DNA PAULISTANO - Rede Nossa São Paulo
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<strong>DNA</strong> <strong>PAULISTANO</strong> – NORTE<br />
(Jaçanã, Mandaqui, Santana, Tremembé, Tucuruvi, V.<br />
Guilherme, V. Maria e V. Medeiros)<br />
Henrique Manreza/Folha Imagem<br />
Mulheres caminham em canteiro central da avenida Braz Leme, em Santana<br />
Poluído, ar da zona norte é aprovado por<br />
moradores<br />
Influenciada pela grande quantidade de áreas verdes, população dá nota<br />
6,2 para a qualidade do ar; medição da Cetesb, no entanto, coloca a<br />
região em segundo lugar no ranking da poluição em SP
DISTRITO A DISTRITO<br />
Pesquisa inédita traça o perfil do paulistano<br />
Datafolha faz o mais amplo estudo já realizado sobre o perfil, os<br />
hábitos e a percepção dos moradores dos distritos de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />
MARIANA BARROS<br />
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
Os 1.509 km2 da cidade de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> passam a caber na palma da mão<br />
do leitor. A partir de hoje, aos domingos, a Folha publica o caderno<br />
"<strong>DNA</strong> Paulistano", resultado da maior pesquisa já feita pelo Datafolha<br />
na cidade. O instituto, que completa 25 anos, fez um estudo inédito<br />
sobre a população paulistana e como se vive na metrópole.<br />
De 23 de fevereiro a 21 de julho foram entrevistados 28.389 pessoas<br />
com 16 anos ou mais, equivalente a 0,26% da população adulta de <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong> (Fundação Seade, 2007). Os resultados colhidos nos 96 distritos<br />
da cidade foram agrupados em oito regiões: norte, noroeste, oeste,<br />
centro, leste, extremo leste, sul e extremo sul. Cada uma delas será tema<br />
de um dos cadernos da série e um nono caderno trará um comparativo<br />
entre as regiões.<br />
Esta primeira edição é dedicada à região norte, composta pelos distritos<br />
de Jaçanã, Mandaqui, Santana, Tremembé, Tucuruvi, Vila Guilherme,<br />
Vila Maria e Vila Medeiros. Na região moram cerca de 871 mil pessoas<br />
(Fundação Seade, 2007), o equivalente a 8% da população da cidade.<br />
As entrevistas nessa região foram feitas entre 23 de fevereiro e 5 de<br />
março, com 2.447 pessoas com 16 anos ou mais. A margem de erro é de<br />
dois pontos percentuais para mais ou para menos.<br />
Foi traçado um perfil dos moradores, que também responderam sobre<br />
os principais problemas e qualidades dos distritos onde moram e sobre<br />
seus hábitos cotidianos -se freqüentam cinemas e restaurantes, que tipo<br />
de música ouvem ou para qual time torcem.<br />
Além dos dados da pesquisa, as edições trarão textos de autores<br />
convidados, projetos de arquitetos e urbanistas e ilustrações de grafites<br />
de artistas gráficos urbanos. No próximo domingo, a série tratará da<br />
região sul, composta pelos distritos de Campo Belo, Cursino, Ipiranga,<br />
Jabaquara, Moema, Sacomã, Saúde e Vila Mariana.<br />
O levantamento contou com uma equipe de 114 profissionais, dos quais<br />
65 eram pesquisadores de campo. A pesquisa foi feita por amostragem<br />
com um mínimo de 300 entrevistas por distrito, com sorteio aleatório,<br />
mas que obedece a cotas de sexo e faixa etária baseadas em dados do<br />
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2000, assim<br />
como a ponderação dos dados por distrito e agrupamento de setores<br />
censitários.
Frase<br />
"Perto dos bairros de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, a região é uma das melhores. Não me mudaria daqui por<br />
nada"<br />
Cacilda Rodrigues 78,<br />
aposentada, moradora do Tremembé
QUALIDADE DO AR<br />
Os olhos vêem uma coisa, mas os pulmões sentem outra<br />
Região, que concentra áreas verdes, registra má qualidade do ar<br />
EVANDRO SPINELLI<br />
MARIANA BARROS<br />
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
Na zona norte, os olhos vêem uma coisa, mas os pulmões sentem outra totalmente<br />
diferente. Quase um quinto dos moradores acha que a qualidade do ar na região merece<br />
nota dez, como apontou a pesquisa Datafolha nos distritos de Jaçanã, Tucuruvi, Vila<br />
Maria, Vila Medeiros, Santana, Vila Guilherme, Tremembé e Mandaqui.<br />
Segundo a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), no entanto, a<br />
vegetação do Horto Florestal e da Cantareira não garante que o ar por ali seja mais puro<br />
do que no restante da cidade.<br />
“Morar aqui é um privilégio”, diz o funcionário público José Luiz Cardoso, 62, vizinho<br />
do Horto Florestal. “Não tenho dúvida de que o ar aqui é mais puro. Se saio daqui, sinto<br />
diferença. Meus olhos, por exemplo, ardem”, conta.<br />
“Se estou fora da região, sinto que minha respiração fica mais curta”, afirma Sheilla<br />
Aparecida Saker, 43, advogada. “O ar aqui é úmido, fresco e infinitamente mais puro.”<br />
A avaliação atmosférica é o quesito que apresenta significativa diferença entre a nota<br />
dada na zona norte e a média paulistana _6,2 contra 5. Além disso, na média da cidade,<br />
apenas um em cada dez habitantes acha que o ar merece nota máxima _praticamente<br />
metade do índice obtido na região.<br />
“A qualidade do ar na zona norte não é muito diferente do que ocorre em toda a região<br />
metropolitana”, diz Maria Helena Martins, gerente da divisão de Tecnologia de<br />
