa no Brasil”, montada no Shopping<br />

Praia da Costa. Foto: Sérgio Cardoso em 02/11/2008.


103<br />

Produzir e divulgar qualquer tipo <strong>de</strong> conteúdo midiático nessa época, que não<br />

estivesse <strong>de</strong> acordo com o governo militar era temerário. Para não dizer, perigoso.<br />

Alberto Dines 47 , disse em entrevista ao Espaço N, da Globonews, que, quando<br />

estava à frente da Direção <strong>de</strong> Redação do Jornal do Brasil tinha que driblar<br />

constantemente a censura do Governo Militar.<br />

Certa vez, ele recebeu uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>ria dar nenhuma manchete sobre<br />

o que se passasse no governo do Chile, quando da época <strong>de</strong> sua condução por<br />

Salvador Allen<strong>de</strong>. Allen<strong>de</strong> tinha sido eleito e os militares brasileiros, em solidarieda<strong>de</strong><br />

aos do país vizinho, não queriam que a notícia fosse divulgada.<br />

Então, quando Allen<strong>de</strong> morreu, em uma operação tática, Dines publicou a primeira<br />

página inteira sobre o ocorrido, sem a <strong>de</strong>vida manchete. Ninguém po<strong>de</strong>ria dizer que<br />

ele não tinha acatado as or<strong>de</strong>ns do censor que estava na redação. Mas ninguém<br />

também po<strong>de</strong>ria dizer que ele não tinha dado o fato, como mostra a foto a seguir.<br />

47 Professor <strong>de</strong> Jornalismo da Universida<strong>de</strong> Columbia, escritor, webmaster do site observatório da<br />

imprensa e diretor do programa <strong>de</strong> mesmo nome, veiculado pela TV Brasil


Foto reproduzida da exposição “200 anos <strong>de</strong> Imprensa no Brasil”, montada no<br />

Shopping Praia da Costa. Foto: Sérgio Cardoso em 02/11/2008.<br />

104<br />

Diante <strong>de</strong> tanta censura e cerceamento do livre trânsito <strong>de</strong> informação na divulgação<br />

<strong>de</strong> fatos e <strong>de</strong>bates dos assuntos, a tevê universitária do Recife não <strong>de</strong>ve ter tido<br />

tratamento diferenciado, embora as pesquisas realizadas para este estudo, sobre<br />

esse tema, não conseguissem captar as ações <strong>de</strong> censura.<br />

Responsável por um dos programas veiculados naquela televisão, o professor e<br />

jurista Valter Rosa Borges 48 , responsável pelo “O Gran<strong>de</strong> Júri”, programa <strong>de</strong><br />

conteúdo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e entrevistas, disse que não se lembra <strong>de</strong> ter sofrido nenhuma<br />

ação da censura na época da ditadura militar. O professor atribui esse fato ao<br />

48 Em entrevista à autora, por email.<br />

A <strong>de</strong>sobediência<br />

que informou o<br />

país. Página sem<br />

manchete, como<br />

or<strong>de</strong>nara o Regime<br />

Militar, mas não<br />

sem a informação.


prestígio que ele tinha junto à socieda<strong>de</strong> pernambucana e ao nível intelectual dos<br />

participantes do programa. Passo então, aqui, a reproduzir nosso breve email, penso<br />

que as discussões não foram tão aprofundadas o quanto eu <strong>de</strong>sejava.<br />

Como era produzir programas com pensamento crítico e<br />

político na tv universitária na epoca do regime militar?<br />

- Não tive qualquer dificulda<strong>de</strong> em produzir a apresentar O Gran<strong>de</strong><br />

Júri, visto que o seu tom crítico não era direcionado exclusivamente<br />

à política. Foram <strong>de</strong>batidos os temas polêmicos nos campos da<br />

filosofia, da ciência e da religião, contando com a elite intelectual do<br />

Recife, o que muito concorreu para a respeitabilida<strong>de</strong> do programa.<br />

Embora as discussões fossem calorosas, jamais se inclinaram para<br />

a agressão verbal. O respeito às idéias <strong>de</strong> cada participante,<br />

mesmo no auge da discordância, sempre foi respeitado.<br />

- A universida<strong>de</strong> estava sob a vigilância do regime?<br />

- Não tive conhecimento <strong>de</strong> qualquer ingerência do exército na<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco. Todos os reitores da época<br />

apoiaram O Gran<strong>de</strong> Júri e <strong>de</strong>les não recebi qualquer<br />

recomendação sobre a diretriz do programa.<br />

- Havia alguma censura?<br />

- Nenhuma. Jamais tive conhecimento <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> pressão<br />

militar oculta para impor disciplina ao programa.<br />

- Se não havia, a que o senhor atribui isso?<br />

- Há vários fatores. Os habituais <strong>de</strong>batedores eram pessoas <strong>de</strong><br />

alto prestígio cultural. Os eventuais participantes se comportavam<br />

com elegância no trato dos assuntos polêmicos. Sempre coor<strong>de</strong>nei<br />

o programa com serenida<strong>de</strong>, intervindo ocasionalmente quando a<br />

temperatura da polêmica começava a aumentar além do <strong>de</strong>sejável.<br />

Embora se tratasse <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> elite e uma verda<strong>de</strong>ira<br />

opção na televisão pernambucana, o Gran<strong>de</strong> Júri alcançou todas<br />

as classes sociais. Como era um programa ao vivo, contava com a<br />

gran<strong>de</strong> a participação <strong>de</strong> telespectadores através <strong>de</strong> telefonemas e<br />

cartas. Naquela época eu era Promotor <strong>de</strong> Justiça, professor<br />

universitário e escritor e, portanto, bastante conhecido nas áreas<br />

forense, universitária e literária. Talvez esses fatores e outros mais<br />

105


tenham contribuído para O Gran<strong>de</strong> Júri não sofresse qualquer tipo<br />

<strong>de</strong> censura, 49 dada a sua serieda<strong>de</strong>, respeitabilida<strong>de</strong> e<br />

popularida<strong>de</strong>.<br />

- Se havia, como o senhor fazia para driblá-la?<br />

- Prejudicada pela resposta anterior.<br />

106<br />

A tevê universitária <strong>de</strong> Recife foi criada sem <strong>de</strong>finição específica. Ela surgia em em<br />

re<strong>de</strong> aberta, como televisão educativa e <strong>de</strong> nome tevê universitária. Tinha o propósito<br />

<strong>de</strong> “ampliar os horizontes da informação, cultura e educação”. Não é <strong>de</strong> se estranhar<br />

também que neste mesmo ano, em 1968, o Governo tenha criado a AERP<br />

(Assessoria Especial <strong>de</strong> Relações Públicas), responsável pela propaganda política do<br />

Governo Militar.<br />

Não satisfeita com as respostas do professor, resolvi enviar-lhe outro email, com o<br />

intuito <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r quais eram os conteúdos que estavam nas telas da primeira tevê<br />

universitária do país. Passo, novamente a exibir o segundo email-entrevista:<br />

49 Grifos nosso.<br />

Cara Vanessa:<br />

Vamos diretamente as suas indagações.<br />

Então, gostaria que o senhor me dissesse como eram<br />

pensados os temas e por quem?<br />

Os temas eram escolhidos exclusivamente por mim. Tive plena<br />

liberda<strong>de</strong> para isso. Também aceitei assuntos sugeridos pelos<br />

telespectadores e pelos participantes do programa.<br />

De que maneira vocês <strong>de</strong>cidiam o que seria abordado e os<br />

convidados?<br />

Tudo era <strong>de</strong>cidido por mim: temas e convidados.<br />

Havia algum professor que não "<strong>de</strong>veria" ser convidado<br />

para o <strong>de</strong>bate porque estava sob vigilância do regime?<br />

Nunca qualquer dos meus convidados foi vetado pela Reitoria<br />

ou pelo regime militar. Lembro-lhe que o programa não tinha<br />

finalida<strong>de</strong> política, mas discutia temas ligados à ciência, à<br />

filosofia, à religião, às artes e assuntos variados, mas <strong>de</strong>


importância para a comunida<strong>de</strong>, como meio-ambiente,<br />

saneamento básico, discussões sobre personagens históricos,<br />

folclore, preconceito racial, turismo, educação sexual, violência<br />

urbana, planejamento familiar, reforma agrária, pena <strong>de</strong> morte,<br />

eutanásia, divórcio, uso pacífico da energia nuclear,<br />

automação, cibernética, suicídio, superstições, explosão<br />

<strong>de</strong>mográfica, saú<strong>de</strong> pública, parlamentarismo, <strong>de</strong>sertificação do<br />

Nor<strong>de</strong>ste, marxismo e capitalismo, tóxicos, <strong>de</strong>mocracia, a<br />

importância da Amazônia, a revolução francesa, a revolução <strong>de</strong><br />

3o, o cangaço, exobiologia, a evolução, as epi<strong>de</strong>mias,<br />

existencialismo, entre muitos outros.<br />

Em “O Gran<strong>de</strong> Júri” participaram personalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esquerda,<br />

como o arquiteto Arthur Lima Cavalcanti (já falecido) e o político<br />

Maurílio Ferreira Lima, conhecidos do regime militar.<br />

O senhor sabia <strong>de</strong> outros programas, se eles tinham<br />

problemas em pautar os assuntos?<br />

Como programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate “O Gran<strong>de</strong> Júri” foi o único em sua<br />

época. Não havia concorrente. Era uma opção para o<br />

telespectador, saturado <strong>de</strong> novelas, programas <strong>de</strong> auditório e<br />

outras amenida<strong>de</strong>s televisivas.<br />

Enfim, professor, eh que alguma coisa não faz sentido pra<br />

mim.<br />

Se não faz sentido para você, nada posso fazer em relação a<br />

isso<br />

Pelas respostas que me foram concedidas pelo professor Valter da Rosa Borges, o<br />

único que consegui entrevistar sobre o surgimento da primeira tevê universitária do<br />

país, percebo que havia na produção da programação <strong>de</strong>ssa tevê, muito <strong>de</strong> iniciativa<br />

pessoal do professor, muito <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> que não queria entrar em atrito com o<br />

regime militar, tanto que o tema política, é enfatizado como um tema nunca abordado<br />

e, também muito <strong>de</strong> condição privilegiada diante da universida<strong>de</strong> e do regime da<br />

época.<br />

Mas também, diante dos indícios que consegui pesquisar, não posso dizer que a tevê<br />

universitária do Recife estava sob censura, pois, como o próprio professor Borges me<br />

107


108<br />

informou, do programa “participaram personalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esquerda, conhecidas do<br />

Regime Militar”. Dentre essas, o arquiteto Arthur Lima Cavalcanti, citado pelo<br />

professor, que foi vice-prefeito <strong>de</strong> Miguel Arraes, em Recife e, posteriormente teve<br />

seu mandato <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral cassado pelo Ato Institucional nº 02. 50 .<br />

Tamanha disparida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatos, me fez atribuir muita credibilida<strong>de</strong> ao estudo da<br />

Mariana Martins, que estudou a tevê universitária do Recife, e concliu que, não<br />

obstante <strong>de</strong> a tevê universitária do Recife ter sido criada em pleno Regime Militar,<br />

essa tevê “nasceu ‘órfã’ e teve que encontrar seus próprios caminhos, pois o país,<br />

naquela época, não tinha políticas sérias <strong>de</strong> comunicação, muito menos <strong>de</strong><br />

comunicação pública.” (MARTINS, 2005, p. 41) 51<br />

Fonte: MillorTV.jpg<br />

50 Fonte: http://www.direitos.org.br/<br />

51 Op. Citada.


“Apesar <strong>de</strong> você, amanhã há <strong>de</strong> ser outro dia...”: Censura, censores, veículos<br />

109<br />

Imagino o quão difícil tenha sido essa tarefa <strong>de</strong> “encontrar seus próprios caminhos”<br />

em época <strong>de</strong> tamanho autoritarismo, sobretudo porque essa televisão foi fundada<br />

diferentemente das <strong>de</strong>mais tevês universitárias que são resultantes da Lei da TV a<br />

Cabo – Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 8.799 <strong>de</strong> 1995 – que instituiu o princípio do “Canal Básico <strong>de</strong><br />

Utilização Gratuita”, que po<strong>de</strong> ser utilizado pelas Universida<strong>de</strong>s do Município.<br />

Des<strong>de</strong> seu início até os dias <strong>de</strong> hoje, a tevê universitária <strong>de</strong> Recife foi constituída<br />

como televisão educativa em canal aberto. Com as características <strong>de</strong>sta TV só existe<br />

a TVURN (TV Universitária do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte) 52 . Entendo, porém, que não<br />

<strong>de</strong>vemos nos esquecer que a ditadura não tinha olhos exclusivos para uma tevê<br />

universitária estatal. O Regime Militar também estava ocupado o bastante com a<br />

vigilância sobre os <strong>de</strong>mais veículos <strong>de</strong> comunicação do país para <strong>de</strong>ter-se<br />

exclusivamente à essa tevê.<br />

Lendo a literatura sobre o período, entendi que até os jornais comerciais que falavam<br />

do regime, conseguiam dar um drible, vez ou outra. Diante da profusão <strong>de</strong><br />

conteúdos, falas e histórias contadas acerca dos limites e possibilida<strong>de</strong>s da mídia em<br />

um regime militar, comecei a me fazer perguntas: De que maneira po<strong>de</strong>mos pensar<br />

esse período? Quais eram as possibilida<strong>de</strong>s que estavam colocadas? Como as<br />

mídias tentavam burlar a vigilância instalada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas redações? 53<br />

Marialva Barbosa, pesquisadora e historiadora da mídia, explica que não <strong>de</strong>vemos<br />

pensar esse período dotados <strong>de</strong> um olhar que i<strong>de</strong>aliza. Tampouco, segundo nos<br />

52 Op. Citada.<br />

53 São emblemáticos os exemplos <strong>de</strong> táticas <strong>de</strong>sviacionistas, como as enten<strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau, no<br />

embate entre os produtores, intelectuais, jornalistas e professores e a censura militar. Nelson Mota,<br />

em bate papo no Teatro Carlos Gomes, <strong>de</strong>ntro do evento: TIM Escritores, contou que quando fez<br />

conjuntamente com Rita Lee, a letra “Eu sei que eu sou bonita e gostosa”, sucesso na voz das<br />

frenéticas, ficou preocupado com o conteúdo da letra, sobretudo, no final, cuja estrofe cantava “Eu<br />

vou fazer você ficar louco, muito louco, muito louco, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim”... Segundo ele, os funcionários<br />

da ditadura não <strong>de</strong>ixariam passar aquela letra. “Aí, eu numa idéia que me pegou no meio da noite,<br />

pensei....vou colocar o final no começo. E a música, no papel, vai começar ‘Dentro <strong>de</strong> mim, eu sei<br />

que eu sou, bonita e gostosa...’, aí quando a música estivesse em execução, po<strong>de</strong>ríamos cantá-la tal<br />

qual foi concebida. E eu, se precisasse justificar diria que as estrofes se emendavam, começo e fim, e<br />

sei lá mais. E não é que a música passou???”.<br />

Dados coletados do evento TIM Escritores, realizado em Vitória no dia 25/03/2008.


alerta essa autora, <strong>de</strong> um olhar conformista. O que estava em jogo naquela época<br />

eram negociações, muitas vezes <strong>de</strong>siguais, reconheço, entre aqueles que produziam<br />

informação, o lugar que estes ocupavam e as circunstâncias <strong>de</strong> uma época:<br />

110<br />

Há, portanto, i<strong>de</strong>alização na forma como se concebe a atuação da<br />

imprensa durante os períodos <strong>de</strong> exceção. Há, também, i<strong>de</strong>alização<br />

na divulgação recorrente do discurso <strong>de</strong> que a imprensa luta<br />

bravamente – <strong>de</strong> maneira indiscriminada e genérica – contra a ação<br />

da censura. Na prática, essa luta não é tão uníssona, como também<br />

se observam acomodações. Como uma empresa que procura aferir<br />

lucros e ganhos simbólicos, a imprensa se <strong>de</strong>fronta entre a<br />

construção <strong>de</strong> um discurso que a coloca em um lugar heróico e a sua<br />

própria sobrevivência no mercado jornalístico <strong>de</strong> bens simbólicos. A<br />

censura política, conduzida em momentos <strong>de</strong> autoritarismo,<br />

geralmente age <strong>de</strong> forma intermitente, mas não constante, e <strong>de</strong><br />

maneira diferenciada em relação aos veículos <strong>de</strong> comunicação<br />

(BARBOSA, 2007, p. 187)<br />

Sendo assim, e voltando à minha discussão, entendo que, apesar da censura<br />

existente naquela época e dos planos do regime militar para uma tevê <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

universida<strong>de</strong>, o que não matou essa televisão, a fez mais forte. E como bem como<br />

cantou Chico Buarque, “Apesar <strong>de</strong> você/Amanhã há <strong>de</strong> ser outro dia/Ainda pago pra<br />

ver/O jardim florescer/Qual você não queria” 54 .<br />

E o jardim, <strong>de</strong> fato, floresceu. E floresceu não exatamente como queriam aqueles que<br />

criaram a primeira televisão universitária do país. Quarenta anos se passaram e,<br />

hoje, somente contando as afiliadas à Associação Brasileira <strong>de</strong> Tevês Universitárias<br />

(ABTU), são mais <strong>de</strong> 2.500 tevês, funcionando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino.Isso<br />

sem mencionar as tevês universitárias que não são filiadas à ABTU 55 por uma série<br />

<strong>de</strong> motivos, <strong>de</strong>ntre os quais, a não organização <strong>de</strong> canais universitários e a recusa no<br />

pagamento <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são para que a filiação possa ser realizada.<br />

54 Música “Apesar <strong>de</strong> você”, ano 1970. Chico Buarque.<br />

55 Durante este ano, está sendo realizada uma pesquisa, com incentivo da ABTU, que irá mapear<br />

todas as tevês universitárias existentes no país, filiadas à esta entida<strong>de</strong>. Dados retirados do site<br />

www.abtu.org.br .


As estimativas extra-oficiais dão conta <strong>de</strong> que um número aproximado <strong>de</strong>ssas tevês<br />

po<strong>de</strong> chegar a cerca <strong>de</strong> 4.500. As tevês universitárias do Espírito Santo não são<br />

filiadas à ABTU, mas mesmo assim, seguem, há mais <strong>de</strong> uma década com suas<br />

programações e idéias no ar.<br />

Pra não dizer que não falei das flores...TVs Universitárias no Espírito Santo<br />

Imagens dos primeiros programas das tevês universitárias no Espírito Santo. Acima e do lado<br />

esquerdo, TV UFES – programas “Olhares”, “Mosaico”, “Pensamento e Prosa”. Do lado direito,<br />

programa Mídia, no início da TV FAESA.<br />

Fonte: site do canal universitário<br />

O início das tevês universitárias do Espírito Santo não foi muito diferente do início da<br />

tevê no Brasil. Marcado por negociações e dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, <strong>de</strong><br />

posicionamento das instituições <strong>de</strong> ensino superior, <strong>de</strong>ntre tantos motivos, essas<br />

tevês tiveram sua gênese nas negociações que instituíram a tevê a cabo no Brasil,<br />

uma vez que a legislação 56 que permitiu a implantação <strong>de</strong>sse serviço, exigiu que as<br />

56 Lei número 8.977, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1995. Capítulo V, artigo 23, item e. Dados obtidos no<br />

Relatório do Senado: Rádio & TV no Brasil – Diagnósticos e Perspectivas, <strong>de</strong> 1998.<br />

111


operadoras do cabo, disponibilizassem um canal exclusivo para uso compartilhado<br />

das universida<strong>de</strong>s que estivessem circunscritas à área <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços da<br />

operadora.<br />

A promulgação da lei era o motivo que faltava para que as instituições <strong>de</strong> ensino<br />

superior do Espírito Santo, que na época, já tinham cursos <strong>de</strong> Comunicação Social,<br />

<strong>de</strong>ssem partida em suas iniciativas para a implementação <strong>de</strong> suas tevês. A exemplo<br />

do que aconteceu com muitas empresas <strong>de</strong> mídia no país, os cursos <strong>de</strong>ssas<br />

instituições já tinham em funcionamento jornais laboratórios, rádios experimentais e à<br />

sua gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos só faltava uma televisão.<br />

Interessante notar que a chegada das televisões universitárias no Espírito Santo<br />

seguiu o exemplo adotado nas empresas comerciais <strong>de</strong> comunicação no Brasil. Ou<br />

seja, por acumulação <strong>de</strong> veículos. Nos casos mais emblemáticos, <strong>de</strong> Assis<br />

Chateaubriand à família Marinho, ambos já possúiam jornais. As concessões <strong>de</strong> rádio<br />

e televisão, vieram em seguida, com boas doses <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e prestígio junto ao po<strong>de</strong>r<br />

estatal, que fornecia as concessões. 57<br />

Nas instituições <strong>de</strong> ensino superior do Espírito Santo a chegada da televisão, ainda<br />

que universitária e <strong>de</strong>stinada a outros fins, também veio <strong>de</strong>pois que essas instituições<br />

já possuíam jornais laboratórios – exigência do Ministério da Educação e Cultura, é<br />

preciso dizer – e rádios experimentais, que fomentavam a produção dos alunos. Uma<br />

televisão, ainda que <strong>de</strong> caráter universitário, só viria a se somar aos <strong>de</strong>mais veículos.<br />

57 Aqui penso ser necessário fazer uma distinção sobre o que é tevê universitária, tevê educativa e<br />

tevê comercial. As tevês universitárias foram criadas pela legislação mais conhecida como Lei do<br />

Cabo (1995) e <strong>de</strong>stinam-se a divulgar os conhecimentos que são produzidos nas universida<strong>de</strong>s ou<br />

instituições <strong>de</strong> ensino às quais estão vinculadas e que as sustentam no que diz respeito a recursos.<br />

As tevês comerciais são concessões governamentais e sustentam sua programação a partir das<br />

verbas dos anunciantes. As tevês educativas, em geral são estatais. Contudo, possuem uma<br />

<strong>de</strong>finição complicada porque ao mesmo tempo em que <strong>de</strong>vem colocar no ar programações ditas<br />

educativas ou que fogem da <strong>lógica</strong> comercial, muitas vezes <strong>de</strong>stinam-se a palanques do po<strong>de</strong>r<br />

público que as sustenta, uma vez que estas não po<strong>de</strong>m receber recursos <strong>de</strong> empresas em forma <strong>de</strong><br />

anúncio. Para saber mais ver: Jornal da Unicamp em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/<br />

capturado em 05/11/2009; tvviva em http://www.educadora.ba.gov.br/tvviva/in<strong>de</strong>x.html, capturado em<br />

05/11/2009 e Fórum Nacional <strong>de</strong> Tevês Públicas em http://www.forumtvpublica.org.br/temas,<br />

capturado em 05/11/2009.<br />

112


Trata-se portanto, da <strong>lógica</strong> <strong>de</strong> operação <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> mídias e concentração<br />

<strong>de</strong> informação, mo<strong>de</strong>lo que vigora nas empresas <strong>de</strong> mídia do país, embora aqueles<br />

que tiveram a iniciativa <strong>de</strong> trazer a tevê universitária para o Estado não tenham<br />

pensado nisso. Pelo contrário, estavam movidos pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se produzir<br />

televisão <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong>, com os alunos. 58<br />

O <strong>de</strong>senho da tevê universitária no Espírito Santo iniciou-se em 1997, quando os<br />

professores Ricardo Néspoli e Dalva Ramal<strong>de</strong>s, respectivamente da FAESA e da<br />

UFES voltaram do I Fórum Brasileiro <strong>de</strong> Televisão Universitária, realizado em Caxias<br />

do Sul, com o intuito <strong>de</strong> iniciar as discussões para a implantação do Canal<br />

Universitário no Espírito Santo. Ficou sob a responsabilida<strong>de</strong> da UFES <strong>de</strong> criar o<br />

canal, uma vez que ela era a única universida<strong>de</strong> do Espírito Santo., as <strong>de</strong>mais<br />

instituições constituiam-se por faculda<strong>de</strong>s integradas (FAESA), centros<br />

universitários (UVV) e centros <strong>de</strong> formação tecno<strong>lógica</strong> (CefetES). 59<br />

Além do interesse da UFES em convidar as <strong>de</strong>mais instituições <strong>de</strong> ensino superior<br />

para participar do canal universitário, havia, também, por parte <strong>de</strong>stas, <strong>de</strong> integrarem<br />

a re<strong>de</strong> que então começava a se constituir. Para que a implantação do canal fosse<br />

possível as faculda<strong>de</strong>s envolvidas tiveram que assinar um termo <strong>de</strong> cessão <strong>de</strong> uso<br />

com a operadora da NET em Vitória, a então, ESC 90 e, inicialmente as produções<br />

<strong>de</strong>ssas tevês seriam veiculadas pelo canal 14, até que os trâmites burocráticos para<br />

a criação do canal fossem finalizados.<br />

A primeira TV Universitária do Estado a gente nunca esquece<br />

A primeira tevê universitária a ir ao ar no Espírito Santo foi a TV FAESA, na época<br />

sob o comando do professor Ricardo Néspoli. Em seu início, no ano <strong>de</strong> 1999, essa<br />

tevê veiculava sua programação a partir <strong>de</strong> um canal alugado, o canal 5 da NET. O<br />

aluguel do canal foi necessário, caso essa tevê quisesse levar sua programação ao<br />

ar. O aluguel <strong>de</strong> um espaço para a transmissão foi necessário porque os trâmites<br />

58 Refiro-me aos professores universitários Ricardo Néspoli e Dalva Ramal<strong>de</strong>s.<br />

59 Dados obtidos a partir do livro RODA VT – A Televisão Capixaba em Panorâmica, <strong>de</strong> José Antônio<br />

Martinuzzo (org.) e <strong>de</strong> entrevistas concedidas à autora.<br />

113


para a instalação do Canal Universitário andavam vagarosamente, segundo Ricardo<br />

Néspoli Coutinho e, por isso, fez-se a antecipação.<br />

A TV FAESA iniciou suas ativida<strong>de</strong>s com apenas um programa, o Universo FAESA.<br />

Tratava-se <strong>de</strong> uma revista eletrônica que veiculava matérias jornalísticas, assuntos<br />

<strong>de</strong> comportamento e quadros sobre a instituição <strong>de</strong> ensino, feito por alunos e<br />

professores. Embora o âmbito circundasse os assuntos do campus, não se tratava <strong>de</strong><br />

um programa institucional. “Eu me lembro que esse programa tinha muitas cenas<br />

externas, o que dava muito trabalho, principalmente na edição dos temas e blocos”,<br />

afirmou um professor do curso <strong>de</strong> Comunicação 60 , relembrando recentemente o início<br />

da programação <strong>de</strong>ssa tevê.<br />

O direcionamento da TV FAESA, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua fundação até hoje, foi o da gestão<br />

acadêmica, e não institucional, embora o professor que a tenha iniciado não tenha<br />

concordado com os rumos que a tevê teve <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início. “A TV FAESA tomou,<br />

na época, a posição <strong>de</strong> não ser uma tevê institucional, ou seja, <strong>de</strong> não ser<br />

administrada pela diretoria, e sim, pela parte acadêmica, o que acarretou um outro<br />

tipo <strong>de</strong> projeto” (NESPOLI, apud GOBBO e ZEN, 2006. p. 179)<br />

É necessário dizer que qualquer que seja o tipo <strong>de</strong> gestão que uma tevê universitária<br />

adote, este sempre será contestado e conflituoso porque forças <strong>de</strong> toda a or<strong>de</strong>m<br />

estarão atuando para implementar suas ações. Se essa tevê estiver vinculada à parte<br />

administrativa das instituições <strong>de</strong> ensino superior terá sua programação voltada para<br />

o caráter institucional e administrativo dos campi a que estiver submetida.<br />

Isso faria com que a programação assumisse um perfil mais oficial e experimental.<br />

Contudo, a questão das verbas que mantém essa tevê ativa, seria amenizado, uma<br />

vez que o trâmite seria mais rápido, já que ela se colocaria como um outro órgão a<br />

ser gestado e mantido <strong>de</strong>ntro das mantenedoras.<br />

Em contrapartida, as tevês que se vinculam aos cursos <strong>de</strong> comunicação social <strong>de</strong><br />

suas instituções, tem, é certo, uma programação mais arejada, solta e experimental,<br />

60 Em entrevista à autora em 05/11/2008.<br />

114


já que o curso incentiva essa postura junto aos seus alunos. Contudo, quando o<br />

assunto é compra <strong>de</strong> equipamentos, verbas para produção, produção <strong>de</strong> cenários,<br />

diárias para viagens e movimentação <strong>de</strong> equipes, tudo fica mais complicado porque a<br />

tevê têm que disputar com os cursos e <strong>de</strong>mais setores da instituição <strong>de</strong> ensino<br />

(bibliotecas, laboratórios e outros projetos <strong>de</strong> extensão) a relevância <strong>de</strong> suas<br />

<strong>de</strong>mandas.<br />

O embate po<strong>de</strong> ser notado na posição <strong>de</strong> Néspoli: “A TV FAESA ficou vinculada ao<br />

curso <strong>de</strong> Comunicação enquanto gestão. Sempre achei que ela <strong>de</strong>veria ficar<br />

vinculada à direção. Dessa forma, creio que as verbas chegariam <strong>de</strong> maneira mais<br />

fácil”, (NÉSPOLI, apud GOBBO e ZEN, 2006, p. 180). Outro tema polêmico<br />

enfrentado pelas tevês universitárias diz respeito à questão da mão <strong>de</strong> obra. Alguns<br />

empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong>ssa tevê no Espírito Santo, e esse é o caso <strong>de</strong> Néspoli, acreditam<br />

que os trabalhos não <strong>de</strong>veriam ser realizados exclusivamente por estudantes, uma<br />

vez que estes, ao apreen<strong>de</strong>rem tudo o que po<strong>de</strong>m em tevê, saem em busca <strong>de</strong><br />

outras oportunida<strong>de</strong>s.<br />

Já outros, como Rost, Soares Júnior, acreditam que esta programação <strong>de</strong>ve ser feita<br />

por alunos porque, além <strong>de</strong> ser um laboratório <strong>de</strong> experimentação complementar na<br />

formação dos estudantes, a programação feita <strong>de</strong> forma experimemental, não<br />

limitada às rígidas regras que submetem o conteúdo à forma, propicia aos estudantes<br />

experimentar novos formatos, novas idéias, novas atitu<strong>de</strong>s, sem uma noção pré-<br />

concebida do que é fazer televisão.<br />

“Talvez essa seja a última oportunida<strong>de</strong> que eles tenham <strong>de</strong> fazer um programa<br />

experimentando, antes <strong>de</strong> entrarem no mercado <strong>de</strong> trabalho”, afirma, até hoje o<br />

professor José Soares <strong>de</strong> Magalhães Júnior, que fundou a TV FAESA junto com o<br />

professor Ricardo Néspoli.<br />

Em 2009 a TV FAESA completou <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência. O Universo FAESA,<br />

programa que <strong>de</strong>u início às ativida<strong>de</strong>s nessa tevê não existe mais. Da época em que<br />

foi fundada, permanecem apenas os programas Mídia, um programa <strong>de</strong> entrevistas<br />

jornalísticas que aborda fatos um enfoque diferenciado e o NA GARAGEM, um<br />

115


programa <strong>de</strong> bandas <strong>de</strong> garagem que terminou por se esten<strong>de</strong>r a toda produção<br />

musical capixaba.<br />

Bezerra da Silva em<br />

entrevista ao Programa<br />

NA GARAGEM, TV<br />

FAESA.<br />

Foto <strong>de</strong> Arquivo.<br />

Velha Guarda do Samba Capixaba, em entrevista ao programa NA GARAGEM. Ano<br />

2008. Foto: Vanessa Maia<br />

Pelo NA GARAGEM já passaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Orquestra Filarmônica Capixaba, até<br />

bandas <strong>de</strong> hardcore, que ensaiam nas garagens das periferias da Gran<strong>de</strong> Vitória. Lá<br />

também já estiveram cantoras líricas como Elaine Rovena, cantoras pops como Kátia<br />

Rocha, trios <strong>de</strong> forrós, bandas gospel, grupos <strong>de</strong> pago<strong>de</strong>, hip-hop, <strong>de</strong>ntre outros. Até<br />

Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro e Caetano Veloso já conce<strong>de</strong>ram<br />

entrevistas para esse programa. Sendo que esse último, quando esteve em Vitória,<br />

116


só quis falar para duas tevês. A TV Educativa, do Governo do Estado e a TV FAESA,<br />

que o procurou antes e ele achou interessante uma tevê universitária querer<br />

entrevistá-lo.<br />

O núcleo <strong>de</strong> gestão da TV FAESA 61 sempre consi<strong>de</strong>rou que as produções não<br />

<strong>de</strong>veriam se restringir somente ao curso <strong>de</strong> Comunicação. Os <strong>de</strong>mais cursos da<br />

instituição foram convidados a participar da gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação. Já se pensou em<br />

um programa que seria realizado pelos alunos e professores do Direito, e, em um<br />

outro a ser produzido pelos alunos do curso <strong>de</strong> Ciências Bio<strong>lógica</strong>s e da Engenharia<br />

Ambiental, mas apesar da disposição da tevê <strong>de</strong> ter outros cursos em seu interior,<br />

essas iniciativas ainda não conseguiram ser levadas até o fim.<br />

Uma boa produção, que ficou no ar durante um bom tempo, uns quatro ou cinco<br />

anos, foi o programa SALA DE AULA, on<strong>de</strong> o professor levava a sua turma para o<br />

estúdio <strong>de</strong> televisão e dava uma aula do assunto que estava trabalhando. Esse<br />

programa era gravado e, <strong>de</strong>pois, exibido no Canal Universitário. “No programa Sala<br />

<strong>de</strong> Aula o que menos tem é o pessoal da Comunicação. É uma aula aberta, na qual<br />

o professor vem e dá aula para quarenta alunos. Po<strong>de</strong> vir um professor da Biologia e<br />

falar sobre biologia no dia-a-dia, um profissional da Terapia Ocupacional e falar sobre<br />

ética e cidadania na terapia ocupacional” (ROST, apud GOBBO e ZEN, 2006, p. 181).<br />

Mas os problemas enfrentados na produção do SALA DE AULA, a dificulda<strong>de</strong> em<br />

conseguir que um professor <strong>de</strong> outro curso enten<strong>de</strong>sse a proposta do programa, os<br />

conflitos <strong>de</strong> agenda e por último, o corte <strong>de</strong> gastos pelo qual passou a TV FAESA fez<br />

com que o programa <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> ser produzido e <strong>de</strong> ir ao ar. Foi uma perda<br />

lamentável. Isso ensinou à equipe que não bastam boas intenções. Muitos<br />

professores ainda acreditam, embora não verbalizem, que televisão não é lugar para<br />

se veicular conhecimento. No período em que esta pesquisa estava sendo finalizada,<br />

a TV FAESA era a tevê universitária que <strong>de</strong>tinha o maior número <strong>de</strong> produções<br />

61 Falo em núcleo porque, embora essa tevê sempre tivesse à frente um professor coor<strong>de</strong>nador,<br />

todas as <strong>de</strong>cisões foram tomadas em equipe com os <strong>de</strong>mais professores que participam <strong>de</strong>sse<br />

projeto. Ou seja, proposições, propostas <strong>de</strong>cisões e rumos sempre foram compartilhados e <strong>de</strong>batidos<br />

entre os professores e, é claro, com a participação da coor<strong>de</strong>nadora do curso <strong>de</strong> Comunicação.<br />

117


levadas ao ar pelo Canal Universitário do Espírito Santo. Ao todo, eram quatro<br />

produções semanais.<br />

O MÍDIA, que já expusemos anteriormente, o BITOLA, programa <strong>de</strong> cinema e ví<strong>de</strong>o,<br />

realizado a partir <strong>de</strong> produções audiovisuais dos alunos e da pesquisa <strong>de</strong> filmes<br />

sobre as temáticas abordadas nas produções dos meninos. O Jornal da FAESA, que<br />

é um telejornal com notícias dos três campi, pesquisas <strong>de</strong> professores e alunos,<br />

congressos, <strong>de</strong>bates, simpósios, <strong>de</strong>ntre outros, e o NA GARAGEM, cujo conteúdo<br />

também já foi exposto acima.<br />

Atualmente a TV FAESA lida com uma capacida<strong>de</strong>, digamos razoável para uma tevê<br />

universitária. Tem três câmeras digitais <strong>de</strong> 3 CCDs, três ilhas <strong>de</strong> edição, uma equipe<br />

com 12 estagiários (alunos), um funcionário técnico <strong>de</strong> tevê, que é ex-aluno do curso<br />

<strong>de</strong> Comunicação e, atualmente professor da instutição e três professores<br />

orientadores. Mas, em seu início, a situação foi muito difícil. A limitação da falta <strong>de</strong><br />

recursos, que havia no passado e ainda existe hoje, porém menos aguda, ainda é<br />

presente.<br />

118<br />

São as limitações que toda TV escola tem. A gente trabalha com o<br />

básico do básico. Nós não somos uma TV educativa, não somos uma<br />

TV comercial, somos uma TV universitária, por isso, trabalhamos<br />

com aquilo que é o mais básico para botar a TV no ar. Seria<br />

interessante que pelo menos, um quarto da TV fosse <strong>de</strong> funcionários,<br />

principalmente da parte técnica (ROST, apud GOBBO e ZEN, 2006,<br />

p. 181)<br />

A situação da TV FAESA, na verda<strong>de</strong>, é a menos complicada das três tevês do<br />

Espírito Santo porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início ela já contava com os estúdios <strong>de</strong> televisão,<br />

montados pelo curso <strong>de</strong> Comunicação para formar seus alunos e com toda a<br />

estrutura que acompanha esse estúdio, como ilha <strong>de</strong> controle mestre, ilhas <strong>de</strong> edicão<br />

extras, caso a situação <strong>de</strong> sua estrutura não comporte, <strong>de</strong>ntre outros aspectos. Mas<br />

há ainda quem aposte que a longevida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa tevê se <strong>de</strong>va ao fato <strong>de</strong> ela ter<br />

priorizado a produção <strong>de</strong> conhecimento com os alunos, o que não a <strong>de</strong>ixou refém <strong>de</strong>


estruturas outras e ainda a fez ter fôlego para chegar a quase <strong>de</strong>z anos ininterruptos<br />

<strong>de</strong> produção, como afirma Rost<br />

119<br />

Acho importante ressaltar que a TV FAESA é uma TV escola, é uma<br />

TV feita por alunos com orientação dos professores, que a idéia é<br />

possibilitar ao aluno <strong>de</strong> comunicação vivenciar televisão e o processo<br />

em si <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong> para que no momento em que ele sair<br />

da universida<strong>de</strong> ele tenha condições <strong>de</strong> se inserir no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho com mais firmeza, mais competência. Essa é a idéia da TV<br />

FAESA, não é ser uma TV comercial ou educativa que vai competir<br />

com as TVs comerciais e educativas que estão aí fora, que vai ser<br />

melhor, não é isso (ROST, apud GOBBO e ZEN, 2006, p. 182)<br />

No estúdio da TV FAESA, o programa Mídia <strong>de</strong>bate sobre questões éticas e científicas<br />

da utilização <strong>de</strong> células tronco. Prática <strong>de</strong> jornalismo, <strong>de</strong> entrevista, mas também <strong>de</strong><br />

ciência e tecnologia e ética.<br />

A relevância <strong>de</strong> se eleger uma televisão que possa ser produzida com e a partir dos<br />

alunos po<strong>de</strong> ser visualizada na criação da TV UVV. Levada inicialmente a produzir<br />

seus programas em uma produtora terceirizada, a TV UVV não tinha laboratórios <strong>de</strong><br />

áudio e ví<strong>de</strong>o, trabalhava a partir das horas disponibilizadas pela produtora <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o


120<br />

para a produção <strong>de</strong> seus programas e se encontrava limitada nos prazos estipulados<br />

pelo mercado <strong>de</strong> produção televisivo e a temporalida<strong>de</strong> necessária para que pu<strong>de</strong>sse<br />

produzir sua programação com os alunos.<br />

Somente em setembro <strong>de</strong> 2003, quando foram inaugurados os estúdios <strong>de</strong> televisão,<br />

é que a TV UVV passou, <strong>de</strong> fato, a produzir-se em casa. No início <strong>de</strong> sua<br />

implantação, essa tevê tinha cinco programas. O Reduto Capixaba, Debate, Passeio<br />

Musical, De Olho no Passado e Entevista da Semana, segundo a então<br />

coor<strong>de</strong>nadora da tevê na época, Tatiana Gianordolli. Atuando como professora<br />

orientadora na época, a professora Ivana Esteves Passos, ajudava os alunos com a<br />

produção dos temas, na elaboração das pautas, <strong>de</strong>ntre outras ativida<strong>de</strong>s.<br />

Ivana Esteves tem na lembrança, dois retratos da TV UVV, um quando ela começou,<br />

e ainda se chamava UNITV, a TV Re<strong>de</strong> UVV, que funcionava na produtora<br />

terceirizada. O outro, quando ela retornou aos trabalhos nessa televisão, <strong>de</strong>ssa vez<br />

como coor<strong>de</strong>nadora, quando a TV já funcionava com instalações próprias <strong>de</strong>ntro da<br />

instituição <strong>de</strong> ensino que a mantinha, o Centro Universitário <strong>de</strong> Vila Velha. Em dois<br />

momentos distintos, duas motivações bem diferenciadas.<br />

Quando retornou, Ivana conta que notou um outro tipo <strong>de</strong> disposição no ar, vindo dos<br />

alunos, que estavam ansiosos para empreen<strong>de</strong>r novos projetos. “Então, ela achou<br />

importante <strong>de</strong>ixar que os próprios estudantes os <strong>de</strong>senvolvessem. Os projetos foram<br />

apresentados ao conselho <strong>de</strong> veículos da UVV, foram aprovados e começaram a ser<br />

implementados” (GOBBO e ZEN, 2006, p. 183)<br />

Um caráter interessante, notado pela professora Ivana Esteves, foi a da profusão <strong>de</strong><br />

conhecimentos que ocorreu quando a proposta dos alunos foi encampada pela tevê.<br />

Segundo ela, a produção da TV UVV passou a ter alunos enganjados porque estes<br />

se sentiam potencializados ao entrarem em contato com um novo tipo <strong>de</strong><br />

conhecimento e dispobilizarem esse aprendizado para seus colegas. “Eles passam a<br />

pauta para os colegas e orientam. Passamos a ter multiplicadores, os alunos<br />

ensinando uns aos outros” (ESTEVES PASSOS apud GOBBO e ZEN, 2006, p. 183).


Multiplicadores: A produção <strong>de</strong> pautas e assuntos para os programas no cotidiano da<br />

TV UVV. Foto: Vanessa Maia<br />

No ano <strong>de</strong> 2006, a TV UVV, chegou a ter até sete programas: O Atitu<strong>de</strong> Saudável, o<br />

Zona Ver<strong>de</strong>, o Perfil Empreen<strong>de</strong>dor, o Papo Afiado, o Palavras na Mesa e o Sintonia<br />

UVV e o Miscelânea 62 . Atualmente só estão no ar o Sintonia UVV, que é um<br />

programa institucional, abordando os assuntos ligados à area acadêmica e dos<br />

cursos da UVV, bem como produção <strong>de</strong> alunos e professores, congressos,<br />

seminários, palestras,<strong>de</strong>ntre outros; o Miscelânea, que é um programa <strong>de</strong> abordagem<br />

cultural, que enfoca as produções das artes capixabas e o Palavras na Mesa, que é<br />

um programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> assuntos diversos.<br />

62 Mais uma vez ressalto o caráter híbrido <strong>de</strong>ssas tevês levando em consi<strong>de</strong>ração os nomes dos<br />

programas. Ou seja, ao mesmo tempo em que existe programa um programa <strong>de</strong> nome Atitu<strong>de</strong><br />

Saudável e Perfil Empreen<strong>de</strong>dor, também existem outros como o Zona Ver<strong>de</strong> e o Palavras na Mesa,<br />

compondo uma miría<strong>de</strong> complexa <strong>de</strong> programas que são veiculados nessas tevês.<br />

121


Alunos na TV UVV editando programas. Foto: Vanessa Maia<br />

Os alunos que participam das tevês UVV e FAESA ganham um <strong>de</strong>sconto na<br />

mensalida<strong>de</strong> do curso se quiserem participar da tevê universitária <strong>de</strong>ssas instituições.<br />

Em geral, eles fazem uma entrevista, e provas <strong>de</strong> seleção. Outro ponto apontado por<br />

Esteves sobre a mudança <strong>de</strong> rumo da TV UVV foi o do abandono dos padrões<br />

exclusivos do mercado 63 , para dar ênfase à experimentação.<br />

122<br />

A TV é um espaço <strong>de</strong> experimentação. Aqui os alunos vão po<strong>de</strong>r<br />

experimentar. No mercado não sabemos como vai ser. Se o aluno sai<br />

daqui com criativida<strong>de</strong>, pensando em quebrar barreiras e<br />

paradigmas, vai ser legal (ESTEVES PASSOS apud GOBBO e ZEN)<br />

63 Quando falo <strong>de</strong> padrões exclusivos do mercado televisivo, me refiro aos índices <strong>de</strong> audiência que<br />

ditam, em geral, o contexto das programações televisivas. Quase sempre as programações que se<br />

pautam tão somente por esses índices não apresentam produtos <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, se exce<strong>de</strong>m em<br />

cenas <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>z e <strong>de</strong> situações vexatórias para quem participa dos programas e ainda, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

abordar assuntos e aspectos que os programadores acreditam que não interessarão a maioria dos<br />

espectadores.


Sete anos se passaram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi criado o Canal Universitário, e até hoje a TV<br />

UFES tem dificulda<strong>de</strong>s para colocar no ar a sua programação. Um dos motivos<br />

apontados, é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m técnica. Como está sujeita à prazos <strong>de</strong> licitação e tem que<br />

concorrer com uma universida<strong>de</strong> inteira, a TV Ufes, no período <strong>de</strong>ssa pesquisa, ainda<br />

não tinha conseguido, <strong>de</strong> fato, implementar sua programação.<br />

Outro problema enfrentado pela TV UFES diz respeito à sua gestão. Inicialmente, ela<br />

funcionou junto à Secretaria <strong>de</strong> Comunicação da UFES, que por sua vez, era ligada à<br />

Reitoria. Depois, no que diz respeito à sua localização. Essa tevê começou sua<br />

diáspora pelo campus <strong>de</strong> Goiabeiras. Chegou a funcionar em uma sala do Centro <strong>de</strong><br />

Vivência, posteriormente, teve que sair <strong>de</strong> lá, para dar lugar ao Credufes, passou a<br />

ocupar um sala menor, ainda no Centro <strong>de</strong> Vivência e, finalmente, voltou para a<br />

Secretaria <strong>de</strong> Comunicação.<br />

Com as gravações não era diferente. Como não possuia estúdio próprio, que só ficou<br />

pronto no ano <strong>de</strong> 2009, gravava seus programas com o auxílio do LAUFES,<br />

localizado no Centro Pedagógico, <strong>de</strong>pois gravou no Senai. Enfim, é uma tevê<br />

universitária que enfrenta muitos problemas <strong>de</strong> gestão, técnicos e <strong>de</strong> inserção para<br />

colocar sua programação no ar.<br />

O Super V foi o primeiro programa da TV UFES. Constistia em uma revista eletrônica<br />

que era pensada conjuntamente pela professora Dalva Ramal<strong>de</strong>s, do curso <strong>de</strong><br />

Comunicação, pela professora Telma Juliano Valente, do curso <strong>de</strong> Desenho Industrial<br />

e pelo professor do curso <strong>de</strong> Comunicação, Cléber Carminati. O Super V era<br />

composto <strong>de</strong> entrevistas, agenda e ví<strong>de</strong>o. Todo o programa girava em torno <strong>de</strong> um<br />

assunto específico para aquela edição e os <strong>de</strong>mais quadros, seguiam a temática<br />

abordada.<br />

O Super V não existe mais. Em seu lugar entrou o programa Pensamento e Prosa,<br />

que é um programa <strong>de</strong> entrevistas que aborda os mais variados temas que estão<br />

sendo pesquisados e/ou <strong>de</strong>batidos <strong>de</strong>ntro da Universida<strong>de</strong>. Esse programa foi<br />

apresentado durante muito tempo pela professora do curso <strong>de</strong> Comunicação Dalva<br />

Ramal<strong>de</strong>s e até recentemente estava no ar.<br />

123


Programa Pensamento e Prosa, da TV UFES, com a<br />

apresentação da professora Dalva Ramal<strong>de</strong>s e ...<br />

... sob a apresentação <strong>de</strong> uma aluna.<br />

Em <strong>de</strong>poimento ao livro Roda VT!, o professor do curso <strong>de</strong> Comunicação e um dos<br />

professores que atuava na TV Ufes, Cléber Carminati disse que houve já uma<br />

discussão sobre os modos <strong>de</strong> colocar a TV UFES no ar com tantas dificulda<strong>de</strong>s, que<br />

se acumulam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> sua programação.<br />

124<br />

“Ou a gente esperava condições técnicas para fazer a coisa funcionar<br />

ou enfiava a cara para fazer a coisa acontecer. A Ufes não podia ficar<br />

somente tomando conta do canal, tinha que produzir. A gente optou<br />

pela segunda alternativa e eu acho que foi o caminho certo, mas creio


125<br />

que <strong>de</strong>vemos pressionar para fazer uma tevê melhor”, (CARMINATI<br />

apud GOBBO e ZEN, 2006, p. 174)<br />

Dois anos se passaram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o professor Cleber Carminati lamentou os<br />

problemas da TV UFES e, até hoje essa tevê ainda enfrenta os mesmos problemas.<br />

Se mantém com apenas dois programas no ar, o Pensamento e Prosa e o Olhares,<br />

que se <strong>de</strong>stina a veicular a produção audiovisual que é realizada <strong>de</strong>ntro da<br />

Universida<strong>de</strong>, em geral pelos alunos <strong>de</strong> Comunicação e do Centro <strong>de</strong> Artes e<br />

reapresenta muitas reprises, um indicativo que não há produção <strong>de</strong> novas edições .<br />

Uma saída encontrada nos últimos tempos pela TV UFES é a <strong>de</strong> retransmitir<br />

programas <strong>de</strong> outras universida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais que possuem em suas gra<strong>de</strong>s, TVs<br />

Universitárias.<br />

O tempo passa, mas pelo visto, os problemas da TV UFES em colocar no ar uma<br />

gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação na qual participem professores e alunos ainda é um <strong>de</strong>safio.<br />

Prova disso é que mais <strong>de</strong> dois anos separam as <strong>de</strong>clarações do professor Cleber<br />

Carminati, no livro RODA VT!, e as postagens do blog do Centro Acadêmico do<br />

Curso <strong>de</strong> Comunicação da Ufes. Separados pelo tempo, os <strong>de</strong>poimentos estão<br />

unidos pelas angústias. Reproduzimos agora o post, datado <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008:<br />

Veículos Universitários<br />

O que fazer com as quatro<br />

novas ilhas <strong>de</strong> edição? Essa<br />

era uma das discussão dos<br />

professores em reunião <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>partamento. O natural seria<br />

que elas, ou parte <strong>de</strong>las,<br />

fossem para a TV UFES, mas<br />

a sugestão dos docentes<br />

presentes foi que os novos<br />

equipamentos fossem<br />

<strong>de</strong>stinados aos grupos <strong>de</strong><br />

extensão, que na opinião da<br />

maioria <strong>de</strong>les, são os<br />

verda<strong>de</strong>iros produtores <strong>de</strong>


64 Grifos Nossos<br />

conteúdo audiovisual no curso<br />

<strong>de</strong> comunicação, já que a TV<br />

Ufes não funciona.<br />

A TV Ufes não funciona,isso é<br />

fato. Mas ela precisa funcionar,<br />

e isso é consenso. Se<br />

vinculada ao <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong><br />

comunicação ou a pró-reitoria<br />

<strong>de</strong> extensão, aí são outras<br />

questões que <strong>de</strong>vem ser<br />

pensadas junto com os<br />

alunos. 64<br />

Nesse contexto, surgiu o Grupo<br />

<strong>de</strong> Discussão <strong>de</strong> Veículos<br />

Universitários. O grupo<br />

preten<strong>de</strong> acompanhar as<br />

discussões sobre rádio e TV<br />

universitária. Nessa quarta, dia<br />

30, as 10h no cemuni V, como<br />

<strong>de</strong> costume, acontece a<br />

reunião que abre a série<br />

Veículos Universitários.<br />

A reunião é aberta e os<br />

interessados em participar da<br />

discussão também po<strong>de</strong>m<br />

entrar na lista do grupo,<br />

mandando um e-mail para:<br />

gdveiculosuniversitarios@gmail<br />

.com<br />

126


Que a TV UFES não funcione a contento, como querem alunos e estudantes, isso é<br />

fato. Mas essa tevê já funcionou, <strong>de</strong> maneira mais efetiva, já exibiu documentários<br />

feitos pelos alunos <strong>de</strong>ntro das disciplinas, já exibiu comerciais com temáticas<br />

contemporâneas, como problemas alimentares, questões raciais e assuntos<br />

ambientais. Já exibiu boas e necessárias matérias jornalísticas e, foi inclusive, alvo<br />

<strong>de</strong> censura <strong>de</strong>ntro da própria universida<strong>de</strong>.<br />

A censura ocorreu por causa <strong>de</strong> uma matéria sobre o boicote ao provão, que <strong>de</strong>veria<br />

ser exibida pelo programa Super V, o primeiro programa <strong>de</strong>ssa tevê. Na verda<strong>de</strong>,<br />

segundo história contata no livro RODA VT! a matéria teria sido retirada do ar, a<br />

mando do então reitor, José Weber Macedo.<br />

127<br />

O reitor achou que a matéria estimulava o boicote. Eu vi a<br />

reportagem, não tinha nada <strong>de</strong> ten<strong>de</strong>ncioso e, inclusive, passou pelo<br />

crivo da professora <strong>de</strong> telecinejornalismo, que na época era Rose<br />

Duarte, O Weber se achou melhor e mandou tirar do ar. Eu fiquei<br />

muito indignado, foi algo que veio <strong>de</strong> cima para baixo. Tem que ter<br />

um conselho <strong>de</strong> programação e uma autonomia para exercer<br />

jornalismo, pois uma coisa é fazer ví<strong>de</strong>os e documentários, outra<br />

coisa é fazer jornalismo, pois lida com questões polêmicas e tem que<br />

ouvir várias opiniões. Por isso, tem que ter uma linha editorial que<br />

preze a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão (CARMINATI apud GOBBO e ZEN,<br />

2006, p. 176/175)<br />

Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão talvez ainda seja um território contestado que as tevês<br />

universitárias terão que lutar muito para conseguirem ocupar. A tão falada e pouco<br />

praticada liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão é um assunto polêmico na Comunicação. Tão<br />

<strong>de</strong>fendida nas palestras, seminários e simpósios e tão inatingível quando estes<br />

profissionais voltam para suas instâncias <strong>de</strong> trabalho, on<strong>de</strong> figura também, a cultura<br />

organizacional do lugar. Não importa a instância comunicacional e profissional que se<br />

atue.<br />

A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão tal como mito é impossível <strong>de</strong> se alcançar. Sempre<br />

existirão outras regras, outras condutas, outras práticas. Não que não se lute contra<br />

isso. Mas a falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão é concreta, embora negada. Todos os


128<br />

profissionais dos veículos <strong>de</strong> comunicação se <strong>de</strong>param com isso, embora, em muitos<br />

momentos não se contentem e burlem isso e instituiam outras negociações no jogo.<br />

Em geral existe liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão quando o assunto é falar do outro, da outra<br />

instância, do outro lado. Mas quando o assunto fere interesses da própria instituição<br />

on<strong>de</strong> se produz e divulga a notícia, ou <strong>de</strong> uma cultura organizacional <strong>de</strong> uma<br />

instância qualquer, o assunto está sempre cercado <strong>de</strong> muito mistério, quando não <strong>de</strong><br />

censura.<br />

Interessante notar que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantas voltas e andanças esse texto sobre as tevês<br />

universitárias no Espírito Santo chega ao mesmo ponto em que me <strong>de</strong>parei com a<br />

tevê univesitária <strong>de</strong> Recife. A questão da censura. Naquela época, a censura do<br />

Regime Militar. Hoje, a censura <strong>de</strong> quem tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinar verbas, cargos e<br />

salários. Mas e os alunos? Ah, os alunos se movimentam. Porque, no fundo, eles<br />

sabem, como os estudantes do maio <strong>de</strong> 68, que "a felicida<strong>de</strong> vale o preço <strong>de</strong> uma<br />

revolta”.


Uma manifestação em três atos pela finalização das obras do prédio para produções<br />

audiovisuais na Ufes. Preparativos dos cartazes, alunos em passeata, rumo à Reitoria da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo. O reitor José Rubens Rasselli assinando, do próprio<br />

punho, um termo <strong>de</strong> compromisso com o término do prédio.<br />

Fotos: blog-nossobob.wordpress.com<br />

129


Exercícios <strong>de</strong> dizer: modos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s que<br />

agenciaram nosso saber<br />

Foto tirada em frente ao prédio do Cemuni V da UFES, on<strong>de</strong> funciona o<br />

Departamento <strong>de</strong> Comunicação. Foto: Vanessa Maia. Abril 2008.<br />

Sinopse da Programação: Neste capítulo discutirei como foram constituídos<br />

historicamente os conhecimentos científicos que temos, ou seja, <strong>de</strong> como<br />

conhecemos o que conhecemos, a partir <strong>de</strong> uma <strong>pixel</strong>ização entre vários autores,<br />

<strong>de</strong>ntre esses, Certeau e Foucault. Tentarei focalizar também como a produção<br />

<strong>de</strong>sses conhecimentos não produziu só saberes, mas também “verda<strong>de</strong>s”. Por<br />

último, irei discorrer sobre a produção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s sobre a tevê, que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> da<br />

maldição: “Meu ódio será a tua herança”, dos frankfurtianos e se abriga no afago <strong>de</strong><br />

Jesús Martin-Barbero que diz que “a televisão pa<strong>de</strong>ce sob o ‘mau olhado’ dos<br />

intelectuais”.<br />

130


O<br />

que seria uma ciência? O que seria uma obra? O que seria uma teoria? O que<br />

seria um conceito? 65 Por que algumas noções acerca <strong>de</strong> ciências, obras,<br />

teorias e conceitos fazem sentido em <strong>de</strong>terminadas épocas, configurando saberes e<br />

pressupostos acerca do que preten<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r? Como são constituídos os<br />

conhecimentos que temos acerca das coisas? O que conhecemos sobre a televisão?<br />

Quais seriam seus pressupostos? Modos <strong>de</strong> funcionamento e usos? Estratégias<br />

utilizadas e táticas empreendidas a respeito <strong>de</strong>sse meio?<br />

Para que possamos falar dos conhecimentos e das muitas “verda<strong>de</strong>s” produzidas<br />

sobre a televisão, achei necessário fazer um flashback 66 para enten<strong>de</strong>rmos como a<br />

ciência conheceu o que conheceu para <strong>de</strong>pois entrar na discussão própria do<br />

conhecimento que foi produzido sobre a televisão. Sendo assim, creio ser<br />

necessário trazer uma fundamental contribuição <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau para um<br />

melhor entendimento dos modos <strong>de</strong> conhecer. Atentemos para o que ele disse:<br />

Há três quartos <strong>de</strong> século, o <strong>de</strong>senvolvimento das ciências<br />

humanas praticamente i<strong>de</strong>ntifica-se com a exumação das<br />

coerências e dos contratos que formam a estrutura da vida social,<br />

coletiva ou individual. A ciência, aliás, não fazia mais do que seguir<br />

e tornar manifesto o movimento das nossas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais.<br />

Mas ao construir os vastos quadros <strong>de</strong>stes sincronismos, <strong>de</strong>ixava<br />

<strong>de</strong> lado as ações que os cortam. Seja como for, somos atualmente<br />

ricos em conhecimentos e em métodos no que concerne às<br />

estruturas, e bastante pobres quando se trata <strong>de</strong> analisar ações,<br />

transformações, em suma, o movimento. (CERTEAU, 1995, p. 249,<br />

250)<br />

Não tenho como não juntar a esse texto a uma história ídiche 67 que li há pouco<br />

tempo. Conta esta lenda judaica que<br />

65<br />

Perguntas tomadas por empréstimo <strong>de</strong> Michel Foucault em Arqueologia do Saber, Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Forense Universitária, 1997.<br />

66<br />

Por flashback enten<strong>de</strong>mos qualquer imagem que se refere a uma época anterior à da narrativa in<br />

Barbosa & Rabaça, Carlos Alberto e Gustavo. Dicionário <strong>de</strong> Comunicação, São Paulo, Átíca, 1987.<br />

67<br />

Retirada do livro Ídiche Kop ou O segredo judaico <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas. Nilton Bon<strong>de</strong>r. 2<br />

edição.Rio <strong>de</strong> Janeiro. Imago Editora, 1995.<br />

131


132<br />

um caçador embrenhou-se na floresta e <strong>de</strong>parou-se com alvos<br />

<strong>de</strong>senhados em árvores. Chamou-lhe atenção o fato <strong>de</strong> que todas as<br />

flechas lançadas sobre os alvos estavam cravadas exatamente ‘na<br />

mosca’. Sua curiosida<strong>de</strong> em conhecer tão impecável arqueiro fez<br />

com que o buscasse por todos os cantos. Após longa procura,<br />

i<strong>de</strong>ntificou o autor dos lançamentos e quis inquiri-lo sobre suas<br />

proezas:<br />

- Qual é o segredo para uma pontaria tão acurada? Como é possível<br />

tamanha perfeição num arqueiro? – É muito simples, respon<strong>de</strong>u o<br />

arqueiro. Primeiro lanço minhas flechas e só <strong>de</strong>pois é que pinto o<br />

alvo! (BONDER, 1995, p.102).<br />

A história judaica foi trazida para este texto, não para que se façam juízos <strong>de</strong> valor,<br />

ou consi<strong>de</strong>rações sobre perspectivas morais. Trago-a como mais um recorte dos<br />

muitos paradigmas que se apresentam na elaboração dos conhecimentos e nas<br />

muitas perspectivas que fundam modos <strong>de</strong> saber e <strong>de</strong> conhecer. O contraste <strong>de</strong>ssa<br />

história com o que ensina Certeau, é flagrante.<br />

Ao caçador do texto <strong>de</strong> origem judaica não interessava o trajeto, os movimentos e os<br />

<strong>de</strong>svios do arqueiro em sua prática <strong>de</strong> pontaria. Interessava-lhe apenas como este<br />

tinha atingido o alvo. Já para Certeau, mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> ciência e <strong>de</strong> conhecimento que<br />

ensinam o “como” atingir o alvo, temos bastante. O que interessa a ele, ou seja, o<br />

que realmente nos falta, segundo este autor, é o exercício <strong>de</strong> olhar o movimento, as<br />

transformações, não os resultados.<br />

Impressiona-me a semelhança do diálogo do texto judaico com um outro texto<br />

trazido por Najmanovich (2003) on<strong>de</strong> a autora narra as estratégias <strong>de</strong> Descartes<br />

para chegar a um conhecimento que tivesse uma valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “razão pura”, livre das<br />

<strong>de</strong>mais influências sociais e históricas <strong>de</strong> sua época, capaz <strong>de</strong> mudar radicalmente<br />

toda a forma <strong>de</strong> conceber o mundo e a nós <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le.<br />

Lançando mão dos ensinamentos <strong>de</strong> Alexandre Koyré (1997) que afirma que<br />

“nenhuma ciência começa com um tratado <strong>de</strong> método, nem progri<strong>de</strong> graças a um<br />

conjunto <strong>de</strong> regras elaboradas <strong>de</strong> maneira completamente abstratas”, Najmanovich


nos mostra que o movimento <strong>de</strong> Descartes e todo um grupo <strong>de</strong> pensadores que o<br />

suce<strong>de</strong>ram, instituindo a ciência mo<strong>de</strong>rna, foi justamente o contrário.<br />

Descartes, segundo Najmanovich, escreveu o Discurso do Método “<strong>de</strong>pois dos<br />

ensaios científicos, a partir dos quais constituiu o prefácio e não o contrário, como é<br />

<strong>de</strong> se esperar. Não obstante, o autor nos <strong>de</strong>ixa crer que se trata <strong>de</strong> uma reflexão<br />

fundante, anterior e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.” (NAJMANOVICH, 2003, p. 29).<br />

Nessa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> afabulação 68 , conforme ressalta a autora, os seguidores do método<br />

costumavam (e alguns ainda costumam) acreditar que o caminho preexiste como um<br />

à priori, como algo que já dotado <strong>de</strong> um parâmetro <strong>de</strong> conduta, possa ser seguido<br />

passo a passo, letra a letra.<br />

Desta maneira, segundo a autora, o caminho (significado etimológico da palavra<br />

método) i<strong>de</strong>alizado <strong>de</strong> Descartes<br />

elimina a história viva do pensamento e com ela, as dificulda<strong>de</strong>s, os<br />

erros, as confusões e vias mortas, para apresentar-nos um traçado<br />

direto, sem ro<strong>de</strong>ios, que nos conduz em linha reta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

ignorância ao saber guiados somente pelas suas normas. Para<br />

isso, é essencial antepor o método à própria investigação, abstraí-<br />

lo do terreno lamacento do pensamento fincado na complexida<strong>de</strong> e<br />

enraizado no mundo problemático, para levá-lo às alturas celestiais<br />

da pureza (NAJMANOVICH, 2003, p. 29,30)<br />

Ou seja, Descartes, à exemplo do arqueiro que não queria expor suas falhas <strong>de</strong><br />

pontaria, <strong>de</strong> mira, ou <strong>de</strong> certezas, como quiserem, “preten<strong>de</strong>u criar um caminho que<br />

permitisse chegar ao conhecimento sem tropeçar no erro, nem per<strong>de</strong>r-se na<br />

confusão, sem sujar-se na lama da perplexida<strong>de</strong>”, como enfatizou a autora<br />

(NAJMANOVICH, 2003, p. 30).<br />

68 A autora chama <strong>de</strong> afabulação é uma forma, maneira <strong>de</strong> narrar os processos cognitivos que, longe<br />

<strong>de</strong> ser uma verda<strong>de</strong> incontestável, é só uma entre outras muitas formas <strong>de</strong> pensar-narrar as origens<br />

da razão. (Najmanovich, 2003, p. 28)<br />

133


Talvez não seja à toa, ou por coincidência, que as palavras Descartes e “<strong>de</strong>scartar”,<br />

tenham radicais léxicos e sentidos muito próximos: lançar fora, retirar, julgar<br />

<strong>de</strong>snecessário, ou como nos ensina o dicionário da língua portuguesa Houaiss<br />

“livrar-se <strong>de</strong> alguém ou <strong>de</strong> alguma coisa”, mesmo que seja livrar-se dos percursos,<br />

entraves, encontros, <strong>de</strong>sencontros e dificulda<strong>de</strong>s que foram constituintes <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong> conhecer.<br />

É justamente por meio <strong>de</strong>sta operação <strong>de</strong> “livrar-se <strong>de</strong> alguma coisa” que opera o<br />

modo <strong>de</strong> conhecer da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, conforme nos fala Najmanovich em uma das<br />

notas <strong>de</strong> rodapé <strong>de</strong> seu texto: “A educação mo<strong>de</strong>rna consiste fundamentalmente<br />

nessa operação <strong>de</strong> limpeza, <strong>de</strong> simplificação e reescritura, que suplanta a história<br />

viva por uma história <strong>de</strong>spojada e inerte” (2002, p. 31, nota 03).<br />

O conhecimento que foi produzido pelo Oci<strong>de</strong>nte, sobretudo entre os séculos XV e<br />

XVIII, não foram conhecimentos isentos <strong>de</strong> intenções, muito embora essa ciência<br />

que o produziu nem sempre tenha admitido essa condição. A inconveniência <strong>de</strong>sse<br />

método <strong>de</strong> conhecer e, ao mesmo tempo, a condição <strong>de</strong> seu sucesso, foi, como<br />

afirmou Certeau, a <strong>de</strong><br />

134<br />

extrair os documentos <strong>de</strong> seu contexto ‘histórico’ e eliminar<br />

‘operações’ dos locutores em circunstâncias particulares <strong>de</strong> tempo,<br />

lugar e competição. É necessário (para o tipo <strong>de</strong> método que<br />

trabalha com um a priori) que se apaguem práticas lingüísticas<br />

cotidianas, para que as práticas científicas sejam exercidas no seu<br />

campo próprio (CERTEAU, 1994, p.81) .<br />

Compondo essa <strong>pixel</strong>ização <strong>de</strong> estudos sobre os conhecimentos produzidos no<br />

Oci<strong>de</strong>nte, Foucault (2002) ressalta que o saber da cultura oci<strong>de</strong>ntal foi basicamente<br />

alicerçado sobre o pressuposto da semelhança. Foi a semelhança, segundo esse<br />

autor, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou a interpretação dos textos, elucidou os símbolos, permitindo<br />

ao homem uma compreensão do que era ou não possível ver.<br />

A semelhança, <strong>de</strong> acordo com Foucault, levou-nos a conhecer a partir <strong>de</strong> uma<br />

representação <strong>de</strong> questões, coisas e artefatos que eram ou não semelhantes entre


si. “E a representação – fosse ela festa ou saber – se dava como repetição: teatro da<br />

vida ou espelho do mundo, tal era o título <strong>de</strong> toda linguagem, sua maneira <strong>de</strong><br />

anunciar-se e <strong>de</strong> formular seu direito <strong>de</strong> falar” (FOUCAULT, 2002, p. 23)<br />

Segundo Foucault as coisas que se aproximam umas das outras, são convenientes<br />

para o processo <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> uma ciência que tinha a intenção <strong>de</strong> promover<br />

um conhecimento <strong>de</strong> um vasto mundo. Essa operação <strong>de</strong> conhecimento pertence,<br />

<strong>de</strong> acordo com o autor, muito mais ao mundo em que se processava um<br />

<strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> conhecimento, a um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> que era<br />

constituída na época, muito mais do que as coisas propriamente ditas, que eram<br />

conhecidas.<br />

Assim, explica Foucault, é “pelo enca<strong>de</strong>amento da semelhança e do espaço, pela<br />

força <strong>de</strong>ssa conveniência que avizinha o semelhante e assimila os próximos que o<br />

mundo constitui ca<strong>de</strong>ia consigo mesmo” (FOUCAULT, 2002, p. 26)<br />

E o que não era possível <strong>de</strong> ser conhecido pela semelhança se apresentava aos<br />

olhos daqueles que buscavam conhecer pelo primado da analogia, um “velho<br />

conceito familiar já à ciência grega e ao pensamento medieval” (FOUCAULT, 2002,<br />

p.29). Conhecer por analogia assegurava um conhecimento por ajustamentos <strong>de</strong><br />

conjuntura. O po<strong>de</strong>r da analogia, segundo Foucault, é imenso porque executa<br />

proximida<strong>de</strong>s que não são visíveis, mas que po<strong>de</strong>m tornar-se próximas a partir <strong>de</strong><br />

inúmeros métodos e procedimentos forjados <strong>de</strong> parentescos. Assim, segundo<br />

Foucault,<br />

69 Grifo nosso<br />

135<br />

a relação, por exemplo, dos astros com o céu on<strong>de</strong> cintilam,<br />

reencontra-se igualmente 69 : na da erva com a terra, dos seres vivos<br />

com o globo on<strong>de</strong> habitam, dos minerais e dos diamantes com as<br />

rochas on<strong>de</strong> se enterram, dos órgãos dos sentidos com os rostos<br />

que animam, das manchas da pele com o corpo que elas marcam<br />

secretamente (FOUCAULT, 2002, p. 29).


