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historia do brazil.

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HISTORIA DO BRASIL<br />

DESDE A SUA DESCUBERTA ATE' 1810,<br />

A QUAL CONTE'M ^ J / -JJ<br />

A oWgem da Monarchia Portuguesa ; o<br />

qiiidro <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus Reis , das<br />

conquistas <strong>do</strong>s Portuguezes na Africa , e<br />

na índia ; a descuberta , e descripção <strong>do</strong><br />

Brasil ; o numero , posição , e costumes<br />

das povoações Brasileiras ; a origem , e<br />

os progressos <strong>do</strong>s estabelecimentos Portuguezes<br />

; o quadro das guerras successivas<br />

tanto <strong>do</strong>s naturaes com os Portuguezes<br />

, corrtp destes cqtn differentes<br />

nações da Europa , que procurarão estabelecer-se<br />

no Brasil; ém fim a <strong>historia</strong><br />

civil, politica , e commercial , as revoluções<br />

, e o esta<strong>do</strong> actual deste vasto paiz :<br />

ESCRIPTA EM FRANCEZ<br />

P O K<br />

MR. AFFONSO D E BEAUCHAMP»<br />

E TRADUZIDA EM PORTUGUEZ<br />

PELO<br />

PADRE IGNACIO FELIZARDO FORTES J<br />

Professor de Lingva Latina , e natural <strong>do</strong><br />

Jiio de Janeiro.<br />

Rio DE JANEIRO, NA IMPRESSAM REGIA.<br />

1818.<br />

Com Licença da Mesa <strong>do</strong> Dosembargo<br />

<strong>do</strong> Paço,


III<br />

PREFACIO DO AUTHOR.,<br />

S expedições marítimas, e<br />

a <strong>historia</strong> <strong>do</strong> estabelecimentos <strong>do</strong>s<br />

Portuguezes na índia excitao a<br />

lembrança da sua gloria antiga;<br />

mas este grande , e bello episodio<br />

<strong>do</strong>s seus annaes põem também<br />

diante <strong>do</strong>s olhos o triste quadro<br />

da deeadencia <strong>do</strong> seu poder , e da<br />

sua Monarchie. Hum interesse o<br />

mais vivo acompanha a <strong>historia</strong><br />

das vicissitudes, e <strong>do</strong>s progressos<br />

<strong>do</strong>s seus estabelecimentos no Brasil<br />

, da fundação, e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

prodigioso deste novo<<br />

império <strong>do</strong> hemisferio austral ,<br />

hoje a Côrre da Potencia Portugueza<br />

resuscitada, e o centro <strong>do</strong>


IV<br />

seu commercio, e das suas rique- /<br />

Nenhuma possessão <strong>do</strong> , 7 zas,<br />

0<br />

Mun<strong>do</strong> tem si<strong>do</strong> por tanto tempo<br />

, nem tantas veies dispíatada<br />

não só pelos naturaes, mas até<br />

por nações formidáveis da Europa,<br />

que se ttm dirigi<strong>do</strong> alternadamente<br />

ao Brasil, ou para o<br />

roubarem, ou para nelle se estabelecerem.<br />

Esta serie de emprê- «<br />

sas, e de accontecimentos diffunde<br />

hum duplica<strong>do</strong> interesse sobre*},<br />

a <strong>historia</strong> da America Portugue- 7<br />

za , que comprehende hum perio- ^<br />

<strong>do</strong> de tres séculos desde a sua<br />

origem até á emigração da sua<br />

Família Real de Bragança.<br />

Com tu<strong>do</strong> nenhuma <strong>historia</strong><br />

geral, e completa <strong>do</strong> Brasil ti- J<br />

nha ainda appareci<strong>do</strong> nem em *<br />

Françez, nem em outra alguma ,<br />

Jin£ua da Europa ; porque em


Y ,<br />

lugar de hum eorpo de <strong>historia</strong><br />

na


vr<br />

morias, e de obras. Nesta somente<br />

os factos devem encher o<br />

quadro; naquella nada se dève<br />

omittir para dar hum conhecimento<br />

exacto <strong>do</strong>s homens, e das. coisas.<br />

Tractava»se na <strong>historia</strong> <strong>do</strong><br />

Brasil de pintar a hum tempo<br />

Portugal, e a America Portugueza;<br />

de traçar o caracter <strong>do</strong>s Portuguezes,<br />

e os costumes <strong>do</strong>s Brasileiros<br />

sem todavia perder de<br />

vista, que Portugal devia fazer<br />

hum papel accessorio, e episodico:<br />

era preciso unir ás noções,<br />

e aos <strong>do</strong>cumentos da <strong>historia</strong> todas<br />

as luzes <strong>do</strong>s viajantes, e <strong>do</strong>s<br />

geógrafos, para que o leitor pudesse<br />

fazer huma idéa <strong>do</strong> crescimento<br />

progressivo, das relações<br />

extensas, e da grandeza comparativa<br />

<strong>do</strong> Brasil, e de Portugal.<br />

Sete annos forão emprega<strong>do</strong>s<br />

em ajuntar , pôr em ordem, e


VII<br />

recopilar os materiaes necessários<br />

para formar o corpo da <strong>historia</strong>,<br />

quê nenhum outro escriptor tinha<br />

ainda offereci<strong>do</strong> ao publico. No<br />

intervallo , heverdade, foi retardada<br />

, ou suspensa a conclusão<br />

delia ; e obstáculos imprevistos<br />

fizerao nascer novas demoras. A<br />

derradeira parte da obra appresenjava<br />

hum vácuo; era preciso enchê-o.<br />

Hum uso authorisa<strong>do</strong> em nossos<br />

dias na litteratura, ou antes<br />

nas impressões abona a publicação<br />

parcial , e successiva das<br />

obras menos volumosas. Apoian<strong>do</strong>-me<br />

neste uso, eu teria podi<strong>do</strong><br />

ciar á luz, ha muito tempo, os<br />

<strong>do</strong>is primeiros volumes da <strong>historia</strong><br />

geral <strong>do</strong> Brasil: mas seguin<strong>do</strong><br />

o meu plano primitivo , eu me<br />

decidi a publicar a obra completa,<br />

e de huma vez.. Esta marcha


VIII<br />

era lenta na verdade; mas era<br />

mais segura , e sobre tu<strong>do</strong> mais<br />

util, pelo que respeita á huma<br />

composição, em cuja união, e<br />

disposição se exigia tanta meditai<br />

ção, como cuida<strong>do</strong>. Com efieito<br />

coordenan<strong>do</strong> os materiaes <strong>do</strong> meu<br />

ultimo volume, eu conheci a necessidade<br />

de o pôr ao nivel das<br />

pescjuisações, que tinhao completa<strong>do</strong><br />

a primeira parte da minha r<br />

obra ; e de fortificar por meio de<br />

informações recentes , e authenticas<br />

os capítulos destina<strong>do</strong>s a fa.<br />

zer conhecer de hum mo<strong>do</strong> positivo<br />

o esta<strong>do</strong> actual <strong>do</strong> Brasil:<br />

nada foi despresa<strong>do</strong> para chegar<br />

a este resulta<strong>do</strong>. Entre tanto appareceu<br />

em Londres huma ccm.<br />

pilação sobre a <strong>historia</strong> de Buenos.<br />

Ayres , e <strong>do</strong> Brasil até 1640. K<br />

Sem offerecer novas luzes o author<br />

Inglez (M. Southey) fazia


IX<br />

esperar, que o segun<strong>do</strong> volume,<br />

annuncia<strong>do</strong> paraiBio, completaria'<br />

os annaes <strong>do</strong> Brasil» e daria<br />

princípios inteiramente novos sobre<br />

a geografia , e sobre a descripção<br />

<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> desta vasta região.<br />

Va esperança ! A expectação da<br />

Europa litteraria foi ainda huma<br />

vez encanada. Este segun<strong>do</strong> volume<br />

tão emfaticamente promett»<strong>do</strong><br />

não tem sahi<strong>do</strong> á luz : mas<br />

nesta mesma época hum minera-<br />

- logista Inglez (M. John Maw)<br />

penetrava o interior <strong>do</strong> Brasil,<br />

authonsa<strong>do</strong> pelo Príncipe Regen.<br />

te de Portugal. A relação da sua<br />

viagem, posto que de nenhum<br />

merecimento pelo que toca á relação<br />

histórica, naohe todavia a<br />

menos curiosa debaixo destes <strong>do</strong>is<br />

pontos de vista ; da tepographia<br />

interior , e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> actual <strong>do</strong><br />

Império Brasiliense: tila he tam-


X<br />

bem incontestavelmente a mais<br />

moderna. Não restava pois outro<br />

trabalho a completar, senão beber<br />

nesta fonte verdadeiramente<br />

original, tanto mais preciosa para<br />

nós , por isso que não existia<br />

então na França, senão hum só<br />

exemplar da nova relação. Eu consegui<br />

logo , que me fosse communicada<br />

; graças ao procedimento<br />

officioso, e á sollicitude de M.<br />

de Hutnbold , membro associa<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Instituto, edeM. Pictet, Pro- .<br />

fessor de Historia em Gênova;<br />

sábios distinctos, anima<strong>do</strong>s hnm,<br />

e outro <strong>do</strong> zêlo o mais nobre pelos<br />

progressos <strong>do</strong>s conhecimentos<br />

históricos, e geográficos. Eu não<br />

trahirei sua modéstia , fazen<strong>do</strong><br />

brilhar publicamente os testemunhos<br />

da minha estima, e <strong>do</strong> meu<br />

reconhecimento: e confessarei sómente,<br />

que devo á huma tão fe-


xr<br />

liz communícação , e á outros<br />

oiiginaes í/iteiramente não da<strong>do</strong>s<br />

á luz a vantagem depodt-r publicar<br />

huma <strong>historia</strong> geral, e completa<br />

<strong>do</strong> Brasil.<br />

Eu seria culpa<strong>do</strong> de ingratidão,<br />

se não fizesse brilhar aqui<br />

cs mesmos sentimentos de reconhecimento<br />

para ccm outros Litteratos<br />

, não menos estimáveis ,<br />

taes como M. Durdent , e M.<br />

Carios Botta, qne quizerão aju-<br />

-dar-me muito com suas luzes, e<br />

conselhos,<br />

'Os eruditos censurar me-hao<br />

sem duvida , por eu não fer margina<strong>do</strong><br />

as paginas desta <strong>historia</strong><br />

com citações, commentarios, e<br />

notas: mas confessan<strong>do</strong> eu , que<br />

não sou hum erudito, respon<strong>do</strong><br />

com isto á quantas criticas possão<br />

fazer-me. Eu teria podi<strong>do</strong> facilmente<br />

, bem como outro qualquer,


XII<br />

ter o mérito de huma ostentação<br />

de erudição , e citações: mas este<br />

pequeno charlatanismo me pareceu<br />

ridiculo , e inteiramente indigno<br />

de hum escriptor , que faz<br />

profissão da franqueza, e da boa<br />

fé. Pode além disto oppôr-se ao»<br />

syítema dascúações minuciosas a<br />

authoridade <strong>do</strong>s <strong>historia</strong><strong>do</strong>res da<br />

antiguidade, únicos modêlos naconfissão<br />

da sã critica, e segun<strong>do</strong><br />

o exemplo de muitos <strong>historia</strong><strong>do</strong>res<br />

modernos, que tem caminha<strong>do</strong><br />

sobre seus passos. De que<br />

serve, p">r exemplo, citar asmesmas<br />

paginas <strong>do</strong>s authores , qué hg<br />

preciso muitas vezes conciliar, ou<br />

contradizer , e cuja versão tem<br />

necessidade de ser corregida, ou<br />

completada por outras autoridades?<br />

As memorias são para o<br />

<strong>historia</strong><strong>do</strong>r , o que as cores são<br />

para o pintor; não he se não peí*


XIII<br />

sua mistura , e pela sua fusão ,<br />

que o quadro da <strong>historia</strong> , que<br />

dahi resulta, fôrma hurnacomposição<br />

completa, e regular.<br />

Não me resta agora, se não<br />

fazer conhecer as authoridades ,<br />

que tem servi<strong>do</strong> de ha se iis minhas<br />

exposições ; e mostrar as<br />

fontes , <strong>do</strong>nde tenho bebi<strong>do</strong> as<br />

luzes necessarias para evitar os<br />

erros <strong>do</strong>s escriptores, que me tem<br />

precedi<strong>do</strong>.<br />

Eisaqui as principaes obras,<br />

"que tenho segui<strong>do</strong> , consulta<strong>do</strong>,<br />

ou ^.contradicto , oppon<strong>do</strong>-as , ou<br />

comparan<strong>do</strong>-as humas com as outras.<br />

Viagem de Pinson, por Herrera.<br />

O Padre Manuel Rodrigues.<br />

Bernar<strong>do</strong> Pereira de Berre<strong>do</strong>.<br />

Relação summaria de Simão Es¿<br />

tacio da Silveira*


XIV<br />

Zarate.<br />

Pietro Martyre.<br />

Gomara, hist. de las índias.<br />

Viagem de Cabral, por Barros.<br />

Castanheda.<br />

Damião de Goes.<br />

Lery.<br />

Viagem de Américo Vespucio.<br />

Rocha Pita.<br />

Simão de Vasconcellos, Chron.<br />

„ da Comp. de Jesus <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Brasil.<br />

Antonio Galvão.<br />

Vieira.<br />

Hervas.<br />

Don Christobal Eladera.<br />

Maregraw, hist. nat. Bras.<br />

Memorias para a <strong>historia</strong> <strong>do</strong> Ca»<br />

bo de S. Vieente.<br />

Vasconcellos, noticias <strong>do</strong> Brasil,<br />

Annaes <strong>do</strong> Rio de Janeiro, mss.<br />

Gaspar da Madre de Deos.<br />

Noticia <strong>do</strong> Brasil, mss,


XV<br />

J. de Laet.<br />

Carta d ? EI-Rei D. João IIÍ.<br />

Castrioto Lusitano, P. Rafael de<br />

Jesus*<br />

Tamoyo de Vergas.<br />

Duarte Albuquerque, Conde de<br />

Pernambuco.<br />

Nova Lusitania ,• P. Brito Freire.<br />

Manuel de Faria, e Souza.<br />

Historia da descuberta , e das<br />

guerras <strong>do</strong> Brasil por Jean<br />

Nieuhoff.<br />

Gasp. Baríoei rerum pér óCíei><br />

nium in Brasília etc.<br />

Historia das ultimas desordens <strong>do</strong><br />

Brasil entre osHollandezeST-, e ;<br />

Portuguezes, por Pedro Moreaüi<br />

Historia da guerra <strong>do</strong> Reiríõ j dò'<br />

Brasil, etc. por Giiiseppe di<br />

Thereía.<br />

Hans Stade ( o priméírí), qu^tétíí 1<br />

escripto atgunéP detalhas 1 sibre<br />

o Brasil.)


XV!<br />

Chronica d* EI-Rei D. Manne!.'<br />

Manuel Severim de Faria, vida<br />

de joão de Barros.<br />

Viagem de Diogo Garcia.<br />

Argentina <strong>do</strong> Rei Dias de Gus-'<br />

mão.<br />

Pedro de Cieza.<br />

Açuna in el Maranao, y Amazonas.<br />

Nóbrega, e Anchieta.<br />

Çondamine, viagem ao rio das<br />

, Amazonas.<br />

Claudio de Abbeville.<br />

Huivet en Purchas.<br />

Pedro Coi;rêa.<br />

Ant. Pires.<br />

Telles, Comp. de Jesus.<br />

Ejficeira. '<br />

Sfedman.<br />

Bpnto Teixeira.<br />

Relação annual para 1601.<br />

Jor-nada da Báhia.<br />

Viagens de Azara. .<br />

— de Thomaz Líndeley. o


:<br />

- xVíi<br />

—- de Baron.<br />

de Macarcney*<br />

•<br />

Memorias de Dugué-Trouinv<br />

Viagem de Teixeira, etc.<br />

Historia <strong>do</strong> Brasil, e de Buenos*<br />

Ayres, por Southey.<br />

5<br />

Tavels, etc. Viagem ao interior<br />

<strong>do</strong> Brasil, e particularmente<br />

ao paiz, onde estão as minas<br />

de oiro , e de diamantes, por<br />

John Maw, author da Mineralogia<br />

<strong>do</strong> Derbishire , Londres,<br />

1812. (He o primeiro<br />

Inglez , que tem penetra<strong>do</strong> o<br />

interior <strong>do</strong> Brasil com autho*<br />

risação , e apoio <strong>do</strong> Governo<br />

Portuguez ).<br />

Taes são as memorias, e as<br />

numerosas viagens , que tenho<br />

consulta<strong>do</strong> , analisa<strong>do</strong> , compara<strong>do</strong>,<br />

e fundi<strong>do</strong>, por assim dizer,<br />

para formar hum corpo de histo-


ia completo a respeito <strong>do</strong> Brasil.<br />

Possão meus trabalhos, e<br />

meus cuida<strong>do</strong>s não serem perdi<strong>do</strong>s<br />

! possa esta <strong>historia</strong> offerec^r<br />

algum interesse , e satisfazer á<br />

curiosidade <strong>do</strong> publico ! Verei satisfeitos<br />

o» meus votos.


I N D I C E<br />

Das materias, que se contém<br />

nesta obra.<br />

TOMO PRIMEIRO.<br />

í Refacio pag. I<br />

LIV. I. lntroclucção. Origem , e<br />

progresso da Monarchia Portuqueqa.<br />

Descubertas , e conguistas<br />

<strong>do</strong>s Portugueses na A*<br />

frica , e na Índia. pag. i<br />

LIV. II. Descuberta <strong>do</strong> Brasil por<br />

D. Pedro Alvares Cabral. Expedições<br />

de Américo Vespucio , e<br />

de Coelho. Descuberta <strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro , e <strong>do</strong> Paraguay por<br />

João Dias de Solis , Piloto mór<br />

de Castella. Morte deste navegante.<br />

Primeiras disputas<br />

de Hespan/ia , e de Portugal<br />

por motivo das descubertas• da<br />

America. Morte d' El-Rei D.<br />

Manuel o Afortuna<strong>do</strong>. D. João


XX<br />

III. lhe succede, e fôrma o<br />

projecto de colo/usar o Bra-<br />

S l<br />

• P a g- 35<br />

LIV. III. Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Bras il na época<br />

da sua descuberta. Descrip,fão<br />

geral desta vasta região.<br />

Caracter , costumes , e usos ,<br />

numero , e descripção geográfica<br />

das povoações Brasilien"<br />

ses. P a g.'í>9<br />

LIV. IV Capitanias hereditárias<br />

estabelecidas no Brasil no reina<strong>do</strong><br />

de D. João III. Origem<br />

- das colonias de S. Vicente , Santo<br />

Amaro , Tamaraca , Paraíba ,<br />

- Espirito Santo , Porto Seguro ,<br />

os Ilheos , e Pernambuco. Ex~<br />

- pediçdes desgraçadas de Luir<br />

• de Mello , e de Ayres da Cunha<br />

ao Maranhão. pag. 139<br />

LIV. V. Naufragio , e aventuras<br />

• de Caramuru. Caracter da grande<br />

povoação Brasileira <strong>do</strong>s Ttlpinambas<br />

da Bahia. Descripção<br />

<strong>do</strong> Reconcavo, e quadro das suas<br />

revoluções. Primeira origem de<br />

S. Salva<strong>do</strong>r da Bahia. "Toma-<br />

. da de posse da Capitania íla


XXI<br />

Bahia por Francisco Pereira<br />

Coutinho. Primeiras hostilidades<br />

entre os Tupinambas , e os<br />

^Portugueses. Expulsão , e morte<br />

de Coutinho. pag. 171<br />

Progresso da Capitania de S. Vicente.<br />

Tentativas desgraçadas<br />

de Aleixo Garcia, e de George<br />

Sedenho pafa chegarem ao Brasil<br />

por Paraguay. Primeiras<br />

hostilidades entre os Hespanhoes<br />

<strong>do</strong> Paraguay , e os Portugueses<br />

<strong>do</strong> Brasil. Renovação<br />

da guerra em Pernambuco. Sitio<br />

<strong>do</strong> Garassú pelos Cahetés.<br />

Chegada ao Brasil de D. Thomé<br />

de Souqa , primeiro Governa<strong>do</strong>r<br />

Geral. Fundação da<br />

cidade de S. Salva<strong>do</strong>r. Regularisação<br />

politica da colonia.