Avaliação da Qualidade do Ar da Cetesb.<br />
Em 2006, última medição disponível no Horto Florestal, houve ultrapassagem do<br />
Padrão Nacional de Qualidade do Ar em 18 ocasiões no local, onde a Cetesb tem uma<br />
estação. Foi o segundo pior resultado da cidade, empatado com o parque Ibirapuera,<br />
onde o ar ficou inadequado 18 vezes. O pior local foi Santo Amaro, com 19<br />
ultrapassagens. “Jura? Ave Maria, não pode ser”, diz, arregalando os olhos, o<br />
aposentado Edmilson Assunção, 63, que caminha no Horto Florestal duas vezes por<br />
semana _a poucos metros da estação da Cetesb.<br />
Quem acha que a presença de grandes áreas de vegetação é a solução para a poluição<br />
atmosférica está enganado. Em seu best-seller sobre urbanismo, de 1961, “Morte e Vida<br />
de Grandes Cidades” (Ed. Martins Fontes), a urbanista norte-americana Jane Jacobs já<br />
afirmava que chamar os parques de pulmões da cidade é uma bobagem de ficção<br />
científica.<br />
Segundo ela, são necessários cerca de 12 mil metros quadrados de árvores para absorver<br />
a quantidade de dióxido de carbono que quatro pessoas geram ao respirar, cozinhar e<br />
aquecer a casa. Jacobs afirma que são as correntes de ar, e não os parques, que impedem<br />
que as cidades sufoquem.<br />
Assim, a serra da Cantareira é, ironicamente, uma das causas do problema. Ela forma<br />
uma espécie de barreira que impede a dispersão da poluição, formada pelo excesso de<br />
ozônio e por partículas que se movem com as massas de ar.<br />
Segundo Maria Helena Martins, da Cetesb, o ozônio é o principal problema. Seu<br />
excesso pode provocar tosse seca, cansaço e ardor nos olhos, nariz e garganta e até falta
de ar.<br />
No entanto, se o verde não é garantia de ar puro, é uma boa opção para os momentos de<br />
folga. No Parque Estadual da Cantareira, no Tremembé, é possível fazer caminhadas,<br />
trilhas de mountain bike e entrar em cachoeiras. Vizinho ao parque está o Horto<br />
Florestal, outra opção para caminhadas.<br />
Colaborou TALITA BEDINELLI<br />
Frase<br />
"A qualidade do ar aqui é perfeita. O ar é puro, tem muitas árvores, muita natureza. Pra mim,<br />
isso é o que conta"<br />
Clarice Salete de Souza 45,<br />
desempregada, moradora do Tremembé<br />
DO OUTRO LADO DO MURO<br />
Relação entre vizinhos é boa e dá sensação de<br />
segurança, dizem moradores<br />
Confiança em vizinhos é uma das maiores qualidades da região, segundo<br />
moradores ouvidos por pesquisa do Datafolha<br />
Patricia Stavis/Folha Imagem<br />
As vizinhas Wanda Konem Primo (à esq.) , Malvina Quadros (ao centro) e Gilda Giovanardi, que estão<br />
sempre atentas ao que acontece na Vila Guilherme<br />
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
"Tem a turma das 11h e a das 16h", diz o português Francisco Fernandes, 60, sentado<br />
com seu bigode farto e sobrancelhas negras no banco de concreto da praça Oscar da<br />
Silva, na Vila Guilherme. É lá que ele encontra, todo dia, outros 15 amigos aposentados,
para falar da vizinhança que "não tem preço".<br />
E Chico fala de boca cheia. Quando a mulher sofreu uma parada cardíaca, foi a vizinha<br />
que ligou chamando o resgate.<br />
"Por isso eu poderia ter muito dinheiro, mas não sairia daqui para morar cercado de<br />
muros, sem conhecer ninguém", diz o morador da vila há 33 anos.<br />
Vizinhança e segurança caminham juntas na zona norte.<br />
<strong>São</strong> o terceiro e o segundo indicadores mais apontados pelos moradores como principal<br />
qualidade da região, com 11% e 12%, respectivamente -o primeiro colocado é comércio<br />
e serviços, com 21%.<br />
No entanto, apesar desta percepção positiva, a região não é uma ilha de tranqüilidade. O<br />
tráfico tem forte penetração na zona norte e há indícios de que policiais militares atuem<br />
em grupos de extermínio, principalmente no Tremembé e no Jaçanã -ambos receberam<br />
as piores avaliações sobre segurança, com notas 4,4 e 3,9, respectivamente. A nota<br />
média da região para segurança é 4,6 e a da cidade, 5. Santana (5,6), Mandaqui (5,3) e<br />
Tucuruvi (5,3) tiveram as maiores notas.<br />
Futebol<br />
"A gente mal sai de casa e já cumprimenta todo mundo", retoma Chico, balançando o<br />
chaveirinho da Portuguesa no bolso. Ele garante que o futebol não predomina nas<br />
conversas.<br />
Com um grito, Chico cumprimenta o palmeirense Ary Ungaretti, 54, colega de praça.<br />
Patologista e artista plástico, Ary tem entrevistado os moradores para escrever um livro<br />
de memórias. Mas ele mesmo tem suas histórias. Diz que, quando menino, ganhava<br />
papinha de dona Maria Cândida, mulher do português Guilherme -que deu o nome à<br />
vila, segundo ele.<br />
É caminhando pela rua Maria Cândida com Wanda Konem Primo, 75, que se entende a<br />
noção de vizinhança. Leva cinco minutos para que ela cumprimente quatro senhoras na<br />
padaria, outra em frente à igreja e Malvina Quadros, 79, que conversa com Gilda<br />
Giovanardi, 83, cem metros à frente.<br />
"Ela me chama no muro todo dia para conversa", diz Malvina. As três amigas se<br />
conhecem há mais de 50 anos. "Se eu vou à "cidade", ligo e pergunto se ela precisa de<br />
algo", diz Gilda, que, em troca, não costura sem pedir à amiga. Wanda e as amigas<br />
sabem de tudo na Vila Guilherme. "Mas que não digam que somos fofoqueiras", brinca.<br />