A polivalência do conhecimento feito por analogia confere a este método <strong>de</strong><br />

conhecer um campo imenso <strong>de</strong> aplicação. Pela analogia, todas as figuras e objetos<br />

<strong>de</strong> conhecimento do mundo po<strong>de</strong>m ser aproximados. Sendo assim, conhecendo por<br />

semelhança e por analogia, apren<strong>de</strong>mos a conhecer por acumulação e, em um ato<br />

contínuo <strong>de</strong> conhecimento e vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer, apren<strong>de</strong>mos a percorrer um<br />

mundo inteiro para que a mais duvidosa das analogias ou semelhanças seja<br />

fundamentada e apareça como correta.<br />

Para Foucault, este é pois “um saber que po<strong>de</strong>rá, que <strong>de</strong>verá, proce<strong>de</strong>r por um<br />

acúmulo infinito <strong>de</strong> confirmações, requerendo-se umas às outras. É por isso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

suas fundações, que este saber será movediço.”(FOUCAULT, 2002, p. 42)<br />

Esse modo <strong>de</strong> conhecer, sujeito às confirmações, fará da ciência, uma instância<br />

problemática porque a narrativa <strong>de</strong>sse saber será “reduzida a esquemas-tipos, (...)<br />

apenas abordagens cujo primeiro papel é <strong>de</strong>finir um objetivo e, por meio <strong>de</strong>le, um<br />

objeto a ser inventado (CERTEAU, 1995, p. 79)<br />

É nesse saber acumulado, confirmado e requerendo outros saberes a guisa <strong>de</strong> sua<br />

confirmação que a ciência e os que se <strong>de</strong>stinaram a conhecer no mundo oci<strong>de</strong>ntal<br />

se <strong>de</strong>dicaram a escrever uma história “verda<strong>de</strong>ira” 70 . Surge assim, então uma or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> conhecer por semelhanças e analogias, que empreendiam uma adição e uma<br />

classificação. Foucault cita Buffon 71 para exemplificar a metodologia da produção <strong>de</strong><br />

um tipo <strong>de</strong> conhecimento.<br />

“O método <strong>de</strong> investigação se exercerá sobre a forma, sobre a gran<strong>de</strong>za, sobre as<br />

diferentes partes, sobre seu número, sobre sua posição, sobre a substância mesma<br />

da coisa” (FOUCAULT, 2002, p.186). Mas o que os números po<strong>de</strong>m nos ensinar<br />

sobre as singularida<strong>de</strong>s da vida e <strong>de</strong> seus movimentos? Os números, é claro,<br />

po<strong>de</strong>m nos dar pistas, os números po<strong>de</strong>m nos <strong>de</strong>spertar curiosida<strong>de</strong>s sobre os<br />

assuntos, quantificar as mais diferentes situações, mas os números não explicam a<br />

70 Grifo do autor (p. 181)<br />

71 Buffon. Manière <strong>de</strong> traiter l`hitorie naturelle. In: Oeuvres competes, t. I, p.21 apud Foucault, 2002, p.<br />

186.<br />

136


vida 72 , como diz Certeau, pois as estatísticas e as somas acerca do mundo e da<br />

vida são sempre produzidas por alguém em um <strong>de</strong>terminado contexto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma dada possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Em muitos casos os números são gerados a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong> uma escolha.<br />

São resultantes <strong>de</strong> um dado consi<strong>de</strong>rado relevante, um dado <strong>de</strong>clarado. Esses<br />

procedimentos muitas vezes iniciam estatísticas capazes <strong>de</strong> possibilitar um<br />

entendimento acerca do mundo em que vivemos e das coisas que conhecemos.<br />

Mas as estatísticas não explicam muitas coisas. Certeau nos alerta para o fato <strong>de</strong> a<br />

estatística só encontrar o homogêneo, <strong>de</strong> “se contenta(r) em classificar, calcular e<br />

tabular (...) e <strong>de</strong>ixa (r) fora <strong>de</strong> seu campo a proliferação das histórias e operações<br />

heterogêneas que compõem os patchworks do cotidiano” (CERTEAU, 1994, p. 46).<br />

Os números não captam as “astúcias”, as “maneiras <strong>de</strong> fazer”, as “simulações<br />

polimorfas”, os “achados” 73 , <strong>de</strong> acordo com Certeau. Foucault por sua vez, enfatiza<br />

que “por trás da história <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada dos governos, das guerras e da fome,<br />

<strong>de</strong>senham-se histórias quase imóveis ao olhar” (FOUCAULT, 1997, p. 03) que, é<br />

claro, não seriam captadas pelos números.<br />

A gênese <strong>de</strong> um conceito, para Foucault, não seria a <strong>de</strong> uma racionalida<strong>de</strong><br />

continuamente crescente, operada por e através <strong>de</strong> uma soma capaz <strong>de</strong> lhe atribuir<br />

72 O cineasta Jorge Furtado, que esteve na Faesa em agosto <strong>de</strong> 2007, a convite do Festival REC –<br />

mostra <strong>de</strong> filmes universitários - <strong>de</strong>clarou: “O cotidiano está cheio <strong>de</strong> histórias, das melhores histórias.<br />

Toda vida dá um filme. Deve-se prestar atenção em como as pessoas falam. A maior fonte <strong>de</strong> criação<br />

é o cotidiano. Eu tenho um filme que se chama ‘Essa não é a sua vida’, um curta feito no cotidiano. É<br />

um documentário sobre a vida <strong>de</strong> uma mulher. A vida <strong>de</strong>la é incrível, como a vida <strong>de</strong> qualquer<br />

pessoa”. Entrevista dada à autora em 31/08/2007. No filme <strong>de</strong> Furtado, enumeram-se listas <strong>de</strong><br />

estatísticas diversas, números do censo, contagem <strong>de</strong> crianças que nascem, números <strong>de</strong> contas e<br />

números populacionais. Contudo, o roteiro <strong>de</strong> Jorge Furtado é enfático. “números não namoram,<br />

números não pagam contas....essa não é a sua vida”. Em suma, a vida é maior do que qualquer<br />

tentativa <strong>de</strong> quantificação.<br />

73 Modos <strong>de</strong> usar e <strong>de</strong> praticar um lugar <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> próprio – um lugar on<strong>de</strong> se exercem<br />

estratégias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r – por aqueles que estão nesse lugar. São usos das “táticas” entendidas aqui por<br />

Certeau como um cálculo que não se po<strong>de</strong> contabilizar, uma modalida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> não se consegue<br />

distinguir o outro para que essa tática seja imediatamente aprisionada. A tática sonda, esgueira-se ,<br />

joga com o que ocorre para transformar essa ocorrência em ocasião. “Muitas práticas cotidianas<br />

(falar, ler, circular, fazer compras ou preparar refeições) são do tipo tática”, segundo Certeau. (op.<br />

Citada, p, 47)<br />

137


um valor mais verda<strong>de</strong>iro. Antes, a formação <strong>de</strong> um conceito, <strong>de</strong> um saber sobre<br />

algo, <strong>de</strong>veria ser no entendimento <strong>de</strong>sse autor, a história <strong>de</strong> seus variados “campos<br />

<strong>de</strong> constituição e <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong> suas regras sucessivas <strong>de</strong> uso, a dos meios<br />

teóricos múltiplos em que foi realizada e concluída sua elaboração” (FOUCAULT,<br />

1997, p. 05).<br />

A questão primordial, para Foucault, no processo <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> nossos saberes,<br />

seria a <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectarmos “não mais o fundamento que se perpetua, e sim as<br />

transformações que valem como fundação e renovação dos fundamentos”<br />

(FOUCAULT, 1997, p. 06). 74 Seria pru<strong>de</strong>nte, portanto, que no processo <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> nossos saberes, atentássemos para uma produção, uma poética escondida,<br />

dispersa, astuciosa, que “se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível”<br />

(1994, p.39). A atenção dada às ativida<strong>de</strong>s astuciosas, poéticas e nem sempre, à<br />

uma primeira vista, visíveis, evitaria, que constituíssemos nossos saberes a partir <strong>de</strong><br />

“um corpo social <strong>de</strong> objetos inertes” (CERTEAU, 1995, p.82).<br />

Constituir saber sobre alguma coisa, algum lugar ou alguém, também é constituir<br />

po<strong>de</strong>res sobre essa coisa, esse lugar e esse alguém. Para Foucault, o po<strong>de</strong>r é<br />

capaz <strong>de</strong> produzir ; <strong>de</strong> produzir o real, <strong>de</strong> produzir conhecimentos sobre esse real e,<br />

portanto, <strong>de</strong> produzir “rituais <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”. 75<br />

138<br />

74 Mas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem tanta convergência entre o pensamento <strong>de</strong> Certeau com o <strong>de</strong> Foucault? O que<br />

esses dois teóricos têm em comum além da naturalida<strong>de</strong> francesa e do fato <strong>de</strong> se chamarem Michel?<br />

Quais foram, <strong>de</strong>ntre as muitas questões estudadas e postas em relevância por ambos, as questões<br />

que os aproximavam em <strong>de</strong>terminados momentos teóricos <strong>de</strong> maneira tão coerente, para além <strong>de</strong> um<br />

discurso sobre como se conhece o que se conhece? Os dois autores teorizaram cada um à sua<br />

maneira, sobre a questão da disciplina. Foucault, como um procedimento que organiza o espaço,<br />

Certeau como elemento que estabelece o lugar do próprio, aquele que serve <strong>de</strong> base à gestão das<br />

relações. “A nacionalida<strong>de</strong> política, econômica ou científica foi constituída com base nesse<br />

mo<strong>de</strong>lo”(1994, p. 46). Os dois autores postulam a necessida<strong>de</strong> da adoção <strong>de</strong> práticas indisciplinadas<br />

que escapem ao controle prévio ou visível. Foucault, <strong>de</strong>ntre outros aspectos ressaltava uma atitu<strong>de</strong><br />

por meio <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> não confissão, Certeau por meios <strong>de</strong> usos, táticas e práticas em um lugar que é<br />

o do outro. Os dois autores estudaram os sistemas <strong>de</strong> controle e vigilância. Foucault em hospícios,<br />

prisões, escolas e no saber. Certeau por meio dos <strong>de</strong>svendamentos das estratégias do local do<br />

próprio, que po<strong>de</strong>riam ser enfrentadas a partir <strong>de</strong> maneiras heterogêneas <strong>de</strong> fazer, <strong>de</strong> falar, <strong>de</strong><br />

cozinhar, <strong>de</strong> caminhar e <strong>de</strong> “praticar” os lugares. Para saber mais ver JOSGRILBERG, Fábio.<br />

Cotidiano e Invenção – Os espaços <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau, Escrituras, São Paulo, 2005.<br />

75 Vigiar e Punir. Vozes, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000.


139<br />

Temos antes que admitir que o po<strong>de</strong>r produz saber (e não<br />

simplesmente favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o porque é<br />

útil); que po<strong>de</strong>r e saber estão diretamente implicados; que não há<br />

relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r sem constituição correlata <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> saber,<br />

nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo<br />

relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Essas relações <strong>de</strong> ‘po<strong>de</strong>r-saber’ não <strong>de</strong>vem então<br />

ser analisadas a partir <strong>de</strong> um sujeito do conhecimento que seria ou<br />

não livre em relação ao sistema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; mas é preciso consi<strong>de</strong>rar<br />

ao contrário que o sujeito que conhece, os objetos a conhecer e as<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento são outros tantos efeitos <strong>de</strong>ssas<br />

implicações fundamentais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r-saber e <strong>de</strong> suas transformações<br />

históricas. Resumindo, não é a ativida<strong>de</strong> do sujeito <strong>de</strong> conhecimento<br />

que produziria um saber, útil ou arredio ao po<strong>de</strong>r, mas o po<strong>de</strong>r-saber,<br />

os processos e as lutas que o atravessam e que o constituem, que<br />

<strong>de</strong>terminam as formas e os campos possíveis do conhecimento<br />

(FOUCAULT, 2000, p. 27)<br />

Tomei aqui a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reproduzir uma citação maior porque acredito que ela é<br />

muito pertinente quando conectamos as relações entre po<strong>de</strong>r e saber. O primordial<br />

nos estudos <strong>de</strong> saber e po<strong>de</strong>r é enten<strong>de</strong>r que eles se engendram correlativamente.<br />

Em outras palavras, não há po<strong>de</strong>r sem a instituição <strong>de</strong> uma ambiência <strong>de</strong> saber.<br />

Sendo assim toda prática <strong>de</strong> saber constituiria então relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Ainda mais:<br />

todo saber asseguraria um exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. 76<br />

Mas o que legitima práticas <strong>de</strong> saber e, conseqüentemente, práticas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r?<br />

Fundamentado na leitura <strong>de</strong> Max Weber, Richard Sennet (2002) afirma que estas<br />

relações <strong>de</strong> força estão baseadas em um conceito weberiano, o conceito <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>. A autorida<strong>de</strong>, para Sennet, seria compreendida como um esforço <strong>de</strong><br />

interpretar as condições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e suas condições <strong>de</strong> influência que, por sua vez,<br />

<strong>de</strong>finiriam uma imagem <strong>de</strong> força. 77<br />

76 Vigiar e Punir, Vozes, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000, p. XXII.<br />

77 Para saber mais ver “Imprensa e Judiciário – Tribunais Paralelos – O caso Daniela Perez”.<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado <strong>de</strong> Priscila Seiffert, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, Niterói, 2002.


Richard Sennet cita Weber por acreditar que este autor foi inaugural ao conseguir<br />

aliar o estudo da autorida<strong>de</strong> como um processo interpretativo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O relevante<br />

nesse empreendimento <strong>de</strong> Weber, <strong>de</strong> interpretar a autorida<strong>de</strong>, seria a co-relação<br />

entre autorida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong>.<br />

Ou seja, para Max Weber as pessoas ou grupos só reconheceriam voluntariamente<br />

autorida<strong>de</strong>s que consi<strong>de</strong>rassem legítimas. Assim, atua então o movimento entre<br />

autorida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong> nos grupos sociais <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> saber, sejam eles<br />

formados por cientistas, epistemólogos, jornalistas, <strong>de</strong>ntre outros. Sendo assim,<br />

“toda autorida<strong>de</strong> repousa sobre uma a<strong>de</strong>são.” (CERTEAU, 1995, p. 37).<br />

O que po<strong>de</strong>ria linkar os conhecimentos produzidos pela ciência com os<br />

conhecimentos realizados acerca da televisão? Qual seria a discussão que colocaria<br />

em uma mesma tela dois saberes que, mesmo que possam operar <strong>de</strong> maneira<br />

semelhante acerca <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado assunto <strong>de</strong> conhecimento, tratam <strong>de</strong><br />

questões diferenciadas?<br />

Pausa para o comercial.<br />

140


“Verda<strong>de</strong>s”<br />

“Já foi dito que a terra era o centro do Universo.<br />

Que era o sol que girava ao seu redor.<br />

Já foi dito que virgens <strong>de</strong>veriam ser sacrificadas<br />

E que livros não po<strong>de</strong>riam ser lidos<br />

E que Bruxas <strong>de</strong>veriam ser queimadas<br />

Já foi dito que o homem era incapaz <strong>de</strong> voar<br />

Ou <strong>de</strong> chegar ao fundo do oceano<br />

Já foi dito que negros não po<strong>de</strong>riam entrar<br />

Que ju<strong>de</strong>us não po<strong>de</strong>riam sair<br />

E que só os brancos tinham o direito<br />

De ir e vir<br />

Já disseram que gênios eram loucos<br />

E que loucos eram brilhantes<br />

Já foi dito que mulheres não <strong>de</strong>vem votar<br />

E que microorganismos não existiam<br />

e que curas eram impossíveis<br />

Já disseram que a televisão<br />

Seria apenas um eletrodoméstico<br />

Em sua vida”.<br />

Fonte: Canal Futura acessado em 23/09/2008<br />

141


Os <strong>pixel</strong>s que formaram as imagens sobre a TV<br />

Assim como foram produzidas verda<strong>de</strong>s acerca dos modos <strong>de</strong> conhecimento do<br />

mundo, da ciência e da vida, os discursos que trataram da televisão, produzidos por<br />

alguns estudiosos da área, também não foram menos produtores <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s<br />

acerca <strong>de</strong>sse meio. Até hoje, os estudos sobre televisão, constituem uma gama <strong>de</strong><br />

<strong>pixel</strong>s que ora foram imagens coerentes sobre o que estamos vendo e tratando, ora<br />

formam imagens monstruosas acerca <strong>de</strong>sse veículo <strong>de</strong> comunicação que faz parte<br />

<strong>de</strong> nossas vidas diárias. São, portanto, múltiplas as abordagens teóricas, que<br />

procuraram compreen<strong>de</strong>r as muitas interfaces <strong>de</strong>sse veículo, suas linguagens e<br />

modos <strong>de</strong> operação no tempo-espaço da vida cotidiana.<br />

Uma parte dos estudos teóricos sobre a televisão a coloca como responsável por<br />

promover um (re) or<strong>de</strong>namento cultural nos meios tradicionais on<strong>de</strong> se inseriu:<br />

escola, família, religião. A televisão tem se constituído como um dispositivo que<br />

fragmentou i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, mo<strong>de</strong>los, discursos, autorida<strong>de</strong>s e ambientes, uma vez que<br />

promoveu um <strong>de</strong>scentramento cultural a partir dos conteúdos que exibiu (e ainda<br />

exibe) em suas telas. Some-se a isso, o fato <strong>de</strong> a televisão instaurar uma<br />

temporalida<strong>de</strong> própria e peculiar, marcadamente influenciada por fluxos e<br />

interrupções, e sua multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagens (MARCONDES FILHO, 1994;<br />

MARTÍN-BARBERO, 2001; SODRÉ, 2005/1999/1996; MORIN, 2008).<br />

Uma outra abordagem teórica sobre esse veículo aponta-o como um meio que<br />

submete a risco diversas áreas da produção cultural, além <strong>de</strong> impor temas e<br />

assuntos que são antes muito mais relevantes às pressões econômicas e<br />

interessadas do mercado do que à socieda<strong>de</strong> em geral. Essa perspectiva, então,<br />

nos mostra a tevê como “um formidável instrumento <strong>de</strong> manutenção da or<strong>de</strong>m<br />

simbólica” que exerce um tipo <strong>de</strong> violência peculiar e cúmplice daquelas que a<br />

assistem. (BOURDIEU, 1996, p.20).<br />

Para este autor, a televisão teria a prerrogativa <strong>de</strong> monopolizar a cabeça das<br />

pessoas que não têm acesso a outras fontes <strong>de</strong> informação. Sendo assim os<br />

consumidores <strong>de</strong> televisão estariam suscetíveis a toda e qualquer influência <strong>de</strong>sse<br />

142


meio e este, por sua vez, não teria nada <strong>de</strong> aproveitável para oferecer. Interessante<br />

que Bourdieu não se furtava a dar entrevistas para a Televisão.<br />

Foi ele mesmo que criticou os teóricos que viviam dando entrevistas e aparecendo<br />

em programas televisivos para aumentar seu capital intelectual <strong>de</strong>ntro do grupo em<br />

que estavam inseridos. Mesmo com todas as críticas, sempre falou para a televisão<br />

e sobre a televisão porque achava que essa atitu<strong>de</strong> – a <strong>de</strong> simplesmente negar ou<br />

ignorar – não seria uma atitu<strong>de</strong> reflexiva.<br />

O sociólogo Pierre Bourdieu<br />

“Acredito que, em geral, não se po<strong>de</strong> dizer gran<strong>de</strong><br />

coisa na televisão, muito especialmente sobre a<br />

televisão. (...) A televisão tem uma espécie <strong>de</strong><br />

monopólio <strong>de</strong> fato sobre a formação das cabeças <strong>de</strong><br />

uma parcela muito importante da população.<br />

(BOURDIEU, 1997, págs.: 15 e 23).<br />

Uma outra perspectiva teórica, traçada por Edgar Morin, (2008) aponta-nos para a<br />

importância <strong>de</strong> pensar a tevê <strong>de</strong> maneira complexa. Para ele pensar a tevê significa<br />

pensar o tema no seu conjunto. Morin ressalta que uma teoria que abor<strong>de</strong> a<br />

televisão <strong>de</strong>ve se revestir da complexida<strong>de</strong> que este objeto exige.<br />

“Quem busca o pensamento complexo, a visão<br />

multidimensional dos fenômenos sociais, não po<strong>de</strong> se<br />

entusiasmar com perspectivas unilaterais e com críticas a<br />

tal ponto reducionistas e simplórias”. (MORIN, 2008:17).<br />

Dialogando com o pensamento <strong>de</strong> Morin, na atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> não fazer uma crítica<br />

reducionista e pouco complexa que este objeto exige, Arlindo Machado (2000)<br />

143


consi<strong>de</strong>ra que é importante não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rarmos as experiências que estão<br />

contidas nesse veículo, pois as experiências estão lá, seja no âmbito da literatura<br />

(Os Maias), seja no âmbito do teatro (Hoje é dia <strong>de</strong> Maria), <strong>de</strong>ntre outros. Mas se<br />

nos <strong>de</strong>ixarmos levar por experiências “frankfurtianas” ou “mcluhanianas”, como ele<br />

enfatiza, não conseguiremos vê-las.<br />

Cena da minissérie “Os Maias” adaptada da Literatura... e<br />

144<br />

... “Hoje é Dia <strong>de</strong> Maria”, minissérie que trouxe o teatro<br />

para as telas da tevê.<br />

Confessar, portanto, o interesse e o afeto pela televisão não é tarefa fácil, segundo<br />

Machado. Eleger a televisão como temática <strong>de</strong> estudo, menos ainda. Seria mais fácil<br />

tomar essas atitu<strong>de</strong>s pelo cinema ou pela literatura. Contudo, acreditamos que a<br />

ambiência gerada pela e na tevê constitui outras maneiras <strong>de</strong> estar e interpretar o


mundo. E é justamente essa atitu<strong>de</strong> teórica que gostaríamos <strong>de</strong> experimentar nesse<br />

texto.<br />

Optamos por essa escolha, face à nossa convivência com o dia a dia <strong>de</strong> uma tevê<br />

universitária. Optamos assim, por uma análise que pense outra forma <strong>de</strong> abordar a<br />

televisão, suas práticas, mo<strong>de</strong>lagens, ensino, subjetivações e maneiras <strong>de</strong> conceber<br />

a existência. Pontuamos que a opção foi feita por um outro tipo <strong>de</strong> referência teórica.<br />

Não melhor. Um outro. Assim como também se configuram como outras as próprias<br />

tevês universitárias e como outros os seus alunos/produtores.<br />

Adotaremos então, diante do exposto, estudos <strong>de</strong>senvolvidos por Rosa Maria Bueno<br />

Fischer (2006), Antônio Negri (1993), principalmente por consi<strong>de</strong>rarmos que estes<br />

autores nos ajudam a pensar a questão das imagens e <strong>de</strong> seus produtores. Os<br />

modos <strong>de</strong> ver e enten<strong>de</strong>r a televisão, bem como as teorias que embasavam estas<br />

análises, durante um bom tempo, também foram pautadas pela seguinte questão: O<br />

que os meios <strong>de</strong> comunicação, em especial, a televisão, faz com as pessoas?<br />

Um veículo que esvazia sentidos ?<br />

Analisando textos <strong>de</strong> Baudrillard (1993), Laymert Garcia (1993) e Stella Senra<br />

(1993) 78 , temos o que consi<strong>de</strong>ramos talvez uma profunda porém, no nosso enten<strong>de</strong>r,<br />

<strong>de</strong>sfocada, análise da imagem apresentada por esses autores acerca da tevê. A<br />

televisão, nos contextos explicitados pelos referidos, é sempre aquela que esvazia<br />

sentidos, explora exaustivamente conteúdos repetitivos, <strong>de</strong>slocaliza pessoas,<br />

apresenta autômatos.<br />

Diante dos textos <strong>de</strong>sses autores, uma questão imperativa sobre a qual precisamos<br />

refletir seria a que se apresenta: Mas, o que as pessoas fazem com e a partir da<br />

experiência com a televisão? Antônio Negri (1993) nos ajuda a pensar essa questão<br />

quando este nos alerta <strong>de</strong> que<br />

78 Em textos reunidos no livro Imagem Máquina, organizado e prefaciado por André Parente.<br />

145


Antônio Negri, autor <strong>de</strong> O Império e <strong>de</strong> Multidão<br />

“preten<strong>de</strong>u-se dar a mensagem da mídia a imagem <strong>de</strong><br />

metralhadora, que se abate sobre o espectador-alvo<br />

miserável, <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r onipresente – e o<br />

aniquila. Esse moralismo obtuso e <strong>de</strong>primente ganhou ares<br />

<strong>de</strong> ritual, mais particularmente para uma esquerda já agora<br />

incapaz <strong>de</strong> análises propostas e que continua a se refugiar<br />

em lamentações inúteis”. (NEGRI, 1993:173).<br />

Na avaliação <strong>de</strong> Negri, essas análises que preten<strong>de</strong>m apresentar a televisão como a<br />

gran<strong>de</strong> vilã da história, acabam nos transformando em “prisioneiros <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stino<br />

<strong>de</strong> passivida<strong>de</strong>, frustrações e impotências” (NEGRI, 1993, p. 173). Principalmente<br />

quando trabalhamos práticas e ensino <strong>de</strong> televisão.<br />

A análise da tevê, proposta por Negri, <strong>de</strong>veria ser uma análise que se pautasse pela<br />

dimensão do afeto, do ético, do interativo e, conseqüentemente, do político, pois,<br />

“estas concepções <strong>de</strong> mídia traçadas por muitos autores que se pautam sobre<br />

reduções científicas que se embasam em concepções terroristas e lamentações<br />

moralistas, trazem uma visão reificada <strong>de</strong> uma vida que se traduz pela frase: Não se<br />

po<strong>de</strong> fazer nada!” (NEGRI, 1993, p.174)<br />

A televisão então, sob esta perspectiva teórica, criticada por Negri, é obscena. Ou<br />

seja, está (ou <strong>de</strong>veria estar) fora da cena. Mas se nos <strong>de</strong>ixarmos levar por<br />

<strong>de</strong>terminadas perspectivas teóricas, on<strong>de</strong> vamos refletir sobre o afeto?<br />

Novamente me valho dos conceitos do autor acima para pensar a televisão: “a<br />

operativida<strong>de</strong> coletiva, ético-política, emotiva e criativa, que age no mundo da<br />

comunicação, é um elemento irredutível, uma resistência que abre para outros<br />

caminhos (pois) está essencialmente na base <strong>de</strong> constituições <strong>de</strong> novos indivíduos e<br />

<strong>de</strong> novas interrelações que não param <strong>de</strong> ocorrer” (NEGRI, 1993: 164).<br />

146


Na contemporaneida<strong>de</strong>, a participação da mídia na construção dos sujeitos (ou <strong>de</strong><br />

suas subjetivida<strong>de</strong>s) é fator inegável. Para Rosa Maria Bueno Fischer (2006) a mídia<br />

participa <strong>de</strong>ssa constituição,<br />

“na medida em que produz imagens,<br />

significações, enfim, saberes que <strong>de</strong> alguma<br />

forma, se dirigem à educação das pessoas,<br />

propondo-lhes modos <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> estar na<br />

cultura” (FISCHER: 2006:08).<br />

Rosa Maria Bueno Fischer, pesquisadora da Educação e da Televisão<br />

Televisão e Educação<br />

Para essa autora, é importante estudarmos a tevê e olhá-la <strong>de</strong> maneira não pré-<br />

concebida porque esse dispositivo tem hoje uma importante participação na<br />

constituição do sujeito contemporâneo. De acordo com Fischer,<br />

147<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que a TV, ou seja, todo esse complexo aparato cultural<br />

e econômico – <strong>de</strong> produção, veiculação e consumo <strong>de</strong> imagens e<br />

sons, informação, publicida<strong>de</strong> e divertimento, com uma linguagem<br />

própria – é parte integrante e fundamental <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> produção<br />

e circulação <strong>de</strong> significações e sentidos, os quais por sua vez estão<br />

relacionados a modos <strong>de</strong> ser, a modos <strong>de</strong> pensar, a modos <strong>de</strong><br />

conhecer o mundo, <strong>de</strong> se relacionar com a vida. (FISCHER, 2006, p.<br />

15)<br />

Fischer nos aconselha ainda a empreen<strong>de</strong>r um olhar sobre a televisão que se <strong>de</strong>stine<br />

a vê-la também como um dispositivo que po<strong>de</strong> nos ensinar muita coisa acerca do<br />

mundo e <strong>de</strong> nossas vidas.


148<br />

Não há dúvidas <strong>de</strong> que a TV seria um lugar privilegiado <strong>de</strong><br />

aprendizagens diversas; apren<strong>de</strong>mos com ela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> formas <strong>de</strong> olhar<br />

e tratar nosso próprio corpo até modos <strong>de</strong> estabelecer e <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r diferenças <strong>de</strong> gêneros, diferenças políticas,<br />

econômicas, étnicas, sociais, geracionais (FISCHER, 2006, p. 16)<br />

Pensar a televisão no espaço cotidiano da escola, também seria uma atitu<strong>de</strong> talvez<br />

mais antenada com os tempos em que vivemos, uma vez que a maioria dos alunos já<br />

convive <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo com esse tipo <strong>de</strong> “aparato cultural”, apreen<strong>de</strong>ndo modos<br />

<strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> estar no mundo, bem como, o <strong>de</strong> se relacionar com sua cultura e sua<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

Jesus Martín-Barbero (2000) afirma que se formos pensar a televisão na<br />

contemporaneida<strong>de</strong> precisamos pensar o “saber mosaico” que ela proporciona,<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado o pensamento antagônico que separou a escola, a televisão, a<br />

comunicação e a educação. Referindo-se a <strong>de</strong>scentramentos <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m, esse<br />

autor explica que o mundo do texto, do livro, é restrito às crianças e aos adolescentes<br />

com literaturas específicas <strong>de</strong> suas ida<strong>de</strong>s.<br />

Contudo, essas mesmas crianças e adolescentes quando estão diante das telas da<br />

televisão, são introduzidas em um mundo on<strong>de</strong> a especificida<strong>de</strong> anterior – a do<br />

interdito a certos assuntos e questões – fosse suspensa, e a eles é dado o direito <strong>de</strong><br />

conviver com guerras, com crimes, com notícias sobre a fome ou o <strong>de</strong>semprego. Mas<br />

não só isso, com outros idiomas, com culturas <strong>de</strong> países, com cenas <strong>de</strong> lugares<br />

nunca antes imaginados.<br />

A experiência <strong>de</strong> conhecimento experimentada na televisão é uma experiência que<br />

suspen<strong>de</strong> o tempo e o espaço, fazendo com que esse público se mova, sem sair do<br />

lugar. Mas não foi a televisão a primeira responsável por isso, segundo esse autor.<br />

Foi o cinema que conectou o novo sensorium das massas com a experiência <strong>de</strong><br />

estarem inseridos em uma multidão (BARBERO, 2000, p. 84).<br />

Não faltam, inclusive, críticas cinematográficas, à televisão. Se o cinema foi o<br />

responsável <strong>de</strong> proporcionar uma outra experiência estética às pessoas que se


moviam sem sair do lugar, sobretudo com o advento da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, como bem<br />

estudou Walter Benjamin, foi também ele o responsável por apresentar a televisão<br />

como a vilã em muitos <strong>de</strong> seus filmes, produzindo muitas verda<strong>de</strong>s sobre a tevê.<br />

Des<strong>de</strong> os gêneros mais dramáticos, com Poltergeist inaugurando o terror que saía da<br />

tela, discursando que os fantasmas estavam presos na televisão e que, pior, iriam<br />

sugar para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ambiente terrível quem a essa tela se expusesse. Até<br />

comédias pastiches como Beavis and Butt Head, que narra a história <strong>de</strong> dois jovens<br />

que tem uma visão obtusa acerca do mundo e da vida porque passaram boa parte <strong>de</strong><br />

suas existências em frente à tela da tevê.<br />

Poltergeist, o filme. Lançado no Brasil em 1982. Escrito e produzido por Steven<br />

Spilberg narra a história <strong>de</strong> uma família que é assombrada por espíritos que saem da<br />

televisão.<br />

149


Beavis and Butt-Head, imbecilizados pela televisão.<br />

Barbero ainda ressalta que, mesmo sendo ser acusada pela escola <strong>de</strong> todos os<br />

males e vícios que se aproximam da juventu<strong>de</strong>, a televisão termina por proporcionar<br />

150<br />

uma nova experiência <strong>de</strong> aprendizagem que, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocar fronteiras, mescla<br />

razão e imaginação, saber e informação, natureza e artifício, arte e ciência, saber<br />

científico e senso comum (BARBERO, 2000, p. 90). Tal mistura, na avaliação <strong>de</strong>sse<br />

autor, é fundamental para que experimentemos a nova condição <strong>de</strong> conhecimento na<br />

socieda<strong>de</strong> atual. Um conhecimento que, ao mesmo tempo, conhece e sente.<br />

Mas esses imperativos <strong>de</strong> conhecer e esses <strong>de</strong>scentramentos, não são inaugurais na<br />

televisão, segundo esse autor. Eles já estavam nas manifestações estudantis <strong>de</strong><br />

1968, na nova atitu<strong>de</strong> adotada pela música dos Beatles – necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explorar<br />

terras comandadas pelo sentir -, enfim, um caráter educativo que afirma a<br />

possibilida<strong>de</strong> da experimentação como parte do conhecimento, ante a uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão, proporcionada por uma escola antiga. (BARBERO,<br />

2000, p. 90)


Não se trata, portanto, <strong>de</strong> afirmar que a televisão substituíra a escola. Ela não tem<br />

condições nenhuma para empreen<strong>de</strong>r isso, tampouco <strong>de</strong> dizer que a escola <strong>de</strong>ve se<br />

fechar à televisão, como muitos <strong>de</strong> nós já escutamos falas nesse sentido. A questão<br />

crucial para Barbero é <strong>de</strong> se pensar a complexa articulação <strong>de</strong> um e outro meio.<br />

151<br />

Na maneira como se agarra ao livro, a escola <strong>de</strong>sconhece tudo o que<br />

<strong>de</strong> cultura se produz e circula pelo mundo da imagem e da cultura<br />

oral: dois mundos que vivem justamente da mestiçagem. (...) E isto<br />

em seu sentido mais forte, posto que essas três culturas configuram<br />

diferentes modos <strong>de</strong> ver, <strong>de</strong> ouvir, <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> sentir, <strong>de</strong> sofrer e<br />

<strong>de</strong> gozar. E, ao reivindicar a existência da cultura oral e da<br />

audiovisual, não estamos <strong>de</strong>sconhecendo <strong>de</strong> modo algum a vigência<br />

da cultura letrada senão <strong>de</strong>smontando sua pretensão <strong>de</strong> ser a única<br />

cultura digna <strong>de</strong>sse nome e o eixo cultural <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>. O<br />

livro segue e seguirá sendo a chave da primeira alfabetização, essa<br />

que em lugar <strong>de</strong> fechar-se sobre a cultura letrada <strong>de</strong>ve hoje colocar<br />

as bases para a segunda alfabetização que nos abre as múltiplas<br />

escrituras que hoje conformam o mundo do audiovisual e da<br />

informática. (...) Mas ela não significa e nem po<strong>de</strong> a simples<br />

substituição <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> ler por outro, mas sim a complexa<br />

articulação <strong>de</strong> um e outro. (BARBERO, 2000, p. 98)<br />

Ainda, <strong>de</strong> acordo com as proposições <strong>de</strong>sse autor, se hoje não se lê, nem se escreve<br />

como antes, é porque não conseguimos mais nem ver, nem nos expressar como<br />

antes. O audiovisual, segundo esse autor, abriu novos espaços para uma “nova era<br />

do sensível” (BARBERO, 2000, p. 18,19)<br />

“Meu ódio será sua herança”<br />

As atitu<strong>de</strong>s conceituais <strong>de</strong> Jesus Martín- Barbero e Rosa Maria Bueno Fischer se<br />

comunicam. E se dirigem àqueles que sabem os <strong>de</strong>safios que enfrentam no cotidiano<br />

<strong>de</strong> educar na socieda<strong>de</strong> complexa. As lúcidas consi<strong>de</strong>rações vêm fazer coro contra a<br />

herança <strong>de</strong> ódio que os teóricos da Escola <strong>de</strong> Frankfurt, sobretudo, Theodor Adorno<br />

e Max Horkeimer, lançaram à televisão.


Adorno, inclusive, se <strong>de</strong>dicou a estudar a televisão não a partir do que esse meio<br />

exibia, mas a partir <strong>de</strong> textos coletados, escritos, amostras <strong>de</strong> programas que ele<br />

pu<strong>de</strong>sse analisar. Mas como naquela época (1954) ainda não existia vi<strong>de</strong>oteipe,<br />

tampouco vi<strong>de</strong>ocassete ou gravador <strong>de</strong> DVD, ele se <strong>de</strong>bruçou não sobre programas,<br />

mas sobre textos escritos.<br />

Ou seja, “Adorno fez sua critica à televisão a partir <strong>de</strong> amostras que não eram da<br />

televisão, a partir <strong>de</strong> uma amostragem escrita, nitidamente ten<strong>de</strong>nciosa, pois seu<br />

objetivo era <strong>de</strong>monstrar que a televisão era um ‘mau objeto’ ” (MACHADO, 2000, p.<br />

18). E assim, não só Adorno e a Escola <strong>de</strong> Frankfurt, mas também outros intelectuais<br />

<strong>de</strong> toda a or<strong>de</strong>m seguiram produzindo “verda<strong>de</strong>s” sobre a televisão.<br />

Em um estudo sobre recepção televisiva <strong>de</strong> crianças e adolescentes na América<br />

Latina, outro teórico latino-americano, Guilhermo Orozco Gomes (1991), enfatizou<br />

que estudar a televisão pelo binômio boa-má, capaz <strong>de</strong> produzir o bem e o mal, não<br />

fará com que entendamos os pressupostos contidos nesse veículo, principalmente,<br />

se nossas intenções forem a <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as complexas relações <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong>. De acordo com Orozco,<br />

152<br />

a criança não enfrenta a tela da tevê com a mente em branco e<br />

absorve invariavelmente e irremediavelmente as mensagens que lhe<br />

são propostas. Pelo contrário, em frente ao televisor, antes <strong>de</strong> ligá-lo<br />

e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligá-lo disputam lugar na mente <strong>de</strong>ssa criança<br />

diversas negociações que são estabelecidas e o produto <strong>de</strong>ssas<br />

negociações po<strong>de</strong> ser a apropriação, a recusa ou a contraposição da<br />

mensagem (OROZCO, 1991, p. 10).<br />

Esse autor afirma ainda que, antes <strong>de</strong> ser um espectador <strong>de</strong> televisão, essa criança,<br />

esse adolescente, esse adulto, é filho <strong>de</strong> uma família, freqüenta algum tipo <strong>de</strong> escola<br />

e ou relações <strong>de</strong> trabalho e, ainda, pertence a múltiplas comunida<strong>de</strong>s que estão<br />

sempre contrapondo opiniões outras para que ele possa estabelecer suas mediações<br />

simbólicas e culturais quando está à frente da televisão.


Sendo assim, falar <strong>de</strong> novas tecnologias e <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> comunicação se tornou um<br />

<strong>de</strong>safio – <strong>de</strong>vido às muitas condições que esse artefato coloca<br />

153<br />

Porque o que está aí em jogo são profundas transformações na<br />

cultura cotidiana das maiorias e, especialmente nas novas gerações<br />

que sabem ler e cuja leitura se acha atravessada pela pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

textos e escrituras que circulam hoje. (...) Há anos os me pergunto<br />

por que os cientistas sociais da América Latina continuam<br />

majoritariamente pa<strong>de</strong>cendo <strong>de</strong> um pertinaz ‘mau-olhado’, que os faz<br />

insensíveis aos <strong>de</strong>safios culturais que a mídia coloca insensibilida<strong>de</strong><br />

intensificada diante da televisão. (BARBERO, 2000, p. 47-25)<br />

O fato é que as imagens sempre fascinaram os homens. Da Caverna <strong>de</strong> Platão, aos<br />

tetos das igrejas que circundam o mundo, passando pelo cinema que “educou” as<br />

massas para conviver com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que chegava com seus carros e trens,<br />

foram sempre as imagens que trouxeram visões e representações ou criações acerca<br />

daqueles que as produziam ou do que se conhecia.<br />

É por isso que a televisão, essa máquina encarregada da difícil tarefa <strong>de</strong> transportar<br />

as imagens que os homens formam e fabricam, vive dias complexos e paradoxais,<br />

pois, ao mesmo tempo em que tem que renegar o ódio que recebeu como herança<br />

<strong>de</strong> Frankfurt, tem também que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r do “mau-olhado” que sempre lhe é<br />

lançado por intelectuais insensíveis aos <strong>de</strong>safios culturais que essa mídia apresenta.


“Narrativas do Vivido”: uma questão <strong>de</strong> método e intuição no<br />

cotidiano<br />

Fotos <strong>de</strong> cabos <strong>de</strong> plug televisão/ví<strong>de</strong>o/DVD.<br />

Foto: Sérgio Cardoso<br />

Sinopse da Programação: Neste capítulo falo do método que estou<br />

utilizando para realizar essa pesquisa. Como toda teoria engendra sua própria<br />

metodologia, pesquisar com o cotidiano pressupõe fazer “com”, pesquisar<br />

“com” e <strong>de</strong>ntro do movimento. Nessa perspectiva costuro cotidiano <strong>de</strong> Michel<br />

<strong>de</strong> Certeau com a intuição <strong>de</strong> Bergson, acreditando que Cotidiano e Intuição<br />

se movimentam, consi<strong>de</strong>rando a vida e o movimento das coisas, antes <strong>de</strong> um<br />

ser em si, como um movimento que apresenta diferenciações <strong>de</strong> estados,<br />

possibilida<strong>de</strong>s e premissas. Para além do método teórico, utilizei como<br />

técnicas <strong>de</strong> pesquisa, as “narrativas do vivido”, estudadas por Juremir<br />

Machado, outro autor/admirador do cotidiano e da intuição, e, ainda, da<br />

técnica do ví<strong>de</strong>o cabine.<br />

154


“No terreno da pesquisa científica (que <strong>de</strong>fine a or<strong>de</strong>m<br />

atual do saber), com suas máquinas e graças a seus<br />

resíduos, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>sviar o tempo <strong>de</strong>vido à instituição;<br />

fabricar os objetos textuais que significam uma arte e<br />

solidarieda<strong>de</strong>s; jogar esse jogo do intercâmbio gratuito,<br />

mesmo que castigado pelos patrões e pelos colegas,<br />

quando não se limitam a “fechar os olhos”; inventar os<br />

traçados <strong>de</strong> conivências e <strong>de</strong> gestos; respon<strong>de</strong>r com<br />

um presente a outro dom; subverter assim a lei que, na<br />

fábrica científica, coloca o trabalho a serviço da<br />

máquina e, na mesma <strong>lógica</strong>, aniquila<br />

progressivamente a exigência <strong>de</strong> criar e a “obrigação<br />

<strong>de</strong> dar”. Conheço pesquisadores habilidosos nesta arte<br />

do <strong>de</strong>svio, que é um retorno da ética, do prazer e da<br />

invenção à instituição científica. (...) Tratar assim as<br />

táticas cotidianas seria praticar uma arte “ordinária”,<br />

achar-se na situação comum e fazer da escritura uma<br />

maneira <strong>de</strong> fazer sucata”<br />

Michel De Certeau<br />

155


E<br />

ste capítulo foi “acontecendo” sem que eu pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>tê-lo. Foi acontecendo<br />

durante a escrita <strong>de</strong> tudo o que vive e vivi durante o tempo em que realizo essa<br />

pesquisa. Sendo assim, ele é um capítulo que, ao mesmo, <strong>de</strong>screve pensando o que<br />

aconteceu, <strong>de</strong>screve o que acontece e ainda se proporá a orientar a <strong>de</strong>scrição das<br />

coisas que estão por vir, ou melhor, é um capítulo on<strong>de</strong> me proponho a apresentar<br />

um ensaio sobre quais são as <strong>lógica</strong>s que orientaram o movimento <strong>de</strong>ssa pesquisa.<br />

Este é um capítulo, portanto, que constituí diante <strong>de</strong> minha imersão no cotidiano das<br />

tevês universitárias do estado, on<strong>de</strong>, ao mesmo tempo em que fui vivendo, também<br />

fui narrando: fatos que presenciei, escritos que li, vestígios que colhi e situações que<br />

vivi. Fui vivendo e contando como aluna, professora, pesquisadora, observadora,<br />

repórter e narradora.<br />

Pesquisar com o cotidiano pressupõe que estejamos lá com nossas expectativas,<br />

medos, esperanças, <strong>de</strong>scobertas e frustrações. E escrever sobre o método é narrar<br />

como percorremos nossa estrada. Contar como empreen<strong>de</strong>mos nossos caminhos.<br />

Desvelar como construímos nosso trajeto. “Caminhar e/ ou escrever” torna-se<br />

portanto, um “trabalho sem trégua, pela força cio do <strong>de</strong>sejo, sob as esporas <strong>de</strong> uma<br />

curiosida<strong>de</strong> ar<strong>de</strong>nte que nada po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ter” (CERTEAU, 1982. p. 13)<br />

Portanto, acredito que falar sobre o método que empreendi para narrar essa<br />

pesquisa é também falar <strong>de</strong> particularida<strong>de</strong>s. Ou seja, não entendo o método aqui<br />

como uma fôrma-mol<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve se aplicar a toda e qualquer pesquisa ou a<br />

todo e qualquer pesquisador.<br />

Na verda<strong>de</strong> o método é, ao mesmo tempo, íntimo, particular e coletivo, pois, uma<br />

vez que somos inspirados por outros autores acerca <strong>de</strong> como estes construíram os<br />

seus métodos, também nos inspiramos em uma construção que nos aju<strong>de</strong> a explicar<br />

os caminhos que tomamos e os <strong>de</strong>scaminhos que encontramos.<br />

Pesquiso, pois, com e a partir do cotidiano, não enten<strong>de</strong>ndo essa instância como<br />

banal e repetitiva. Até porque as diferentes repetições po<strong>de</strong>m produzir repetidas<br />

diferenças (MACHADO, 2006, p. 74). Pesquisar o cotidiano seria, por aproximação,<br />

156


pesquisar sobre nós mesmos, sobre o que vivemos, sobre o que amamos, sobre o<br />

que comemos, sobre o que fazemos, sobre o que dizemos.<br />

Interessante pra mim – ao empreen<strong>de</strong>r essa pesquisa com os cotidianos das tevês<br />

universitárias – foi notar que naquele lugar em que estou como pesquisadora, já<br />

estive também como aluna e, <strong>de</strong>pois, como professora e agora, ao falar sobre isso,<br />

me situo como narradora <strong>de</strong> uma pesquisa, <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> estudo, <strong>de</strong> um sujeito<br />

<strong>de</strong> estudo, <strong>de</strong> vários sujeitos <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Me situo como narradora <strong>de</strong> minhas histórias e <strong>de</strong> meus trajetos, mas também <strong>de</strong><br />

estudos, <strong>de</strong> práticas, <strong>de</strong> conhecimentos e <strong>de</strong> pertencimentos. Como disse Carlos<br />

Eduardo Ferraço, não importa aon<strong>de</strong> a vida tenha nos levado, estaremos sempre<br />

presos aos lugares <strong>de</strong> nossa formação. (FERRAÇO, 2003, p. 159).<br />

Falar sobre o método é para mim, portanto, falar sobre pertencimentos. Escolhas<br />

teóricas, que também se afirmam como escolhas políticas, na medida em que<br />

enfatizam valores, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m posturas, legitimam autores. Falar sobre o método<br />

seria, então, falar <strong>de</strong> mim mesma, pois,<br />

Ao nos assumirmos como nosso próprio objeto <strong>de</strong> estudo, se<br />

coloca para nós a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pesquisar ou <strong>de</strong> se falar<br />

‘sobre’ os cotidianos. Se estamos incluídos, mergulhados em nosso<br />

objeto, chegando às vezes, a nos confundir com ele, no lugar dos<br />

estudos ‘sobre’, <strong>de</strong> fato, acontecem os estudos ‘com’ os cotidianos.<br />

Somos, no final <strong>de</strong> tudo, pesquisadores <strong>de</strong> nós mesmos, somos<br />

nosso próprio tema <strong>de</strong> investigação (FERRAÇO, 2003, p. 160)<br />

Michel <strong>de</strong> Certeau, em sua obra A Invenção do Cotidiano (1994, 2003) nos ensina<br />

que existem “artes <strong>de</strong> fazer” que não se configuram como obediências às regras<br />

estipuladas, mas antes, como práticas astuciosas que <strong>de</strong>sviam o que foi instituído<br />

por e a partir <strong>de</strong> uma outra prática.<br />

Então, valendo-me dos conselhos <strong>de</strong> Certeau, entendo que da mesma maneira que<br />

existem “artes <strong>de</strong> fazer”, também <strong>de</strong>verão existir diferenciadas “maneiras <strong>de</strong><br />

157


pensar”. Pesquisar com os cotidianos seria, assim, uma boa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

pensar um método <strong>de</strong> pesquisa que não ignore, não engesse, não retire do lugar,<br />

não separe não sacralize. (AGAMBEN, 2007)<br />

Pensar então a questão do método e das metodologias que empreen<strong>de</strong>mos em<br />

nossas pesquisas seria, assim, pensar, menos no objeto, que <strong>de</strong>terminaria uma<br />

maneira, e mais na intenção, que moveria o pesquisador. Esclarecida essa<br />

condição, venho dizer que não tenho a intenção <strong>de</strong> ser objetiva nessa minha<br />

pesquisa.<br />

Aliás, a objetivida<strong>de</strong> foi uma noite escura que durante muito tempo tentou garantir<br />

sono tranqüilo <strong>de</strong> cientistas e jornalistas para posteriormente, mostrar-lhes que tudo<br />

não passou <strong>de</strong> um sonho que estes precisavam acreditar acordados, para não<br />

pensarem na dura realida<strong>de</strong> que praticavam com seus métodos, discursos e<br />

patentes <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e, consequentemente, conhecimentos produzidos.<br />

Denise Najmanovich (2001) já nos alertou para o tipo <strong>de</strong> conhecimento que po<strong>de</strong><br />

ser produzido por um pesquisador que se diz objetivo e um método que se propõe a<br />

ser objetivo. Segundo essa autora, o tipo <strong>de</strong> conhecimento produzido pela<br />

objetivida<strong>de</strong> funda, especificamente, um mundo afastado da experiência 79 . E esse<br />

método termina por fundar também, <strong>de</strong> acordo com ela, um pesquisador que se<br />

auto<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “observador neutro”, sem nenhuma intenção para com o objeto<br />

que estuda.<br />

158<br />

A objetivida<strong>de</strong> supõe a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns sujeitos para abstrair-<br />

se, ou seja, para supor que nem sua corporalida<strong>de</strong> que inclui tanto<br />

sua peculiarida<strong>de</strong> perceptiva como emocional e sua forma <strong>de</strong> ação<br />

no mundo nem a sua subjetivida<strong>de</strong>, nem os vínculos que estabelece<br />

influem no conhecimento do mundo (NAJMANOVICH, 2001, p. 19)<br />

O tipo <strong>de</strong> ciência que teve como pressuposto máximo a objetivida<strong>de</strong>, terminou por<br />

fundar um tipo <strong>de</strong> conhecimento que pressupunha uma exteriorida<strong>de</strong>, ou seja, “o<br />

79 Grifos nossos.


sujeito não entrava no quadro que ele mesmo pintava. Colocava-se sempre imóvel,<br />

<strong>de</strong> fora, seguindo metodicamente as leis eternas da perspectiva” (NAJMANOVICH,<br />

2001, p. 22). Sendo assim, não existiram conhecimentos, a priori “objetivos”, mas<br />

conhecimentos “objetivados”.<br />

Mas, na contemporaneida<strong>de</strong>, felizmente, diversos pesquisadores já consi<strong>de</strong>ram<br />

pensar a dimensão da pesquisa e do método <strong>de</strong> outra maneira. E novas<br />

possibilida<strong>de</strong>s para o científico já conseguem ganhar legitimida<strong>de</strong>. De acordo com<br />

Najmanovich essas novas perspectivas nos possibilitam a passar <strong>de</strong> espaços antes<br />

tendo <strong>de</strong> ser constituídos como lineares, para espaços múltiplos, auto-referentes,<br />

enfim, complexos, como <strong>de</strong>veriam ser se quisessem falar <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong><br />

pertencimentos.<br />

E a idéia do pertencimento fala intrinsecamente à pesquisa com o cotidiano, à<br />

questão do lugar que o pesquisador se coloca, do lugar que ele habita em sua<br />

pesquisa, do lugar que ele se encontra. Mencionei no primeiro capítulo <strong>de</strong>ssa<br />

pesquisa que eu estudo uma tevê que me habita. Sendo assim, eu não po<strong>de</strong>ria<br />

empreen<strong>de</strong>r uma metodologia que não me possibilitasse esse espaço pois, como<br />

diria Certeau,<br />

159<br />

O essencial do trabalho <strong>de</strong> análise que <strong>de</strong>veria ser feito <strong>de</strong>verá<br />

inscrever-se na análise combinatória sutil, <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> operações e <strong>de</strong><br />

registros, que coloca em cena e em ação um fazer com, 80 aqui e<br />

agora, que é um ato singular, ligado a uma situação, circunstâncias e<br />

atores particulares. Nesse sentido, a cultura ordinária é antes <strong>de</strong> tudo<br />

uma “ciência prática do singular”, que toma às avessas nossos<br />

hábitos <strong>de</strong> pensamento on<strong>de</strong> a racionalida<strong>de</strong> científica é<br />

conhecimento do geral (CERTEAU et al. 1996, p. 341,342)<br />

Sendo assim, pensar uma pesquisa com o cotidiano, levando em consi<strong>de</strong>ração a<br />

questão do pertencimento, pressupõe como disse Ferraço, algumas condições, que<br />

são:<br />

80 Grifos nossos.


Cotidiano e Intuição<br />

Eu não penso “sobre” o cotidiano, eu penso “com” o cotidiano;<br />

Esses momentos, movimentos, processos, tentativas,<br />

possibilida<strong>de</strong>s , <strong>de</strong> pensar “com” os cotidianos, <strong>de</strong> me pensar,<br />

possibilitam que eu me conheça ao mesmo tempo em que busco<br />

conhecer os outros... (FERRAÇO, 2003, p. 160)<br />

Não são poucos aqueles que se propõem a criticar uma metodologia <strong>de</strong> pesquisa<br />

com cotidianos, segundo estudos <strong>de</strong>senvolvidos por pesquisadores dos cotidianos<br />

(FERRAÇO, 2008, PEREZ, 2008, OLIVEIRA, 2008, GARCIA, 2003). Os que<br />

acusam essa metodologia <strong>de</strong> pesquisa enumeram uma série <strong>de</strong> críticas, que vão<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a insuficiência <strong>de</strong>ssa perspectiva, passando pelas implicações <strong>de</strong>sse método<br />

com o anarquismo e o niilismo paralisante, chegando a dizer que o método com o<br />

cotidiano é um vale tudo relativista (GARCIA, 2003).<br />

Nesse trabalho que ora apresento, assumo o método com o cotidiano como a<br />

condição <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>ssa pesquisa. Assumo por uma série <strong>de</strong> argumentos que<br />

trouxe, inclusive em capítulos anteriores, e, sobretudo, por consi<strong>de</strong>rar, a partir dos<br />

autores que li, que não formei-me a partir <strong>de</strong> certezas <strong>de</strong>finitivas, nem na crença <strong>de</strong><br />

conhecimentos absolutos (GARCIA, 2003, 194). Assumo a pesquisa com os<br />

cotidianos nesse trabalho por acreditar também que<br />

160<br />

O cotidiano é o espaço da complexida<strong>de</strong>, (on<strong>de</strong>) os acontecimentos<br />

vão aparecendo e se transformando, reaparecendo e<br />

<strong>de</strong>saparecendo rizomaticamente. (...) Impossível investigar o<br />

cotidiano preso aos limites da visão disciplinar, pois, se assim o<br />

fazemos, da realida<strong>de</strong> veremos apenas o que o nosso estreito<br />

ponto <strong>de</strong> vista unidisciplinar nos permite ver. (GARCIA, 2003, p.<br />

195, 196)<br />

A pesquisa com os cotidianos seria, então, como diz essa autora, “o lugar do<br />

encontro da arte e da ciência, das certezas e das dúvidas, das <strong>de</strong>terminações e dos<br />

acasos, dos encontros e <strong>de</strong>sencontros” (GARCIA, 2003, p. 205). Então no meu


cotidiano <strong>de</strong> pesquisadora, professora e aluna, cheguei, no meu primeiro exame <strong>de</strong><br />

qualificação <strong>de</strong>ssa tese. Nesse dia a professora Leila Domingues intuitivamente,<br />

didaticamente e carinhosamente me sugeriu estudar também o método da intuição<br />

<strong>de</strong> Henri Bérgson.<br />

Parti então, no estudo e na busca por essas leituras. E tive uma experiência<br />

fantástica, muito feliz e potente. A partir dos estudos que fiz do cotidiano e da<br />

intuição bergsoniana, percebi que essas possibilida<strong>de</strong>s se comunicam, se<br />

movimentam, consi<strong>de</strong>rando a vida e o movimento das coisas, antes <strong>de</strong> um ser em<br />

si, como um movimento que apresenta diferenciações <strong>de</strong> estados, possibilida<strong>de</strong>s e<br />

premissas.<br />

Essas duas perspectivas teórico-metodo<strong>lógica</strong>s não visam a linearida<strong>de</strong> dos tempos<br />

e dos saberes, antes suas justaposições e multiplicações em diversas linhas. É<br />

Bérgson (2006) que nos alerta que o conhecimento científico empreendido por um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ciência que postula a certeza e a precisão foi, também, uma criação<br />

antes que fosse uma prescrição.<br />

161<br />

Seu papel (o da ciência) é prever. Ela extrai e retém do mundo<br />

material aquilo que é suscetível <strong>de</strong> repetir-se e <strong>de</strong> ser calculado, por<br />

conseguinte aquilo que não dura. Mas essa duração que a ciência<br />

elimina, que é difícil <strong>de</strong> ser concebida e expressa, sentimo-la e<br />

vivemo-la (BERGSON, 2006, p. 18)<br />

Pesquisar, portanto, com os cotidianos é pesquisar com os sentimentos e com as<br />

vivências. É pesquisar com a duração. E para pesquisar o movimento que se<br />

engendra no interior das coisas, só lá estando, só lá se movimentando. Assim, o<br />

conhecimento da intuição é aquele que enten<strong>de</strong> que: “Nenhuma solução será<br />

<strong>de</strong>duzida geometricamente <strong>de</strong> outra e que nenhuma verda<strong>de</strong> importante será obtida<br />

pelo prolongamento <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> já adquirida” (BERGSON, 2006, p. 29).<br />

Bergson ainda na elucidação <strong>de</strong> seu método intuitivo nos explica que essa<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>ve-se, <strong>de</strong>ntre outras questões, balizar-se pela<br />

realida<strong>de</strong> do contato e do alargamento. Assim nos diz Bergson:


162<br />

Intuição, portanto, significa primeiro consciência, mas consciência<br />

imediata, visão que mal <strong>de</strong> distingue do objeto visto, conhecimento<br />

que é contato e mesmo coincidência. – É, em segundo lugar,<br />

consciência alargada, premendo contra os bordos <strong>de</strong> um<br />

inconsciente que ce<strong>de</strong> e que resiste, que se ren<strong>de</strong> e que se retoma:<br />

através <strong>de</strong> alternâncias rápidas <strong>de</strong> obscurida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> luz. (...) A<br />

intuição é aquilo que atinge o espírito, a duração, a mudança pura.<br />

Seu domínio próprio sendo o espírito, quer apreen<strong>de</strong>r nas coisas,<br />

mesmo materiais, sua participação na espiritualida<strong>de</strong>. Essa mistura<br />

<strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> é justamente o que faz com que o esforço <strong>de</strong> intuição<br />

possa se realizar em alturas diferentes, em pontos diferentes, e<br />

produzir em diversas filosofias resultados que não coinci<strong>de</strong>m entre si,<br />

ainda que não sejam <strong>de</strong> modo algum inconciliáveis” (BERGSON,<br />

2006, págs. 29, 30, 31)<br />

O conhecimento pela intuição seria um conhecimento que não tentaria “encaixar”,<br />

“enquadrar”, “prescrever”, e, sobretudo, comparar o que se está estudando. Mas,<br />

antes, um conhecimento que entenda que o que se conhece não po<strong>de</strong> ser<br />

“recortado no todo da realida<strong>de</strong>”. “Deus nos livre e guar<strong>de</strong> <strong>de</strong> comparar o pequeno<br />

com o gran<strong>de</strong>, nosso esforço com os dos mestres!”, já afirmava Bergson,<br />

acreditando que o conhecimento pela intuição se preocupa em ver o que se estuda<br />

como “criação” (BERGSON, 2006, págs. 31, 33).<br />

Há na intuição, para esse autor, um sentido indissociável que é: pensar em intuição<br />

significa pensar em duração, condição que tão somente a inteligência po<strong>de</strong> não ter<br />

como circunstância preferencial, porque parte ordinariamente do imóvel para<br />

reconstruir o movimento com imobilida<strong>de</strong>s justapostas. Já<br />

a intuição parte do movimento, põe-se no, ou antes, percebe-o<br />

como a própria realida<strong>de</strong> e não vê na imobilida<strong>de</strong> mais que um<br />

momento abstrato, instantâneo que nosso espírito tomou <strong>de</strong> uma<br />

mobilida<strong>de</strong>. A inteligência brinda-se ordinariamente com coisas,<br />

enten<strong>de</strong>ndo com isso algo estável, e faz da mudança um aci<strong>de</strong>nte


163<br />

que lhe viria por acréscimo. Para a intuição, o essencial é a<br />

mudança 81 . (BERGSON, 2006, p. 32)<br />

Agora entendo porque Certeau (2003) falava que necessário seria que<br />

visualizássemos as táticas que são empreendidas pelos sujeitos. Ou seja, como<br />

eles se movimentam, como eles lêem, como eles cozinham, como caminham pela<br />

cida<strong>de</strong>, enfim, como eles empreen<strong>de</strong>m seus movimentos. E entendo também, como<br />

ele disse, que o que a ação tática obtida não se guarda. E nem po<strong>de</strong>ria.<br />

Porque se os ganhos fossem “guardados”, “cristalizados”, “embalsamados”,<br />

per<strong>de</strong>riam seus movimentos, tão caros a Bergson e a Certeau, porque são, antes, a<br />

criação no dizer <strong>de</strong> Bergson, ou, no dizer <strong>de</strong> Certeau, a invenção. (BERGSON,<br />

2006, p. 33) e (CERTEAU, 2003, p. 46/47), respectivamente.<br />

O essencial <strong>de</strong> se pesquisar as táticas e as práticas que os sujeitos empreen<strong>de</strong>m é,<br />

portanto, pesquisar seus movimentos, ainda que silenciosos e pouco visíveis. Para<br />

isso é preciso que nos coloquemos no movimento, <strong>de</strong>ntro do movimento, que nos<br />

movamos junto com aqueles que se movem. Vejamos o que nos diz Bergson:<br />

Quão mais instrutiva seria uma metafísica realmente intuitiva, que<br />

seguisse as ondulações do real! Já não abarcaria mais <strong>de</strong> um só<br />

golpe a totalida<strong>de</strong> das coisas; mas <strong>de</strong> cada uma daria uma<br />

explicação que a ela se adaptaria exatamente, exclusivamente<br />

(BERSGON, 2006, p. 28)<br />

E vejamos também, o que diz Certeau:<br />

81 Grifos nossos.<br />

Como apreen<strong>de</strong>r a ativida<strong>de</strong> dos praticantes, como andar a contrário<br />

das análises socio<strong>lógica</strong>s e antropo<strong>lógica</strong>s? Seria preciso com<br />

nossas escassas forças e sem nenhuma outra ilusão a não ser o<br />

nosso entusiasmo, abrir um imenso canteiro <strong>de</strong> obras: <strong>de</strong>finir um<br />

método, <strong>de</strong>screver, e diferenciar ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> natureza subterrânea,<br />

efêmeras, frágeis, circunstanciais, em suma, elaborar ‘uma ciência


164<br />

prática do singular’. Era preciso captar ao vivo a multiplicida<strong>de</strong> das<br />

práticas, não sonhá-las, conseguir fazer que se tornassem inteligíveis<br />

(...). Achava-se em jogo o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> uma virada do olhar analítico.<br />

(CERTEAU et al. 2003, p. 21)<br />

Para o autor português, Diamantino Martins (1967), que também estudou o método<br />

da intuição, “Bergson não vê senão um meio <strong>de</strong> saber até on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> ir: ‘é pôr-se<br />

ao caminho e andar’” (MARTINS, 1967, p. 46). Para exemplificar como as <strong>de</strong>finições<br />

encerradas po<strong>de</strong>m per<strong>de</strong>r o que se tenta compreen<strong>de</strong>r, Bérgson nos provoca, com<br />

um simples, porém genial, exemplo:<br />

Cada um <strong>de</strong> nós tem a sua maneira <strong>de</strong> amar e <strong>de</strong> odiar, e este<br />

amor e este ódio refletem a personalida<strong>de</strong> inteira; contudo há uma<br />

mesma palavra para todos os amores e para todos os ódios, por<br />

isso cada uma <strong>de</strong>ssas palavras não po<strong>de</strong> fixar senão o aspecto<br />

objetivo e impessoal do amor e do ódio, e dos mil sentimentos que<br />

agitam a alma. (BERGSON 82 apud MARTINS, 1967, p. 63)<br />

Gilles Deleuze (2008), outro estudioso da obra <strong>de</strong> Bergson, me ajudou a<br />

compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que maneira a intuição - para além <strong>de</strong> tudo o que os outros autores<br />

me ajudaram a pensar anteriormente -, po<strong>de</strong> se apresentar como um “recorte<br />

extraordinário”, no dizer do próprio Deleuze.<br />

De acordo com esse autor, a maior originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bergson, foi ter organizado em<br />

seus estudos, a própria intuição como um verda<strong>de</strong>iro método. A intuição, conforme<br />

me explicou esse autor, não é gozo, nem pressentimento afetivo, mas tem como<br />

primeira característica o fato <strong>de</strong> que nela, e por ela, alguma coisa se apresentar, se<br />

dar em pessoa, em vez <strong>de</strong> ser inferida <strong>de</strong> outra coisa e concluída. (DELEUZE, 2008,<br />

p. 34). Diz Deleuze:<br />

A filosofia preten<strong>de</strong> instaurar, ou antes restaurar, uma outra relação<br />

com as coisas, portanto um outro conhecimento, conhecimento e<br />

82 Diamantino Martins extrai essa citação do livro <strong>de</strong> Bergson: Essai sur lês Donnés Immédiates <strong>de</strong> la<br />

Consciense, p. 126.