£<br />

b Kj?!-- 10'im QÍX{ epbt;invab<br />

HISTORIA DO BRAZIL.<br />

ivi;u .i) ; •> • Oibiüiiq 20<br />

í ( ". ;h • ' :'•! ait.-.iJOU!<br />

- .. . . , .' • -<br />

• a-tiioq ta3 .oUítüffl ob z • iscj ES<br />

LIVRO PRIMEIRO.<br />

introdução. Origem , e progressos<br />

da Monarchia Portuguesa.<br />

Descubertas , e conquistas <strong>do</strong>s<br />

Portugueses na Africa , e ná<br />

Índia.<br />

1139.—1499.<br />

P<br />

I. ORTUGAL , a Monarchia a mais<br />

pccidental da Europa, trapo ainda,<br />

pareceu levantar-se de repente no<br />

íipi <strong>do</strong> decimo quinto século. Os<br />

Tom. /. A


%_ Historia<br />

grandes, o Monarcha , e o povo ,<br />

devora<strong>do</strong>s pelo amor das descubertas,<br />

e pela sede das riquezas, asr<br />

signalárSo por emprezas intrépidas<br />

os primeiros ensaios da navegação<br />

moderna ; e por meio de prodigios<br />

fizerão livres ao seu accesso todas<br />

as partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Em poucos<br />

annos as costas occidentaes de<br />

Africa , até* então incógnitas, e<br />

as índias orientaes passarão a ser<br />

a preza <strong>do</strong>s navegantes conquista<strong>do</strong>res,<br />

que sahião de Portugal:<br />

a coragem , as virtudes destes intrépi<strong>do</strong>s<br />

Officiaes de Marinha se<br />

jriostrárSo logo em to<strong>do</strong> o seu esplen<strong>do</strong>r<br />

; mas sua gloria foi logo<br />

bffuscada pelos crimes da ambição,<br />

e da avareza. O accaso só os dirige<br />

ao mesmo tempo para o grande<br />

hemisferio-Occidental, recentemente<br />

descuberto : elles tocão o<br />

Brazil, o reconhecem , e delle se<br />

apoderão. Clima saudável, solo rico<br />

, e fecun<strong>do</strong> , rios navegaveis ,<br />

è numerosos , portos vastos , e<br />

multiplica<strong>do</strong>s, raças- vigorosas de<br />

i


Do Brasil. i j<br />

homens , e de animaes, bosques<br />

profun<strong>do</strong>s, e magníficos, monta»<br />

¿»hass,encerran<strong>do</strong> em si to<strong>do</strong>s os<br />

'metaes preciosos; taes são as raras<br />

^antagens, que huma feliz situai<br />

ção geografica assegura ao BraziU<br />

A nação Portngueza ahi leva logo<br />

este mesmo ar<strong>do</strong>r de descubertas *<br />

e de <strong>do</strong>mínio, que a tinha jáconr<br />

duzi<strong>do</strong> â Africa , e á Asia. Os<br />

primeiros estabelecimentos , que<br />

ella funda no Brazil , são marca*<br />

<strong>do</strong>s, he verdade , pela oppressão ,<br />

pelo assassínio de muitas tribns in»<br />

digenas; mas também pela civili»<br />

sação das mais bravas povoações ^<br />

que cedem finalmente á voz , e<br />

aos esforços sublimes de hum pequeno<br />

numero deApostolos da Re*<br />

ligião , e da humanidade. Então<br />

erigem-se cidades em to<strong>do</strong>s os pon»<br />

tos da costa ; os campos rotea<strong>do</strong>s<br />

se tornão férteis; a industria , e a<br />

agricultura, prestan<strong>do</strong>-se hum mutuo<br />

soccorro , multiplícão as riquezas<br />

pela circulação , e pelo commercio.<br />

Novas descuberras, felizes<br />

A 2


38<br />

Historiei<br />

tentativas esreiidem os estabelecii<br />

mentos, ,e.a civilisação. Mas este<br />

mesmo Brazil, que passa wnrii<br />

quecer os navegantes Portugueses<br />

, também excita a cubiça cte<br />

Outras tres, nações da Europa , e<br />

logo atêão-se guerras obstinadas ,<br />

e sanguinolentas. De quan<strong>do</strong> em<br />

quan<strong>do</strong> alguns exemplos de virtude<br />

, t de heroísmo consolão as alternativas<br />

da fortuna , e <strong>do</strong> horror<br />

das batalhas. A' frequentes expedições<br />

, á combates sem numero ,<br />

á sitios importantes , á brilhantes<br />

assaltos , á destruição de frotas , á<br />

mudanças de <strong>do</strong>mínio , e cie império<br />

vê-se suceeder huma insurreição<br />

memorável contra osHollandezes<br />

, conquista<strong>do</strong>res d'ametade <strong>do</strong><br />

Brazil; insurreição feliz , que faz<br />

outra vez entrar esta possessão<br />

immensa no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s Portuguezes.<br />

Taes são os diversos quadros,<br />

que formão a composição da <strong>historia</strong><br />

<strong>do</strong> Brazil, que prolongada até<br />

os nossos dias comprehende • os<br />

acontecimentos de. tres séculos. Sç


Do Brasil. i j<br />

bem que a America Portugueza se<br />

tivesse torna<strong>do</strong> o theatro de acon*<br />

Je cimentos' memoráveis, com tu<strong>do</strong><br />

^etíniim escriptor cm França . se<br />

«inha ainda proposto a reunir em<br />

hum só corpo cie <strong>historia</strong> os isens<br />

aunaes dispersos. Eu ousei emprehendel-a<br />

, sem me desanimar pela<br />

especie de incoherencia das diversas<br />

partes, de que este assumpto<br />

se compõe : tila he sem duvida<br />

mais difficultosa de se tratar; mas<br />

lie ao mesmo tempo mais variada %<br />

mais nova, e até mais interessante;<br />

porque offerece exemplos de<br />

hum enthusiasmo heroico , e sempre<br />

lições úteis. Vê-se a nação<br />

Portugueza , fraca na sua origem *<br />

mas que chegou pelo seu grande<br />

caracter, e pela sabe<strong>do</strong>ria das suas<br />

leis ao mais alto grão cie poder monarchico<br />

, medir-se ella só com nações<br />

temiveis , e superar seus esforços;<br />

eclipsar-se por meio século<br />

na Monorchia Hespanhola para<br />

brilhar de novo ella só ; vê-sé ficar<br />

em fim triunfante , e senhora


38<br />

Historiei<br />

absoluta cleste immenso império ,<br />

cuja riqueza parece têl-a convida<strong>do</strong><br />

á todas as fruições <strong>do</strong> J$xo fc<br />

e á to<strong>do</strong>s os generos de gloria.<br />

Remontan<strong>do</strong> á origem <strong>do</strong>s Portuguezes<br />

, encontra-se a <strong>historia</strong> da<br />

Lusitania constantemente ligada<br />

nos seus princípios com a <strong>historia</strong><br />

da Hespanha , de que a Lusitania ,<br />

ou Portugal nSo he de algum mo<strong>do</strong><br />

, se não hum desmembramento.<br />

Não pertence ao nosso assumpto<br />

seguir circunstanciadamente as primeiras<br />

revoluções , que a sorte das<br />

armas, verdadeiro arbitro <strong>do</strong> poder<br />

humano , lhes fez experimentar<br />

em commum. Scipião o moço ,<br />

terminan<strong>do</strong> a guerra, que disputava<br />

aos Carthaginezes a posse da<br />

Hespanha , submetteu aos Romanos<br />

a Península inteira. Agrippa<br />

no tempo de Augusto consummou<br />

de novo esta conquista pela reducção<br />

<strong>do</strong>s Cantabros , e os Impera<strong>do</strong>res<br />

perpetuarão em paz seu<br />

<strong>do</strong>mínio sobre a Península. No<br />

tempo de Galba a Lusitania tinha


Do Brasil. i j<br />

cinco colonias Romanas, e Olly*<br />

sippo, hoje Lisboa, era huma cif<br />

¿acle,privilegiada. O fim <strong>do</strong> quinto<br />

isètalò vio começar a irrupção <strong>do</strong>s<br />

povos <strong>do</strong> Norte, e a destruição<br />

lenta <strong>do</strong> Império Romano. A Hespanha<br />

foi successivamente invadir<br />

da pelos Alanos, Suevos, e Visi7<br />

go<strong>do</strong>s. Estes últimos reinarão nelr<br />

ía por tres séculos. Ao depois os<br />

Árabes, ou Sarracenos se apoderarão<br />

, e estabelecêrao nella : mas as<br />

montanhas das Astúrias forão o<br />

refugio das relíquias <strong>do</strong> poder <strong>do</strong>s<br />

Go<strong>do</strong>s; e vio-se hum punha<strong>do</strong> de<br />

Christãos, commanda<strong>do</strong>s por Pelar<br />

gio , resistir nas cavernas aos conquista<strong>do</strong>res<br />

Árabes. Os successores<br />

deste heroe , anima<strong>do</strong>s pelo seu<br />

exemplo , restabelecem o sceptro<br />

Go<strong>do</strong> , e fundão o reino de Ovie<strong>do</strong><br />

, e de Leão , berço da Monarchia<br />

Hespanhola. Os feros Astures<br />

estendem logo os limites, que<br />

lhes oppõe os Musulmanos Árabes:<br />

dilatão além das montanhas a confederação<br />

cluistã , que sempre em


f •<br />

8 • Historia<br />

armas contra os infiéis se torna<br />

cada vez mais temível. A lata he<br />

então geral; e grandes esforçqs dè<br />

coragem fazem logo os Christãos senhores<br />

<strong>do</strong> Norte da Hespanha. Fortifica<strong>do</strong>s<br />

contra o inimigo commum ,<br />

elles não tardão em se dividir entre<br />

si. Leão , Castella , Navarra ,<br />

é ó Aragão tinhão visto levantarem-se<br />

tantos thronos separa<strong>do</strong>s ,<br />

mas reuni<strong>do</strong>s por allianças politicas.<br />

A Hespanha Musulmana experimentava<br />

a mesma sorte. Aos<br />

reina<strong>do</strong>s brilhantes <strong>do</strong>s Califes Ommiades<br />

de Cor<strong>do</strong>va sticcedêrão as<br />

dessolaçóes , e a guerra civil. Os<br />

Emiros, ou governa<strong>do</strong>res de Províncias<br />

erigem seus governos em<br />

outras tantas províncias independentes.<br />

Este esta<strong>do</strong> de anarchia<br />

•serve de estorvo aos Árabes para<br />

impedirem os progressos <strong>do</strong>s Christãos<br />

, que <strong>do</strong> Norte da Peninsula<br />

ameação o Meio dia.<br />

Sen<strong>do</strong> S. Fernan<strong>do</strong> só o Rei da<br />

Hespanha chiista no principio <strong>do</strong><br />

-un de pi mo século , ousa levar seus


Do Brasil.<br />

estandartes além <strong>do</strong> Tejo, eleVan*<br />

<strong>do</strong> diante de si os Mu sul manos ,<br />

Circyjnscreve seu <strong>do</strong>minio. Apartiílíàrdõs<br />

seus esta<strong>do</strong>s faz nascer novas<br />

divisões entre os Christãos;<br />

mas Affonso , filho de Fernan<strong>do</strong> ,<br />

despoja<strong>do</strong> logo por seu irmão Sancho<br />

, reúne em fim na sua cabeça<br />

todas as coroas de seu pai. As conquistas<br />

sobre os Muçulmanos se<br />

nmltiplicão , e se estendem. Affonso<br />

chega a penetrar até a fértil Andaluzia<br />

, e amplia cada vez mais<br />

os seus clominios. Subjuga huma<br />

parte das margens <strong>do</strong> Tejo, e debaixo<br />

<strong>do</strong> titulo de Rei de Castella<br />

adquire logo liuma celebridade tal,<br />

que attrahe á Hespanha muitos<br />

Cavalleiros Frencezes , desejosos de<br />

se unirem ás suas armas.<br />

Entre esta mocidade brilhante<br />

se distinguio Henrique de Borgonha<br />

, de origem Capetina, bisneto<br />

de Roberto segun<strong>do</strong> Rei de França.<br />

Depois de ter feito a sua primeira<br />

campanha debaixo <strong>do</strong> cominan<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> illusire Cid, em cuja<br />

i j


38 Historiei<br />

gloria desejava ter parte, assignalou<br />

seu valor contra os Mouros da<br />

Lusitania , e obteve <strong>do</strong> Rei dç Castella<br />

, e de Leão , empenha<strong>do</strong> 'em<br />

se unir com elle, o titulo de Conde<br />

com a mão de D. Thereza , huma<br />

das filhas naturaes deste Monarcha.<br />

Uni<strong>do</strong> estreitamente á Castella ,<br />

Henrique se ennobreceu por huma<br />

multidão de façanhas contra os<br />

Mouros ; subjugou o fértil paiz<br />

Entre Douro e Minho ; paiz, que<br />

perden<strong>do</strong> então o nome de Lusitania<br />

, tomou o de Portugal. Segun<strong>do</strong><br />

a ethymologia a mais verosímil,<br />

este nome moderno se formou <strong>do</strong><br />

da cidade <strong>do</strong> Porto , que o Conde<br />

D. Henrique fez fundar , e da villa<br />

de Cale , situada na margem<br />

fronteira <strong>do</strong> Douro.<br />

Feito Conde de Portugal , e<br />

vassallo <strong>do</strong> reino de Leão, Henrique<br />

de Borgonha firmou sua soberania<br />

, que comprehendia só as cidades<br />

<strong>do</strong> Porto* Braga, Miranda,<br />

Lamego , Coimbra e Viseu : por


Do Brdqil. li<br />

ftovos triunfos, e sem tomar o titulo<br />

de rei, lançou os primeiros<br />

nentos da Monarchia Portu-<br />

Seu filho Affonso Henrique ,<br />

herdeiro <strong>do</strong> seu valor , e da sua<br />

gloria , alcançou sobre os Mouros<br />

brilhantes vantagens: derrotou em<br />

liu m só dia cinco de seus soberanos<br />

, ou governa<strong>do</strong>res , e foi acclama<strong>do</strong><br />

Rei pelos seus solda<strong>do</strong>s no<br />

campo de Ourique , onde deu a<br />

batalha. Os Esta<strong>do</strong>s de Portugal<br />

juntos em Lamego confirmarão o<br />

augusto titulo , que elle não possuia<br />

, se não entre o seu exercito.<br />

Esta assembleia celebre , composta<br />

de Prela<strong>do</strong>s, de Nobres , e Deputa<strong>do</strong>s<br />

da3 cidades , promulgou as<br />

leis fundamentaes <strong>do</strong> Reino , declara<strong>do</strong><br />

-hereditário , e independente.<br />

Ella deu também desde o duodeci"<br />

mo século o exemplo notável de<br />

vassallos limitan<strong>do</strong> o poder soberano.<br />

D. Affonso Henrique , funda<strong>do</strong>r,<br />

e legisla<strong>do</strong>r ao mesmo tempo , -ilius-


38<br />

Historiei<br />

trou hum reina<strong>do</strong> de quarenta e<br />

seis annos com liuma administração<br />

paternal , e com o zelo^ pelo<br />

progresso das sciencias. A Dy vestia<br />

deste funda<strong>do</strong>r perpetuou-se<br />

com brilhantismo até o fim <strong>do</strong> decimo<br />

sexto século. No seu reina<strong>do</strong> ,<br />

e por seus cuida<strong>do</strong>s a Cavalleria ,<br />

esta brilhante instituição , que desenvolveu<br />

as mais nobres paixões<br />

<strong>do</strong> homem , estabeleceo-se nas margens<br />

<strong>do</strong> Tejo com to<strong>do</strong> o esplen<strong>do</strong>r ,<br />

que tinha ti<strong>do</strong> em sua origem na<br />

França, e na Inglaterra. Frequentes<br />

relações com os Mouros imprimião<br />

no caracter Portuguez hum<br />

ar de urbanidade, e de galanteria:<br />

bem depressa a linguagem <strong>do</strong> amor<br />

tomou este tom exalta<strong>do</strong> , que parece<br />

ser exclusivamente reserva<strong>do</strong><br />

á imaginação brilhante <strong>do</strong>s Orienraes.<br />

Os torneios forão numerosos;<br />

as festas magnificas; a gravidade ,<br />

a fereza , as paixões fortes se tornarão<br />

o caracter distinctivo .<strong>do</strong>s<br />

Cavalleiros , ou Nobres Portuguezes.<br />

Se seus oclios erão profun<strong>do</strong>s ,


Do Brasil. i j<br />

suas affecçóes erSo também mais vivas.<br />

Então se formou este espirito<br />

aaci^nal , que os successores de<br />

Iptonso I. não tardarão em elevar<br />

ainda, seja pela especie de igual*<br />

dade , que elles estabelecêrão eritie<br />

si , e a Nobreza ; seja pelos limi*<br />

tes , que elles mesmos assignárão<br />

á authoridade Real. Os Esta<strong>do</strong>s<br />

geraes forão muitas vezes juntos:<br />

nelles se propozerão leis , que excitárão<br />

o amõr das grandes virtudes.<br />

A nobreza foi a recompensa<br />

irão só <strong>do</strong>s serviços militares , mas<br />

também de acções , que caracterisavão<br />

o desinteresse, e nobreza<br />

d' alma. As guerras <strong>do</strong>s Portugueses<br />

erao ao mesmo tempo politicas<br />

, e religiosas: sen zêlo era excita<strong>do</strong><br />

pelo duplica<strong>do</strong> interesse da<br />

expulsão <strong>do</strong>s Mouros , e da propagação<br />

da Fé.<br />

Os successores de D. Affonso<br />

fundarão cidades, creárão frotas,<br />

animarão a população , e reunirão<br />

á Portugal o pequeno Reino <strong>do</strong><br />

Algarve, toma<strong>do</strong> aqsMusulmanos.


38<br />

Historiei<br />

Deste mo<strong>do</strong> nos primeiros séculos<br />

da Monarchia vê-se a nação Portugueza<br />

affugent*r os Mouros, firmar<br />

suas fronteiras . combatei" 1>uc.<br />

cessivamente com os infiéis, ecom<br />

os Castelhanos , muitas vezes com<br />

vantagem: vê-se este povo bellicoso<br />

cultivar á hum tempo a agricultura<br />

, o commexcio, e as artes:<br />

vê-se também o Clero , e a Nobreza<br />

, apoios naturaes <strong>do</strong> throno ,<br />

exercitar 110 Esta<strong>do</strong> liuma grandç<br />

influencia , e oppôr hum dique<br />

saudavel ás invasões <strong>do</strong> poder supremo<br />

: vêm-se em fim os Monarchas<br />

tentarem por muitas vezes ,<br />

inas sempre em vão , despojar o<br />

Clero , que se tinha feito rico , *¡<br />

preponderante. To<strong>do</strong>s os seus es.<br />

forços erão mal succedi<strong>do</strong>s á vista<br />

da resistencia combinada deste corpo<br />

respeita<strong>do</strong> , que acha hum apoio<br />

formidável no poder espiritual <strong>do</strong>s<br />

Papas. Feri<strong>do</strong>s successivamente pelos<br />

raios da Igreja , muitos Reis<br />

de Portugal compoem-se coma Santa<br />

Sé, e se submettem á s.ua au-


Do Brasil. i j<br />

thoridade. Desordens frequentes, e<br />

guerras civis conservão á nação<br />

sua vivacidade , e sua energia sem<br />

Alterar suas virtudes. Os Nobres ,<br />

retira<strong>do</strong>s das cidades, t da Corte ,<br />

entretém em seus castellos junto<br />

ás imagens cle seus antepassa<strong>do</strong>s a<br />

lembrança, e a imitação das empregas<br />

, cujo exemplo elles deixárão-<br />

Ihes por herança.<br />

A nação inteira estava já preparada<br />

para as grandes emprezas ,<br />

quan<strong>do</strong> no fim <strong>do</strong> decimo quarto<br />

século D. Fernan<strong>do</strong> 1., novamente<br />

Mon are ha , morreu sem deixar<br />

herdeiro varão, depois de ter-casa<strong>do</strong><br />

D. Beatriz sua filha, nascida<br />

de huma união illegitima , com D.<br />

João I. , Rei de Castella ; cren<strong>do</strong><br />

assegurar assim o throno ao filho ,<br />

que nascesse deste consorcio , e na<br />

sua falta á D. João I. , seu genro;<br />

Mas a aversão <strong>do</strong>s Portuguezes á<br />

<strong>do</strong>minação Castelhana favoreceu<br />

as vistas ambiciosas de D. João , irmão<br />

natural <strong>do</strong> Rei. Este Príncipe<br />

se apoderou <strong>do</strong> governo ;. e as


38 Historiei<br />

Cortes, convocadas em Coimbra;<br />

lhe defferírão a coroa. Elie firmou-a<br />

em sua cabeça com a famosa batalha<br />

de Aljubarrota a 14 de Agosto<br />

de 1385 , onde , soccorri<strong>do</strong> pelos<br />

Inglezes , derrotou os Francezes ,<br />

e "Castelhanos reuni<strong>do</strong>s. O novo<br />

Rei , conheci<strong>do</strong> na <strong>historia</strong> pelo'<br />

nome de D. João o Bastar<strong>do</strong> , foi<br />

o tronco dc huma familia , que occupou<br />

o Reiivo de Portugal duzentos<br />

annos. Seu reina<strong>do</strong> foi illustra<strong>do</strong><br />

não só pela Victoria completa<br />

de Aljubarrota , mas também pela<br />

sua expedição contra os Mouros ,<br />

que elte perseguio com huma frota<br />

até a Africa.<br />

Desde então os Portuguezes começátão<br />

a sentir a necessidade da<br />

navegação , e das descubertas. O<br />

reina<strong>do</strong> de D. João I. se faz sobre<br />

tu<strong>do</strong> notável pelo impulso , e movimento,<br />

que o Infante D. Henrique<br />

, digno filho deste Monarcha ,<br />

dá ao espirito da sua nação para<br />

vencer as preoccupaçóes, que até<br />

então terião passa<strong>do</strong> por invenci-


Do Braqit. 17<br />

•eis. Versa<strong>do</strong> na geografia , e na<br />

mathematica activo , emprehentie<strong>do</strong>r<br />

, illustra<strong>do</strong> , D. .¡Henrique<br />

&Siví"á seus compatriotas a carreira<br />

, em que a gloria os espera. Não<br />

possuin<strong>do</strong> i se não hum <strong>do</strong>mínio limita<strong>do</strong><br />

na extremidade occidental<br />

<strong>do</strong> Algarve , elle ahi faz construir<br />

embarcações á sua custa , e as manda<br />

reconhecer as costas d'Africa.<br />

Seu gênio , e a intrepidez <strong>do</strong> povo<br />

, que elle dirige » vão fazer renascer<br />

a arte da navegação, e darlhe<br />

huma. elevação mais vasta.<br />

Anima<strong>do</strong>s, e guia<strong>do</strong>s por hum<br />

tal Chefe, os Portuguezes, em to<strong>do</strong><br />

o tempo ferozes, bravos, attrevi<strong>do</strong>s',<br />

de í,um espirito penetrante<br />

j e de huma imaginação ardente,<br />

vão marcar derrotas , que<br />

ainda não tinhão si<strong>do</strong> conjecturadas<br />

: elles navegarão por mares desconheci<strong>do</strong>s:<br />

<strong>do</strong>brarão cabos, olha»<br />

<strong>do</strong>s até então , como os limites <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> : e espantarão a Europa<br />

pela intrepidez das suas emprezas:.<br />

v He debaixo da influencia <strong>do</strong><br />

Tom. I. &


l8 "Historia*<br />

Filho de D¡. ]oão I., e pela inápi*ração<br />

<strong>do</strong> stu-genio, que elles des*<br />

cubrírão--logó as ilhas da Madeira;<br />

das Canarias , e <strong>do</strong> Cabo Verde ; e<br />

ao depois aso <strong>do</strong>s Açores; e> que<br />

<strong>do</strong>bran<strong>do</strong> 1 o cabo Boja<strong>do</strong>r , elles avançâo-<br />