(WILLIAN VIEIRA)<br />
Frase<br />
"O comércio é excelente. Aqui por perto tem de tudo, tá crescendo muito. Acho isso bom<br />
porque não preciso mais ir para a zona sul"<br />
Ana Carolina Azevedo 33,<br />
advogada, moradora do Alto de Santana<br />
COMÉRCIO E SERVIÇOS SÃO ELEITOS PONTO FORTE<br />
Para 21% dos entrevistados, a oferta de supermercados, padarias, farmácias e bancos é a<br />
melhor coisa de se viver na zona norte. O índice é ainda maior na Vila Guilherme (27%)
e na Vila Medeiros (26%), mas cai no Tremembé e na Vila Maria -em ambos, apenas<br />
13% elegeram comércio e serviços como o melhor de onde vivem<br />
Canteiro de avenida em Santana vira área de lazer<br />
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA<br />
Moradores de Santana estão entre os mais satisfeitos da zona norte em relação às áreas<br />
de lazer, segundo a pesquisa Datafolha -20% deram nota dez para o quesito; na média<br />
da região, a nota máxima foi dada por 13%. Moradores de Tucuruvi, Vila Guilherme e<br />
Vila Maria também deram notas acima da média da zona norte para as áreas de lazer.<br />
Os moradores mais insatisfeitos são os do Jaçanã e os do Tremembé.<br />
Todo final de tarde, a dona-de-casa Maria Izabel Iuspa, 63, caminha, alheia ao trânsito<br />
ao redor, em uma pista de cooper construída no meio do canteiro central da avenida<br />
Braz Leme, uma das principais vias da região. "Venho sempre", diz.<br />
A pista por onde ela caminha foi construída por meio de uma parceria entre a Prefeitura<br />
de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e empresas, que cresceu no último ano impulsionada pela Lei Cidade<br />
Limpa.<br />
No acordo, as empresas cuidam da área e, em troca, podem colocar placas<br />
promocionais, com nome e endereço de site. Segundo a Subprefeitura de<br />
Santana/Tucuruvi, de agosto do ano passado até março deste ano, 52 pedidos de<br />
parceria foram feitos por entidades privadas -o mesmo número dos últimos três anos<br />
somados.<br />
Para Alexandra Gomes, dona de uma empresa que adotou um canteiro verde, a<br />
iniciativa tem tido um efeito positivo não apenas para o setor privado. "As pessoas nos<br />
ligam e avisam se algo foi danificado", conta.<br />
A participação da população cresceu também no parque da Juventude -antigo Carandiru.<br />
O estigma de ex-presídio passou a pesar menos para os visitantes. "Ficava com receio<br />
de vir, achava que tinha muita energia negativa", diz a dona-de-casa Edna Maria<br />
Koizume, 52, freqüentadora do parque.<br />
Em 2007, o número de visitantes aumentou 98%, em comparação com 2006, segundo<br />
dados fornecidos pela administração do parque. (TB)<br />
MEDO DO ESCURO<br />
Falta de luz e buracos nas ruas são considerados o pior<br />
da região<br />
Escuridão é a maior queixa de moradores de Vila Maria, Mandaqui e Santana;<br />
lojistas fecham as portas antes que o sol se ponha<br />
JOÃO PEQUENO
TALITA BEDINELLI<br />
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA<br />
Problemas com rede elétrica e calçamento encabeçam a lista de queixas da zona norte,<br />
com 12% de reclamações cada um. A falta de luz afeta principalmente a Vila Maria<br />
(18%), Mandaqui (14%) e Santana (13%).<br />
Na avenida das Cerejeiras, na Vila Maria, Mariza dos Santos, 41, e Eliane Aparecida do<br />
Nascimento, 36, contam que desde abril vinham fechando antes das 18h30 o brechó que<br />
haviam aberto um mês antes, por medo de assaltos, já que a iluminação pública<br />
demorava a ligar. Há menos de duas semanas, Eliane foi assaltada quase em frente ao<br />
brechó, por volta das 20h.<br />
Na última segunda-feira, porém, as luzes funcionavam normalmente por volta das<br />
18h30, indicando que o defeito no relé -dispositivo que liga automaticamente as<br />
lâmpadas quando escurece- fora corrigido pelo Ilume (Departamento de Iluminação<br />
Pública).<br />
As comerciantes, porém, afirmam que a iluminação é irregular. "Tem dias em que<br />
funciona; outros, não", diz Mariza. Para Eliane a situação tem piorado por falta de<br />
policiamento. Na Vila Maria, 59% dos moradores dizem evitar certas ruas depois que<br />
escurece. O campeão neste quesito é o Jaçanã, onde 70% evitam algumas vias.<br />
Segundo o Ilume, defeitos em relés são exceção às principais causas de falta de<br />
iluminação, que são fios velhos e furtos de cabos, cuja maior incidência está na zona<br />
norte, com 24% dos 160 km de fios furtados, em média, por mês em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
Mandaqui<br />
Na Vila Guacá, a cada dois meses as ruas ficam sem luz, segundo os moradores. No<br />
Jardim Calu, as luzes dos postes da rua Almirante José Saldanha da Gama queimaram<br />
há mais de seis meses e ainda não foram trocadas. Na Vila Aurora, em uma caminhada<br />
noturna, pode-se ver ruas escuras. Além da falta de iluminação, os três bairros têm outra<br />
coisa em comum: ficam no distrito do Mandaqui, onde 63% dos moradores afirmam<br />
evitam certas ruas à noite.<br />
"Ontem mesmo aqui estava escuro. Às 18h, fecho meu salão e evito sair de casa", conta<br />
a cabeleireira Neide Nunes da Costa, 45, da Vila Guacá.<br />
De acordo com o Ilume, a falta de luz no Mandaqui acontece porque a iluminação da<br />
região é feita com lâmpadas de vapor de mercúrio, que são antigas. A alternativa,<br />