165<br />

relação que a ciência precisamente nos ocultava, <strong>de</strong> que ela nos<br />

privava, porque ela nos permitia somente concluir e inferir, sem<br />

jamais nos apresentar, nos dar a coisa em si mesma. É nessa<br />

segunda via que Bergson se empenha, repudiando as filosofias<br />

críticas, quando ele nos mostra na ciência, e também, na ativida<strong>de</strong><br />

técnica, na inteligência, na linguagem cotidiana, na vida social e na<br />

necessida<strong>de</strong> prática, enfim e sobretudo, no espaço, outras tantas<br />

formas e relações que nos separam das coisas, <strong>de</strong> sua interiorida<strong>de</strong>”<br />

(DELEUZE, 2008, p. 24)<br />

Trazendo esse entendimento para a questão epistemo<strong>lógica</strong>, percebemos que a<br />

educação e a comunicação – caso <strong>de</strong>sse estudo – não po<strong>de</strong>riam ser conhecidas<br />

com um método que paralisasse os movimentos e que trate a<br />

educação/comunicação a partir <strong>de</strong> pressupostos das ciências físicas, como assim<br />

empreen<strong>de</strong>u a proposta positiva, (ROSSETI, 2008) sobretudo, porque a temática <strong>de</strong><br />

estudo que apresento – e que tantos outros estudos <strong>de</strong> nas áreas da Educação e da<br />

Comunicação apresentam – é movente e dinâmica.<br />

Assim, uma pertinente questão epistemo<strong>lógica</strong> para ser pensada, nesse aspecto,<br />

seria uma proposta que consi<strong>de</strong>rasse a mobilida<strong>de</strong> e seus entornos e que pu<strong>de</strong>sse,<br />

assim, conhecer uma perspectiva em constante transformação. Uma perspectiva<br />

que consi<strong>de</strong>rasse o conhecimento em educação e também em comunicação como<br />

algo movente, movimentado, movimentante. Enfim, dinâmico.<br />

Assim me ensinou Regina Rosseti, outra estudiosa, no método intuitivo <strong>de</strong> Bergson.<br />

Em termos do conhecimento em geral e do conhecimento científico<br />

em particular, para o pensamento bergsoniano o saber verda<strong>de</strong>iro é<br />

dado pela intuição. Intuição é o conhecimento imediato, isto significa<br />

que o ato <strong>de</strong> conhecer acontece <strong>de</strong> forma direta, sem mediações.<br />

Conhecimento em que sujeito e objeto coinci<strong>de</strong>m, pois o sujeito<br />

a<strong>de</strong>ntra o objeto e o conhece. O que se conhece <strong>de</strong> forma imediata é<br />

o movimento essencial da realida<strong>de</strong>, é a mudança contínua das<br />

coisas no tempo. Em termos ontológicos, não há imobilida<strong>de</strong>; por trás<br />

do movimento há somente movimento, ou seja, por trás das coisas


166<br />

que mudam há uma essência que é ela própria movimento também.<br />

Devemos estar atentos à radicalida<strong>de</strong> da visão bergsoniana <strong>de</strong><br />

realida<strong>de</strong>, para a qual não há imobilida<strong>de</strong> nem na superfície nem na<br />

essência. Neste mesmo sentido, não há a coisa que muda, há<br />

somente a mudança, porque ‘a coisa’, toda ela, é movimento.<br />

(ROSSETI, 2008, p. 248)<br />

Percebo que o pensamento <strong>de</strong> Bergson é fundante e inovador porque nos oferece<br />

uma visão <strong>de</strong> essência que não é algo cristalizado, que não é algo que permanece,<br />

algo imutável, mas aquilo que muda constantemente. A esse movimento <strong>de</strong><br />

mudança que parte como algo essencial da realida<strong>de</strong>, Bergson dá o nome <strong>de</strong><br />

duração.<br />

É por isso que este autor nos <strong>de</strong>saconselha a compararmos coisas distintas pois, só<br />

se po<strong>de</strong> conhecer intuitivamente algo a partir da duração e do movimento que ele<br />

empreen<strong>de</strong>u com e a partir <strong>de</strong>le mesmo. É aqui que entra o célebre exemplo citado<br />

pelo autor, do açúcar.<br />

Quando queremos preparar um copo <strong>de</strong> água com açúcar, como<br />

dissemos, forçoso é esperar que o açúcar <strong>de</strong>rreta. Essa necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> esperar é o fato significativo. Exprime o fato <strong>de</strong> que, embora<br />

possamos recortar no universo sistemas para os quais o tempo é<br />

apenas uma abstração, uma relação, um número, o universo, ele<br />

próprio é outra coisa (BERGSON, 2006, p. 14)<br />

Assim, os pressupostos bergsoninanos não nos aconselham a consi<strong>de</strong>rar estados<br />

diferenciados entre coisas diferenciadas, uma vez que o movimento é expresso pela<br />

duração e para percebemos o movimento só po<strong>de</strong>remos fazê-lo com e a partir dos<br />

entes em si e entre si. Não <strong>de</strong>vemos comparar o açúcar com o sal, mas somente<br />

com ele próprio nos seus variados estados <strong>de</strong> movimentação e <strong>de</strong> duração, pois<br />

esta, segundo Bergson, é o movimento. (BERGSON, 2006, p. 14).


Modos <strong>de</strong> saber, modos <strong>de</strong> dizer<br />

Mas agora, temos uma questão a ser problematizada. Como expressar um saber<br />

cotidiano, intuitivo e movente? Só, como fala Regina Rosseti (2008), através da<br />

linguagem, pois “a intuição é saber ainda não mediado. A linguagem é sua<br />

mediação. Saber mediado é a intuição expressa pela linguagem” (ROSSETI, 2008,<br />

p. 249). Mas qual seria a linguagem mais a<strong>de</strong>quada para, ainda que inicialmente,<br />

dar visibilida<strong>de</strong> aos saberes que se principiam na intuição?<br />

Algumas experiências <strong>de</strong> vida e conhecimento são capazes <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>ixar<br />

incapacitados para comunicarmos. Nem sempre conseguimos expressar em<br />

palavras o que vivemos, com a duração que vivemos e que ainda se movimenta<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós. 83<br />

As experiências <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas e <strong>de</strong> violência são potentes agenciadores para<br />

sentirmos isso. Agora, percebo com outro entendimento, o que Benjamim disse<br />

quando afirmou que os soldados voltavam da guerra emu<strong>de</strong>cidos. Ainda assim,<br />

continuo com meu problema: Como expressar o movimento pelo conceito, que fixa a<br />

realida<strong>de</strong> captada da intuição? E ainda: como falar <strong>de</strong> intuição sem usar conceitos?<br />

Essas foram questões <strong>de</strong> pensamento que, antes <strong>de</strong> ser minha, foram <strong>de</strong> Bergson,<br />

quando ele teve que falar sobre a intuição:<br />

167<br />

Que não nos peçam, então, uma <strong>de</strong>finição simples e geométrica da<br />

intuição. Será por <strong>de</strong>mais fácil mostrar que tomamos a palavra em<br />

acepções que não se <strong>de</strong>duzem matematicamente umas das outras.<br />

Acerca daquilo que não é abstrato e convencional, mas real e<br />

concreto, com mais forte razão acerca daquilo que não é<br />

reconstituível com componentes conhecidas, acerca da coisa que<br />

não foi recortada do todo da realida<strong>de</strong> pelo entendimento nem pelo<br />

senso comum nem pela linguagem, não se po<strong>de</strong> dar uma idéia a não<br />

ser tomando <strong>de</strong>la vistas múltiplas, complementares e não<br />

equivalentes (BERGSON, 2006, p. 31)<br />

83 Mas ainda assim, como me aconselhou meu orientador Carlos Eduardo Ferraço, seria necessário<br />

valer-me <strong>de</strong> palavras para <strong>de</strong>screver os movimentos <strong>de</strong>ssa pesquisa, por isso, me lancei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início na proposta da escrita <strong>pixel</strong>izada, na adoção <strong>de</strong> um texto <strong>pixel</strong>.


A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressarmos o que é vivido no cotidiano e conhecido pela intuição<br />

apresenta um dos problemas fundamentais do modo <strong>de</strong> pensamento intuitivo: A<br />

comunicação da intuição. Quem me apresentou uma trilha para percorrer esse<br />

caminho foi Leopoldo e Silva (1994) quando afirmou que, só uma operação que<br />

consi<strong>de</strong>ra a intuição como conhecimento, po<strong>de</strong> abrir possibilida<strong>de</strong>s para<br />

expressarmos o que conhecemos.<br />

E a expressão do que conhecemos só po<strong>de</strong> ser feita através da linguagem. Mas não<br />

<strong>de</strong> uma linguagem que procure representar ou <strong>de</strong>finir algo. Assim fala Leopoldo e<br />

Silva:<br />

168<br />

A <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> das palavras <strong>de</strong>ve ce<strong>de</strong>r lugar ao ritmo do pensamento<br />

que salta <strong>de</strong> imagem em imagem e mesmo por entre as<br />

contradições, <strong>de</strong>struindo a plasticida<strong>de</strong> racional com que<br />

tradicionalmente se tentou fazer com que a linguagem expressasse o<br />

pensamento. A palavra não reproduz o movimento, mas o estilo po<strong>de</strong><br />

sugerir a mobilida<strong>de</strong> (LEOPOLDO E SILVA, 1994, p. 110 apud<br />

ROSSETI, 2008, p. 254)<br />

Assim, para conseguir comunicar o conhecimento propiciado pela intuição, no<br />

movimento cotidiano com a pesquisa, entendi que <strong>de</strong>veria proce<strong>de</strong>r por uma<br />

linguagem que não se executasse somente por e através <strong>de</strong> conceitos, mas<br />

também em uma comunicação por metáforas e por imagens. Essa foi a maneira<br />

encontrada por Bérgson para comunicar suas idéias. (LEOPOLDO e SILVA 1994,<br />

ROSSETI 2008).<br />

Segundo esses autores todo o pensamento <strong>de</strong>sse filósofo é expresso por metáforas<br />

que empreen<strong>de</strong>m uma idéia <strong>de</strong> movimento. Realmente essas metáforas estão<br />

presentes na obra do autor. Algumas já citamos aqui, a do açúcar, outras estão lá,<br />

como a da flecha <strong>de</strong> Zenão e a da extensão <strong>de</strong> um elástico, que ele utilizou para


explicar o movimento na duração. (BERGSON, 2006, p. 14 e BERGSON, 2006, p.<br />

14 e 15) 84 .<br />

A procura da forma do dizer : a questão da técnica da pesquisa<br />

Para Juremir Machado (2006) que estudou o cotidiano em um recente trabalho 85 ,<br />

um pesquisador que se <strong>de</strong>stine a entendê-lo <strong>de</strong>ve estar à altura <strong>de</strong>sse cotidiano<br />

para narrar toda a movimentação que ali acontece. “Não lhe basta conhecer o po<strong>de</strong>r<br />

(institucional, explícito), <strong>de</strong>ve perceber o fluxo da potência (subterrânea)”<br />

(MACHADO, 2006, p. 73). E se esse pesquisador do cotidiano não consegue provar<br />

o que ocorreu no passado, nem prever o futuro, cabe-lhe, segundo esse autor,<br />

narrar bem o presente.<br />

Esse narrador do cotidiano, na concepção <strong>de</strong> Machado, apresentaria um<br />

comportamento que seria um misto <strong>de</strong> fotógrafo, <strong>de</strong> repórter, <strong>de</strong> cronista e <strong>de</strong><br />

romancista que estaria em busca <strong>de</strong> “captar e narrar a fluência e a complexida<strong>de</strong> do<br />

vivido” (MACHADO, 2006, p. 73). Essa <strong>de</strong>veria ser, na avaliação <strong>de</strong> Machado, a<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um pesquisador que se interessa<br />

169<br />

pelo movimento, pela flui<strong>de</strong>z e pelas possibilida<strong>de</strong>s criativas, grãos<br />

<strong>de</strong> percepção e concentrados existenciais que se apresentam a partir<br />

<strong>de</strong> choques perceptivos. Como <strong>de</strong>screvê-los? Como captá-los? (...)<br />

Trazê-los para o campo do saber? A intuição conta muito nesse<br />

trabalho. Mas como passar da intuição ao<br />

conhecimento?.(MACHADO, 2006, p. 74)<br />

Na avaliação <strong>de</strong> Juremir Machado uma boa técnica <strong>de</strong> pesquisa para dar conta<br />

<strong>de</strong>sse referencial teórico que trata <strong>de</strong> intuição e cotidiano seria realizar as<br />

“narrativas do vivido”. Mas o que seria isso? Narrativas do Vivido para esse autor<br />

seria “pôr em relação os vários afluentes” que se apresentaram durante a pesquisa,<br />

como se fôssemos um narrador “das emoções e das práticas, a exemplo <strong>de</strong> um<br />

repórter, <strong>de</strong> todas as paixões e acontecimentos do cotidiano”, do mundo em<br />

84<br />

Exemplos contidos nas obras Pensando o Movente e Memória e Vida. Coleção Tópicos. São<br />

Paulo. Martins Fontes, 2006.<br />

85<br />

As Tecnologias do Imaginário. Porto Alegre, 2ª Edição, Sulina, 2006.


movimento. (MACHADO, 2006, p. 78/79). O pesquisador que faz narrativas do<br />

vivido tem o objetivo <strong>de</strong>, “narrar o vivido”, é claro, mas também <strong>de</strong><br />

170<br />

Construir as narrativas da existência. (...) estas são um discurso<br />

polifônico 86 , feito pelo conjunto <strong>de</strong> vozes e <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista dos<br />

personagens e do narrador (pesquisador). (O narrador do vivido)<br />

quer-se tecer junto ao hipertexto social, (pois), as narrativas do vivido<br />

contam o social que se conta por meio <strong>de</strong> suas práticas (...). O<br />

pesquisador atua como um repórter sociológico. Tudo nessa<br />

pesquisa <strong>de</strong> campo, empírica, à escuta do existente, permanece<br />

ensaio. Busca-se captar a poesia existente para expressá-la sob a<br />

forma <strong>de</strong> prosa do conhecimento: a verossimilhança é o seu mal; a<br />

verda<strong>de</strong>, sua perdição. As narrativas do vivido integram a<br />

epistemologia pós-metafísica teorizada por Gianni Vattimo, um<br />

pensamento ‘fraco’, sem arroubos <strong>de</strong> certeza, menos sistemático e<br />

mais inquieto em relação à força do vivido”. (MACHADO, 2006, págs,<br />

80/81)<br />

Para esse autor, a metodologia, muitas vezes, imobiliza pesquisa, “conforma <strong>de</strong> tal<br />

modo o objeto, que o caminho a <strong>de</strong>sbravar se torna um beco sem saída”.<br />

(MACHADO, 2006, p. 82). Sendo assim, ainda segundo o autor, as “narrativas do<br />

vivido” po<strong>de</strong>m trabalhar com muitas pesquisas, pois constituem-se em<br />

<strong>de</strong>screver, mostrar, relatar, ‘reportar’, fazer a crônica, levantar<br />

diversos pontos <strong>de</strong> vista em conflito, radiografar, cartografar,<br />

relacionar, construir perfis, retratar uma comunida<strong>de</strong>, refazer a<br />

história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> um indivíduo ou grupo, biografar, contar, cobrir,<br />

produzir um mosaico, montar um painel, tecer os diversos fios <strong>de</strong><br />

uma realida<strong>de</strong> imaginária e <strong>de</strong> um imaginário realizado, (ou seja), as<br />

narrativas do vivido são biografias <strong>de</strong> atores sociais contemporâneos<br />

em movimento. (MACHADO, 2006, p. 83)<br />

86 Aqui acredito ser necessário o que estamos enten<strong>de</strong>ndo por polifonia. O termo remete a Bakhtin<br />

que, no estudo da prosa romanesca concebeu duas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escrita. A mono<strong>lógica</strong> e a<br />

polifônica. À monologia estão associados conceitos como autoritarismo, acabamento. Já à<br />

terminologia <strong>de</strong> polifônico estão remetidas as noções <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> em formação, inconclusibilida<strong>de</strong>,<br />

não acabamento, sujeição à mudanças, processos que não se fecham. Para saber mais: Polifonia, <strong>de</strong><br />

Paulo Bezerra em Bakthin – Conceitos Chaves, organizado por Beth Brait, editado pela Contexto,<br />

São Paulo, 2005.


O narrador do vivido, na concepção <strong>de</strong>sse autor, narra “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro”, porque<br />

está implicado com sua pesquisa e com o que está narrando, mas não está<br />

onisciente. Ele narra o pouco que sabe, segundo Machado e tenta narrar o que não<br />

sabe “por meio das vozes dos atores envolvidos na trama em construção. (...) nesse<br />

sentido, a condição inicial da narrativida<strong>de</strong> é sempre passional, enfática, afetiva e<br />

pessoal, (e) a situação narrativa é sempre dia<strong>lógica</strong>” (MACHADO, 2006, págs, 83,<br />

84).<br />

Escolhi a técnica metodo<strong>lógica</strong> das narrativas do vivido por acreditar que esta se<br />

a<strong>de</strong>qüa às noções <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento partilhadas pela epistemologia do<br />

cotidiano, <strong>de</strong> Certeau, e também, por acreditar que tal técnica seria a menos<br />

imobilizadora no ato <strong>de</strong> comunicar o conhecimento gerado pela intuição, <strong>de</strong><br />

Bergson.<br />

Foi inspirada pelo cotidiano, pela intuição e por narrar o vivido, que produzi então, o<br />

método e as técnicas <strong>de</strong>ssa pesquisa, cujos dados foram compostos a partir <strong>de</strong> um<br />

mosaico <strong>de</strong> referências que fui reunindo e guardando sobre o tema.<br />

Sendo assim, tenho cartas dos alunos que se propuseram a uma experiência na<br />

tevê FAESA, tenho <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> ORKUT dos alunos que participaram da tevê<br />

UVV, tenho registros <strong>de</strong> experiências narradas pelos alunos da tevê UFES,<br />

registradas em livro, tenho uma gama <strong>de</strong> fotos do cotidiano <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>ssas<br />

tevês e tenho, ainda, uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos gravados pela técnica do ví<strong>de</strong>o<br />

cabine.<br />

Entendo que cada técnica <strong>de</strong> pesquisa po<strong>de</strong> nos proporcionar uma possibilida<strong>de</strong><br />

diferenciada <strong>de</strong> caminho a percorrer, quando nos dispomos ao encontro. Filmadora,<br />

câmeras fotográficas, gravadores, papel, caneta, bloco, diários, olhares,<br />

sentimentos, enfim, cada suporte e habilida<strong>de</strong> trazem consigo uma condição <strong>de</strong><br />

propiciar oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação que, talvez, não estivessem<br />

potencializadas se não os tivéssemos a mão.<br />

171


Assim, para registrar os <strong>de</strong>poimentos, impressões e sentimentos dos alunos que<br />

participaram/participam das tevês universitárias do estado, utilizei a técnica do ví<strong>de</strong>o<br />

cabine, muito comum aos estudos da comunicação. Essa técnica, segundo Reyna<br />

(2003), “além <strong>de</strong> animar e instigar o conhecimento mútuo tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

provocar uma autocontemplação, levando o agente filmado a rever e reencontrar<br />

momentos e situações nos quais foram observados” (REYNA, 2003, p. 06). 87<br />

Além disso, ainda segundo esse autor, a imagem po<strong>de</strong> provocar situações <strong>de</strong><br />

reflexão, nem sempre harmoniosas, nem sempre conflituosas, capazes <strong>de</strong> levar às<br />

pessoas a refletirem sobre si, enquanto estas refletem sobre o que lhes está sendo<br />

perguntado. Sendo assim, com uma câmera na mão e muitas perguntas na cabeça,<br />

comecei a traçar o meu trajeto errante, ensaiando conversas e esperando o que<br />

po<strong>de</strong>ria vir a ser, a partir <strong>de</strong> meus encontros com os meninos. Iniciei minhas<br />

pesquisas, aproveitando-me das ocasiões que po<strong>de</strong>riam me proporcionar encontros<br />

com os alunos das tevês FAESA, UFES e UVV.<br />

Reuni então nesse trabalho <strong>de</strong> encontros “materiais significantes”, e não dados,<br />

como me ensinou Vera França (2006). Foram esses materiais que, mais do que<br />

produzir e receber discursos, me mostraram que na relação enredada das práticas<br />

cotidianas, a ação <strong>de</strong> afetar e <strong>de</strong> ser afetado pelo outro se dá a partir dos “materiais<br />

significantes”.<br />

Então, a partir dos “materiais significantes” que produzi para essa pesquisa, passei<br />

a me movimentar cotidianamente e intuitivamente pelas falas dos alunos e ainda,<br />

por muitos textos <strong>de</strong> autores, cujas falas <strong>de</strong>ixaram em mim e neste trabalho, suas<br />

marcas. E em uma tar<strong>de</strong>, já com as narrativas reunidas se movimentando em minha<br />

cabeça, eu ouvi a voz, eu ouvi “o riso <strong>de</strong> Foucault” 88 . E a voz, como me ensinou<br />

Certeau (2003, p. 255), faz escrever.<br />

87 REYNA, Carlos Pérez. Ví<strong>de</strong>o & Pesquisa Antropo<strong>lógica</strong>, Encontros & Desencontros. Documento<br />

eletrônico capturado em http://www.bocc.ubi.pt/pag/reyna-carlos-vi<strong>de</strong>o-pesquisa.html.<br />

88 Nome dado por Certeau e um dos capítulos <strong>de</strong> seu livro Histoire Et Psychanalyse Entre Science Et<br />

Fiction. Editions Gallimard, 2002.<br />

172


Pela estetização da vida cotidiana ou a breve história <strong>de</strong> jovens<br />

infames<br />

O cineasta Cláudio Torres entrevistado na tevê universitária pelo aluno Leonardo Vais.<br />

Foto: Vanessa Maia<br />

Sinopse da Programação: Este capítulo trata dos agenciamentos coletivos<br />

<strong>de</strong> enunciação diversos que compõem as subjetivida<strong>de</strong>s. Discorre sobre a<br />

invenção <strong>de</strong> outros modos <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> existência, da invenção <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida dos alunos que estiveram nos ambientes das tevês<br />

universitárias. Trata do modo em como eles se produziram outros ao produzir<br />

tevê, em um permanente movimento que teve como efeito, a reinvenção da<br />

própria vida. Da vida como ‘obra <strong>de</strong> arte’. É um capítulo que privilegia a<br />

criação, os intercessores, a heterogeneida<strong>de</strong>, a invenção, a experimentação.<br />

Porque se não houver um pouco <strong>de</strong> possível, a gente sufoca.<br />

173


“Dia virá em que todo esse disparate será apagado. O<br />

po<strong>de</strong>r que se exercerá no nível da vida cotidiana não<br />

mais será o <strong>de</strong> um monarca, próximo ou distante, todo-<br />

po<strong>de</strong>roso e caprichoso, fonte <strong>de</strong> toda justiça e objeto<br />

<strong>de</strong> não importa qual sedução, a um só tempo princípio<br />

político e potência mágica; ele será constituído <strong>de</strong> uma<br />

re<strong>de</strong> fina, diferenciada, contínua, na qual se alternam<br />

instituições diversas (...) . E o discurso que se formará,<br />

então, não terá mais a antiga teatralida<strong>de</strong> artificial e<br />

inábil; ele se <strong>de</strong>senvolverá em uma linguagem que<br />

preten<strong>de</strong>rá ser a da observação e a da neutralida<strong>de</strong>. O<br />

banal se analisará segundo a grelha eficaz mas cinza<br />

da administração. (...) Como o po<strong>de</strong>r seria leve e fácil,<br />

sem dúvida, <strong>de</strong> <strong>de</strong>smantelar, se ele não fizesse senão<br />

vigiar, espreitar, surpreen<strong>de</strong>r, interditar, punir; mas ele<br />

incita, suscita, produz; ele não é simplesmente orelha e<br />

olho; ele faz agir e falar.”<br />

Michel Foucault<br />

“O relato tem papel <strong>de</strong>cisivo. Sem dúvida, ‘<strong>de</strong>screve’.<br />

Mas ‘toda <strong>de</strong>scrição é mais do que uma fixação’, é ‘um<br />

ato culturalmente criador’”.<br />

Michel <strong>de</strong> Certeau<br />

174


C<br />

175<br />

omo tinha dito anteriormente, escrevi esse capítulo completamente extasiada<br />

pelo texto A vida dos Homens Infames 89 <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Foucault. Nesse texto o<br />

autor traz uma antologia das existências <strong>de</strong> homens comuns, sem nomes, fala <strong>de</strong><br />

suas <strong>de</strong>sventuras reunidas em um “punhado <strong>de</strong> palavras” dispersas e encontradas<br />

por acaso em livros e documentos que ele resolveu se <strong>de</strong>bruçar em suas freqüentes<br />

visitas à Biblioteca Nacional.<br />

Comuns às narrativas encontradas por Foucault estavam o <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>nciamento<br />

<strong>de</strong>ssas vidas, seu grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>saventuranças e o fato <strong>de</strong>sses relatos constituírem<br />

partes <strong>de</strong>ssas existências, <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>sgraças, <strong>de</strong> sua raiva, <strong>de</strong> seus feitos. O autor<br />

traçou para si um método que pu<strong>de</strong>sse orientá-lo no encontro daqueles relatos. Não<br />

selecionou construções heróicas, tampouco mirabolantes. Não procurou feitos.<br />

Debruçou-se, como ele mesmo explicou, nos “fragmentos dos discursos carregando<br />

os fragmentos <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> da qual fazem parte.” (FOUCAULT, 2006, p.206).<br />

Trata-se então, segundo Foucault, <strong>de</strong> relatos que traziam em si “armadilhas, armas<br />

gritos, gestos, atitu<strong>de</strong>s, astúcias, intrigas, cujas palavras foram os instrumentos.<br />

Vidas reais foram ‘<strong>de</strong>sempenhadas’ nestas poucas frases.” (FOUCAULT, 2006, p,<br />

207). Ao selecionar a vida dos homens infames, Foucault não quis dizer que estas<br />

foram ‘figuradas’, mas que, por toda or<strong>de</strong>m, suas mortes, seus <strong>de</strong>stinos, suas<br />

infelicida<strong>de</strong>s, foram ali, em parte <strong>de</strong>cididos. “Essas existências foram efetivamente<br />

riscadas e perdidas nessas palavras.” (FOUCAULT, 2006, p. 207).<br />

E o que fez com que estas existências viessem à tona, segundo o autor, mesmo<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas vilanias, pequenos feitos, nomeados <strong>de</strong>litos, foi o encontro com o<br />

po<strong>de</strong>r.<br />

O po<strong>de</strong>r que espreitava essas vidas, que as perseguiu, que prestou<br />

atenção, ainda que por um instante em suas queixas e em seu<br />

pequeno tumulto, e que as marcou com suas garras, foi ele que<br />

suscitou as poucas palavras (...) seja por ele ter querido intervir e<br />

tenha, em poucas palavras, julgado e <strong>de</strong>cidido. Todas essas vidas<br />

89 “A vida dos homens infames”, Lês cahiers du chemin, n° 29, 15 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1977, in Ditos e<br />

Escritos, Volume IV – Estretégia, Po<strong>de</strong>r-Saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Forense Universitária.


176<br />

<strong>de</strong>stinadas a passar por baixo <strong>de</strong> qualquer discurso e a <strong>de</strong>saparecer<br />

sem nunca terem sido faladas só pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>ixar rastros a partir <strong>de</strong><br />

seu contato instantâneo com o po<strong>de</strong>r (FOUCAULT, 2006, p.<br />

207,208)<br />

Para Foucault “o ponto mais intenso das vidas, aquele em que se encontra sua<br />

energia, é bem ali on<strong>de</strong> elas se chocam com o po<strong>de</strong>r, se <strong>de</strong>batem com ele, tentam<br />

utilizar suas forças para escapar <strong>de</strong> suas armadilhas.” (FOUCAULT, 2006, p. 208).<br />

Os homens infames não eram, portanto, temidos criminosos ou seviciantes<br />

<strong>de</strong>vassos. Os homens infames, estudados por Foucault, foram aqueles capturados<br />

<strong>de</strong>vido às circunstâncias produzidas por um discurso sobre eles.<br />

Era preciso um jogo <strong>de</strong> circunstâncias, na avaliação do autor, para que essas vidas,<br />

comuns, obscuras, <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> erros bastante comuns atraíssem o olho do po<strong>de</strong>r e<br />

a sua cólera. Esse “acaso” propiciado pelas circunstâncias que fez com que a<br />

observância dos responsáveis ou das instituições “<strong>de</strong>stinadas sem dúvida a apagar<br />

qualquer <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, tenha <strong>de</strong>tido este <strong>de</strong> preferência àquele, esse monge<br />

escandaloso, essa mulher espancada, esse bêbado inveterado, esse ven<strong>de</strong>dor<br />

brigão e não tantos outros.” (FOUCAULT, 2006, p. 210).<br />

A vida dos homens infames não era nem mais nem menos do que aquilo através do<br />

qual se quis abatê-los. As <strong>de</strong>mandas que eles geravam junto ao po<strong>de</strong>r monárquico<br />

<strong>de</strong> uma época. A <strong>de</strong>manda que geravam junto às instituições que <strong>de</strong>bruçam os<br />

olhares sobre eles. As vidas que provocam um sentimento <strong>de</strong> “solução” que não são<br />

compostas <strong>de</strong> escândalos, nem <strong>de</strong> admiração. Que não carregam consigo nenhuma<br />

espécie <strong>de</strong> glória. A infâmia é da or<strong>de</strong>m do humano. E as práticas que narram a Vida<br />

dos Homens Infames po<strong>de</strong>riam “se esten<strong>de</strong>r a outros tempos e lugares.”<br />

(FOUCAULT, 2006, p. 211).<br />

Falo que escrevo esse capítulo totalmente extasiada por esse texto <strong>de</strong> Foucault<br />

porque ao ler seu texto, não pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar em nossos conselhos <strong>de</strong> classes<br />

nas escolas, nas conversas entre professores, e nos relatos, breves, sobre a Vida


dos Jovens Infames 90 . As vidas que trazemos em nossos relatos junto às instituições<br />

escolares que não são, necessariamente, compostas <strong>de</strong> escândalos, muito menos <strong>de</strong><br />

admiração.<br />

Os alunos <strong>de</strong> “baixo rendimento”, <strong>de</strong> pouca ou nenhuma “disciplina”, <strong>de</strong> nenhum<br />

“interesse”. As vidas “sem compromisso”, sem “aplicação ou <strong>de</strong>dicação”. As vidas<br />

que levamos ao soberano po<strong>de</strong>r disciplinar escolar para que se tomem providências.<br />

Não gostaria <strong>de</strong> ser entendida com esse texto como uma pessoa que acha que “tudo<br />

é permitido porque tudo é da lei.”<br />

Não quero ser entendida como pessoa que acha que a liberda<strong>de</strong> é fazer tudo o que<br />

se quer. Mas me pego pensando porque sempre temos que expor alguns alunos em<br />

nossas reuniões, conversas, relatos, que mais se prestam a lamúrias ou mesmo<br />

vícios <strong>de</strong> reclamação do que à potencialização <strong>de</strong>sses meninos infames. Não quero<br />

dizer que todo conselho <strong>de</strong> classe escolar se preste à <strong>de</strong>preciação <strong>de</strong> vidas. Mas as<br />

minhas experiências como professora me impregnam. E eu, muitas vezes, presenciei<br />

verda<strong>de</strong>iros atos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição po<strong>de</strong>rosos, sobre jovens infames, que nem sempre<br />

estavam imbuídos <strong>de</strong> boas intenções.<br />

Eu mesma fui uma aluna/jovem infame. Na quase totalida<strong>de</strong> das reuniões <strong>de</strong> pais<br />

que minha mãe comparecia, ouvia dos professores: “Dona Teresa, a Vanessa fala<br />

<strong>de</strong>mais!”. “Olha Dona Teresa, eu não queria que a senhora se aborrecesse com o<br />

que eu vou dizer, mas eu tive que separar a Vanessa dos <strong>de</strong>mais colegas, ela fala<br />

muito e tira a concentração dos outros. A senhora conversa com ela, dá um jeito.”<br />

“Dona Teresa eu não queria preocupar a senhora, mas essa menina é<br />

<strong>de</strong>sinteressada 91 e distraída. Ela não vai conseguir muita coisa assim não! E além <strong>de</strong><br />

tudo, ela fala <strong>de</strong>mais, fala alto <strong>de</strong>mais, não se interessa pela minha matéria. E é<br />

muito grandona. Vou colocar ela pra sentar lá trás”. Isso soava como uma sentença<br />

90 Livre adaptação que fiz do conceito <strong>de</strong> Foucault<br />

91 Meses <strong>de</strong>pois minha mãe, já convencida <strong>de</strong> que eu “tinha algum problema” me levou a um<br />

neurologista e ele disse que eu tinha um quadro <strong>de</strong> disritmia grave, que <strong>de</strong>veria ser tratado por longos<br />

meses com medicamentos <strong>de</strong> tarja preta. Isso explicaria, segundo o discurso médico, meus “vôos” e<br />

distrações em sala <strong>de</strong> aula. Mais <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong>pois, já cursando o doutorado e lendo as leituras<br />

recomendadas pelo curso vi também nessa explicação um caráter altamente normatizante e<br />

biopolítico <strong>de</strong>sse discurso médico que também queria normalizar-me. Dar uma solução, uma vez que<br />

a instituição médica também tinha sido convocada para dar seu parecer. Tinha sido convocada para<br />

dar “providências”.<br />

177


para a minha mãe. Afinal, quem nunca ouviu falar dos alunos infames que se<br />

sentavam no fundo da sala, no “infame fundão”?<br />

O dia em que eu mais temia a minha mãe era o dia em que ela voltava da reunião <strong>de</strong><br />

conselho <strong>de</strong> pais. Já do portão eu a ouvia falar: “menina, eu não agüento mais seus<br />

professores reclamando <strong>de</strong> você! Será que você não po<strong>de</strong> me dar um <strong>de</strong>scanso!<br />

Todos os professores reclamaram <strong>de</strong> você e ainda disseram que foi você quem<br />

quebrou o <strong>de</strong>nte do Luciano, menina!”.<br />

Nas reuniões em que participei como professora não tive como não atualizar os<br />

relatos dos meus antigos professores com os relatos dos meus colegas professores.<br />

Afinal como disse Deleuze (2008), lendo a obra <strong>de</strong> Bergson, “passado e presente<br />

coexistem porque estão na mesma duração, um sobre o outro e não um <strong>de</strong>pois do<br />

outro.” (DELEUZE, 2008, p. 36). Afinando os ouvidos nessas reuniões, sempre ouvia:<br />

“Aquele menino fala <strong>de</strong>mais.” “Ele tira a concentração dos outros.” “Eu tenho que<br />

separar fulano <strong>de</strong> sicrano, porque senão não consigo dar aulas.” “Pergunte o que<br />

eles querem? Eles não querem nada, só ficar no Youtube, no Orkut. Não querem<br />

saber <strong>de</strong> nada!”<br />

Interessante pra mim lembrar disso agora e juntar os dois tempos em um único<br />

movimento. Quando ouço falar dos alunos, parece que me situo nas reuniões em que<br />

os professores falavam <strong>de</strong> mim. Minha mãe voltava da reunião tão impactada com a<br />

fala dos professores, que sequer lembrava-se <strong>de</strong> minha ca<strong>de</strong>rneta escolar repleta <strong>de</strong><br />

notas azuis. Das estrelinhas que eu recebia pelas leituras <strong>de</strong> livros e pelas redações.<br />

Tudo estava emu<strong>de</strong>cido pelos relatos sobre a aluna infame.<br />

Hoje, lendo Foucault percebo que esse “agenciamento administrativo” ao contrário do<br />

“agenciamento religioso”, tinha como pressuposto chave o mecanismo <strong>de</strong> registro e<br />

não mais o <strong>de</strong> perdão. Não que este último seja melhor, mas segundo o autor, o<br />

agenciamento administrativo, passava do cotidiano para o discurso. Era composto<br />

por filigranas porque percorria o universo ínfimo das irregularida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns sem<br />

importância. (FOUCAULT, 2006, p. 213)<br />

178


“Se ninguém começa, ninguém se mexe”<br />

Minha saga <strong>de</strong> aluna infame seguiu até que eu conheci minha professora Zeni 92 .<br />

Essa professora, a <strong>de</strong>speito das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m (financeiras, políticas e<br />

<strong>de</strong> um trabalho extenuante), das crises dos alunos com suas famílias, e da própria<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cativar a tudo e a todos, empreen<strong>de</strong>u uma metodologia que se<br />

propôs a ser “entre”.<br />

Uma metodologia que não estava atrelada a um ponto <strong>de</strong> partida, mas algo que se<br />

inseriu <strong>de</strong>ntro do movimento dos alunos que “falavam <strong>de</strong>mais”, uma metodologia que<br />

se colocou em “órbita”. Uma metodologia que teve como pressuposto fundamental<br />

chegar “entre” as lacunas produzidas pela nossa inquietu<strong>de</strong> e pela insatisfação <strong>de</strong><br />

alguns professores. Uma metodologia não opressora, no sentido <strong>de</strong>leuziano do<br />

termo, que não se propôs a impedir os movimentos que ali se configuravam.<br />

(DELEUZE, 1992, p. 152)<br />

No seu primeiro dia <strong>de</strong> aula, Zeni começou a conversar conosco. Entrava nas<br />

conversas, falando também as coisas que dizíamos. Depois <strong>de</strong> algum tempo,<br />

conversando nossas conversas, nos propôs um <strong>de</strong>safio. Disse que toda aula <strong>de</strong>la<br />

teria uma história que contaríamos. Disse que gostava muito <strong>de</strong> ouvir histórias e que,<br />

como nós gostávamos muito <strong>de</strong> falar, ela iria <strong>de</strong>stinar um tempo da aula para que<br />

contássemos as nossas histórias. O bacana foi que ela não impôs as histórias que<br />

contaríamos. Podíamos falar <strong>de</strong> tudo. Do dia que tivemos, da briga com os irmãos,<br />

da queimada que jogamos na rua.<br />

Até que um dia Zeni trouxe para a sala vários livros que contavam as mais variadas<br />

histórias. Pequenas leituras, algumas muito parecidas com nossas histórias, outras,<br />

completamente diferentes. Então, nós tínhamos uma tarefa. Levar o livro pra casa, ler<br />

e contar a história para os outros no dia seguinte. A aula começava com o conteúdo<br />

que ela precisava ministrar e nos momentos finais, os mais aguardados, vinham as<br />

histórias.<br />

92 Querida Zeni. Nem sei se um dia você po<strong>de</strong>rá ler esse meu trabalho. Mas quero dizer que até hoje trago seus<br />

ensinamentos comigo. Queria te dizer que até hoje, quando pego em um livro que compro, me lembro do<br />

primeiro livro que tive, que foi você quem me <strong>de</strong>u. Era O velho e o mar, <strong>de</strong> Ernest Hemingway. Todos os dias<br />

tento pensar como você faria, quando estou diante <strong>de</strong> alunos ditos infames.<br />

179


180<br />

A partir daquele dia, estávamos sempre envolvidos com os livros, trocávamos<br />

histórias, compartilhávamos. O “rendimento” da turma aumentou. Os outros<br />

professores passaram a ter ciúmes <strong>de</strong> Zeni. Mas ela resolveu, à moda <strong>de</strong>leuziana,<br />

não acompanhar o movimento <strong>de</strong> seus vizinhos e resolveu fazer seu próprio<br />

movimento. Afinal, como bem disse o autor, “se ninguém começa, ninguém se<br />

mexe.”(DELEUZE, 1992, p. 156)<br />

Alguns professores resolveram entrar no movimento produzido e começaram a usar<br />

as histórias para ilustrar suas matérias, quando isso era possível. Quando não, eles<br />

ouviam e diziam que a ciência, a matemática, a física também eram repletas <strong>de</strong><br />

histórias que nós iríamos conhecer ao longo do ano. Outros resolveram<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar toda a movimentação.<br />

Depois que conheci Zeni vi que falar não era problema e aprendi que às vezes é<br />

preciso ouvir para ter assuntos para conversar. Eu não queria mais trocar os<br />

momentos <strong>de</strong> ouvir e contar histórias. As aulas <strong>de</strong> Zeni causaram tanta interferência,<br />

que foram capazes <strong>de</strong> nos conquistar por um dom. Aquelas aulas nos capturaram 93 .<br />

Zeni foi uma intercessora, no sentido da criação. Ela resolveu fazer seu próprio<br />

movimento, sem esperar pelos vizinhos.<br />

A partir do meu encontro com ela, eu nunca mais fiz parte dos alunos ditos infames.<br />

E não foi por mérito meu. Foi pela prática <strong>de</strong> uma professora que resolveu sair dos<br />

procedimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, <strong>de</strong> queixa, <strong>de</strong> inquirição, <strong>de</strong> relatório e <strong>de</strong> interrogatório,<br />

aos quais se refere Foucault. Pois tudo o que se diz, seja sobre homens infames,<br />

sobre jovens alunos infames, se registra por escrito, nos ca<strong>de</strong>rnos dos<br />

coor<strong>de</strong>nadores, se acumula e termina por constituir dossiês e arquivos.<br />

Os dossiês e arquivos têm um peso enorme, sobretudo quando se po<strong>de</strong> senti-los nos<br />

ombros. E não é fácil se livrar do diagnóstico <strong>de</strong>les. Dias <strong>de</strong>sses encontrei uma ex-<br />

professora no supermercado. Nos falamos muito efusivamente e ela me disse:<br />

“Vanessa, e não é que você tomou jeito na vida? Se formou na faculda<strong>de</strong>, é<br />

93 Estou enten<strong>de</strong>ndo o termo captura aqui como o enten<strong>de</strong> Deleuze. A captura não seria o<br />

aprisionamento, o encalce, mas aquilo que somente a interferência po<strong>de</strong> produzir. (DELEUZE, 1992,<br />

p. 156)


jornalista. Menina eu achava que você não ia adiante!” Eu queria falar pra aquela<br />

professora que eu também era professora, que estava estudando educação, que<br />

tinha feito mestrado, que estava cursando o doutorado, mas resolvi <strong>de</strong>ixar pra lá.<br />

Fiquei tão raivosa que não tive resposta.<br />

Essa estranha beleza, como diz Foucault, que compõe o relato dos homens infames<br />

ainda estava viva na cabeça daquela minha professora. Esses relatos são revestidos,<br />

segundo o autor, <strong>de</strong> imagens prematuras, “nas quais pobres homens tomaram, para<br />

nós, que os percebemos <strong>de</strong> tão longe, o rosto da infâmia.” (FOUCAULT, 2006, 214)<br />

O discurso que produz a infâmia requer providências para os que são consi<strong>de</strong>rados<br />

infames. E me parecem que estas providências são tanto melhor quanto mais<br />

coercitivas. As or<strong>de</strong>ns da direção da escola, da coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> turno, assim como<br />

as or<strong>de</strong>ns do rei, não são tomadas <strong>de</strong> cima para baixo, como “signos da cólera”. Elas<br />

são incitadas, na maior parte do tempo, segundo Foucault, contra alguém por seus<br />

familiares, pai e mãe, um dos parentes, os vizinhos, ou algum membro representativo<br />

(FOUCAULT, 2006, p. 214). Não é difícil enxergar em nossas reuniões <strong>de</strong> conselho<br />

<strong>de</strong> classe professores que pe<strong>de</strong>m providências para os alunos infames.<br />

Essa convocação <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r político por parte <strong>de</strong> diversos membros da socieda<strong>de</strong><br />

ou <strong>de</strong> algum membro representativo produzirá<br />

181<br />

um murmúrio que não cessará (e que) começa a se elevar: aquele<br />

através do qual as variações individuais <strong>de</strong> conduta, as vergonhas e<br />

os segredos são oferecidos pelo discurso para as tomadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

O insignificante cessa <strong>de</strong> pertencer ao silêncio, ao rumor que passa<br />

ou à confissão fugidia. Todas essas coisas que compõem o comum,<br />

o <strong>de</strong>talhe sem importância, a obscurida<strong>de</strong>, os dia sem glória, a vida<br />

comum, po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser ditas, ou melhor, escritas. (FOUCAULT,<br />

2006, p. 216)<br />

Essa escrita acerca dos acontecimentos dos homens infames seria produzida a partir<br />

<strong>de</strong> elaborações das mais diversas or<strong>de</strong>ns. É preciso que o texto alcance um<br />

vislumbre tal, segundo Foucault, para que receba a atenção necessária da instância


182<br />

do po<strong>de</strong>r, naqueles casos, do monarca. Mas nos nossos dias, segundo o autor, esse<br />

discurso fará parte <strong>de</strong> uma fina, porém complexa e diferenciada, re<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O<br />

relato sobre infames não terá mais a forma elaborada, como fora outrora, mas uma<br />

face neutra, que se constituirá a partir da observação. “O banal se analisará segundo<br />

a grelha eficaz, mas cinza da administração, do jornalismo e da ciência” (2006, p.<br />

219).<br />

Não é <strong>de</strong> se estranhar que nossos jornais estejam repletos <strong>de</strong> discursos sobre alunos<br />

infames. Seja porque eles têm uma vida comum, não digna <strong>de</strong> observação, e por isso<br />

mesmo são citados “Nada se produz <strong>de</strong> interessante”; “Eles não criam nada”; “Eles<br />

esperam tudo <strong>de</strong> mão beijada”... seja porque estes alunos infames estão sempre<br />

sendo confrontados, pelo discurso jornalístico, científico ou da administração, com os<br />

alunos que são brilhantes, que tiram os melhores lugares, que ganham prêmios, que<br />

são <strong>de</strong>staques, etc, etc, etc. Atualmente nós nem precisamos procurar muito a<br />

comparação. A vida dos jovens infames grita nas páginas dos jornais que pe<strong>de</strong>m<br />

providências ao po<strong>de</strong>r constituído.<br />

O banal se transforma em espetáculo, em espanto, em escândalo. Nessa<br />

perspectiva, a vida dos jovens infames só mereceria ser contada se fosse constituída<br />

por uma fábula. E a fábula, segundo Foucault, especificamente nesse texto,<br />

é aquilo que merece ser dito. Por muito tempo, na socieda<strong>de</strong><br />

oci<strong>de</strong>ntal, a vida do dia-a-dia só pô<strong>de</strong> ter acesso ao discurso<br />

atravessa e transfigurada pelo fabuloso; era preciso que a vida fosse<br />

extraída para fora <strong>de</strong>la mesma pelo heroísmo, pela façanha, pela<br />

Providência e pela graça, era preciso que ela fosse marcada por um<br />

toque <strong>de</strong> impossível. Somente então ela se tornava dizível.<br />

(FOUCAULT, 2006, p. 220)<br />

O paradoxo <strong>de</strong> nosso tempo é que a vida comum, infame, sem glórias <strong>de</strong> nossos<br />

alunos passa a se constituir no excepcional, no extraordinário que está posto porque<br />

vivemos em uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se exige gran<strong>de</strong>s feitos, gran<strong>de</strong>s conquistas,<br />

índices <strong>de</strong> ranking <strong>de</strong> escolas. A vida que é <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> sua condição mais profícua.<br />

O fato <strong>de</strong> ser da or<strong>de</strong>m do humano. Sendo assim, o fato <strong>de</strong> não ter uma vida


183<br />

extraordinária, que não recebe medalhas, que não li<strong>de</strong>ra os rankings, que não cria o<br />

excepcional, faz da vida <strong>de</strong> nossos jovens alunos, uma vida <strong>de</strong> jovens infames.<br />

E aí eu me <strong>de</strong>paro diante <strong>de</strong>ssa paradoxal discursivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos tempos, em<br />

nossas escolas e penso com Certeau, que, se ”toda <strong>de</strong>scrição é mais do que uma<br />

fixação’, é ‘um ato culturalmente criador’”, como ele disse (CERTEAU, 2007, p. 209),<br />

não estaríamos criando jovens infames cada vez que elaborássemos um relato sobre<br />

eles repletos <strong>de</strong> lamúrias, e reproduções <strong>de</strong> reclamações?<br />

Se toda <strong>de</strong>scrição “tem forma performativa (ela realiza o que diz) quando se tem um<br />

certo conjunto <strong>de</strong> circunstâncias”, (CERTEAU, 2007, p. 209) não estaríamos<br />

produzindo jovens infames cada vez que <strong>de</strong>les constituíssemos um relato,<br />

justamente por eles não terem uma vida fabulosa? Não seria o próprio discurso<br />

nosso, que quer ver o extraordinário, o impensável, o genial, que faria com que toda<br />

fala nossa sobre as vidas infames, comuns e humanas <strong>de</strong> nossos alunos<br />

produzissem justamente esses alunos que insistimos em relatar nos nossos arquivos<br />

e dossiês?<br />

Certeau diz que “a <strong>de</strong>scrição é fundadora <strong>de</strong> espaços” (2007, p. 209). Sendo assim,<br />

não estaríamos então criando espaços cada vez mais infames cada vez que<br />

<strong>de</strong>screvêssemos nossos alunos? E mais: para aon<strong>de</strong> estamos olhando quando<br />

queremos <strong>de</strong>stituir esses meninos <strong>de</strong> suas carências, faltas, <strong>de</strong>sinteresses e<br />

humanida<strong>de</strong>s?<br />

A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um mundo competitivo, extraordinário, sujeito a rankings, medalhas,<br />

superações, títulos e manchetes <strong>de</strong> jornais como “A escola do ano” ou “A escola<br />

mo<strong>de</strong>lo” não estaria nublando os nossos olhos diante <strong>de</strong> nossas escolas comuns,<br />

humanas, e constituindo, por força dos mecanismos <strong>de</strong>sses discursos, uma escola<br />

infame, com alunos infames, dada a força da comparação?


184<br />

Então, me <strong>de</strong>batendo com todas essas questões e ainda ouvindo as vozes que falam<br />

dos alunos, jovens infames, nas reuniões <strong>de</strong> colegiados, nos encontros nas salas dos<br />

professores, lembrei-me <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong> Álvaro <strong>de</strong> Campos 94<br />

Não sou nada.<br />

Nunca serei nada,<br />

Não posso querer ser nada.<br />

À parte isso,<br />

Tenho em mim todos os sonhos do mundo.<br />

Pensando nos relatos sobre os alunos infames e nas minhas andanças entre eles<br />

percebo que muitos <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>m até serem rotulados <strong>de</strong> “não serem nada”, <strong>de</strong> que<br />

“nunca serão nada”, mas eu não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> notar que eles trazem consigo<br />

“todos os sonhos do mundo”.<br />

Pergunto-me, então, porque é mais freqüente relatar a vida <strong>de</strong> jovens infames do<br />

que a vida <strong>de</strong> jovens sonhadores? Se eles não se interessam pelo que pontua algum<br />

professor, pelo o que se interessam? Quais são suas expectativas? Seus anseios?<br />

Seus sonhos? Como eles estão se constituindo? Pergunto-me, novamente: o que<br />

produz esse tipo <strong>de</strong> discurso que transforma jovens alunos em jovens infames?<br />

Precisei retirar meu olhar das coisas ditas e elevá-lo até as “visibilida<strong>de</strong>s” como me<br />

ensinou Deleuze.<br />

Elevar o pensamento até as visibilida<strong>de</strong>s é pensar nos processos <strong>de</strong> produção, em<br />

relações <strong>de</strong> força <strong>de</strong> outra or<strong>de</strong>m que não estão configurados por prescrições<br />

opressoras, que querem impedir os movimentos 95 . Elevar o olhar até as visibilida<strong>de</strong>s<br />

seria realizar um movimento. Mais até do que isso, realizar um movimento que <strong>de</strong>ixe<br />

94 Heterônimo <strong>de</strong> Fernando Pessoa. Poema Tabacaria.<br />

95 Diz Deleuze: “As opressões são terríveis porque querem impedir os movimentos.” (DELEUZE,<br />

1992, p. 152)


<strong>de</strong> se fixar em relatos, reproduções e passe a ver o movimento que está sendo<br />

constituído por esses meninos.<br />

Talvez empreen<strong>de</strong>r uma criação que tenha nos alunos e a partir dos alunos, a<br />

criação, a intercessão. “Esposar o movimento ou brecá-lo são duas técnicas <strong>de</strong><br />

negociação absolutamente diferentes. Tornar visíveis coisas que não o seriam em<br />

outras condições.”(DELEUZE, 1992, p. 158)<br />

“Um pouco <strong>de</strong> possível, senão eu sufoco!” 96<br />

Não se trataria, portanto <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as origens <strong>de</strong>sses relatos, ainda que perdidas,<br />

rasuradas. Mas <strong>de</strong> pegar as coisas “on<strong>de</strong> elas crescem, pelo meio: rachar as coisas,<br />

rachar as palavras” (DELEUZE, 1992, p. 109). “Jamais interpretar, experimentar”, me<br />

aconselhou Deleuze. E durante toda essa pesquisa eu experimentei a companhia<br />

<strong>de</strong>sses meninos, muitos <strong>de</strong>les tidos como infames. Pu<strong>de</strong> conversar com eles,<br />

discordar, rir, <strong>de</strong>bater e ouvir. Pu<strong>de</strong> experimentá-los. Posteriormente estive com eles<br />

nos ambientes das tevês universitárias on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvi essa pesquisa. E o que vi,<br />

ouvi e experimentei estava longe dos relatos que os <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>nciavam, que os<br />

<strong>de</strong>ixavam expostos.<br />

Experimentei como que a partir <strong>de</strong> uma experiência disparadora eles se sentiram<br />

potentes para constituir suas vidas <strong>de</strong> outras maneiras, produzindo, eles mesmos,<br />

práticasdiscursos sobre si mesmos. Eles mesmos racharam as coisas e racharam as<br />

palavras quando começaram a falar <strong>de</strong> si mesmos, empreen<strong>de</strong>ndo processos <strong>de</strong><br />

subjetivação que os potencializavam.<br />

Uso o termo processos <strong>de</strong> subjetivação como o enten<strong>de</strong> Gilles Deleuze, com base na<br />

obra <strong>de</strong> Foucault, que “consiste essencialmente na invenção <strong>de</strong> novas possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> vida, na constituição <strong>de</strong> um vitalismo sobre fundo estético.” (DELEUZE, 1992, p.<br />

115). O termo subjetivação seria, então, entendido aqui, no sentido <strong>de</strong> processo, <strong>de</strong><br />

invenção <strong>de</strong> novos modos <strong>de</strong> existência, e não <strong>de</strong> retorno a um eu essencial. Trata-<br />

se, segundo Deleuze<br />

96 Frase atribuída a Foucault, por Gilles Deleuze in Conversações, 1992, p. 131.<br />

185


186<br />

da constituição <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> existência, ou da invenção <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida (...). Trata-se <strong>de</strong> inventar modos <strong>de</strong> existência,<br />

segundo regras facultativas, capazes <strong>de</strong> resistir ao po<strong>de</strong>r bem como<br />

se furtar ao saber, mesmo se o saber tenta penetrá-los e o po<strong>de</strong>r<br />

tenta apropriar-se <strong>de</strong>les. (DELEUZE, 1992, p. 116)<br />

Essa citação <strong>de</strong> Deleuze é muito cara para mim. Os jovens alunos infames, antes<br />

classificados como <strong>de</strong>sinteressados, ociosos e pouco motivados se transformaram<br />

em outros quando começaram a participar das ativida<strong>de</strong>s das tevês universitárias.<br />

Não que eles não tenham se transformados também em outras disciplinas, com<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outros professores. Mas ali, bem no meio, on<strong>de</strong> as coisas cresciam, eu<br />

pu<strong>de</strong> ver eles racharem as palavras ditas.<br />

Os modos <strong>de</strong> existência e <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida que eles produziram não<br />

cessaram <strong>de</strong> criar novas configurações potentes, agenciadoras <strong>de</strong> outros processos<br />

<strong>de</strong> subjetivação que tiveram como resultado a invenção <strong>de</strong> novas maneiras <strong>de</strong> ser e<br />

<strong>de</strong> estar na vida. Constituíram assim uma configuração estética às suas existências.<br />

Não se enquadraram em discursos que ofereciam mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> alunos i<strong>de</strong>ais ou<br />

<strong>de</strong>sejados, nem se ren<strong>de</strong>ram a regras coercitivas, mas produziram para si<br />

regras facultativas que produziram existências como obras <strong>de</strong> arte,<br />

regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem modos <strong>de</strong><br />

existência ou estilos <strong>de</strong> vida. É o que Nietzsche <strong>de</strong>scobria como a<br />

operação artista da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência, a invenção <strong>de</strong> novas<br />

‘possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida’. (DELEUZE, 1992, p. 123)<br />

Mas esses processos <strong>de</strong> subjetivação, isto é, a produção <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> existência,<br />

não <strong>de</strong>vem ser aqui confundidos com um sujeito essencial, auto-centrado. “Ao invés<br />

<strong>de</strong> sujeito, <strong>de</strong> sujeito <strong>de</strong> enunciação ou das instâncias psíquicas <strong>de</strong> Freud, prefiro<br />

falar em agenciamentos coletivos <strong>de</strong> enunciação.” (GUATARRI, ROLNIK, 1986, págs.<br />

30/31)<br />

São esses agenciamentos que estão na base da produção dos processos <strong>de</strong><br />

subjetivação. Mas os agenciamentos coletivos <strong>de</strong> enunciação, como explicam


Guattari e Rolnik, não estão associados à uma entida<strong>de</strong> individualizada nem à uma<br />

entida<strong>de</strong> social pre<strong>de</strong>terminada. Eles colocam em funcionamento e em conexão<br />

diferentes instâncias que vão<br />

187<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as máquinas <strong>de</strong> expressão (sistemas maquínicos,<br />

econômicos, sociais, tecnológicos, icônicos, ecológicos, etológicos,<br />

<strong>de</strong> mídia), até os sistemas <strong>de</strong> natureza infra-humana, infrapsíquica,<br />

infrapessoal (sistemas <strong>de</strong> percepção, <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> afeto, <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> representações, <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> valor, <strong>de</strong> modos <strong>de</strong><br />

memorização e produção <strong>de</strong> idéias, sistemas <strong>de</strong> inibição e <strong>de</strong><br />

automatismos, sistemas corporais, orgânicos, biológicos fisiológicos,<br />

etc. (GUATARI, ROLNIK, 1986, p. 31)<br />

Toda questão fundamental, portanto, para nós, seria a <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que maneira<br />

agenciamentos <strong>de</strong> enunciação po<strong>de</strong>m conectar as mais diferentes instâncias para<br />

produzir os modos <strong>de</strong> existência, sejam estes, modos que potencializem ou que<br />

<strong>de</strong>spotencializem as subjetivida<strong>de</strong>s que neles são produzidas.<br />

Para Guatarri e Rolnik (1986, p. 34) não seriam os modos <strong>de</strong> vida e expressões<br />

sociais que seriam formados por uma somatória <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s individuais. Ao<br />

contrário, seriam as subjetivida<strong>de</strong>s individuais que resultariam <strong>de</strong> um<br />

entrecruzamento <strong>de</strong> diversas <strong>de</strong>terminações coletivas, das mais variadas espécies.<br />

Não só as <strong>de</strong> âmbito social, mas também as <strong>de</strong> cunho político, tecnológico,<br />

religiosos, <strong>de</strong> mídia, <strong>de</strong>ntre tantas outras. (GUATARRI e ROLNIK, 1986, p. 34)<br />

Levando em consi<strong>de</strong>ração esses agenciamentos coletivos <strong>de</strong> enunciação e o que<br />

eles produzem, gostaria, agora, <strong>de</strong> apresentar outros dados <strong>de</strong>ssa pesquisa que se<br />

propõe a falar com os alunos e professores que compõem as tevês universitárias do<br />

Espírito Santo. Todo o meu esforço será o <strong>de</strong> constituir um texto <strong>de</strong> muitas vozes. A<br />

minha, a dos meninos, a dos professores, a das produções, ciente <strong>de</strong> que todas<br />

essas vozes que citei já vêm carregadas <strong>de</strong> mais vozes que agenciaram sua<br />

composição.