«o longo da Costa occidental<br />

da Africa, em maior disrancia *<br />

<strong>do</strong> que nenhum navegante até en*<br />

tão tinha i<strong>do</strong>: he debaixo <strong>do</strong>s sem<br />

auspicio*, querelles descobrem mais<br />

tarde ais 'costas de Gtiíné , e ahi<br />

fazem sélVs primeiros-estubeleoimentos.<br />

O'iUustre Infante-D. Henrique<br />

mofreiv septuagenário pouco<br />

ao depois da exaltação de D. João III<br />

filho, de sen sobrinho , -ao throno<br />

de Portugal: 'morreu na. V'illa de<br />

Sagres nos Atgarves ,. >; <strong>do</strong>nde elle<br />

deixava cadiir 1 aí suas vistas -sobre<br />

o mar Athlaíitico; feliz'!, por ter<br />

aberto á sua nação hum tão v-ast©<br />

campo de gloria. A mais simples<br />

narração <strong>do</strong> qite elle meditou, e<br />

<strong>do</strong> que elle émprehendeu ,:he bas*<br />

Cante para o seu elogio. PortugaJ<br />

se não O contou no numero de seus


Do Brajíl *9<br />

Reis, Portugal, e a Europa inteira<br />

o collocão na ordem <strong>do</strong>s maio,-*<br />

rss homens. Devem-se-lhe incontestavelmente<br />

as primeiras idéas »<br />

que no fim <strong>do</strong> decimo quinto secu«.<br />

lo conduzirão á descuberta dehum:<br />

novq, hemisferio, e da passagem<br />

ás Índias..; ..<br />

O forte impulso „ que elle, ti-í<br />

nha da<strong>do</strong> á seus compatriotas , lhe<br />

sobreviveu. As emprezas , e asdesn<br />

cuber tas se succedêrão humas ási<br />

outras. Cada vez mais anima<strong>do</strong>s ,<br />

mais ardentes, os Portuguezes costeião<br />

a praia occidental da; Africa ,<br />

« correm a immensa costa, que se<br />

estende desde as columnas de Hercules<br />

até o Zaire. He então , que<br />

elles concebem o projecto de abri«r<br />

«J\ huma passagem <strong>do</strong> Oceano<br />

Africano ao Oceano Oriental: elles<br />

se lisonjeão de remontar mesmo at£<br />

as índias, de fazerem ahi hum<br />

commercio directo, de estancar as*<br />

sim a foiue da grandeza , e da oppulencia<br />

de Veneza, de chegar<br />

em fiin por sua perseverança , e co-


•zo' Historia'<br />

ragem á este primeiro termo de tantas<br />

espeianças, e esforços.<br />

- Nesta época para sempre rnemot<br />

sável, e na qual a influencia <strong>do</strong>s<br />

Portuguez.es se dilatou com hum<br />

novo brilho , a maior parte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />

da Europa começavão a tomar<br />

huma forma nova mais regular,<br />

e a offerece'r paginas interessantes<br />

á <strong>historia</strong>. A legislação , o<br />

eommeroio , a politica , e a restanfação<br />

das letras se união para estabelecer<br />

relações felizes entre as<br />

principaes nações. A Italia , centro<br />

das luzes , deixava na verdade<br />

ainda muito atraz de si os outros<br />

paizes damais florescente parte <strong>do</strong><br />

globo. A Allemanha V posto que<br />

privada da parte septentrional da<br />

Italia, e por muito tempo agitada<br />

pelas contendas <strong>do</strong>s Impera<strong>do</strong>res ,<br />

t <strong>do</strong>s Papas, tomava em fim huma<br />

situação mais tranquilla. A França<br />

gosava igualmente de socego; os<br />

grandes feu<strong>do</strong>s acabavão de ser<br />

reuni<strong>do</strong>s á Coroa; reinava Carlos<br />

VIII. A Hespanha , inteira?


Do Brasil. i j<br />

mente livre <strong>do</strong> jugo <strong>do</strong>s Árabes ,<br />

não conhecia mais , que hum só<br />

<strong>do</strong>minio. O casamento de D. Fernan<strong>do</strong><br />

, e de D. Isabel tinha uni<strong>do</strong><br />

o Aragão, e a Castella. As finanças<br />

deste Esta<strong>do</strong> , suas forças,<br />

e seus exercitos o igualavão á mesma<br />

França. As primeiras Potencias<br />

Europeas olhavão ao hum tempo<br />

tom olhos rivaes para a Italia , á<br />

respeito da qual tantas tentativas,<br />

e pertenções devião se lhes tornar<br />

funestas. A Inglaterra depois <strong>do</strong>s<br />

longos , e sanguinolentos debates<br />

das Casas de Yorck , e de Lancastre<br />

respirava em fim, governan<strong>do</strong><br />

Henrique VII. Os tres reinos <strong>do</strong><br />

Norte estavão reuni<strong>do</strong>s: mas a Suécia<br />

gemia com os grilhões , que a<br />

sujeitavão á Dinamarca, e tratava<br />

de quebral-os. A Polonia elegia<br />

seus Reis; ella tinha de se defender<br />

contra os Turcos ^ que talavão<br />

seus campos ; e contra os Russos,<br />

que já se tínhão torna<strong>do</strong> para ella<br />

visinhos temiveis. O <strong>do</strong>minio <strong>do</strong>»<br />

Turcos se espalhava ir* Europa, e


38 Historiei<br />

na Asia sobre hum território immenso.<br />

Portugal não .^e occupava , se<br />

não com suas descnbertas, e com<br />

seus estabelecimentos maritimos. D.<br />

João II. era a alma das grandes<br />

emprezas , e cios seus vassallos f


Do Brasil. i j<br />

humanos. Toca<strong>do</strong> vivamente <strong>do</strong> eX-<<br />

emplo <strong>do</strong>s navegantes Portuguezes ,<br />

Christovão Colo mb) concebe o projecto<br />

de abrir huma passagem ás<br />

índias pelos mares <strong>do</strong> Occidente :<br />

elle parte a offerecer suas esperanças<br />

, e s u a s promessas ámuitQS soberanos-,<br />

que o desprezão, As vis^<br />

tas <strong>do</strong>s Portuguezes estavão então<br />

exclusivamente voltadas, para a Ar,<br />

frica; e D. João II. não fez a Co*<br />

lomb melhor accolhimento , que os<br />

Reis de França , e de Inglaterra.,<br />

O illustre Genovez foi igualmente<br />

rejeita<strong>do</strong> pelos soberanos.de;Castel+<br />

la: mas o que os seus, planos vastos<br />

prometi ião de lisonjeiro,lhe obtém<br />

dç Isabel protçcção;, e soççorro.<br />

Elie se aventura então aobte<br />

mares desconheci<strong>do</strong>s , e descobre a<br />

America. Voltan<strong>do</strong> .ctas Antilhas ,<br />

elle se avisinha ás costas de Portugal<br />

v entra 110 Tejo , acompanha-:<br />

<strong>do</strong> de alguns índios , .^trazen<strong>do</strong><br />

Oiro , C íruetos <strong>do</strong> ¡SIQ.VO Mun<strong>do</strong>.<br />

Estes signaes não equivocos de hum<br />

successo inaudito ; as narrações cm-


38 Historiei<br />

faticas <strong>do</strong> feliz navegante excitâo^<br />

arrependimentos, e o pezar da Corte<br />

de Lisboa. O Monarcha reprimió<br />

de repente com horror a proposição<br />

de fazer perecer Colomb :<br />

elle ao contrario o tratou com distinção<br />

; e o illustre Genovez appareceu<br />

cuberto de gloria na Corte<br />

de Castella , onde recebeu o titulo ,<br />

e as honras de Vice Rei <strong>do</strong> Novo<br />

Mun<strong>do</strong>.<br />

Os successos da sua primeira<br />

expedição fez nos Portuguezes huma<br />

sensação tão viva , ijue D.<br />

João II. julgou dever equilibrar<br />

os effeitos delia aos olhos da sua<br />

nação por meio de alguma grande<br />

empre?a. Elle fez immediatamente<br />

preparativos d v armas para abrir em<br />

fim a passagem ás Indias Orientaes.<br />

Mas o Rei de Castella , ven<strong>do</strong> nas<br />

suas disposições huma especie de<br />

hostilidade , queixou-se disso por<br />

seu embaixa<strong>do</strong>r. Os preparativos<br />

forão suspendi<strong>do</strong>s, e a contenda<br />

foi submettida á authoridade da<br />

Santa Sé , occupada então por Ale-


JDo Brasil. 48<br />

Jcandre VI. O Papa, cujo poder<br />

divino as chias Potencias reconhecião<br />

, diviaio-lhes o mun<strong>do</strong> , assignantío<br />

á ambição de cada huma seu<br />

hemisferio á parte. Huma linha<br />

imaginaria tirada de Norte á Sul,<br />

cem léguas á Oeste das ilhas de<br />

Cabo Verde , e <strong>do</strong>s Açores, dava<br />

o Occiílente á Hespanha , e o Oriente<br />

á Portugal ; convenção , que<br />

desordenarão bem depressa as novas<br />

descubertas, e que nenhuma das<br />

nações marítimas respeitou.<br />

D. João II. morreu no fim <strong>do</strong><br />

decimo quinto século , depois de<br />

ter adquiri<strong>do</strong> por sua justiça , por<br />

suas virtudes , e por suas empregas<br />

o appellico de Grande , e de<br />

Perfeito : mas levou com sigo ao<br />

tumulo, o duplica<strong>do</strong> sentimento de<br />

ter recusa<strong>do</strong> as offertas de Colomb ,<br />

e de não ter consumma<strong>do</strong> a expedição<br />

das índias Orientaes. Todavia<br />

esta expedição foi preparada no<br />

seu reina<strong>do</strong> , e seu successor a realisou.<br />

Aqui começa o século de vigor ,


38 Historiei<br />

e de gloria de Portugal. D. Manuel<br />

, chama<strong>do</strong> o Grande , neto<br />

de D. Eduar<strong>do</strong> , tinha subi<strong>do</strong> ao<br />

throno por falta de filho legitimo<br />

de D. João II. Dota<strong>do</strong> das mais<br />

bejlas qualidades , elle se mostrou<br />

bem depressa o amigo das artes *<br />

o protector da navegação , o pai<br />

<strong>do</strong> seu povo ; e não se deixou penetrar<br />

da gloria de seus Predecessores<br />

, se não para accrescental-a<br />

çada vez mais ao esplen<strong>do</strong>r <strong>do</strong> throno<br />

, e á prosperidade da nação.<br />

Elie faz logo conselhos frequentes<br />

para reformar os abusos , pára traçar<br />

hum plano geral de governo ,<br />

e para se occupar com novas descubertas.<br />

Algumas considerações de hurna<br />

tin.ida politica , alguns restos<br />

daqueiles prejuízos ataca<strong>do</strong>s for-»<br />

temente pelos primeiros successos ,<br />

mas não inteiramente destruí<strong>do</strong>s ,<br />

abalarão os sentimentos <strong>do</strong> gênio<br />

de D. Manoel , e parecerão obter,<br />

mesmo huma especie de prepondejrancia<br />

, á qual teria cedi<strong>do</strong> outro


Do Brasil. i j<br />

qualquer , que não fosse o Neto<br />

de D. Eduar<strong>do</strong>. Porém depois das<br />

mais maduras deliberações nada<br />

demoroxi mais o Monarcha ; e decidio-se<br />

, que se abriria a derrota<br />

das grandes índias pelo Occeano<br />

Occidental em conformidade <strong>do</strong>s<br />

planos já concebi<strong>do</strong>s.<br />

Huma frota de quarenta vasos<br />

ne confiada ao comman<strong>do</strong> de Vasco<br />

pa Gama , oriun<strong>do</strong> de huma casa<br />

•»Ilustre de Portugal: elle parre em<br />

1497 com instrucções ordenadas<br />

por D,. M*nuel mesmo. O Cabo<br />

das Tormentas, reconheci<strong>do</strong> onze<br />

annos antes, tinha apresenta<strong>do</strong> a<br />

Possibilidade de huma passagem ao<br />

Oceano Indiatico , e tinha recebi<strong>do</strong><br />

desde então o nome cle Cabo da<br />

Boa Esperança , que o Gama devia<br />

verificar.<br />

Este grande navegante <strong>do</strong>brou<br />

o Cabo , ttiumfou de to<strong>do</strong>s os perigos<br />

, e os pavilhões <strong>do</strong>s Portu-<br />

-guezes navegarão pela primeira vez<br />

sobre aquelles mares . ao través<br />

<strong>do</strong>s quaes clles tinhâo deseja<strong>do</strong> tan-


38<br />

Historiei<br />

to abrir hura caminho. Gama proseguio<br />

sua derroca ; correu a costa<br />

oriental da Africa ; e ao depois de<br />

ter erra<strong>do</strong> milito tempo sobre hum<br />

occeano desconheci<strong>do</strong> , encontra<br />

á 14 gráos de latitude meridional<br />

pilotos Mahometanos , com auxilio<br />

<strong>do</strong>s quaes apporta no reino de Calecut.<br />

Mais" de mil, e quinhentas<br />

leguas de costa forão reconhecidas<br />

nesta celebre viagem.<br />

Na chegada <strong>do</strong>s P0rtugue7.es o<br />

In<strong>do</strong>stão , este vasto , e bello paiz,<br />

comprehenrii<strong>do</strong> entre o In<strong>do</strong> , e o<br />

Ganges estava dividi<strong>do</strong> entre muitos<br />

soberanos mais, ou menos poderosos.<br />

O rei de Calecut, mais conheci<strong>do</strong><br />

pelo nome de Çamorim ,<br />

que corresponde á dignidade de Impera<strong>do</strong>r<br />

, possuía os esta<strong>do</strong>s , que<br />

ficavão mais proximos ao mar: elle<br />

estendia o seu <strong>do</strong>minio sobre to<strong>do</strong><br />

o Malabar , que em menos de tres<br />

séculos ao depois a força das armas<br />

devia submetter com toda a península<br />

da India ao poder Británico.<br />

Gama instrui<strong>do</strong> da situação po-


JDo Brasil. 29<br />

Utica da costa , apporta em Cale*<br />

cut , onde o commercio florescia<br />

com mais vantagem-, e propõe ao<br />

Çamorim huma alliança , e hum<br />

tracta<strong>do</strong> de commercio com o Rei<br />

seu soberano. O Monarcha índia* ,<br />

tico accolhe logo a Gamai porém<br />

excita<strong>do</strong> ao depois pelos Mahometanos<br />

, encontra na intrepidez , na<br />

actividade , na ambição <strong>do</strong>s navegantes<br />

Portuguezes huma origem<br />

de inquietações : elle os cerca de<br />

laços , e de perigos. O Almirante<br />

Portuguez não escapa delles, se<br />

não pela sua firmeza impassível,<br />

e por meio de represalias exercitadas<br />

á proposito, Elle torna a tomar<br />

a derrota da Europa , depois<br />

de ter feito respeitar o nome Portuguez<br />

na India, onde não tinha<br />

encontra<strong>do</strong> disposições verdadeiramente<br />

favoraveisu. senão em o Rei<br />

de Melinda , que o fez acompanhar<br />

por hum embaixa<strong>do</strong>r..<br />

, Põde-se facilmente julgar , que<br />

recebimento D. Manuel reservava<br />

W iUustre Almirante. Sua chegada


3°<br />

•Historia<br />

foi celebrada com festas brilhantes ¿<br />

e com to<strong>do</strong>s os testemunhos de.alegria<br />

publica. Cheio de signaes d»<br />

estima, e de reconhecimento dç><br />

seu Soberano, Vasco.-da Gama £oi<br />

feito Conde da Vidigueira , crea<strong>do</strong><br />

Grande de Portugal;y honra<strong>do</strong> com<br />

o titulo de Duque para si


Do Brasil.<br />

Veneza no decimo quinto século<br />

tirava quasi sd da Alexandria ,<br />

que no reina<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Ptolomêos no<br />

tempo <strong>do</strong>s Romanos , e c!os Árabes<br />

ti-nlia Si<strong>do</strong> o empório <strong>do</strong> Egypto ,<br />

da Etíropa , e das Índias. He assim ;<br />

que-os Portuguezes romperão os<br />

obstáculos , que se oppunhão aos<br />

progressos da navegação , da industria<br />

, e das luzes. Sua passagem is<br />

Grandes Índias substituío logo Lisboa<br />

á Veneza : e se , como não se<br />

pôde duvidar, a grandeza <strong>do</strong>s acconr<br />

tecimentos devfc medir-se pela sua<br />

influencia sobre a sorte das nações ,<br />

sobre suas relações commerciaes, e<br />

politicas, a expedição <strong>do</strong> Gama , q<br />

o reiijá<strong>do</strong> de D. Manuel são liúma<br />

destas épocas memoráveis , que a<br />

<strong>historia</strong> honra-se 'de-ter- cie assigr<br />

nalar para .gloria da Europa , eipa-»<br />

r ' d a instrucção <strong>do</strong> futuro. •'