segundo o órgão, seria trocá-las pelas de vapor de sódio, mais resistentes.<br />
A substituição, de acordo com o Ilume, foi interrompida porque a Prefeitura de <strong>São</strong><br />
<strong>Paulo</strong> e o governo federal, responsável pelo programa de substituição, o Reluz,<br />
chegaram a um impasse jurídico. Segundo o órgão, não há previsão de retomar o<br />
trabalho.<br />
Frase<br />
"O trânsito daqui é complicado. Piorou muito porque vieram muitos colégios e restaurantes<br />
para cá. Eu já tive um acidente na esquina da minha casa. Na hora do rush, eu evito sair"<br />
Fernando Barreto 64,<br />
empresário, morador da Vila Santana
CALÇADAS RUINS ESTÃO NO PÓDIO DAS QUEIXAS<br />
As calçadas são o principal motivo de dor de cabeça dos moradores do Jaçanã (18%), do<br />
Tremembé (16%) e do Tucuruvi (15%). A média dos moradores da zona norte que<br />
reclamam do calçamento empata com a dos que se queixam de falta de energia elétrica,<br />
12%<br />
Fuga do trânsito por ruas pequenas causa acidentes<br />
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA<br />
O trânsito foi mal avaliado por moradores de todos os distritos da zona norte, recebendo<br />
11% dos votos como o pior problema, logo atrás das reclamações sobre calçadas e falta<br />
de luz. Em alguns distritos, os congestionamentos foram a principal queixa dos<br />
moradores, como em Santana (20%) e Vila Guilherme (17%), que registraram quase o<br />
dobro do índice médio da cidade, de 10%.<br />
Para fugir do trânsito, motoristas têm utilizado ruas paralelas a grandes avenidas como<br />
rotas alternativas, o que vem provocando atropelamentos.<br />
"Começa por volta das 18h. Outro dia, minha filha estacionou do outro lado da rua e,<br />
quando abriu a porta do carro para sair, veio um e quase a atropelou. Eles passam<br />
correndo", diz Esteh Ventoso Alves, 70, apontando para uma placa que indica<br />
velocidade máxima permitida de 20 km/h.<br />
A aposentada mora na rua Tenente Rocha, uma via paralela à avenida Braz Leme. De<br />
acordo com relatos de vizinhos, são muitos os casos de acidentes nas ruas próximas -<br />
todas usadas como rotas de fuga para o trânsito.<br />
"Uma vez, um carro atropelou e matou uma moça na esquina", conta o aposentado<br />
Melquizes Alves Pereira, 78.<br />
Para Jaime Waisman, professor da USP especialista em transportes, a tendência de<br />
acidentes é maior nessas rotas alternativas. "O motorista sai de uma via importante,<br />
parada, e vai para outra que está livre. Ele tende a desenvolver uma velocidade maior. E<br />
esta via, provavelmente residencial, pode não estar bem sinalizada e iluminada. Isso<br />
pode elevar o número de atropelamentos."<br />
Dados da Secretaria Municipal de Saúde mostram que o número de óbitos de pedestres<br />
por atropelamento na Subprefeitura de Santana foi de 15, em 2001, para 27, em 2006.<br />
Em 2007, porém, 12 mortes foram registradas. (TB)<br />
PERFIL EM NÚMEROS
PERFIL DO MORADOR<br />
Fiel ao bairro, carteiro não troca Vila Maria por nada<br />
Levil, que percorre a pé dois quilômetros da zona norte entregando cartas, atribui<br />
à "santa água da Cantareira" sua saúde de ferro<br />
Marlene Bergamo/Folha Imagem<br />
Levil Xavier Augusto, da velha-guarda da Unidos de Vila Maria<br />
WILLIAN VIEIRA<br />
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
Não há placa indicando, mas quem conhece a zona norte sabe que ali ficam as "cinco<br />
esquinas", em frente à padaria do português. Que o diga Levil Xavier Augusto, 59. Com<br />
os óculos pendurados no peito encimando a barriga de cerveja, os cabelos brancos sob o<br />
boné azul e o uniforme amarelo sem amassos, o "carteiro mais antigo da Vila Maria"<br />
ainda sobe e desce essas ruas, todo santo dia.<br />
E ai dos que reclamam de quem faz coro com os 77% dos moradores da zona norte que,<br />
como ele, "jamais trocariam de bairro", graças ao ar, transporte e lazer. "Meu bairro é a<br />
Vila Maria. Daqui só saio para a Vila Formosa", diz Levil, com uma gargalhada que<br />
sacode os óculos. Vila Formosa é o cemitério mais perto, para onde ele está certo de ir<br />
só "lá no futuro".<br />
Com ônibus cuspindo fumaça, a vila não é exemplo de harmonia ambiental. Mas Levil<br />
confia na "água santa da Cantareira" para explicar sua saúde -além de caminhar todos os<br />
dias os 2 km entregando cartas.<br />
"Em 30 anos, foram 12 faltas, [todas] abonadas; 12 óbitos na família", diz Levil,
orgulhoso dos dois salários, o da ativa e a aposentadoria. E olha que nunca faltou tempo<br />
para a escola de samba Unidos de Vila Maria, da qual foi vice-presidente e hoje preside<br />
a velha-guarda.<br />
É entre os sábados de samba na padaria que passa seus quase 60 anos. Eles começaram<br />
em 20 de fevereiro de 1949, "lindo domingo de Carnaval", pelas mãos de Conchetta,<br />
parteira do bairro. Foi no número 74 da antiga rua 77, hoje rua Estevão Mélio. O nome<br />
vem da Bíblia.<br />
"Mas meu pai era gago e não sabia ler, então Levy virou Levil", diz. Aos nove brincava<br />
nos Carnavais dos anos 1950. "O samba era marginal. Quando a polícia chegava<br />
batendo, eu saía pegando os instrumentos."<br />
Isso no tempo em que os vizinhos se chamavam pelo nome do pai -lá ia o filho do<br />
Pavão, lá vinha a filha do Valdemar-, em que as ruas de barro existiam para as peladas.<br />