188<br />

As tevês universitárias são compostas, portanto, por muitos alunos. Inclusive,<br />

aqueles que são tidos como infames por muitos professores. O que me interessa<br />

então é falar <strong>de</strong>ssa criação que esses meninos fizeram <strong>de</strong> suas existências quando<br />

começaram a criar para a televisão. Ou seja, gostaria <strong>de</strong> problematizar os processos<br />

<strong>de</strong> subjetivação que foram produzidos por esses alunos quando eles resolveram<br />

produzir um outro relato sobre si, que não reafirmassem os relatos que os<br />

classificavam como jovens infames. Quero falar do átimo <strong>de</strong> tempo em que eles “se<br />

transformam em outros” 97 .<br />

Gostaria, portanto, <strong>de</strong> falar nessa produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s que são produzidas ali,<br />

quando estes meninos produzem tevê. Os processos subjetivos ou a produção <strong>de</strong><br />

subjetivida<strong>de</strong>s, não estão estariam assentados, segundo Guattari (1992) sobre uma<br />

substancialida<strong>de</strong> psíquica. São, portanto, menos essência e mais usina, no sentido<br />

como o enten<strong>de</strong> o autor, uma vez que são produzidos por “instâncias individuais,<br />

coletivas e institucionais que não mantém relações hierárquicas obrigatórias, fixadas<br />

<strong>de</strong>finitivamente” (GUATARRI, 1992, p. 11).<br />

A produção da subjetivida<strong>de</strong> é, portanto, plural, polifônica, explica Guattari,<br />

retomando uma expressão <strong>de</strong> Bakthin. Sendo plural, polifônica e transversal, as<br />

produções com e dos meios <strong>de</strong> comunicação também estariam operando <strong>de</strong> maneira<br />

indissociável na produção <strong>de</strong>ssas subjetivida<strong>de</strong>s,<br />

Devem-se tomar as produções semióticas dos mass mídia, da<br />

informática, da telemática, da robótica, etc...fora da subjetivida<strong>de</strong><br />

psico<strong>lógica</strong>? Penso que não. Do mesmo modo que as máquinas<br />

sociais po<strong>de</strong>m ser classificadas na rubrica geral <strong>de</strong> Equipamentos<br />

Coletivos, as máquinas tecno<strong>lógica</strong>s <strong>de</strong> informação e <strong>de</strong><br />

comunicação operam no núcleo da subjetivida<strong>de</strong> humana, não<br />

apenas no seio <strong>de</strong> suas memórias, da sua inteligência, mas também<br />

da sua sensibilida<strong>de</strong>, dos seus afetos (GUATTARI, 1992, p. 14)<br />

Tomo aqui então o entendimento das subjetivida<strong>de</strong>s produzidas pela mídia, não<br />

somente pelo seu caráter alienador, reprodutor e esvaziado <strong>de</strong> conteúdo, mas<br />

97 Parte da letra “Quem canta seus males espanta”, <strong>de</strong> Itamar Assumpção, gravada por Zélia Duncan.


189<br />

também pela sua operação no âmbito das sensibilida<strong>de</strong>s e dos afetos <strong>de</strong>sses<br />

meninos que estão em contato direto com esse agenciamento midiático. Enten<strong>de</strong>ndo<br />

também que, “a produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> trabalhar tanto para o melhor como<br />

para o pior” (GUATTARI, 1992, p. 15).<br />

Meninos em uma era pós-mídia<br />

Contudo, é o próprio Guattari que me adverte que essa produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong><br />

não <strong>de</strong>ve ser julgada nem positiva nem negativamente, pois tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> como<br />

for sua articulação com os agenciamentos coletivos <strong>de</strong> enunciação. A produção <strong>de</strong><br />

uma subjetivida<strong>de</strong> potencializadora dos indivíduos, no que concerne às mídias,<br />

estaria conectada com o que o autor chama <strong>de</strong> uma era pós-mídia. Uma que se<br />

caracterizaria por uma re-apropriação e uma re-singularização da utilização da mídia.<br />

Alargando a potência <strong>de</strong>sse conceito, gostaria <strong>de</strong> pensar a era pós-mídia, não<br />

apenas no que diz respeito ao acesso <strong>de</strong>sses meninos a banco <strong>de</strong> dados, à<br />

vi<strong>de</strong>otecas, à interativida<strong>de</strong> entre eles, mas também e, sobretudo, na dimensão no<br />

âmbito da criação e da produção <strong>de</strong> mídia. Ou seja, da invenção <strong>de</strong> novos universos<br />

<strong>de</strong> referência.<br />

O melhor é a criação, a invenção <strong>de</strong> novos Universos <strong>de</strong> referência;<br />

o pior é a mass-midialização embrutecedora, (...) as evoluções<br />

tecno<strong>lógica</strong>s, conjugadas a experimentações sociais <strong>de</strong>sses novos<br />

domínios, são talvez capazes <strong>de</strong> nos fazer sair do período opressivo<br />

atual e <strong>de</strong> nos fazer entrar em uma era pós-mídia, caracterizada por<br />

uma reapropriação e uma re-singularização da utilização da mídia<br />

(GUATARRI, 1992, p. 16)<br />

Assim para enten<strong>de</strong>r essa complexida<strong>de</strong> inerente à produção das subjetivida<strong>de</strong>s (e<br />

que veio em profusão nos relatos dos meninos que participaram/participam das tevês<br />

universitárias) precisei perceber também esse confronto que se dava entre os<br />

indivíduos-grupos-máquinas-trocas múltiplas que ofereciam a esses alunos


190<br />

“possibilida<strong>de</strong>s diversificadas <strong>de</strong> recompor uma corporeida<strong>de</strong> existencial, <strong>de</strong> sair <strong>de</strong><br />

seus impasses repetitivos e, <strong>de</strong> alguma forma, <strong>de</strong> se re-singularizar” (GATTARI,<br />

1992, p. 17), e <strong>de</strong> produzir uma outra subjetivida<strong>de</strong> que não estivesse calcificada na<br />

infâmia, na opressão, que sufocava a criação e na falta <strong>de</strong> potência.<br />

Um ambiente heterogêneo<br />

Para isso precisei pensar nos muitos vetores que compõem as subjetivida<strong>de</strong>s não<br />

somente a partir <strong>de</strong> “’dimensões já existentes’, cristalizadas em complexos<br />

estruturais” (GUATTARI, 1992, p. 17), mas nas dimensões que se originam <strong>de</strong> uma<br />

criação <strong>de</strong> outras, novas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> subjetivação. Criar, escapar do prescrito,<br />

alçar novos vôos, experimentar, “do mesmo modo que um artista plástico cria novas<br />

formas a partir da palheta que dispõe.” (GUATTARI, 1992, p. 17), seriam atitu<strong>de</strong>s que<br />

engendrariam na produção das subjetivida<strong>de</strong>s, a criação <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong><br />

paradigma estético.<br />

Nessa perspectiva, segundo Guatarri (1992), quanto mais heterogêneos forem os<br />

componentes <strong>de</strong> composição <strong>de</strong>ssas subjetivida<strong>de</strong>s, tanto maior será a potência<br />

criativa que elas propiciarão aos indivíduos 98 . As tevês universitárias comportam<br />

ambientes heterogêneos. Alunos são alunos, mas também são produtores,<br />

apresentadores e diretores <strong>de</strong> programas. Professores são professores, mas também<br />

são interlocutores, co-produtores, co-diretores. Alunos, muitas vezes são professores<br />

<strong>de</strong> seus professores pela sua habitação nesse ambiente pós-mídia. As relações entre<br />

98 Sobre a heterogeneida<strong>de</strong>, Guattari, referindo-se a constituição <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s em outros<br />

indivíduos, em outros contextos, explica: “percebe-se que os componentes os mais heterogêneos<br />

po<strong>de</strong>m concorrer para a evolução positiva <strong>de</strong> um doente: as relações com o espaço arquitetônico, as<br />

relações econômicas, a co-gestão entre o doente e os responsáveis pelos diferentes vetores <strong>de</strong><br />

tratamento, a apreensão <strong>de</strong> todas as ocasiões <strong>de</strong> abertura para o exterior” (GUATTARI, 1992, p. 17).<br />

Creio que o autor referia-se à clínica psiquiátrica La Bor<strong>de</strong>, na qual era um dos responsáveis. De<br />

acordo com uma gran<strong>de</strong> amiga que estagiou lá, Iorrana Fiorechi, a cada semana, os pacientes e as<br />

<strong>de</strong>mais pessoas que lá atuavam assumiam posições diferenciadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa organização. Os<br />

pacientes não ficavam confinados em uma posição passiva. Durante uma semana eles, junto com<br />

médicos, enfermeiros e estudantes <strong>de</strong> psicologia, além do chefe responsável, ajudavam no preparo<br />

das refeições. Em outra, participavam das oficinas <strong>de</strong> artes, junto com outros profissionais da clínica.<br />

Em outras, ainda, trabalhavam no banco que existia <strong>de</strong>ntro da instituição, em outras, realizavam<br />

concertos musicais. Enfim, não estavam encerrados em lugares fixos, em ativida<strong>de</strong>s fixas. O objetivo<br />

<strong>de</strong>ssa participação em diversas ativida<strong>de</strong>s, creio eu, seria o <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar escapar acontecimentos<br />

que po<strong>de</strong>riam passar <strong>de</strong>spercebidos em uma concepção fixada no que <strong>de</strong>veria ser um lugar <strong>de</strong><br />

tratamento, ou, no caso específico <strong>de</strong>sse trabalho, do que cada um <strong>de</strong>veria realizar em uma televisão<br />

universitária.


professores e alunos estão colocadas a partir <strong>de</strong> outras <strong>de</strong>mandas que não são<br />

somente da or<strong>de</strong>m da hierarquia, da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma produção linear, da<br />

pontualida<strong>de</strong>, da obediência. Há discussões sobre temas, problemas. Nem sempre<br />

consenso, nem sempre a última palavra é a do docente.<br />

O ambiente da tevê universitária é heterogêneo porque as relações são assimétricas,<br />

não há um mo<strong>de</strong>lo a seguir, que <strong>de</strong>ve ser cumprido à risca 99 . Nem fixi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> lugares<br />

a serem ocupados. Em uma semana o aluno po<strong>de</strong> estar na apresentação <strong>de</strong> um<br />

programa, na outra, na edição, na outra, na produção e na outra escrevendo o texto<br />

<strong>de</strong> abertura do programa com o professor, na outra, ajudando na arrumação da sala<br />

e na organização dos documentos.<br />

Nas narrativas dos meninos, quando eu conversava com eles sobre a atuação na<br />

tevê universitária, o ambiente heterogêneo, a criação e a experimentação foram<br />

temas recorrentes nas falas. Utilizarei então como método para análise, a conversa,<br />

como me ensina CERTEAU (1996, p. 50). Ou seja, passarei agora a compor uma<br />

“conversa” das narrativas <strong>de</strong>sses meninos, com as minhas, <strong>pixel</strong>izando 100 esse texto.<br />

Vejo como primeiro <strong>pixel</strong> <strong>de</strong>ssa narrativa, na fala <strong>de</strong> A., a importância da<br />

experimentação do ambiente, <strong>de</strong> linguagens, <strong>de</strong> viver o cotidiano da tevê. Enfim,<br />

passemos a ela<br />

Aluno A.: Eu acho que a principal importância é viver o cotidiano da TV. A tevê<br />

universitária ela nos ensina mais do que as questões técnicas, a questão <strong>de</strong><br />

estarmos trabalhando juntos (...). Eu acho que as fronteiras entre o sucesso e o<br />

fracasso são mais importantes do que propriamente uma das duas coisas. (...) Aqui<br />

na tevê universitária a gente tinha uma experimentação muito gran<strong>de</strong>, mas nós não<br />

tínhamos noção do que era essa experimentação. Nós tínhamos capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar,<br />

mas essa liberda<strong>de</strong> pra (sic) nós era uma coisa que..... Essa experimentação que às<br />

vezes nós conseguíamos mudar o programa, mudar o formato, na época era o Marco<br />

Rost (professor coor<strong>de</strong>nador e orientador da tevê) que era o diretor e a gente sempre<br />

brigava, mas ele sempre era uma provocação para que nós crescêssemos <strong>de</strong> alguma<br />

99 Assunto que tratamos com <strong>de</strong>talhes no primeiro capítulo <strong>de</strong>sse trabalho.<br />

100 Pixelizar – reunir vários pontos (nesse caso, <strong>de</strong> vista) para compor uma imagem.<br />

191


forma. (...) Acho que nós éramos muito...nós queríamos encontrar um norte, mas não<br />

existia nenhum norte pra (sic) ser dado. A gente achava que, pelo menos eu, que a<br />

comunicação era a partir <strong>de</strong> alguma coisa já previamente dada, mas nada era dado,<br />

tudo ainda estava pra (sic) se construir. (...) O Júnior não tinha nada dado, você,<br />

Vanessa, não tinha nada dado, o Rost, não tinha nada, a gente tinha que construir.”<br />

Percebo também, nas narrativas uma valorização do processo e não do produto<br />

apenas. O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> P., me lembrou muito <strong>de</strong> uma música cantada pela Zélia<br />

Duncan, <strong>de</strong> nome Todos os verbos, on<strong>de</strong> ela diz: “Errar é útil” 101 ... faz parte do<br />

processo <strong>de</strong> conhecimento e a noção do erro como fundamental para o aprendizado,<br />

também foi enfatizada.<br />

Aluna P.: “A TV universitária tem um ambiente maravilhoso. Os colegas, os<br />

professores. Não é aquele ambiente carregado do mercado. Porque no mercado<br />

você tem...lógico que aqui a gente cumpre horário como em qualquer outro lugar,<br />

mas não é aquele ambiente pesado que todo mundo fica em cima, que tem que<br />

fazer, que tem que dar certo. Não é isso. Se tá (sic) errado, o orientador (professor)<br />

chega pra (sic) você e diz ‘ó, ta errado aqui, a gente podia fazer <strong>de</strong>sse jeito’. A<br />

conversa é diferente. Então é um ambiente gostoso, você se sente motivado <strong>de</strong> estar<br />

aqui (...) . Então essa conversa com o professor é muito importante porque eu sinto<br />

que as minhas idéias tem valor. É lógico que o professor te dá uma orientação ‘ olha<br />

você está fazendo isso aqui, mas você sabe que lá fora po<strong>de</strong> ser que seja diferente’.<br />

Então você já vai apren<strong>de</strong>ndo e você erra. A cada passo é um tropeço, um obstáculo,<br />

mas errar te faz crescer. Eu <strong>de</strong>finiria a tevê universtária como...eu diria que é uma<br />

ousadia, né (sic)?”<br />

192<br />

A próxima narrativa foi a que mais me emocionou quando eu estive em campo.<br />

J., ressaltou a importância da potencialização, do incentivo, do elogio....<br />

Aluno J.: “Tem uma coisa que me marcou bastante foi que... (faz pausa, respira e<br />

embarga a voz). Tem uma coisa marcante. Depois que eu entrei na tevê eu recebi<br />

101 Do CD Pelo sabor do gesto, 2009. Universal, 2009.


elogios, eu recebi mais elogio do que antes, nos outros lugares que trabalhei. Outro<br />

dia falaram que o Bitola é o programa mais bem produzido <strong>de</strong> Vitória! Eu acho difícil<br />

outro lugar que proporcione essa...esse acolhimento, essa convivência que a gente<br />

tem aqui <strong>de</strong>ntro. (...) Eu acho que a passagem por aqui modifica muito uma pessoa.<br />

Aqui você pratica, você começa a ter uma outra visão até do próprio teórico. Isso<br />

ajuda <strong>de</strong>mais. Além <strong>de</strong> ajudar na própria sala <strong>de</strong> aula, te ajuda também na sua vida<br />

profissional, pro (sic) futuro. A minha relação com o professor ... eu acho que é uma<br />

extensão da sala <strong>de</strong> aula. Tô apren<strong>de</strong>ndo com base em criação e ouvindo muito meu<br />

orientador. Essa relação é muito menos hierarquizada. Ele <strong>de</strong>ixa a gente muito livre.<br />

Ajuda um pouquinho e tal, direciona, mas mesmo assim dá muita liberda<strong>de</strong> pra<br />

gente. (Pergunto se ele já apresentou coisas que seu professor orientador não<br />

conhecia). Já. Um exemplo? Eu tenho um ví<strong>de</strong>o documentário que eu tenho que<br />

trazer pra (sic) ele. Esse documentário fala do cinema novo aqui no Brasil. E teve um<br />

filme, também da linguagem do vi<strong>de</strong>oclipe, que ele também não tinha visto. Isto<br />

ilustra muito bem o que a gente está querendo falar (disse, referindo-se à<br />

possibilida<strong>de</strong> das trocas e das relações diferenciadas entre professores e alunos).<br />

A potência das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> afetos, pertencimentos e conhecimentos, a potência <strong>de</strong> se<br />

estar em re<strong>de</strong>, a humanização do professor, a troca <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>de</strong><br />

referências e <strong>de</strong> experiências, ou seja, a proximida<strong>de</strong> dos relacionamentos, foi o que<br />

ressaltou N., como a principal linha <strong>de</strong> força <strong>de</strong>sse ambiente.<br />

Aluna N..: A tevê “é um lugar que você apren<strong>de</strong> muito e você apren<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma forma<br />

mais leve, mesmo sem querer. Convivendo com as pessoas, com as experiências<br />

você acaba ganhando conhecimento também. Você nunca mais vê televisão do<br />

mesmo jeito <strong>de</strong>pois que sabe como é que faz. Mesmo que eu ainda não saiba tudo a<br />

noção que eu tenho hoje já não me <strong>de</strong>ixa ver da mesma forma. O que eu aprendi foi<br />

que é difícil, é complicado, mas po<strong>de</strong> ser divertido, po<strong>de</strong> ser legal fazer. Eu acho que<br />

os professores tem muita coisa a acrescentar para a gente. O que a gente faz eles<br />

vão lá e dão dicas, fazem observação. Não que eles vão lá e façam para gente, o<br />

que é bom também porque é um jeito melhor <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r também. Às vezes você<br />

conversa um monte <strong>de</strong> coisas com o professor na hora que ele está ali e que na sala<br />

é uma coisa que não tem nada a ver, é fora <strong>de</strong> local (referia-se as trocas <strong>de</strong><br />

193


conhecimentos, <strong>de</strong> referências e das experiências que estes professores passaram<br />

quando foram alunos estagiários. Referia-se a mercado <strong>de</strong> trabalho, tipos <strong>de</strong><br />

empregos e funções. Referia-se a troca <strong>de</strong> impressões sobre viagens e livros). O que<br />

me marcou foi o relacionamento com as pessoas, <strong>de</strong> vários programas, todo mundo<br />

conversa, troca experiências e todo mundo se enten<strong>de</strong> bem até com os professores.<br />

Fazer uma piadinha que você não tem oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer na aula porque enfim, é<br />

outro local. Acho que foi isso que me marcou.”<br />

Outra questão que emergiu nas narrativas foi a importância do investimento <strong>de</strong><br />

sentido que eles fazem, que atribuem à essa ativida<strong>de</strong>. A afirmação <strong>de</strong> si, não<br />

obstante a tudo o que po<strong>de</strong>rão ou que possam estar enfrentando. As narrativas <strong>de</strong> I.,<br />

R., e C., que estão a seguir, me mostraram isso.<br />

Aluna I.: “Eu vou conseguir. Não é “eu vou tentar”, é “eu vou conseguir”. Fui lá e<br />

entrei. Por que é que eu não posso conseguir? A minha primeira entrevista foi com a<br />

Daniela Mercury. Eu fui lá, entrei em contato com a assessoria e perguntei como que<br />

eu faço para conseguir ? A iniciativa normalmente parte da gente não é. Aí a partir do<br />

momento que a gente tem a iniciativa vemos os recursos, o que a universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />

fazer pela gente e tal. Tem aquela coisa <strong>de</strong> "po<strong>de</strong> ir, po<strong>de</strong> fazer". Se a gente quiser<br />

fazer um programa com todo mundo <strong>de</strong> cabeça pra baixo e ficar legal eles <strong>de</strong>ixam<br />

fazer e vai pro ar, enten<strong>de</strong>u? Liberda<strong>de</strong> a gente tem e às vezes eles até pe<strong>de</strong>m "pô,<br />

tenta uma coisa diferente, um programa novo"...<br />

Aluno R.: “Acho que tem que levar a sério. Levar a tevê universitária a sério. (...) se<br />

você leva a sério como se daquilo realmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse a sua vida, (....) as coisas<br />

mudam.”<br />

A aposta em uma outra experimentação estética do próprio texto, do veículo tevê,<br />

também apareceu nas narrativas <strong>de</strong> C., e L., que se seguem.<br />

Aluno C.: “Escrever eu acho que é o que eu faço melhor <strong>de</strong>ntro do jornalismo. Mas<br />

essa experiência da TV é bem interessante porque acabei <strong>de</strong>scobrindo uma outra<br />

194


forma <strong>de</strong> aplicar a minha escrita, assim, uma outra linguagem. É uma linguagem que<br />

exige um conhecimento pra você redigir alguma coisa, pra fazer um trabalho<br />

mesmo.”<br />

Aluna L: “Apesar da tevê universitária ser leve, você não tem aquela<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado, mas a gente procura fazer. A gente tem espaço não<br />

é? É uma oportunida<strong>de</strong> da gente se mostrar, <strong>de</strong> fazer uma tevê alternativa. Porque a<br />

gente tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer o que quiser não é? Talvez a gente não po<strong>de</strong>ria<br />

fazer em uma tevê que é voltada para o mercado. A tevê universitária é voltada para<br />

um público diferente e a gente po<strong>de</strong> experimentar.<br />

A sensação <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> ver o trabalho pronto, <strong>de</strong> se afirmar...<br />

Aluno L.: “É incrível não é? Professora? Olhar pro programa pronto e pensar: Nossa<br />

foi a gente que fez! E está lindo!. Dá um sentimento tão bom!<br />

Conviver é bom, é necessário, conversar outros assuntos, conhecer pessoas,<br />

professores...<br />

Aluna M.: “Uma parte que eu achei muito legal também foi essa convivência com os<br />

professores, enten<strong>de</strong>u? Professores que a gente via só na sala <strong>de</strong> aula e <strong>de</strong> repente<br />

a gente estava igual... Ana que eu só via por aí, ela nem tinha dado aula pra mim.<br />

Mas uma coisa é você ver o professor na sala, outra coisa é você trabalhar com ele<br />

todo dia, conversar outras coisas”.<br />

Vencer o medo, “sonhar mais um sonho impossível”, ouvir o “é possível!”, tentar....<br />

Aluna E.: “A experiência mais marcante pra mim foi entrevistar o Caetano (Veloso).<br />

Principalmente quando você leva tanto não pela frente. Me diziam: ‘você é uma<br />

estudante. Quem disse que você vai conseguir entrevistá-lo?’ Eu ouvi muito isso.<br />

(Pergunto a ela o que a moveu para acreditar que conseguiria). O que me fez<br />

195


arriscar? Acho que acreditar mesmo. Porque eu estou na faculda<strong>de</strong>, (...) se aqui é a<br />

oportunida<strong>de</strong>, eu tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar é possível, o impossível é possível.<br />

Porque o que eu mais ouvia era que era impossível entrevistar o Caetano. Mas<br />

quando você fala eu quero...mas foi engraçado porque eu não falava com os outros<br />

(no sentindo <strong>de</strong> que não falava para muita gente). Eu falava comigo mesma e quem<br />

foi muito minha amiga foi a Ana (professora orientadora da aluna) porque eu falava<br />

‘Ana é possível?” E ela me falava: É possível! Mas essa coisa da potência, em<br />

acreditar, pra (sic) mim foi uma superação muito pessoal. E <strong>de</strong>pois veio o Zeca<br />

Pagodinho, o Zeca Baleiro. Eu senti preconceito do pessoal das outras tevês. A<br />

maneira como os nossos colegas <strong>de</strong> profissão nos olhavam <strong>de</strong> lado e esse medo que<br />

eu tinha..esse medo era alimentado com aquilo. Po<strong>de</strong> não ser assim, eu sei que em<br />

gran<strong>de</strong> parte não é, mas naquele momento do trabalho <strong>de</strong>les eles passam isso <strong>de</strong><br />

não valorizar aquilo que um dia eles também foram. Porque quem está hoje na TV<br />

também foi aluno. Hoje quando eu encontro alguém que está começando eu<br />

incentivo, eu falo, ‘não, vai lá! Vai que é possível’”. (...) Isso também é uma vantagem<br />

porque ao mesmo tempo em que você tem inúmeras <strong>de</strong>scobertas você também tem<br />

a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar.”<br />

A aposta no ambiente heterogêneo, na criação, na experimentação constituiu um<br />

agenciamento coletivo <strong>de</strong> enunciação que produziu um processo <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong><br />

potente. O “vai que é possível!” a <strong>de</strong>scoberta, a aposta na potência <strong>de</strong>sses alunos<br />

fez com que eles acreditassem neles mesmos e nesse movimento <strong>de</strong> acreditar, eles<br />

se produziram outros quando começaram a produzir televisão.<br />

E eu fiquei muito impressionada com a empolgação <strong>de</strong>sses meninos com a criação.<br />

E percebi que é preciso, <strong>de</strong> fato, “falar da criação como traçando seu caminho entre<br />

impossibilida<strong>de</strong>s.” (DELEUZE, 1992, p. 166). Foi a aposta dos meninos na<br />

experimentação, na criação <strong>de</strong> um ambiente, <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> tevê, <strong>de</strong> si, e <strong>de</strong> um<br />

mundo, que alguns <strong>de</strong>les se livraram <strong>de</strong> relatos que os constituíam como “alunos<br />

infames”.<br />

E a criação, para Deleuze, só “se faz em gargalos <strong>de</strong> estrangulamento. (...) Pois, “se<br />

um criador não é agarrado pelo pescoço por um conjunto <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong>s, não é<br />

196


um criador” (DELEUZE, 1992, p. 167). Talvez aqui esteja também a condição para<br />

que esses meninos se transformassem em outros que não mais eram os que<br />

estavam sendo relatados pelos outros. Eles passaram a falar <strong>de</strong> si quando<br />

produziram programas, se perceberam capazes, produziram possíveis. O que não os<br />

matou, os fortaleceu.<br />

E esse movimento foi percebido. Retomo aqui a fala <strong>de</strong> uma professora, que<br />

também está no início <strong>de</strong>sse trabalho, quando esta pô<strong>de</strong> perceber esse movimento.<br />

Eu a encontrei na sala dos professores. Ela estava trabalhando na tevê, com os<br />

meninos. Então perguntei por eles.<br />

E ela disse: “ Menina, eles são ótimos. Correm atrás, lêem tudo. Olha até o L., que<br />

foi meu aluno no primeiro período e não queria nada, me surpreen<strong>de</strong>u, ele se<br />

superou!” Uma outra verda<strong>de</strong> foi produzida, não mais fixada na infâmia. A da<br />

superação, a da produção <strong>de</strong> si. E essa verda<strong>de</strong> que foi produzida foi “da or<strong>de</strong>m da<br />

produção da existência.”(DELEUZE, 1992, p. 167).<br />

A produção da existência ou a vida como obra <strong>de</strong> arte<br />

O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>sses jovens alunos <strong>de</strong> produzir uma existência <strong>de</strong> outra or<strong>de</strong>m ainda<br />

está em movimento e eu consi<strong>de</strong>ro temerário afirmar aqui que isso seria algo<br />

finalizado, se é que algo, algum dia, será finalizado, sobretudo quando falamos <strong>de</strong><br />

constituição <strong>de</strong> existências. O que trago para essas páginas são essas linhas <strong>de</strong><br />

força, imanentes às narrativas, que se fizeram visíveis pra mim, no momento <strong>de</strong><br />

realização <strong>de</strong>ssa pesquisa. Ou seja, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>les <strong>de</strong> produzirem as próprias vidas<br />

<strong>de</strong> uma maneira potente.<br />

Esse <strong>de</strong>sejo, segundo Deleuze (s/d) é da or<strong>de</strong>m do conjunto. Ou seja, não se <strong>de</strong>seja<br />

algo ou alguém. Deseja-se sempre em conjunto. E para que haja esse <strong>de</strong>sejo em<br />

conjunto é preciso, segundo o autor, perceber quais são as naturezas das relações<br />

entre os elementos para que algo, nesse caso, a vida, <strong>de</strong> uma vida bela, se produza<br />

como <strong>de</strong>sejo.<br />

197


Quando se <strong>de</strong>seja algo, segundo Deleuze 102 , não se <strong>de</strong>seja abstratamente. Deseja-<br />

se algo em um contexto <strong>de</strong> vida. Esse <strong>de</strong>sejo vai se organizar não apenas com uma<br />

paisagem, mas também com outras forças que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m, as<br />

pessoas que são amigas, com as pessoas que não são amigas, com a profissão.<br />

Sendo assim, não haveria, para Deleuze, <strong>de</strong>sejos que não concorram para um<br />

agenciamento.<br />

Desejar seria, portanto, constituído por agenciamentos e, também, constitutivo <strong>de</strong><br />

agenciamentos. Seja <strong>de</strong> um vestido, como ele utiliza no seu exemplo, <strong>de</strong> uma<br />

mulher, <strong>de</strong> uma rua, um raio <strong>de</strong> sol, uma paisagem....ou <strong>de</strong> uma configuração <strong>de</strong><br />

vida, como é o sentido que estamos atribuindo nesse texto.<br />

Desejar constituir uma vida bonita, potente, que não seja <strong>de</strong>preciada, nem<br />

<strong>de</strong>squalificada, colocar em funcionamento uma ‘vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência’, inventando<br />

novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida seria, então, uma operação não somente estética, mas<br />

também, ética, que não <strong>de</strong>veria ser entendida como moral.<br />

198<br />

A diferença é esta: a moral se apresenta como um conjunto <strong>de</strong><br />

regras coercitivas <strong>de</strong> um tipo especial, que consiste em julgar ações<br />

e intenções referindo-as a valores transcen<strong>de</strong>ntais (é certo, é<br />

errado...); a ética e um conjunto <strong>de</strong> regras facultativas que avaliam o<br />

que fazemos, o que dizemos, em função do modo <strong>de</strong> existência que<br />

isso implica. (DELEUZE, 1992, págs. 125,126)<br />

Fazer da vida uma obra <strong>de</strong> arte seria fazer uma opção pela ética no sentido <strong>de</strong> se<br />

questionar: “O que estamos dizendo?” “O que estamos fazendo <strong>de</strong> nós?” “O que<br />

isso implica?” Os meninos que atuam nas tevês universitárias po<strong>de</strong>riam seguir as<br />

regras pré-estabelecidas, po<strong>de</strong>riam seguir o roteiro que foi traçado para eles,<br />

po<strong>de</strong>riam, tão somente, acatar as orientações, ou <strong>de</strong>terminações.<br />

102 “Quando uma mulher diz: <strong>de</strong>sejo um vestido, <strong>de</strong>sejo tal vestido, tal chemisier, é evi<strong>de</strong>nte que não<br />

<strong>de</strong>seja tal vestido em abstrato. Ela o <strong>de</strong>seja em um contexto <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>la, que vai organizar o <strong>de</strong>sejo<br />

em relação não apenas com uma paisagem, mas com pessoas que são suas amigas, ou que não são<br />

suas amigas, com sua profissão, etc. Nunca <strong>de</strong>sejo algo sozinho, <strong>de</strong>sejo bem mais, também não<br />

<strong>de</strong>sejo um conjunto, <strong>de</strong>sejo em um conjunto.” DELEUZE in O Abecedário <strong>de</strong> Deleuze. S/D, pág. 13.


Mas eles quiseram fazer um movimento ético, quando elaboraram as vidas a partir<br />

da questão: “O que faremos <strong>de</strong> nós?”. Uma pergunta que não se trata <strong>de</strong> saber<br />

quem se é, mas uma pergunta que implica em pensar o que lhe permite tornar-se<br />

diferente do que era no início. (FOUCAULT, 2006, p. 296).<br />

A produção <strong>de</strong> uma estética <strong>de</strong> existência engendraria uma prática ascética,<br />

segundo Foucault. Não <strong>de</strong> uma prática ascética no sentido <strong>de</strong> uma moral <strong>de</strong><br />

renúncia, mas “a <strong>de</strong> um exercício sobre si mesmo através do qual se procurar se<br />

elaborar, se transformar e atingir um certo modo <strong>de</strong> ser.” (FOUCAULT, 2006, p.<br />

265).<br />

Volto a trazer as narrativas dos meninos falando sobre si, sobre suas vidas,<br />

enredadas naquelas tevês. Volto, impressionada com os relatos impregnados <strong>de</strong><br />

vida, porque o pensamento, como disse Deleuze (1992), “jamais foi questão <strong>de</strong><br />

teoria”, mas <strong>de</strong> vida. (1992, p. 131). E a vida <strong>de</strong> Marina, que tem 54 anos e três<br />

filhos adultos, mudou muito, segundo ela nos conta.<br />

Aluna M.: “Eu me sinto muito diferente. Meus filhos morreram <strong>de</strong> rir! Falaram: Mãe!<br />

Você vai para a tevê? O que você vai fazer lá na tevê? (...) Eles ficam com muita<br />

gozação comigo porque eles sabem que eu fico muito entusiasmada e tudo que<br />

acontece aqui eu conto lá em casa, empolgada, contando tudo sabe? (pergunto à<br />

ela se ela tinha dito para os filhos que iria entrevistar o Zeca Pagodinho, o Zeca<br />

Baleiro). Eu falei que a gente ia lá. Então eles perguntaram: “como é que você vai<br />

fazer isso?”. Aí eu expliquei. É legal porque eles também estão apren<strong>de</strong>ndo as<br />

coisas assim... (...) Meus filhos me olham <strong>de</strong> maneira diferente, agora. Eles acham<br />

assim, muito interessante sabe. Eles acham assim, diferente. Mas eu acho que (fala<br />

sobre a mudança <strong>de</strong>la) foi aquela coisa que eu te falei <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir como é que se<br />

faz aquilo, como é que o programa fica pronto. Sabe, essas coisas parecem mágica.<br />

Isso sempre ficou na minha cabeça, aquelas luzes, aquele movimento. (...) Mas eu<br />

acho gostoso essa sensação <strong>de</strong> fazer um novo, <strong>de</strong> criar uma coisa nova, <strong>de</strong> fazer<br />

uma coisa nova. (..)É bom até para segurança da gente , falar ‘pôxa eu sei fazer<br />

isso!’. (M. tem 54 anos e três filhos adultos)<br />

199


200<br />

A mudança na vida, o “divisor <strong>de</strong> águas”, conforme nos conta esse aluno abaixo, a<br />

contingência <strong>de</strong> trabalhar em equipe, a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrevistar um ícone da<br />

profissão e o investimento <strong>de</strong> sentido que ele fez daquele espaço, que transbordou<br />

para curso:<br />

Aluno L.: “Acho que essa experiência foi um ‘divisor <strong>de</strong> águas’ na minha vida. (...)<br />

Eu tinha uma forma <strong>de</strong> vida muito diferente do que eu tenho hoje. Quando eu vim<br />

para cá eu tive que apren<strong>de</strong>r a trabalhar em equipe, tive que apren<strong>de</strong>r a ser um<br />

pouco mais calmo. Por causa do estágio (na tevê universitária) eu comecei a gostar<br />

mais do curso. Eu fui a São Paulo, participar <strong>de</strong> um congresso <strong>de</strong> jornalismo<br />

investigativo e lá a gente teve a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrevistar o Caco Barcelos. Você<br />

que é estudante e tem um profissional daquele na sua frente você começa a tremer<br />

todo, mas e gente conseguiu e pra mim foi muito marcante também. Então tudo foi<br />

muito importante. Passou a ter outro sentido.”<br />

O “outro sentido” conforme narrou L., que se instaurou em J., “como uma música”,<br />

trazendo novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> vida:<br />

Aluno J.: Esta experiência me “modificou. Está me modificando porque a gente tem<br />

que fazer pesquisa e com essa pesquisa a gente conhece novas coisas e essas<br />

novas coisas vem muito a somar como pessoa mesmo. Como uma nova música que<br />

você ouve. (...) eu modifico muito o meu jeito <strong>de</strong> pensar, geralmente eu estou<br />

mudando alguma coisa...eu não tenho uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria (...) eu vou mudando,<br />

variando sempre”.<br />

A vida que se modifica, que se amplia nas re<strong>de</strong>s, que se afirma, como diz P.,. O<br />

aprendizado com o trabalho em equipe, que nos obriga a pensar nos nossos<br />

preconceitos e a lidar com eles,<br />

Aluna P.: “Agora que eu estou saindo (essa aluna estava nos últimos meses <strong>de</strong> seu<br />

estágio em tevê) eu olho para trás e eu vejo como eu aprendi né (sic)? Em tudo, não<br />

só no âmbito profissional, mas no pessoal também. Eu aprendi a conviver com as<br />

diferenças. Porque a gente carrega com a gente um preconceito né (sic)? E na


comunicação eu aprendi mais sobre essa questão do preconceito e a lidar com<br />

pessoas diferentes porque ninguém é igual a ninguém. (...) Eu posso assim, a gente<br />

vai se moldando né (sic)? (...) Então quando eu entrei aqui eu era uma P. (fala do<br />

nome <strong>de</strong>la) Não que seja duas caras, não é isso. É questão <strong>de</strong> lapidar mesmo.”<br />

A lapidação, referida por P. também traz segurança para falar sobre assuntos, <strong>de</strong><br />

toda or<strong>de</strong>m, porque se pesquisa e se estuda. A segurança que vence a timi<strong>de</strong>z,<br />

quando é preciso dizer o que se sabe, foi o ganho <strong>de</strong> S., e também o <strong>de</strong> N.,que vem<br />

logo a seguir. Ir até on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>, ir até on<strong>de</strong> não se imaginava que se conseguira ir<br />

Aluna S.: “Hoje eu sou uma pessoa mais segura (...) e aqui tá (sic) me ajudando.<br />

(...) Eu consigo falar melhor, eu acho que consigo discutir melhor e <strong>de</strong>senvolver mais<br />

alguns assuntos. A S. (fala do próprio nome) antes, tipo...eu sou uma pessoa tímida<br />

e eu acho que isso ajuda até a barrar... barrar não, mas a abrir em mim mesma<br />

minha timi<strong>de</strong>z e falar mais. Não que eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ser tímida, continuo sendo tímida,<br />

mas se eu precisar falar eu vou falar mais, sabe?”<br />

Aluna N.: “Nossa! O primeiro dia que eu apresentei (apresentação <strong>de</strong> um programa)<br />

chorei, tremi, tive que sentar, sair para beber água, não conseguia falar. (...) Eu saí<br />

<strong>de</strong> lá exausta, morta né ? É porque para conseguir terminar <strong>de</strong> fazer eu fui até on<strong>de</strong><br />

podia né?”<br />

E como saber até on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> ir e o que falar e quando falar. Apren<strong>de</strong>ndo a ter<br />

bom senso, como enfatizou Milena,<br />

Aluna M.: “Foi muito importante, muito importante. Eu falo que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrei na<br />

faculda<strong>de</strong> até hoje, um ano <strong>de</strong>pois, o passo mais certinho que eu <strong>de</strong>i foi ter entrado<br />

na tevê universitária. Acho que eu aprendi a ter bom senso. Até hoje, toda vez que<br />

vou escrever alguma coisa, qualquer coisa, sobre mim, entrevistas, qualquer coisa,<br />

eu falo que tenho bom senso. Uma das minhas qualida<strong>de</strong>s é ter bom senso e eu<br />

aprendi a ter bom senso aqui. Porque nem tudo é possível, mas <strong>de</strong>ntro daquele<br />

universo que você ta (sic) envolvido, as coisas são possíveis ali.”.<br />

201


202<br />

“As coisas são possíveis”, como disse M., porquê? Porque se <strong>de</strong>scobre outras<br />

maneiras <strong>de</strong> se fazer, porque se inventa outras maneiras <strong>de</strong> fazer e o sentido se<br />

produz<br />

Aluno C..: “Eu entrei aqui por um convite <strong>de</strong> uma professora. Entrei em 2001, era<br />

para eu ter me formado em 2004 e acabei trancando várias vezes o curso. Eu<br />

achava que jornalismo não era a minha praia. Estava meio arrependido <strong>de</strong> ter feito<br />

jornalismo. Agora eu voltei, estou fazendo minha monografia sobre jornalismo<br />

literário e vou fazer algumas matérias semestre que vem. (...) Mas essa experiência<br />

<strong>de</strong> tevê é bem interessante porque acabei <strong>de</strong>scobrindo uma outra forma <strong>de</strong> aplicar a<br />

minha escrita, assim uma outra linguagem.”<br />

E produzindo outros sentidos para a vida, os meninos também se produzem outros<br />

conhecimentos, outras experiências, e por que não dizer, eles se produzem outros<br />

também, como fala a Ch. se “criam outros” outros, como disse A., no último<br />

<strong>de</strong>poimento, e produzem também potências, acreditando que o possível po<strong>de</strong> ser,<br />

também, uma criação, como disse a E..<br />

Aluna Ch.: “A Ch antes da tevê e <strong>de</strong>pois da tevê não tem como ser a mesma. Eu saí<br />

da tevê com uma experiência <strong>de</strong> vida e conhecimento infinitamente maior e se não<br />

fosse essa experiência hoje, que eu já estou trabalhando no mercado, se não fosse<br />

essa experiência <strong>de</strong> ficar na tevê universitária e experimentar, provavelmente eu não<br />

teria tantas portas abertas hoje.”<br />

Aluna E.: “Essa coisa da potência, em você acreditar. Para mim foi uma superação<br />

muito pessoal porque por mais que eu me ame, que eu queira ser uma gran<strong>de</strong><br />

profissional, eu ainda tenho essa coisa do pessimismo comigo. Ainda mais que era<br />

um momento que eu estava <strong>de</strong>pressiva e aquilo para mim foi um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio,<br />

tanto profissional, quanto pessoal. Foi <strong>de</strong> fato, enriquecedor. Magnífico. (refere-se a<br />

superação <strong>de</strong> si mesma para entrevistar Caetano Veloso que bateu o pé dizendo


que só falaria para a tevê educativa e para a tevê universitária. “(...) Chega um<br />

momento em que você fala: Chegou a minha hora.”<br />

203<br />

Aluno A.: “Foi a primeira vez que eu entrei em um estúdio <strong>de</strong> tevê na vida. Até<br />

então eu era só um expectador. (...) E <strong>de</strong>pois que eu comecei a enten<strong>de</strong>r essa <strong>lógica</strong><br />

e ver que o mais importante é você... e até uma coisa que te faria ser mais eficiente,<br />

é você realmente criar outro, criar uma outra voz, criar um outro olhar, criar um...eu<br />

comecei a conseguir criar. (...) Eu acho que sempre tem que ser uma outra pessoa”<br />

Pensando com as narrativas <strong>de</strong>sses alunos, percebo que o trabalho das e nas tevês<br />

universitárias transcen<strong>de</strong>, portanto, a formação <strong>de</strong> uma cultura audiovisual, supera a<br />

capacitação técnica para a profissionalização, mesmo sendo a produção audiovisual<br />

o dispositivo que os reúne. O que estaria em questão aqui seria essa produção <strong>de</strong><br />

subjetivida<strong>de</strong>s, disparadas por agenciamentos coletivos <strong>de</strong> enunciação produzidos<br />

por esses meninos que agora falam <strong>de</strong> si e produzem a si.<br />

O que eu fica para mim, <strong>de</strong>sses relatos, é o fato <strong>de</strong> que esses alunos, quando foram<br />

parar ali, naquelas tevês, também produziram histórias <strong>de</strong> vidas, não somente <strong>de</strong><br />

vidas alheias, mas também <strong>de</strong> suas próprias vidas, produziram suas próprias<br />

potências, produziram suas diferenciações. Ou seja, a passagem <strong>de</strong>les pela tevê foi<br />

mostrou-os que eles po<strong>de</strong>riam tornar-se diferentes do que achavam que eram, até<br />

então.<br />

Mas essa mudança, pela qual passaram esses jovens, não estava pressuposta<br />

quando eles fizeram a seleção para estagiar nas tevês ou quando foram convidados<br />

por alguns professores para estar ali. Eu tinha uma noção <strong>de</strong> que algo acontecia. Eu<br />

tinha uma intuição, no sentido bergsoniano do termo, uma vez que eu estava<br />

também <strong>de</strong>ntro daquele movimento, que algo acontecia.<br />

Mas isso nunca foi uma imposição feita a eles, a mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> nunca foi algo<br />

<strong>de</strong>clarado, colocado como imperativo do tipo: “Você vai ter que mudar!”. “Aqui você


204<br />

vai ter que se tornar diferente do que é!” ou “Olha, você está aqui, mas não po<strong>de</strong><br />

pensar do mesmo jeito que pensava antes”.<br />

Porque se isso fosse uma condição eu acho que nem eles, e muito menos nós,<br />

professores que acompanhamos esse projeto, teríamos coragem <strong>de</strong> entrar no<br />

projeto. Lembro-me muito <strong>de</strong> uma frase <strong>de</strong> Foucault quando preciso explicar nesse<br />

texto esse tipo <strong>de</strong> sentimento. Segundo Foucault, “se, ao começar a escrever um<br />

livro, você soubesse o que irá dizer no final, acredita que teria coragem <strong>de</strong> escrevê-<br />

lo? O que vale para a escrita, (...) vale também para a vida. Só vale a pena na<br />

medida em que se ignora como terminará.” (FOUCAULT, 2006, p. 294).<br />

Quando me <strong>de</strong>tenho com mais calma nessas falas penso também que esses<br />

meninos, jovens alunos, alguns <strong>de</strong>les, infames, só se produziram outros, só fizeram<br />

<strong>de</strong> suas vidas uma vida bonita porque se <strong>de</strong>bateram com o po<strong>de</strong>r. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> se<br />

afirmar, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> realizar, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> construir um outro relato sobre si, e não mais<br />

<strong>de</strong> confirmar o que relato que <strong>de</strong>les existiam. Esse foi, acredito eu, o ponto mais<br />

intenso <strong>de</strong> suas vidas.<br />

O momento em que eles se <strong>de</strong>bateram com o po<strong>de</strong>r. O po<strong>de</strong>r que classificava a tevê<br />

em que eles atuavam como uma tevê menos importante, o po<strong>de</strong>r que os classificava<br />

como improdutivos, o po<strong>de</strong>r que classificava suas vidas como vidas sem<br />

importância, o po<strong>de</strong>r que muitas vezes assumia um perfil burocrático e que os<br />

negava tudo, “não, não po<strong>de</strong>!”, ou “não <strong>de</strong>ve!” ou “pra quê? qual a importância<br />

disso?”. Ou “você não vai conseguir, isso não é possível!”<br />

Mas como o mesmo Foucault me ensinou. Esse po<strong>de</strong>r produziu, incitou, provocou,<br />

ampliou a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses meninos quando eles se confrontaram com todo um<br />

discurso das impossibilida<strong>de</strong>s. De fato, eles estavam, como foi dito anteriormente,<br />

agarrados pelo pescoço. Os imperativos do mercado, o <strong>de</strong>sejo da formação, a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar-se, o sentimento <strong>de</strong> estar ficando para trás, também foram<br />

sentimentos que, aliados aos relatos que se tinha sobre eles, fizeram com que eles<br />

se transformassem em outros.


E esse encontro é tão bonito <strong>de</strong> se ver. Embora temamos essa imagem, porque a<br />

imagem dispara uma ação em nosso pensamento e por isso, tememos essa imagem<br />

+ ação = imaginação, é tão lindo <strong>de</strong> ver a intensida<strong>de</strong> das vidas se <strong>de</strong>batendo para<br />

existir <strong>de</strong> maneira diferente do que se é ou do que se era.<br />

A intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse encontro traz à minha mente a imagem <strong>de</strong> um mar, muito<br />

revolto se batendo contra as pedras, muito duras e imóveis. Essa imagem invoca em<br />

mim um sentimento e um pensamento <strong>de</strong> mundo sobre a potência <strong>de</strong> se afirmar.<br />

Escreve com sangue, já dizia Nietszche 103 . E eles escreveram. Porque é pelo<br />

movimento do sangue no corpo que estamos vivos.<br />

103 Frase contida no livro Assim falou Zaratrusta.<br />

205


Currículos, cotidiano e mídia: uma intrincada re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>pixel</strong>s na<br />

composição <strong>de</strong> uma produção <strong>de</strong> conhecimentos em uma televisão<br />

206<br />

Alunos do ensino fundamental da escola municipal Tancredo Neves, entrevistando o prefeito<br />

da capital, João Coser, para a produção do documentário sobre o córrego “Jacarezinho”,<br />

exibido na Feira do Ver<strong>de</strong>, em novembro <strong>de</strong> 2009. Produção conjunta Escola Tancredo Neves e<br />

tevê Faesa. Foto. Stefani Merlin<br />

Sinopse da programação: Neste capítulo apresento um breve histórico sobre os<br />

estudos <strong>de</strong> currículo e nos novos <strong>pixel</strong>s conceituais que formam a imagem que<br />

temos do currículo no contemporâneo, ou seja, a <strong>de</strong> um currículo em re<strong>de</strong>s que<br />

produzem saberes, po<strong>de</strong>res e quereres. Problematizo a questão da nomeação do<br />

termo em <strong>de</strong>finições que nublam a nossa visão e não nos permite ver um currículo<br />

que se apresenta para nós, diariamente, em suas visibilida<strong>de</strong>s. Para elaborar esse<br />

capítulo, segui um conselho filosófico que me foi dado, o <strong>de</strong> ter a generosida<strong>de</strong> para<br />

olhar o que está diante <strong>de</strong> mim. Talvez essa seja a maior lição que a filosofia das<br />

imagens, seja fotografia, cinema ou televisão tenha nos ensinado. Compor uma<br />

imagem a partir da generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um olhar para o que se movimenta diante <strong>de</strong><br />

nós, compor um currículo<strong>pixel</strong>.


“A questão é, portanto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas novas<br />

possibilida<strong>de</strong>s, pensar as relações currículo-mídia,<br />

compreen<strong>de</strong>ndo o que se cria/transmite/reproduz no<br />

uso da televisão e <strong>de</strong> todos os outros meios postos à<br />

disposição para o consumo, bem como as<br />

circunstâncias, os acontecimentos que fazem surgir o<br />

novo (...) Nesse sentido a discussão que relaciona<br />

currículo e mídia, no que se refere aos espaçostempos<br />

<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rensinar institucionalizados, exige e vem se<br />

dando sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar, sem volta,<br />

essas tantas re<strong>de</strong>s e todas as negociações que,<br />

cotidianamente, nelas se dão entre<br />

praticantes/usuários/consumidores, aceitando que os<br />

processos relacionais entre eles, criam conhecimentos<br />

insubstituíveis ao viver humano”<br />

Nilda Alves<br />

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você<br />

não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em<br />

enten<strong>de</strong>r, viver ultrapassa qualquer entendimento.<br />

Clarice Lispector<br />

207


A<br />

208<br />

lguns dos principais discursos do campo do currículo têm consi<strong>de</strong>rado<br />

diferentes possibilida<strong>de</strong>s e/ou noções para se pensar sobre currículo. Rasuras,<br />

avaliação, prescrições, aparências, erosões, práticas, vivências. Ou seja, o currículo<br />

está em re<strong>de</strong>, é a própria re<strong>de</strong>. Alguns autores que escrevem sobre a temática<br />

acreditam que estamos vivendo uma crise no que tange à <strong>de</strong>finição e etimologia do<br />

termo. Outros consi<strong>de</strong>ram que estamos vivendo um momento fértil, que está<br />

reconfigurando toda uma maneira <strong>de</strong> ser pensar esse conceito, seus usos e<br />

implicações.<br />

Há diante <strong>de</strong> toda essa problemática conceitual e epistemo<strong>lógica</strong> uma questão<br />

fundamental para todos aqueles que estão implicados no processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

conhecimento que é a seguinte: como reconhecer currículo no que se apresenta<br />

diante <strong>de</strong> nós, todos os dias, ainda que não pronuncie o seu nome? Talvez essa<br />

tenha sido a preocupação fundacional do campo, quando este começou a se<br />

organizar acerca <strong>de</strong> um conceito e das concepções que o fundavam.<br />

Contudo, nossa proposta aqui será a <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>scaracterizar a idéia <strong>de</strong> que existe<br />

“o” currículo ou “um” currículo. A tentativa será a <strong>de</strong> remeter essa noção para a<br />

dimensões dos processos e movimentos do currículo que, como já disse<br />

anteriormente, é uma re<strong>de</strong>.<br />

A revisão da literatura, os primeiros <strong>pixel</strong>s compondo a imagem <strong>de</strong> um<br />

conceito<br />

Antes <strong>de</strong> pensar nessas questões, tive que estudar boa parte da literatura que se<br />

escreve sobre currículo para enten<strong>de</strong>r como as noções e os usos do currículo estão<br />

em um processo <strong>de</strong> movimento, produzindo transformações cotidianamente e,<br />

ainda, em como esse movimento enredado do currículo tem se apresentado, em<br />

<strong>de</strong>terminadas situações, <strong>de</strong> maneira holográfica, sígnica, dotado <strong>de</strong> múltiplas<br />

interfaces.<br />

Gostaria então, neste capítulo, <strong>de</strong> apresentar as muitas noções pelas quais se<br />

enten<strong>de</strong> currículo, <strong>de</strong> problematizar algumas <strong>de</strong>ssas noções e, ainda, <strong>de</strong> dialogar<br />

sobre o que esta tese consi<strong>de</strong>ra como potência: a <strong>de</strong> pensar a noção <strong>de</strong> currículos


209<br />

em re<strong>de</strong> e/ou currículos <strong>pixel</strong>s que estão se dando <strong>de</strong>ntro das tevês universitárias<br />

do Estado.<br />

Currículo tem sido um conceito <strong>de</strong> fundamental importância nos estudos da<br />

Educação e ainda, da Comunicação. Contudo, nessa última área, ele tem recebido<br />

nomes diferenciados, que implicam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a noção <strong>de</strong> temas, até conceitos como<br />

agenda-setting, pautas, enquadramentos e coberturas.<br />

O que está em jogo, nas duas áreas, é a <strong>de</strong>cisão do que <strong>de</strong>ve (e do que não <strong>de</strong>ve)<br />

ser dito, transmitido, oficializado, compartilhado, relacionado e enredado na<br />

constituição <strong>de</strong> modos que se dão a conhecer. Sejam esses modos: fatos, notícias,<br />

conteúdos, leis, conceitos, informação, saberes ou conhecimentos.<br />

As muitas nomeações...ou novos <strong>pixel</strong>s<br />

Em um texto clássico, Ivor Goodson (1995) 104 , ressalta que as implicações do termo<br />

currículo como algo a ser seguido foram enlaçadas há muito tempo, <strong>de</strong>vido à<br />

concepção etimo<strong>lógica</strong> do termo. Segundo Goodson, “a palavra currículo vem do<br />

latim Scurrere, correr, que refere-se a curso” (GOODSON, 1995, p. 31). As<br />

<strong>de</strong>rivações interpretativas <strong>de</strong>ssa terminação etimo<strong>lógica</strong> não tardariam, portanto, a<br />

<strong>de</strong>finir currículo como “um curso a ser seguido” ou como “o conteúdo apresentado<br />

para estudo” (BARROW apud GOODSON, 1995, p. 31)<br />

Ainda por implicação etimo<strong>lógica</strong>, <strong>de</strong> acordo com Goodson, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a<br />

trajetória do curso foi posto nas mãos dos que acreditavam que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>finir as<br />

trajetórias <strong>de</strong>sse curso. Dessa maneira vinculou-se currículo e prescrição, uma vez<br />

que para se ter um curso, um <strong>de</strong>stino, um trajeto, precisava-se <strong>de</strong> um traçado, um<br />

plano, uma rota, uma diretriz. O tempo passou e, segundo Goodson, a noção <strong>de</strong><br />

currículo como prescrição só se fortaleceu.<br />

104 Etimologias, epistemologias e o emergir do currículo in Currículo Teoria e História. Vozes,<br />

Petrópolis, 1995.


Posteriormente, segundo estudos apresentados por esse autor, a palavra currículo<br />

também passou a ser associada ao conceito <strong>de</strong> escolarização e à disciplina. Essa<br />

junção <strong>de</strong> conceitos por assimilação terminou por forjar, segundo o autor, a relação<br />

entre conhecimento e controle. Sobretudo, o controle social, uma vez que a alguns<br />

eleitos (os que podiam pagar) era dada a perspectiva <strong>de</strong> escolarização avançada. E<br />

a outros, (os pobres da área rural) era <strong>de</strong>stinado o enquadramento em um currículo<br />

mais conservador, apegado ao conhecimento religioso e virtuoso.<br />

Produz-se então, segundo Goodson, a idéia <strong>de</strong> currículo com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> diferenciar<br />

indivíduos a partir das perspectivas que eram “adotadas” para com esses indivíduos<br />

(GOODSON, 1995, p. 33). Currículo como prescrição, feito para ser seguido, que se<br />

encontra sob constante avaliação, submetido a cobranças <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns institucionais e<br />

<strong>de</strong> índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho. Toda essa prescrição gera nos alunos o que o autor<br />

chama <strong>de</strong> “prelúdio ao <strong>de</strong>sencanto”, termo que ele toma <strong>de</strong> empréstimo <strong>de</strong> Layton<br />

(1973).<br />

Mas Goodson, não é um autor <strong>de</strong> pensamento simplificador, embora uma primeira<br />

leitura <strong>de</strong> seu texto possa aparentar. Ele busca novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pensamento<br />

e, embora muito ciente da fixi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> um conceito inicial, toma o termo em um<br />

contexto mais amplo. No término <strong>de</strong> sua teorização, o autor, apresenta-nos as<br />

alternativas que estão sendo estudadas para que possamos seguir outros caminhos,<br />

outros cursos, outras corridas. Vejamos o que ele diz:<br />

105 Grifo do autor. Pág. 43<br />

210<br />

As alternativas para esta visão dominante continuam<br />

emergindo a superfície. Em <strong>de</strong>bates mais recentes,<br />

encontramos mestres radicais que buscam com serieda<strong>de</strong> um<br />

i<strong>de</strong>al abrangente e afirmam que, em tal situação, conhecimento<br />

e currículo precisam ser apresentados como provisórios e<br />

passíveis <strong>de</strong> reconstrução 105 Armstrong (1977) escreve que a<br />

sua “luta é no sentido <strong>de</strong> que o processo educacional <strong>de</strong>veria<br />

provocar uma relação dinâmica entre professor, aluno e tarefa;<br />

tarefa em que, tanto o professor, quando o aluno, à luz da


211<br />

experiência por ambos compartilhada, reconstroem o<br />

conhecimento. (GOODSON, 1995, p. 43)<br />

A emergência das problematizações ou a transição dos <strong>pixel</strong>s nas imagens<br />

que temos do currículos<br />

Diante do que foi postulado por Goodson, José Augusto Pacheco (2005) afirma que<br />

o conceito original <strong>de</strong> currículo tem sofrido uma erosão 106 . Embora reconheça os<br />

autores e as concepções que engessam a noção <strong>de</strong> currículo, Pacheco nos leva a<br />

pensar no caráter ambíguo e complexo dos traços <strong>de</strong>finidores <strong>de</strong>sse conceito.<br />

Ressalta a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um conceito unívoco <strong>de</strong>vido, principalmente, às<br />

perspectivas que se adotam.<br />

“Devido à sua natureza e dimensão pouco consensual, qualquer tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />

currículo converte-se numa tarefa árdua, problemática e conflitual. Aliás, cada<br />

<strong>de</strong>finição não é neutra”, afirma ele, que se <strong>de</strong>bruçou sobre uma série <strong>de</strong> estudos<br />

curriculares, tendo, <strong>de</strong>ntre estas, os estudos <strong>de</strong> Goodson. (PACHECO, 2005, p. 35).<br />

Não será uma <strong>de</strong>finição do termo, na avaliação <strong>de</strong> Pacheco, que irá contribuir para a<br />

“existência <strong>de</strong> um pensamento comum sobre uma realida<strong>de</strong>, construída na<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas concorrentes” (2005, p. 40). O que marca, portanto, o<br />

estudo <strong>de</strong>ste autor sobre currículo seria a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se chegar a um<br />

conceito fechado.<br />

Em uma pesquisa sobre O campo do currículo no Brasil: os anos noventa, Antônio<br />

Flávio Moreira (2000) traça o “estado da arte” das teorizações no campo,<br />

apropriando-se da metodologia <strong>de</strong> Barry Franklin (1999) que produziu um estudo<br />

semelhante nos Estados Unidos nos anos 1970.<br />

106 Antônio Carlos Amorim afirma que o currículo está sob ‘rasura’. O sinal da rasura, segundo<br />

Amorim, influenciado por Stuart Hall, seria o (X), que indica que os conceitos não servem mais para<br />

ser pensados em sua forma original. In Photo grafias, escritascotidiano e currículos <strong>de</strong>formação.<br />

(2005, págs 112-127)


Entrevistando pesquisadores da área do currículo, com expressiva produção<br />

acadêmica sobre o tema, Moreira buscou enten<strong>de</strong>r quais são as teorizações que<br />

estão se constituindo em torno <strong>de</strong>sse tema, como está o ensino <strong>de</strong>ssa temática nas<br />

universida<strong>de</strong>s e como tem se dado o enredamento das teorizações produzidas com<br />

as ativida<strong>de</strong>s escolares.<br />

Dentre as muitas noções trazidas por Moreira (2000), a partir das entrevistas dos<br />

estudiosos do currículo, algumas me chamaram a atenção pelos posicionamentos<br />

não simplificadores frente aos <strong>de</strong>safios que se colocam diante da temática.<br />

(MOREIRA, 2000, págs. 64 a 72)<br />

“O currículo <strong>de</strong>ve ser concebido como artefato cultural, como um campo <strong>de</strong><br />

212<br />

produção <strong>de</strong> cultura, além <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> cultura, como um campo <strong>de</strong> conflito<br />

em torno da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conhecimento”<br />

“A gente tem avançado no sentido <strong>de</strong> incorporar a nova literatura, discutir e,<br />

principalmente, os nossos esforços estão no sentido <strong>de</strong> discutir associadamente<br />

teoria e prática do currículo. (...) eu penso que vamos também, nessa linha <strong>de</strong><br />

novas temáticas para o estudo do currículo, chegando à questão do<br />

entendimento do currículo como alguma coisa extra-escolar também. (...) se a<br />

formação do cidadão está para além da escola e se à cida<strong>de</strong> cabe também a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educação do cidadão, que currículo é esse? É um currículo<br />

que tem que se ampliar e ser <strong>de</strong>finido para além da escola”<br />

“Sabe-se que o conhecimento se constrói em re<strong>de</strong>. É essa idéia que precisa<br />

subsidiar os currículos (...)”<br />

“Eu gosto <strong>de</strong> trabalhar com o cotidiano.(...) temos trabalhado muito como é que<br />

currículo sai todo o dia no jornal (...) tivemos que parar um dia e discutir o que é a<br />

pedagogia da qualida<strong>de</strong> total”<br />

“(...) o que interessa chegar na escola é o seguinte: tudo o que acontece na<br />

escola é currículo, tudo o que a criança traz é currículo. Eu acho que é isso que<br />

interessa saber.”