38<br />

Historiei<br />

de Veneza , e o de Gênova, já enfraqueci<strong>do</strong><br />

pelos Tnrcos, cahio rapidamente<br />

: outas nações , até então<br />

fracas , ou desconhecidas, se<br />

levantarão alternativamente pela<br />

navegação, e pelo commercio. A<br />

idéa só de riquezas immensas , de<br />

huma natureza inteiramente diversa<br />

, de mares até então ignora<strong>do</strong>s<br />

de novas origens de riquezas<br />

eleCtrisou os espiritos , excitou a<br />

emulação., e accendeu a cubiça.<br />

Desde que se tracjtou de tentar<br />

conquistas na Africa , e na Asia ,<br />

tanto a sède de enriquecer * como<br />

o desejo de segurar o Esta<strong>do</strong> , e de<br />

propagar o Evangelho fez correr<br />

os Portuguezes em tropel ás praias<br />

estrangeiras. Immediatamente suas<br />

frotas'cobrem , e <strong>do</strong>minão os mares<br />

da Índia. D. Manuel não se occupa<br />

, se não em submetter este rk.o<br />

paiz ás suas armas. As emprezas<br />

intrépidas, as victorias brilhantes<br />

<strong>do</strong>s Almeidas ,.e <strong>do</strong>s Albuquerques<br />

Jbe.segurão em menos de très aunes<br />

aposse de G.^a áquem <strong>do</strong>Gan-


JDo Brasil. 33<br />

ges , de Malaca no Chersoneso <strong>do</strong><br />

Ciro , de Adem na costa da Arabia<br />

feliz, e cie Òrmiii no Golfo<br />

Per sico: seus navios frequentão a<br />

Eihiopia oriental, o Mar Vermelho<br />

, e to<strong>do</strong>s os mares da Asia: suas<br />

feitorias se estabelecem desde Ceuta<br />

até ás fronteiras da China. Já<br />

os Portuguezes tem descuberto cinco<br />

mil léguas de costas; já o accaso<br />

, e a tempestade lhes tem franquea<strong>do</strong><br />

o <strong>do</strong>minio de hurna das mais<br />

vastas regiões <strong>do</strong> hemisferio Occidental<br />

; <strong>do</strong> Brasil, que situa<strong>do</strong> á<br />

mil e quinhentas léguas da Metrópole<br />

, e logo despresa<strong>do</strong> , ha de vir<br />

a ser hum dia , depois da ordem<br />

eierna <strong>do</strong>s accontecimentos, hum<br />

<strong>do</strong>s mais bellos impérios da America<br />

, o refugio da Monarchia Portugueza,<br />

c a verdadeira Séde <strong>do</strong><br />

seu Poder.<br />

Tom. I. C


LIVRO SEGUNDO.<br />

Bescuberta <strong>do</strong> Brasil por D. Pedro<br />

Alvares Cabral. Expedif<br />

ões de Américo Vespucio , e<br />

cie Coelho. Descuberta <strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro , e <strong>do</strong> Paraguay por<br />

João Dias de Solis , Piïoto mór<br />

de Castello. Morte deste navegante.<br />

Primeiras disputas<br />

de Hespan/ia, e de Portugal<br />

por motivo das descubertas da<br />

America. Morte d' El-Rei D.<br />

Manuel o Afortuna<strong>do</strong>. D. João<br />

Hl' lhe succédé, e fôrma o<br />

projecto de colomsar o Brasil.<br />

15C0 r— 15ÛI.<br />

A Penas a entrada <strong>do</strong> célebre Gama<br />

no Tejo havia prova<strong>do</strong> á Eu-


38 Historiei<br />

ropa inteira, que as Grandes índias<br />

erão dahi por diante accessiveis<br />

aos Portuguezes , quan<strong>do</strong> D.<br />

Manuel , cheio de esperanças , concebeu<br />

vastos projectos., que não<br />

olhou mais como vans tentativas.<br />

Frotas numerosas , e capazes de dar<br />

leis, onde quer que apportassem ,<br />

forão successivamente esquipadas<br />

para as índias.<br />

Nem o consummo das finanças ,<br />

nem as perdas inseparáveis destas<br />

navegações perigosas embaraçárão<br />

o Rei. A perspectiva de hum futuro<br />

glorioso , as conquistas , que<br />

ellas promettião á Religião, e á<br />

prosperidade de seus esta<strong>do</strong>s, não<br />

lhe permittião mais calcular os sacrifícios.<br />

.<br />

Os Portuguezes , que não tixihão<br />

ainda penetra<strong>do</strong> os projectos<br />

deste Monarcha em toda a sua extensão<br />

, se apresentarão então em<br />

tropel para os realisar.<br />

A primeira frota, composta de<br />

treze vasos, apromptoii-se para dar<br />

á vela no gaez de Março de 1500.


Do Brasil. i j<br />

Ella era commandada por D. Pedro<br />

Alvares Cabral, oriun<strong>do</strong> de<br />

huma das primeiras familias <strong>do</strong> Reino<br />

, Governa<strong>do</strong>r da Provinda da<br />

Beira , e senhor de Belmonte. Cabral<br />

teve por Lugartenente outro<br />

fidalgo , chama<strong>do</strong> Sancho de Tavor.<br />

A frota tinha de guarnição mil, e<br />

quintos homens arma<strong>do</strong>s , além das<br />

equipagens.<br />

Segun<strong>do</strong> o theor das suas instrucções<br />

, Cabral devia tocar Sofáta<br />

, visitar os Reis da costa da índia<br />

, fazer com elles alliança , e<br />

formar alguns estabelecimentos ,<br />

que pudessem servir á hum tempo<br />

de escala , e de deposito para os<br />

gêneros commerciaes na viagem, e<br />

yolta das Grandes índias: elle<br />

devia ao depois ir direito - á Cale-<br />

; e depois de ter esgota<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os meios de brandura com o<br />

Çamorim , para obter delle a faculdade<br />

de estabelecer huma feitoria<br />

na sua Capital, devia declarar-lhe<br />

huma guerra aberta , no caso que<br />

elle recusasse ás proposições de Por-<br />

1 r<br />

tugal.


38 Historiei<br />

D. Manuel, queren<strong>do</strong> assignalar<br />

a partida cie Cabral co n huma<br />

grande solemnidade , ajuntou o povo<br />

na Cathedral de Lisboa. O Bispo<br />

de Ceuta pontificou , e recitou<br />

âo depois huma oração , cujo principal<br />

objecto foi o elogio de Cabral ,<br />

que emprehendia com tanto valor<br />

huma tão grande expedição marítima.<br />

Acabada a oração , o Bispo<br />

recebeu sobre o Altar o estandarte<br />

com armas Portuguezas , o qual<br />

durante as funções Ecclesiasticas<br />

estivera finca<strong>do</strong> junto ao mesmo<br />

Altar; e depois de o ter publicamente<br />

benzi<strong>do</strong> , deu-o ao Hei, que<br />

o entregou á Cabral em presença<br />

<strong>do</strong>s Grandes , e <strong>do</strong> povo. O Monarcha<br />

poz-lhe ao depois na cabeça<br />

hum chapéo bento , que o Papa<br />

tinha envia<strong>do</strong> , e lhe prodigalisou<br />

os signaes os mais honrosos de huma<br />

confiança sem limites. A bandeira<br />

foi então, levantada , e conduzida<br />

processionalmente á praia,<br />

aonde o Rei em pessoa acompanhou<br />

a Cabral , queren<strong>do</strong> ser tes-


Do Brasil. i j<br />

temunha <strong>do</strong> embarque, que se fez<br />

c<br />

om estron<strong>do</strong> da artilheria <strong>do</strong> port0<br />

» e com aoplausos geraes <strong>do</strong><br />

povo.<br />

. A partida <strong>do</strong> Gama não tinha<br />

81<br />

<strong>do</strong> honrada com maior pompa;<br />

tomo se a nação tivesse previsto ,<br />

Çue o resulta<strong>do</strong> desta segunda expedição<br />

á índia devia grangear á<br />

Portugal hum império ainda mais<br />

rico, e mais extenso.<br />

O Tejo estava cuberto de botes<br />

, cheios de especta<strong>do</strong>res , que<br />

ião , e voltavão da frota á praia,'<br />

>> Todas estas chalupas (diz o liis-<br />

» toria<strong>do</strong>r Barros , testemunha oc-<br />

» cular) estavão agaloadas de li-<br />

'» krés, de galhardetes , e de armarias;<br />

e davão ao rio huma<br />

vista de hum jardim orna<strong>do</strong> d&<br />

>» flores diversas em hum <strong>do</strong>s mais<br />

" bellos dias cia primavera. Mas<br />

>» o que exaltava mais os espíritos<br />

» (continua o Historia<strong>do</strong>r Portu-<br />

" gnez , empregan<strong>do</strong> hum estilo<br />

« q u asi poético ) era o som armo-<br />

T, nioso , e sonoro das flautas, <strong>do</strong>s-


38<br />

Historiei<br />

tambores, <strong>do</strong>s boés, das trom-<br />

,, bètas, ao qual se unia o som o<br />

„ mais suave da agreste charame-<br />

„ la , que até então não tinha res-<br />

,, soa<strong>do</strong> , se não em pra<strong>do</strong>s, e val-<br />

.„ les; e que pela primeira vez se<br />

j, fazia ouvir sobre as aguas sal-<br />

,, gadas <strong>do</strong> Vasto Occeano.<br />

Depois desta época o Rei de<br />

Portugal tez embarcar em cada huma<br />

frota destinada para a America<br />

, ou para as Grandes índias hum<br />

Corpo de músicos , a fim de que<br />

aquelles de seus vassallos , ^que emprehendessem<br />

tão longas 'navegações<br />

, não fossem priva<strong>do</strong>s de algum<br />

<strong>do</strong>s Unitivos capazes de os<br />

distrahir <strong>do</strong> enojo , e das fadigas<br />

<strong>do</strong> mar.<br />

Cabral fez-se á vela, e chegou<br />

és ilhas cle Cabo Verde com 13<br />

dias. Até ahi nenhum aceidente<br />

havia perturba<strong>do</strong> sua navegação.<br />

Elie percebeu então , que hum <strong>do</strong>s<br />

seus navios lhe faltava ; esperou-o<br />

<strong>do</strong>is dias inteiros, e não continuou<br />

sua derrota , senão depois de per-


Do Brasil. i j<br />

der a esperança de o reunir á sua<br />

frota. Porém para evitar as calmarias<br />

. e a costa da Africa , elle amarou-se<br />

de tal sorte, que bati<strong>do</strong> por<br />

huma tempestade vio-se obriga<strong>do</strong><br />

a declinar para o Occidente. Iminediatamente<br />

coin grande admiração<br />

sua a 24 de Abril de 1500 descubrió<br />

á Oeste huma terra desconhecida<br />

a 10 gráos além cia Linha:<br />

era o Brasil.<br />

O bote , larga<strong>do</strong> ao mar , chegou<br />

á praia ; virão-se alguns selvagens<br />

com a têz cõr de cobre,<br />

inteiramente nús, com o nariz achata<strong>do</strong><br />

, e cabellos negros, e que arca<strong>do</strong>s<br />

de arco , e flexa se chegáó<br />

10 , mas sem sensibilisar intenção<br />

"alguma hostil. Fugirão , ven<strong>do</strong> desembarcar<br />

os Portuguezes , e ajuntarão-se<br />

sobre huma eminencia. O<br />

vento contrario , e o mar agita<strong>do</strong><br />

obrig-árão a Cabral, durante a noite<br />

. a alongar-se da costa , á que<br />

acabava de approximar-se , e a buscar<br />

outio ancora<strong>do</strong>uro ao sul: correu<br />

até 15 grãos de latitude aus-


38<br />

Historiei<br />

trai , e iescobrinclo hum bello porto<br />

, ancorou com segurança , e por<br />

isso deu-lhe o nome de Porto Seguro.<br />

Mandárão-se de novo chalupas<br />

á praia: ellas trouxerão <strong>do</strong>is<br />

naturaes apanha<strong>do</strong>s em huma piroga<br />

, em que andavão pescan<strong>do</strong>.<br />

Cabral os fez vestir com bellos vesti<strong>do</strong>s<br />

, ornou-os com bracelêtes de<br />

latão , deu-lhes campainhas, e espelhos<br />

, e tornou a mandal-os para<br />

terra. Este expediente teve bom<br />

êxito. Alguns selvagens inteiramente<br />

nús, e de huma còr avermelhada<br />

se appresentárão , e attrahi<strong>do</strong>s<br />

pelos presentes , e affagos , estabelecerão<br />

com os Portuguezes communicações<br />

amigaveis : trocárão<br />

fructos , milho , e farinha de mandioca<br />

pelas drogas da Europa , de<br />

que os navios tinhão si<strong>do</strong> carrega<strong>do</strong>s<br />

para traficar na costa da Africa.<br />

O Almirante, Portuguez fez reconhecer<br />

as terras , e soube com<br />

alegria pelas relações <strong>do</strong>s seus espias<br />

, que ellas paredão ferteis ,<br />

cortadas de bellos ribeiros, cuber-


Do Brasil.<br />

tas de diversas especies de arvores,<br />

e de frucros , e povoadas de homens<br />

, e de aiiimaes.<br />

No dia seguinte (Domingo de<br />

Páscoa ) Cabral sábio á terra com<br />

seus pr ncipaes Officiaes , e hum a<br />

parte das suas equipagens. Levantou<br />

hum Altar para a celebração<br />

de huma Missa solemne , arvorou<br />

huma Cruz sobre huma grande arvore<br />

copada , e mandau fazer huma<br />

em pedra na praia mesmo. Daqui<br />

he , que a nova terra tomou<br />

o nome de Santa. Cru7t ; porque o<br />

dia 3 de Maio , dia desta tomada<br />

de posse , he dedica<strong>do</strong> á Santa Cruz:<br />

mas o nome Brasil, pelo qual era<br />

"y^.conhecida a preciosa madeira de<br />

Untura , encontrada ao Norte desta<br />

parte da America , não tem prevaleci<strong>do</strong><br />

menos. Este nome traz a<br />

etimologia da palavra Portugueza<br />

frisas, dada á esta madeira <strong>do</strong><br />

brasil por causa de seu bello vermelho<br />

còr de fogo vivo.<br />

Desce mo<strong>do</strong> Cabral começou<br />

n ° Brasil o primeiro estabelecimento<br />

i j


44<br />

H istoria<br />

Portuguez no cume de hum roche<strong>do</strong><br />

esbranquiça<strong>do</strong> , fronteiro áhum<br />

terreno , que elevan<strong>do</strong>-se ao Norte<br />

, aplanava-se ao Meiodia , e formava<br />

pouco a pouco huma praia<br />

arenosa.<br />

Em quanto elle fazia celebrar<br />

a Missa solemne ao som da musica<br />

, e das salvas cla artilheria , os<br />

índios, que chegavão em multidão<br />

para verem hum espectáculo tão<br />

novo , persistião no mais profun<strong>do</strong><br />

silencio , como toca<strong>do</strong>s de espanto ,<br />

e de admiração. Cabral, fiel aos<br />

princípios <strong>do</strong> seu século , e ao systeraa<br />

cie proselytismo , que se tornou<br />

muitas vezes o pretexto <strong>do</strong>s<br />

furores humanos , encarregou ao<br />

Monge Henrique da Coimbra , superior<br />

de sete Missionários , que<br />

elle conduzia ás índias, que annunciasse<br />

o Evangelho á estes povos.<br />

Elle estava longe sem duvida<br />

de esperar bom successo de huma<br />

prégação , que não podia ser entendida<br />

; mas cumpria com hum dever ,<br />

que lhe impunhão as Bulias Apos-


Do Brazil.<br />

tolicas. Fora destes sentimentos particulares<br />

Cabral devia pensar com<br />

huma especie de orgulho , que elle<br />

er a o primeiro , que fazia pregar<br />

a Fé nestas praias estrangeiras. As<br />

equipagens não deixarão de applaudir<br />

hum z,êlo , que por então justificava<br />

, e parecia garantir tu<strong>do</strong>.<br />

Durante" o Officio Divino os<br />

«aturaes <strong>do</strong> Brasil derão signaes<br />

de hum interesse muito grande,<br />

que_ não era certamente, senão o<br />

effeito da admiração , mas que agra<strong>do</strong>u<br />

tomar-se por hum recolhimento<br />

de espirito. Elles seguirão com<br />

exactidão to<strong>do</strong>s os signaes de a<strong>do</strong>ração<br />

, e de humildade <strong>do</strong>s Padres,<br />

,freios-assistentes ; puzerâo-se de<br />

joelhos , levantárão-se, baterão nos<br />

peitos , e imitarão em tu<strong>do</strong> os Portnguezes<br />

com intenção de lhes agradar.<br />

Estes virão em todas estas demonstrações<br />

o presagio de hum futuro<br />

feliz. Com efteito o accolhimento<br />

prompto , e fácil , que lhes<br />

faz ião os Brasileiros da costa , era<br />

ttjijD agoiro favorável das disposi-


4 6<br />

Histeria<br />

çóes, e <strong>do</strong> caracter destes povos<br />

Indiaticos. Com tu<strong>do</strong> não se percebeu<br />

entre elles vestigio algum de<br />

religião , nem de governo , nem<br />

mesmo de civilisação traçada.<br />

Cabral fez plantar na praia huma<br />

columna de pão , assignalada<br />

com as armas de Portugal , e apressou-se<br />

em mandar á Corte de Lisboa<br />

hum de seus Capitães, chama<strong>do</strong><br />

Gaspar de Lemos , para noticiar<br />

sua descuberta , que dava á<br />

nação Portugueza hum novo império.<br />

Foi embarca<strong>do</strong> com Lemos hum<br />

<strong>do</strong>s naturaes <strong>do</strong> Brasil , para fazer<br />

conhecer á D. Manuel seus<br />

novos vassallos. Cabral voltou para<br />

bor<strong>do</strong> , deixan<strong>do</strong> no paiz dS ; *<br />

criminosos condemna<strong>do</strong>s á morte ,<br />

e cujo castigo tinha si<strong>do</strong> commuta<strong>do</strong><br />

em desterro, Os Brasileiros o<br />

acompanháráo até a sua chalupa ,<br />

cantan<strong>do</strong> , dançan<strong>do</strong>, baten<strong>do</strong> as<br />

palmas, disparan<strong>do</strong> flexas ao ar ,<br />

elevantan<strong>do</strong> os braços ao Ceo para<br />

significarem a alegria , que lhes<br />

causava huma tal visita. Chegarão<br />

i


Do Brasil.<br />

& metter-se pelo mar dentro para<br />

seguirem os Portuguezes: alguns<br />

forão até a frota em suas pirogas:<br />

outros , tanto homens , como mulheres<br />

, se lançarão á na<strong>do</strong> com huma<br />

cle streza espantosa , como se a agua<br />

fosse seu elemento natural. Cabral<br />

deixou a costa , dirigio-se ao Cabo<br />

da Boa Esperança , e seguio para<br />

as índias Orientaes, seu primeiro<br />

destino.<br />

D. Manuel recebeu cem alegria<br />

a noticia , que lhe trouxe Lemos.<br />

Elie via estender-se seu <strong>do</strong>mínio<br />

para o futuro não só nas tres antigas<br />

partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> , mas também<br />

na quarta , apenas descuber«<br />

.j&i. Os successos de Cabral na índia"<br />

verifjcárão por outra parte todas<br />

as suas esperanças. Era bastante<br />

aos Portuguezes appresentarem-se ,<br />

para darem leis; e aquelles mesmos<br />

soberanos, cuja alliança elles tinhão<br />

procura<strong>do</strong> , já não obtinhão a sua ,<br />

se não reconhecen<strong>do</strong>-se vassallos<br />

da Côjte de Lisboa. Estes interesses<br />

erão tão grandes, que as des.<br />

i j


48<br />

H istoria<br />

cubertas occidentaes não fizcrão poi*<br />

então nos Portuguezes Iiuma diversão<br />

considerável.<br />

O Rei resolveu-se com tu<strong>do</strong> a<br />

esquipar luima frota , destinada a<br />

trazer de novo hum conhecimento<br />

completo desta nova região , e segurar<br />

a posse delia. Américo Vespucio<br />

, hábil geografo , foi escolhi<strong>do</strong><br />

por D. Manuel para acompanhar<br />

Orejo na sua expedição ao<br />

Brasil. Emprega<strong>do</strong> logo pelos. Reis<br />

cle Castel}a D. Fernan<strong>do</strong> , e D. Isabel<br />

, Vespucio não tinha recebi<strong>do</strong> ,<br />

depois de duas viagens ás índias<br />

Occidentaes, se não hum írio accolhimento<br />

, que elle devia naturalmente<br />

notar de ingratidão. O. Rei<br />

de Portugal empenhou-se em empregar<br />

em utilidade o descontentamento<br />

<strong>do</strong> celebre navegante , que.<br />

podia servir-lhe. Deste mo<strong>do</strong> o usurpa<strong>do</strong>r<br />

da gloria cle Colomb foi chama<strong>do</strong><br />

á Lisboa , e encarrega<strong>do</strong> da<br />

navegação ao Brasil. A sua missão<br />

era sobretu<strong>do</strong> assignalar os limites,<br />

das terras, que Cabral tinha des-


Do Brasil. i j<br />

cnberto , e explorar com cuida<strong>do</strong> 0$<br />

portos , e costas della.<br />

Teria si<strong>do</strong> fácil á Colomb , depois<br />

de ter reconheci<strong>do</strong> na sua terceira<br />

viagem a Ilha da Trindade,<br />

a costa de Cumana, e as fozes <strong>do</strong><br />

Ourtnoque , o seguir estas mesmas<br />

costas <strong>do</strong> hemisferio occidental, que<br />

o terião conduzi<strong>do</strong> , avançan<strong>do</strong> paia<br />

o Sul , até o Rio das Amazonas:<br />

elle teria então infallivelmente<br />

descuberto o Brasil. Porém chama<strong>do</strong><br />

a S. Domingos pelos seus primeiros<br />

estabelecimentos , aban<strong>do</strong>nou<br />

para o Noroeste esta nova .derrota<br />

, que teria ainda illustradp<br />

s eu nome pela brilhante descuberta<br />

- com que os accontecimentos imprevistos<br />

devião enriquecer os Portuguezes.<br />

Entretanto Vicente Ianez Pin-<br />

Ç°n , que tinha acompanha<strong>do</strong> Colomb<br />

na sua primeira viagem , passan<strong>do</strong><br />

ao depois a Lisboa , descubrió<br />

alguns mezes antes de Cabral<br />

as costas <strong>do</strong> Brasil , visinhas<br />

a embocadura 4o Amazonas. Mas<br />

Tom. I. D *


Historiei<br />

to<strong>do</strong>s os navegantes estavSo persuadi<strong>do</strong>s<br />

então a se regularem pela<br />

falsa tiledria , de que as novas<br />

descubertas na America faziSo parte<br />

<strong>do</strong> grande continente da India,<br />

¿esté mo<strong>do</strong> a costa , que Pinçon<br />

je conheceu , era julgada na linha<br />

de demarcação devolvida aos Portugnezes<br />

pelo soberano Pontifice ;<br />

e Cabral tomou posse delia antes<br />

mesmo, que o navegante Castelhano<br />

chegasse á Hespanha.<br />

Ajuda<strong>do</strong> na sua navegação pela<br />

experiencia cie suas precedentes viagens<br />

, Américo Vespucio partio<br />

com tres vasos , e chegou á costa<br />

<strong>do</strong> Brasil. Alguns homens daequi- {<br />

pagem , envia<strong>do</strong>s á descuberta , forão<br />

apanha<strong>do</strong>s, e devora<strong>do</strong>s pelos<br />

selvagens á vista mesmo dà frota.<br />

Vespucio se apartou logo destes<br />

antropophagos ; e chegan<strong>do</strong> á altura<br />

de oito gráos de latitude meridional<br />

, estabeleceu com os índios<br />

menos barbaros communicaçóes a*<br />

migáveis. Reconheceu o paiz , en'<br />

trou em alguns portos , certificou'