E o ponta-direita Levil chegou a jogar em Santa Catarina, no Palmeiras de Blumenau.<br />
Mas aí veio a carta da mãe, falando que as coisas não iam bem. "Decidi voltar."<br />
A Vila e a vida<br />
Quando conheceu a morena Fátima, 13, ele passava dos 23. O primeiro olhar foi na<br />
festa de são Lázaro. "Falei: "Menina bonita, vou [me] casar com você"." E lá se vão 30<br />
anos. Deixou a bola e virou "agente postal".<br />
Hoje vive com Fátima, três filhos e o neto, na casa de oito cômodos em reforma. Aceso<br />
na sala, 24 horas, fica o altar com imagens de santos de plástico junto com santa<br />
Edivirges, padroeira dos endividados. A ela Levil acende velas na segunda quinta-feira<br />
do mês na igreja <strong>Nossa</strong> Senhora dos Homens Pretos, no centro. Mas é na igreja da<br />
Candelária, ali na Vila Maria, onde foi batizado, se casou, batizou os filhos e aonde vai<br />
à missa todos os domingos.<br />
Não é de viajar, o carteiro da vila. Restaurante, só vez ou outra. Cinema, nem se fala.<br />
Levil senta no sofá branco da sala com autoridade de patriarca. Bastam dois chamados<br />
para a filha preparar o almoço e a irmã vir ajudá-lo com o passado.<br />
De uma pasta preta, Levil tira a foto amarelada do pai, lavrador de café em Minas<br />
Gerais, que veio com a família para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> -quando o ônibus estacionou na rua<br />
Canhoeira Mearim, mais de 40 pessoas desceram sem saber para onde ir. Descobriram<br />
que a Companhia Paulista de Terrenos S.A. vendia lotes no bairro e ali ficaram.<br />
Logo um corintiano roxo, o pai teve azar com três dos sete filhos. Com Levil foi em<br />
1959, quando foram assistir a <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e Corinthians, para trazer o garoto para o<br />
timão.<br />
"Mas não tive culpa", diz Levil. O placar foi de 3 a 1 para o <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. "Virei sãopaulino",<br />
diz o carteiro da Vila Maria.<br />
Frases<br />
"Tem final de semana que colocamos cadeiras na rua e ficamos conversando"<br />
Paula Ilza Rodrigues de Oliveira Santana, 20,<br />
estudante, moradora do Jaçanã<br />
"A vizinhança é ótima. Todo mundo se dá como família. Minha vizinha tem a chave da<br />
minha casa e eu tenho a chave da casa dela"<br />
Rubens dos Santos, 73,<br />
aposentado, morador da Vila Maria
DIVERSÃO<br />
Vila Guilherme tem sessão de cinema no meio da praça<br />
Às sextas e aos sábados, filmes em DVD são projetados em tela a céu aberto;<br />
projeto foi iniciado há três anos por sargento da PM<br />
JOÃO PEQUENO<br />
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA<br />
Há três anos, a praça Oscar da Silva, na Vila Guilherme, se transforma em espaço de<br />
cinema ao ar livre. A sessões, às sextas e aos sábados, começam quando escurece e o<br />
projetor começa a reproduzir um filme em uma tela presa por cabos a duas árvores.<br />
"A Era do Gelo 2" (EUA, 2006), aclamada pelas crianças, já foi uma das atrações. As<br />
sextas-feiras são delas, e os sábados, dos adultos, mas nem tanto -como o "cinema" é<br />
aberto, os filmes têm de ser de classificação livre. Os títulos, em DVD, são resultado de<br />
uma parceria com uma locadora.<br />
Jonatas Otero Braz, 8, chega de bicicleta, salta e abraça o sargento da Polícia Militar<br />
Luis Carlos Pereira. O posto da PM na praça não dá apenas segurança. Ali foram<br />
idealizadas as sessões, por iniciativa de Pereira, que, em 2005, decidiu reviver a<br />
experiência da infância em Catanduva (384 km de SP), onde um vizinho cinegrafista<br />
projetava filmes no quintal.<br />
Cauê Cavalcanti, 8, e Ricardo da Silva, 7, discordam sobre qual a melhor sessão que<br />
viram na praça. " "A Família do Futuro'!", grita o primeiro. "Ah, e "Transformers'",<br />
responde prontamente o amigo.<br />
No escorregador, Larissa, 5, dá umas olhadas na tela, mas sua mãe, a costureira<br />
Luzelina de Souza, 47, é quem presta mesmo atenção. "Trago ela, mas eu que acabo<br />
vendo", conta, rindo.<br />
Apesar de o sargento Pereira ter se mudado para Holambra (120 km de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>), onde<br />
pretende fazer o mesmo projeto, as sessões na Vila Guilherme continuam.<br />
Atual responsável, o sargento Adilson de Almeida reconhece a importância do trabalho.<br />
"Como pudemos reprimir mais os crimes como assaltos e tráfico, o ganho acabou<br />
retornando às pessoas, em maior segurança."<br />
Segundo Pereira, a ação ajuda ainda a aproximar a polícia dos moradores -de acordo<br />
com o sargento, depois que as sessões começaram, eles passaram a receber mais<br />
denúncias.<br />
Frase<br />
"Gosto de ir ao parque da Juventude, porque é um lugar onde posso ficar sossegada<br />
enquanto meu irmão brinca"<br />
Juliana Aparecida Barbosa 19,<br />
estudante de enfermagem, moradora do Jaçanã
Linha do "Trem das Onze" tem museu no Jaçanã<br />
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA<br />
Desativada desde 1965, a ferrovia da Cantareira, que inspirou a música "Trem das<br />
Onze", de Adoniran Barbosa -cuja letra dizia "minha mãe não dorme enquanto eu não<br />
chegar"-, está coberta por asfalto e construções. Um pequeno trecho dos trilhos é<br />
guardado pelo aposentado Sylvio Bittencourt, 77, no Museu do Jaçanã (rua <strong>São</strong> Luiz<br />