Diante <strong>de</strong>ssas e <strong>de</strong> outras narrativas que procuram ampliar a noção do termo para<br />

além da idéia <strong>de</strong> curso, caminho a ser percorrido, Moreira não quis se lançar a<br />

conclusões precipitadas na conclusão <strong>de</strong> seu estudo. Afirma, com os subsídios que<br />

levantou em sua pesquisa, que o campo <strong>de</strong> estudos curriculares dos anos 1990<br />

caminhou para uma situação <strong>de</strong> crise que traz em seu cerne a dispersão das<br />

noções, a sofisticação teórica e uma paradoxal e reduzida visibilida<strong>de</strong> nas escolas.<br />

Entretanto, segundo o autor, seria pru<strong>de</strong>nte que evitássemos conclusões<br />

apressadas, como a <strong>de</strong> que o campo não mais existe, ou conclusões pessimistas,<br />

como as que a enten<strong>de</strong>m que o campo tem pouco a oferecer aos professores. De<br />

acordo com Moreira<br />

213<br />

A História das Idéias e particularmente a História das Ciências<br />

nos revelam que os períodos <strong>de</strong> crise são férteis, por abrirem<br />

novas possibilida<strong>de</strong>s ao pensamento, permitindo o surgimento<br />

<strong>de</strong> alternativas teóricas e novas práticas. Cabe-nos então,<br />

procurar fazer com que seja esse o sentido do trajeto do campo<br />

da próxima década. (MOREIRA, 2005, p. 76)<br />

As novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pensar o currículo, outros <strong>pixel</strong>s, outras<br />

composições <strong>de</strong> imagens<br />

Uma perspectiva teórica potente para se pensar currículo emerge dos estudos com<br />

os cotidianos. Estes estudos lançaram novos feixes luminosos (<strong>pixel</strong>s) para se<br />

pensar o conceito problematizando, sobretudo, a idéia do currículo como prescrição<br />

e, para além, a crença <strong>de</strong> que a prescrição acontecia como tal como postulada nos<br />

espaços <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento.<br />

A problematização <strong>de</strong> tal premissa – currículos prescritos e executados conforme a<br />

prescrição - se <strong>de</strong>ve ao fato, segundo Ferraço (2005), <strong>de</strong> ser impossível <strong>de</strong>ter o<br />

movimento das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saberesfazeres contidos nos cotidianos dos ambientes <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> conhecimento.


O currículo então, a partir da perspectiva <strong>de</strong> Ferraço (2005), <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser lugar, <strong>de</strong><br />

ter nome e passa a se lançar em re<strong>de</strong> e na re<strong>de</strong> dos sujeitos que praticam o<br />

cotidiano, produzindo seus conhecimentos.<br />

214<br />

Essa abordagem na diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s implica tirar<br />

o foco dos sujeitos cotidianos pensados como indivíduos<br />

isolados e colocá-los nas relações que se estabelecem entre<br />

eles. Isto é, a questão do conhecimento e, em particular do<br />

currículo, não po<strong>de</strong> ser simplificada (...) a textos prescritivos.<br />

(...) A questão curricular, na perspectiva que aqui <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos,<br />

só é possível <strong>de</strong> ser pensada na dimensão das re<strong>de</strong>s coletivas<br />

<strong>de</strong> fazeressaberes dos sujeitos que praticam o cotidiano, fato<br />

que tem implicado a elaboração <strong>de</strong> outros discursos sobre<br />

educação, ao colocar-se em dúvida i<strong>de</strong>ias que têm permeado o<br />

imaginário da área há algum tempo. (FERRAÇO, 2005, p. 18)<br />

As novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se pensar currículo, então, abrem mão da tentativa <strong>de</strong><br />

nomeá-lo, <strong>de</strong> classificá-lo, <strong>de</strong> tornar mo<strong>de</strong>lo tal ou qual conduta para ampliar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar esse conceito. Ou seja, currículo está em re<strong>de</strong>, é re<strong>de</strong>, é<br />

constituído por e em re<strong>de</strong>s. E essas re<strong>de</strong>s são fluidas, móveis, mutantes,<br />

negociadas, mas nem por isso menos potentes, ou inexistentes porque não<br />

sabemos qual a nomeação que <strong>de</strong>vemos praticar.<br />

A potência <strong>de</strong> se pensar currículos enredados com a experiência cotidiana nos<br />

estimula a consi<strong>de</strong>rá-los em seus movimentos, em sua <strong>lógica</strong> <strong>pixel</strong>, sem, contudo,<br />

dizer o seu nome. Sem classificar-se, sem resumir-se em uma nomenclatura que<br />

embaçaria nossos olhos <strong>de</strong> ver os pontos luminosos, sentir e participar <strong>de</strong> um<br />

enredamento que produz sentido ao processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Essa noção <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r currículo a partir dos enredamentos que são realizados por<br />

alunos e professores nos levaria a pensar currículo não mais como um produto, mas<br />

como processo, segundo nos ensina Nilda Alves (2002).<br />

Ao participarem da experiência curricular cotidiana, ainda que<br />

supostamente seguindo materiais curriculares


215<br />

preestabelecidos, professores/professoras e alunos/alunas<br />

estão tecendo alternativas práticas com os fios que as suas<br />

próprias ativida<strong>de</strong>s práticas, <strong>de</strong>ntro e fora da escola, lhe<br />

fornecem. Sendo assim, po<strong>de</strong>ríamos dizer que existem muitos<br />

currículos em ação em nossas escolas, apesar dos diferentes<br />

mecanismos homogeneizadores (...)Nessa perspectiva, emerge<br />

uma nova concepção do currículo. Não estamos falando <strong>de</strong> um<br />

‘produto’ que po<strong>de</strong> ser construído seguindo mo<strong>de</strong>los<br />

preestabelecidos, mas <strong>de</strong> um processo através do qual os<br />

praticantes do currículo ressignificam suas experiências a partir<br />

das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, saberes e fazeres das quais participam.<br />

(ALVES, 2002, p. 40-41)<br />

Pensar uma noção <strong>de</strong> currículo em uma época complexa 107 é pensar, portanto,<br />

segundo Ferraço, (2005, p. 32) “em conhecimentos que sempre se processam com<br />

e em re<strong>de</strong>s e por tantas outras re<strong>de</strong>s das quais esses sujeitos, porventura possam<br />

participar.” Na trilha <strong>de</strong> pensar o currículo como re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saberesfazeres,<br />

concordamos com BARROS (2005) quando esta afirma que “as intervenções<br />

formadoras precisam ser fertilizadas por uma exigência fundamental: a <strong>de</strong> não<br />

promover ‘modos <strong>de</strong> fazer’ idênticos, baseados em padrões in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das<br />

situações vividas”(2005, p. 75)<br />

Então face à responsabilida<strong>de</strong> e ao compromisso ético, estético e político 108 , me<br />

pergunto: Que tipo <strong>de</strong> indivíduo uma enunciação <strong>de</strong> currículo preten<strong>de</strong> produzir?<br />

Alunos e professores potentes, criativos, inventivos, que sintam a alegria <strong>de</strong> ser<br />

afirmar em <strong>de</strong>terminados momentos <strong>de</strong> sua produção <strong>de</strong> conhecimento? Alunos e<br />

professores que seguem regras, que cumprem o manual à risca e que só vêem<br />

repetição e prescrição on<strong>de</strong> há tanta possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação?<br />

107 O entendimento <strong>de</strong> “complexo” aqui é realizado sob a perspectiva <strong>de</strong> Edgar Morin. Ou seja,<br />

complexo seria “o que é tecido junto, <strong>de</strong> constituintes heterogêneas, inseparavelmente associadas. O<br />

que coloca o parâmetro do uno e do múltiplo”. (MORIN, 2005, p. 13)<br />

108 Aprendi com minha professora Bete Barros, que apren<strong>de</strong>u com Guattari que esse paradigma se<br />

configura como: Estético porque criação permanente, ético porque potência ativa e porque pressupõe<br />

valores não vinculados a códigos morais e político porque implica na escolha <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> vidas e <strong>de</strong><br />

mundos que <strong>de</strong>sejamos viver. In Procurando outros paradigmas para a Educação. Revista Educação<br />

& Socieda<strong>de</strong>. Ano XVI, n° 72. Ago/2000, p. 40.


Imprescindível é pensar que essas duas e tantas outras mais condições serão<br />

produzidas o tempo inteiro, por isso assumimos, nesse capítulo a condição da<br />

complexida<strong>de</strong> da vida, ensinada por Morin e por nossas vivências <strong>de</strong> professores.<br />

Penso que o surgimento <strong>de</strong> uma imagem ou <strong>de</strong> outra, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do movimento que<br />

fizermos.<br />

Afinal, o que preten<strong>de</strong>mos com a nossa produção <strong>de</strong> conhecimento? Transformar<br />

“falcões-pássaros em pombos?” Como bem problematizou Carvalho (2005, p. 95),<br />

com um alerta/provocação que não pára <strong>de</strong> martelar na minha cabeça:<br />

216<br />

Como professores e professoras atuando no currículo escolar,<br />

concebido ou vivido, po<strong>de</strong>mos estar fazendo da educação um<br />

processo <strong>de</strong> diminuição do outro. Importa, portanto, questionar<br />

os aparatos educacionais e educativos e, <strong>de</strong>ntre eles, o<br />

currículo escolar, como lugares <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong><br />

diminuição do outro (CARVALHO, 2005, p. 95)<br />

Então, diante <strong>de</strong> tão valiosas problematizações sobre o currículo concluo com Alves,<br />

Ferraço, Barros e Carvalho (2005) que é preciso pensar nos currículos como<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>pixel</strong>izadas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimentos em re<strong>de</strong>, tecidos pelos<br />

sujeitos praticantes <strong>de</strong>ssas re<strong>de</strong>s.<br />

E ainda: que é fundamental que se pense na responsabilida<strong>de</strong> que temos <strong>de</strong> não se<br />

cair na tentação <strong>de</strong> promover modos <strong>de</strong> fazer engessados, que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rem as<br />

situações vividas. Ou seja, se não questionarmos, criarmos, inventarmos e<br />

observarmos permanentemente os currículos que praticamos e nos quais estamos<br />

enredados, corremos o risco <strong>de</strong> estarmos fazendo do currículo um lugar <strong>de</strong><br />

diminuição do outro.


A produção <strong>de</strong> currículo <strong>de</strong>ntro da produção <strong>de</strong> tevê<br />

As tevês universitárias do Espírito Santo também têm currículo prescrito,<br />

diretamente ligado aos cursos <strong>de</strong> Comunicação que se responsabilizam por estas<br />

tevês·. Então quando perguntamos a muitos colegas professores qual currículo que<br />

eles acreditam que esteja em questão no ambiente das tevês universitárias essas<br />

falas dizem que “a tevê <strong>de</strong>ve formar bons profissionais <strong>de</strong> comunicação”; que “<strong>de</strong>ve<br />

preparar o aluno para o mercado”; que “<strong>de</strong>ve ensinar as técnicas <strong>de</strong> edição,<br />

captação <strong>de</strong> imagens, linguagem audiovisual”, que “a tevê tem que <strong>de</strong>spertar no<br />

aluno um caráter empreen<strong>de</strong>dor”, etc.<br />

Enfim, várias são as narrativas que ligam diretamente a produção da tevê<br />

universitária a um currículo baseado em habilida<strong>de</strong>s e competências previstas para<br />

um <strong>de</strong>terminado perfil <strong>de</strong> aluno que se acredita existir. É claro que nenhum professor<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra a importância <strong>de</strong> sua disciplina ou experiência educativa para a<br />

formação <strong>de</strong> seu aluno. E é claro que ninguém <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra a importância da<br />

inserção <strong>de</strong>sse aluno no mercado <strong>de</strong> trabalho, uma vez que, por motivos óbvios, é o<br />

trabalho que garante as condições <strong>de</strong> sobrevivência das pessoas.<br />

A questão que gostaria <strong>de</strong> problematizar inicialmente é a seguinte: a noção <strong>de</strong><br />

currículo trazida por alguns professores em suas narrativas está indissociavelmente<br />

ligada a noção inicial do texto <strong>de</strong> Goodson, ou seja, o currículo como um curso a ser<br />

seguido, um caminho a ser percorrido, algo prescritivo.<br />

E no mais? Eu pergunto: - No mais, acho que já está <strong>de</strong> bom tamanho se a tevê<br />

conseguir isso! Me respon<strong>de</strong> outro professor.<br />

E eu penso, Não! Não está bom. Porque a gente não quer só comida, a gente tem<br />

fome <strong>de</strong> outras coisas, porque dificilmente quem trabalha com educação trabalha só<br />

pelo ganho do sustento. Trabalha também pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong><br />

invenção <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong> compartilhamento. Quem já não saiu <strong>de</strong> uma aula ou<br />

palestra empolgado? Motivado? Potencializado?<br />

217


E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu comecei a acompanhar o movimento cotidiano <strong>de</strong> produção das<br />

tevês universitárias eu percebi que muito é realizado. E o que é realizado, muitas<br />

vezes, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ter, não se po<strong>de</strong> quantificar em exames, não se po<strong>de</strong> guardar,<br />

não se po<strong>de</strong> medir.<br />

Porque não está bom? Porque “a concepção <strong>de</strong> currículo como guia curricular é<br />

redutora, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> fora todo o processo <strong>de</strong> produção sociocultural que se<br />

estabelece no cotidiano da escola” ou das tevês. (MACEDO, OLIVEIRA, MANHÃES,<br />

ALVES (org.), 2004, p. 39). Vejamos um pouco mais do que estes autores nos<br />

dizem:<br />

218<br />

Nos ambientes sociais estão tecidas diferentes experiências <strong>de</strong><br />

que participam os sujeitos, e tais experiências formam re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> conhecimento que constituem o cotidiano das diversas<br />

instituições, fazendo emergir, em diferentes momentos, uma<br />

série <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> ação. Encarando a realida<strong>de</strong> por essa<br />

ótica, assume posição <strong>de</strong> relevo a prática diária dos sujeitos,<br />

pois, ao estarem nela inseridos, que esses sujeitos usam e<br />

recriam cotidianamente os conhecimentos que a sua própria<br />

inserção lhes provém. (MACEDO, OLIVEIRA, MANHÃES,<br />

ALVES (org.), 2004, P. 40)<br />

Também não acredito ser potente, nem coerente, para a discussão do currículo nos<br />

pren<strong>de</strong>rmos ao que está estabelecido em oposição ao que está sendo praticado<br />

porque estas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> currículo estão enredadas. E, por mais paradoxal<br />

que pareça, é pensando no currículo que está prescrito que vemos o que não está, o<br />

que foi silenciado, o que foi rapidamente feito e <strong>de</strong>sfeito, o currículo que foi<br />

praticado, o currículo que possibilitou a criação, o currículo que foi negociado.<br />

Consi<strong>de</strong>rar em posição <strong>de</strong> relevo as práticas diárias do sujeito foi uma bela pista que<br />

os autores que tem a perspectiva <strong>de</strong> criar currículo no cotidiano me <strong>de</strong>ram. Percebi<br />

que as práticas cotidianas neste tipo <strong>de</strong> ambiente (educação, comunicação,<br />

televisão) agenciam um tipo <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> orientada para a produção coletiva,<br />

que pressupõe viver e negociar com a diferença.


E apren<strong>de</strong>r a negociar com a diferença foi um dos muitos aprendizados apontados<br />

por professores e alunos entrevistados para essa pesquisa. Observemos como eles<br />

respon<strong>de</strong>ram à questão: O que se apren<strong>de</strong> em uma tevê universitária?<br />

- “Eu aprendi tudo! Tudo o quê? Pergunto. Além <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> tevê? O importante<br />

para mim foi apren<strong>de</strong>r a trabalhar em equipe. Conviver com os outros, com as diferenças.<br />

Isso não é fácil. Apren<strong>de</strong>r a compartilhar opiniões que nem sempre são as minhas e, no final<br />

disso tudo, produzir um programa!”<br />

- “Nós, <strong>de</strong>ssa equipe somos muito diferentes. Demorou a dar liga. Imagina, um gosta <strong>de</strong><br />

Harry Porter, o outro, <strong>de</strong> Almodóvar, fazer televisão é fácil, difícil é ter que conciliar isso<br />

tudo.”<br />

- “Eu reclamei muito no começo, mas acho que nos ganhamos com a diferença. Eu não teria<br />

a cultura e o conhecimento que tenho hoje se não me relacionasse diariamente com<br />

pessoas tão diferentes, se eu não tivesse trabalhado em equipe. Tanta gente me ajudou!”<br />

- “A gente está acostumado com a nossa verda<strong>de</strong>. E aí tem a verda<strong>de</strong> do outro, que no<br />

começo você estranha, mas <strong>de</strong>pois te enriquece. E aí a gente po<strong>de</strong> produzir um monte <strong>de</strong><br />

coisas diferentes”.<br />

-“ Tem dias que é tanta discussão por causa das nossas diferenças, que ninguém se<br />

enten<strong>de</strong>. Mas aí como a gente já vinha nesse processo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a lidar com as<br />

diferenças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo, a gente saí, vai tomar um café, conversa sobre outras coisas e<br />

<strong>de</strong>pois volta, <strong>de</strong> novo, brigando pelas posições”<br />

Pensando com essas falas entendi que o aprendizado gerado com e a partir das<br />

diferenças <strong>de</strong> cada um produz entre eles um ambiente em princípio conflituoso,<br />

negociado e, posteriormente colaborativo. Produz um “comum”, um “em comum”.<br />

Quando digo que produz-se o comum, digo baseada nas idéias <strong>de</strong> Antônio Negri e<br />

Michael Hardt (2005), que dizem que o comum é produzido pela colaboração <strong>de</strong><br />

singularida<strong>de</strong>s complexas.<br />

219


220<br />

Pensar currículos em re<strong>de</strong>s ou currículos <strong>pixel</strong>s – produzido com e nas relações<br />

entre alunos e professores - propicia um entendimento <strong>de</strong> que os alunos, não são<br />

“massa”, pois na “massa”, “todas as diferenças são submersas e afogadas”. Os<br />

alunos são multidão, pois, “na multidão, as diferenças mantêm-se diferentes”<br />

(HARDT, NEGRI, 2005, p. 13). Essa produção do comum ocorre quando as<br />

diferenças <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong>s se comunicam e agem em conjunto. Vejamos o que<br />

nos falam Hardt e Negri.<br />

Na medida em que a multidão não é uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (como o<br />

povo) nem é uma unida<strong>de</strong> (como as massas), suas diferenças<br />

internas <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>scobrir o comum que lhe permite comunicar-<br />

se e agir em conjunto. O comum que compartilhamos, na<br />

realida<strong>de</strong>, é menos <strong>de</strong>scoberto do que produzido. (...) Nossa<br />

comunicação, colaboração e cooperação não se baseiam<br />

apenas no comum, elas também produzem o comum, numa<br />

espiral expansiva <strong>de</strong> relações. (...) Todo aquele que trabalha<br />

com a informação ou o conhecimento – dos agricultores que<br />

<strong>de</strong>senvolvem proprieda<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

sementes aos criadores <strong>de</strong> software – <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do<br />

conhecimento comum recebido <strong>de</strong> outros e por sua vez, criam<br />

novos conhecimentos comuns. Isto se aplica particularmente a<br />

todas as formas <strong>de</strong> trabalho que criam projetos imateriais como<br />

idéias, imagens, afetos e relações. (HARDT, NEGRI, 2005, p.<br />

14, 15)<br />

Parando para pensar mais <strong>de</strong>tidamente nos conceitos <strong>de</strong> Hardt e Negri (2005, 2003)<br />

e nas falas dos meninos, pu<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que trabalhar com a produção <strong>de</strong> televisão<br />

ou em qualquer outra produção <strong>de</strong> comunicação, pressupõem o trabalhar “com”.<br />

Não se faz um artefato <strong>de</strong> comunicação sozinho. É a contingência <strong>de</strong>ssa produção<br />

que nos faz trabalhar “com”.<br />

Produzir televisão, produzir programas <strong>de</strong> televisão, pesquisar, pautas, selecionar,<br />

temas, pensar assuntos, viabilizar imagens, editar os programas, enfim, produzir<br />

toda a gramática televisiva pressupõe a produção <strong>de</strong> um trabalho imaterial, porque<br />

se trata <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> informação ou conhecimento. Nessa perspectiva, produzir


tevê pressupõe produzir em comum e produzir o comum, uma vez que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

colaboração são acessadas insistentemente, o tempo todo.<br />

Na produção do comum e em comum, os resultados são <strong>de</strong> todos porque está<br />

implicada nessa maneira <strong>de</strong> se pensar o comum, o trabalho colaborativo. Vejamos o<br />

que narraram os alunos:<br />

- “O que eu vejo aqui, primeiro, é que um <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do outro. Para fazer uma boa produção<br />

você <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos outros”<br />

-“Você ver o seu trabalho e ver o que a sua equipe produziu facilita muito no aprendizado<br />

porque a gente sabe que o que está ali, bom ou ruim, é <strong>de</strong> todo mundo. A gente nem<br />

precisa falar quem vacilou porque na hora da gente avaliar o trabalho sabe que aquele é o<br />

resultado da nossa interação, então...não adianta dizer que eu fiz minha parte. Aliás, isso<br />

nem rola”<br />

- “Fazer tevê também é criação. Não é professora?”<br />

-“Outro aspecto muito importante que eu vivi aqui na tevê é a questão <strong>de</strong> trabalhar em<br />

equipe. Eu acho que a televisão, trabalho audiovisual é o trabalho que mais precisa<br />

trabalhar em equipe.São várias pessoas <strong>de</strong> diferentes personalida<strong>de</strong>s e saber lidar com isso<br />

é um trabalho que tem que ser vivido”<br />

Linkando as falas que trouxeram o aprendizado com as diferenças, o trabalho em<br />

colaboração e a criação, digo que um currículo que é produzido em re<strong>de</strong> propicia a<br />

emergência do caráter <strong>de</strong> multidão, pois a multidão, segundo explica Negri (2003)<br />

221<br />

não é nem o encontro da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, nem pura exaltação das<br />

diferenças, mas o reconhecimento <strong>de</strong> que, por traz <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e diferenças po<strong>de</strong> existir ‘algo comum’, isto é, ‘um<br />

comum’ sempre que ele seja entendido como proliferação <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s criativas (NEGRI, 2003, p. 148)<br />

O compromisso com a produção do comum, que se faz em colaboração, também me<br />

apresenta um currículo enredado com as temáticas estudadas no contexto <strong>de</strong> sala


<strong>de</strong> aula. Ou seja, as ativida<strong>de</strong>s ocorridas <strong>de</strong>ntro da escola, com o que se cria em<br />

sala, com o que se discute em aula, nos conteúdos disciplinares estão sempre se<br />

alimentando em um movimento sem fim, enfatizando a potência <strong>de</strong> se pensar em<br />

currículos em re<strong>de</strong>s. Vejamos o que relataram outros alunos:<br />

-“Acho que fazer televisão pra mim é dar vazão ao conteúdo que a gente apren<strong>de</strong> em sala<br />

<strong>de</strong> aula. É compartilhar isso também não é?”<br />

-“Eu acho que um complementa o outro (sala <strong>de</strong> aula e tevê). Acho que é uma coisa <strong>de</strong> mão<br />

dupla. Eu acho que a teoria passa a ter uma dimensão maior quando você tem a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercitá-la”<br />

-“Eu acho que são mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> conhecimentos diferentes, mas que estão muito misturados,<br />

tudo junto, sabe?”<br />

-“O que eu acho é que existe uma ressignificação teórica. Conseguir fazer um link daquilo<br />

que eu aprendo ali com o que eu aprendo aqui”<br />

-“Eles <strong>de</strong>scobrem nesse exercício (<strong>de</strong> produzir tevê) uma capacida<strong>de</strong>, um conhecimento,<br />

que talvez se não existisse essa associação da prática e da teoria ou essa flexibilida<strong>de</strong>, ou<br />

esse incentivo não iria à frente” (professora orientadora <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> uma das tevês<br />

pesquisadas)<br />

Com essas narrativas entendo que teoria e prática não estão dissociadas, pelo<br />

contrário. Acredito a partir do que li, ouvi e pesquisei que uma instância <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> conhecimento está ressignificando a outra e que teoria e prática não <strong>de</strong>vem ser<br />

pensadas como estanques ou separadas. Daí a grafia <strong>de</strong> alguns autores do currículo<br />

nos cotidianos: teoriaprática, práticateoria.<br />

Junto a essas narrativas, passo a reproduzir um diálogo que ouvi entre uma aluna<br />

que está à frente <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> entrevistas e a professora orientadora do<br />

programa;<br />

222


Aluna: - Você conhece algum político honesto? A gente<br />

tem que entrevistar um pra disciplina <strong>de</strong> um professor 109 .<br />

Professora: - Nossa, <strong>de</strong>ixa eu pensar. Credo, difícil,<br />

assim, rápido né?<br />

Aluna: Pois é, mas a gente tem que entregar o trabalho<br />

daqui a alguns dias.<br />

Aluna: Isso até dava um programa né? Por que é tão<br />

difícil achar políticos honestos?<br />

Professor: É mas aí a gente tem um problema que é partir<br />

da pressuposição <strong>de</strong> que eles não são honestos, isso é<br />

um problema até ético né (sic)?<br />

Aluna: Ético não, <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> ética. Mas então, você<br />

conhece algum?<br />

Professora: ...... (silêncio)<br />

223<br />

Eu nem sei se aquela aluna conseguiu terminar o trabalho para a disciplina do<br />

professor. Mas o fato que pu<strong>de</strong> notar é que as vias entre as experiências e<br />

aprendizados que se dão em sala <strong>de</strong> aula e na tevê estão enredadas, em constante<br />

diálogo, em uma via super rápida, que se configura ora como possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

programas, pista <strong>de</strong> que o aprendizado produzido em sala produziu outros<br />

significados e relevâncias para esses alunos que não somente os conteúdos que<br />

serão cobrados em prova ou as notas que serão atribuídas aos trabalhos.<br />

Esse conhecimento produziu significado para a vida, fez essa aluna pensar, a ponto<br />

<strong>de</strong> ela querer compartilhar com um público, a partir <strong>de</strong> um programa que a sua<br />

equipe po<strong>de</strong>ria produzir na televisão. Nessa perspectiva, para além <strong>de</strong> a tevê estar<br />

em toda a parte, nas tevês universitárias percebe-se um agenciamento para o<br />

protagonismo.<br />

O que se produz ao produzir tevê? O que se cria na escola para além dos conteúdos<br />

disciplinares <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula? Como esse professor, movimentando um currículo<br />

enredado, <strong>pixel</strong>izado e antenado com seu tempo, produziu junto com seus alunos um<br />

conhecimento que teve como ponto <strong>de</strong> partida a representação política e que não se<br />

109 A aluna mencionou o nome do professor mas eu, por <strong>de</strong>cisão, resolvi omitir.


224<br />

limitou apenas ao que foi discutido em sala, mas potencializou os alunos a <strong>de</strong>sejarem<br />

saber mais sobre o tema e a querer compartilhá-lo com muita gente, em uma<br />

programação <strong>de</strong> tevê?<br />

Novamente, volto a pensar em como <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar a questão dos currículos<br />

em re<strong>de</strong>s como algo processual, através do qual “os praticantes do currículo<br />

ressignificam suas experiências a partir das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, saberes e fazeres das<br />

quais participam (pois) a escola é apenas um dos múltiplos espaços educativos do<br />

qual participamos. (MACEDO, OLIVEIRA, MANHÃES, ALVES. (org.), 2004, p. 41, 44)<br />

É preciso que se explique que o pensamento que se elabora sobre a noção <strong>de</strong><br />

currículos em re<strong>de</strong>s não está vinculado a nenhuma proposta <strong>de</strong> se “organizar um<br />

currículo em re<strong>de</strong>s”, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar emergir as muitas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimentos que já<br />

estão sendo tecidas em nossas escolas e instituições <strong>de</strong> ensino. Sendo assim, torno-<br />

me ainda mais atenta. O que mais emerge nessas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimentos, nas falas<br />

dos praticantes <strong>de</strong>sses ambientes?<br />

- “Acho que o que é aprendizado pra mim aqui é a questão da responsabilida<strong>de</strong>. O legal é a<br />

responsabilida<strong>de</strong> que você tem e a confiança que têm em você. A gente po<strong>de</strong> até errar, mas<br />

ninguém quer errar. A gente até cria um senso <strong>de</strong> auto-crítica muito forte. Acho que apren<strong>de</strong>r<br />

tem a ver com amadurecimento.”<br />

- “Aqui o que eu aprendi é que a gente não está preso a índices <strong>de</strong> audiência, que na<br />

verda<strong>de</strong>, estão ligados aos patrocinadores, que é o que ocorre na tevê comercial. Isso é<br />

bom, mas a gente po<strong>de</strong> cair em uma armadilha <strong>de</strong> produzir algo nonsense, que é um<br />

glamour, gerado por toda tevê”.<br />

Liberda<strong>de</strong> relacionada diretamente à responsabilida<strong>de</strong> que gera confiança, que por<br />

sua vez, gera mais liberda<strong>de</strong> e mais responsabilida<strong>de</strong> e assim, sucessivamente. A<br />

noção do fascínio da tevê e dos atrativos da visibilida<strong>de</strong> que, se não problematizada,<br />

gera a superexposição e leva às ciladas da vaida<strong>de</strong>.<br />

Pouco a pouco percebo emergir das falas, um currículo que também apresenta<br />

temáticas relacionadas a um amadurecimento. As noções <strong>de</strong> limites, as


225<br />

preocupações... andando mais um pouco entre as narrativas vejo que outras<br />

preocupações, as da vida adulta, começam a aparecer. Quando digo preocupações<br />

da vida adulta, falo das preocupações com a sobrevivência, com uma vaga no<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho, com a realização profissional, com o reconhecimento do próprio<br />

trabalho.<br />

-“Posso dizer que (a tevê universitária) é importante por dois aspectos. O primeiro aspecto é<br />

o profissional, claro, porque aqui você adquire experiência, tanto na parte técnica, quando no<br />

campo, no correr atrás. E outro aspecto importante é você estar diretamente ligado na vida<br />

do campus, na vida universitária, na vida acadêmica. Isso é bastante interessante”.<br />

- “Eu acho que aprendi mais aqui do que na tevê (cita o nome <strong>de</strong> uma tevê comercial que eu,<br />

por <strong>de</strong>cisão, omiti) Porque lá você não tem tempo para apren<strong>de</strong>r. Você tem que <strong>de</strong>senvolver<br />

o que já apren<strong>de</strong>u. Então o que ajudou a <strong>de</strong>senvolver meu trabalho lá <strong>de</strong>ntro foi a<br />

experiência que eu tinha tido aqui <strong>de</strong>ntro”.<br />

-“Aqui você pratica. Isso ajuda <strong>de</strong>mais. Além <strong>de</strong> ajudar na própria sala <strong>de</strong> aula, te ajuda<br />

também na sua vida profissional, pro futuro”.<br />

-“Eu aprendi na tevê a ter ritmo para po<strong>de</strong>r entrar no mercado <strong>de</strong> trabalho, porque muita<br />

gente entra...querendo ou não a faculda<strong>de</strong> prepara para o mercado, mas não prepara direito.<br />

Então você não apren<strong>de</strong> só no mercado, você precisa ter vivência, ainda mais na<br />

comunicação que é tudo rápido. Então eu acho que foi importante eu ter passado pela tevê<br />

por causa disso, para ter ritmo, para ficar esperta. Porque quando em cheguei em uma<br />

empresa <strong>de</strong> comunicação on<strong>de</strong> o ritmo era maior, eu já tinha um pouquinho <strong>de</strong> experiência<br />

pra po<strong>de</strong>r lidar com aquilo. Porque em uma empresa <strong>de</strong> comunicação, todo mundo correndo,<br />

ninguém te ensina nada. Então a tevê me ensinou isso: a cumprir prazos, a ter<br />

responsabilida<strong>de</strong>, a ser ágil, a ter senso crítico”<br />

-“Por exemplo, a gente encontrava todo mundo na mesma tevê (universitária) e, <strong>de</strong> repente,<br />

você se forma e já tá (sic) todo mundo no mercado e você conhece gente diferente, fazendo<br />

trabalhos diferentes....você cria uma re<strong>de</strong>, uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> contados, <strong>de</strong> conhecimentos e<br />

experiências”.<br />

A preocupação com a inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho também é questão <strong>de</strong><br />

currículos para esses jovens. Além do fato <strong>de</strong> o trabalho ser a fonte <strong>de</strong> sobrevivência,


226<br />

como já falei anteriormente, esses meninos estão preocupados com a contingência<br />

<strong>de</strong> um mundo cada vez mais problemático no que diz respeito ao acesso a bens e<br />

serviços. Agora também passo, a partir das falas dos alunos, a ressignificar a fala dos<br />

professores diretamente ligada a mercado <strong>de</strong> trabalho que foram apresentadas<br />

anteriormente.<br />

Fiquei tão impactada com a freqüência das falas dos alunos que trouxeram o fato <strong>de</strong><br />

a experiência nas tevês serem potencializadoras para um futuro no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho que fui pesquisar no Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE) a<br />

relação entre <strong>de</strong>semprego e jovens.<br />

Os dados que ali encontrei fizeram sentido. Segundo o IBGE, em 2009, os jovens<br />

são os que mais estão sentindo os efeitos do <strong>de</strong>semprego: Segundo pesquisa do<br />

IBGE, divulgada em abril <strong>de</strong>ste ano <strong>de</strong> 2009, um em cada cinco jovens está sem<br />

trabalho. Ainda <strong>de</strong> acordo com o estudo, a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego para pessoas entre<br />

16 e 24 anos pulou <strong>de</strong> 18,9% em fevereiro para 21,1% em março. Seria, na<br />

avaliação <strong>de</strong>sse instituto, a maior taxa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007. 110<br />

Quando conheci essas estatíticas, ressiginificadas agora na fala dos alunos, lembrei-<br />

me <strong>de</strong> uma conversa difícil que tive com um professor, amigo, quando este teve que<br />

prestar concurso público em outro estado, <strong>de</strong>ixar sua família aqui, para,<br />

paradoxalmente, conseguir um trabalho melhor, para que pu<strong>de</strong>sse cuidar melhor<br />

<strong>de</strong>la: “Mas porque você está tão preocupado com isso? Perguntei. E ele, <strong>de</strong> pronto,<br />

me respon<strong>de</strong>u. Porque o emprego Vanessa, é uma preocupação. Porque a vida não<br />

está garantida para ninguém. Mas a sobrevivência tem que estar garantida. A gente<br />

precisa disso.”<br />

Pensei muito nessa conversa, durante muitos dias. Fiquei pensando no quanto ela<br />

faz sentido. Concluí que é preciso não só saber viver, mas também sobreviver. Em<br />

tempos <strong>de</strong> mundo globalizado, <strong>de</strong> empregos líquidos e, diante <strong>de</strong> um<br />

turbocapitalismo, a única estabilida<strong>de</strong>, no que se refere ao mercado <strong>de</strong> trabalhos, é<br />

110 Fonte: www.ibge.gov.br. Acessado em 05/11/2009.


a instabilida<strong>de</strong>. E como o currículo e a escola estão diretamente enredados com a<br />

vida, o <strong>de</strong>semprego também surge como tema em nossos currículos em re<strong>de</strong>s.<br />

Há também uma outra consi<strong>de</strong>ração que gostaria <strong>de</strong> fazer. É muito comum as<br />

instituições particulares <strong>de</strong> ensino superior ter, entre seus alunos, jovens <strong>de</strong> baixa<br />

renda. Há possibilida<strong>de</strong>s colocadas para que esses meninos cursem uma faculda<strong>de</strong><br />

sem que, necessariamente, tenham que dispen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> recursos integrais para pagar<br />

a mensalida<strong>de</strong>. Não são poucos os alunos que estudam com bolsas do ProUni e<br />

com a possibilida<strong>de</strong> do FIES 111 , além daqueles que negociam diretamente com as<br />

instituições particulares <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>scontos para suas mensalida<strong>de</strong>s.<br />

Entre o mercado e a experimentação: as negociações em currículo<br />

Realmente, como disse um aluno em um dos <strong>de</strong>poimentos citados acima, o<br />

aprendizado amadurece. E diante <strong>de</strong> preocupações tão pertinentes <strong>de</strong>sses alunos<br />

com o futuro profissional, fui ouvir dos professores orientadores <strong>de</strong>ssas tevês, como<br />

eles negociam esse currículo entre as imposições <strong>de</strong> um mercado <strong>de</strong> trabalho e uma<br />

produção <strong>de</strong> criação e experimentação, sem vínculos (sobretudo, dos anunciantes)<br />

<strong>de</strong> ter que “dar certo”. São, portanto, algumas <strong>de</strong>ssas narrativas que eu passo a<br />

reproduzir:<br />

-“ Pela experiência que conheço, é prática dos professores na TV aliar teoria e prática no<br />

trabalho cotidiano, possibilitando aos alunos o exercício das diversas ativida<strong>de</strong>s que o<br />

jornalismo requer. Recebem orientação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a elaboração dos temas à direção <strong>de</strong><br />

programas, sempre voltadas para os princípios fundamentais da profissão que passam pela<br />

ética e respeito ao público. Consi<strong>de</strong>rando que o trabalho da equipe é organizado <strong>de</strong> forma a<br />

propiciar a prática do processo ensino-aprendizagem, o aluno da TV é orientado a ter<br />

iniciativas para enfrentar as dificulda<strong>de</strong>s que ocorrem no cotidiano. A autonomia que os<br />

alunos têm para buscar alternativas, num trabalho com permanente orientação dos<br />

professores, cabe ressaltar, é um dos gran<strong>de</strong>s diferenciais que o estágio oferece. Além<br />

227<br />

111 ProUni – Programa Universida<strong>de</strong> Para Todos do Governo Fe<strong>de</strong>ral. Criado em 2004, oferece<br />

bolsas integrais aos alunos ingressos em instituições particulares <strong>de</strong> ensino, oferecendoàs<br />

instituições que a<strong>de</strong>rem ao programa isenção <strong>de</strong> alguns tributos. Já o FIES é o programa <strong>de</strong><br />

financiamento, no qual o aluno tem subsidiado 100% do valor <strong>de</strong> sua mensalida<strong>de</strong> que serão pagas<br />

<strong>de</strong>pois que esse aluno estiver formado. Fonte: http://siteprouni.mec.gov.br/. Acessado em<br />

05/11/2009.


disto, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> praticarem as diversas fases do fazer. Dificilmente irão se <strong>de</strong>parar<br />

228<br />

com esta prática em empresas <strong>de</strong> comunicação já que o estagio se transformou em<br />

composição <strong>de</strong> quadro <strong>de</strong> pessoal on<strong>de</strong>, fatalmente, irão substituir profissionais. (...) (os)<br />

egressos da TV irão para o mercado <strong>de</strong> trabalho com uma consi<strong>de</strong>rável bagagem <strong>de</strong><br />

conhecimentos que, sem dúvida, é um mérito da dinâmica praticada pela equipe. Tenho<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliar isto na TV (cita o nome da tevê, mas eu, por <strong>de</strong>cisão, resolvi retirar<br />

do texto) on<strong>de</strong> trabalho, e que faz do estágio uma prática <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra<br />

profissional. As tevês universitárias são espaços <strong>de</strong> significativa representação para o<br />

ensino-aprendizagem que, como faço questão <strong>de</strong> ressaltar, fogem à dinâmica das tevês<br />

comerciais. Para mim, esta filosofia e concepção é marcante.”<br />

-“ A TV <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua concepção, funciona com a seguinte filosofia: ser um espaço <strong>de</strong><br />

experimentação para os alunos do curso <strong>de</strong> Comunicação. Por conta disso, idéias<br />

provenientes <strong>de</strong>les nunca <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser levadas em conta. Propostas para os programas<br />

são encorajadas. É <strong>de</strong>ixado claro para eles que não temos nenhuma obrigação em relação<br />

a níveis <strong>de</strong> audiência e que a faculda<strong>de</strong> é um espaço, talvez o último que terão, para<br />

ousadias e experimentos. Que o máximo que po<strong>de</strong> acontecer é a experiência não dar certo.<br />

Neste caso, apren<strong>de</strong>remos mais ainda com os erros e problemas que com seqüentes<br />

acertos. Claro que, algumas <strong>de</strong>ssas idéias, já tendo sido tentadas antes por outras equipes,<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scartadas e os seus resultados apresentados aos alunos. É notável, como<br />

reflexo da experiência <strong>de</strong>ntro da TV, o crescimento <strong>de</strong>ste aluno <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula. A<br />

minha <strong>de</strong>dução é que a chance <strong>de</strong> experimentar, na prática, conceitos vistos em sala,<br />

ajudam-no na compreensão <strong>de</strong>stes conceitos. Neste segundo semestre <strong>de</strong> 2009, por conta<br />

dos <strong>de</strong>z anos do projeto, produzimos alguns programas especiais retrospectivos. Alguns<br />

<strong>de</strong>sses programas trouxeram ex-integrantes da TV para conversas. Do primeiríssimo<br />

integrante, até dos atuais foram entrevistados. Duas palavras pareceram sobressair no<br />

discurso <strong>de</strong> quase todos: Sauda<strong>de</strong> e Amiza<strong>de</strong>. A primeira é o reflexo <strong>de</strong> notarmos algo que<br />

fomos e não somos mais ; a segunda, às vezes, é a imagem que ficou mais forte <strong>de</strong> uma<br />

época e que, talvez, só foi notada anos mais tar<strong>de</strong>. E amiza<strong>de</strong> talvez seja uma constante<br />

<strong>de</strong>ntro das equipes. Algo muito claro os une – a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> fazer televisão.<br />

Essa vonta<strong>de</strong> em comum os leva a produzir <strong>de</strong> uma maneira diferente da forma<br />

compartimentada com que normalmente é feita a produção empresarial. Não é incomum<br />

que integrantes <strong>de</strong> uma equipe sejam vistos na produção <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> outra – seja<br />

dando “pitacos” para pautas e fontes, cobrindo a carência <strong>de</strong> um operador <strong>de</strong> câmera ou do<br />

TP, ou até mesmo integrando-se provisoriamente a essa “outra” equipe porque o tema o<br />

interessou. Todos trabalham juntos na mesma sala. O trança-tança <strong>de</strong> um lado a outro é<br />

permanente e as idéias vão junto. Esse ambiente gera discussões, no bom sentido.


Discussões, mas no mal sentido, também acontecem. Como em todos os meios, política é<br />

feita. Interesses a gerar conflitos, rusgas e <strong>de</strong>sentendimentos. São seres humanos<br />

trabalhando em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, sem hierarquia entre eles. O trabalho em grupo ensina-<br />

lhes logo algumas coisas. Que todos <strong>de</strong>vem colaborar. A acomodação <strong>de</strong> um do grupo gera<br />

uma reação <strong>de</strong> cobrança. Mas, diferentemente <strong>de</strong> uma produção empresarial, essa<br />

cobrança parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, do igual, e não <strong>de</strong> cima.”<br />

-“Fui incentivando neles o caráter empreen<strong>de</strong>dor. Na primeira reunião que tive com eles,<br />

eles tinham seus próprios projetos e já vinham me dizendo: a gente já sabe que não vai<br />

conseguir. Daí eu dizia: como assim? Eu sempre fui apenas uma ‘facilitadora’, eles criavam,<br />

eles corriam atrás, eles produziam. Isso foi bom para a estima <strong>de</strong>les porque eles estavam<br />

com tantos ‘nãos’. Gosto do ambiente informal. Não hierarquizado. Medo não é respeito. E<br />

eu nem sou professora do curso <strong>de</strong> Comunicação, mas sou coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong>les. E eles me<br />

respeitam muito. Geralmente eu incentivo esse caráter empreen<strong>de</strong>dor, mas eu percebo que<br />

os melhores são aqueles que não têm medo <strong>de</strong> experimentar coisas novas, <strong>de</strong> propor<br />

coisas. Sobre o currículo, tem a questão da parte do jornalismo, da técnica, etc. Mas tem<br />

também a questão da relação com eles, não é? Que valores nós estamos compartilhando?<br />

O que estamos colocando em circulação ali. Eu já peguei aqui <strong>de</strong>ntro equipes muito<br />

competitivas. Daí eu falei logo: peralá (sic) antes <strong>de</strong> vocês serem profissionais, vocês tem<br />

que ser equipe, e equipe coopera entre si. Penso que o currículo <strong>de</strong> uma tevê universitária<br />

não é o conteúdo por si, mas são os conteúdos e os valores das relações. Penso sempre na<br />

Rosa Maria Bueno Fischer, que pergunta: Que tevê é essa que você está produzindo?”<br />

Com as narrativas <strong>de</strong> professores e alunos sobre o processo <strong>de</strong> negociação que se<br />

estabelece entre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> idéias outras e <strong>de</strong> produções <strong>de</strong><br />

televisão e o aprendizado e a preocupação com a inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho,<br />

me pergunto: - Como negociar sonhos e as condições concretas <strong>de</strong> sobrevivência?<br />

Vera Veiga França (2006) ao se <strong>de</strong>dicar a estudos sobre homens “ordinários, sem<br />

qualida<strong>de</strong>s” que expõem em programas sensacionalistas <strong>de</strong> televisão, me <strong>de</strong>u uma<br />

pista valiosa para enten<strong>de</strong>r as falas e preocupações dos meninos com relação às<br />

questões <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>, sustento e mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Para França (2006c, p. 146), quando confrontados com uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

229<br />

visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um suporte midiático – no caso do ví<strong>de</strong>o cabine utilizado nessa


230<br />

pesquisa - as pessoas ten<strong>de</strong>m a negociar suas expectativas com suas questões<br />

primordiais, aquilo <strong>de</strong> que necessitam, aquilo que acreditam que lhes fará falta,<br />

aquilo que estão buscando.<br />

Ou seja, nos currículos em re<strong>de</strong>s, <strong>pixel</strong>izados nas tevês universitáiras estão a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, mas também a necessida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>sejo e a vonta<strong>de</strong> “<strong>de</strong> ser<br />

alguém na vida”. Os alunos e professores negociam o tempo todo essas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

saberes, po<strong>de</strong>res e, por que não? Quereres. Constante na fala dos professores e<br />

também dos alunos está sim a preocupação com a criação, com a colaboração, com<br />

a amiza<strong>de</strong>, mas também com a empregabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses meninos. Tudo isso junto,<br />

enredadado, constitui também sentido <strong>de</strong> vida e para a vida.<br />

O que se apren<strong>de</strong> a partir dos currículos em re<strong>de</strong>s praticado nas tevês<br />

universitárias? Apren<strong>de</strong>-se a produzir o comum, em comum, apren<strong>de</strong>-se a<br />

colaboração, apren<strong>de</strong>-se a importância da criação, apren<strong>de</strong>-se a política, apren<strong>de</strong>-se<br />

a se relacionar, apren<strong>de</strong>-se a se posicionar, negociando outras práticas <strong>de</strong> interesse<br />

próprio, apren<strong>de</strong>-se o valor da amiza<strong>de</strong> como força potente para sobreviver e<br />

conferir cada vez mais sentido à vida, apren<strong>de</strong>-se o pertencimento, e também,<br />

apren<strong>de</strong>-se a importância <strong>de</strong> afirmar-se, <strong>de</strong> dizer, “eu sei fazer”, “eu posso fazer” e<br />

“eu sinto que farei a diferença no mercado <strong>de</strong> trabalho”.<br />

Ainda pensando no enredamento <strong>de</strong>ssas questões, lembrei-me <strong>de</strong> Rosa Maria<br />

Bueno Fischer que me <strong>de</strong>u uma pista muito importante para pensar a produção <strong>de</strong><br />

currículos que se realiza nessas tevês universitárias. Para além da pergunta feita por<br />

ela, trazida na fala <strong>de</strong> uma professora coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> uma das tevês pesquisadas<br />

“Que tevê é essa que você está produzindo?” trouxe para esse texto uma conversa<br />

nossa na ANPED 112 , ocasião em que perguntei à essa autora e pesquisadora <strong>de</strong><br />

televisão sobre o que ela achava das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> práticas curriculares<br />

enredadas nas tevês universitárias.<br />

Rosa me olhou, <strong>de</strong>tidamente, e me <strong>de</strong>volveu uma provocação:<br />

112 Associação Nacional <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa em Educação


- “Vale à pena trabalhar com outro currículo se eles reproduzem o que já está sendo feito no<br />

mercado? Nessa hora, olhei para ela e pensei a partir <strong>de</strong> tudo o que vi nessa<br />

pesquisa. Pensei que não vi somente reprodução, mas uma gama <strong>de</strong> muitas outras<br />

produções e, ainda nos currículos em re<strong>de</strong> que são praticados nessa ambiência...<br />

Pensei, mas não tive tempo <strong>de</strong> falar, porque logo ela me respon<strong>de</strong>u: 113<br />

- “Essa é uma falsa questão. A questão aqui não é achar bom se eles reproduzem ou se não<br />

reproduzem. A questão é pensar na formação do repertório. Do alargamento da experiência.<br />

E isso é uma questão, um problema para ser pensado por alunos e professores. A proposta<br />

então é a <strong>de</strong> sempre se ampliar o repertório no que se refere ao audiovisual. E isso significa<br />

ir atrás <strong>de</strong> novos/outros repertórios e <strong>de</strong> se pensar no repertório trazido pelos alunos. Penso<br />

que <strong>de</strong>vemos explorar formas inesperadas <strong>de</strong> experiências. Penso na idéia <strong>de</strong> selecionar<br />

materiais audiovisuais que façam/produzam alguma coisa em nós. A idéia sempre e que fica<br />

é que a transformação <strong>de</strong> si tem haver com o olhar do outro e com o olhar o outro”.<br />

Para Fischer o currículo, então, seria um lugar privilegiado para a experimentação<br />

<strong>de</strong> si mesmo na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> nossos exercícios cotidianos. Pensar o currículo no<br />

contemporâneo seria, na avaliação da autora, pensar “não nos limites que nos<br />

constrangem”, mas nas possibilida<strong>de</strong>s infinitas que esses suportes po<strong>de</strong>m gerar,<br />

produzir, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar.<br />

“O que a filosofia das imagens em movimento, do cinema, da televisão, do audiovisual,<br />

ensina à educação?” Pergunta-me ela e, rapidamente, sem esperar a resposta,<br />

complementa: “Ensina que precisamos ir para além das interpretações, além das leituras<br />

do não dito. Precisamos olhar o que está diante <strong>de</strong> nós. Talvez essa filosofia nos ensine<br />

uma generosida<strong>de</strong> esquecida: a <strong>de</strong> olhar o que está diante <strong>de</strong> nós”.<br />

Assim, com um conselho filosófico, Rosa Maria Bueno Fischer, me ensinou e propôs<br />

a pensar currículo como atitu<strong>de</strong>. Se ela pu<strong>de</strong>r um dia ler esse trabalho, eu diria que<br />

eu topei a proposta. E passei a olhar o que estava diante <strong>de</strong> mim. E a movimentar<br />

olhos, ouvidos, sentimentos. E tudo o que experimentei e vi estão aqui, nessas<br />

páginas, nas quais me <strong>de</strong>diquei a falar <strong>de</strong>sses currículos em re<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sses<br />

113 Declarações anotadas a partir <strong>de</strong> uma conversa que tivemos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma palestra/<strong>de</strong>bate na<br />

reunião da Anped, realizada em Caxambu (MG) entre os dias 07 e 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007.<br />

231


currículos <strong>pixel</strong>s, que estão ali e aqui, nas telas e existências <strong>de</strong> professores e<br />

alunos que, cotidianamente, se produzem e produzem as tevês universitárias.<br />

232


Deadline<br />

Em sentido horário. Programa NA GARAGEM entrevistando Caetano Veloso. Matéria<br />

encomendada pela TV Brasil à tevê universitária, sobre Eleições. Os cineastas Breno<br />

Silveira e Jorge Furtado entrevistados pelo BITOLA. O NA GARAGEM e o BITOLA<br />

concorrem ao prêmio Omelete Marginal <strong>de</strong> melhor programa <strong>de</strong> televisão junto com<br />

programas como o Em Movimento, da TV Gazeta, afiliada da Re<strong>de</strong> Globo.<br />

E<br />

233<br />

scolhi <strong>de</strong>adline para finalizar essa tese. Não tomo essa palavra em sua<br />

tradução literal, linha da morte. Tomo-a como se usa em televisão. O prazo<br />

final. Este é o uso que todos nós, que trabalhamos com tevê, fazemos do termo.<br />

Fora <strong>de</strong> uma ambiência televisiva essa palavra tem um tom muito dramático. Dentro<br />

<strong>de</strong>ssa ambiência, não menos. Só que no lugar do drama, entra a adrenalina. O<br />

embate com o tempo entre o corte e a criação. O pensamento <strong>de</strong> que não vai dar,<br />

<strong>de</strong> que é preciso terminar. De que um material televisivo (imagens, sons, narrativas,<br />

músicas e efeitos) não po<strong>de</strong> ser tratado <strong>de</strong> qualquer maneira porque estamos em<br />

cima <strong>de</strong>ssa linha. Não po<strong>de</strong> ser tratado <strong>de</strong> qualquer maneira porque ele foi<br />

produzido por pessoas que investiram ali tempo, dignida<strong>de</strong>, disposição e criação.


A produção <strong>de</strong> uma tese se parece com a produção televisiva. E uma tese, assim<br />

como uma produção <strong>de</strong> televisão, não se faz sozinho. Se faz com todos aqueles que<br />

foram sujeitosautores da pesquisa e <strong>de</strong> todos os interlocutores que se <strong>de</strong>dicaram,<br />

comigo, a estudar e a problematizar questões que essa tese suscitou. Sendo assim,<br />

no momento final, pesa sobre os ombros a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar que essa<br />

produção coletiva se perca. Entretanto, quando a luz amarela do <strong>de</strong>adline acen<strong>de</strong>,<br />

se inicia um processo angustiante, porém maravilhoso <strong>de</strong> se ver.<br />

A <strong>de</strong>dicação dos que estão envolvidos com aquele trabalho para transformar o<br />

inimigo tempo em um aliado. A <strong>de</strong>cisão imperiosa <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar per<strong>de</strong>r nada, nem<br />

ninguém. As unhas roídas, os gritos, o estresse e a correria. Para os que nunca<br />

freqüentaram um ambiente <strong>de</strong>sse tipo, a hora do <strong>de</strong>adline se parece com um<br />

embarque aéreo, quando alguém grita “corre porque ainda dá tempo”, mesmo que<br />

avião já esteja com as turbinas ligadas e as portas se fechando.<br />

A hora do <strong>de</strong>adline se parece também com as horas <strong>de</strong> um resgate, on<strong>de</strong> todos se<br />

preocupam em não <strong>de</strong>ixar nada para trás. É como se corrêssemos <strong>de</strong> uma<br />

tempesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> areia ou <strong>de</strong> uma fera. É preciso correr, mas correr com todo o peso<br />

do que se <strong>de</strong>stinou a transportar. Quase sempre conseguimos cumprir o <strong>de</strong>adline<br />

com a franqueza <strong>de</strong> que transportamos o que pu<strong>de</strong>mos. Em uma tese isso também<br />

se dá. Nesse movimento empenhamos não só as nossas forças, mas as nossas<br />

palavras. E nesse momento, experimentamos um sentimento ímpar. “Eu não estou<br />

sozinho! O meu nome é multidão”. E essas palavras trazem com elas um sentimento<br />

<strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> potência, <strong>de</strong> afirmação. Porque as palavras não são só veículos. Elas<br />

não só tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transportar, mas também o <strong>de</strong> criar mundos.<br />

Alguns, inclusive, acreditam que foi a palavra divina que tenha criado o universo.<br />

Mas o fato é que, antes <strong>de</strong> existirem as palavras, foi preciso existisse um sentimento<br />

<strong>de</strong> mundo. Um <strong>de</strong>sejo, uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar universos. De dizer, <strong>de</strong> ouvir, <strong>de</strong><br />

escrever, <strong>de</strong> falar e, sobretudo, <strong>de</strong> transportar em palavras o que se está sentindo.<br />

Então, antes que existissem todas as palavras que produziram essa tese, existia em<br />

mim um sentimento <strong>de</strong> mundo. Que era o <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar nada para trás do que vi,<br />

ouvi, li e pesquisei. Existia um sentimento <strong>de</strong> estudar algo da or<strong>de</strong>m do ordinário, do<br />

234<br />

infame, do sem <strong>de</strong>finição que, mesmo sem os contornos precisos e as


quantificações exigidas, produzia uma estética <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o e <strong>de</strong> existência potente e<br />

silenciosa. Longe dos holofotes da fama, da notorieda<strong>de</strong>, do reconhecimento, dos<br />

modismos da pesquisa.<br />

Escrever uma tese sobre televisão universitária é saber que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio, terá<br />

que se travar uma batalha contra o espírito do nosso tempo que é o da fama, o do<br />

glamour, e o da ausência <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>s. É saber que não se estará in, mas<br />

sempre out. Mas, se trazemos conosco essa intuição bergsoniana, <strong>de</strong> que tudo o<br />

que existe é o movimento, temos então, esse sentimento.<br />

Não foram poucas vezes que eu ouvi <strong>de</strong> colegas que estudar televisão, ainda mais<br />

universitária, não era um estudo tão necessário e bacana <strong>de</strong> se fazer. Certa vez, no<br />

meio da pesquisa tive que travar a seguinte conversa, com um professor <strong>de</strong><br />

comunicação: -“Ah, mas se você está estudando televisão universitária, Vanessa, o seu<br />

pensamento ainda está na fase do analógico. Eu não! Eu estudo novas tecnologias O meu<br />

raciocínio está na fase do tecnológico!”<br />

Esse tipo <strong>de</strong> provocação não sabe, ou não quer saber, que as produções das<br />

televisões universitárias já são todas realizadas a partir <strong>de</strong> tecnologias digitais, que<br />

essas tevês já estão na internet, no www.cnuvitoria.com.br. Já estão no youtube, já<br />

estão nas mostras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> audiovisuais, já concorrem em premiações, já<br />

estão nas telas da TV Brasil, ou seja, já lançaram em outros movimentos <strong>pixel</strong>s<br />

<strong>de</strong>ntro do cenário contemporâneo permeado pela internet. Eu pensei em não<br />

respon<strong>de</strong>r à provocação, mas como eu não estava sozinha, eu já era uma multidão,<br />

disse-lhe: Não querido, você está enganado. O seu raciocínio está na fase do ilógico.<br />

235


ANEXOS<br />

236


Conversas propiciadas pela técnica do ví<strong>de</strong>o cabine.<br />

Entrevista 1<br />

Iolanda e Ricardo<br />

V = Vanessa<br />

I = Iolanda<br />

R = Ricardo<br />

V - Qual foi a importância pra vocês ou qual seria a importância <strong>de</strong> trabalhar na TV<br />

Universitária? De ter passado por aqui.<br />

I - Quer começar?<br />

R - Po<strong>de</strong> começar você, eu <strong>de</strong>ixo.<br />

I - Pra mim foi muito importante porque eu aprendi muita coisa. A gente acha que<br />

não tem experiência por ser da faculda<strong>de</strong>, mas eu aprendi muita coisa. Tudo o que<br />

eu sei <strong>de</strong> TV hoje eu aprendi aqui <strong>de</strong>ntro. Apesar <strong>de</strong> ser semanal também tem<br />

aquela correria <strong>de</strong> TV. A partir daqui eu consegui estágio em outra TV. Então lá é<br />

corrido porque é diário, mas a gente sente um pouco disso aqui também. Eu aprendi<br />

muita coisa.<br />

V- Você tá em qual TV agora?<br />

I - Eu tô na TVE agora.<br />

V - Trabalhando com Thelmo e com a Fátima Cogo...<br />

I - Não. Eu tô com a... com o pessoal do jornal. No TVE Notícia. É <strong>de</strong> manhã.<br />

V - Ah tá... Um programa novo né?<br />

I - Isso.<br />

V - Clério Junior e Cassipi né?<br />

I - É, Clério e Cassipi. Marília tava lá, mas saiu.<br />

V - Então você acha importante porque te proporciona um aprendizado. E o que fez,<br />

assim, com você? Você se sentiu mais segura? Mais apta para dar outros passos?<br />

Como é que você se sentiu?<br />

I - Nunca parei para pensar nisso. Eu nunca fiz uma avaliação <strong>de</strong> antes e <strong>de</strong>pois<br />

ainda não. Talvez eu me sinta mais segura na faculda<strong>de</strong>, nas aulas talvez para<br />

opnar. Eu me sinto mais segura pra falar, assim, com experiência em algumas<br />

237<br />

coisas. Agora na vida pessoal eu não sei, acho que não. Não mudou muita coisa


não.<br />

V - E você?<br />

R - Bem eu acho que eu mu<strong>de</strong>i muito, tanto na questão profissional quanto na<br />

personalida<strong>de</strong>. Até porque eu entrei muito cedo na faculda<strong>de</strong>, tinha 17 anos ainda e<br />

eu agia como criança, continuo agindo, mas eu acho que a TV Universitária foi legal<br />

porque eu aprendi muita coisa. Aprendi a me relacionar. Apesar <strong>de</strong> eu me dar bem<br />

com todo mundo não é a mesma coisa. Quando você tem aquela responsabilida<strong>de</strong><br />

se torna algo diferente, você tem que dar conta do recado, você tem que manter<br />

suas amiza<strong>de</strong>s, mas não po<strong>de</strong> nem prejudicar o outro e nem ser prejudicado por<br />

causa disso. Tem que dar andamento ao trabalho, sempre ajudando. E a minha vida<br />

pessoal... Eu percebi que eu sou... Que eu fiquei muito mais pra frente, vamos dizer<br />

assim. Nos comentários com os amigos... Eu já brincava muito, mas agora eu brinco<br />

com qualquer um que aparece na minha frente. Eu acho que isso é bom porque<br />

você meio que liberta o que quer mostrar. Isso é legal. Também fiquei mais mal-<br />

humorado com quem eu não gosto muito.<br />

V - Eu queria saber <strong>de</strong> vocês como é que vocês vêem a aplicação do currículo na<br />

TV Universitária? Por que é o seguinte, a gente tem aula <strong>de</strong> telejornalismo na sala,<br />

<strong>de</strong> iluminação, <strong>de</strong> fotografia, <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> chamada... Tudo isso a gente apren<strong>de</strong> lá.<br />

Como é que vocês vêem essa aplicação aqui? Vocês acham que é aplicado 100%?<br />

Vocês acham que apren<strong>de</strong>m até mais porque apren<strong>de</strong>m coisas até antes <strong>de</strong> vêem<br />

em sala? Como é que vocês vêem isso?<br />

I - Eu acho que é muito aplicado. Eu até conversava com o Ricardo porque eu antes<br />

<strong>de</strong> ter entrado aqui já tinha visto TV, já tinha matéria <strong>de</strong> TV. Então já <strong>de</strong>i muita dica<br />

pra ele. Já tinha 1 semestre que ele tava aqui, então já tinha muita coisa que ele<br />

fazia, mas não sabia. Então eu <strong>de</strong>i muita ajuda a ele em questão <strong>de</strong> pauta, escrita,<br />

<strong>de</strong> chegar em um lugar já sabendo o que vai fazer, coisas que a gente apren<strong>de</strong> com<br />

a professora e agora que ele começou fica assim, encantado. Por que... Nossa...<br />

Fez ele gostar mais ainda da matéria. Agora ele tá vendo tudo o que ele faz aqui e<br />

apren<strong>de</strong>ndo o conceito e tal. Faz a pessoa gostar mais ainda.<br />