Do Brasil. i j<br />

se de muitos ancora<strong>do</strong>uros" e poz<br />

«as suas operações tanto cuida<strong>do</strong> ,<br />

€ intelligencia , que se elle não<br />

verificou inteiramente o enthusiasmo<br />

<strong>do</strong>s povos, que derão seu nome<br />

ao mun<strong>do</strong> novamente deicuber-<br />

£ o, ao menos fez mais plausivel a<br />

opinião vulgar , que privou Colomb<br />

da gloria , que tinha mereci<strong>do</strong>. Vespucio<br />

avançou até trinta gráos além<br />

<strong>do</strong> Rio da Prata ; ganhou outra<br />

vez o mar alto , e entrou em Lisboa<br />

depois de seis mezes de navegação.<br />

Suas relações lisongeárão pouco<br />

a ambição de D. Manuel: ellas no<br />

geral não se ajustavão com as de<br />

Cabral. O navegante Florentino<br />

a Ppresentava a nova descuberta debaixo<br />

de hum aspecto pouco favorável.<br />

Ella não offerecia , segun<strong>do</strong><br />

as suas observações, senão vastos<br />

desertos, terras pouco próprias para<br />

a cultura , e selvagens pouco susceptíveis<br />

de civilização.<br />

Deste mo<strong>do</strong> D Manuel não dava<br />

á descuberta de Cabral to<strong>do</strong> o<br />

D a


Historiei<br />

valor , que ella merecia. Elle conheceu<br />

sim , que não devia ser inteiramente<br />

desprezada , mas que<br />

erão precisas novas verificações para<br />

estabelecer hum juizo ainda mais<br />

seguro. Portanto determinou segunda<br />

viagem , e Vespucio partió de<br />

Lisboa' com huma frota de seis vasos,<br />

deque Gonsalo Coelho eia<br />

commandante em chefe. A discordia<br />

ateou-se logo entre estes <strong>do</strong>is navegantes.<br />

Ò Florentino se queixou<br />

ao depois amargamente <strong>do</strong> commandante<br />

Portuguez. A expedição estava<br />

destinada para Santa Cruz,<br />

onde Cabral tinha apporta<strong>do</strong>: poíém<br />

chegan<strong>do</strong> ao Brasil, Coelho empresou<br />

"os conselhos de Vespiici'o;<br />

perdeu quatro de seus navios pelo<br />

pouco conhecimento, que os pilotos<br />

tinhão das correntes , e pela<br />

ignorancia, que elle mesmo tinha<br />

da costa. Elie reconheceu-a com tu<strong>do</strong><br />

, correu duzentas e sessenta leguas<br />

ao Sul , apportou na altura<br />

de dezoito gráos de latitude, con-<br />

6çrvou-se muitos mezes em boa ia-


Do Brasil. i j<br />

telligencia com os naturaes, e fazia<br />

levantar hum forte na costa ,<br />

onde deixou vinte e quatro homens,<br />

escapos ao naufragio da Náo commandante.<br />

Depois de ter corri<strong>do</strong><br />

as terras , e feito carregar de páu<br />

brasil os navios, que lhe restavão ,<br />

empregou muitos mezcs em visirar<br />

Os portos , e rios , experimentan<strong>do</strong><br />

grandes fadigas. Finalmente voltou<br />

para a Europa , entrou com Vespucio<br />

no Tejo , e foi recebi<strong>do</strong> como<br />

hum navegante intrépi<strong>do</strong> , que<br />

tinha triumfa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s maiores perigos<br />

, e aquém a Metropole já não<br />

esperava ver , havia muito tempo.<br />

As observações de Coelho erão<br />

màis conformes ás primeiras noticias<br />

dadas por Cabral. As terras<br />

1}l e tinhão pareci<strong>do</strong> bôas , e ferteis ;<br />

porém como não tinha podi<strong>do</strong> descubrir<br />

as minas <strong>do</strong> Brasil , fonte<br />

das maiores riquezas <strong>do</strong> paiz , D.<br />

Manuel não julgou dever-se occupar<br />

por então <strong>do</strong> intento de estabelecer<br />

nelle colonias permanentes.<br />

Era difficil com tuclo , que lni-


54<br />

H istoria<br />

ma tão importante descuberta se<br />

fizesse de repente a herança exclusiva<br />

de huma Monarchia pouco temida<br />

na Europa , sem fazer nascer<br />

a concurrencia , ou a rivalidade<br />

entre as potencias maritimas. A<br />

Hespanha sobre tu<strong>do</strong>, que olhava<br />

a America como seu proprio <strong>do</strong>minio<br />

, mostrou-se logo invejosa <strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>minio <strong>do</strong> Brasil , excitada por<br />

Américo Vespucio , que ven<strong>do</strong> sen<br />

tival prevalecer sobre elle na volta<br />

á Lisboa , entrou indigna<strong>do</strong> no<br />

serviço <strong>do</strong> Rei de Castella , e instou<br />

fortemente com este Monarcha ,<br />

para que tomasse posse da costa ,<br />

que elle acabava de reconhecer debaixo<br />

<strong>do</strong> Pavilhão Portugués.<br />

A grande reputação , que elle<br />

devia a estas ulcimas viagens , lhe<br />

grangeou logo a gloria de ciar o<br />

seu nome de Américo ás partes septentrionaes<br />

<strong>do</strong> Brazil: mas ten<strong>do</strong><br />

ao depois prevaleci<strong>do</strong> so este ultimo<br />

nome , elle teria si<strong>do</strong> despoja<strong>do</strong><br />

de huma gloria justamente adquirida<br />

, se os Geografos da Europa


Do Brasil. i j<br />

Jíão tivessem estendi<strong>do</strong> seu nome<br />

á totalidade <strong>do</strong> novo continente.<br />

He assim , que o accaso , ou o capricho<br />

deu ao navegante de Florença<br />

huma celebridade , que não<br />

Pertencia , se não ao navegante Gelvez<br />

, seu illustre rival.<br />

Authorisa<strong>do</strong> pela Corte de Hespanha<br />

, Vespucio se embarcou de<br />

novo para o Brasil com Ianez Pin-<br />

Çon , e João Dias de Solis , piloto<br />

mdr de Castella : mas estes tres navegantes<br />

conservarão tão pouca<br />

harmonia entre si em to<strong>do</strong> o cur-<br />

«o da sua expedição , que nãq fizer<br />

ão outra coisa , se não fincar algumas<br />

Cruzes ao longo da costa. Esta<br />

navegação infructuosa foi assignal<br />

ft da pela deplorável morte de Solis.<br />

Ten<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> de Hespanha era<br />

l 5!6» elle tinha si<strong>do</strong> o primeiro,<br />

que entrara no porto magnifico dp<br />

Rio de Janeiro , onde tinha toma<strong>do</strong><br />

posse da costa em nome <strong>do</strong> Rei<br />

de Castella , mas sem se demorar;<br />

e tinha continua<strong>do</strong> sua derrota para


Historiei<br />

o Sul. Chegan<strong>do</strong> á entrada de hum<br />

grande rio , ao qual deu o nome<br />

de Rio da Prata , não ousou metter-se<br />

nelle com me<strong>do</strong> de naufragar<br />

nos roche<strong>do</strong>s , e escolhos. Não<br />

queren<strong>do</strong> com tu<strong>do</strong> voltar á Hespanha<br />

sem ter toma<strong>do</strong> hum conhecimento<br />

exacto <strong>do</strong> rio , costeou a<br />

praia occidental, e descobrio logo<br />

índios, que paredão convidal-o a<br />

desembarcar , lançan<strong>do</strong> por terra<br />

suas armas, e seus ornatos , como<br />

para lhe render homenagem.<br />

Engana<strong>do</strong> por estas demonstrações<br />

, de que elle de certo não<br />

tinha motivo de desconfiar , desembarcou<br />

sem precaução , e com Iturria<br />

comitiva pouco numerosa. A*<br />

medida que se avançava , os sel-l<br />

vagens se retiravão: elles o mettêráo<br />

assim em hum bosque , aonde<br />

o navegante Castelhano não<br />

temeu seguil-os quasi só. Apenas<br />

entrou no bosque , quan<strong>do</strong> hum chuveiro<br />

de flexas o lançou por terra<br />

morto com to<strong>do</strong>s os seus compa-»<br />

nlieiros. Os Índios despojarão os


Do Brasil. i j<br />

cadaveres , atteárão hum grande<br />

fogo na praia , assarão-nos , e os<br />

devorárão mesmo á vista <strong>do</strong>s Hespanhoes,<br />

que tinhão fica<strong>do</strong> na chalupa,<br />

ou que tinhão podi<strong>do</strong> fugir<br />

para ella : estes cheios dc horror<br />

Voltarão para suas embarcações , e<br />

se fizerão outra vez á vela para<br />

a Hespanha.<br />

Tal foi o destino de hum <strong>do</strong>s<br />

mais hábeis navegantes <strong>do</strong> seu tempo<br />

, mas que não era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> da<br />

prudência necessaria para formar<br />

liuma empreza colonial.<br />

Instruí<strong>do</strong> da viagem de Vespucio<br />

, e de Solis, o Governo Portuguez<br />

queixou-se á Côrte de Castellá<br />

, corno de hum a infracção <strong>do</strong>s<br />

seus- limites. Estas duas Potencias<br />

quasi sempre rivaes , e com quem<br />

o Papa Alexandre VI. tinha tão<br />

liberalmente reparti<strong>do</strong> as terras ,<br />

que se descubrissem , pareciao reconhecer<br />

esta linha de demarcação<br />

para to<strong>do</strong>s, excepto no que dizia<br />

respeito a. ellas mesmas.<br />

.Estafamosa linha excluia real-.


58<br />

H istoria<br />

mente os Portuguezes <strong>do</strong> novo continente<br />

; e sen<strong>do</strong> todavia a terra<br />

de huma forma esferica , huma linha<br />

de demarcação , traçada de<br />

hum só la<strong>do</strong> <strong>do</strong> globo , tornava-se<br />

inteiramente illusoria. Assim á força<br />

de interpretações o Rei de Portugal<br />

chegou a fazer comprehender<br />

o Brasil no hemisferio , que o<br />

Papa Alexandre VI. lhe tinha assigna<strong>do</strong>.<br />

Os navios de Solis tinhão entra<strong>do</strong><br />

na Hespanha carrega<strong>do</strong>s de<br />

páo Brasil. D. Manuel exigio logo ,<br />

que as carregações lhe fossem entregues<br />

, bem como as equipagens ,<br />

que elle queria punir, como contrabandistas<br />

, e fraudulentos. Estas '<br />

representações não for5o inteiramente<br />

baldadas. Carlos V. acabava<br />

de subir ao throno de Hespanha , |<br />

e queria viver em paz com Portugal<br />

, para tornar sua ambição contra<br />

to<strong>do</strong> o resto da Europa. Elie<br />

prometteu á D. Manuel, que não<br />

procuraria dahi em diante estabelecer-se<br />

no Brasil juntamente com<br />

k


Do Brasil.<br />

os Portugueses, a quem o accaso<br />

desde estes primeiros tempos parecia<br />

procurar a posse exclusiva de<br />

hum tão vasto império , cujo merecimento<br />

o Monarcha Hespanhol<br />

sem duvida não conjecturava.<br />

Assim logo que, tres annos ao<br />

depois, Magalhães tocou o Rio de<br />

Janeiro , não comprou aos Brasileiros<br />

, se não viveres , para não<br />

dar a D. Manuel motivos de queixas.<br />

Entretanto o consummo lucrativo<br />

das carregações de páo brasil ,<br />

que Vespucio tinha importa<strong>do</strong> , fez<br />

lembrar logo a alguns especula<strong>do</strong>res<br />

o emprehender este commercio ,<br />

c empregar nelle navios mercantes<br />

: seu fito era unicamente me-<br />

Iborar em huma terra virgem hiiproducção<br />

, que se fazia preciosa<br />

ao commercio. Estas expedições<br />

parciaes se mnltiplicárão , e<br />

appresentou se em qualidade de interpretes<br />

, de agentes, e de correspondentes<br />

hum grande numero de<br />

aventureiras, que forão voluntária-<br />

i j


6o<br />

Historia<br />

mente habitar em hum paiz delicioso<br />

, e abundante, onde se podia<br />

gozar de hurna independencia<br />

completa , entre selvagens , que<br />

pela maior parte se mostrárão lo-'<br />

go hospitaleiros. Estes primeiros<br />

colonos" não forão os únicos. De<br />

tempos a tempos o Governo Portuguez<br />

fazia partir para o Brasil hum ,<br />

ou <strong>do</strong>is navios carrega<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s maiores<br />

criminosos <strong>do</strong> reino. l?to era<br />

hum meio cle fazel-o? em certo mo<strong>do</strong><br />

passar debaixo <strong>do</strong> tropico pela<br />

condemnação , que parecia , qutí<br />

se lhes per<strong>do</strong>ava na Europa; porque<br />

estes homens , condemna<strong>do</strong>s<br />

pelas leis, se mostrárão sem alguma<br />

attenção para coin os naturaer<br />

<strong>do</strong> Brasil; e estes abrin<strong>do</strong> em fim<br />

os olhos sobre o perigo da escravidão<br />

, que os ameaçava , se puzerão<br />

em defeza por toda a parte.<br />

Deste mo<strong>do</strong> as primeiras relações<br />

<strong>do</strong>s malfeitores Portuguezes com osselvagens<br />

<strong>do</strong> Brasil forão inteiramente<br />

fataes aos Europêos, e aos<br />

indígenas. Aquelles, por isso que


Do Brasil.<br />

erão deprava<strong>do</strong>s, perderão o sentimento<br />

de horror , que os sacrifícios<br />

humanos <strong>do</strong>s cannibaes lhes tinhão<br />

feito experimentar ; e estes deixár<br />

So logo de ter para com homens,<br />

Çue elles tinhão julga<strong>do</strong> de Imma<br />

Natureza superior , aquella venera<br />

Ção , que poderia ter redunda<strong>do</strong><br />

c m sua utilidade , conduzin<strong>do</strong>-os á<br />

hum esta<strong>do</strong> cie maior civilisação.<br />

Por tanto , durante o reina<strong>do</strong><br />

de D. Manuel , as expedições ao<br />

Brasil não tiverão por objecto , se<br />

não pesquisaçóes , verificações , e<br />

tentativas; e o Governo Portuguez<br />

«ão enviou á sua nova possessão ,<br />

se não força<strong>do</strong>s, e mulheres depravadas.<br />

Os navios, que executavão<br />

es ta especie de deportação , não<br />

erão carrega<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> volta vão<br />

para a Europa , se não de papagaios<br />

, macacos, e madeiras de tintas.<br />

^Posto que estas madeiras se tinhão<br />

torna<strong>do</strong> hum <strong>do</strong>s primeiros<br />

objectos <strong>do</strong> comraercio <strong>do</strong> Brasil ,<br />

»s Portuguezes esta vão com tu<strong>do</strong><br />

i j


6o Historia<br />

bem longe de encontrar então nas<br />

producçòes desta immensa colonia<br />

O cego attractivo, que as riquezas<br />

da índia offerecião incessantemente<br />

á sua cobiça. As emprezas as<br />

mais illustres , os successos os mais<br />

rápi<strong>do</strong>s , as conquistas as mais brilhantes<br />

absorbião , por assim dizer ,<br />

no Orienre to<strong>do</strong>s os votos , e todai<br />

as esperanças da nação Portugneza ,<br />

em quanto no Novo Mun<strong>do</strong> a incerteza<br />

, e os perigos se appresentavão<br />

á cada passo. Aquelles, que<br />

erão para ahi transporta<strong>do</strong>s, não<br />

podião se empregar , se não em huma<br />

penosa agricultura , e na defeza<br />

<strong>do</strong>s seus dias; e a maior parte<br />

delles considerava esta viagem , como<br />

hnma especie cle castigo infligi<strong>do</strong><br />

á criminosos: não admirava<br />

pois , que os Portuguezes não abrissem<br />

os olhos mais se<strong>do</strong> sobre as<br />

vantagens reaes, que o Governo<br />

affectava desconhecer.<br />

Tal era ainda a situação <strong>do</strong><br />

Brasil vinte annos depois de descuberto<br />

, quan<strong>do</strong> D. Manuel, depoi«


Do Brasil. i j<br />

hum grande reina<strong>do</strong> , terminou<br />

su a gloriosa carreira , chora<strong>do</strong> como<br />

o pai de seu povo , o amigo<br />

das scitncias , e o protector da navegação.<br />

Seus designios dignos de honra ,<br />

é a prosperidade , que sempre os<br />

acompanhou, lhe grangeárão o appelliclo<br />

ele Affortuna<strong>do</strong>. Foi com<br />

effeito no seu reina<strong>do</strong>, que a India<br />

se fez realmente tributaria a Portugal.<br />

As conquistas de AfFonso<br />

de Albuquerque ; os brilhantes estabelecimentos<br />

, que forão as consequências<br />

delias ; o commercio tão<br />

rico , como differente , cujas fontes<br />

elles abrirão á nação ; a immensa<br />

extensão <strong>do</strong>s paizes, que forão subm<br />

etti<strong>do</strong>s aos Portuguezes ; suas<br />

possessões firmadas desde Ormuz<br />

a té á China ; sua influencia no resto<br />

das tres partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ; a descuberta<br />

em fim de hum novo continente<br />

> c «ja existencia parecia manifestar-se<br />

para augmentar sua gloria<br />

; taes íorão os grandes acconteciraentos<br />

, que fi¿€rá© notável


64<br />

H istoria<br />

este reina<strong>do</strong> para admiração rival<br />

<strong>do</strong>s contemporâneos, e para assombro<br />

da posteridade.<br />

Até esta época o merecimento<br />

da desenberta <strong>do</strong> continente Brasiliense<br />

tinha si<strong>do</strong> quasi desconheci<strong>do</strong>.<br />

Occupa<strong>do</strong> exclusivamente <strong>do</strong>s<br />

negocios da Índia, Portugal pensava<br />

pouco em hum paiz , onde os<br />

producios , e as vantagens devião<br />

provir muito menos <strong>do</strong> commercio ,<br />

que da agricultura. Erão unicamente<br />

as permutações , e o commercio<br />

, que os Port11gue7.es procuravão<br />

com tanto ar<strong>do</strong>r, quanto os<br />

Hespanhoes tinhão pela desenberta<br />

das minas de oiro , e prata. Por<br />

tanto o Brasil perseverou ainda<br />

aberto ás outras nações da Europa<br />

nos primeiros annos <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> de<br />