Gonzaga, 30, tel.: 2241-4286).<br />
O local é improvisado em um galpão próximo àquele onde ficava a estação. Bittencourt<br />
fundou em 1983 o museu, onde expõe antigas lanternas, uniformes de maquinistas e<br />
fotos de atores que filmavam na Cinematográfica Maristela -entre eles, o próprio<br />
Adoniran, que participou de "Carnaval em La Maior" (1955) e "Pensão de Dona Stela"<br />
(1956).<br />
O relato de um trem que passaria às onze da noite para o Jaçanã tem horário aproximado<br />
e não exato. A única partida próxima ocorria na Vila Mazzei, às 22h59 -mesmo assim,<br />
somente aos domingos e nos feriados. Nos dias úteis, a última composição passava às<br />
21h45.<br />
Fora dos horários marcados, as partidas só se davam em ocasiões especiais, como<br />
ocorreu com Antonio de Castro, 80. Maquinista na década de 50, ele precisou levar<br />
Jânio Quadros, então governador do Estado (1955-1959), ao Horto Florestal, em outra<br />
linha da ferrovia. "Ele quis passear e eu era o único de plantão. Na hora de voltar, o<br />
trem, a diesel, não ligava e, acostumado com o movido a vapor, tive que aprender a<br />
resolver na hora, senão imagina", afirma o ex-maquinista. (JP)<br />
NORTE EM NÚMEROS<br />
Metrô é transporte menos usado em região que tem<br />
seis estações<br />
Apenas 12% dos habitantes da zona norte dizem ir de metrô ao trabalho; maioria opta<br />
por ir de ônibus (37%), ou caminhar (37%)
ORIGENS<br />
Saudades de lugares que eu não conheci<br />
Alguém de dentro do trem gritava para o maquinista "Pára! Pááára para o<br />
inglês!". O lugar ficou conhecido como a parada do inglês<br />
ROGÉRIO NUNES<br />
ESPECIAL PARA A FOLHA<br />
Tietê, era intenso o tráfego de pessoas, carroças, carros e bondes. Na beira do rio, alguns<br />
caboclos com linha e anzol fisgavam carás, lambaris e taraíras.<br />
Remadores se afastavam do Club Esperia, com seus barquinhos de regatas. Na outra<br />
margem, a algazarra das lavadeiras, rindo alto e rinhando com as crianças. Era<br />
admirável a brancura dos lençóis que quaravam na relva, em contraste com a água suja<br />
que a fábrica de papelão despejava dentro do rio.<br />
Mais adiante, dezenas de trabalhadores construíam uma ponte sobre o nada! Era a futura<br />
ponte das Bandeiras. Somente depois de concluída a obra é que o Tietê foi passar por<br />
debaixo dela, com a retificação de seu curso. Era o progresso... O ano era 1941, ou 42?<br />
A extensa faixa desabitada e alagadiça por onde o Tietê corria, sinuoso, era a fronteira<br />
entre dois mundos: de um lado a cidade, pulsante e próspera e, do outro, os bairros<br />
pobres, semi-rurais. Os reflexos do isolamento são sentidos até hoje, no brio das<br />
famílias que, tradicionalíssimas e um pouco antiquadas, são orgulhosas por habitarem,<br />
durante gerações, o mesmo bairro, a mesma rua, a mesma casa.<br />
O bonde seguia pela Voluntários da Pátria que, com seu comércio, já era o coração do<br />
bairro. O final da linha do bonde cruzava os trilhos do trem da Cantareira. Não<br />
demorava para o trem aparecer, sofrendo com a subida antes da estação Sant’Anna<br />
(naquele tempo, se escrevia assim). Uns desciam, outros subiam nos vagões de madeira<br />
lotados. Todos com roupas chamuscadas por fagulhas.<br />
Depois o trem subia a rua Alfredo Pujoll, soltando uma fumaça escura. Parava no<br />
quartel da Tropa Federal, hoje quartel do CPOR, onde um dia existiu a sede da fazenda<br />
Sant’Anna. O velho quartel, com as instalações da aeronáutica no Campo de Marte, a<br />
Academia do Barro Branco, o Decap e vários batalhões militares e delegacias, legaram<br />
à zona norte um viés militarista, inclinado à direita, perceptível nas conversas de boteco<br />
ou entre um pingado e outro nos balcões das padarias.<br />
O trem seguia serpenteando por entre morros, parando em estações incrustadas numa<br />
paisagem semi-rural, até chegar na Serra da Cantareira, onde a “italianada” do Brás ia<br />
fazer piqueniques aos domingos.<br />
A Cantareira e o seu parque foram um obstáculo natural ao crescimento ao norte.<br />
Enquanto a faixa urbana se estende de 35 km a 40 km a partir do centro, o Tremembé,<br />
no pé da Cantareira, está a somente 15 km da Praça da Sé, e ainda mantém ares de<br />
cidade do interior.<br />
Colonizado por imigrantes alemães, holandeses, poloneses e russos, o bairro foi muito<br />
fotografado e documentado pelas famílias que foram para lá, mais ricas e<br />
intelectualizadas. Suas construções, também mais sofisticadas, hoje atraem a cobiça<br />
imobiliária. Dizem até que o Josef Mengele morou lá.<br />
O outro ramal do trem da Cantareira, o de Guarulhos, era talvez menos romântico.<br />
Servia com freqüência ao Sanatório de Lázaros Padre Bento e ao antigo Hospital <strong>São</strong><br />
Luis Gonzaga, na baixada do Guapyra.<br />
Essa região, segundo alguns, ficou tão associada à doença de Hansen que lhe mudaram
o nome para Jaçanã. Lá ficavam também os estúdios da Cinematográfica Maristela,<br />
onde Adoniran Barbosa atuou no filme “A Pensão da Dona Stella”. Para chegar lá,<br />
Adoniran ia de trem, rotina que teria inspirado a canção “Trem das Onze”.<br />
Ainda sobre os trilhos da Cantareira, o trem contornava a mansão de William Harding,<br />
o inglês que loteou aquela região, em 1903. Originalmente, ele batizara o loteamento de<br />