V - Quer dizer que é uma experiência antecipadora que faz a sala ter mais sentido?<br />

R - Claro, e muito!<br />

V - Porque quando o professor fala não fica só no âmbito da idéia. "Ah, já ví essa<br />

coisa acontecer, isso já aconteceu comigo"...<br />

I - Nossa é isso mesmo, né?!<br />

238


R - Tipo, eu comecei no 1º período aqui então, assim, eu não sabia nem escrever<br />

texto né. Aí <strong>de</strong> acordo com o que foi passando eu fui apren<strong>de</strong>ndo muita coisa. Você<br />

vai adquirindo muita experiência. A Iolanda me ensinou muita coisa. E quando você<br />

chega em uma matéria <strong>de</strong> TV você já tem um conhecimento bem maior, você ainda<br />

não sabe fazer direitinho, mas a professora te mostra e você vê "nossa, eu faço isso<br />

certo ou eu faço isso errado. Ah eu faço isso certo ou eu já ví isso acontecendo". É<br />

bem legal porque você vai crescendo, vai vendo novas possibilida<strong>de</strong>s, costuma até<br />

absorver mais coisas do que a professora fala. É muito bom.<br />

I - Eu acho que tem que passar pela experiência. Acho que só a aula mesmo, o<br />

período, é curto <strong>de</strong>ntro da sala e mesmo com o laboratório o período é muito curto.<br />

Acho que tem que passar pela TV na universida<strong>de</strong>. Pelo estágio universitário. Igual<br />

eu. Tô tendo rádio agora e sinto muita dificulda<strong>de</strong>. Então eu já estou pensando em ir<br />

pra rádio porque lá eu vou ver, vou apren<strong>de</strong>r, vou me <strong>de</strong>parar com um monte <strong>de</strong><br />

coisa que eu não estou conseguindo fazer na sala.<br />

V - Então para vocês tem que viver o cotidiano.<br />

I - Tem que viver, eu acho.<br />

R - Apren<strong>de</strong>r no teórico só não ajuda.<br />

I - Não ajuda. Chega na hora você não se lembra, mais pela falta <strong>de</strong> você ter pegado<br />

as coisas e feito mesmo. Você fica sem saber o que fazer, sem saber aplicar aquilo<br />

que você sabe, aquilo que você apren<strong>de</strong>u.<br />

V - Como é o dia-a-dia aqui na TV? Como era? Os relacionamentos são bacanas, os<br />

encontros são bacanas? As vezes tem stress, tem conflito? Como é?<br />

I e R - Alguns relacionamentos são bacanas.<br />

V - E os relacionamentos que são bacanas vocês levam a todos os lugares?<br />

I - Alguns sim. A gente acabou virando amigo. Mas assim, eu sou muito bala<strong>de</strong>ira e<br />

ele é mais caseiro então não é aquela amiza<strong>de</strong> que assim, "vamos no rock e tal",<br />

mas a gente conversa muito. Eu confesso que ele é meu confi<strong>de</strong>nte. Eu conto muita<br />

coisa <strong>de</strong> casa pra ele enten<strong>de</strong>u? A gente <strong>de</strong>sabafa e tal, então acabou criando uma<br />

amiza<strong>de</strong>, apesar da diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

V - Tem diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>?<br />

I - Tem.<br />

R - Eu tenho 18 ainda.<br />

I - Eu tenho 23. Tô nova ainda...<br />

239<br />

V - Nossa, não vou nem falar a minha então. Porque se você fez essa cara com 23


eu não posso nem falar a minha.<br />

I - Mas você tem uma diferença ainda porque ele é muito caseiro, enten<strong>de</strong>u?<br />

V - Engraçado porque se eu tivesse que julgar pela cara eu iria falar o contrário.<br />

R - Não, eu sou totalmente <strong>de</strong> casa.<br />

I - Você tá muito velho heim Ricardo.<br />

R - Todo mundo fala isso, que eu ajo igual um velho. Um velho criança.<br />

240<br />

V - Aí tem esse lance da amiza<strong>de</strong> que é legal. Se vocês tivessem que lembrar <strong>de</strong><br />

uma coisa bacana que passaram ou viveram aqui na TV, o que seria?<br />

R - Tenho uma memória péssima.<br />

V - Assim, uma cobertura legal, uma entrevista que você conseguiu editar, uma<br />

entrevista que você não conseguiu fazer, mas você conversou com o cara <strong>de</strong>pois...<br />

I - Nossa, o último que eu fiz, não aqui <strong>de</strong>ntro, fora... Infelizmente teve um problema<br />

técnico que não filmou (risos)... Eu achei assim... Porque cada entrevista que a<br />

gente faz a gente tá melhor, tá mais solta. Ainda mais eu que sou muito extrovertida,<br />

eu falo muito né Ricardo?<br />

R - Muito.<br />

I - Só que quando liga a câmera, acaba comigo. Trava.<br />

V - Por quê, Iolanda? Você acha que o dispositivo tecnológico <strong>de</strong>sumaniza?<br />

I - Não sei. É que eu sou muito presa na aparência. Eu acho que não fico bem na<br />

câmera <strong>de</strong> jeito nenhum. Por causa do aparelho, da mandíbula. Eu não gosto. E tem<br />

a última entrevista, que foi a última que eu fiz, que eu acho que ficou perfeita, com o<br />

Chiclete com Banana. Eu fiz uma cobertura que ficou massa. A entrevista ficou bem<br />

solta. Foi a 1ª entrevista... Porque tipo assim, a cada entrevista eu vou vendo "podia<br />

ter feito assim, podia ter me soltado mais", enten<strong>de</strong>u? Então como não era uma<br />

coisa que eu sou fã, eu me soltei. Então, ah! Vou conversar com ele logo mesmo.<br />

Porque você fica nervoso quando é um ídolo seu. Nossa, e foi muito legal, ele foi<br />

muito simpático! Eu saí <strong>de</strong> lá realizada. Gente, eu acho que foi a melhor entrevista<br />

que eu fiz. Só que não filmou.<br />

V - Ah... E não foi por aqui?<br />

I - Foi aqui!<br />

V- Foi aqui na TV?<br />

I - Foi.<br />

V - Mas vocês entrevistam muitos artistas, eu acompanho o programa <strong>de</strong> vocês.<br />

Teve entrevista com o Lobão né. Como é... Tem muita gente que TV Universitária é


o patinho feio né. Ah, que eles não vão querer dar entrevista pra TV Universitária,<br />

mas a gente vê que eles são mt receptivos né. Como é fazer entrevista com alguém<br />

assim?<br />

I - Ah, eu adoro. Fui eu que começou com isso né.<br />

R - Foi. Ela é explosiva assim.<br />

I - Ah eu sou muito pra frente.<br />

V - O que você pensa na quando você pensou "eu vou tentar"?<br />

I - Eu vou conseguir. Não é "eu vou tentar", é "eu vou conseguir". Fui lá, entrei... Por<br />

que que é que eu não posso conseguir? Entrei em contato, falei que era um<br />

trabalho. A 1ª entrevista foi com a Daniela Mercury. Aí eu liguei, entrei em contato<br />

com a assessoria e perguntei como é que eu faço e tal.<br />

V - Você não ficou achando que não ia dá...<br />

I - Não.<br />

V - O que te fez pensar assim?<br />

I - Eu não sei... Acho que foi porque eu consegui.<br />

R - Acho que levar a sério, levar a TV Universitária a sério ajuda. Tem muita gente<br />

que entra e que acha que a TV Universitária é brinca<strong>de</strong>ira. Mas se você leva na<br />

brinca<strong>de</strong>ira não apren<strong>de</strong>, mas se você leva a sério como se aquilo realmente<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse a sua vida, se não botasse o programa no ar e fosse <strong>de</strong>mitido, coisas<br />

<strong>de</strong>sse tipo, as coisas mudam.<br />

I - É assim que eu penso. Muita gente olha e acha que a gente leva na brinca<strong>de</strong>ira.<br />

Eu gosto <strong>de</strong> levar isso aqui a sério. Tanto que eu não recebo pra fazer. Eu faço<br />

porque eu gosto mesmo. Eu levo muito a sério. Não é porque é uma TV Universitária<br />

que a gente tem que fazer <strong>de</strong> qualquer jeito. Então eu levo muito a sério, muito a<br />

sério mesmo. Em casa as pessoas falam " Ah, vc foi no show <strong>de</strong> fulano <strong>de</strong> tal, que<br />

não sei o quê". Aí eu falo, "eu fui, mas estava trabalhando". Eu, quando vou pra<br />

filmar ou entrevistar, não consigo me divertir porque eu fico tão preocupada com a<br />

hora, com a câmera, eu fico preocupada se tá filmando, se tá... Eu fico o tempo todo<br />

ligando para o assessor perguntando se chegou, se não chegou... Porque por não<br />

ser uma coisa profissional, <strong>de</strong> nome e tal, a gente tem que ficar em cima. Ficar<br />

correndo atrás mesmo. Então fulano fala "ah, você foi"... eu fui, mas não foi pra me<br />

divertir. As pessoas acham que a gente não leva a sério, mas a gente leva a sério<br />

mesmo.<br />

V - Você já entrevistou Daniela Mercury, Chiclete com Banana e quem mais?<br />

241


I - A Pitti.<br />

R - Lobão...<br />

I - Lobão, Sérgio Lorozza...<br />

V - Como foi entrevistar o Lobão?<br />

I - Cara eu achei que ia ser horrível, mas foi muito bom. Foi muito bom, me<br />

surpreen<strong>de</strong>u muito.<br />

V - Ele foi bacana com você?<br />

I - Demais! Ele tava num astral muito legal. Foi <strong>de</strong>pois do show aí eu achei que ele<br />

não iria querer... E na hora começou a dar tudo errado. Todo show é assim. Sempre<br />

dá algum pepino. O que aconteceu, levei a máquina e filmei o show. Aí <strong>de</strong>pois do<br />

show fomos lá no camarim, esperamos e tal... E quando a gente foi testar o áudio<br />

não estava funcionando. Aí eu fiquei, "ah, o que eu vou fazer". E tinha um pessoal<br />

da TV Gazeta lá e eu pedi "pelo amor <strong>de</strong> Deus, filma pra mim". Eles estavam só com<br />

lapela. Ainda tem essas coisas <strong>de</strong> improviso né. Aí eu fiquei "filma pra mim"... E o<br />

que aconteceu, o cara tava com pressa, mas disse que gravaria. Então eu <strong>de</strong>i a fita<br />

pra ele, a gente colocou a lapela e usou o microfone só como guia. Mas teve que ser<br />

uma entrevista muito rápida porque ele tinha que ir embora né, o cinegrafista. Então<br />

eu achei que ele fosse me tratar, tipo "por que você quer saber isso, ou aquilo". Era<br />

o Lobão né...<br />

V - Mas por quê? O que você perguntou pra ele?<br />

I - Ah, eu perguntei.. Como era uma coisa rápida... Quando é a 1ª entrevista com o<br />

artista eu costumo perguntar primeiro sobre a carreira. Como era bem factual eu<br />

perguntei sobre o DVD acústico <strong>de</strong>le, que ele tava lá para divulgar o DVD acústico.<br />

Perguntei sobre as revistas e palestras que ele faz, sobre o programa <strong>de</strong>le na MTV.<br />

Foi bem rápido, pena que a gente teve que editar muito por causa daquela coisa do<br />

áudio né, Aí não ficou muito legal.<br />

V - Aí você pensou que ele ia ser ríspido e ele não foi.<br />

I - Nossa, ele foi um doce. Muito legal.<br />

V - Virou chapeuzinho vermelho... E você Ricardo? Qual foi a experiência bacana<br />

que você gostaria <strong>de</strong> contar, ou uma experiência não tão bacana, enfim...<br />

R - Deixa eu pensar, sou péssimo para lembrar.<br />

I - Trote da cidadania?<br />

R - (risos) É porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início eu trabalho sempre no programa institucional.<br />

242<br />

Então é sempre ligado a instituição e a gente acaba ñ fazendo aquela coisa assim...


não é sempre uma coisa que a gente gosta <strong>de</strong> fazer. Eu gostei muito do Cinergia,<br />

que foi um evento...<br />

V - De ví<strong>de</strong>o.<br />

R - Isso, <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o. Eu gostei tanto do evento quanto das reportagens que eu fui<br />

atrás, ajudar. Só que eu não entrevistei, eu fiquei mais dando o apoio. Só que eu<br />

gosto muito <strong>de</strong> cinema, tive mais contato com ví<strong>de</strong>o, essas coisas que eu gosto<br />

muito. Acho que se eu não tivesse participado da TV eu não teria oportunida<strong>de</strong><br />

porque a maioria das pessoas que participam do evento estavam relacionadas à TV.<br />

É, eu gostei disso. Trote da cidadania, apesar do... Foram 2 coberturas, uma no final<br />

do ano passado e uma no início <strong>de</strong>sse ano e, assim, foram matérias muito<br />

comparadas. Ficaram matérias completamente diferentes e você vê uma melhora<br />

nas matérias, melhorou muito. A Iolanda me ajudou na edição "ah, você tem material<br />

aqui e po<strong>de</strong> fazer isso, porque não faz"? Aí eu fiz e ficou legal. Os técnicos ajudam<br />

bastante nisso.<br />

V - Que bacana. E na sala <strong>de</strong> aula vocês se sentem mais seguros? Depois do que<br />

vocês passam aqui e chegam lá em <strong>de</strong>terminada disciplina se sentem mais seguros<br />

pra falar " eu me sinto seguro pra fazer um trabalho diferente, me sinto seguro pra<br />

fazer uma coisa diferente"?<br />

R - Eu não sei por que sou ansioso, mas mais seguro fica. Mas dá sempre aquela<br />

dúvida, assim, se vai dar certo ou se não vai. Mas já tendo a prática um pouquinho<br />

você já consegue ousar um pouco mais.<br />

V - Tem ênfase aqui na experimentação, <strong>de</strong> tentar coisas novas. Tipo, "vão lá tentar<br />

entrevistar o Lobão, vai lá e tenta fazer coisas novas". Existe essa ênfase?<br />

I - A iniciativa normalmente parte da gente né. Aí a partir do momento que a gente<br />

tem a iniciativa vemos os recursos, o que a universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> fazer pela gente e tal.<br />

Agora tem aquela coisa <strong>de</strong> "ah, po<strong>de</strong> ir, po<strong>de</strong> fazer". Se a gente quiser fazer um<br />

programa com todo mundo <strong>de</strong> cabeça pra baixo e ficar legal eles <strong>de</strong>ixam fazer e vai<br />

pro ar, enten<strong>de</strong>u? Liberda<strong>de</strong> a gente tem e as vezes eles até pe<strong>de</strong>m "pô, tenta uma<br />

coisa diferente, um programa novo"...<br />

V - Que bacana. Enfim, acho que é só isso. vocês gostariam <strong>de</strong> falar mais alguma<br />

coisa?<br />

R - Não sei.<br />

V - O que você acha muito legal na TV Universitária? Não precisa ser essa. Na TV<br />

Universitária. Não só dia-a-dia mas como programação também.<br />

243


I - Eu acho que é muito limitado.<br />

V - Em que sentido Iolanda?<br />

I - Igual o canal universitário né, o canal 13. São horas que ele fica fora do ar. Eu<br />

acho que po<strong>de</strong>ria encher...<br />

V - Preencher a programação.<br />

I - E tem gente pra fazer! Igual, é... O que a gente quer mostrar às vezes não dá<br />

tempo<strong>de</strong> mostrar em meia hora e em 2 programas. O institucional tudo bem, mas a<br />

gente po<strong>de</strong>ria fazer algo bem maior. Por isso que eu levo tão a sério porque quem<br />

sabe a gente fazendo um negócio diferente e mostrando que tem atitu<strong>de</strong>, que tá<br />

levando o negócio a sério, não muda e pega um espaço maior e fazer um negócio<br />

legal mesmo. Porque tem profissional. A gente tem capacida<strong>de</strong>. Eu vejo os<br />

programas nos canais abertos e eu não acho que per<strong>de</strong>.<br />

V - Além disso tem a questão do canal ser a cabo. Muita gente fica sem saber. As<br />

vezes vocês fazem um trabalho super bacana e falam "ah, passa na TV<br />

Universitária" e dizem "pô, mas eu não tenho net", enten<strong>de</strong>u?<br />

I - É, mas no caso é cabo na questão <strong>de</strong> ser só aquelas horinhas né.<br />

V - Da lei também né. Foi a lei do cabo que propiciou esse canal para as TVs<br />

universitárias.<br />

I - Ainda bem. Já é um avanço né.<br />

V - É, já é alguma coisa. É melhor do que não ver né.<br />

I - Melhor, com certeza.<br />

R - Ruim também é as pessoas não valorizarem o trabalho. As vezes elas nem<br />

assistiram e falam que o programa é muito ruim. Sendo que ela nem viu. Não só nas<br />

TVs universitárias, mas em outras também. Às vezes você nunca viu e tá julgando<br />

por algo que você acha que é. Se você assistir e achar ruim é uma <strong>de</strong>cisão sua, mas<br />

se assistir uma vez e gostar é outra coisa.<br />

V- E as vezes a pessoa vê e não vê uma imagem que agrada ela nem pára pra ouvir<br />

o que a outra pessoa tá falando!<br />

I - É, não vê ninguém conhecido aí pega, passa... fica zapeando.<br />

V - É isso gente, muito obrigada.<br />

I - Ajudou?<br />

V - Muito, muito... Deixa eu tirar uma foto <strong>de</strong> vocês com a câmera atrás...<br />

244


Entrevista 2<br />

Laís<br />

V = Vanessa<br />

L = Laís<br />

V – Heim Laís, eu vou perguntar para você a mesma coisa que eu perguntei para os<br />

meninos. Qual foi a importância para você <strong>de</strong> ter passado por uma TV Universitária?<br />

L – Bom, a TV Universitária foi meu primeiro estágio. E foi maravilhoso porque<br />

apesar da TV não ser a área que eu pretendia trabalhar quando eu comecei a fazer<br />

jornalismo, eu adorei. Foi muito bom porque eu pu<strong>de</strong> apesar... (risos) eu tô nervosa.<br />

V – Não fica nervosa. Basta olhar pra mim. Começa vai...<br />

L – A gente po<strong>de</strong> entrar em contato com nosso cotidiano profissional, futuro e... Ai<br />

meu Deus... não sei o que falar.<br />

V – E aí você viu coisas que não tinha visto em sala ainda, viu coisas que ainda ia<br />

ver, gostou ou não gostou... Como é que era?<br />

L – Com certeza. As disciplinas práticas que a gente tem na nossa carga horária,<br />

que a gente tem no nosso currículo <strong>de</strong> jornalismo, possibilitam que a gente tenha<br />

uma noção. Mas aprendizado mesmo só indo pegando no batente, indo pra apurar e<br />

fazendo mesmo. Só tendo aquela responsabilida<strong>de</strong> mesmo. Apesar da TV<br />

Universitária ser né, leve, você não tem aquela responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado, mas a<br />

gente procura fazer. A gente tem um espaço né. É uma oportunida<strong>de</strong> que a gente<br />

tem <strong>de</strong> se mostrar, <strong>de</strong> fazer uma TV alternativa. Porque a gente tem a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> fazer o que quiser né. Talvez a gente não po<strong>de</strong>ria fazer em uma TV que é voltada<br />

para o mercado. A TV Universitária é voltada para um público diferente e a gente<br />

po<strong>de</strong> experimentar.<br />

V – Que bacana. Heim, Laís, você se sentiu mais segura pra fazer ou mais capaz<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar por aqui? Na sala <strong>de</strong> aula ou na sua vida... Se é que você se<br />

sentiu <strong>de</strong>pois que passou por essa experiência.<br />

L – Olha, eu to muito mais calma, por exemplo, pra falar para câmera. Eu tinha<br />

pânico <strong>de</strong> falar para câmera. Eu tinha pânico <strong>de</strong> aparecer na televisão, eu tinha<br />

pânico. E eu comecei a relaxar um pouquinho. Ainda to nervosa, mas eu já perdi<br />

245<br />

essa barreira que eu tinha <strong>de</strong> televisão mesmo. O contato com a televisão foi muito


legal porque quando você escreve, não ali mostrando as caras. Você tá por trás do<br />

texto, mas não se expõe quanto colocar a sua imagem ali. E a TV me proporcionou<br />

isso.<br />

V – Então você venceu você mesma né?<br />

L – Com certeza.<br />

V – Você teve que se superar.<br />

L – Foi uma superação.<br />

V – O que você acha do currículo praticado na TV Universitária?<br />

L – Como assim?<br />

V – Você acha que o que você apren<strong>de</strong> em sala ganha mais sentido aqui ou que não<br />

faz diferença, que o que você vai ver aqui já vai ver em sala...<br />

L – Faz toda diferença. É fundamental o estágio. Seu pu<strong>de</strong>sse eu faria um estágio<br />

na rádio, um na TV, um no impresso... Por que é muito diferente a vivência<br />

cotidiana, a prática é muito diferente. Você tá numa sala <strong>de</strong> aula, por mais que seja<br />

uma aula prática é muito limitado. Você busca uma nota e... (ela sai da sala e volta).<br />

A prática é fundamental e ter a experiência <strong>de</strong> sair pra apurar, <strong>de</strong> fazer produção,<br />

enfim, a gente não divi<strong>de</strong> muito as tarefas na TV Universitária. A gente se ajuda<br />

como po<strong>de</strong> e é uma equipe mesmo, cada um faz uma coisinha e se precisar cobre o<br />

outro e é fundamental né. Acredito que seja diferente do que a gente vai encontrar<br />

na televisão voltada para o mercado, mas já é uma experiência que vale muito.<br />

V - Bacana. E qual foi uma cobertura ou algo que aconteceu que você tenha gostado<br />

muito?<br />

L – Bom... eu gostei <strong>de</strong> cobrir um evento na...<br />

V – Uma coisa que te marcou muito aqui.<br />

L – Bem, eu comecei no Canal Universitário tem pouco tempo, acho que 2 meses.<br />

Mas tem um evento que eu cobri, promovido pelo curso <strong>de</strong> direito daqui e pelo curso<br />

<strong>de</strong> relações internacionais e eles <strong>de</strong>bateram uma obra <strong>de</strong> ‘George Obram’, que é a<br />

revolução dos bichos, e eu entrei em contato com vários professores, doutores,<br />

especialistas... E foi muito diferente. Você lida com diversas pessoas <strong>de</strong> diversas<br />

áreas. Você apren<strong>de</strong> um pouquinho sobre muita coisa.<br />

V – E uma coisa que você não goste muito na TV Universitária. Eu to falando da TV<br />

Universitária como um todo porque a minha pesquisa abrange todas. Uma coisa que<br />

você goste muito e uma coisa que você não goste tanto, que você acha que ainda<br />

pega.<br />

246


L – Bom o que eu gosto muito no Canal Universitário é você ter uma relativa<br />

liberda<strong>de</strong> pra criar a pauta que você quiser. Lá você não tem que criar conforme a<br />

expectativa <strong>de</strong> um público. Você cria o que quiser mesmo, mas tem... Por estar<br />

ligada a uma instituição <strong>de</strong> ensino você tem sim, apesar da liberda<strong>de</strong>, uma restrição.<br />

Não é qualquer coisa que você po<strong>de</strong> colocar.<br />

V – Beleza. Você quer falar mais alguma coisa? Uma coisa que você acha<br />

interessante...<br />

L – Não. Acho que é só... Eu sou muito travada.<br />

V – Tá bom. Quantos anos você tem?<br />

L – Eu tenho 19.<br />

V – Você tá aqui na TV UVV a quanto tempo?<br />

L – Tem 2 meses.<br />

V – Aqui a gente tem o Miscelânea e o Sintonia, né?<br />

L – Isso.<br />

V – E os 2 são <strong>de</strong> meia hora, ou são <strong>de</strong> uma hora?<br />

L – Meia hora cada.<br />

V – Gente obrigada!<br />

Entrevista 3<br />

Chica<br />

V = Vanessa<br />

C = Chica<br />

V – Então Chica, que programa você orienta?<br />

C – Eu oriento... Eu sou responsável pelo Sintonia UVV, mas eu oriento os <strong>de</strong>mais<br />

programas. Na verda<strong>de</strong> a gente tem na gra<strong>de</strong> o Miscelânea e o Sintonia, mas em<br />

outros momentos a gente já teve outros programas. O meu papel aqui é fazer a<br />

orientação geral dos programas na ausência da Ivana né. Eu auxilio os meninos nas<br />

dúvidas sobre as práticas <strong>de</strong> televisão, especialmente os que estão chegando.<br />

Alguns chegam aqui e não sabem nem pegar no microfone, não sabem se<br />

posicionar. Então eu faço toda essa, vamos dizer, essa apresentação ao veículo. A<br />

questão do que perguntar, revisão <strong>de</strong> texto, acompanho às vezes acompanho as<br />

entrevistas...<br />

247


V – Chica, você percebe uma diferença dos alunos que passam por aqui em sala?<br />

C – Sem dúvida. A gente tem vários casos. Como eu te falei tem gente que chega<br />

248<br />

aqui no início do curso, 1º período, 2º período, e não tiveram ainda contato com a<br />

disciplina prática <strong>de</strong> telejornalismo ou informações sobre teoria da comunicação ou<br />

veículo <strong>de</strong> comunicação. E aqui a gente faz essa iniciação e eles se transformam e a<br />

gente vai acompanhando. É impressionante. Aqui a gente tem um trabalho que é<br />

ensinar, não é que a gente ensina, a gente orienta, mas quer que eles produzam. E<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa visão Maxista que é <strong>de</strong> evitar a alienação, a gente <strong>de</strong>ixa eles<br />

realizarem todo o processo.<br />

V – Eles são os protagonistas.<br />

C – Totalmente. Eles são o sujeito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do processo. Eles muitas vezes<br />

<strong>de</strong>finem pautas e algumas vezes as pautas vêem pra mim, aí eu encaminho e eles<br />

fazem a produção. Eles dão idéias <strong>de</strong> como conduzir a reportagem. Eles<br />

apresentam, fazem mesmo toda a reportagem e editam. Depois a gente só faz uma<br />

revisão do programa até o acompanhamento final, tudo é produzido por eles.<br />

V – Você percebe que a experiência da TV propicia a eles outras experiências na<br />

vida? Eles ficam mais corajosos...<br />

C – Sem dúvida. Essa questão da autoconfiança é fundamental. Porque quando eles<br />

sabem... Eles chegam inseguros porque o veículo assusta, tem muitos<br />

equipamentos, existe todo uma (?) né... Eles ficam meio assustados, meio<br />

intimidados. E a gente fala que é muito simples “não, vamos no passo a passo e<br />

vocês vão perceber que não existe mistério, que é tudo simples”, então eles vão<br />

apren<strong>de</strong>ndo. Eles vão dominando, porque são técnicas. Eles percebem que eles são<br />

capazes e saem daqui prontos para o mercado. Muitos já estão atuando no<br />

mercado, são muito bem recebidos, os profissionais formados aqui pela UVV,<br />

principalmente esses que passam pela experiência da TV Universitária. Um dos<br />

casos que eu gosto <strong>de</strong> citar, o Saulo. Foi um dos primeiros estagiários, foi logo que<br />

eu entrei aqui e o meu papel... Eu me lembro bem que a Luína era a encarregada na<br />

época e coor<strong>de</strong>nava a TV, ela olhou pra mim e falou assim, “Francisca o seu papel<br />

aqui... eu quero que você atue especialmente com 2 estagiários, o Saulo Mauá e a<br />

outra era a Priscila”. Acho que era Priscila o nome <strong>de</strong>la, ela está no Gazeta on-line<br />

atualmente e tá se saindo muito bem. Mas o que realmente me trouxe uma gran<strong>de</strong><br />

satisfação foi o Saulo. Porque o Saulo tinha um potencial que ninguém tinha<br />

percebido. Ele apresentava uma confusão... Mas era tudo insegurança. Ele tinha um


problema <strong>de</strong> dicção então em função <strong>de</strong>sse problema ele não ousava e eu fui<br />

apresentando as ferramentas, as técnicas. Ele chegava e não sabia como pegar no<br />

microfone, não sabia como abordar o entrevistado, ficava com medo <strong>de</strong> perguntar.<br />

Então eu falei “Saulo você tem que perguntar, você tem que conferir os nomes, tenta<br />

fazer uma produção, mesmo que você traga uma produção com vc, cheque tudo pra<br />

ver se tá correto. Não fique com medo. Enfrente”. Aí ele vinha “Não essa matéria tá<br />

muito complicada”, aí eu falava “não existe complicação, senta aqui e vamos<br />

<strong>de</strong>smistificar isso”. Aí, aos poucos, ele já foi <strong>de</strong>senvolvendo <strong>de</strong> tal forma que nem<br />

precisava orienta-lo não, ele já vinha com tudo pronto. Vinha só pra tirar dúvida,<br />

quando surgiam dúvidas, porque às vezes tem surgia. Ele trazia o programa pronto!<br />

Ele virou o apresentador do programa, editava, fazia tudo! Depois ele se tornou meio<br />

que a imagem da UVV porque os ví<strong>de</strong>os institucionais... como eu era a responsável<br />

pelos ví<strong>de</strong>os eu indiquei o Saulo. Mostrava um estudante que eu vi, que cresceu, era<br />

esforçado e virou orgulho da instituição porque ele se superou e hoje ta aí, ta<br />

lançando um programa que é um programa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> turismo numa <strong>de</strong>ssas<br />

TVS... Na Re<strong>de</strong> TV! E com patrocínio que ele mesmo foi buscar. A idéia <strong>de</strong>le é ir<br />

para Argentina. Ele é empreen<strong>de</strong>dor. Ele faz alguns freelas também para uma amiga<br />

nossa que eu faço um trabalho em que eu intermedio, que é a Cristina Davila, que<br />

mora em São Paulo. Aí ela tem um cliente que é o Transcaris, e precisa <strong>de</strong> repórter<br />

e tal. Eu indico ele que já fez assessoria <strong>de</strong> evento, escreve matéria... Ele é<br />

surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

V – Chica, como é que você vê o currículo adotado ou praticado pelos alunos da TV<br />

Universitária?<br />

C – Eu conheço o currículo daqui da UVV. Eu percebi uma transformação positiva.<br />

Eu peguei 2 momentos da TV Universitária. O currículo antigo e o novo. No antigo a<br />

gente ainda tinha aquela proposta <strong>de</strong> fazer muito, tinha professor que apresentava o<br />

programa. A gente chamava economista que tinha programa e a gente não estava<br />

atingindo o objetivo que era a preparar realmente os meninos, <strong>de</strong>ixa-los<br />

experimentar. Hoje a gente <strong>de</strong>ixa esse espaço para eles. É a experimentação<br />

mesmo. A Ivana <strong>de</strong>senvolve um evento que é cara do que é a proposta da TV. É o<br />

Cinergia. E muitos dos trabalhos que os estudantes apresentam lá são<br />

<strong>de</strong>senvolvidos aqui. Eles vêem com as idéias e as vezes <strong>de</strong>senvolvem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma disciplina ou então simplesmente como um trabalho extra-curricular ou visando<br />

249<br />

apenas a amostra. São trabalhos surpreen<strong>de</strong>ntes. Tinha um estagiário nosso, o


Tom, que foi morar no exterior, que ele fez um trabalho assim, <strong>de</strong>spretensioso. Ele<br />

colocou um boneco vestido na Praça Costa Pereira e a presença <strong>de</strong>le assustava<br />

todo mundo, sabe assim um bicho-grilo, um (?). Tem uma teoria, acho que você<br />

conhece a obra do Nobert Elias ‘Os inseridos e os Out-si<strong>de</strong>rs”... Esse coelho... o<br />

estagiário não pensou nisso, mas nesse documentário curto, que era um curda na<br />

verda<strong>de</strong>, ele traduz exatamente a visão do Nobert Elias. Como que uma figura<br />

acaba sendo excluída, espanta, alguns riem, outros não aceitam. E olha, foi <strong>de</strong> uma<br />

recepção... Teve vários elogios <strong>de</strong> diretores consagrados em Rio e São Paulo que<br />

vieram para a amostra. Eu sou testemunha, estava na platéia quando ouvi numa das<br />

palestras um diretor conhecido citar diversas vezes o documentário do Tom. Eu fico<br />

tão orgulhosa...<br />

V- Então o currículo é para além?<br />

C – Para além! Eles <strong>de</strong>scobrem nesse exercício uma capacida<strong>de</strong>, um conhecimento,<br />

que talvez se não existisse essa associação da prática e da teoria ou essa<br />

flexibilida<strong>de</strong>, ou esse incentivo não iria à frente. É claro que po<strong>de</strong>ria ser muito maior,<br />

a gente acaba tendo certo engessamento em função da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

equipamentos e dificulda<strong>de</strong>s internas que isso é natural. A gente quer sempre<br />

melhorar. Então muito do tempo dos técnicos é comprometido com os horários <strong>de</strong><br />

aula né... A gente só tem aqui para o horário da tar<strong>de</strong>, mas diante <strong>de</strong>ssa estrutura<br />

que eu acho que já é uma vitória... Eu na minha época na UFES não tinha nada<br />

disso, era tudo mais difícil, tudo mais precário, a gente não tinha essas noções. Era<br />

uma prática muito mais fechada, era um saber mais isolado. Você não conseguia<br />

fechar um produto. Hoje eu sinto que em função da visão mais prática, <strong>de</strong>ssa<br />

preocupação em ter um produto que proporciona uma visão do que é o mercado...<br />

Esse aluno que é estudioso, se ele tem uma proposta um pouco mais ousada ou se<br />

ele quer aliar essa prática com o conhecimento, ele tem essa possibilida<strong>de</strong> e esse<br />

apoio aqui <strong>de</strong>ntro. Em função <strong>de</strong>ssas condições.<br />

V – A TV UVV funciona <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando?<br />

C – A TV UVV começou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira turma... Simone a primeira turma foi<br />

quando? Foi a sua né? Foi 80, não... Foi 90? Não... Foi em 2001! Foi quando a<br />

gente entrou. TV Re<strong>de</strong> UVV começou em 2001. Era UNITV inicialmente. Começou<br />

com um espaço alugado. A UVV alugava um estúdio que era a Fênix...<br />

Alguém – Foi em 99!<br />

C – É foi em 99! Foi um pouco antes. Mas só a partir, acredito <strong>de</strong> 2003...<br />

250


V – Aí começou a ser feito pelos alunos mesmo?<br />

C – Não. Lá já existia toda essa prática né. Só que em 2003 a UVV já tinha essa<br />

estrutura montada para receber os alunos.<br />

V – Mas sempre foi...<br />

C – Eles sempre tiveram disponibilizados os recursos. Os alunos a frente não. A<br />

proposta anterior era diferente. O aluno era orientado...<br />

V – Os alunos vieram à frente quando?<br />

C – O novo currículo... Seria melhor você conversar com a Cristina Dadalto ou a<br />

Flávia Maia. Eu recomendo porque elas que estruturaram e eu acho que nem seria<br />

justo falar <strong>de</strong>ssa proposta pedagógica. Porque elas que montaram, já apresentaram<br />

em vários eventos científicos né, é uma conquista. Eu sei por que acompanhei essa<br />

transformação e foi basicamente quando a Ivana assumiu a coor<strong>de</strong>nação que a<br />

gente começou com essa nova proposta que foi a implantação <strong>de</strong>sse currículo há<br />

uns 2 anos que a gente começou... Não, foi um pouco mais... Tem uns 3 anos que a<br />

gente começou a mudança. A gente começou esse processo <strong>de</strong> incentivar o aluno a<br />

<strong>de</strong>senvolver toda ca<strong>de</strong>ia, todo o processo. Mostrar para ele que ele é capaz <strong>de</strong><br />

levantar uma pauta, <strong>de</strong>senvolver essa pauta, <strong>de</strong>senvolver a produção e<br />

acompanhar, realizar, viabilizar todo o processo. Editar, <strong>de</strong>cupar... E ele vê um<br />

produto final que ele sabe que é capaz <strong>de</strong> fazer. Ele roteiriza também. Não é a gente<br />

que escreve as falas. Agente só revisa no máximo. E quando o aluno adquiri uma<br />

confiança maior muitas vezes não faz nem essa revisão, a gente vê só o produto<br />

final pra ver se está tudo coerente, se não tem nenhum... Porque eles já apren<strong>de</strong>m<br />

qual é a linha editorial <strong>de</strong> cada programa e <strong>de</strong>senvolvem. Esse programa <strong>de</strong> cultura<br />

é completamente livre. A gente praticamente não interfere. Esse outro, Sintonia<br />

UVV, que eu faço parte, tem assim, um certo cuidado porque ele é institucional. Ele<br />

fala <strong>de</strong> assuntos <strong>de</strong> interesse da UVV, ele lida com a imagem, com os produtos da<br />

UVV. Então a gente tem que ter esse cuidado institucional. Na medida do possível<br />

eu vou <strong>de</strong>ixando eles andarem livres. Eu só disponibilizo assuntos que são <strong>de</strong><br />

interesse, porque existe né... Existe essa recomendação <strong>de</strong> alguns assuntos que<br />

são importantes para instituição. São temas que a gente quer que sejam <strong>de</strong>batidos,<br />

apresentados para a comunida<strong>de</strong>. Então eu indico as pautas. Mas no Miscelânia as<br />

pautas surgem <strong>de</strong>les e é muito bonito ver isso e eles inventam estilos <strong>de</strong> abordar,<br />

até a linguagem é diferente. É interessante você ver alguns programas. Vê alguns<br />

programas antigos e comparar com uns mais recentes e ver que houve progresso. E<br />

251


o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio é que cada início <strong>de</strong> ano ou início <strong>de</strong> período é recomeçar porque<br />

muitos <strong>de</strong>les vão embora e chegam novos e a gente incentiva que venham mesmo.<br />

A gente tem vaga <strong>de</strong> monitoria, que são todos os dias, mas a gente tem vaga <strong>de</strong><br />

estágio, que são dias flutuantes e tem os voluntários que a gente quer mesmo que<br />

seja assim. Que a TV seja ocupada mesmo por esses voluntários, pra eles<br />

apren<strong>de</strong>rem a lidar com essa mídia, a sentirem mais segurança e a medida que vão<br />

surgindo essas vagas as pessoas já tem um ‘plus’ pra concorrer as vagas. Muitos<br />

fazem isso. Ou então entram simplesmente pelo prazer <strong>de</strong> fazer essa proposta e<br />

muitas vezes nem chegam a se beneficiar com <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> mensalida<strong>de</strong> ou<br />

qualquer vantagem. Simplesmente porque quer essa oportunida<strong>de</strong>. Tem vários<br />

casos assim. A Juliana Tose, que já é egressa, que ta vindo agora para o nosso<br />

círculo <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate em pesquisa <strong>de</strong> comunicação semana que<br />

vem... Ela foi uma que criou... Essa idéia do Miscelânea. Foi toda concebida por ela.<br />

E ela saiu e o programa ficou, mas a idéia toda partiu <strong>de</strong>la, inclusive o nome que ela<br />

ajudou na concepção. É muito bonito ver isso. Tinha um outro <strong>de</strong> ecologia que<br />

<strong>de</strong>pois foi apresentado com a proposta <strong>de</strong> um programa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, que era o<br />

Rogério, um aluno também muito empreen<strong>de</strong>dor que já vinha com uma experiência,<br />

uma graduação em geografia na UFES. Então a gente tem vários casos bem<br />

sucedidos e nos dá um prazer imenso vê-los dominando as ferramentas e sendo<br />

capazes <strong>de</strong> chegarem no mercado e se apresentarem bem e mostrarem que são<br />

capazes e serem auto-confiantes, intelectuais orgânicos.<br />

V- Obrigada Chica, nossa...<br />

FITA 2 - ENTREVISTA 1<br />

CARLOS MOISÉS VIEIRA<br />

V = Vanessa Maia<br />

C = Carlos Moisés Vieira<br />

V - Eu estou aqui com o Carlos Moisés Vieira que trabalha na TV UVV. Carlos, eu<br />

queria saber <strong>de</strong> você qual seria a importância <strong>de</strong> você passar por uma TV<br />

Universitária, na sua avaliação.<br />

252<br />

C - Olha eu posso dizer que é importante por 2 aspectos. Primeiro aspecto é o


profissional, claro, porque a gente aqui adquire uma experiência. A gente vai a<br />

campo apesar <strong>de</strong> ser um campo <strong>de</strong> trabalho um pouco restrito, assim... A realida<strong>de</strong><br />

universitária... Mas te proporciona uma experiência tanto na parte técnica, quanto no<br />

lance do campo, <strong>de</strong> correr atrás. Inclusive eu fiz um... Tem pouco tempo que eu tô<br />

estagiando na TV, tem 2 semanas mais ou menos, tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cobrir um<br />

evento <strong>de</strong> direito, trouxe autorida<strong>de</strong>s e tudo. Te dá essa coisa <strong>de</strong> você pegar uma<br />

<strong>de</strong>senvoltura para trabalhar. Inclusive eu fiquei até um pouco nervoso nessa primeira<br />

experiência, mas eu aprendi bastante coisa. Nas próximas com certeza eu vou<br />

apren<strong>de</strong>r muito mais. E outro aspecto importante é você estar diretamente ligado na<br />

vida universitária, na vida do campus, na vida acadêmica. Isso é bastante<br />

interessante. Talvez servir <strong>de</strong> espelho para outras pessoas que estão... Porque até<br />

então eu não tinha me interessado em estagiar em área nenhuma <strong>de</strong>ntro da<br />

universida<strong>de</strong> porque eu não achava que teria tanta valida<strong>de</strong> assim. Mas nessas<br />

duas semanas que eu pu<strong>de</strong> estar aqui trabalhando na TV eu aprendi mais coisa<br />

assim, eu posso dizer, do que nos 3 semestres que eu fiz <strong>de</strong> televisão na sala <strong>de</strong><br />

aula e no estúdio fazendo matérias só pra pegar nota e tudo mais.<br />

V - E aí pegando o gancho no que você tá falando, eu queria falar um pouco da<br />

questão do currículo. Como você avalia o currículo praticado na TV? Porque embora<br />

não tenha nada prescrito, "<strong>de</strong>vemos fazer isso ou <strong>de</strong>vemos fazer aquilo", a gente<br />

acaba se interando das coisas e tendo que produzir. Então qual a menção que você<br />

faz do currículo praticado aqui?<br />

C - O currículo, tipo, as coisas que você apren<strong>de</strong>?<br />

V - Que apren<strong>de</strong> isso...<br />

C - Bom, aqui a gente lida diretamente... Eu não sei por que eu nunca trabalhei fora.<br />

Mas eu imagino que no mercado você tenha uma função pré estabelecida e não<br />

participa <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong> uma reportagem igual a gente faz aqui. Porque aqui<br />

a gente vai, faz a pauta, a gente vai a campo, a gente trabalha com técnico, a gente<br />

trabalha na edição... Então você sai daqui, <strong>de</strong> certa forma, um profissional. Acho que<br />

<strong>de</strong>pois que eu cumprir esse período que eu tenho que fazer aqui do estágio eu vou<br />

estar apto para atuar no mercado por que... Como eu te falei, aqui a gente apren<strong>de</strong> a<br />

dominar todas as áreas do processo <strong>de</strong> uma reportagem. É bastante importante né.<br />

V - É você tava me falando que "eu acho que aprendi mais nesses dois meses <strong>de</strong><br />

TV do que"...<br />

C - 2 semanas.<br />

253


V - Nessas 2 semanas <strong>de</strong> TV do que...<br />

C - 3 semestres...<br />

V - 3 semestres <strong>de</strong> curso. Por quê?<br />

C - Por quê? Porque no curso que a sala <strong>de</strong> aula... Eu acho que limita um pouco o<br />

nosso pensamento porque a gente vai pra aula com aquele intuito <strong>de</strong> atingir a nota,<br />

atingir a média, passar <strong>de</strong> ano e seguir a outra etapa. E na outra etapa você vai<br />

fazer essa mesma coisa. Agora aqui na TV o intuito <strong>de</strong> fazer uma matéria não é<br />

atingir nota, não é fazer o filme, assim, com ninguém e tal. Nosso lance aqui é<br />

produzir um trabalho bom, um trabalho que saia com um resultado legal, porque é<br />

veiculado num canal <strong>de</strong> televisão, assim como são veiculadas as matérias também<br />

dos jornalistas profissionais que já estão no mercado a bastante tempo. E a gente<br />

quer fazer uma coisa com um nível legal pra chegar nesse ponto aí que a gente vá<br />

trabalhar num veículo <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e receber uma grana aí pra<br />

trabalhar. A gente ter já uma experiência e ter feito um trabalho legal anteriormente.<br />

V - Você tem alguma questão pra dizer... Alguma experiência bacana que você viveu<br />

aqui ou a partir daqui, que a TV te fez passar?<br />

C - Olha, eu posso citar essa experiência que eu te falei <strong>de</strong>ssa matéria que eu tive<br />

que fazer, essa cobertura. Foi uma cobertura que eu tive que entrevistar os caras,<br />

assim... Como era a minha primeira matéria <strong>de</strong> televisão eu estava mais preocupado<br />

com a minha imagem do que propriamente com a matéria em si. Eu não tava tão<br />

integrado com a matéria. O cara ia falando e pra mim era tipo um blá, blá, blá. Eu<br />

não estava prestando atenção e não tinha nem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reformular uma<br />

pergunta a partir da primeira pergunta que eu tinha feito para ele. Eu acho que nas<br />

próximas experiências eu vou estar menos preocupado com esse lance d imagem e<br />

vou me integrar mais <strong>de</strong>ntro da matéria, prestar mais atenção no assunto, no tema<br />

do que propriamente da estética.<br />

V - E por que você quis vir para cá Carlos?<br />

C - Foi um convite da professora. Eu entrei em 2001, era pra eu ter me formado em<br />

2004 e acabei trancando várias vezes o curso. Eu achava que jornalismo não era a<br />

minha praia. Tava meio arrependido <strong>de</strong> ter feito jornalismo. Agora eu voltei, tô<br />

fazendo minha monografia sobre jornalismo literário e vou fazer mais algumas<br />

matérias semestre que vem. Aí a professora me convidou, eu achei legal e fui me<br />

integrando na equipe.<br />

254<br />

V - Aí quando você passou para a TV você começou a achar que jornalismo é a sua


praia?<br />

C - Não. Eu já tinha chegado a essa conclusão antes, quando eu <strong>de</strong>cidi que iria<br />

terminar o curso. Eu gosto mais da parte <strong>de</strong> jornalismo impresso. Revistar e tudo<br />

isso... Escrever eu acho que é o que eu faço melhor <strong>de</strong>ntro do jornalismo. Mas essa<br />

experiência da TV é bem interessante porque acabei <strong>de</strong>scobrindo uma outra forma<br />

<strong>de</strong> aplicar a minha escrita, assim, uma outra linguagem. É uma linguagem que exige<br />

um conhecimento pra você redigir alguma coisa, pra fazer um trabalho mesmo.<br />

V - O que você acha <strong>de</strong> bom na TV Universitária e o que você acha <strong>de</strong> ruim? Não só<br />

ruim, mas <strong>de</strong> "ah, po<strong>de</strong>ríamos ou po<strong>de</strong>ria ser assim". Qual seria uma TV<br />

Universitária imaginada?<br />

C - Olha, uma TV Universitária dos sonhos era uma TV com uma liberda<strong>de</strong> maior<br />

para você trabalhar. Porque aqui a gente tá nos parâmetros da instituição. E talvez<br />

seja legal fazer uma coisa com maior liberda<strong>de</strong>. Mas <strong>de</strong> um outro ponto <strong>de</strong> vista isso<br />

é válido porque quando você vai trabalhar lá fora você não vai encontrar esse<br />

jornalismo dos sonhos assim.<br />

V - Você acha que a TV do lado <strong>de</strong> fora também não tem limitações?<br />

C - É, então. Mais inclusive do que a daqui, do que essa daqui. Então o que eu acho<br />

legal da TV Universitária é que ela está te preparando diretamente para o mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho. Não está preparando nada utópico. Você não vai chegar lá cheio <strong>de</strong><br />

sonhos e quebrar a cara, você vai chegar no mercado <strong>de</strong> trabalho ciente <strong>de</strong> como é<br />

que funcionam as coisas.<br />

V - É bom trabalhar entre colegas?<br />

C - É muito legal e divertido. É interessante, bem legal.<br />

V - O que é que tem trabalhar entre colegas? Tem solidarieda<strong>de</strong>, encheção <strong>de</strong><br />

paciência, muita amiza<strong>de</strong>, amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> menos? O que tem trabalhar entre colegas?<br />

C – Olha, eu acho que pelo fato <strong>de</strong> tá todo mundo envolvido em um único i<strong>de</strong>al que<br />

é a produção com um resultado bacana, tenho percebido a solidarieda<strong>de</strong> dos meus<br />

amigos. Inclusive meus amigos que estão aí me ajudando bastante nessas últimas<br />

matérias que eu tive que fazer. Eles tão me ajudando, me dando uma força. É um<br />

pessoal que já está a mais tempo na TV. No início eu achei até que iria ter um pouco<br />

<strong>de</strong>... uma crise, assim, <strong>de</strong> relacionamento. Mas muito pelo contrário, o pessoal é<br />

bastante solidário. Todo mundo com intuito <strong>de</strong> produzir um trabalho com resultado<br />

final. Sem vaida<strong>de</strong>, sem... Que a TV é uma coisa que <strong>de</strong>sperta o lado vaidoso das<br />

255<br />

pessoas, mas nesse caso, nesse lugar que eu tô trabalhando agora na UniUVV ta


sendo bem legal. Essa experiência tá sendo bastante interessante.<br />

V - É isso. Você queria falar mis alguma coisa? Acrescentar mais alguma coisa?<br />

C - Não. A não ser que você queira saber mais alguma coisa.<br />

V - Não. No momento não também. É isso aí, muito obrigada.<br />

C – Valeu<br />

ENTREVISTA<br />

LÉO<br />

V = Vanessa<br />

L = Léo<br />

V - Eu queria saber pra você qual foi o sentido e a importância <strong>de</strong> ter passado pela<br />

TV Universitária?<br />

L - Eu acho que foi muito importante. Acho que foi o divisor <strong>de</strong> águas do curso<br />

porque quando eu comecei a fazer faculda<strong>de</strong>, até o quarto período eu não estagiava<br />

na área e não tinha também nenhum interesse em estagiar. Até fazia jornalismo por<br />

gostar, pensando em ser professor, porque quando eu comecei a fazer faculda<strong>de</strong> eu<br />

era professor <strong>de</strong> português do Estado e <strong>de</strong>pois eu trabalhei na prefeitura <strong>de</strong> Vila<br />

Velha e não tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar como jornalista. Quando eu vim pra cá eu<br />

comecei a conhecer um pouco. Me convidaram pra fazer estágio aqui e eu comecei<br />

a conhecer, comecei a gostar mais dos conhecimentos sobre a área <strong>de</strong> jornalismo,<br />

conhecimentos sobre TV e conhecimentos <strong>de</strong> outras áreas também. Aqui... a Ivana<br />

é a prova viva disso, ela me ajudou muito também. Eu tinha uma forma <strong>de</strong> vida<br />

muito diferente da que eu tenho hoje.<br />

V - Você po<strong>de</strong> falar o que modificou a sua existência?<br />

L - Eu era muito mais nervoso. Quando você é professor você trabalha em equipe,<br />

só que é diferente você tá <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula e tem os outros alunos alí. Então<br />

você não tem aquela relação profissional com outros professores né, eu não tinha<br />

muito. Então quando eu vim pra cá eu tive que apren<strong>de</strong>r a trabalhar em equipe, tive<br />

que apren<strong>de</strong>r a ser um pouco mais calmo e até me vestir melhor. Porque você tem<br />

essa questão da imagem perante as câmeras e tudo mais. Então aqui me ajudou<br />

não só profissionalmente, como eu já disse, mas também pessoalmente.<br />

256<br />

V - E Léo, como você vê essa questão da experiência? De po<strong>de</strong>r experimentar


coisas novas e tudo? O que passa pela TV Universitária também se modifica em<br />

sala <strong>de</strong> aula?<br />

L - Bastante. Bastante porque você se... se você... Não só na TV Universitária, mas<br />

também no estágio. E pela TV Universitária você tem um convívio maior na<br />

faculda<strong>de</strong>. Você acaba criando vínculo com o professor, que é coor<strong>de</strong>nador e ao<br />

mesmo tempo professor na sala <strong>de</strong> aula, você acaba tendo um convívio maior com<br />

outros professores e também com outros alunos. Então você acaba se incentivando<br />

mais com o curso porque você começa a se incentivar mais com a realida<strong>de</strong> do<br />

curso e você sabe como é que a faculda<strong>de</strong> funciona. Então você passa a ter uma<br />

vonta<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> estudar e no meu caso foi assim.<br />

V - Me fala um pouquinho da sua trajetória profissional. Você me falou que trabalhou<br />

aqui, que passou pela TV capixaba e voltou pra cá...<br />

L - É como eu disse, quando eu comecei a fazer faculda<strong>de</strong>... Na verda<strong>de</strong> eu comecei<br />

a fazer jornalismo em 2003, saí do curso, fiz um ano só porque naquela época eu<br />

tinha 18 anos e ainda estava <strong>de</strong>cidindo se era aquilo mesmo que eu queria. Saí do<br />

curso e fui fazer direito. Fiz um semestre <strong>de</strong> direito, não gostei e saí e fui fazer<br />

cursinho pra tentar vestibular na UFES <strong>de</strong> engenharia porque meu pai queria que eu<br />

fizesse engenharia. E quando eu comecei a assistir as aulas discursivas <strong>de</strong><br />

matemática e física eu falei "não, não é pra mim", eu realmente nunca tive muita<br />

habilida<strong>de</strong> pra isso e saí. Aí fui fazer as discursivas <strong>de</strong> história e geografia porque eu<br />

ia tentar história na Fe<strong>de</strong>ral Fluminense. Não consegui passar e comecei a fazer<br />

publicida<strong>de</strong> no semestre seguinte. Fiz um ano <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e tava gostando das<br />

aulas e <strong>de</strong>cidi voltar a fazer jornalismo. Comecei a fazer jornalismo aqui na UVV em<br />

2005 e quando eu voltei eu estava dando aula pelo Estado como professor DT, que<br />

a gente tem essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar aula. Aí eu <strong>de</strong>i aula pelo Estado, <strong>de</strong>i aula <strong>de</strong><br />

português e <strong>de</strong>pois eu fui pra prefeitura <strong>de</strong> Vila Velha e <strong>de</strong>i aula na prefeitura até<br />

fevereiro <strong>de</strong> 2006, não, 2007. Quando foi em fevereiro um colega meu me chamou<br />

pra fazer um estágio aqui e eu vim, comecei a gostar e fiquei até setembro, mais ou<br />

menos, do ano passado. Fui pra TV Capixaba, fiquei na TV Capixaba <strong>de</strong> setembro<br />

até março aí quando chegou <strong>de</strong>zembro que eu entrei <strong>de</strong> férias eu encontrei outro<br />

estágio, porque eu estudava <strong>de</strong> manhã. Aí <strong>de</strong> manhã eu ficava na Rádio Espírito<br />

Santo e <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> eu ia pra TV Capixaba aí quando as férias acabaram eu saí, fui pra<br />

rádio e fiquei na rádio até agora, recentemente... até o início <strong>de</strong> julho. Aí saí, porque<br />

eu voltei a fazer publicida<strong>de</strong> também. Agora eu faço jornalismo e publicida<strong>de</strong>.<br />

257


V - E a experiência que você teve aqui na TV você levou pra TV Capixaba? Te<br />

ajudou lá?<br />

L - Bastante. Eu acho que eu aprendi mais aqui do que lá. Porque lá você não tem<br />

tempo pra apren<strong>de</strong>r. Você tem que <strong>de</strong>senvolver o que você já apren<strong>de</strong>u aqui <strong>de</strong>ntro.<br />

Então quando eu cheguei lá, o que me ajudou a trabalhar... Eu entrei com uma<br />

função e saí já estava ocupando outra função. Então o que ajudou a <strong>de</strong>senvolver<br />

meu trabalho lá <strong>de</strong>ntro foi a experiência que eu tinha tido aqui <strong>de</strong>ntro.<br />

V - Léo como você a questão do currículo praticado nas TVs Universitárias? Você<br />

acha que é bom ou as coisas que são praticadas alí exce<strong>de</strong>m a sala <strong>de</strong> aula ou vai<br />

além da sala <strong>de</strong> aula... O que você acha?<br />

L - Eu acho que assim, não é o suficiente. Porque na sala <strong>de</strong> aula você só tem uma<br />

hora e 40 minutos pra você apren<strong>de</strong>r sobre TV e no estágio você tem 4 ou 5 horas<br />

pra <strong>de</strong>senvolver o que você tentou apren<strong>de</strong>r em 1h40min. Só que ainda não é o<br />

suficiente. Eu acho que po<strong>de</strong>ria abrir um leque maior pra <strong>de</strong>senvolver, mas eu acho<br />

que isso é mais <strong>de</strong> cada faculda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cada curso, <strong>de</strong> cada coor<strong>de</strong>nação. Cada uma<br />

trabalha <strong>de</strong> uma forma diferenciada, então você precisa ver on<strong>de</strong> está seus <strong>de</strong>feitos,<br />

suas falhas pra tentar trabalhar isso <strong>de</strong> uma forma melhor.<br />

V - Alguma experiência que te marcou quando você tava aqui na TV Universitária?<br />

L - Tenho. Tenho a questão dos jogos Pan-Americanos que foi quando eu tava vindo<br />

para o estágio e as meninas da ginástica rítmica são patrocinadas aqui pela UVV. Aí<br />

eu tava chegando e elas estavam voltando dos jogos, estavam vindo para o Espírito<br />

Santo, e a gente tinha que ir pra lá. Como a única pessoa que tava aqui era eu, eu<br />

fui pra lá esperar elas no aeroporto junto com toda a imprensa oficial né... TV<br />

Gazeta, tudo aquilo... Então pra mim foi muito marcante porque foi a primeira vez<br />

que eu tive contato com os outros e também que eu cheguei perto do real, porque<br />

aqui a gente trabalha muito, mas a gente não tem o factual né. A gente seleciona as<br />

nossas pautas e tem um tempo maior pra <strong>de</strong>senvolver o nosso trabalho e lá não, ou<br />

você ia e gravava lá ou você não gravava porque não iria ter outra oportunida<strong>de</strong>, não<br />

iria acontecer <strong>de</strong>novo. E teve outra que por causa do estágio eu comecei a gostar<br />

mais do curso... Eu fui a São Paulo participar <strong>de</strong> um congresso <strong>de</strong> jornalismo<br />

investigativo e nesse congresso a gente teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrevistar o Caco<br />

Barcelos. Então a gente teve que correr atrás <strong>de</strong>le <strong>de</strong> todas as formas pra po<strong>de</strong>r<br />

pelo menos fazer duas perguntas pra ele. Você que é estudante e tem um<br />

258<br />

profissional daquele na sua frente você começa a tremer todo, mas a gente


conseguiu e pra mim foi muito marcante também.<br />

V - Você se sentiu intimidado ou não?<br />

L - Isso você se sente né, porque por mais que você tenha o conhecimento né, ele já<br />

tem 30 anos <strong>de</strong> profissão, você tem medo <strong>de</strong> falar alguma coisa errada ou você tem<br />

medo <strong>de</strong> perguntar alguma coisa que seja idiota. Mas eu acho que a gente tem que<br />

apren<strong>de</strong>r tudo. No início eu tremi um pouco na base, mas <strong>de</strong>pois foi mais fácil.<br />

V - Maravilha. E tem mais alguma coisa que você gostaria <strong>de</strong> falar?<br />

L - Não... assim... O fato <strong>de</strong> eu ter voltado pra cá, porque a TV Universitária aqui da<br />

UVV pra mim foi muito importante. Foi como eu já disse, um divisor <strong>de</strong> águas mesmo<br />

da minha vida... Muita coisa que eu vivi quando eu fiz estágio aqui que eu comecei a<br />

conhecer o curso <strong>de</strong> jornalismo. Então foi muito importante. Passou a ter outro<br />

sentido.<br />

V - Beleza. Quanto tempo você ficou fazendo estágio aqui na primeira vez?<br />

L - Eu fiz quase um ano. Eu entrei em fevereiro e terminei em setembro mais ou<br />

menos.<br />

V - Em que ano?<br />

L - Ano passado.<br />

V - 2007.<br />

L - É 2007.<br />

V - Muito obrigada.<br />

L - De nada.<br />

Entrevista Jeferson<br />

V= Vanessa<br />

J = Jeferson<br />

V – Queria que você me falasse qual foi a importância <strong>de</strong> você ter passado pela TV.<br />

Se foi um experiência para você e se teve importância.<br />

J – Teve <strong>de</strong>mais. Eu acho que ela me proporciona, ta me proporcionando ainda. A<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentar, tentar, ver como é que é o ambiente <strong>de</strong> uma<br />

televisão, como é produzido os programas, como é os bastidores, processo <strong>de</strong><br />

produção e edição. Eu acho que a gente consegue <strong>de</strong>ntro da TV universitária<br />

conhecer um pouquinho <strong>de</strong>sse processo e se projetar para o mercado mesmo.<br />

259


V – O que você gosta mais no seu dia a dia?<br />

J - Na TV?<br />

V – É.<br />

260<br />

J – Eu gosto do... as pessoas são muito unidas na TV e isso ajuda muito no<br />

trabalho, o trabalho flui. A gente consegue mesmo com pessoas <strong>de</strong> outros<br />

programas, buscar novas referências, novos conhecimentos para até vir somar no<br />

programa que a gente preten<strong>de</strong> trabalhar né, fazendo essa ligação <strong>de</strong> um programa<br />

com outro.<br />

V – Esse lance da convivência...<br />

J – Isso também e trabalhar aqui com o pessoal.<br />

V – Deixa eu te falar... Se você pu<strong>de</strong>sse fazer uma varredura das etapas, o que você<br />

gosta mais? Você gosta <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> pauta ou gosta mais <strong>de</strong> produção ou você gosta<br />

mais do programa em si...<br />

J – Da edição.<br />

V - Por que você gosta mais da edição?<br />

J – Porque eu... Particularmente eu já venho brincando com edição tem muito<br />

tempo, bem antes <strong>de</strong> eu entrar na faculda<strong>de</strong>. Quando eu entrei aqui eu <strong>de</strong>scobri<br />

muita coisa nova e ousada que vem a somar. Como é uma área que eu gosto, gosto<br />

<strong>de</strong> produzir, gosto <strong>de</strong> editar, eu gosto <strong>de</strong> ficar na ilha <strong>de</strong> produção produzindo<br />

alguma coisa nova e cada hora que eu entro na ilha <strong>de</strong> edição eu aprendo uma<br />

coisa diferente. A edição pra mim é o núcleo da produção toda, é a edição.<br />

V – Vamos partir <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> edição que não seria esse <strong>de</strong> montar um<br />

programa para colocar no ar. Seria edição enquanto o que? Como possibilida<strong>de</strong> que<br />

você tem <strong>de</strong> criar, <strong>de</strong> criar novos espaços, experimentar outras coisas... Qual é a<br />

edição que você mais se i<strong>de</strong>ntifica, a edição <strong>de</strong> colocar no ar ou a edição <strong>de</strong><br />

experimentar novas coisas, <strong>de</strong> criar um outro ambiente?<br />

J – A edição para programa eu acho que ela já vem bem redondinha, bem fechada e<br />

poucas vezes você consegue fazer uma coisa experimental e mudar, mas mesmo<br />

assim você consegue. Já essa parte <strong>de</strong> criação é a parte que eu me i<strong>de</strong>ntifico né.<br />

Posso criar algo e mostrar para as pessoas e verem aquele brilho e conseguirem<br />

captar o que eu quis passar, uma coisa que eu to experimentando.<br />

V – Quando você ta fazendo, assim, (?) da jornada, passando por aqui né... Você<br />

sente que esse fazer te modifica também? Eu não to falando que modifica enquanto<br />

processo <strong>de</strong> formação não, eu to falando se modifica o Jéferson. O Jéferson que


tem <strong>de</strong>terminada vida, que faz <strong>de</strong>terminado curso, que gosta <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

coisas... Essa passagem por aqui também modificou?<br />

J – Modificou. Ta me modificando porque a gente tem que fazer pesquisa e com<br />

essa pesquisa a gente conhece novas coisas e essas novas coisas vêm muito a<br />

somar como pessoa mesmo. Como uma nova música que você ouve, uma nova<br />

banda, novos filmes... No caso do programa do Bitola que é voltado para o<br />

audiovisual a gente é obrigado a assistir vários filmes que normalmente você não<br />

assistiria e você acaba gostando, ou não, mas na maioria das vezes eu acabo<br />

gostando <strong>de</strong>sses filmes e busco <strong>de</strong>pois outras coisas além do que foi só usado.<br />