D. João III. , filho , e snccessor de<br />

D. Manuel. Mas este Príncipe não<br />

pertendeu todavia renunciar aos<br />

frUCtos que elle não julgava impossíveis<br />

de colher. Posto que mais<br />

religioso , que politico , elle se occupou<br />

essencialmente na prosperi-


Do Brasil. i j<br />

dade das suas colonias , e principalmente<br />

cio Brasil. Tranquillo sobre<br />

as pertençóes cia Hespanha,<br />

depois que terminara suas desavenças<br />

com esta Potencia por meio de<br />

s eu casamento com a irmã de Carlos<br />

V. , elle não tinha que temer,<br />

s e não a rivalidade <strong>do</strong>s Francezes ,<br />

que já se mostravão sobre os mares<br />

<strong>do</strong> Brasil com a intenção de<br />

terem parte ao menos nas vantagens<br />

, que esta nova descuberta<br />

parecia offerecer. A Côrte de França<br />

não tinha reconheci<strong>do</strong> a validade<br />

da repartição das duas índias<br />

entre Portugal , e Hespanha; e<br />

arma<strong>do</strong>res Norman<strong>do</strong>s tinhão começa<strong>do</strong><br />

a tempo a fazer emprezas<br />

re motas , ou antes a exercitar huma<br />

espécie de pirataria nos navios<br />

•Portuguezes , que voltavSo da índia<br />

carrega<strong>do</strong>s das riquezas <strong>do</strong> 0riente.<br />

As expedições <strong>do</strong>s Francezes<br />

ao Brasil tiverão hum caracter<br />

mais honroso: elles procurárão estabelecer<br />

relações amigaveis com os<br />

ftaturaes , e procurar madeiras de<br />

Tom. I. E


66<br />

H istoria<br />

tinta por meio de trocas sem alguma<br />

violencia, nem vexações. Atemorisa<strong>do</strong><br />

por esta concurrencia ,<br />

D. João III. man<strong>do</strong>u fazer representações<br />

por seu Embaixa<strong>do</strong>r em<br />

Pariz: ellas não forão attendidas,<br />

sen<strong>do</strong> a Potencia de Portugal muito<br />

fraca para se fazer respeitar na<br />

Europa. D. João III. resolveu-se<br />

então a tractar como inimigos to<strong>do</strong>s<br />

os navios , que fossem encontra<strong>do</strong>s<br />

nas suas possessões da America.<br />

Em consequência enviou huma<br />

frota ao Brasil , commandada<br />

por Christovão Jacques, muito hábil<br />

navegante , que por instrucções<br />

<strong>do</strong> Rei estava encarrega<strong>do</strong> de<br />

examinar de novo a costa , de excluir<br />

os Francezcs, e de marcar os<br />

pontos convenientes para levantar<br />

feitorias , ou estabelecimentos estaveis.<br />

Christovão reconheceu povoa' j<br />

çóes novas, e novos povos: vísi'<br />

tou sobre tu<strong>do</strong> a famosa Bahia .<br />

que elle dedicou á To<strong>do</strong>s os Santos.<br />

e cuja extensão, e importancia fí-


Do Brasil. i j<br />

zerão no futuro dar este nome á<br />

Metropole de to<strong>do</strong> opaiz. Dois navios<br />

Francezes alii tinhão entra<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>is dias antes; e o Commandante<br />

Portuguez , exploran<strong>do</strong> as sinuosidades<br />

, e portos deste immenso golfo<br />

, descubrio estes navios em bum<br />

delles , e os quiz aprezar, como<br />

contrabandistas: elles quizerão resistir<br />

, mas em vão ; Christovão<br />

metteu-os ambos á pique com a<br />

carregação , e equipagens. Estabeleceu<br />

ao depois , porém mais lone<br />

, ao Norte <strong>do</strong> continente na<br />

arra da ilha de Itamaracá a primeira<br />

feitoria Portugueza ; e voltan<strong>do</strong><br />

a Lisboa , confirmou pela reação<br />

da sua navegaçao as esperanças<br />

, que D. João III. começa<br />

a conceber relativamente ao Brasil,<br />

•t-ste Principe applicou toda a sua<br />

atenção á huma tão importante<br />

colônia, edividio-a em muitas províncias,<br />

e propoz-se a distribuil-as<br />

com os fidalgos, ou nobres os mais<br />

denoda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu reino, com condição,<br />

de que; elles se encarrega-


68<br />

H istoria<br />

rião de as submetter , e de as colonisar<br />

em nome de Portugal. Esta<br />

distribuição de terras com o titulo<br />

de <strong>do</strong>minios , assim quanto á cultura<br />

, como quanto ao senhorio feudatario<br />

, devia estender-se á cincoenta<br />

leguas de costa para cada<br />

hum <strong>do</strong>s concessionários, accrescentan<strong>do</strong><br />

accidentalmente, o que<br />

pudessem adquirir de mais no interior.<br />

A applicação ao Brasil deste<br />

systema de concessão, posto já em<br />

uso por D. Manuel, foi a fonte,<br />

e a origem <strong>do</strong>s primeiros estabelecimentos<br />

, que regularão em fon a<br />

colonia em utilidade daMetropòle.<br />

Mas antes de entrar nestas exposições<br />

históricas, lie necessário ,<br />

que nós façamos aqui a descripção<br />

<strong>do</strong> paiz , cuja <strong>historia</strong> temos emprehendi<strong>do</strong>';<br />

o quadro da sua situação<br />

, logo que foi descuberto ; o<br />

<strong>do</strong>s costumes <strong>do</strong>s seus habitantes<br />

naturaes com a posição respectiva<br />

das differentes povoações Brasileiras.


LIVRO TERCEIRO.<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil na. época da descubería.<br />

Descripyõo geral desta<br />

vasta região. Caracter , costumes<br />

, e usos , numeramento ,<br />

e descripç-ão geográfica das povoações<br />

Brasilienses.<br />

1500. — 1521.<br />

O Nome de Brasil, que não foi<br />

c 'a<strong>do</strong> logo, senão á huma parte das<br />

c ostas marítimas desde a embocadura<br />

<strong>do</strong> Amazonas até o Rio de S.<br />

Pedro , se estende hojfe á todas as<br />

possessões Portuguezas da America<br />

Meridional. Confinan<strong>do</strong> á Este com<br />

o Oceano , e á Oeste com o Perú,<br />

esta vasta região parecia dever-se<br />

comprehender para sempre de Norte<br />

á Sul. pelos <strong>do</strong>is grandes rios odas


Historiei<br />

Amazonas , e o cia Prata. Por elles<br />

se marcavão ao menos seus. limites<br />

naturaes: mas suas fronteiras, posto<br />

que determinadas por diversos<br />

tracta<strong>do</strong>s, não tem hoje limites,<br />

principalmente para o Norte , depois<br />

que o interesse , e a politica<br />

não reconhecêrão nem pacto , nem<br />

equilibrio.<br />

O Brasil desde o Amazonas,<br />

qttast debaixo <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r na decima<br />

parallela de latitude <strong>do</strong> Norte<br />

até o rio da Prata aos 35 gráos<br />

de latitude meridional , se estende<br />

em longitude á perto de nove cenias<br />

leguas communs : sua maior<br />

largura de Este á Oeste he de perto<br />

de sete centas leguas, e contém<br />

na superficie exterior mais de <strong>do</strong>is<br />

quintos da America Meridional. As<br />

praias y e as sinuosidades <strong>do</strong> mar<br />

lhe dão mais de duzentas leguas<br />

de costa.<br />

Observa<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar este continente<br />

ao chegar á elle , parece de<br />

longe eleva<strong>do</strong> , agreste , e desigual:<br />

mas de perfo nenhum aspecto <strong>do</strong>


Do Brasil. i j<br />

mun<strong>do</strong> lie mais pictoresco , nem<br />

mais admiravel : suas eminencias<br />

são cubertas de bosques magniíicos,<br />

e seus valles são de huma verdura<br />

eterna.<br />

O interior <strong>do</strong> Brasil não he ,<br />

por assim dizer, se não liuma immensa<br />

floresta; mas o centro he<br />

forma<strong>do</strong> de hum vasto terreno da<br />

America Meridional, que he como<br />

a bacia , ou base centrai <strong>do</strong> paiz ,<br />

e que lie conheci<strong>do</strong> debaixo <strong>do</strong> nome<br />

de Campos Pare xis , ou Planícies<br />

de Pareais , assim chama<strong>do</strong><br />

de huma nação índia que o habita.<br />

Esta vasta região , que se estende<br />

de Oriente â Occidente, he<br />

cuberta quasi por todas as partes<br />

de terras leves, e de montões de<br />

arêas, que de longe por effeito de<br />

suas ondulações parecém-se com as<br />

vagas <strong>do</strong> mar. O solo he friável;<br />

tão arenoso , que as tropas de machos<br />

, e as caravanas se subterrão ,<br />

e dificilmente abrem caminho: elle<br />

não mostra de huma, e outra parte<br />

, se não huma erva rasteira com


72 H istoria<br />

o tronco delga<strong>do</strong> , de hum pé de<br />

altura , cujas folhas pequenas , e<br />

re<strong>do</strong>ndas tem a forma de lancêtas.<br />

Este immenso terreno de arêa se<br />

encontra como enterra<strong>do</strong> para o<br />

centro , e para o cume das cordilheiras<br />

de montanhas <strong>do</strong> mesmo nome<br />

, reputadas as mais altas <strong>do</strong><br />

Brasil, e que se estendem á huma<br />

longitude de mais de duzentas léguas.<br />

He esta a grande arca , <strong>do</strong>nde<br />

sahem não só to<strong>do</strong>s os rios , que<br />

desaguão no Amazonas, 110 Paraguay<br />

, e no Occeano Meridional ,<br />

mas também muitas correntes , que<br />

produzem oiro, e outras, que correm<br />

por hum terreno semea<strong>do</strong> cle<br />

diamantes.<br />

Ao Su<strong>do</strong>este o Paragaay , o<br />

Marone , o Guarupe' , o Madeira ,<br />

e mais de Kinta rios , que nelle<br />

misturão SURS aguas, formão como<br />

hum largo canal de perto de<br />

500 léguas de circuito ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Brasil. Estas correntes immensas o<br />

separão das províncias Hespanholas,<br />

e lhe servem , como de baluarte


Do Brasil. i j<br />

interior. Ahi são as partes centraes<br />

da America Portugueza, tão ricas<br />

por tantos thesoiros descubertos ,<br />

oti ainda occultos no seio da terra ,<br />

reservatório natural de tantos rios,<br />

que se subdividem em canaes innumeraveis,<br />

e offerecem aos possessores<br />

<strong>do</strong> Brasil caminhos fáceis<br />

para penetrar até o interior <strong>do</strong><br />

Per ii.<br />

A principal massa das montanhas<br />

se encontra ao Norte <strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro nas cabeceiras <strong>do</strong>s tres<br />

grandes rios S. Francisco , Paraná,<br />

e Tocantins. Nellas não só lie<br />

abundante o ferro , e o cobre , mas<br />

também encerrão ricas minas de<br />

°iro , e de diamantes: achão-se<br />

também topázios, safiras , turmalin<br />

as , cymophanes, e differentes<br />

espécies de crystal derroca.<br />

Deste gruppo de montanhas elevadas<br />

se prolongão diversas cordilheiras<br />

parallelamente ás costas <strong>do</strong><br />

Norte com o nome de Serra das<br />

Esmeraldas , Serro <strong>do</strong> Frio. Partin<strong>do</strong><br />

outra ramificação <strong>do</strong> mesmo


74<br />

H istoria<br />

centro, segue huma direcção similhante<br />

para o Sul: terceira cordilheira<br />

com o nome de Matto Grosso<br />

se encurva ao Noroeste até o terreno<br />

central , dividin<strong>do</strong> suas aguas<br />

entre os rios , que de huma parte<br />

se perdem no Paraguay , e Paraná<br />

, e da outra no Tocantins, e<br />

Chingú.<br />

Entre o Pará , e o Paraguay<br />

estende-se de Norte á Sul huma<br />

cadê a de montanhas muito extensa<br />

, chamada Amambahy , que terminan<strong>do</strong><br />

ao Sul <strong>do</strong> rio I guatimy ,<br />

fôrma de Leste á Oeste outra cadêa<br />

chamada Maracayer.<br />

Outros differentes grnppos menos<br />

conheci<strong>do</strong>s cingem o rio Tocantins<br />

, e seus affluentes em longo<br />

espaço , além da ltiapaba , huma<br />

das cordilheiras de montanhas as<br />

mais consideráveis <strong>do</strong> Brasil, que<br />

se estende para a costa septentrional<br />

entre o Maranhão , e Pernambuco.<br />

Poucos paizes no mun<strong>do</strong> são<br />

além disso banha<strong>do</strong>s , e vivifica<strong>do</strong>s


Do Brasil. i j<br />

com tanta profusão. O maior de to<strong>do</strong>s<br />

os rios, o Amazonas , que nasce<br />

no Perú no seio das mais altas<br />

montanhas da terra , entra á Noroeste<br />

pelo território <strong>do</strong> Brasil, engrossa-se<br />

com o Rio Negro , cujas<br />

innundações o tem íeito comparar<br />

á hum mar d'agua <strong>do</strong>ce; com o<br />

Mio da Madeira , ou Rio <strong>do</strong>s Bosques<br />

, cujo curso he de mais de<br />

700 léguas; com o Tapajóq , que<br />

vem das alturas centraes , ou Campos<br />

Pare xis , e cujo curso he cle<br />

trezentas léguas ; e em fim com o<br />

Chingú , que desce <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s de<br />

Matto Grosso. Este rio forma hum<br />

<strong>do</strong>s mais bellos ramos <strong>do</strong> Amazonas,<br />

no qual elle vê-se outra vez reuni<strong>do</strong><br />

, depois de hum curso de mais<br />

de quatrocentas léguas, interrompi<strong>do</strong><br />

por muitos saltoáâ Suas margens<br />

cubertas de impenetráveis bosques<br />

são habitadas pjr índios in<strong>do</strong>máveis.<br />

A maior parte destes rios <strong>do</strong><br />

interior são pertencentes ao continente<br />

Brasiliense , correm com ra-


76<br />

H istoria<br />

piclez por terras inhabitadas , que<br />

elles muitas vezes innundão , e acabão<br />

augmentan<strong>do</strong> as aguas <strong>do</strong> immenso<br />

Amazonas , que não tem<br />

menos de mil , e trezentas leguas<br />

de curso.<br />

Sobre este grande rio as tempestades<br />

são tão perigosas , como<br />

no mar largo. Suas margens não<br />

appresentão de to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s , se<br />

não huma vasta planicie pantanosa<br />

, e na sua barra de <strong>do</strong>ze leguas<br />

de largura elle servia de limites naturaes<br />

ao Brasil.<br />

Rival <strong>do</strong> Amazonas , e augmenta<strong>do</strong><br />

com as aguas <strong>do</strong> Araguaija ,<br />

cujas margerts são povoadas por<br />

-muitas tribus guerreiras, o Rio <strong>do</strong>s<br />

Tocantins , magestoso na sua ori-<br />

-gem , banha o Brasil no espaço de<br />

quinhentas 'iegúa-s de Sul á Norte.<br />

Suás ribas 9®o guarnecidas cie montanhas<br />

, e bosques: na sua origem<br />

numerosas catadupas indicão bastante,<br />

que elle abre seu curso ao<br />

través <strong>do</strong>s valles, e <strong>do</strong>s precipicios.<br />

Mas reuni<strong>do</strong> no Araguaya comi*


Do Brasil.<br />

nua seu curso em lium leito commtira<br />

, offerecen<strong>do</strong> a immcnsa vantagem<br />

dehuma navegação não interrompida<br />

desde a sua barra até<br />

o centro <strong>do</strong> Brasil; barra , que estan<strong>do</strong><br />

visinha á cio Amazonas , vem<br />

misturar suas aguas por hum braço<br />

de communicação com a vasta<br />

corrente daquelle grande rio. A<br />

agua , e a terra parecem disputarse<br />

o clominio destas regiões , alternativamente<br />

seccas , e alagadas.<br />

Todas as costas circumvisinhas<br />

são terrenos baixos , palu<strong>do</strong>sos, ou<br />

lodentos, forma<strong>do</strong>s pelas alluvioes<br />

reunidas <strong>do</strong> Amazonas, <strong>do</strong> Tocantins<br />

, e <strong>do</strong> Occeano : nenhum dique<br />

, nenhum recife demora a violência<br />

das ondas , e das marés«. Com<br />

tu<strong>do</strong> bancos de arêa , e ilhas meio<br />

submersas fechão as Vjanas destes<br />

<strong>do</strong>is rios, que precip.vkm<strong>do</strong>-se ambos<br />

no Atlântico , cle .ko<strong>do</strong> differtnte<br />

da corrente commum lutSo com as<br />

vagas <strong>do</strong> Oceano ; porque nas marés<br />

grandes o mar com a rapidez<br />

das ondas reunidas produz lvuma<br />

i j


78<br />

H istoria<br />

especie de fenomeno periodico chama<strong>do</strong><br />

Pororoca pelos Portugueses,<br />

e pelos índios. Nada então se pode<br />

oppôr ao Ímpeto das ondas <strong>do</strong> Occeano<br />

, e <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is rios , que se misturão<br />

com estron<strong>do</strong>. Hum rui<strong>do</strong> espantoso<br />

annuncia , e acompanha<br />

esta subita invasão : montanhas<br />

d'agua <strong>do</strong>ce se elevão , se abatem ,<br />

succedem humas ás outras, e enchem<br />

n'hum instante quasi toda a<br />

immensa largura <strong>do</strong> canal. Estas<br />

vagas espantosas saltão á praia,<br />

arrancão grossas arvores , carregão<br />

montões de terra, e submergem as<br />

embarcações , que se oppõem ao seu<br />

furor.<br />

Desde a foz <strong>do</strong> Tocantins até<br />

Pernambuco as costas desde Este<br />

até Sul não tem 110 longo espaço<br />

de perto de quatrocentas léguas outro<br />

algum ri-o de dilata<strong>do</strong> curso. O<br />

Maranhão ,«"(/ Rio Grande <strong>do</strong> Nor'<br />

te, e o Paraíba, que desagua no<br />

ponto o mais oriental, tem , lie verdade<br />

, muito grandes barras e formão<br />

na estação chuvosa torrentes,


Do Brasil. i j<br />

de que os campos ficão innunda<strong>do</strong>s:<br />

mas no tempo secco elles tem ape»<br />

nas hum fio d'agua , e seu leito<br />

serve de caminho aos naturaes <strong>do</strong><br />

Brasil.<br />

Entre Pernambuco , e a Bahia<br />

o Rio cie S. Francisco , que traz<br />

a sua origem <strong>do</strong> la<strong>do</strong> das serras ,<br />

que ficão ao Noroeste <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro , corre por hum terreno eleva<strong>do</strong><br />