Villa Harding, mas o nome, que ainda figura nas escrituras mais antigas, não pegou.<br />
Ficou Tucuruvi, corruptela de Itaguarovy, taquara verde em tupi, segundo alguns.<br />
Mas Harding contribuiu de outra forma na criação dos nomes do bairro. Quando a<br />
região era uma grande pastagem, e o transporte, feito por carroças ou cavalos, o trem era<br />
um luxo de que o inglês não abria mão.<br />
Antes da inauguração das estações do trem da Cantareira, Harding se punha ao lado da<br />
linha e, quando o trem aparecia, acenava com vigor. Alguém de dentro do trem gritava<br />
para o maquinista “Pára! Pááára para o inglês!”. Com o tempo, o lugar ficou conhecido<br />
como a parada do inglês. Em 1927, foi construída no local a estação Parada Ingleza<br />
(com z), que deu nome ao bairro que, por sua vez, deu o nome à estação de metrô, na<br />
avenida Luis Dumont Villares _que, apesar de existir há quase 30 anos, ainda é<br />
chamada de avenida Nova.<br />
Eu sou um saudosista. Sinto saudades de lugares que não conheci e de pessoas que<br />
nunca encontrarei. Este meu passeio foi roubado da memória de dezenas de velhinhos<br />
com quem conversei, ao longo dos anos. No entanto, como depositário da lembrança<br />
alheia, eu ainda correria até a avenida Tiradentes, onde o Bonde 42, do famoso<br />
motorneiro chamado Bailarino, me levaria para sei lá onde, qualquer direção da<br />
paulicéia que eu não conheci.<br />
ROGÉRIO NUNES é diretor do curta "Lembranças do Trem das Onze"<br />
Frase<br />
"Antigamente aqui não tinha luz, não tinha asfalto e tinha muito mato. Mas era mais<br />
tranqüilo"<br />
Eliana Aparecida Correa 51,<br />
operadora de caixa, moradora do Parque Novo Mundo, na Vila Maria<br />
Retificação do Tietê previa construção de piscinões<br />
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
Por muito tempo o rio Tietê foi o limite ao norte de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. No entanto, as mesmas<br />
águas responsáveis por isolar a região do centro da cidade também serviam como ponto<br />
de encontro dos paulistanos.<br />
Palco de namoros, piqueniques e competições esportivas -natação, remo e pólo<br />
aquático-, era às margens do rio que moradores e associados de clubes tradicionais,<br />
como o Esperia e o Tietê, se reuniam.<br />
Quem se instalava do outro lado do rio, no entanto, tinha como único acesso ao centro<br />
uma precária ponte de madeira, sempre danificada pelas cheias. Batizada de Ponte<br />
Grande, ela ficava no final da atual avenida Tiradentes -seria uma virtual ligação desta<br />
com a Voluntários da Pátria, do outro lado. Foi derrubada na década de 40 e substituída
pela atual ponte das Bandeiras.<br />
Santana, fazenda que foi doada aos jesuítas, é o mais antigo núcleo urbano da zona<br />
norte. Virou bairro de classe média em 1950, depois da retificação do curso do Tietê<br />
para diminuir os danos das inundações.<br />
A proposta de retificação do Tietê era antiga, mas as obras só começaram com Prestes<br />
Maia na prefeitura. O rio diminuiu em cerca de 20 km, o que fez com que sua<br />
velocidade e seu volume aumentassem.<br />
O projeto previa que as águas fossem contidas por dois piscinões, nunca construídos -<br />
assim, o problema das enchentes nunca foi resolvido.<br />
As enchentes atingiam principalmente a Vila Maria, que se desenvolveu na várzea do<br />
rio Tietê. Em uma das piores inundações, em 1929, o bairro ficou isolado por dois<br />
meses -o único acesso era por canoas.<br />
Pistas foram então improvisadas às margens, mas, só nas décadas de 60 e 70, é que a<br />
construção da marginal se consolidou, facilitando o acesso à zona norte e pondo fim à<br />
época do rio como local de lazer.<br />
A urbanização foi acelerada a partir da década de 80, quando a região tomou a cara de<br />
hoje. "Equipamentos públicos de grande porte aterrissaram na região como "ovnis'",<br />
brinca o arquiteto Guilherme Wisnik, ao citar as enormes construções da região: o<br />
Center Norte, o Anhembi, a antiga Casa de Detenção e o Campo de Marte.<br />
Para Wisnik, a zona norte segue o modelo dos subúrbios nos EUA, com grandes<br />
edificações de beira de estrada a que só se chega de carro.<br />
Wisnik salienta ainda a convivência deste mundo de grande porte com o ar de cidade do<br />
interior presente nos bairros da região, cheios de sobrados, pequenas casas e ruas<br />
estreitas. "Se você está imerso no bairro, tem uma sensação bucólica, mas isso é<br />
atravessado por uma infra-estrutura pesada. Há um convívio abrupto dessas duas<br />
realidades", diz. (MB)<br />
CIDADE DOS SONHOS<br />
Arquiteta propõe ir de gôndola ao Anhembi pelo Tietê<br />
No projeto de professora do Mackenzie, as ruas da área onde se juntam os rios<br />
Tietê e Tamanduateí viram canais navegáveis<br />
Jubran
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
No futuro projetado pela arquiteta Anne Marie Sumner, andar de gôndola é um passeio<br />
romântico para se fazer em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> -e em pleno rio Tietê.<br />
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie e coordenadora<br />
do Escritório Experimental de Projetos da faculdade vislumbrou a transformação de<br />
ruas próximas à confluência dos rios Tietê e Tamanduateí em canais navegáveis.<br />
O projeto foi apresentado em 2004, fruto de uma parceria com o arquiteto Hector<br />