V – Já chegou o momento <strong>de</strong> você passar por uma coisa ou ter passado por um<br />

processo <strong>de</strong>ntro do programa e que aquilo <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>u tanto que você chegou a<br />

não se reconhecer por estar gostando daquilo? Assim, seu processo <strong>de</strong> modificação<br />

foi tamanho que você chegou a não se reconhecer mais? Ou não?<br />

J – Bom... não, acho que não porque eu sou... eu modifico muito o meu pensar, meu<br />

jeito se ser... geralmente eu to mudando alguma coisa, então essas modificações eu<br />

não... eu não tenho uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria então eu não tenho como mudar assim<br />

né, eu vou variando, vou mudando sempre.<br />

V – Entendi. Em que perspectiva essa experiência da TV te ajuda a mudar também?<br />

J – Esses novos conhecimentos. Nova visão <strong>de</strong> coisas que eu não conhecia ainda.<br />

Do ambiente também.<br />

V – Tem alguma experiência curiosa que você tem pra narrar para as pessoas, pra<br />

gente que você tenha vivido? Ou trágica, ou triste, ou muito feliz... Se você tivesse<br />

que falar assim, do que você se recorda...vamos imaginar pro ano 2020. É<br />

complicado esse exercício né, mas do que você se recordaria quando falasse da TV<br />

Faesa?<br />

J – Tem uma coisa que me marcou bastante foi que... não. Peraí... acho que foi<br />

ouvir algumas pessoas falarem... Não. Acho que não tem uma coisa marcante...<br />

V – Fala! Eu não quero uma entrevista com pauta não....<br />

J – Os elogios sempre vêm... ta vindo. Depois que eu entrei na TV Faesa eu recebi<br />

mais elogio do que antes, quando eu tava trabalhando em outros lugares. Aqui eu<br />

recebo muitos elogios, mas outro dia falaram que o Bitola é o programa mais bem<br />

produzido <strong>de</strong> Vitória.<br />

V – E isso modifica...<br />

J – Com certeza.<br />

261


V – Queria retomar a questão das pessoas, das amiza<strong>de</strong>s e tudo. Você acha que<br />

essas pessoas se não estivessem reunidas neste ambiente <strong>de</strong> TV universitária,<br />

tendo que produzir juntas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma sala, produzindo programas diferentes e<br />

tudo, talvez elas pu<strong>de</strong>ssem ter esse encontro em outro lugar? Ou este lugar acabou<br />

sendo o catalisador <strong>de</strong>ssas pessoas?<br />

J – Eu acho difícil outro lugar que proporcione essa... esse acolhimento, essa<br />

convivência que a gente tem aqui <strong>de</strong>ntro.<br />

V – Mas que seria esse tipo <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>? Seria uma gentileza ou o tipo <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />

que te impulsiona a produzir mais? As vezes um colega te dá uma dica, te dá uma<br />

fonte. Ele te motiva ou seria algo do âmbito da amiza<strong>de</strong> mesmo?<br />

J – Mesmo no âmbito da relação <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, essa amiza<strong>de</strong> é uma relação diferente<br />

que te proporciona crescer e produzir mais. É como se fosse um trampolim. Você vai<br />

e vai se projetando cada vez mais alto.<br />

V – Mas é solidarieda<strong>de</strong> ou é competitivo?<br />

J – É bem solidário.<br />

V – Tem mais alguma coisa que você gostaria <strong>de</strong> falar, qualquer coisa?<br />

J – Não...<br />

V – Se você pu<strong>de</strong>sse pensar outro tipo <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> TV universitária, um outro<br />

tipo diferente, o que você faria?<br />

J – Um programa novo?<br />

V – É, um programa novo ou uma TV nova.<br />

J – Uma TV pro sinal aberto. Acho que é um conteúdo que não tem apego com o<br />

telespectador. Não busca ter audiência, então com isso fica uma coisa mais séria,<br />

não mais séria, mas pessoal.<br />

V – A gente mão tem o compromisso do ibope né, mas po<strong>de</strong>ria ser aberto porque a<br />

gente faz um monte <strong>de</strong> coisa bacana.<br />

J – É por isso... realmente isso. Por não ter apego com ibope a gente experimenta e<br />

sai coisas cada dia mais excelentes assim, mais bacanas. Então muita gente não<br />

tem acesso e isso é um... Acho que se as pessoas tivessem acesso a isso quem<br />

sabe não teriam uma visão diferente do próprio universitário, da própria<br />

comunicação em si.<br />

V – Jéferson quando você fala da experiência, da experimentação e tudo, eu queria<br />

te fazer uma pergunta que seria a seguinte: É possível experimentar mesmo tendo<br />

262<br />

uma periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programa? Por exemplo, seu programa é quinzenal, vai ao ar


quinzenalmente. Ele já tem um formato “pré-<strong>de</strong>finido” né, mesmo assim você acha<br />

que a experiência é possível?<br />

J – É. Porque a gente ta com exemplo agora do programa especial do vi<strong>de</strong>oclipe<br />

que a gente entrou na linguagem do vi<strong>de</strong>oclipe para fazer o próprio programa. A<br />

gente tem várias coisas aí, tem muitas coisas ainda que a gente ta na fase <strong>de</strong><br />

produção do programa, mas tem várias idéias que remetem ao vi<strong>de</strong>oclipe que é<br />

essa experimentação. O novo, o diferente do clássico.<br />

V – Jéferson seria exagero meu dizer que, ainda no âmbito da experimentação<br />

mesmo, dizer que a gente passa por aqui e sai diferente? Eu não to preocupada<br />

com o aprendizado formal, eu não to preocupada com quem chega e diz que<br />

apren<strong>de</strong> a mexer no programa <strong>de</strong> edição ou que apren<strong>de</strong>u a produzir. Eu to<br />

preocupada com pessoas que realmente tem uma outra percepção do que po<strong>de</strong> ser<br />

feito com o programa <strong>de</strong> televisão e com a própria vida.<br />

J – Certo.<br />

V – O que você acha das pessoas que passam por aqui?<br />

Acho que modifica muito. Uma pessoa que passa pela faculda<strong>de</strong> e só fica em sala<br />

<strong>de</strong> aula ela não faz um experimento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma TV ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um estúdio.<br />

Porque <strong>de</strong>ntro da faculda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro da instituição ela sai com conteúdo só <strong>de</strong> aula,<br />

só teórico. Aqui você pratica, você começa a ter uma outra visão até do próprio<br />

teórico. Isso ajuda <strong>de</strong>mais. Além <strong>de</strong> ajudar na própria sala <strong>de</strong> aula, te ajuda também<br />

na sua vida profissional, pro futuro.<br />

V – O conhecimento parece que adquire sentido né.<br />

J – Isso.<br />

V – Como é a sua relação com seu professor orientador? Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar que essa fita<br />

não vai chegar na mais <strong>de</strong>le não. Assim, você acha que seria possível ter uma<br />

relação com esse professor se não fosse nesse ambiente? Teria efeito? O que você<br />

acha?<br />

J – Bom...<br />

V – Essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento que a gente tem aqui.<br />

J – Eu acho que é uma extensão da sala <strong>de</strong> aula pra mim. To apren<strong>de</strong>ndo com base<br />

em criação e ouvindo muito meu orientador. Acho que ele sempre tem muito a<br />

somar pra gente.<br />

V – Mas essa relação é menos hierarquizada?<br />

263


J – É. Muito menos. Ele <strong>de</strong>ixa a gente muito livre. Ajuda um pouquinho e tal,<br />

direciona, mas mesmo assim ele dá muita liberda<strong>de</strong> pra gente.<br />

V – Você já teve coisas <strong>de</strong> você trazer pro seu orientador <strong>de</strong>le não conhecer e você<br />

apresentar?<br />

J – Já. Um exemplo? Eu tenho um ví<strong>de</strong>o documentário que eu tenho que trazer pra<br />

lê e não trouxe ainda. Fala do cinema novo aqui no Brasil. E teve um filme também<br />

da linguagem do vi<strong>de</strong>oclipe que lê também não tinha visto. Ilustra muito bem o que a<br />

gente ta querendo falar.<br />

V – Vocês trocaram conhecimento.<br />

J – Com certeza.<br />

V – Quer falar mais alguma coisa?<br />

J – Não...<br />

V – Na configuração da TV você gostaria que ela fosse aberta?<br />

J – Isso.<br />

V – Beleza Jéferson. Quantos anos você tem?<br />

J – 22.<br />

Entrevista Paola<br />

V = Vanessa<br />

P = Paola<br />

V – Paola queria que você me contasse se você consi<strong>de</strong>rou importante ou não a<br />

passagem pela TV universitária e se não consi<strong>de</strong>rou por que também.<br />

P – Bom, eu consi<strong>de</strong>ro sim muito importante ta passando pela TV Faesa. Falar no<br />

passado?<br />

V – O que você quiser... Não fala TV Faesa, fala TV universitária que é melhor.<br />

P – Ta. Consi<strong>de</strong>ro importante passar por uma TV universitária sim, porque tudo é<br />

experiência né. Na TV universitária você tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ousar né. Você po<strong>de</strong><br />

errar, calculando, mas po<strong>de</strong> e você tem uma base do que você po<strong>de</strong> ou não fazer<br />

264<br />

quando entrar no mercado. Você já tem uma base dos seus erros, o que você fez na


TV universitária, não, isso aqui eu não vou fazer porque eu sei que não vai dar certo.<br />

Então você já entra com uma base muito boa no mercado.<br />

V – Aí se você pu<strong>de</strong>sse falar assim, o que mais marcou aqui <strong>de</strong>ntro pra você, o que<br />

mais você consi<strong>de</strong>rou relevante, o que você apresentaria?<br />

P – É difícil porque eu consi<strong>de</strong>ro tudo importante. Tudo que eu sei hoje <strong>de</strong> televisão<br />

eu aprendi mesmo na TV universitária. Pra mim tudo é importante. Mas a parte <strong>de</strong><br />

edição me chama mais atenção. Eu gosto <strong>de</strong>ssa parte <strong>de</strong> edição. O porquê eu não<br />

sei na verda<strong>de</strong>, mas é uma coisa que me cativa né, editar. Apesar do que eu não sei<br />

tudo também né, to em fase <strong>de</strong> aprendizagem. Mas cada dia que eu vou<br />

apren<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> novo vai me motivando a apren<strong>de</strong>r mais e é interessante. Editar é<br />

interessante.<br />

V – Por que é interessante? Porque você po<strong>de</strong> montar ou porque você po<strong>de</strong> colocar<br />

a música que você quer, você consegue construir uma coisa...<br />

P – Além <strong>de</strong> ser uma construção sua, a edição é uma música na verda<strong>de</strong>. Ela tem<br />

que ta bem composta, é como se fosse uma melodia sabe. Você vai ver e as coisas<br />

tem que ta tudo no seu <strong>de</strong>vido lugar. Tem que ta tudo bem encaixado pra ter<br />

começo, meio e fim. É uma criação. Não sei. Me chama muito a atenção.<br />

V – Você tava falando da questão do fazer, e o ambiente? O que você gosta no<br />

ambiente?<br />

P – A TV universitária ela tem um ambiente maravilhoso. Os colegas, os<br />

professores. Não é aquele ambiente carregado do mercado. Porque no mercado<br />

você tem... lógico que aqui a gente cumpre horário como em qualquer outro lugar a<br />

gente cumpre horário. Tem tempo <strong>de</strong> entrega pra matéria, mas não é aquele<br />

ambiente pesado que todo mundo fica em cima, que tem que fazer, que tem que dá<br />

certo. Não é isso. Se ta errado o orientador chega pra você e ‘oh, ta errado aqui, a<br />

gente podia fazer <strong>de</strong>sse jeito’. A conversa é diferente. Então é um ambiente gostoso,<br />

você se sente motivado <strong>de</strong> estar aqui, você sabe que vai chegar lá e... tem sempre<br />

uma coisa nova. Sem contar as conversar <strong>de</strong> corredor, <strong>de</strong> professores, porque é<br />

sempre muito boa. Você conversar com o professor você apren<strong>de</strong> todo hora. É o<br />

diálogo, seja o que for, você ta apren<strong>de</strong>ndo, você ta agregando alguma coisa. Então<br />

por isso que é interessante e é gostoso ta aqui.<br />

V - Deixa eu te perguntar uma coisa, você po<strong>de</strong> fazer uma retrospectiva <strong>de</strong> você<br />

antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passado pela TV universitária e por essa experiência? Você<br />

sente que você se modificou?<br />

265


P – Com certeza. Não tenho dúvida disso. Eu cheguei na TV universitária eu estava<br />

no segundo período, ou seja, sem noção nenhuma <strong>de</strong> jornalismo né. Mas quando eu<br />

cheguei e agora que eu to saindo eu olho pra trás e eu vejo como eu aprendi né.<br />

Tudo, fazer pauta, uma matéria jornalística, a questão da edição, o que eu posso<br />

colocar, o que eu não posso, saber analisar uma imagem, ouvir uma sonora e saber<br />

<strong>de</strong>tectar o ponto daquela sonora com facilida<strong>de</strong>. Tudo isso eu não sabia. Pra mim<br />

quando eu olhava uma fita bruta tudo tava bom, era ótimo né. Mas quando você<br />

apren<strong>de</strong> a selecionar as imagens corretamente, você apren<strong>de</strong> a ouvir melhor o seu<br />

entrevistado e a selecionar aquilo que é bom, aquilo que po<strong>de</strong> aparecer e o que não<br />

po<strong>de</strong>.<br />

V – E no pessoal? A ta falando muito do profissional, mas e o pessoal? Você acha<br />

que essa passagem também te modificou em que aspecto?<br />

P – No âmbito pessoal? Também. Eu aprendi a respeitar mais as diferenças e as<br />

pessoas. Não só aqui na TV universitária não. As diferenças que eu digo assim, no<br />

âmbito universitário mesmo. No curso <strong>de</strong> comunicação. Eu aprendi a respeitar as<br />

diferenças bastante porque eu não sei, a gente carrega com a gente um preconceito<br />

né e na comunicação eu aprendi mais sobre essa questão do preconceito e a lidar<br />

com pessoas diferentes porque ninguém é igual a ninguém e aprendi uma coisa<br />

legal que é repórter e cinegrafista ele tem que se comunicar, eles tem que andar<br />

juntos e isso eu aprendi aqui também. Eu aprendi a falar com o cinegrafista, ele me<br />

enten<strong>de</strong>r e ser um diálogo sabe. Aqui eu aprendi isso e sempre e a vida é uma<br />

eterna escola né.<br />

V – Tem alguma experiência que te marcou? Para o bem, para o mal, para o nada,<br />

alguma coisa que você vai sempre lembrar? Se você pu<strong>de</strong>sse se ver no ano 2015,<br />

2020 e lembrar da sua passagem por aqui do que você se lembraria?<br />

P – Caramba! É difícil. Bom, do que eu vou lembrar? Bom, no meu futuro eu sei que<br />

vou lembrar <strong>de</strong> muita coisa boa né que eu tirei daqui. Mas quando eu tiver no<br />

mercado uma das coisas que eu vou lembrar é <strong>de</strong> uma coisa que até os meus<br />

colegas pegam muito no meu pé que é a questão do sensacionalismo sabe, ás<br />

vezes dramatizar muito as coisas e ás vezes nem é dramatizando e eles já têm essa<br />

coisa <strong>de</strong> pegar muito no meu pé. Então quando eu tiver no mercado eu vou lembrar<br />

disso sempre. E coisas boas, só coisas boas que eu vou levar daqui.<br />

V – Que coisas boas?<br />

P – Ah, coisas boas...<br />

266


V – Uma saída pro lanche é coisa boa, uma conversa é coisa boa?<br />

P – Com certeza. É o que eu já te falei. Eu vou lembrar das minhas conversas com<br />

meus colegas... tudo que eu converso aqui alguma coisa eu tiro proveito. Não são<br />

conversas banais, não vai pro lixo. Só porque é uma conversa <strong>de</strong> corredor eu vou<br />

jogar no lixo? Não! Tem muita coisa boa que eu tiro daqui e essas coisas boas são<br />

as conversas e com certeza essa coisa divertida. É um ambiente divertido né. Você<br />

vai pra cantina e vai conversando sobre a entrevista que você fez com fulano <strong>de</strong> tal<br />

e foi engraçado ou não ou <strong>de</strong>u tudo errado... coisa que eu vou lembrar, por exemplo,<br />

o Marcos, nosso cinegrafista, a gente foi fazer uma entrevista e tava tudo certo, ele<br />

testou luz, câmera, som... mas quando chegou na hora o espote <strong>de</strong> luz não queria<br />

funcionar <strong>de</strong> jeito nenhum e nada fazia aquele troço ligar. Então a gente apren<strong>de</strong>u a<br />

lidar com o improviso, e isso com certeza eu vou levar pro mercado né. Lidar com o<br />

improviso sempre.<br />

V – Se você pu<strong>de</strong>sse dar uma sugestão <strong>de</strong> uma outra TV universitária ou programa<br />

o que você sugeriria?<br />

P – Se eu pu<strong>de</strong>sse dar uma sugestão... eu penso que o que ta faltando na TV<br />

universitária é um programa ou um quadro mesmo, que tivesse coisas mais atuais<br />

eu digo mais educativas porque a gente fala muito, nosso programa fala muito <strong>de</strong><br />

política, <strong>de</strong> coisas da ciência, outro fala <strong>de</strong> musica, outro fala <strong>de</strong> cinema e outro é<br />

institucional. Então eu acho que ta faltando alguma coisa que assim, por exemplo,<br />

agora que ta em evi<strong>de</strong>ncia a <strong>de</strong>ngue, alguma coisa que falasse sabre a <strong>de</strong>ngue, mas<br />

que mostrasse... Não sei, alguma coisa educativa mesmo. Ou outra que falasse<br />

sobre lixo e isso a gente não tem aqui e pelo tempo que eu to aqui nunca vi e eu<br />

acho que seria interessante a gente ter.<br />

V – A gente tava falando muito da sua experiência em edição, que você gosta <strong>de</strong><br />

edição na verda<strong>de</strong> a edição pra você é uma obra <strong>de</strong> criação. Essa edição, essa<br />

reconfiguração <strong>de</strong> um material você acha que isso se processa com você também?<br />

Você acha que po<strong>de</strong> dizer que você passou por um processo <strong>de</strong> edição nesse<br />

tempo que você passou aqui <strong>de</strong>ntro?<br />

P – Com certeza. Eu posso assim, a gente vai <strong>de</strong> moldando né. Vai se moldando, se<br />

adaptando. Então quando eu entrei aqui eu era uma Paola. Não que seja 2 caras,<br />

não é isso, é questão <strong>de</strong> lapidar mesmo, viça vai se moldando. Então quando eu<br />

entrei aqui eu não tinha noção nenhuma e agora que eu to saindo da TV<br />

267<br />

universitária eu tenho mais noção <strong>de</strong> jornalismo mesmo, <strong>de</strong> matéria pra TV, <strong>de</strong> gosto


268<br />

mesmo. Claro que a gente carrega com a gente nossa cultura, nossa opinião, lógico,<br />

eu tenho isso comigo, mas a gente vai se moldando também vai se adaptando a<br />

ritmos. Aqui na TV universitária é um ritmo, quando eu chegar ao mercado vai ser<br />

outro ritmo, mais acelerado por sinal. Então eu vou ta lá no processo <strong>de</strong> edição, eu<br />

vou ta lá me lapidando também.<br />

V – E na vida Paola? O que essa passagem por aqui modificou a sua existência?<br />

P – Bom, eu já falei. Essa passagem por aqui contribuiu para eu apren<strong>de</strong>r a lidar<br />

com as diferenças, essa questão do preconceito eu aprendi mesmo a lidar com as<br />

pessoas, me envolver com as pessoas, respeitar o outro. Eu aprendi isso aqui.<br />

Então é isso que eu to levando comigo como experiência pessoal né. Se tiver mais<br />

alguma coisa eu não to lembrando agora, então no momento é isso.<br />

V – Você acha que a sua formação seria a mesma se você não tivesse passado por<br />

aqui?<br />

P – Com certeza não. A passagem por uma TV universitária é muito importante para<br />

um futuro jornalista. Por uma TV universitária ou qualquer outro lugar que ele possa<br />

ousar, criar, ter liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> perguntar sem medo. Aquela coisa <strong>de</strong> ‘poxa, eu queria<br />

fazer diferente, porque tem que ser assim? Eu queria fazer diferente’. Então essa<br />

conversa com o professor, aquela coisa, é muito importante porque eu sinto que as<br />

minhas idéias têm valor. Aquela coisa que eu carrego comigo como cultura, como<br />

pessoa tem valor aqui <strong>de</strong>ntro. Então isso é muito importante e te dá força. É lógico<br />

que o professor te dá uma orientação ‘olha, você ta fazendo isso aqui, mas você<br />

sabe que lá fora po<strong>de</strong> ser que seja diferente’. Então você já vai apren<strong>de</strong>ndo e você<br />

erra e a cada passo é um tropeço, um obstáculo, mas isso te faz crescer. Na TV<br />

universitária eu sinto que eu cresço a cada dia.<br />

V – Mas errar é bom?<br />

P – Errar é maravilhoso.<br />

V – Na hora que a gente erra não é bom, mas errar é bom.<br />

P – Errar é bom porque a gente cresce, a gente apren<strong>de</strong>, a gente evolui. Um<br />

professor até daqui mesmo da TV até citou que a ninguém gosta que mexam no seu<br />

texto. Porque pra gente ta tudo ótimo né, mas o professor lê o texto e ‘não, ta<br />

faltando isso ou você po<strong>de</strong>ria abordar isso aqui. Seu texto ta bom, mas po<strong>de</strong>ria<br />

melhorar’. Ninguém gosta né, mas <strong>de</strong>pois que você reformula você vê que realmente<br />

fica melhor, fica redondo né.<br />

V – Tem mais alguma coisa?


P – Acho que não.<br />

V – Se você pu<strong>de</strong>sse resumir ou <strong>de</strong>finir a TV universitária com uma frase, o que<br />

seria?<br />

P – Eu <strong>de</strong>finiria a TV universitária como... Eu diria que é uma ousadia né. Não sei...<br />

ousadia, será? Po<strong>de</strong> ser.<br />

V – Bacana. Brigada Paola.<br />

Entrevista Sara<br />

V = Vanessa<br />

S = Sara<br />

V – Sara, porque você quis participar <strong>de</strong> uma TV universitária?<br />

S – Primeiro foi por causa <strong>de</strong> experiência. Eu to no começo da minha vida<br />

acadêmica e a primeira coisa que eu procurei foi um estágio e como eu já conhecia<br />

algumas pessoas que já estavam na TV principalmente no Bitola, eu acabei saindo<br />

perguntando, perguntei on<strong>de</strong> que eu fazia a inscrição, como é que ia ser, como é<br />

que era e eu saí correndo atrás <strong>de</strong> tudo já no primeiro período. Aí eu fiz a oficina e<br />

<strong>de</strong>rrepente eu já estava <strong>de</strong>ntro do Bitola. Foi super legal, foi meu primeiro interesse<br />

mesmo.<br />

V – E as pessoas que você conhecia <strong>de</strong>ntro da TV eram seus amigos.<br />

S – É. Um <strong>de</strong>les fez teatro comigo na Fafi e quando eu entrei na faculda<strong>de</strong> ele<br />

começou a me dar idéia mesmo, tipo procurar um estágio... Você tem que começar<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo. E a outra pessoa eu tinha estudado no ensino médio. Eu acabei<br />

aproveitando o fato <strong>de</strong> conhecer essa galera pra infiltrar junto com eles. Já que eu<br />

conheço mesmo é uma boa oportunida<strong>de</strong> pra mim.<br />

V – Foram outras re<strong>de</strong>s que te trouxeram pra TV não era uma coisa assim ‘eu vou<br />

fazer, eu quero TV’, foram outras re<strong>de</strong>s que acabaram te movimentando.<br />

S – Foi. Tipo, eu não tinha nem intenção <strong>de</strong> vir pra TV assim, inicialmente. Talvez eu<br />

iria até para o estúdio mesmo, porque eu tava meio perdida mesmo, aí quando eu vi<br />

eu tava <strong>de</strong>ntro da TV. Hoje eu to até feliz <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>ntro da TV, me <strong>de</strong>u até vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> curso eu to só esperando acabar um outro curso que eu faço a noite<br />

para mudar para Rádio e TV, até porque eu quero estar mais envolvida com isso.<br />

269


V – Sara se você pu<strong>de</strong>sse ressaltar algumas coisas boas que aconteceram com<br />

você na TV o que você ressaltaria ou <strong>de</strong>stacaria?<br />

S – Em primeiro lugar acho que ter influencia assim, conhecer os professores, ter<br />

contatos. E outra é <strong>de</strong> ta fazendo coisas que eu não tinha nem idéia que iria<br />

apren<strong>de</strong>r um dia. Tipo essa questão da produção do programa, essa correria <strong>de</strong> ter<br />

que ligar para as pessoas, <strong>de</strong> ter que estar tudo pronto um dia antes da gravação e<br />

tipo, você fica naquela coisa <strong>de</strong> não vai dar certo e quando você vê ta tudo pronto.<br />

Aquela emoção <strong>de</strong> ter que produzir um programa em também <strong>de</strong> ter noção <strong>de</strong><br />

câmera, como é gravado um programa <strong>de</strong> televisão no estúdio e ilha <strong>de</strong> corte, tudo<br />

isso é muito interessante. Eu acho que cada coisa que eu vou apren<strong>de</strong>ndo a mais é<br />

o que faz valer a pena, coisas boas que eu vou apren<strong>de</strong>ndo e passando aqui na TV.<br />

V – Para além do aprendizado técnico, lógico e conceitual você tem alguma coisa<br />

que você tem para <strong>de</strong>stacar? O que você percebe, assim...<br />

S – Além do aprendizado acho que a convivência entre as pessoas. A gente tem que<br />

apren<strong>de</strong>r a aceitar mais a opinião dos outros, a diferença. Porque tipo, <strong>de</strong>ntro do<br />

programa a gente é muito diferente só que a gente tem que apresentar um programa<br />

que fala <strong>de</strong> um assunto. Imagina 4 cabeças pensando e essas 4 cabeças não<br />

pensam igual aí você tem que apren<strong>de</strong>r a ouvir mais, a respeitar mais e eu acho que<br />

tanto aqui é um treinamento para a vida profissional lá fora, que é o mais importante.<br />

Até porque a gente não sabe com quem a gente vai ta lidando no futuro e eu acho<br />

que isso é muito fundamental e muito bom, assim, apren<strong>de</strong>r a respeitar. Porque se<br />

não nunca vai dar certo.<br />

V – Qual foi a experiência que mais te marcou? Teve um episódio ou alguma<br />

situação?<br />

S – Ah, foi nas 2 primeiras semanas que eu entrei na TV. Foi muito difícil porque<br />

assim, na primeira semana tava acontecendo o REC, aí a diretora chegou e falou<br />

assim ‘você vai fazer uma pauta e uma entrevista’, eu nunca tinha criado uma pauta<br />

e nunca tinha feito uma entrevista. Aí eu fui perguntando e fui fazendo, no final <strong>de</strong>u<br />

tudo certo. Aí na segunda semana teve um conflito <strong>de</strong>ntro do programa entre os<br />

próprios produtores mesmo e aí tipo... Já na segunda semana teve uma confusão<br />

enorme e a gente não sabia o que fazer. Tipo, quem tava antes da gente que tinha<br />

entrado naquela época sei lá... falou mal, foi aquela confusão toda. Isso foi uma<br />

coisa bem marcante pra mim. Tipo, é uma pessoa que você acha que conhece, mas<br />

270<br />

não conhece e isso acaba sendo muito... sei lá, <strong>de</strong>ixa muito nervosa, no começo


principalmente, será que vai ser sempre assim? Ou então como é que vai ser daqui<br />

pra frente? Porque a gente per<strong>de</strong>u também uma pessoa e a gente não sabia como é<br />

que ia ser mesmo. Mas também todo lado ruim tem um lado bom também porque<br />

até com a saída <strong>de</strong> uma pessoa você acaba tendo que apren<strong>de</strong>r mais por ter que<br />

fazer o que a outra pessoa fazia. Isso eu acho que foi o que mais marcou até hoje,<br />

por enquanto.<br />

V – E se você pu<strong>de</strong>sse recomendar alguém a passar por esse estágio, você<br />

recomendaria? Qual seria o seu argumento?<br />

S – Recomendar uma pessoa?<br />

V – É, se você tivesse que falar para alguém para passar pela TV universitária. Qual<br />

seria o seu argumento?<br />

S – Falaria que a pessoa tem que correr atrás mesmo e que <strong>de</strong>ntro da TV eu acho<br />

que a pessoa vem pra pegar mais conhecimento mesmo. Eu acho que<br />

principalmente no estagio a gente tem que correr atrás mesmo. Quando você ta na<br />

TV você começa a conhecer mais as pessoas, a pesquisar, fazer pesquisa sobre<br />

assuntos que você não conhece ou se conhece melhor ainda porque você vai<br />

apren<strong>de</strong>r muito mais... acho que é isso. Eu indico vir pra TV pra pegar muito mais<br />

experiência, conhecer, trabalhar, praticar, tanto na parte teórica quanto na prática.<br />

V – O que a Sara tinha, ou não tinha antes <strong>de</strong> chegar na TV universitária e que tem<br />

ou não agora?<br />

S – Eu não tinha é óbvio, experiência alguma com essa coisa da linguagem<br />

audiovisual. Hoje eu já compreendo mais coisas até quando eu to assistindo algum<br />

filme ou vendo televisão, eu começo a olhar com outros olhos. E essa coisa <strong>de</strong><br />

respeitar mais as pessoas, ouvir mais, compreen<strong>de</strong>r melhor as diferenças e eu<br />

sempre busquei enten<strong>de</strong>r o outro, assim como eu espero que os outros me<br />

entendam e agora eu acho que isso ta mais forte em mim também. Além <strong>de</strong> também<br />

tipo, falar <strong>de</strong> frente pra câmera, eu não to mais nervosa como eu estaria a seis<br />

meses atrás. Daquele medo <strong>de</strong> você não saber o que falar e é uma coisa tão<br />

simples né, tipo agora que eu to falando com você e também <strong>de</strong> conhecer as<br />

pessoas que eu não conhecia. Acho que a gente ta sempre mudando todos os dias,<br />

então cada dia que a gente conhece uma pessoa diferente ou algum assunto novo a<br />

gente não é mais a mesma pessoa.<br />

V – (Não consegui enten<strong>de</strong>r a pergunta por que o som estava muito baixo)<br />

271


S – Ah, com certeza. Eu to mais comunicativa, tenho mais coisa para falar quando<br />

eu conheço pessoas novas, ou então até com meus amigos.<br />

V – E para além do aprendizado da linguagem audiovisual, técnica, da pesquisa,<br />

qual a experiência na TV universitária que modificou a sua vida?<br />

S – Ah...<br />

V – Você se tornou uma pessoa mais segura nas conversas com outras pessoas,<br />

você se tornou uma pessoa mais firme, mais empolgada, o que te modificou?<br />

S – Com certeza. Hoje eu sou uma pessoa mais segura sim. Eu faço curso <strong>de</strong> teatro<br />

e eu acho que o teatro me ajudou a ta aqui e aqui ta me ajudando a ta lá também.<br />

Eu consigo falar melhor, eu acho que consigo discutir melhor e <strong>de</strong>senvolver mais<br />

alguns assuntos. A Sara antes, tipo.... eu sou uma pessoa tímida e eu acho que isso<br />

ajuda a até a barrar... barrar não, mas a abrir em mim essa minha timi<strong>de</strong>z e falar<br />

mais. Não que eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ser tímida, continuo sendo tímida, mas seu eu precisar<br />

falar eu vou falar mais sabe. Se eu não precisar falar, tipo eu Sara na minha vida<br />

comum mesmo, continuo sendo a Sara, mas se eu chego na hora <strong>de</strong> precisar<br />

conversar ou então conseguir um espaço num emprego ou entrar em algum curso<br />

eu acho que eu consigo falar mais, <strong>de</strong>senvolver melhor. Não só por causa da TV,<br />

mas eu acho que ajuda muito por causa das pessoas que estão aqui. Você vê tipo,<br />

não é só eu que estou atrás <strong>de</strong>sse objetivo, então eu começo a trocar idéia com<br />

outras pessoas e ver que todo mundo tem o mesmo objetivo aqui <strong>de</strong>ntro. Não só em<br />

questão profissional, mas <strong>de</strong> ta apren<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong> ta <strong>de</strong>senvolvendo mesmo essa<br />

questão <strong>de</strong> comunicação.<br />

V – Essas relações pré-estabelecidas aqui são uma força <strong>de</strong> potência?<br />

S – São com certeza. Eu acho que cada um tem que ajudar o outro e que a relação<br />

entre as pessoas ajuda muito.<br />

V – Se não fosse o ambiente <strong>de</strong> TV você acha que teria amiza<strong>de</strong> ou contato das<br />

pessoas que tem aqui?<br />

S – Todo mundo não. Até porque rola aquela questão da afinida<strong>de</strong> né, <strong>de</strong> lugares<br />

para sair, <strong>de</strong> assuntos para falar <strong>de</strong> que tipo <strong>de</strong> musica você gosta, ou questão do<br />

dia a dia ou então <strong>de</strong> filmes ou livros. Acho que tudo isso influência. Se você não se<br />

i<strong>de</strong>ntifica com aquela pessoa que não tem os mesmo gostos que os seus ou uma<br />

opinião parecida diante daquelas coisas eu acho difícil você se relacionar com ela<br />

fora da TV porque <strong>de</strong>ntro da TV você já conversa assuntos mais específicos tipo<br />

272<br />

assim, sobre o programa, aí na produção você já vai conversar sobre o tema do


programa... então você tem que trocar idéias porque ali <strong>de</strong>ntro você ta produzindo<br />

sobre a mesma coisa. Ou então se for com a pessoa <strong>de</strong> outro programa você ta<br />

conversando sobre o programa <strong>de</strong>la ou sobre o meu programa, agora eu não vou<br />

ficar falando sobre o meu dia a dia ou sobre algo da vida <strong>de</strong>la. Então fica mais difícil<br />

você sair daqui ora ter uma amiza<strong>de</strong> fora, mas tem pessoas que você tipo, aqui eu<br />

conheci amigos pra você sair e conversar num bar ou então você ir no cinema ou ver<br />

um show. Sempre tem aquela pessoa que você se i<strong>de</strong>ntifica mais e você leva pra<br />

fora da TV.<br />

V – Sara falando em levar pra fora, to fazendo esse exercício com todo mundo, se<br />

você pu<strong>de</strong>sse se imaginar em 2015 você... se eu te pedisse para falar <strong>de</strong> uma<br />

lembrança da TV universitária o que você acha que se lembraria?<br />

S – Eu acho que eu lembraria sempre lá do estúdio. É muito emocionante ta na<br />

gravação <strong>de</strong> um programa. Eu acho legal tudo, tanto quem ta lá trás do programa<br />

quanto o diretor, da câmera. Acho isso muito divertido. Acho também <strong>de</strong> como era a<br />

relação com os professores porque eu sei que o que eu tenho aqui eu não vou ter no<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho, porque eu sei que lá eu vou ter que correr atrás sozinha e aqui<br />

tem toda aquela... se eu to com uma dúvida ou se eu erro tem aquela pessoa pra<br />

dizer ‘não, não é assim’ ou então ‘experimenta <strong>de</strong>sse jeito’ e lá fora eu tenho que<br />

correr muito atrás porque eu sei que vai ter alguém melhor do que eu, vai ter sempre<br />

alguém para me passar pra trás. Acho que aqui é mais seguro então eu acho que eu<br />

vou levar muito mais isso.<br />

V – É boa a sua relação com outros professores? Você acha que eles aqui são mais<br />

soltos do que na sala <strong>de</strong> aula e por quê?<br />

S – É... eu acho que aqui os professores são... você tem uma liberda<strong>de</strong> maior do<br />

que na sala <strong>de</strong> aula até, principalmente quando você tem aula com um professor<br />

que trabalha com você na TV e tem aula na sala amanhã na faculda<strong>de</strong>.<br />

V – Você vê a diferença?<br />

S – Tem diferença. Eu nunca tive essa experiência não, mas tenho colegas aqui<br />

<strong>de</strong>ntro que tem essa experiência e falam que fica até uma certa distancia talvez<br />

<strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula do que aqui na TV pelo fato <strong>de</strong> ter vários alunos até e achar<br />

que é puxa-saco, aquela coisa. Então há uma tensão a mais e na TV é melhor eu<br />

acho. Na TV você tem uma liberda<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> perguntar mais, <strong>de</strong> conversar mais, e<br />

po<strong>de</strong> até... a conversa po<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>r sobre outros assuntos, tipo não é uma aula<br />

273<br />

é uma troca conhecimentos e é melhor do que na sala <strong>de</strong> aula que o professor tem


um tempo estimado lá e não tem que passar só pra mim, tem que passar para todos<br />

os alunos.<br />

V – E aí o conhecimento nessa perspectiva per<strong>de</strong> a finalida<strong>de</strong> porque você quer<br />

saber uma coisa que não é o que todo mundo quer saber.<br />

S – Exatamente.<br />

V – Aqui você po<strong>de</strong> ir direto ao assunto.<br />

S – É verda<strong>de</strong>. Aqui eu posso especificar mais, tiro minhas dúvidas tipo, eu to<br />

falando <strong>de</strong> tal assunto, aí as vezes esse assunto tem aquela partezinha que não é o<br />

que os alunos precisam saber naquela aula, mas eu quero saber. Ele não vai po<strong>de</strong>r<br />

parar a aula pra falar sobre aquela coisinha, aí eu vou perguntar sobre aquela coisa<br />

e ele não vai po<strong>de</strong>r parar a aula pra falar sobre aquela coisa que não tem nada a ver<br />

com a aula. Eu acho que é mais difícil a relação com o professor na aula do que na<br />

TV. Na TV a gente sempre leva um esporrozinho a mais do que na sala <strong>de</strong> aula e<br />

acho que isso é bom porque você acaba... sei lá... acho que não é pessoal e é bom<br />

ouvir um esporro assim, que não é <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula porque não é aquela coisa<br />

que é por mal sabe. É pra melhorar. Acho que isso é bom, eu gosto <strong>de</strong>ssa relação.<br />

V – Bacana Sara, brigada.<br />

Entrevista Natalia<br />

V = Vanessa<br />

N = Natalia<br />

V – Natalia eu queria que você me falasse qual foi a importância <strong>de</strong> ter passado por<br />

uma TV universitária ou TV universitária na sua vida.<br />

N – Foi uma coisa que assim, eu não sabia como funcionava e eu passei a saber.<br />

Você nunca mais vê televisão do mesmo jeito <strong>de</strong>pois que sabe como é que faz.<br />

Mesmo que eu ainda não saiba tudo a noção que eu tenho hoje já não me <strong>de</strong>ixa ver<br />

da mesma forma. O que eu aprendi foi que é difícil, é complicado, mas po<strong>de</strong> ser<br />

divertido, po<strong>de</strong> ser legal fazer. Eu nunca experimentei outra coisa também.<br />

V – O que você mais gosta no ambiente da TV universitária?<br />

274


N – Eu gosto porque o pessoal é... tipo assim, todo mundo é muito solto, é<br />

engraçado e divertido. É um lugar que você apren<strong>de</strong> muito e você apren<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

forma mais leve, mesmo sem querer. Convivendo com as pessoas, com as<br />

experiências você acaba ganhando conhecimento também.<br />

V – E o que você mais gosta <strong>de</strong> fazer?<br />

N – De fazer? Eu gosto <strong>de</strong> escrever. Eu acho legal fazer pautas, os textos para os<br />

offs...isso é o que eu mais gosto.<br />

V – Você tava falando que <strong>de</strong>pois que passou pela TV universitária nunca mais viu<br />

TV do mesmo jeito. O que é que muda na sua maneira <strong>de</strong> ver TV ou <strong>de</strong> encarar a<br />

vida e as coisas?<br />

N – Ah, quando você vê alguma coisa dá muito mais valor a pessoa que ta ali<br />

fazendo. Você <strong>de</strong>scobre que não é tão fácil ficar ali na frente da câmera e você vê<br />

que a produção é legal e você passa a reparar mais nisso também, eu pelo menos<br />

não reparava antes...ah mudou esse meu sentido <strong>de</strong> ver.<br />

V – Você gosta <strong>de</strong> ver suas matérias assim, bem editadas, bem trabalhadas?<br />

N – Hoje eu gosto, mas no começo é estranho se ver e ouvir.<br />

V – Porque é estranho?<br />

N – Porque eu não tinha me acostumado a ver você falando pra você mesma né.<br />

Não é uma coisa que acontece normalmente e quando você... (interrupção por<br />

causa do fogo).<br />

V – Natalia, porque você escolheu participar da TV universitária?<br />

N – Eu nunca tinha feito nada em nenhuma outra área e eu tinha acabado <strong>de</strong><br />

começar o curso. Eu entrei o segundo período então eu queria começar a<br />

experimentar e o que tinha mais acessível para mim era fazer o teste para TV.<br />

V – Como é que você soube do teste para TV? Alguém <strong>de</strong> indicou, alguém <strong>de</strong> falou?<br />

N – Tinha uma menina da minha sala que trabalhava na central, eu acho, aí ela viu<br />

lá as inscrições e me avisou. Ela sabia que eu tava procurando alguma coisa pra<br />

fazer.<br />

V – Você tinha amiza<strong>de</strong> com essas pessoas que você trabalha hoje?<br />

N – Não. A maioria não. Agora entrou um monte <strong>de</strong> gente da minha sala, mas antes<br />

eu não conhecia ninguém e agora cumprimento todo mundo, converso com todo<br />

mundo.<br />

V – E porque entrou um monte <strong>de</strong> gente da sua sala? Você que falou para eles<br />

entrarem?<br />

275


N – É. Depois que todo mundo ficou sabendo que eu tinha entrado ficaram falando<br />

‘ah, quando tiver oficina <strong>de</strong> novo me avisa, me fala’. Aí quando a gente foi pra oficina<br />

meta<strong>de</strong> da minha sala tava participando e entrou bastante gente, umas 4 pessoas<br />

eu acho.<br />

V – É bom trabalhar com gente da sua sala?<br />

N – É. Principalmente porque eram pessoas que eu já gostava da minha sala, já<br />

conversava.<br />

V – Você acha que o ambiente fica melhor? Vocês produzem mais?<br />

N – Produz mais, mas distrai mais também porque tem bastante conversa, tem<br />

bastante gente e assunto pra falar. Mas é legal eu gosto.<br />

V – O que você acha da relação que você tem com os orientadores da TV? Você<br />

acha que é uma relação diferenciada, não é, o que você acha?<br />

N – Como? Eu perdi uma palavra do que você falou...<br />

V – Da relação que você tem com os professores da TV. Da relação que se<br />

estabelece aqui. O que você acha? Você gosta, não gosta, por quê?<br />

N – Ah, eu gosto. Eu acho que o os professores tem muita coisa a acrescentar para<br />

gente, mas o que a gente faz eles vão e dão dicas, fazem observação. Não que eles<br />

vão lá e façam pra gente, o que é bom também porque é um jeito melhor <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r também.<br />

V – Você acha que é mais solto do que na sala?<br />

N – Bem mais. As vezes você conversa um monte <strong>de</strong> coisas com o professor na<br />

hora que ele ta ali e que na sala é uma coisa que não tem nada a ver, é fora <strong>de</strong><br />

local...<br />

V – E você gosta <strong>de</strong> produzir? Você mesma falou que gosta <strong>de</strong> texto. On<strong>de</strong> é que<br />

está a sua satisfação ali? Você ver o ponto? Saber que é capaz <strong>de</strong> fazer? Se sentir<br />

segura com o que fez?<br />

N – Ah, é legal ver o seu nome nos créditos, que você fez parte daquilo, ainda mais<br />

quando é uma coisa que você acha que saiu boa, você ter ajudado aquilo a ser feito.<br />

V – Você se sente mais segura.<br />

N – É você fica mais confiante porque você sabe que é bom naquilo que você<br />

apren<strong>de</strong>u.<br />

V – Natalia do aprendizado que você recebeu na TV, que você compartilhou na TV e<br />

que você levou pra sua vida?<br />

276


N – A relação <strong>de</strong> ter que trabalhar em um lugar, <strong>de</strong> ter que respeitar um monte <strong>de</strong><br />

gente que você não conhece que tem idéias diferentes das suas, <strong>de</strong> cumprir or<strong>de</strong>m<br />

das pessoas, que eu vou ter que cumprir para sempre, vou ter que conviver para<br />

sempre com pessoas que não tem as mesmas idéias do que eu, mas que po<strong>de</strong> ser<br />

um relacionamento legal.<br />

V – Esse tempo que você ta lá na TV, tem oito meses, é um bom tempo né,<br />

modificou você? Você acha que é uma pessoa diferente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passado por<br />

aqui?<br />

N – Modificou... não sei, mas acrescentou algumas coisas.<br />

V – O que?<br />

N – Ah difícil... acho que me acrescentou essa maneira <strong>de</strong> lidar com as pessoas, sei<br />

lá... <strong>de</strong> ver que eu sei fazer alguma coisa que <strong>de</strong>rrepente outra pessoa da minha<br />

sala não sabe. Igual, eu escrevo texto para televisão e outra pessoa da minha sala<br />

não sabe fazer, aí eu tipo assim, vejo o sentido <strong>de</strong> eu saber umas coisas a mais que<br />

outras pessoas.<br />

V – O que é mais difícil na convivência aqui na TV? O que você acha mais difícil?<br />

N – Mais difícil?<br />

V – Por exemplo, eu tenho uma dificulda<strong>de</strong> na TV que é o seguinte: eu quero<br />

participar <strong>de</strong> todas as conversas, <strong>de</strong> todos os programas, mas eu não posso porque<br />

eu tenho a burocracia pra dar conta. Eu tenho os relatórios pra mandar, eu tenho os<br />

e-mails pra respon<strong>de</strong>r... enfim, eu não gosto disso. Isso é uma coisa que eu não sei<br />

lidar. E você? Tem alguma coisa?<br />

N – Tem algumas coisas assim, por exemplo as vezes a gente faz um monte <strong>de</strong><br />

pauta legal e acaba que por algum motivo cancela, não tem carro pra levar ou a<br />

pilha pifa e acontece alguma coisa que não dá pra fazer. Aí dá meio que uma revolta<br />

porque você fica esperando...<br />

V – O que mais você gostaria <strong>de</strong> falar que eu não perguntei ainda?<br />

N – Na TV?<br />

V – Tem alguma experiência que te marcou?<br />

N – Nossa! O primeiro dia que eu apresentei. Chorei, tremi, tive que sentar, sair pra<br />

beber água, não conseguia falar...<br />

V – Por quê?<br />

N – Não sei, eu tava indo bem assim e chegou uma hora que eu ri e eu tive que<br />

voltar e fazer <strong>de</strong> novo e eu sempre ria na mesma hora. Teve uma hora que eu não<br />

277


tava mais achando graça, mas não conseguia parar <strong>de</strong> rir, aí eu fui ficando nervosa<br />

comigo e comecei a chorar e eu rindo e chorando ao mesmo tempo, minhas pernas<br />

começaram a tremer aí colocaram uma ca<strong>de</strong>ira pra eu sentar, me <strong>de</strong>ram água e tal.<br />

Eu saí <strong>de</strong> lá cheguei em casa exausta, morta né.<br />

V – Mas era o que? O corpo <strong>de</strong>safiando o limite?<br />

N – É porque eu pra conseguir terminar <strong>de</strong> fazer eu fui até on<strong>de</strong> eu podia né. Pelo<br />

menos pra conseguir fazer aquela parte.<br />

V – Se você tivesse que falar uma coisa que te marcou quando você passou pela TV<br />

Faesa o que seria?<br />

N – Ah, não sei. Acho que o relacionamento com as pessoas, <strong>de</strong> vários programas,<br />

todo mundo conversa, troca experiências e todo mundo se enten<strong>de</strong> bem até com os<br />

professores. Fazer uma piadinha que você não tem oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer na aula<br />

porque enfim, é outro local né. Acho que foi isso que me marcou.<br />

V – Ok. Beleza. Obrigada Natalia.<br />

N – De nada.<br />

Entrevista Sandra Sato<br />

S – Bom, meu nome é Sandra Sato estou no 5º período <strong>de</strong> jornalismo. Eu entrei na<br />

TV Faesa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o 1º período e fiquei um ano e meio. Bom, o mais importante que<br />

eu aprendi foi ver a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar uma história, um fato através da<br />

imagem. A própria linguagem mesmo audiovisual que realmente eu tive a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r eu fiz... Estive na produção, direção, editei muitas<br />

matérias, fiz textos... então essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um fato ser contado através <strong>de</strong><br />

imagens, com sons foi muito interessante aqui na Faesa. A outra foi...aguçou muito<br />

meu olhar sobre as imagens, um evento... po<strong>de</strong> repetir?<br />

Bom, outro aspecto muito importante que eu vivi aqui na TV Faesa é a questão <strong>de</strong><br />

trabalhar em equipe. Eu acho que a televisão, os trabalhos audiovisuais é o trabalho<br />

que mais precisa trabalhar em equipe. São várias pessoas <strong>de</strong> diferentes<br />

personalida<strong>de</strong>s e saber lidar com isso é um trabalho que tem que ser vivido, não se<br />

apren<strong>de</strong> na escola. Então trabalhar em equipe realmente foi um gran<strong>de</strong> aprendizado<br />

aqui na TV Faesa.<br />

278


Entrevista Milena<br />

V= Vanessa<br />

M= Milena<br />

(?) = palavras incompreendidas<br />

V – Milena eu queria saber <strong>de</strong> você se foi importante passar pela TV Faesa e por<br />

que.<br />

M – Foi muito importante, muito importante. Eu falo que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu entrei na<br />

faculda<strong>de</strong> até hoje, um ano <strong>de</strong>pois, o passo mais certinho que eu <strong>de</strong>i foi ter entrado<br />

na TV universitária. Eu entrei eu tava indo para o 3º período e eu fiquei até o final do<br />

4º, quase um ano <strong>de</strong> TV universitária. Eu aprendi na TV a ter ritmo para po<strong>de</strong>r entrar<br />

no mercado, porque muita gente entra...querendo ou não a faculda<strong>de</strong> prepara para o<br />

mercado, mas não prepara direito. Então você não apren<strong>de</strong> só no mercado, você<br />

precisa ter vivência ainda mais na comunicação que é tudo muito rápido e tal. Então<br />

eu acho que foi importante eu ter passado pela TV Faesa por causa disso, para eu<br />

ter ritmo, pra eu ficar esperta, pra eu saber escrever. Porque quando eu cheguei<br />

numa empresa <strong>de</strong> comunicação on<strong>de</strong> o ritmo é maior eu já tinha um pouquinho <strong>de</strong><br />

(?) pra po<strong>de</strong>r lidar com aquilo porque numa empresa <strong>de</strong> comunicação correndo<br />

ninguém te ensina nada, você tem que chegar já sabendo mais ou menos o que vai<br />

fazer. Então a TV Faesa me ensinou a ter isso, a cumprir prazos, a ter<br />

responsabilida<strong>de</strong>, a se ágil, a ter censo crítico principalmente para trabalhar direito<br />

no mercado e po<strong>de</strong>r fazer direitinho... então hoje em dia eu vejo pessoas que<br />

trabalham em uma empresa <strong>de</strong> comunicação on<strong>de</strong> eu tô fazendo estágio e que<br />

nunca passaram por uma TV universitária e que tem uma dificulda<strong>de</strong> tremenda pra<br />

po<strong>de</strong>r se encaixar nos padrões assim, e tem que se encaixar. Tem que ser ágil e<br />

fazer direito e num tempo muito pequeno. Então eu acho que isso pra mim foi... a<br />

maior vantagem pra mim hoje on<strong>de</strong> eu estou foi ter passado pela TV universitária.<br />

V – O cotidiano dos meios...<br />

M – O cotidiano dos meios, com certeza. E fora o senso critico que a gente<br />

consegue <strong>de</strong>senvolver trabalhando com temas, eu tinha um programa semanal<br />

279<br />

então eu tinha tempo pra discutir então eu aprendi a ter muito senso crítico e saber


280<br />

avaliar as pautas principalmente para po<strong>de</strong>r botar no ar e tem as responsabilida<strong>de</strong>s<br />

com os temas também que vão ser tratados que é <strong>de</strong> extrema importância até hoje.<br />

V – Milena eu queria saber <strong>de</strong> você o seguinte: o que mais te marcou quando você<br />

estava na TV Faesa? O relacionamento, o convívio, a vonta<strong>de</strong> e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

experimentar... o que mais te marcou?<br />

M – Ah eu acho que um pouquinho <strong>de</strong> cada coisa... sem querer apalpar tudo <strong>de</strong> uma<br />

vez... O relacionamento com as pessoas, porque a gente ficava a tar<strong>de</strong> inteira aqui<br />

discutindo coisas e era pra mim super importante. Eu convivia com gente que já tava<br />

aqui na TV a algum tempo, os professores que já tinham experiência <strong>de</strong> mercado e<br />

<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula e traziam pra gente isso, o cotidiano que é completamente diferente<br />

<strong>de</strong> qualquer outro emprego porque eu já trabalhei também em outras coisas e não<br />

tem nada a ver. Ao mesmo tempo em que parece ter diversão, é divertido e<br />

responsável, então você fica com a cabeça um pouco confusa, mas foi legal é legal<br />

apren<strong>de</strong>r esse cotidiano diferente. As relações que eu sinto falta até hoje <strong>de</strong><br />

trabalhar em uma TV como a TV Faesa... e as relações eram mais... eu não vou<br />

nem dizer mais <strong>de</strong>spreocupadas, elas eram mais claras, mais limpas assim sabe?<br />

Porque era um meio <strong>de</strong> aprendizado então o que mais me marcou eram as relações<br />

mesmo e experimentar um novo cotidiano.<br />

V – Do ponto <strong>de</strong> vista do programa que você fazia, embora fosse o mesmo formato<br />

toda semana, que já estivesse assuntos prontos, você sentia que você tinha a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentar, <strong>de</strong> sugerir coisas novas, <strong>de</strong> ousar, ou você tinha que<br />

seguir uma norma?<br />

M – Eu fiz dois programas. O Sala <strong>de</strong> Aula, que era um programa institucional que a<br />

gente ficava um pouco amarrado, mas eu já entrei no Sala <strong>de</strong> Aula sabendo que era<br />

um programa <strong>de</strong> pesquisa institucional então eu sabia que eu tinha que me<br />

enquadrar naquelas coisas para que o programa acontecesse, então não tinha como<br />

fugir muito. Mas na época que eu tava a gente tinha uma equipe boa que era a<br />

Graciele, a Ana e outros produtores. Então a gente conseguiu experimentar, fazer<br />

coisas fora, mas <strong>de</strong>ntro do Campus assim, e levar um público diferente que não era<br />

da universida<strong>de</strong>. A gente levou pessoas da comunida<strong>de</strong>, crianças <strong>de</strong> escola e<br />

fizemos coisas diferentes. Dava pra experimentar, mas <strong>de</strong>ntro daqueles padrões que<br />

o programa exigia por ser institucional. E eu fiz o Ví<strong>de</strong>o Maker, que não foi muito<br />

tempo, foram uns 3 meses, mas no Ví<strong>de</strong>o Maker dava pra experimentar mais então<br />

eu tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer as duas coisas diferentes, o institucional e o


programa que dava para experimentar mais que era o Ví<strong>de</strong>o Maker. Então assim, o<br />

Sala <strong>de</strong> Aula que eu precisava ter essa consciência que era um programa <strong>de</strong><br />

pesquisa, dava pra ousar um pouco <strong>de</strong>ntro dos temas, a gente fazia edições<br />

diferentes pra apresentar o tema ou imagens diferentes, não só ficava na aula...<br />

Então dava pra gente experimentar, mas <strong>de</strong>ntro do universo institucional, não dava<br />

pra fugir muito. Já o Ví<strong>de</strong>o Maker eu lembro que na época que eu entrei a gente<br />

criou um bloco <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> festivais, trouxemos pessoas com ví<strong>de</strong>os diferentes fora<br />

dos padrões acadêmicos... Então dava pra experimentar sim, mas a gente tinha a<br />

consciência <strong>de</strong> que cada um tinha o seu padrão <strong>de</strong>ntro do programa, <strong>de</strong>ntro da<br />

gra<strong>de</strong>.<br />

V – E o que você avalia do aprendizado com a experimentação?<br />

M – Eu acho que foi muito bom, bom <strong>de</strong>mais até porque hoje em dia no mercado a<br />

gente não po<strong>de</strong> experimentar muito porque a gente <strong>de</strong> uma certa forma tem que<br />

ven<strong>de</strong>r, essas coisas, então a gente não po<strong>de</strong> experimentar. Então o aprendizado<br />

com a experimentação ele tem haver com o <strong>de</strong>safio né. Você conseguir manter um<br />

programa no ar e fazer coisas diferentes, dá uma sensação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> muito boa.<br />

De liberda<strong>de</strong> até pra po<strong>de</strong>r escolher, criar discernimento, treinar discernimento pra<br />

mim foi muito bom.<br />

V – Milena e o que é essa experiência? O que essa passagem pela TV universitária<br />

atravessou na sua vida? Você se consi<strong>de</strong>ra uma pessoa diferente não só pelo<br />

âmbito profissional, mas pelo âmbito dos afetos... o quê que isso impactou, marcou<br />

ou editou na sua vida?<br />

M – Acho que eu aprendi a ter bom senso. Até hoje toda vez que eu vou escrever<br />

alguma coisa, qualquer coisa, sobre mim, entrevistas, qualquer coisa, eu falo que eu<br />

tenho bom senso. Uma das minhas qualida<strong>de</strong>s é ter bom senso e eu aprendi a ter<br />

bom senso aqui. Porque nem tudo é possível, mas <strong>de</strong>ntro daquele universo que<br />

você ta envolvido as coisas são possíveis ali. Então a gente precisa ter<br />

discernimento e bom senso e eu aprendi com a TV a ter bom senso, a ter saídas<br />

<strong>de</strong>ntro daquilo ali. Saber que eu to me comprometendo e que daqui a até ali eu<br />

posso fazer, se é possível ou não é possível, se eu posso experimentar se eu não<br />

posso experimentar... e eu acho que a TV universitária me <strong>de</strong>u... quando eu cheguei<br />

num mercado maior e mais confuso eu já tinha bom senso. Não saí fazendo um<br />

monte <strong>de</strong> besteiras ou tomando esporo ou tendo que ficar horas apren<strong>de</strong>ndo uma<br />

coisa porque eu saí daqui com bom senso e eu acho que isso é muito importante.<br />

281


V – Se você tivesse feito esse primeiro contato com outro tipo <strong>de</strong> televisão você<br />

282<br />

acha que esse aprendizado, essas relações, essa experimentação teria sido<br />

possível?<br />

M – Não. Teria sido falha. Hoje esses estagiários que trabalham comigo, que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do meu trabalho pra exercer as ativida<strong>de</strong>s, não passaram por uma<br />

experimentação como essa e é muito mais difícil lidar. Eles não tem uma noção do<br />

que é uma TV, uma rádio, um espaço <strong>de</strong> comunicação. Não tem noção<br />

simplesmente. Então isso é muito complicado e eu fui trabalhar com essa noção <strong>de</strong><br />

ter experimentado varias coisas e o que dá, o que não dá, o que serve o que não<br />

serve... então aquelas relações são muito diferentes...<br />

V – Do que faz mais feliz e do que não faz.<br />

M – Do que faz mais feliz e do que não faz....e muita gente que trabalha comigo hoje<br />

não tem essa experiência, não experimentou muita coisa, por falta da TV<br />

universitária... e sempre que me perguntam ‘ah, tem um estágio...ah tem...’ eu falo,<br />

vai pra TV universitária primeiro lá da sua escola e apren<strong>de</strong> alguma coisa lá,<br />

experimenta lá porque aqui você não vai po<strong>de</strong>r experimentar e lá você vai testar os<br />

seus limites, vai testar a sua capacida<strong>de</strong>, vai ter oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> errar muitas vezes<br />

e acertar e mexer e aqui não dá. Então eu acho que a minha vida foi editada mesmo<br />

e foi muito bom ter passado por aqui. Foi a melhor coisa que eu fiz nesses quatro<br />

anos <strong>de</strong> graduação foi ter passado pela TV e ter exercitado. Eu fiz tudo aqui, eu<br />

aprendi a editar, aprendi a apresentar, a produzir, a gravar, a montar luz... eu fiz<br />

tudo, absolutamente tudo.<br />

V – E você tava falando antes, só pra terminar, que o aprendizado é diferente do da<br />

sala <strong>de</strong> aula.<br />

M – É porque você experimenta. Na sala <strong>de</strong> aula a gente ouve muito, muito, mas lá<br />

você vai botar na prática. Apren<strong>de</strong> a colocar na prática. É claro que com o tempo, eu<br />

po<strong>de</strong>ria ter ficado um tempo maior até, que eu po<strong>de</strong>ria ter exercitado algumas<br />

coisas. Algumas coisas que hoje só trabalhando já na área que eu consigo associar<br />

as coisas do meu trabalho com o que eu aprendia na sala <strong>de</strong> aula. Então ás vezes<br />

eu não consigo colocar tudo em prática porque o meu trabalho não me permite, mas<br />

se eu tivesse ficado na TV mais tempo provavelmente eu teria exercitado esses<br />

pensamentos. Esses dias eu tava até pensando sobre retórica né, e sobre alguns<br />

autores que a gente falava <strong>de</strong> persuasão e tal e como isso dá pra ser usado... por<br />

mais que sejam teorias antigas e tal, como isso dá pra ser usado e plantado aon<strong>de</strong>


eu to, mas é muito difícil porque nem todo mundo tem esse conhecimento. Mas se<br />

eu tivesse ficado aqui mais tempo, talvez eu teria utilizado mais essas coisas, mas<br />

num <strong>de</strong>u pra ficar... e também eu tava muito nova, tava no 3º período ou 4º. Quando<br />

eu tava no 7º que a gente tava discutindo mais teorias eu já estava trabalhando em<br />

outro lugar e hoje eu vejo como dá pra associar a prática com a teoria e é até um<br />

pouco tardio isso... eu já formei e agora que eu to pensando nisso, mas quanto mais<br />

tempo for possível ficar numa TV universitária para experimentação eu acho melhor.<br />

Entrevista Charlaine<br />

V = Vanessa<br />

C = Charlaine<br />

283<br />

V – Eu gostaria que você me falasse qual foi a importância pra você <strong>de</strong> ter passado<br />

por uma TV universitária.<br />

C – Eu entrei na TV universitária mais ou menos no final do meu 3º período. Então<br />

foi um período on<strong>de</strong> eu já tava com um conhecimento técnico razoável e teórico<br />

mais ou menos equiparado. E aqui na TV universitária eu comecei a colocar em<br />

prática muitas coisas que eu já tava apren<strong>de</strong>ndo na sala <strong>de</strong> aula, principalmente por<br />

ser um espaço também <strong>de</strong> experimentações. Era um período que a gente estudava<br />

<strong>de</strong> manhã, ficava a tar<strong>de</strong> e a noite na faculda<strong>de</strong>. E eu pu<strong>de</strong> experimentar muita<br />

coisa, conhecer muita gente a ter um contato maior com os professores também.<br />

Então com o aprendizado eu só tive a ganhar assim... experiência, porque você<br />

acaba conhecendo pessoas da faculda<strong>de</strong>, gente <strong>de</strong> fora também que já está no<br />

mercado e muito conhecimento. Por exemplo, a gente encontrava todo mundo<br />

voluntário na mesma TV e <strong>de</strong>rrepente você se forma e já ta todo mundo no mercado<br />

e você conhece gente diferente, fazendo trabalhos diferentes... você cria uma re<strong>de</strong>,<br />

uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> contatos, <strong>de</strong> conhecimentos e experiências.<br />

V – Eu queria saber <strong>de</strong> você o seguinte: o que mais te marcou na sua estada aqui<br />

na TV? Foi uma outra maneira <strong>de</strong> fazer, uma outra maneira <strong>de</strong> ser, foram as<br />

relações... o que mais te marcou?<br />

C – Foi... eu acho que foi todo esse conhecimento junto. Porque quando você<br />

estuda a teoria as vezes só as palavras não bastam pra sustentar o conhecimento<br />

que aqui você tem pra vida. Aqui você apren<strong>de</strong> como se relacionar com as pessoas


que isso é fundamental pra gente que trabalha com comunicação porque você tem<br />