, e dirigin<strong>do</strong>-se ao Norte ,<br />

volta circularmente á Este. Seu<br />

curso de mais de trezentas léguas<br />

he muitas vezes interrompi<strong>do</strong> por<br />

saltos.<br />

Segue-se ao depois o Rio Grande<br />

de Porto Seguro , até aqui mal conheci<strong>do</strong><br />

, e que sahin<strong>do</strong> rias montanhas<br />

Pitnnquy , corre para o<br />

Norte, ao depois para Este , quasi<br />

sempre cerca<strong>do</strong> de hurâ terreno rico<br />

de madeiras preciosas, e de minas<br />

de diamantes. %<br />

Mais para o Meio dia misturase<br />

nos mares cio Brasil o Paraíba ,<br />

chama<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sal , para distinção de<br />

outros <strong>do</strong>is rios <strong>do</strong> mesmo nome: he


6o<br />

Historia<br />

notável pelo seu curso de mais cie<br />

cento ecincoenta léguas, paraiello<br />

ao mar, de que elle he separa<strong>do</strong><br />

pela cordilheira de montanhas, que<br />

formão o Cabo de S. Thome , e o<br />

Cabofrio.<br />

Desde estes <strong>do</strong>is cabos até a<br />

3o.a paralella de latitude meridional<br />

não desagua no Occeano algum<br />

outro rio considerável , não fallan<strong>do</strong><br />

no Rio Real , e no Rio Doce ,<br />

que correm de Oeste á Este. Nestes<br />

lugares quasi todas as aguas<br />

correm para o interior , e se lanção<br />

no Paraná , ou no Uraguay ,<br />

os quaes ambos nascem das montanhas<br />

centraes.<br />

Não nos demoraremos aqui sobre<br />

as particularidades naturaes <strong>do</strong><br />

Paraná ; porque a direcção <strong>do</strong> seu<br />

curso o fafc. mais essencialmente<br />

pertencer afr Paraguay , que ao<br />

Brasil. V,<br />

Toda a costa oriental não appresenta<br />

, se não huma multidão<br />

de bailias, e de promontorios. Entre<br />

estes osprincipaes são Cabo de


Do Brasil. i j<br />

Santo Agostinho em nove gráos<br />

de latitude; o Cabofrio aos vinte<br />

e cinco ; o de S. Vicente , o mais<br />

meridional de to<strong>do</strong>s.<br />

A Bahia mais vasta he a de<br />

To<strong>do</strong>s os Santos , cuja inteira descuberta<br />

os Portuguezes devem ao<br />

Capitão Jacques, terceiro navegante<br />

<strong>do</strong> Brasil: ella terá , bem como<br />

a barra magnifica <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

, sua descripção particular no<br />

decurso desta obra.<br />

As costas septentrionaes desde<br />

o Pará até Olinda são semeadas<br />

de recifes, e de ilhotas, nas quaes<br />

se quebrão as vagas <strong>do</strong> Oceano ,<br />

e que appresentão muitas vezes a<br />

figura de hum molhe natural , que<br />

se prolonga paralellamente pela<br />

costa.<br />

Ao vigésimo terceiro gráo de<br />

latitude meridional com^ão em pouca<br />

distancia de Porto Seguro os famosos<br />

cachopos chama<strong>do</strong>s Abrolhos,<br />

que se estendem longe , e fazem o<br />

terror <strong>do</strong>s pilotos. Ahi se descobrem<br />

muitos canaes estreitos , por<br />

Tom. I. F


6o<br />

Historia<br />

onde os navios podem navegar , mas<br />

não sem grande risco.<br />

O Brasil, situa<strong>do</strong> inteiramente<br />

debaixo da Zona tórrida ; e em<br />

hum clima menos ardente , goza de<br />

vantagens de muitos climas por esta Jr<br />

duplicada situação: deste mo<strong>do</strong> o<br />

solo nelle he favoravel á quasi todas<br />

as producçóes <strong>do</strong> globo. Em<br />

huma tão vasta extensão as estações<br />

, e a temperie offerecem precisamente<br />

huma muito grande variedade.<br />

Os calores nas visinhanças<br />

<strong>do</strong> Amazonas são mitiga<strong>do</strong>s<br />

pela humidade natural de suas ribas<br />

palu<strong>do</strong>sas. Remontan<strong>do</strong> as origens<br />

<strong>do</strong>s rios encontrão-se planícies<br />

elevadas, ferteis valles, que gozão<br />

de hum clima saudavel , e tempera<strong>do</strong><br />

, principalmente em Minas<br />

òeraes, Villa Rica , e S. Paulo.<br />

Nestes paiass hum benigno calor<br />

permitte aoKructos da Europa o<br />

¿acerem entre as producçóes da<br />

America.<br />

Xal he também o clima da grande<br />

ilha <strong>do</strong> Maranhão , que pertence (


Do Brasil. i j<br />

ao Brasil , onde as quatro estações<br />

se confundem, e aterra está sempre<br />

florida , e as arvores sempre<br />

Verdes. A abundancia de orvalho ,<br />

a sombra <strong>do</strong>s bosques, e a frescura<br />

deliciosa das noites formão huma<br />

primavera perpetua.<br />

Mas o frio he sensivel na extremidade<br />

meridional <strong>do</strong> confinente<br />

Brasiliense na costa de S. Vicente.<br />

Ahi se achão as altas montanhas<br />

de Parnabiacaba , <strong>do</strong>nde<br />

parte huma multidão de fontes<br />

límpidas , que dão mais frescura<br />

ao ar.<br />

O vento <strong>do</strong> Oeste , passan<strong>do</strong><br />

por cima de vastos bosques pantanosos<br />

, se torna por isso pestilente<br />

no interior. Muitas vezes o calor<br />

excessivo , que segue o curso<br />

sol, enche a athmoí fera de partículas<br />

ígneas , que v', oduzem effeitos<br />

funestos: mas o ar maligno<br />

se corrige algumas Vezes pelo cheiro<br />

balsamico de huma grande quantidade<br />

de ervas aromaticas , que se<br />

ta» sentir ainda alguma» legilas


84<br />

H istoria<br />

distante da praia , e que he trazi<strong>do</strong><br />

pelos terraes.<br />

Do mez de Março ao mez de<br />

Agosto a estação chuvosa reina<br />

sobre as costas marítimas ; e na estação<br />

secca sopra o Norte quasi<br />

sem interrupção. Então o ar<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

clima torna languida a vegetação ,<br />

e os oiteiros não appresentão mais,<br />

que huma terra crestada.<br />

To<strong>do</strong> o resto <strong>do</strong> anno os ventos<br />

<strong>do</strong> mar refrescão a athmosfera , e<br />

tornão a dar á natureza sua força ,<br />

e sua primeira actividade. Huma<br />

primavera perpetua embelleza os<br />

lugares sombrios , e húmi<strong>do</strong>s: as<br />

arvores appresentão simultaneamente<br />

flores, fructos verdes, e maduros<br />

, e quasi em to<strong>do</strong> o anno huma<br />

agradavel frescura cobre a Terra.<br />

Ò interior <strong>do</strong> Brasil não sen<strong>do</strong> ,<br />

se não hurí; vasto bosque primitivo,<br />

tem as arvores entrelaçadas de<br />

silvas, de arbustos sarmentosos ,<br />

de cipos , que as enleião até os<br />

derradeiros cumes , e que pela maior<br />

parte brotão flores magnificas.


Do Brasil.<br />

Estas plantas formão hum golpe<br />

de vista singular na pintura <strong>do</strong><br />

Brasil : ellas sobem ao re<strong>do</strong>r das<br />

arvores , chegão ao cume , tornão<br />

a buscar a terra, lanção raiZes , e<br />

subin<strong>do</strong> de novo , se vão perden<strong>do</strong><br />

cie ramo em ramo , de arvore em<br />

arvore por toda a parte, para onde<br />

o vento as lança , até que todas<br />

as arvores ficão enlaçadas pelas<br />

suas latadas , e tornadas quasi impraticáveis.<br />

Os macacos viajão por<br />

meio destes labyrinthos selvagens *<br />

e nelles se balanção pela cauda.<br />

Estas cordas vegetaes são tão es*<br />

treitamente unidas entre si , que<br />

tem a apparencia de huma recle , e<br />

que nem as aves , nem as feras podem<br />

attravessar. Algumas são tão<br />

grossas, como a coxa de hum homem<br />

; to mão différente; configurações<br />

, e se faz impor ùvel o quebral-as:<br />

muitas vezevdão a morte á<br />

arvore , que as sustenta : clahi vem<br />

chamarem-lhe os Portuguezes , Ma*<br />

tapaLos. Algumas vezes ficão em pé,<br />

como Iúima columna torcida , depoi^<br />

i j


Historia<br />

que o tronco, que ellas tem mata<strong>do</strong><br />

, rem espalha<strong>do</strong> suas túnicas.<br />

Algumas ha, que sen<strong>do</strong> cortadas,<br />

lanção huma agua fresca , pura , e<br />

agradavel. Estas produzem-se nos<br />

pântanos <strong>do</strong> paiz <strong>do</strong> Orenoque,<br />

e nos lugares arenosos, onde sem<br />

«ste recurso o viajante morreria<br />

de sede. A. hera sobe também<br />

ás grimpas das mais altas arvores<br />

, e cobre o bosque de hum<br />

gazão de cor verde a mais bri*<br />

Jhante.<br />

Os mangues vermelhos (*) cobrem<br />

as costas <strong>do</strong> Brasil: pouco<br />

distante começão as numerosas es*<br />

pefies de palmeiras, entre asquaes<br />

se distingue a murta Brasiliense ,<br />

que brilha por ter a casca cor de<br />

(*) Foi a'.palavra, que julgámos corresponder<br />

á ftviçeza = Palulvier , a que<br />

não achámos èui Diccionario algum ; e<br />

julgámos assim ; porque lie o mangue a<br />

arvore > que se encontra em mais abuiiflancia<br />

nas marinhas <strong>do</strong> Brasil; e porque<br />

a mencionada palavra parece derivada de<br />

PJus<br />

i


Do Bra^iU 57<br />

prata ; O coqueiro <strong>do</strong> Brasil; mais<br />

grosso , mais alto , que o das índias<br />

, e cujo fructo dá huma excellente<br />

manteiga ; e o pequiá , qua<br />

produz hum fructo grosso , eduro ,<br />

similhante na forma , e na grossura<br />

á huma bala de canhão; he perigoso<br />

estar exposto á elle , quan<strong>do</strong><br />

eahe: seus desmarca<strong>do</strong>s cálices, e<br />

suas dilatadas pétalas se elevão em<br />

pirâmides floridas , revestidas de<br />

cores variadas , e de hum a s P ect0<br />

brilhante.<br />

Nenhum paiz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fornece<br />

madeiras tão preciosas para tintas<br />

, para a marcenaria , e para as<br />

construcçóes navaes. A oliveira „ e<br />

o pinheiro ahi são particularmente<br />

próprios para a mastreação. A çe»<br />

rejeira , o cedro , a canelleira selvagem<br />

, o car<strong>do</strong> pentea<strong>do</strong>r , o páo<br />

campeche , e o cajá ,'iiegão a sçr<br />

postos em obra , e Imma vez. trabalha<strong>do</strong>s<br />

resistem por mais tempo<br />

á acção <strong>do</strong> ar, e da agua. He no<br />

Brasil, que se admirão estas arvores<br />

gigantescas , que se elevão á


88<br />

H istoria<br />

altura de Ro pés , e cujas raízes<br />

xodeião o desmarca<strong>do</strong> tronco muitos<br />

palmos acima da superfície da<br />

terra: madeira nenhuma lie mais<br />

própria para fazer curvas de navios.<br />

A mais bella de todas as arvores<br />

<strong>do</strong> Brasil , e mesmo da America<br />

inteira he a Acabaya : lie principalmente<br />

notável, quan<strong>do</strong> ostentan<strong>do</strong><br />

toda a sua pompa no mez de<br />

"Julho , e Agosto , e no Outono da<br />

Europa , ella se cobre de flores<br />

brancas , e rosadas; e quan<strong>do</strong> nos<br />

tres mezes seguintes se enriquece<br />

<strong>do</strong>s seus fructos , suspensos nos<br />

seus ramos, como outras tantas pedras<br />

preciosas: sua sombra he espessa<br />

, e agradavel; suas flores tem<br />

hum estame suave , e seus ramos<br />

exalão hum >|j:heiro aromatico : produz<br />

huma ¿?\mma , que iguala em<br />

belleza á <strong>do</strong> oenagal: ella he tão<br />

abundante , que apparece na arvore<br />

, como muitas gotas de chuva.<br />

Esta arvore admiravel não he commuin<br />

no interior das terras; mais


Do Brasil. i j<br />

para as marinhas ella cobre paizes<br />

inteiros , aliás estereis. Quanto mais<br />

arenoso he o terreno , e menos húmida<br />

he a estação , mais parece florescer<br />

, e prosperar. Seu frueto<br />

esponjoso , e exquisito tem alguma<br />

similhança com as pêras da Europa<br />

; porém heunais compri<strong>do</strong> , e cie<br />

alguma forma diafano: sua polpa ,<br />

reduzida em farinha lie para os<br />

Brasileiros huma iguaria deliciosa.<br />

A possessão de hum terreno , onde<br />

a Acabaya cresce , e multiplica ,<br />

lie de tal valor , que muitas vezes<br />

tem si<strong>do</strong> causa cie guerras entre as<br />

populações indígenas.<br />

O ibiripitanga , que produz a<br />

famosa madeira de tinta , conheci<strong>do</strong><br />

debaixo <strong>do</strong> nome de páo brasil,<br />

ou cie Pernambuco , não he menos<br />

, que a altura de hum carvalho<br />

da Europa. CrescJ nos roche<strong>do</strong>s<br />

, e nos terrenos ári<strong>do</strong>s. Carrega<strong>do</strong><br />

déramos, lie de ordinário de<br />

hum aspecto pouco agradavel. As<br />

folhas assemelhão-se com as <strong>do</strong> buxo<br />

, e a cortiça he muito grossa*


Historiei<br />

As flores, similhanteS ás <strong>do</strong> junquilho<br />

, são de hum encarna<strong>do</strong> muir<br />

to lin<strong>do</strong>. O pezo especifico <strong>do</strong> seu<br />

tronco he indicativo da sua bondade<br />

, relativa á tintura: tira-se<br />

delle huma especie de carmim , e<br />

de laca própria para as tintas fir<br />

nas, e delicadas. Esta arvore preciosa<br />

não se encontra, se não no<br />

Norte <strong>do</strong> Brasil.<br />

Tu<strong>do</strong> muda para o Sul: outras<br />

producções se crião debaixo de hum<br />

clima , que he mais remoto <strong>do</strong> tro*<br />

pico , e mais tempera<strong>do</strong>.<br />

Bem como em to<strong>do</strong> o resto da<br />

America a raiz da mandioca , e<br />

<strong>do</strong>s fructos selvagens era a principal<br />

nutrição <strong>do</strong>s indigenas, antes<br />

que os Europêos nella tivessem cultiva<strong>do</strong><br />

, ou naturalisa<strong>do</strong> os inhames ,<br />

o arroz, o r^ilho , o trigo, e quasi<br />

to<strong>do</strong>s os fritetos <strong>do</strong> seu clima. O<br />

arbusto chama<strong>do</strong> mandioca não<br />

cresce , se não nos terrenos seccos,<br />

e não exige quasi cultura alguma.<br />

Sua raiz inestimável he da grossura<br />

de hum braço , e tem alguma ,


Do Brasil. i j<br />

similhança com as cinouras da Europa.<br />

Crua , ou frescamente tirada<br />

da terra he hum veneno mortal ;<br />

enchuta , reduzida á farinha , e em<br />

pão he huma nutrição substancial.<br />

Encontra-se em to<strong>do</strong> o Brasil a<br />

bauniiheira , que se apega , como<br />

a hera , aos troncos das arvores;<br />

suas folhas são espessas, e de hum<br />

verde escuro ; seu fructo consiste<br />

em huma bagem triangular de seis,<br />

ou oito polegadas de comprimento ,<br />

cheia de pequenas sementes lizas.<br />

Estimão-se principalmente as bagens<br />

compridas, delgadas, e aromaticas.<br />

Aibiripitanga dá hum fructo , que<br />

se parece com as cerejas. Entre os<br />

espinheiros, e nos campos aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s<br />