Vigliecca e a CNEC Engenharia por causa da operação urbana Vila Maria-Campo de<br />
Marte, da prefeitura.<br />
Sem previsão de sair do papel, o projeto visa aproveitar o fluxo das feiras do Anhembi e<br />
fazer do entorno uma área de convivência, submergindo ruas para criar uma área que ela<br />
apelidou de "mini Veneza".<br />
Um grande lago enfeitaria o horizonte dos ocupantes de um complexo de edifícios<br />
residenciais e comerciais, que também seria erguido no local.<br />
"É preciso fazer como na avenida Paulista, que tem de tudo. Isso dá vida ao lugar", diz<br />
Anne Marie. "O caráter metropolitano dessa região, impulsionado pelas feiras nacionais<br />
e internacionais que já acontecem [no Anhembi], seria potencializado". afirma a<br />
arquiteta.<br />
O projeto também se propõe em ajudar a resolver o problema das enchentes. "O ideal é<br />
ter parques lineares ao longo dos rios. No verão, o rio alarga suas margens e, no<br />
inverno, estreita. É uma visão de drenagem".<br />
Operação urbana<br />
Transformar vias em um "pedaço de Veneza" pode nem parecer tão impossível, se<br />
considerarmos que, perto dali, um presídio deu lugar a um parque.<br />
Depois que foi desativada, em 2002, a Casa de Detenção Carandiru virou Parque da<br />
Juventude, fazendo com que a área se valorizasse.<br />
"A zona norte tem grandes terrenos a preços mais acessíveis", diz a arquiteta Andrea<br />
Canaverde, autora de uma tese de mestrado defendida na FAU-USP sobre a zona norte.<br />
Ela afirma que, atualmente, área mais próxima ao Tietê está dominada por<br />
empreendimentos comerciais, como o Cidade Center Norte, que é composto por dois<br />
shoppings, um centro de exposições e um hotel. O conjunto que pode ganhar ainda uma<br />
casa de espetáculos. "Depois do shopping Center Norte que as pessoas passaram a<br />
conhecer a região", diz ela. Além do shopping, o Terminal Rodoviário Tietê e obras da<br />
linha azul do metrô também marcaram o desenvolvimento da região na década de 80.<br />
Nos anos, 90 surgiram a Uniban (Universidade Bandeirantes), seguida por Unip<br />
(Universidade Paulista) e Uni Sant'Anna (Centro Universitário Sant'Anna ), e o Parque<br />
Anhembi, que anos depois, com a Arena Skol, tornou-se um dos principais locais da<br />
cidade para shows a céu aberto. Ainda assim, se manteve forte o caráter residencial da<br />
região.<br />
Para especialistas, a operação Vila Maria e a implantação de uma nova linha de metrô<br />
podem contribuir para o desenvolvimento da zona norte. (MARIANA BARROS)<br />
Frase<br />
"O curso do Tietê foi retificado e paga-se um preço por isso. Agora estamos em um processo
inverso, de criar áreas permeáveis, de dar ao rio um pouco do que ele era antigamente"<br />
Anne Marie Sumner<br />
arquiteta<br />
Zezão é artista convidado desta edição<br />
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA<br />
Foi a vontade de "marcar território" e influenciar o visual das redondezas que levou José<br />
Augusto Amaro Capela, ou simplesmente Zezão, a escolher os muros da Vila<br />
Guilherme, onde vivia, e da avenida Luiz Dumont Villares, no Tucuruvi, para fazer seus<br />
primeiros grafites, em 1995. <strong>São</strong> suas as ilustrações desta edição.<br />
Após machucar o joelho e parar de andar de skate, ele passou a investir na arte gráfica.<br />
Hoje, aos 36 anos, com grafites em muros e galerias subterrâneas na Inglaterra em seu<br />
currículo, Zezão permanece na zona norte, que define como um lugar "bom para se<br />
viver, residencial e bem cuidado".<br />
Vivendo na Serra da Cantareira, em uma casa "onde dá para ter mais qualidade de vida,<br />
com ar puro e ajeitar os 11 cachorros e mais de 20 gatos" que cria, ele lamenta não ver<br />
mais suas obras em locais como a avenida Luiz Dumont Villares, justamente onde tudo<br />
começou. "Hoje, eu passo e vejo os muros acinzentados. Acho que estava fazendo bem<br />
para o bairro, colorindo-o. Falta compreensão com a arte." (JP)<br />
Região pode ganhar mais duas linhas do metrô<br />
DA REPORTAGEM LOCAL<br />
Duas novas linhas de metrô estão projetadas para a zona norte. No mundo ideal, elas<br />
seriam construídas de 2012 a 2025 e beneficiariam a Vila Guilherme e a Vila Maria.<br />
As duas linhas fazem parte do Pitu (Plano Integrado de Transporte Urbano), elaborado<br />
em 1999 pela Secretaria de Transportes Metropolitanos e que projeta uma malha<br />
metroviária de 163,3 km para a cidade, contra os 60,2 km atuais.<br />
O Metrô não confirma se fará mesmo as duas novas linhas e nem quando isso vai<br />
acontecer. O atual governo termina em 2010 e, no mínimo, o projeto ficaria para a<br />
próxima gestão.<br />
A linha que passaria pela Vila Guilherme está projetada para ligar a zona oeste -estação<br />
Corifeu-, passando pela USP, Lapa, Freguesia do Ó, Casa Verde, Anhembi, Catumbi à<br />
estação Bresser-Mooca (linha 3-vermelha, zona leste).<br />
A outra linha teria estação terminal na Vila Maria e iria até a estação <strong>São</strong> Judas,<br />
percorrendo centro, Jardim Paulista, Assembléia Legislativa e Campo Belo, com<br />
passagem pelo aeroporto de Congonhas.<br />
A linha Corifeu-Bresser está projetada para ter 19,9 km e a Vila Maria-<strong>São</strong> Judas, 20<br />
km. (EVANDRO SPINELLI)<br />
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