284<br />

que saber lidar com vários universos diferentes que você vai lidar com pessoas que<br />

tem conhecimentos <strong>de</strong> áreas totalmente diferentes da sua. E pra mim aqui foi po<strong>de</strong>r<br />

colocar em prática aquilo que você acha que é importante pra um programa <strong>de</strong><br />

televisão. Eu tive aqui no meu segundo ano <strong>de</strong> monitoria, eu fui diretora <strong>de</strong> um<br />

programa que eu tive que criar o programa. Um programa que eu... eu passei pra<br />

ser monitora então eu tive que criar um programa e a gente <strong>de</strong>senhou tudo, o<br />

espelho do programa, as vinhetas, como ele começa, qual o conceito do programa,<br />

o nome do programa... então essa experiência pra mim foi uma das mais marcantes<br />

porque eu fui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o iniciozinho da criação, produção porque do mesmo jeito você<br />

tem que produzir, dirigir e ver o programa no ar. Passei pelo processo inteiro <strong>de</strong>ssa<br />

experiência. Dirigir e produzir o Ví<strong>de</strong>o Maker foi a experiência mais marcante pra<br />

mim. E aí todas as pessoas em volta disso... você vê os meus professores e<br />

orientadores, que naquele momento ele é o orientador, mas ao mesmo tempo você<br />

começa a vê-lo também como um profissional te exigindo e te cobrando a<br />

experiência <strong>de</strong> um profissional e sendo um profissional ali na hora da conclusão do<br />

programa. Essa foi assim, a mais marcante.<br />

V – Ta. A Charlaine antes da TV e <strong>de</strong>pois da TV é a mesma?<br />

C – Não. Eu acho que não tem como. Eu saí da TV com uma experiência <strong>de</strong> vida e<br />

<strong>de</strong> conhecimento infinitamente maior e se não fosse essa experiência hoje, que eu já<br />

to trabalhando no mercado, se não fosse essa experiência <strong>de</strong> ficar na TV<br />

universitária e experimentar, provavelmente eu não teria tantas portas abertas como<br />

eu tenho hoje. Eu não seria a profissional que hoje eu me consi<strong>de</strong>ro mais<br />

capacitada, mais responsável, mais consciente do todo pra po<strong>de</strong>r apresentar um<br />

trabalho melhor.<br />

V – E você entrou numa época que entrou você, sua amiga Milena, seu amigo<br />

André... Como que começou isso? Foram as relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> que levaram você<br />

a TV ou a TV que levou você a construir essas relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>?<br />

C – As relações com a Milena, com o André foi com pessoas que eram da mesma<br />

turma. E um dos meus gran<strong>de</strong>s estímulos também a querer ir para a TV universitária<br />

foi que antes eu não trabalhava nessa área, eu trabalhava num material <strong>de</strong><br />

construção e eu tava no 3º período e todos os alunos que estavam na mesma turma<br />

que eu já eram monitor, já tinham uma experiência e eu senti a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>... eu<br />

tava vendo que eu tava com um conhecimento muito menor, que eu precisava <strong>de</strong>ssa


experiência pra po<strong>de</strong>r também não só em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, mas era um momento<br />

necessário pra que eu pu<strong>de</strong>sse entrar. E <strong>de</strong>pois que eu entrei eu conheci pessoas<br />

<strong>de</strong> períodos diferentes, que eu no 5º período trabalhei com pessoas do 1º período e<br />

hoje a gente se encontra no mercado, a gente sai juntos, a gente criou uma gran<strong>de</strong><br />

comunida<strong>de</strong>... e hoje vir aqui na Faesa um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formada e encontrar<br />

pessoas que eu já trabalhei, gente que eu ví começando que tava meio perdida e<br />

não sabia o que estava fazendo e hoje tem uma postura, um conhecimento maior,<br />

uma postura mais profissional.<br />

V – Obrigada querida.<br />

ENTREVISTA EDISSANDRA<br />

V = Vanessa<br />

E = Edissandra<br />

(?) = Sons não compreendidos<br />

V – Eu queria saber qual foi a importância pra você <strong>de</strong> ter trabalhado na TV<br />

universitária.<br />

E – Bom, eu sempre digo que foi uma experiência impar. Ímpar porque eu pu<strong>de</strong> unir<br />

a teoria a prática e colocar em prática realmente tudo aquilo que você apren<strong>de</strong> em<br />

sala <strong>de</strong> aula que é no contexto do mundo acadêmico, da comunicação social,<br />

principalmente na parte <strong>de</strong> jornalismo que é todas aquelas minuciosida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>talhes<br />

que a gente pensa ‘nossa como é que isso é colocado’ ou ‘como é que a gente leva<br />

uma informação pra televisão, como é que a gente leva uma informação para o<br />

público?’. E aqui <strong>de</strong>ntro você apren<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a produção, a fazer uma pauta,<br />

apren<strong>de</strong> realmente a apurar uma notícia, apren<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato a falar, apren<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato a<br />

entrevistar e a conversar e entrevistar <strong>de</strong> uma maneira que aquilo seja útil para o<br />

seu público. Ah, po<strong>de</strong> ser um público seletivo né, que não é um geral, mas as<br />

pessoas que gostam e assistem... você realmente tem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar<br />

uma informação séria para aquelas pessoas e você tem programas, por exemplo o<br />

Mídia que é com assuntos tipo uma revista eletrônica com assuntos do cotidiano até<br />

o Na Garagem que é assuntos mais <strong>de</strong> entretenimento, mas mesmo assim você<br />

285<br />

trabalha pensando nos <strong>de</strong>talhes, ‘será que esse assunto vai ser interessante, será


286<br />

que isso é relevante?’. E aí você passa a conviver <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse mundo, passa a se<br />

apaixonar. É fascinante. Não tem como <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> gostar.<br />

V – Eu queria que você falasse qual foi a experiência que mais te marcou, que ficou<br />

mais marcada e qual foi a experiência que você menos gostou. O que você mais<br />

gostou? Uma coisa que você lembre e fale ‘olha, quando eu tava alí eu fiz isso... ’<br />

E – Olha sem dúvida a experiência marcante da minha vida foi a entrevista que eu<br />

fiz com o Caetano. Porque primeiro eu nunca imaginava ir pra frente da TV, da<br />

câmera, eu sempre fui bicho-do-mato e sempre quis ficar por trás da câmera. Na<br />

época eu era diretora do Na Garagem e a gente estava conversando na biblioteca,<br />

lendo jornal e alguém citou que o Caetano ia vir pra Vitória. Aí eu fiquei pensando,<br />

Caetano no Na Garagem... Ia ser uma coisa nova porque até então a gente só trazia<br />

artistas daqui, sempre valorizamos os artistas capixabas. Eu levei a idéia para a<br />

minha orientadora que era a Ana na época, aí ela olhou e todo mundo ficou assim<br />

‘será que é possível’? Aí eu fui trabalhando na idéia, naquela idéia louca. Imagina<br />

Caetano dar entrevista pra essas meras estudantes <strong>de</strong> comunicação... E a gente<br />

trabalhou <strong>de</strong> uma forma tão persistente, com tanta vonta<strong>de</strong> que quando <strong>de</strong> fato a<br />

gente conseguiu a entrevista, que não foi a... Não seria para todas as emissoras, foi<br />

para algumas emissoras, mas a gente chegou lá. E foi eu e a Sandra, a Sandra na<br />

época estava como cinegrafista e a gente chegou lá e eu falei, gente eu nunca nem<br />

tinha segurado um microfone na mão! Fazer cabeça! Esses termos que como<br />

estudante você ainda não sabe como colocar em prática. E a gente se sentia como<br />

um bichinho do mato vendo aquelas pessoas já com costume <strong>de</strong> fazer entrevista e a<br />

gente lá pensando o quê que a gente vai fazer? E você sabe que tem que estudar<br />

muito, eu lembro que antes eu conversei muito com os professores pra saber do<br />

cuidado com o Caetano... e no momento da entrevista, estar cara a cara com ele...<br />

quando ele abriu a porta eu lembro que eu peguei o momento certo! Foi muito<br />

engraçado porque eu peguei o momento certo. Era o momento <strong>de</strong> eu olhar pra<br />

câmera, fazer a cabeça e virar e já começar com ele do meu lado só que eu esqueci,<br />

só via Caetano na minha frente! Falei <strong>de</strong> costas pra câmera e com ele na minha<br />

frente. Po<strong>de</strong>r entrevistar, assim, o retorno ali com ele, aquele olho no olho, eu<br />

atuando como repórter e ele como entrevistado, as perguntas sendo respondidas <strong>de</strong><br />

fato como a gente gostaria que fosse... e quando chegou no final ele agra<strong>de</strong>ceu e<br />

perguntou se éramos profissionais, nós dizemos que não que éramos ainda


estudantes. Mas aquilo ter chamado a atenção <strong>de</strong>le pra mim, aquilo foi a melhor<br />

experiência. Se você me perguntar a experiência que eu menos gostei...<br />

V – Não peraí. Ainda <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa sua entrevista com o Caetano, o que te fez<br />

acreditar? O que fez você e sua equipe acreditar que aquilo era possível? O que te<br />

fez arriscar?<br />

E – O que me fez arriscar? Acho que é acreditar mesmo Vanessa. Porque eu to na<br />

faculda<strong>de</strong>, eu sei que aqui é o meu momento <strong>de</strong> buscar <strong>de</strong> fato algo que vá construir<br />

o meu futuro. Se aqui a oportunida<strong>de</strong>, eu tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar é possível, o<br />

impossível é possível. Porque o que eu mais ouvia é que era impossível, o Caetano<br />

não dá entrevista pra qualquer um. E você pensar eu não sou qualquer um... eu<br />

pensava o tempo inteiro nisso, eu não quero ser qualquer um. Eu não estou aqui<br />

para ser uma mera estudante <strong>de</strong>... eu quero ser uma estudante. Eu quero <strong>de</strong> fato<br />

apren<strong>de</strong>r... a minha paixão pela comunicação e o meu amor pelo o jornalismo... era<br />

o momento <strong>de</strong> eu aproveitar sabe. Era uma entrevista <strong>de</strong> entretenimento, eu não sei<br />

se é a área que eu quero atuar, mas era um <strong>de</strong>safio que eu tinha que colocar,<br />

porque a gente sabe que o jornalismo é isso.<br />

V – E essa sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentar... você quis experimentar...<br />

E – Quis. Ainda mais que é algo que não era algo que tinha sido feito. Era o novo,<br />

algo a ser <strong>de</strong>svendado, a ser apurado... toda história <strong>de</strong> vida, toda bagagem do<br />

Caetano! Ele é um monstro da música popular brasileira e ele é reconhecido<br />

internacionalmente. Então parece que esse peso, essa responsabilida<strong>de</strong>, essa coisa<br />

do novo, essa coisa que você falou da experiência... eu tenho que aproveitar esse<br />

momento. Eu quero. Tudo bem se a gente não conseguir, mas a gente pelo menos<br />

tentou. Mas o primeiro não que eu levei, a primeira patada porque eu lembro que foi<br />

uma bela <strong>de</strong> uma patata ‘quem é você pra entrevistar Caetano?’. Não tudo bem, a<br />

gente só quer pelo menos um pergunta, um minuto que seja...Mas esse <strong>de</strong>safio<br />

parece que falou mais alto. Quando falaram que era impossível eu falei não, vai ser<br />

possível.<br />

V – Você po<strong>de</strong> dizer que tem uma Edissandra antes da entrevista com o Caetano e<br />

outra <strong>de</strong>pois? Você se sente a mesma <strong>de</strong>pois da entrevista?<br />

E – Olha é tão engraçado porque quando <strong>de</strong>u aquela repercussão do Caetano eu<br />

me senti um pouco constrangida, eu não sei... eu sempre falo que eu quero ser uma<br />

profissional... eu amo muito a profissão, gosto muito <strong>de</strong>ssa coisa do <strong>de</strong>safio, mas eu<br />

287<br />

quero ser uma profissional do anonimato eu prefiro que poucas pessoas saibam


288<br />

quem eu sou, mas que o meu trabalho seja reconhecido. E a entrevista com o<br />

Caetano <strong>de</strong>u uma baita <strong>de</strong> uma repercussão, as pessoas falavam ‘nossa ela<br />

entrevistou o Caetano’ e aquilo me <strong>de</strong>u um certo medo porque a gente vê que na<br />

televisão há essa coisa do estrelismo sabe? E essa coisa do estrelismo me <strong>de</strong>ixou<br />

um pouco (?) sabe, nossa eu ainda sou uma aluna, mal mal comecei a faculda<strong>de</strong>,<br />

ainda tenho muita coisa pra caminhar e eu não posso <strong>de</strong>ixar isso bater em mim.<br />

Então quando alguém pe<strong>de</strong> pra eu falar da entrevista eu tenho muito orgulho, mas<br />

ainda tenho um certo medo e isso me <strong>de</strong>u muito respaldo. Eu senti muito respeito<br />

pelas outras coisas, parece que me <strong>de</strong>u credibilida<strong>de</strong> para outras coisas e também<br />

me <strong>de</strong>u responsabilida<strong>de</strong>. Porque sempre quando eu vou fazer outras coisas, isso<br />

sempre é citado como referência, é inevitável, impressionante. Isso me <strong>de</strong>ixa muito<br />

orgulhosa, mas também me dá um certo receio <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o anonimato que eu não<br />

quero per<strong>de</strong>r. Ser uma profissional ali quietinha no meu canto fazendo as minhas<br />

coisas. Acabou que a TV hoje... eu trabalho com TV, faço parte <strong>de</strong> um<br />

telejornalismo, mas eu quero ainda manter... eu quero ter uma bagagem muito forte<br />

até que eu possa falar, não agora eu posso ir pra frente das câmeras. Porque hoje<br />

quando eu vejo aquela entrevista, eu falo ‘nossa! Quem sabe um dia’.<br />

V – Mas eu digo assim Edissandra, em questão <strong>de</strong> potência. Você se sentiu mais<br />

potencializada <strong>de</strong>pois que conseguiu fazer aquilo?<br />

E – Ah com certeza, principalmente quando você leva tanto não na frente, me diziam<br />

‘você é uma estudante. Quem disse que você vai conseguir entrevista-lo’? Eu ouvi<br />

muito disso. Mas quando você fala eu quero... mas foi tão engraçado porque eu não<br />

falava para os outros, eu falava comigo mesma e quem foi muito minha amiga foi a<br />

Ana porque eu falava ‘Ana é possível’? E ela me falava ‘É possível’. E eu lembro que<br />

eu conversei com você, eu conversei com João Barreto, eu conversei com Adriana<br />

Bravin, conversei com alguns gatos pingados pra perguntar ‘você já entrevistou?<br />

Como é que foi’? Fui igual uma formiguinha sem fazer muito estardalhaço e quando<br />

saiu aí veio... Mas essa coisa da potência, em você acreditar pra mim foi uma<br />

superação muito pessoal porque por mais que eu ame, que eu queira ser uma<br />

gran<strong>de</strong> profissional, eu ainda tenho essa coisa do pessimismo comigo mesma. Ainda<br />

mais que era um momento que eu tava <strong>de</strong>pressiva, eu tava passando por um<br />

momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão e aquilo pra mim foi um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio tanto profissional<br />

quanto pessoal. Foi <strong>de</strong> fato enriquecedor. Magnífico.<br />

V – É sensacional, inacreditável né.


289<br />

E – É inacreditável. É engraçado que as outras entrevistas que eu fiz, não como<br />

repórter porque eu queria que as outras meninas que eram do grupo tivessem a<br />

mesma sensação que eu e naquela época o Na Garagem era feito por quatro<br />

meninas e as quatro eram <strong>de</strong>terminadas, as quatro topavam tudo. E a gente queria<br />

ser câmera, a gente queria ser repórter, a gente queria editar... a gente queria fazer<br />

<strong>de</strong> tudo um pouco, era um grupo muito animado. E quando a gente ia fazer<br />

entrevista eu já ia assim, vai ta no ar... assim, era algo que sem querer fluía<br />

naturalmente.<br />

V – Depois do Caetano veio querm?<br />

E – Depois do Caetano veio o Zeca Pagodinho, que foi uma comédia. A gente furou<br />

várias... porque assim, a gente tava acreditando tanto na gente que a gente<br />

<strong>de</strong>pendia da produção e a gente nem quis saber da produção porque a gente via<br />

que a produção tava enrolando e a gente já foi direto com a produção <strong>de</strong>le. E a<br />

gente chegou primeiro do que todo mundo, ele ce<strong>de</strong>u um entrevista pra gente <strong>de</strong><br />

primeira mão. Depois veio o Zeca Baleiro. No Zeca Baleiro eu fui também como<br />

cinegrafista e no Zeca Beleiro a gente sofreu um pouquinho porque a gente teve que<br />

esperar todo mundo passar na nossa frente, mas valeu a pena. Enquanto todo<br />

mundo teve 2 ou 3 minutos a gente foi até o camarim <strong>de</strong>pois do show e foram meia<br />

hora <strong>de</strong> bate-papo, <strong>de</strong> entrevista e a gente ainda ganhou DVD, CD, um monte <strong>de</strong><br />

coisa...<br />

V – Vocês sentiram tanto no Caetano, Zeca Baleiro e Zeca Pagodinho que tinha um<br />

preconceito por serem da TV universitária?<br />

E – Não. Pelo contrario, aí é que ta... eu senti preconceito, olha que coisa<br />

engraçada, eu senti preconceito das outras emissoras, dos meus futuros colegas <strong>de</strong><br />

profissão. É impressionante como que eles não valorizam o estudante. Nessa<br />

primeira entrevista, na entrevista com o Caetano eu me senti exatamente como uma<br />

cachorrinha, uma cachorrinha. Porque a gente pegou a câmera, tava eu Sandra e o<br />

motorista, o Evanildo e a gente pegou todos os equipamentos e quando eu fui tentar<br />

o contato com a menina, ela me <strong>de</strong>spresou ‘não, eu vou fazer as perguntas primeiro.<br />

Você ainda está começando agora, <strong>de</strong>pois você faz a sua pergunta’. E no Zeca<br />

Baleiro também. A maneira como os nossos colegas <strong>de</strong> profissão nos olhavam <strong>de</strong><br />

lado e esse medo que eu tinha... esse medo era alimentado com aquilo. Porque era<br />

uma coisa que inevitavelmente nos passa. Po<strong>de</strong> não ser assim, eu sei que gran<strong>de</strong><br />

parte não é, mas naquele momento do trabalho <strong>de</strong>les eles passam isso <strong>de</strong> não


290<br />

valorizar aquilo que um dia eles também foram. Porque quem ta hoje na TV também<br />

foi aluno e isso é uma coisa que eu sempre <strong>de</strong>fendo... é até legal, porque hoje<br />

quando eu encontro alguém que ta começando eu incentivo, eu falo ‘não, vai lá, vai<br />

que é possível’. Eu to tentando não levar essa mágoa que eu tinha.<br />

V – Mas os caras não tinham nenhum impedimento... quando eles sabiam como é<br />

que eles reagiam?<br />

E – Isso é o mais engraçado porque a gente não fala antes quem somos né (risos)...<br />

O Zeca Baleiro...<br />

V – Por que não fala antes? Tem medo?<br />

E – Eu acho que a emoção <strong>de</strong> fazer a entrevista é tão gran<strong>de</strong> que fala mais alto e a<br />

gente já vai preparando o ambiente... o que vocês querem saber? Não, a gente quer<br />

saber sobre isso, direcionar sobre isso e aí quando já ta mais aliviado a gente fala.<br />

Não, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vocês são? De que emissora? Aí a gente fala, não nós somos <strong>de</strong> uma<br />

TV universitária... Ah é? É... Nosso programa é tal, vai ao ar tal dia... Ah me passa...<br />

aí você vai anota on<strong>de</strong> que passa, todos os canais... aí no Caetano ren<strong>de</strong>u, a gente<br />

mandou o material todo pra ele, a entrevista toda na íntegra. Tem umas coisas<br />

assim interessantes. Ren<strong>de</strong> histórias assim, eu tenho umas histórias. O Zeca<br />

Pagodinho, por exemplo, <strong>de</strong>pois da entrevista queria bater papo com a gente, se<br />

interessou por uma produtora, a repórter também. Então tem umas coisas<br />

engraçadas, mas é tudo válido. Você po<strong>de</strong>r passar... eu falo: se todo estudante <strong>de</strong><br />

comunicação pu<strong>de</strong>r passar por uma TV universitária po<strong>de</strong> ter certeza que lá na<br />

frente tem algo garantido. Se pu<strong>de</strong>r aproveitar, claro, esse momento que vive aqui.<br />

Aqui você po<strong>de</strong> errar e tirar suas dúvidas, aqui você apren<strong>de</strong> a editar, aqui você<br />

apren<strong>de</strong> TV, aqui você tem todo um laboratório, aqui você tem todos os profissionais<br />

para po<strong>de</strong>r te acompanhar <strong>de</strong> uma maneira mais... estando mais presente. Por que<br />

lá no mercado lá fora isso não é com tanta freqüência, você po<strong>de</strong> até ter uma<br />

orientação, um feed back, mas não é tão intenso como aqui que você tem essa<br />

oportunida<strong>de</strong>. Eu acho que é fundamental.<br />

V – Você acha que a experiência que você tem aqui, que você tava falando que (?)<br />

da sala <strong>de</strong> aula. Você acha que é uma outra dimensão do currículo?<br />

E – Ah é com certeza. Porque se você passar pela faculda<strong>de</strong> e não tiver experiência<br />

nenhuma, seja <strong>de</strong> estágio ou laboratório <strong>de</strong> rádio e TV, publicida<strong>de</strong>, qualquer área<br />

que você for se formar... Po<strong>de</strong>r aliar o que você apren<strong>de</strong> na aula... Porque às vezes<br />

na aula você tem toda uma teoria, aí surge uma dúvida: por que essa informação é


passada <strong>de</strong>ssa maneira? Aí aqui você consegue ver como é que <strong>de</strong> fato ela<br />

acontece. Porque você pensa na pauta, aí você pensa na fonte aí você pensa no<br />

local, aí você consegue ver como é que vai ser a matéria. Ainda mais televisão. Em<br />

televisão você consegue ver que tudo você <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens. Você tem que<br />

pensar em tudo, nos <strong>de</strong>talhes. Não é como... ah, vamos chegar ali e fazer matéria<br />

sobre isso e vamos entrevistar fulano <strong>de</strong> tal. Não! Você tem que pensar na<br />

ambientação, como é que ele vai ficar sentado, como é que ele vai ficar, a gente vai<br />

pegar tal ângulo ou a gente vai pegar close, sabe? E isso a teoria... você po<strong>de</strong><br />

estudar, mas não consegue colocar tudo isso em prática. Você tem que ter, não tem<br />

jeito. Você tem que pegar todos esses <strong>de</strong>talhezinhos, o manejo do microfone, como<br />

é que você vai direcionar o seu entrevistado, a sua postura, a maneira <strong>de</strong> você<br />

falar... você po<strong>de</strong> ser você mesma, mas você consegue observar ‘nossa eu to<br />

errando nisso, tenho que melhorar isso ou naquilo e naquilo outro. Nossa! Eu não<br />

sabia que eu tinha potencial pra tal coisa’. Então você vai se <strong>de</strong>scobrindo e ao<br />

mesmo tempo vai... não é uma coisa muito mo<strong>de</strong>lada. Isso também é uma vantagem<br />

porque ao mesmo tempo em que você tem inúmeras <strong>de</strong>scobertas você também tem<br />

a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar, você tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer. ‘Nossa, eu<br />

<strong>de</strong>scobri que isso aqui é legal, vamos colocar isso em prática’? Aí você vai com os<br />

erros e acertos vai vendo que aquilo lá na frente po<strong>de</strong> ser útil pra alguma coisa. E a<br />

gente sabe que em todos os veículos <strong>de</strong> comunicações não é bem assim, <strong>de</strong>mora<br />

um tempo. E aqui você tem a oportunida<strong>de</strong>...Tudo com respaldo, tudo com<br />

orientações. Não é você por você. ‘ah, vou pegar e fazer isso aqui agora’. Não. Tudo<br />

é pensado minuciosamente. ‘Vamos trabalhar isso? Porque você quer trabalhar<br />

isso’? Aí você entra em uma outra questão, porque você passa a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r suas<br />

teses, suas vonta<strong>de</strong>s. ‘Por que você quer fazer isso? Ah por causa disso? Então tá’.<br />

E aí você vai apren<strong>de</strong>ndo, vai vendo. Ainda mais a gente que é aluno, tem hora que<br />

a gente tem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer um monte <strong>de</strong> coisas, mas você não sabe como fazer.<br />

E eu senti que aqui na televisão, aqui na TV Faesa eu pu<strong>de</strong> fazer isso, ver esses<br />

<strong>de</strong>talhes. Essa entrevista com Caetano foi isso, foi uma gran<strong>de</strong> experiência.<br />

V – Mas antes <strong>de</strong> você entrar aqui você tinha idéia do que você viveria aqui?<br />

E – Não. É engraçado porque eu não queria ter vindo pra TV. É engraçado. Eu fiz<br />

prova pro laboratório porque como eu queria ficar por trás das câmeras eu queria<br />

laboratório. Mas ao mesmo tempo que eu queria o laboratório eu queria edição.<br />

Porque como eu iria ficar o tempo inteiro atrás das câmeras eu queria produzir,<br />

291


queria ver como é que faz um programa. Aí eu acabei fazendo aquela oficina, acabei<br />

passando e fui fazer o Na Garagem, mas eu não tinha noção. Eu não tinha noção <strong>de</strong><br />

nada. Eu lembro que quando eu fiz o outro curso, Relações Públicas, já manifestava<br />

inconscientemente esse <strong>de</strong>sejo por TV, olha que coisa. Apesar <strong>de</strong> eu amar escrever,<br />

todos os meus trabalhos acabavam direcionados para o audiovisual. E eu lembro<br />

que lá eu peguei uma câmera sem pé, sem ter noção <strong>de</strong> enquadramento, sem nada<br />

disso e fiz. Mas quando você <strong>de</strong> fato ta aqui <strong>de</strong>ntro...<br />

V – Então vamos lá. Quais foram as experiências ruins que você teve aqui <strong>de</strong>ntro? O<br />

que você não gostou. O que você teria <strong>de</strong> ressalva?<br />

E – O que eu teria <strong>de</strong> ressalva? É engraçado porque eu me pergunto... Chega um<br />

momento que você fala: chegou a minha hora. E na TV se eu parar pra pensar eu<br />

tenho tantas experiências boas. Experiências ruins... ruim <strong>de</strong> fato eu acho que não<br />

tenho. Mas as vezes essas suas idéias... quando você vê que as suas idéias po<strong>de</strong>m<br />

acontecer, mas quando você vê que por uma questão institucional elas po<strong>de</strong>m não ir<br />

para frente é a hora que você para e fala: é a hora então <strong>de</strong> eu ir buscar outro<br />

caminho. Foi isso mais ou menos que me aconteceu. Apesar <strong>de</strong> eu ter saído da<br />

TV... Primeiro que eu precisava <strong>de</strong> um apoio financeiro maior pra po<strong>de</strong>r pagar as<br />

minhas contas, isso é inevitável. Mas o tempo que eu fiquei aqui que foi quase um<br />

ano foi o tempo que eu falei que eu tenho que apren<strong>de</strong>r tudo que eu pu<strong>de</strong>r lá <strong>de</strong>ntro.<br />

Era programa que as vezes você marcava e tinha falta <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do seu<br />

convidado, isso era uma coisa que podia stressar, mas <strong>de</strong> fato algo que você fala<br />

‘nossa eu me arrependo disso’, não. Acho que a única coisa mesmo que eu sentia e<br />

que as vezes dava... não é conservador, acho que não tem uma palavra específica<br />

pro que eu quero falar. Mas algo que você vê que tem limites institucionais. Limites<br />

padrões que você vê que você não vai po<strong>de</strong>r passar muito daquele limite. Ainda<br />

mais na socieda<strong>de</strong> que a gente vive. A gente sabe que a gente po<strong>de</strong> ser livre <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que seja <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um padrão. Então esse é um ponto que às vezes pega. Não sei<br />

se é pegar, se é esse o caso. Mas nesse tempo que eu passei que foi quase um<br />

ano, eu tive vastas experiências. Então se você me fala: você lembra <strong>de</strong> um fato<br />

ruim? Não. De fato não lembro, mas chega uma hora que você fala: eu quero isso<br />

aqui e vou buscar outra coisa.<br />

V – Tem mais alguma coisa que você queira falar? Desse retorno, <strong>de</strong> alguma coisa<br />

que foi boa...<br />

292


E – Não. Eu acho que já falei né. Eu acho que se todo aluno pu<strong>de</strong>r passar por aqui,<br />

se pu<strong>de</strong>r passar pela TV e não ficar só em... porque eu vejo muito isso... engraçado<br />

porque o Na Garagem era um programa que eu nem sonhava em participar, não<br />

tinha nem noção do quê que era, mas tem gente que pensa em ser no Na Garagem,<br />

só o apresentador do Na Garagem. Não é isso. Eu acho que querer ser<br />

apresentador é a última coisa. Uma coisa lá do zero, começa na produção... não é<br />

zero porque na equipe todo mundo é igual. Ninguém é melhor que o outro. Mas sair<br />

um pouco <strong>de</strong>sse estrelismo <strong>de</strong> achar que jornalismo é só estar na frente da televisão<br />

linda e maravilhosa. Não é isso. É ralação, é po<strong>de</strong>r ficar ali pensando na sua pauta,<br />

apurar a pauta, é ficar ali enchendo o saco. E aqui você tem essa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

colocar isso em prática. Eu acho que o que eu quero colocar como ressalva é isso,<br />

todo mundo que pu<strong>de</strong>r passar pela TV Faesa. Passar, mas passar por todas as<br />

funções e se pu<strong>de</strong>r passar também por todos os programas ótimo! (risos).<br />

V – Ta bom Edissandra, obrigada.<br />

ENTREVISTA MARINA<br />

V = Vanessa<br />

M = Marina<br />

(?) = Sons não compreendidos<br />

V – Marina eu queria que você me falasse um pouco <strong>de</strong> qual é ou não é a sua<br />

experiência e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> você ter atuado numa TV universitária.<br />

M – Olha foi assim muito importante. Foi assim como se fosse uma <strong>de</strong>scoberta.<br />

Quando você vê TV sentada no sofá você vê tudo bonitinho e <strong>de</strong>rrepente você entra<br />

num estúdio e você vê uma parafernália, um corre pra lá, corre pra cá. Mas é muito<br />

legal você ver como é que funciona, como é que cria, sabe. Você vai e grava e<br />

<strong>de</strong>pois você vai editar aquilo e <strong>de</strong>pois você vai ver tudo prontinho é muito... é<br />

assim... parece que você ta vendo um milagre, sabe como? Parece assim, um clique<br />

que fica pronto. Eu achei muito, muito bom.<br />

V – Quais foram as experiências bacanas que você lembra <strong>de</strong> ter participado e quais<br />

foram as experiências não tão bacanas assim?<br />

293


M – Experiências bacanas... bom, teve tanta coisa legal. É que quando a gente tá<br />

fazendo a pauta a gente se diverte muito, <strong>de</strong>scobre muito, pesquisa muito, ouve<br />

músicas boas, músicas ruins que a gente ri né, pra escolher a banda. E na hora <strong>de</strong><br />

gravar acontece muitas coisas interessantes também... é... algumas coisas que<br />

assim, acontecem <strong>de</strong> diferentes na hora da gravação, que a gente acha engraçado<br />

também. E nós tivemos muitos programas bons, legais <strong>de</strong> assistir, legais <strong>de</strong> fazer<br />

também, assim tudo bom, tranqüilo. Teve programas também que a gente corria<br />

daqui e corria dali e começava a gravar e parava porque dava algum problema no<br />

áudio... então a gente ficava com a cabeça a mil sabe. Mas é legal. Mesmo os<br />

pontos mais ruins eu acho muito legal.<br />

V – E o erro é um problema?<br />

M – Não. Eu não acho que é problema não. É até legal acontecerem os erros pra<br />

gente prevenir também. Porque as vezes a gente montas as coisas tudo bonitinho e<br />

a gente não conta com os erros e quando acontece os erros, no próximo programa a<br />

gente já sabe ‘poxa, a gente não po<strong>de</strong> fazer isso, porque aconteceu antes e a gente<br />

não po<strong>de</strong> fazer’. Então vai concertando, a gente vai apren<strong>de</strong>ndo sabe.<br />

V - E o que você acha do currículo praticado aqui? Você acha que é válido porque<br />

você revê as coisas que apren<strong>de</strong> na sala <strong>de</strong> aula ou você acha que além do que vê<br />

sala <strong>de</strong> aula você pratica outras coisas. O que você acha do currículo que você<br />

apren<strong>de</strong> aqui?<br />

M – Olha eu acho que a gente apren<strong>de</strong> a mais do que a gente apren<strong>de</strong> na sala<br />

porque tem muitas coisas que você nem vai ver na sala e que você apren<strong>de</strong> aqui.<br />

Coisas assim, por exemplo, eu vou gravar... coisas simples... até gravar um DVD<br />

que a gente não apren<strong>de</strong> em sala <strong>de</strong> aula. Aí tipo, tem um programa que ‘ah, eu<br />

quero uma cópia pra mim’ e eu vou gravar em DVD. Então coisas simples assim,<br />

são coisas pequenas, mas que você vai apren<strong>de</strong>ndo, enten<strong>de</strong>u? Coisas que são até<br />

fora do currículo. Mas <strong>de</strong>ntro do currículo também é muito legal, você vê a teoria e<br />

<strong>de</strong>pois você vem a praticar aquilo e muitas vezes a prática vai muito além da teoria.<br />

Porque você vê coisas que você não leu no livro ou que o professor não te passou...<br />

até coisa assim, extra mesmo que você apren<strong>de</strong> fora...então é muito legal você vê a<br />

teoria e <strong>de</strong>pois ver a prática, eu acho muito legal isso. Eu consi<strong>de</strong>ro assim, como se<br />

tivesse num veículo mesmo <strong>de</strong> produção comercial né, bem capitalista mesmo que a<br />

gente tem que correr e fazer as coisas sabe como? Eu achei muito, muito, muito<br />

bom.<br />

294


V – Marina tem quanto tempo que você ta aqui na TV?<br />

M – Tem um ano e... um ano... um ano e pouco. Porque eu entrei... tem um ano e<br />

meio. É um ano e meio mais ou menos. Eu entrei no 3º período. Não, foi no 4º<br />

período. Fiz o 4º e o 5º...<br />

V – Por que você quis vir pra cá? Fazer estágio aqui?<br />

M – Olha foi assim... foi meio confuso mesmo. Eu confundi minha cabeça sabe,<br />

porque tinha a oficina e tava escrito lá que ia ter a parte <strong>de</strong> edição, que a gente ia<br />

apren<strong>de</strong>r a editar e aí eu falei: poxa eu sou doida pra apren<strong>de</strong>r a editar. Eu não<br />

sabia que aquilo ia chamar pra TV enten<strong>de</strong>u? Aí na hora eles falaram assim: ‘agora<br />

vocês colocam o nome <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vocês gostariam <strong>de</strong> trabalhar’. Aí eu falei: ‘ué... vai<br />

trabalhar no programa’? Aí eles falaram: ‘vai é estágio e tal’.... aí eu <strong>de</strong>i o nome, mas<br />

eu <strong>de</strong>i meio <strong>de</strong>sacreditada assim... aí no outro dia o pessoal falou ‘Marina você<br />

passou, você vai entrar na TV’! Aí minha cabeça foi assim, sabe... gente que legal!<br />

Aí pronto. Entrei assim.<br />

V – Marina me diga uma coisa, na sua passagem pela TV você acha que você foi<br />

potencializada, você acha que essa experiência foi válida....você se sente diferente<br />

hoje?<br />

M – Ah eu sinto. Me sinto muito diferente. Primeiro, quando eu vou assistir alguma<br />

coisa na TV eu já sou muito crítica, eu já vejo quando tem alguma coisa errada e<br />

outra coisa também, uma parte que eu achei que foi muito legal também é essa<br />

convivência com os professores enten<strong>de</strong>u? Professores que a gente via só na sala<br />

<strong>de</strong> aula e <strong>de</strong>rrepente a gente tava igual.... Ana Menegueli que eu só via por aí, ela<br />

nem tinha dado aula pra mim ainda, conviver com ela, com você também. Você<br />

também <strong>de</strong>u aula pra mim. Mas uma coisa é você ver o professor na sala outra coisa<br />

é você trabalhar com ele todo dia, conversar outras coisas. Então eu achei muito<br />

legal isso também. Até com os funcionários né, que trabalham na TV. Eu fiz amiza<strong>de</strong><br />

com todo mundo aqui da TV. Assim, foi muito bom mesmo. E assim, a gente fica<br />

muito aqui <strong>de</strong>ntro da redação, mas a gente convive muito <strong>de</strong>ntro do estúdio né e<br />

relacionar com o pessoal do estúdio também foi muito importante.<br />

V – Essa questão <strong>de</strong> fazer os vínculos <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> aqui <strong>de</strong>ntro, você acha isso bom?<br />

M – Acho bom primeiro porque facilita até a gente a apren<strong>de</strong>r. Por exemplo, eu<br />

tenho muita amiza<strong>de</strong> lá no estúdio aí quando eu tenho dúvida o pessoal vem logo, a<br />

295<br />

gente vê que eles tem o maior prazer <strong>de</strong> ensinar. Então eu acho importante isso sim,


é uma coisa além do trabalho né. Conviver, um ajudar o outro, um compartilhar com<br />

o outro eu acho legal isso.<br />

V – Marina, quantos anos você tem? Desculpe perguntar.<br />

M – 54.<br />

V – Quando você falou com seus filhos que você ia trabalhar na TV o que eles<br />

falaram?<br />

M – Ah, eles morreram <strong>de</strong> rir! Falaram: mãe! Você vai pra TV? O que você vai fazer<br />

na TV? Aí eu falei: ah, não sei por enquanto.<br />

V – Por que, Marina, você acha que eles falaram isso?<br />

M – Ah, eu sei lá. Eles ficam com muita gozação comigo porque eles sabem que eu<br />

fico muito entusiasmada com o jornalismo e tudo que acontece aqui eu conto lá em<br />

casa. Aí eles ficam falando que parece que eu sou aquelas meninas do prézinho que<br />

acabaram <strong>de</strong> entrar na escola, porque eu chego em casa toda empolgada contando<br />

tudo sabe? Então eles ficam com muita gozação comigo nesse ponto aí. E eles<br />

ficam também ‘minha mãe vai virar artista, vai aparecer na TV’...<br />

V – Quando você chegou em casa falando que você entrevistou Zeca Baleiro, Zeca<br />

Pagodinho, Caetano Velozo, eles acreditaram?<br />

M – Eu falei que a gente ia né. Então eles falaram “como é que você vai fazer isso”?<br />

E vai a turma toda, o pessoal todo da equipe né. Aí eu expliquei que a gente ia<br />

pegar uma câmera daqui e tal aí eles perguntavam como é que eu ia entrar, fizeram<br />

um monte <strong>de</strong> pergunta e tal... aí eu expliquei que a gente faz uma pauta antes pra<br />

saber o que é que vai perguntar, que tem que marcar com antecedência, tem que<br />

cre<strong>de</strong>nciar, cre<strong>de</strong>nciar carro... aí eu comecei a explicar, fui explicando tudo assim. Aí<br />

é legal porque eles também estão apren<strong>de</strong>ndo através disso porque tudo eu chego e<br />

falo então eles também ficam apren<strong>de</strong>ndo as coisas assim...<br />

V – Você acha que agora eles te olham com olhos diferentes agora?<br />

M – Ah eles olham. Eles acham assim, muito interessante sabe. Eles acham, assim,<br />

diferente sabe.<br />

V – Marina se você tivesse que ressaltar uma coisa boa, uma lembrança boa sobre<br />

a sua estada por aqui, sobre a sua passagem por aqui. O que você salientaria?<br />

M – Uma passagem boa?<br />

V – É o que é bom aqui? É o aprendizado? São as amiza<strong>de</strong>s? A relação com o<br />

professor fora da sala?<br />

296


M – Uma coisa só é difícil sabe, que eu acho que foi assim, um mesmo conjunto né.<br />

Mas eu acho que foi aquela coisa que eu te falei <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir as coisas. Descobrir<br />

novas coisas, <strong>de</strong>scobrir uma nova TV, <strong>de</strong>scobrir como é que trabalha, como é que<br />

faz aquilo, como é que o programa fica pronto, sabe, essas coisas que parece<br />

mágica. Isso sempre ficou na minha cabeça, aquelas luzes, aquele movimento. É<br />

câmera pra lá e pra cá, gente correndo pra lá e pra cá e <strong>de</strong>pois aquieta todo mundo<br />

e começa a gravar. Então é assim muito interessante essas duas partes. Fico<br />

sempre pensando, lembrando disso.<br />

V – Você tinha idéia que ao chegar aos 50 anos você iria passar por uma<br />

experiência <strong>de</strong>ssas?<br />

M – Não. Nunca pensei. Eu até comecei a fazer faculda<strong>de</strong> e parei e foram muitos<br />

motivos que eu não consegui fazer a faculda<strong>de</strong>. Mas eu sempre pensei ‘um dia eu<br />

vou fazer, nem que eu tenha 80 anos eu vou fazer’. Mas eu nunca pensei que fosse<br />

assim, enten<strong>de</strong>u? Eu até pensei no jornalismo assim, sei lá, fazer umas matérias pro<br />

jornal assim, mas eu não pensei que fosse <strong>de</strong>ssa forma sabe. Que a gente fosse<br />

falar, apren<strong>de</strong>r tanta coisa sabe, <strong>de</strong> rádio, televisão, algumas coisas on-line. Não<br />

pensei que o jornalismo fosse esse monte <strong>de</strong> coisas ao mesmo tempo, é muita<br />

pesquisa... eu não pensei que o universo fosse esse, sabe. Então foi muita surpresa<br />

<strong>de</strong> saber que é assim, <strong>de</strong>ssa forma.<br />

V – Sobre a questão da experimentação. Você gosta disso?<br />

M – Ah, eu gosto. Eu gosto <strong>de</strong> mudar, <strong>de</strong> mudar as coisas sabe. Eu gosto <strong>de</strong> fazer<br />

coisas diferentes. Mesmo assim, a gente fica um pouco apreensivo, igual a minha<br />

primeira gravação que eu fiz que não estava nervosa, mas por <strong>de</strong>ntro eu estava<br />

preocupadíssima <strong>de</strong> fazer alguma coisa errada sabe. E todo programa que vai<br />

gravar eu fico preocupada <strong>de</strong> fazer alguma coisa errada, da minha parte claro. Mas<br />

eu acho gostoso essa sensação <strong>de</strong> fazer um novo, <strong>de</strong> criar uma coisa nova, <strong>de</strong> fazer<br />

uma coisa nova.<br />

V – Você carrega experiências daqui pra sala e pra sua vida?<br />

M – Ah eu carrego! Pauta, por exemplo, a gente faz pauta aqui e quando chega lá e<br />

já fica bem mais tranqüilo. Tem coisas que eu aprendi aqui e que eu ainda não vi lá,<br />

enten<strong>de</strong>u? Então eu pego daqui e levo pra lá. Agora eu tenho mais facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer pauta, <strong>de</strong> fazer pesquisa pra pauta, essas coisas assim eu to com mais<br />

facilida<strong>de</strong>. E até pra vida porque aqui a gente... eu acho assim, jornalista tem que<br />

297<br />

ser cara-<strong>de</strong>-pau né. Porque às vezes a gente chega num lugar e falam assim: “você


298<br />

não po<strong>de</strong> entrar aqui”! E a gente vai lá assim mesmo, a gente chega perto da<br />

pessoa e faz a entrevista assim, meio cara-<strong>de</strong>-pau mesmo. Então eu acho que eu to<br />

apren<strong>de</strong>ndo isso aí, a ficar meio cara-<strong>de</strong>-pau. Eu sou bem tímida sabe... então eu<br />

acho que eu to apren<strong>de</strong>ndo isso aí, a ficar cara-<strong>de</strong>-pau. Outro dia a gente tava<br />

naquele Balaio Cultural e a gente chegava....tava a Edissandra e eu né. Então a<br />

gente tava andando lá e fotografando e a gente chegava para as pessoas na maior<br />

cara-<strong>de</strong>-pau com o gravadorzinho e já ia perguntando, enten<strong>de</strong>u? Ela ia<br />

perguntando e eu falando... então eu acho que eu to melhorando muito nisso aí eu<br />

acho.<br />

V – Bom Marina, tem mais alguma coisa que você queira falar?<br />

M – Eu queria falar assim... a importância que tem isso sabe, porque a gente vem<br />

pra sala <strong>de</strong> aula e a gente vem, apren<strong>de</strong> teoria e tudo, mas eu acho tão importante a<br />

faculda<strong>de</strong> fazer isso <strong>de</strong> dar oportunida<strong>de</strong> pra gente <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r além daquilo ali<br />

enten<strong>de</strong>u? Da gente já ter uma experiência antes <strong>de</strong> sair da faculda<strong>de</strong>, apren<strong>de</strong>r as<br />

coisas assim, ver a prática mesmo daquilo que você esta apren<strong>de</strong>ndo. É bom até<br />

pra segurança da gente pra <strong>de</strong>pois que a gente formar, falar ‘poxa, eu sei fazer isso’.<br />

Então eu acho assim, muito importante isso, da faculda<strong>de</strong> fazer isso. Dá uma<br />

chance pra gente né, <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r mais.<br />

V- Nossa Marina obrigada. Que <strong>de</strong>poimento bonito!<br />

ENTREVISTA ANDRÉ<br />

V = Vanessa<br />

A = André<br />

(?) = Sons não compreendidos<br />

V – André qual foi pra você a experiência <strong>de</strong> ter passado por uma TV universitária?<br />

O que significou? Se teve importância, se não teve...<br />

A – Eu acho que a importância foi principalmente a importância do cotidiano da TV.<br />

A TV universitária ela nos ensina mais do que as questões técnicas, a questão <strong>de</strong><br />

estarmos trabalhando juntos numa fantasia que é essa ficção <strong>de</strong> contar uma historia<br />

através <strong>de</strong> fatos, que não existem. A gente inventa esses fatos. Mas esse cotidiano<br />

é muito legal. A gente po<strong>de</strong>r saber qual era a medida <strong>de</strong> botar um programa no ar


<strong>de</strong>... eu acho que as fronteiras entre o sucesso e o fracasso são mais importantes do<br />

que propriamente uma das duas coisas. Eu acho que é quando a gente tinha que<br />

entregar um programa e não acertava no horário ou tinha que <strong>de</strong>ixar pra outra<br />

semana, as conseqüências disso elas nos <strong>de</strong>limitavam e eram tão mais<br />

interessantes do que propriamente a gente conseguir colocar um programa no ar.<br />

Era até um pouco <strong>de</strong>cepcionante assim, o programa está no ar, mas o programa não<br />

está no ar. O mais interessante era esse caminho né, começar a produção até ele<br />

estar pronto. Pra mim sempre foi uma... foi um mistério. Como é que vai ser esse<br />

programa e como é que ele vai acabar. Porque eu nunca me sentia pronto pra fazer<br />

um programa. Eu sempre achava que esse programa eu tinha que <strong>de</strong>scobrir, e essa<br />

coisa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o programa era a coisa que eu mais gostava na TV universitária.<br />

V – Como você lidava com a questão da experimentação? Isso pra você era bom ou<br />

não era bom, quais eram os limites ou quais eram as potências...<br />

A – Aqui na TV universitária a gente tinha um capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentação muito<br />

gran<strong>de</strong>, mas não tínhamos nem noção do que era essa experimentação. Nós<br />

tínhamos capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar, mas essa liberda<strong>de</strong> pra nós era uma coisa que... é<br />

uma coisa muito difícil <strong>de</strong> conquistar. Essa experimentação que às vezes nós<br />

conseguíamos mudar o programa, mudar o formato, na época era o Marco Rost que<br />

era o diretor e a gente sempre brigava, mas ele sempre era uma provocação para<br />

que nós crescêssemos <strong>de</strong> alguma forma. Essa experimentação sempre foi um... eu<br />

sempre senti que faltava um pouco mais <strong>de</strong> piração na experimentação. Acho que<br />

nós éramos muito... nós queríamos encontrar um norte, mas não existia nenhum<br />

norte pra ser dado. A gente achava que, pelo menos eu, que a comunicação era a<br />

partir <strong>de</strong> alguma coisa já previamente dada, mas nada era dado, tudo ainda estava<br />

pra se construir. E essa noção <strong>de</strong> ainda estar tudo pra se construir era o que, eu<br />

acho que eu não consegui, tipo, me relacionar. Eu queria aquela coisa que estava a<br />

se conquistar, aquele profissional que já estava lá há muitos anos e eu po<strong>de</strong>ria ser<br />

um pouco parecido com ele. Mas o Júnior não tinha nada dado, você Vanessa não<br />

tinha nada dado, o Rost não tinha nada, a gente tinha que construir. Eu acho que<br />

nisso eu não fui feliz, pelo menos eu não... eu acho que eu não alcancei isso.<br />

V – Você não tinha uma noção da dimensão.<br />

A – Isso. Eu não tinha noção <strong>de</strong>ssa dimensão. E também eu acho que não tem<br />

como não ser também o período da nossa vida. Eu acho que o momento <strong>de</strong> a<br />

299<br />

primeira experiência com a imagem, que eu acho que foi a primeira talvez mais forte


300<br />

<strong>de</strong> ter que montar uma imagem. O que é uma imagem certa? Existe uma imagem<br />

certa? Existe uma fala certa? Existe uma sonora certa? E essa experiência da<br />

imagem tem tudo a ver com uma experiência filosófica <strong>de</strong> vida. Tudo se relaciona na<br />

nossa vida. A apresentadora quando chega aqui e acabou <strong>de</strong> terminar com o<br />

namorado tem tudo a ver com o resultado do programa. É o professor orientador que<br />

acabou <strong>de</strong> bater com o carro também vai ter tudo a ver com o programa. Então<br />

essas forças que não são ensinadas, que não tem como codificar, elas são aquilo<br />

que fazem com que o equilíbrio <strong>de</strong>pois venha. Porque nós temos que lutar contra<br />

essas forças ou então encaminhar essas forças pra outros lugares. Então eu acho<br />

que a luta contra essas forças não é didática, ela nunca é dada, não tem como<br />

<strong>de</strong>scobrir previamente até quando eu achego na segunda-feira, na reunião <strong>de</strong> pauta<br />

e vejo quais são as forças que estão lidando. Eu acho que essa sensibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

alguma maneira eu acho que eu tive, mas nesse período que eu estava aqui eu<br />

estava sempre preocupado em saber como realmente as coisas funcionam, como é<br />

que as coisas são. E essa intelecção das coisas ela sempre me fez per<strong>de</strong>r algumas<br />

coisas. Eu não estou querendo ser melancólico ou nostálgico, eu acho que esse foi<br />

um momento que eu não me arrependo, mas eu vejo que se eu fosse fazer hoje eu<br />

faria <strong>de</strong> uma maneira diferente né. Eu aproveitaria <strong>de</strong> uma maneira diferente as<br />

pessoas, as experiências. A gente na televisão tem muito <strong>de</strong>ssa coisa <strong>de</strong>... quando<br />

você é novo <strong>de</strong> como as pessoas estão vendo o nosso <strong>de</strong>sempenho na.... e quem<br />

comentou sobre a gente, se comentou bem ou se comentou mal. Há uma carência<br />

muito gran<strong>de</strong> disso porque como a comunicação não é nada no sentido matéria da<br />

coisa, ela se torna um espaço para o vazio, um vazio <strong>de</strong> compreensão. A gente se<br />

sente muito incompreendido e muito sem chão. Nós não apren<strong>de</strong>mos ainda, pelo<br />

menos eu não tinha aprendido naquele momento, que estar sem chão era a única<br />

coisa que nós tínhamos para o resto da vida, para sempre nós vamos estar sem<br />

chão.<br />

V – É um paradoxo. (?) <strong>de</strong> manhã, e por incrível que pareça a dúvida é a única<br />

certeza que a gente tem. Por incrível que pareça.<br />

A – É. O ‘Boschi’ que fala muito isso né. Que o labirinto e o <strong>de</strong>serto, que pra ele são<br />

as mesmas coisas, ou seja, a perda <strong>de</strong> dimensões, ela é o nosso alimento né. Nós<br />

não temos mais nada. Nós não sabemos o que vai acontecer <strong>de</strong>pois, na próxima<br />

esquina do labirinto. Nós só sabemos que nós temos que andar. Então eu acho que<br />

essa experiência... eu po<strong>de</strong>ria falar aqui que foi a melhor experiência e tal, eu


aprendi muito, mas teve coisas que ficaram pelo caminho e eu acho que essas<br />

coisas são mais interessantes da gente investigar do que os sucessos, as coisas<br />

bem sucedidas ou as coisas mal sucedidas ou as histórias curiosas. É a minha<br />

relação....<br />

V – Mas é isso que me interessa. As coisas que ficaram pelo caminho. Então,<br />

sistematizando um pouco a conversa, o que ficou pelo caminho? O <strong>de</strong>scentramento<br />

que proporcionou essa sensação <strong>de</strong> ficar pelo caminho ou ficar pelo caminho que<br />

<strong>de</strong>u um aprendizado constitutivo que você tem noção hoje?<br />

A – É. Ficar pelo caminho. Eu acho que o que eu mais ganhei na TV Faesa foram as<br />

coisas que eu perdi.<br />

V – Por exemplo.<br />

A – É... Eu não sei. Eu acho que nos programas que eu dirigi eu po<strong>de</strong>ria ter me<br />

doado mais, eu po<strong>de</strong>ria ter sido mais presente, eu po<strong>de</strong>ria ter criado mais. Não<br />

criado a partir <strong>de</strong> uma convergência <strong>de</strong> articulações, po<strong>de</strong>ria ter criado mesmo.<br />

V – Como assim?<br />

A – Com a circunstancia. A partir do nada. Eu acho que eu não criei nada aqui. Eu<br />

acho que eu fui tipo um técnico <strong>de</strong> manutenção durante um tempo. Claro que eu to<br />

exagerando, mas assim, eu me preocupava muito em manter um certo padrão e<br />

essa experiência que hoje olhando pra trás eu sinto uma pitada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção comigo<br />

mesmo essa <strong>de</strong>cepção que eu levo hoje quando eu vou fazer um filme eu sinto<br />

‘André, é só você que você tem. Você só tem a si. Então você tem que se habitar’.<br />

Eu acho que eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> me habitar aqui <strong>de</strong>ntro da TV Faesa e tentei habitar outras<br />

pessoas ou outros padrões que não era aqueles que eu... embora eu tenha feito<br />

coisas legais aqui <strong>de</strong>ntro também. E sempre foram os melhores momentos, mas eu<br />

não sei... quando a gente se aproxima das coisas, quando a gente ta muito próximo<br />

das relações, das coisas, a gente não sabe muito a dimensão que isso vai tomar<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um tempo, sabe?<br />

V – Parece que a gente viveu a coisa no momento errado né. Por que eu não vivi<br />

isso mais tar<strong>de</strong>? Por que eu não era mais maduro né?<br />

A – É verda<strong>de</strong>.<br />

V – Foi essa a sensação quando eu fiz a minha graduação também. Quando eu saí<br />

<strong>de</strong>la é que eu fui gostar <strong>de</strong>la. Mas você tava falando que o que você mais ganhou na<br />

301<br />

TV Faesa foram as coisas que você per<strong>de</strong>u. O que? Certeza, vonta<strong>de</strong>, tristeza, o


que, por exemplo? As coisas que você mais ganhou foram as coisas que você<br />

per<strong>de</strong>u. O que?<br />

302<br />

A – Eu acho que... eu na verda<strong>de</strong> perdi aqui o espaço <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter feito coisas. Eu<br />

olhando pra trás vi que as coisas são urgentes. Parece que não, a gente às vezes<br />

bate-papo, per<strong>de</strong> tempo e tal... mas as coisas são urgente na nossa ida<strong>de</strong>. A gente<br />

precisa fazer as coisas. E esse sentimento <strong>de</strong> urgência eu só fui ter agora, mas eu<br />

só tenho agora porque eu <strong>de</strong>ixei esses momentos passarem. Eu <strong>de</strong>ixei tempos aqui<br />

correrem né. Porque eu sei lá, preguiça, falta <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong>, preocupação com<br />

outras coisas. Tudo aqui pra mim era muito novo, então eu <strong>de</strong>ixei que quando as<br />

coisas batessem em mim escapassem dos momentos né. E eu tento... eu acho que<br />

as coisas que eu perdi estão relacionadas as coisas que eu não me conhecia. Não<br />

tenho como dizer uma experiência em si, são várias relações, várias composições<br />

que eu sinto esse sentimento. Talvez não seja isso. Eu tenho essa sensação, e essa<br />

sensação <strong>de</strong> perda é o que me faz ganhar e fazer questão <strong>de</strong> outras coisas hoje.<br />

Relação com pessoas também que eu tinha.... eu precedia muito... eu sempre fui um<br />

cara que gosta <strong>de</strong> respeitar o espaço do outro, então eu tinha dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar<br />

não. Então muitos programas saíram capengas porque eu não tinha condição <strong>de</strong><br />

falar não naquele momento, porque eu não sabia o que o não iria representar.<br />

V - E aí você tava me falando das coisas que te fizeram repensar esse momento seu<br />

agora. Então eu queria te perguntar: o que <strong>de</strong> experiência, <strong>de</strong> vivencia que você<br />

apren<strong>de</strong>u aqui e que você trás pra sua vida <strong>de</strong> hoje? Se eu te falasse assim, o que a<br />

experiência da TV Faesa que acrescentou na sua vida <strong>de</strong> hoje? Haveria algo?<br />

A – Claro. Hoje eu to trabalhando com cinema e espero daqui a algum tempo estar<br />

trabalhando mais, com mais infra-estrutura e qualida<strong>de</strong>, mas principalmente com<br />

mais... sabendo me expressar melhor. E a TV Faesa, antes <strong>de</strong> eu entrar eu achava<br />

que era uma TV com pessoas especializadas, com alunos especializados e que<br />

tinham já um bagagem. E quando eu cheguei aqui eu não tinha um... existia uma<br />

angustia <strong>de</strong> se fazer uma coisa que não tinha referencia. Eu achava que tinha uma<br />

certa <strong>de</strong>sorganização. O que mais levo da TV Faesa é a angústia. É a angústia <strong>de</strong><br />

nunca ter feito... eu fiz um filme agora em que a menina nunca tinha pego numa<br />

câmera e ela fazia um plano seqüência subindo escada, ela é (?) e ela falou<br />

‘André’... e era muito parecida com a angustia que ela tinha <strong>de</strong> todas as pessoas<br />

que chegavam aqui.... a minha angústia <strong>de</strong> falar o quê que é fazer um programa <strong>de</strong><br />

televisão? Eu acho que é a angústia que eu levo. Eu acho que é esse momento em


que eu achava que... essa vonta<strong>de</strong> te ter um segredo que não existe, não há<br />

nenhum segredo. Porque nesse terreno on<strong>de</strong> há um vazio muito gran<strong>de</strong>, eu acho<br />

que é on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ve habitar, eu acho que é isso que eu levo. A TV Faesa, on<strong>de</strong> eu<br />

tive uma experiência muito gran<strong>de</strong> porque ela me fez perceber esse vazio, essa<br />

angustia. E respon<strong>de</strong>ndo essas questões, as outras vão só compondo com essas<br />

questões, ou seja, a partir <strong>de</strong> agora eu sei o que é uma luz, eu sei por que a<br />

necessida<strong>de</strong> da luz, eu sei a necessida<strong>de</strong> da cor, eu sei a necessida<strong>de</strong> do<br />

movimento, da câmera parada, da câmera em movimento. Não porque eu aprendi<br />

tudo aqui na TV Faesa, mas na angustia <strong>de</strong> estar num espaço que precisava ser<br />

habitado começou aqui, não adianta. No primeiro dia que eu cheguei aqui...era até o<br />

Edigar Rebolças, que era meu professor, ele era uma pessoa que tem até um<br />

relatório <strong>de</strong> superfície <strong>de</strong> uma pessoa bem acabada né, ele parece uma pessoa<br />

acabada, não tem nem mais um traço a ser feito ali, era o feito que ele nos dá. E ele<br />

sentava ali e ele perguntava pra gente, tinha sempre um jogo, ele nos apresentou<br />

um jogo... e aí eu ficava assim, ta beleza como é que eu vou... eu só tenho que<br />

seguir né... que é uma gran<strong>de</strong> bobagem, a gente não tem que seguir nada, a gente<br />

só tem que saber se relacionar. E aí eu acho que esse momento que eu estou<br />

agora, é um momento em que essas coisas estão se relacionando o tempo inteiro,<br />

porque quando a pessoa... eu sempre achei que as perguntas que as pessoas<br />

faziam pra mim quando eu era diretor era um agressão, um tipo <strong>de</strong> agressão, ou<br />

seja...‘André, qual vai ser a pauta <strong>de</strong> hoje’? Eu falava: ‘Vocês já discutiram a pauta’.<br />

E a pessoa perguntava ainda ‘quem vai ser o convidado? Como é que eu falo essa<br />

fala?’. Pra mim as pessoas meio que falavam assim, ‘você não está me dirigindo<br />

direito’. Mas não, elas só perguntavam isso porque existia uma gran<strong>de</strong> angústia. Me<br />

relacionar com essa angústia eu só consegui... talvez eu não tenha me relacionado<br />

tão bem aqui, mas quando eu me distanciei daqui, eu sempre me lembro <strong>de</strong> dirigir<br />

um ator ou <strong>de</strong> dirigir um apresentador é você dirigir a angustia <strong>de</strong>le. É você dar a<br />

303<br />

resposta mesmo que seja uma resposta fictícia, mas é você respon<strong>de</strong>r... e ele ta te<br />

perguntando uma outra coisa. Eu aprendi que tem algumas perguntas que não se<br />

fazem, mas tem algumas respostas também que não se dão, né. Então eu acho que<br />

o diretor é um pouco isso e é isso que eu acho que eu aprendi aqui.<br />

V – Bacana. Tem mais alguma coisa que você gostaria <strong>de</strong> falar? Que você lembra<br />

ou acha importante ou não tem nada a ver, mas você gostaria <strong>de</strong> falar mesmo<br />

assim?


A – Sobre isso tudo que você ta falando?<br />

V – É.<br />

A – Não sei....<br />

304<br />

V – Eu queria te fazer uma pergunta, que eu to fazendo pra todas as pessoas que<br />

eu ouço e que eu entrevisto e tal. Ao produzir televisão ou lidar com essa angústia,<br />

você também se produzia outro ou hoje você tem uma dimensão que <strong>de</strong>pois que<br />

você passou por essa experiência você também se produziu outro?<br />

A – Sim porque a gran<strong>de</strong> crise... eu acho que eu ainda to com isso na cabeça<br />

porque eu ainda me sinto muito próximo do primeiro dia que eu entrei no estúdio <strong>de</strong><br />

TV. Eu lembro exatamente o que eu estava pensando, o que passava pelo meu<br />

corpo, as perguntas que eu me fiz e as afirmações que eu tive ‘ah isso que eu<br />

quero’. Mas como querer isso né? E foi a primeira vez que eu tinha entrado num<br />

estúdio <strong>de</strong> TV na vida. Até então eu era só um expectador. E quando eu vi pessoas<br />

falando pra uma câmera e representando pra uma câmera ali começou a minha<br />

gran<strong>de</strong> crise em fazer audiovisual. Porque eu sempre partia, até pela minha<br />

formação cristã e tudo, que as coisas precisavam ter verda<strong>de</strong>, ou seja, isso aqui tem<br />

que ter verda<strong>de</strong>. Como é que uma pessoa fala pra uma câmera e consegue ainda<br />

assim... e esse caminho entre eu me acostumar com isso, começar a lidar com isso<br />

e me acostumar com isso lá na frente eu acho que é o caminho da relativização da<br />

verda<strong>de</strong> porque a partir do momento que você vê a verda<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong> e<br />

sabe o objetivo i<strong>de</strong>ológico da verda<strong>de</strong> e ainda assim cria um outro personagem... ali<br />

é o momento que você começa a criar. Pra criar a gente precisa ser outro porque a<br />

gente precisa criar, expressar aquilo que ninguém mais é. Geralmente o que nos<br />

somos é uma convergência <strong>de</strong> mundos. Pra gente criar é você ser um pouco<br />

analfabeto na sua própria língua. Eu... a minha gran<strong>de</strong> crise, vamos dizer se<br />

existisse uma crise existencial pra televisão é que eu via as pessoas olhando pra<br />

câmera e não conseguia enten<strong>de</strong>r como que elas se relacionavam com aquilo, pra<br />

mim era a mesma coisa que falar com espelho, a mesma coisa que falar com uma<br />

planta e eu nunca fui um cara assim, eu sempre queria criar afetos com as pessoas<br />

que estavam me vendo e elas me respondiam e com essa resposta era um pouco a<br />

mola mestra pra eu continuar afetando a pessoa e na câmera não tem afeto. Se<br />

você falar uma coisa linda ela não vai te respon<strong>de</strong>r com olhar, se você falar uma<br />

coisa banal ela não vai te respon<strong>de</strong>r com olhar. Ela só ta ali te olhando. E <strong>de</strong>pois<br />

que eu comecei a enten<strong>de</strong>r essa <strong>lógica</strong> e vê que o mais importante é você... e até


uma coisa que te faria ser mais eficiente, é você realmente criar o outro, criar uma<br />

outra voz, criar um outro olhar, criar um... eu comecei a conseguir criar. Então criar é<br />

você virar uma coisa falsa e eu acho que é isso. Eu acho que sempre tem que ser<br />

uma outra pessoa. Algumas pessoas acham que tem que criar sentimento... tem que<br />

ter sentimento, tem que emocionar....<br />

FIM DA FITA.<br />

305


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306<br />

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