produzem as figueiras ds<br />

Surinam. Nos suburbios da Bahia<br />

cresce a arvore rnangaba, que de<br />

algum mo<strong>do</strong> suppre á Vinha; pois<br />

que delia se tira huma especie de<br />

vinho. O cacao7,eiro forma bosques<br />

immensos ao longo <strong>do</strong> Chingú , <strong>do</strong><br />

Tocantins , e <strong>do</strong> Madeira. Òs cipós<br />

mesmo , ou plantas, que trepão ,


9*<br />

Historia<br />

produzem em parte fructos agradaveis<br />

, e sãos. O Brasil produz também<br />

hum grande numero de plantas<br />

aromaticas de diversas especies,<br />

Suas producções botânicas sãoinnumeraveis.<br />

Mão faltão nem flores de<br />

ornato , nem plantas medicinaes.<br />

O arbusto tão util , conheci<strong>do</strong> com<br />

o nome de ipicacuanha , não se<br />

acha se não no Brasil: sua flor he<br />

hum a especie de violeta: he na<br />

raiz, que residem todas as suas<br />

propriedades. Sen<strong>do</strong> o Brasil situa<strong>do</strong><br />

debaixo de duas zonas as mais<br />

felizes , a tórrida , e a temperada , o<br />

que falta em huma , a outra produz<br />

em abundancia.<br />

Com muito poucas excepções o<br />

contiuente Brasiliense não tinha<br />

originariamente arvores , plantas , a<br />

nem fructo^, que não differissem<br />

essencialmente das arvores , das<br />

plantas, e <strong>do</strong>s fructos da Europa:<br />

mas tu<strong>do</strong> , o que se tem transporta<strong>do</strong><br />

, tem-se naturalisa<strong>do</strong> com successo;<br />

e esta observação geral pôde<br />

estender-se aos animaesv


Do Brasil.<br />

O tapirussú lie o maior<br />

quadrúpede , que se cem encontra<strong>do</strong><br />

no Brasil: sua forma lie analoga<br />

á <strong>do</strong> porco , posto que se approxima<br />

á grandeza de huma vacca:<br />

os Brasileiros o matão a tiros<br />

de flexas , ou apanhão no em laços<br />

; comem-lhe a carne , e da pelle<br />

fazem escu<strong>do</strong>s firmes.<br />

Os bosques são cheios de animaes<br />

vorazes , taes , como o tigre ,<br />

o lobo-hyena , o saratú , que lie<br />

pouco mais ou menos da altura de<br />

huma raponza , porém mais selvagem<br />

, e mais brava. Encontra se<br />

também o jaguar espeçie de onça ,<br />

animal de huma ferocidade temível<br />

, o terror <strong>do</strong>s Brasileiros, e o<br />

porco espinho , ou ouriço caixeiro<br />

de grande especie , o qual , estan<strong>do</strong><br />

irrita<strong>do</strong> , lança suas pontas , ou<br />

Unhas com tanta força 5 , que podem<br />

ferir . e até matar hum homem.<br />

Não se deve confundir com o ar-<br />

(*) U rnpirussú !ie huma espere de<br />

Alce.<br />

i j


94<br />

H istoria<br />

maJilíiò; ofi tatá, ou porco arma<strong>do</strong><br />

de coiraça , que enrola-se<br />

como o ,ouriço , e appresenta de<br />

toda? as partes huma saia de malhas<br />

impenetrável.<br />

Não ha paiz , mesmo na Asia ,<br />

ou na Africa , onde os macacos ,<br />

habitantes <strong>do</strong>s bosques sejão em<br />

maior numero , e em mais differentes<br />

especies , que no Brasil: mas<br />

elles fogem das povoações , e não<br />

habita o , senão lugares solitários.<br />

Posto que o Brasil corresponda<br />

em latitude ao Perii , e offereça em<br />

geral as mesmas producções , não<br />

possue com tu<strong>do</strong> nem o Lhamu ,<br />

nem o vigonho , animaes tão úteis<br />

aos Peruvianos. Elie lie todavia<br />

assolla<strong>do</strong> por hurn maior numero cie<br />

animaes ferozes , por enormes ser- .<br />

pentes , por, sapos, por lagartos , e<br />

por mil insectos , que multiplicão<br />

com o calor lnimi<strong>do</strong>. He principalmente<br />

nos vastos bosques <strong>do</strong>s interiores<br />

, que se encontrão por centenas<br />

novas especies de insectos<br />

desconheci<strong>do</strong>s na Europa. Ahi se


Do Brasil. i j<br />

ouvem os longiquos gritos da on•<br />

ffl, especie de panthéra , que faz<br />

grandes estragos : ella , e as serpentes<br />

são o principal flagello <strong>do</strong>s<br />

lavra<strong>do</strong>res.<br />

Além da grande cobra cascavel,<br />

que corre tão veloz , que parece<br />

voar , o Brasil produz outras ainda<br />

mais terríveis, taes , como a<br />

ihibohoca , tão notável pelo perigo<br />

da sua mordedura , como pela belleza<br />

das suas côres: a bojobi , chamada<br />

cobra de fogo por causa <strong>do</strong><br />

vivo brilhantismo de suas escamas :<br />

a giboya, reptil desmarca<strong>do</strong> , grossa<br />

, como o corpo de hum homem ,<br />

e algumas vezes <strong>do</strong> comprimento<br />

de quarenta pés, cuberta'de escamas<br />

, e de manchas irregulares ,<br />

ten<strong>do</strong> o costa<strong>do</strong> verdenegro , e os<br />

la<strong>do</strong>s de côr amarella escura. Tem<br />

a cabeça chata , e sua grande bocca<br />

tem duas ordens de dentes agu<strong>do</strong>s.<br />

Ella he armada de duas fortes<br />

unhas na barriga para empolgar<br />

a preza. OsPortuguezrs a chamSc<br />

cobra cabril• porque devora


96<br />

H istoria<br />

o cabrito montez com huma incrível<br />

facilidade. Sua força, e sua<br />

voracidade são taes, que obrigada<br />

da fome investe , e devora os homens<br />

, os javaliz , e até os tigres.<br />

Apenas seus olhos tem visto a preza<br />

, parecem lançar vivas centelhas ;<br />

sua língua fendida se agita na larga<br />

bocca. Ella empolga a victima<br />

com as unhas, prende-a fortemente ,<br />

erodilha-se ao re<strong>do</strong>r delia , cobre-a<br />

de huma baba viscosa para devoral-a<br />

com mais facilidade , e gasta<br />

hum grande numero de dias em digeril-a.<br />

Esta cobra colossal, e araphibia<br />

gosta de habitar no lo<strong>do</strong> ,<br />

e n' agua. He o terror <strong>do</strong>s índios,<br />

e <strong>do</strong>s Portuguezes. Os negros mais<br />

astufos atácão-na muitas vezes com<br />

bom êxito , quer com espingarda ,<br />

quer com arco , e flexa. Se o monstro<br />

fica só feri<strong>do</strong> , agita-se de to<strong>do</strong>s<br />

os mo<strong>do</strong>s, despedaça as silvas , e<br />

as arvores pequenas, assobia , fazse<br />

vermelha , volve a cauda n'agua<br />

com violência , cobre aquelles , que<br />

o combatem de hum lo<strong>do</strong> infecto ,


Do Brasil. i j<br />

e de nuvens de poeira misturadas<br />

de Jo<strong>do</strong> , como em hum furacão. Se<br />

o golpe he mortal, continua a torcei-se<br />

, ea enroscar-se sobre si mesma<br />

, até que hum <strong>do</strong>s negros , que<br />

a cercão , approxima-se á ella , e<br />

'arrostan<strong>do</strong> ò perigo , lança-lhe ao<br />

pescoço huma corda com laçada. Senhor<br />

em fim <strong>do</strong> enorme reptil, e<br />

ten<strong>do</strong> na mão a ponta da corda, o<br />

negro sobe a huma arvore, iça o<br />

monstro, que fica suspenso; desce<br />

ao depois , e levan<strong>do</strong> nos dentes<br />

huma faca forte , e calçada de aço ,<br />

une-se ao corpo <strong>do</strong> reptil , que enrosca-se,<br />

e agita-se; e nú , e ensanguenta<strong>do</strong><br />

aperta com os braços,<br />

e pernas a pelle luzente <strong>do</strong> monstro<br />

ainda vivo ; fende-o junto ao<br />

pescoço , e o esfolla. Ao depois tira<br />

huma banha clara , de que faz<br />

azeite , e com seus companheiros<br />

regala-se com a carne deste monstro.<br />

Porém o mais perigoso de to<strong>do</strong>s<br />

os reptis deste continente he a ibiracuhá<br />

, cuja mordedura produz<br />

Tom. I. G


Historiei<br />

inevitavelmente a morte. Tal he a<br />

violencia <strong>do</strong> sen veneno , que no<br />

mesmo instante o sangue da pessoa<br />

mordida sahe pelos olhos, pelos<br />

ouvi<strong>do</strong>s , pelo nariz , e pelas partes<br />

inferiores <strong>do</strong> corpo.<br />

Por huma especie de compensação<br />

os bosques <strong>do</strong> Brasil servem de<br />

hum asylo natural á huma infinidade<br />

de encanta<strong>do</strong>ras aves , deseos<br />

nhecidas <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> , de<br />

lindas figuras, e brilhantes pennas.<br />

Os papaqaios são os mais bellos<br />

¿as duas Indias , e se distinguem<br />

tanto pela variedade , como pela<br />

viveza das cores, com que a natureza<br />

tem orna<strong>do</strong> suas pennas.<br />

O tucano, ave, cujo bico he<br />

quasi tão grande , como o corpo , he<br />

procura<strong>do</strong> principalmente por causa<br />

<strong>do</strong> brilhantismo de suas pennas,<br />

que são em. parte côr de limão , e<br />

em parte vermelhas, côr de carne,<br />

e negras nos encontros das azas.<br />

Í , Ò Ramis chi , grande ave negra<br />

i -que os Brasileiros chamão<br />

ankiima , he notável pela forçai


Do Brasil. i j<br />

com que grita , e por huma espe*<br />

cie de corno , planta<strong>do</strong> nomeio da<br />

cabeça á maneira de coroa. Sua?<br />

azas são armadas de valentes espon<br />

roes, que a fazem temível ás outra?<br />

aves , quan<strong>do</strong> as attaca : mas sen?<br />

<strong>do</strong> semi-aquatico , não faz guerra,<br />

se não aos reptis.<br />

O guaranthe-engerá , especiç<br />

de canario , que os naturaes chamão<br />

teitei, tem as pennas metadç<br />

azúes ferretes , metade de hura<br />

amarello <strong>do</strong>ira<strong>do</strong> brilhante , e iguala<br />

o gorgeio das aves as mais melodiosas.<br />

Os bosques <strong>do</strong> Brasil servem<br />

também de asilo ao papa-mosca ,<br />

tão elegante pela sua figura , e cujas<br />

pennas brillião , como a esmeralda<br />

, e o rubim. Leva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> brí*<br />

lho deste ligeiro habitante <strong>do</strong> ar,<br />

os Brasileiros o chamão faio <strong>do</strong> soL<br />

Contão-se até vinte e quatro especies<br />

, ou diversidades depapa-mos-f<br />

cas. O rubim-topaqio he assim<br />

chama<strong>do</strong>; porque tem as cores, e<br />

lança os resplan<strong>do</strong>res destas pedras<br />

G 2


,0o Historia<br />

preciosas. O papamosca da espe«<br />

cie pequena apenas tem quinze linhas<br />

de comprimento. A maneira<br />

das borboletas <strong>do</strong> nosso paiz , elle<br />

se deixa levar pelo impulso <strong>do</strong> ar ,<br />

e volteja de flòr em flor para lhe<br />

chupar o mel. .<br />

Tão brilhante, tão ligeiro , como<br />

o papamosca , a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> , como<br />

elle , das mais vivas cores , o beijaflor<br />

, que não differe , se não em<br />

«er hum pouco mais grosso , busca<br />

igualmente o seu sustento no cálice<br />

das flores. Hum mesmo instincto<br />

os anima ; e tal he a sua sinnlhança<br />

que não só viajantes, mas também<br />

hábeis naturalistas os tem confundi<strong>do</strong>.<br />

.<br />

Encontrão-se também no ínteiior<br />

<strong>do</strong> Brasil muitos avestruzes ,<br />

que não differem <strong>do</strong>s das outras<br />

regiões : ( mas as grandes aves de<br />

rapina , taes, como as aguias, e<br />

cs abutres, são tão vorazes, que<br />

não tem si<strong>do</strong> possível submettei<br />

alguma delias á mão <strong>do</strong> homem.<br />

Os mares <strong>do</strong> Brasil ab.undão de


Do Brasil. i j<br />

peixes de toda a especie ; huns nadão<br />

na superficie das aguas; outros<br />

habitão ño fun<strong>do</strong>. Em nenhuma<br />

outra paragem se encontra maior<br />

diversidade delles. As baleias , os<br />

golfinhos ahi apparecem em grande<br />

numero. Junto aos famosos ca^<br />

chopos cios Abrolhos ss pesca huma<br />

qualidade de peixe simiHiante<br />

ao salmão, e que se chama garoupa.<br />

Os rios dão igualmente aos Brasileiros<br />

huma prodigiosa quantidade<br />

de peixes d' agua <strong>do</strong>ce , que pela<br />

maior parte offerecem huma nutrição<br />

tão sã , como deliciosa.<br />

Tal he o Brasil, com o qual a<br />

natureza parece ter prodigalisa<strong>do</strong><br />

seus thesouros. Nós descreveremos!<br />

mais particularmente no decurso<br />

desta obra cada huma de suas Provincias<br />

, as ilhas, que .lhe pertencem<br />

, suas cidades principaes , e<br />

daremos hum quadro completo deste<br />

vasto imperio tão pouco conheci<strong>do</strong>.<br />

Os usos , e costumes de seus


,0o Historia<br />

habitantes naturaes offerecem sobre<br />

tu<strong>do</strong> hum vivo interesse á vista<br />

observa<strong>do</strong>ra.<br />

O Brasil no tempo da sua descuberta<br />

era dividi<strong>do</strong> entre muitas<br />

nações , ou povoações différentes ,<br />

liumas embrenhadas pelos bosques,<br />

outras estabelecidas nas planícies<br />

nas margens <strong>do</strong>s rios, ou nas costas<br />

marítimas ; algumas sedentarias,<br />

e muitas outras errantes ; estas encontran<strong>do</strong><br />

na cassa , e na pescaria<br />

sua principal subsistência ; aquellas<br />

viven<strong>do</strong> mais que tu<strong>do</strong> das produc*<br />

ções da terra mais , ou menos cultivada<br />

; a maior parte sem communicações<br />

entre si , ou divididas por<br />

odios hereditários, e sempre armadas.<br />

Não ten<strong>do</strong> ainda a civilisação<br />

Europêa penetra<strong>do</strong> nos bosques »<br />

e montanhas <strong>do</strong> interior , o caracter<br />

primitivo destes povos ainda se<br />

conservão fielmente.<br />

Em quanto os índios fracos , e<br />

dóceis habitavão huma grande par*<br />

te da America meridional, selva-


Do Brasil. í2t)<br />

gens intrépi<strong>do</strong>s, e ferozes erravão<br />

no paiz , que nds descrevemos. A<br />

força corporea , e lium valor impassível<br />

são ainda hoje as primeiras<br />

, ou antes as únicas qualidades,<br />

de que se gloreião os naturaes <strong>do</strong><br />

Brasil.<br />

Na chegada <strong>do</strong>s invasores Eu*<br />

ropêos mais c!e cem nações Brasil<br />

leiras occupavão , ou disputa vão a<br />

immensa extensão comprehendida<br />

entre os <strong>do</strong>is rios , da Prata, e As<br />

mazonas ; porém muitas d'entre ella3<br />

não tem si<strong>do</strong> bem conhecidas : ten*<br />

<strong>do</strong> suas transmigrações successivas<br />

feito alguma confusão no testerai«*<br />

nho <strong>do</strong>s <strong>historia</strong><strong>do</strong>res , e <strong>do</strong>s viajantes<br />

, não daremos , se não os<br />

detalhes , que se tem acclara<strong>do</strong> melhor.<br />

,<br />

A grande raça <strong>do</strong>s Tapuyas i<br />

amais antiga <strong>do</strong> Brasil , tinha possuí<strong>do</strong><br />

, ao que parece, toda acosta<br />

desde o Amazonas até o rio da Prata<br />

; ou somente., segun<strong>do</strong> outros<br />

huma linha no interior , paralella<br />

á costa desde o rio de S. Francis^


fli40<br />

Historia<br />

co até Cãbotrio. Ella foi excluída<br />

desta posse pelos Tupis , raça ainda<br />

mais formidável, em huma época<br />

pouco remota ; pois que na chegada<br />

<strong>do</strong>s Europêos os selvagens se<br />

lembravão ainda deste accontecimento.<br />

Deste mo<strong>do</strong> os Tupis erão<br />

os senhores absolutos das costas<br />

maritimas, quan<strong>do</strong> Alvares Cabral<br />

descubrio o Brasil. Da palavra Tupan<br />

, que quer dizer trovão , e pai<br />

universal elles tinhão da<strong>do</strong> por huma<br />

vaidade barbara o nome á sua<br />

nação. Esta palavra encerrava toda<br />

a sua theogonía , porque elles<br />

não dirigião supplicas algumas ao<br />

Crea<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> , que não era<br />

para elles hum objecto nem de odio ,<br />

hem mesmo de temor. Esta grande<br />

raça continha deseseis tribus differentes<br />

, que não estan<strong>do</strong> unidas por<br />

laço algum/, e ten<strong>do</strong> nomes particulares<br />

, e feições distinctivas, formão<br />

outras tantas nações separadas.<br />

Entre os Tupis , com quem os<br />

Portuguezes tiverão mais frequentes<br />

relações, ou guerras, assigna-;


Do Brasil. 127 ^<br />

lavâo-se os Carijós , situa<strong>do</strong>s ao Sul<br />

de S. Vicente , e senhores então<br />

da ilha de Santa Catharina. Os Tamoyos<br />

, que habitavão os arre<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro , se estendião<br />

ao Sul para S.Vicente, e não reconhecião<br />

por allia<strong>do</strong>s, se não os<br />

TujÀnambás , seus visinhos, com<br />

quem elles se parecião em muitos<br />

de seus usos. Os Tupiniq uins possuhião<br />

o paiz de Porto Seguro , e<br />

a costa <strong>do</strong>s Ilheos desde o rio Cainaum<br />

até o rio Cricaré na extensão<br />

de perto cle cinco gráos: de to<strong>do</strong>s<br />

os selvagens cia raça <strong>do</strong>s Tupis<br />

erão elles os mais tractaveis, os<br />

mais fieis, e os mais bravos: os<br />

Tupinás , que erão seus visinhos ,<br />

tinhão huma especie de conformidade<br />

com elles. A Bahia , e todas<br />

as suas enseadas acabão de ser conquistadas<br />

pelos Tupiqambás , a<br />

maior , e a mais valente nação da<br />

raça <strong>do</strong>s Tupis. Os C a fie te s , tribu<br />

selvagem , e feroz , rinha em<br />

seu poder quasi toda a costa de<br />

Pernambuco , da qual os Tabaja-


Historia<br />

rás , cia mesma raça. que os Cahetés<br />

, porém mais ferozes, occupavão<br />

também liuma parte: em fim<br />

os Pitigáres , os mais cruéis da<br />

raça Tupica , possuhia o continente<br />

<strong>do</strong> Parahiba cio Norte entre este<br />

rio , e o Rio Giande; taes eráo<br />

as principaes tribus da raça <strong>do</strong>minante<br />

<strong>do</strong> Brasil.<br />

A antropopliagia reinava entre<br />

to<strong>do</strong>s estes selvagens, que devoravao<br />

emceretnonia comliurna alegria<br />

horrível seus prisioneiros de<br />

guerra ; mas to<strong>do</strong>s os Brasileiros<br />

não erão cannibaes; e era a raça <strong>do</strong>s<br />

Tupis , que parecia ter trazi<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

interior este uso homicida, que os<br />

Portuguezes acharão estabeleci<strong>do</strong><br />

em todas as partes da costa.<br />

O idioma <strong>do</strong>s Tupis era também<br />

ornais divulga<strong>do</strong> nella , posto<br />

que se fallassem até cento , e cincoenta<br />

linguas barbaras no Brasil:<br />

segun<strong>do</strong> se diz , lie hum dialecto<br />

<strong>do</strong> guaranis , olha<strong>do</strong> como huma<br />

língua mãi, cia qual se encontrão<br />

vestígios em huma extensão de setenta<br />

grãos.


Do Brasil. í2t)<br />

Antes de descrever a posição<br />

geografica , e de appresentar o numera<br />

mento das outras tribus Brasileiras<br />

as mais notáveis , vamos<br />

mostrar em hum quadro geral os<br />

traços principaes , que podem fazer<br />

conhecer os usos, e os hábitos<br />

guerreiros da raça selvagem ,<br />

que <strong>do</strong>minava no Brasil na chegada<br />

<strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res Portuguezes.<br />

Mais similhantes á brutos, que<br />

á homens , os Tupis não reconhecião<br />

divindade, alguma ; ao menos<br />

seus usos não indica vão coisa alguma<br />

, que annunciasse este sentimento<br />

consola<strong>do</strong>r quasi universalmente<br />

inspira<strong>do</strong> á especie humana:<br />

elles não parecião ter a menor noção<br />

da vida futura. Na sua linguagem<br />

nenhuma palavra exprimia o<br />

nome de Deos , nem a idéa , que<br />

se forma <strong>do</strong> Soberano <strong>do</strong> universo.<br />

Os signaes de admiração , e cle respeito<br />

, que elles dirigem ao sol,<br />

á lua, ao trovão , não tem caracter<br />

algum de culto ; e occasiona<strong>do</strong>s<br />

somente pela admiração, ou pelo


fli40<br />

Historia<br />

espanto . não se elevão , a meu ver,<br />

ácima <strong>do</strong>s objectos crea<strong>do</strong>s. Mas<br />

os sonhos, as sombras , o pezadello<br />

, e o delirio tinhão produzi<strong>do</strong><br />

superstições , que os a evinhos ,<br />

ou payés fizerão ter credito entre<br />

os Tupis. Os payés , ao mesmo<br />

tempo charlatães, e sacer<strong>do</strong>tes , affirmavão<br />

a existencia de lntm espirito<br />

malfeitor , cuja perigosa influencia<br />

elles se lisongeavão de impedir<br />

; por tanto erão consulta<strong>do</strong>s<br />

nas enfermidades, nos casos cie importancia<br />

, e sobre tu<strong>do</strong> para a<br />

guerra , e para a paz. A. grosseira<br />

credulidade , que estes impostores,<br />

obtém por movimento , e gesticulações<br />

, paredão indicar , que aquel-<br />

Ies , que os interrogao , os suppóe<br />

em relação com as intelligencias<br />

invisíveis , e á cima da humanidade.<br />

Os Ti'pis attribuem com effeito<br />

nos seus adevinhos não só opoder<br />

de fazer as terras ferteis »<br />

mas também o de inspirar aos guerreiros<br />

a força , e a coragem, que<br />

elles tanto aprecião.


Do Brasil. í2t)<br />

Cada hum payé vive só em huma<br />

cabana sombria, onde nenhum<br />

selvagem ousa entrar: ahi se lhe<br />

leva tu<strong>do</strong> o que elle pede ; e tal<br />

he o seu império sobre os ânimos,<br />

que se elle prediz a morte daquelle<br />

, que o ousa offender , o desgraça<strong>do</strong><br />

, feito o objecto desta fatal<br />

predicção , poe-se immediatamente<br />

na sua rede , e espera o seu damno<br />

com tanta resignação, que nem<br />

come , nem bebe , e realisa assim<br />

o anathema.<br />

To<strong>do</strong>s estes povos dão liuma<br />

côr vermelha na pelle , excepto<br />

no semblante; ajuntão â esta tinta<br />

geral algumas mesclas de còres<br />

em muitas partes <strong>do</strong> corpo , e mettem<br />

n* hum buraco, que fazem no<br />

beiço inferior , liuma especie de<br />

jaspe verde , que os faz deformes.<br />

As mulheres não furão o beiço ,<br />

porém os grandes furos , que ellas<br />

tem nas orelhas , sustentão hum<br />

enfio de pequenos ossos brancos ,<br />

e de pedras de côr , que pendem<br />

sobre as espaduas. Os homens ras-


Historia<br />

pão cuida<strong>do</strong>samente todas as partes<br />

<strong>do</strong> corpo: elles considerão como<br />

o principal caracter da formosura<br />

o ter o nariz chato ; assim o<br />

principal cuida<strong>do</strong> de hum pai he<br />

dar e- c ta fôrma ao nariz de seu filho.<br />

Nas suas guerras , ou nas suas<br />

festas elles applicão por meio de<br />

hum a untura de gomma , ou de<br />

mel selvagem pennas verdes, vermelhas<br />

, e amarellas á testa, ás<br />

faces , e aos braços. As pennas<br />

são tecidas com muita arte : cobrem<br />

também com ellas suas maças. Os<br />

chefes se distinguem por hum grande<br />

collar de embrecha<strong>do</strong>.<br />

Estes Brasileiros tem muitas mulheres<br />

, que tomão , e deixão com<br />

a mesma facilidade: a única condição<br />

<strong>do</strong> casamento he , quanto ao<br />

homem , ter apr.siona<strong>do</strong> , ou morto<br />

algum inimigo; quanto á mulher ,<br />

ter ti<strong>do</strong> os primeiros signaes <strong>do</strong>esta<strong>do</strong><br />

conjugal. Antes de se casarem •<br />

as raparigas se entregão sem pejo<br />

aos homens livres : seus pais mesmo<br />

as entregão ao primeiro ,


Do Brasil. í2t)<br />

chega ; de sorte que não he pouco ,<br />

que a ceremonia <strong>do</strong> casamento<br />

que consiste em simplices promesl<br />

sas, a -ache no seu esta<strong>do</strong> de virgindade<br />

: mas huma vez ligadas<br />

pelos laços <strong>do</strong> hymenêo , são fieis<br />

á seus mari<strong>do</strong>s; e o adulterio he<br />

horroroso entre os Brasileiros. As<br />

mulheres se tornão escravas, seguem<br />

seus mari<strong>do</strong>s á guerra, e<br />

carregão os far<strong>do</strong>s , e provisões.<br />

Mais, ou menos reunidas , as<br />

povoações destes Brasileiros varião<br />

de forma, e de tamanho. De ordinario<br />

são choças, ou cabanas, distribuidas<br />

em povoações, chamadas<br />

o Ideias. Os povos mais avança<strong>do</strong>s<br />

em civilisação construem e elevão<br />

muros de barrotes , cujos intervallos<br />

são cheios de terra.<br />

A principal occnpação das mulheres<br />

he fiar algodão para fazerem<br />

redes , e cordas. Elias fazem também<br />

vasos de barro , qne servem<br />

para diversos usos , e principalmente<br />

para guardar bebidas, e ali-


fli40 Historia<br />

A raiz da mandioca he adiaria<br />

nutrição destes selvagens , á qual<br />

elles ajuntão outras raizes , que<br />

móem , ou reduzem á pó , para fazerem<br />

delia bebidas , ou alimentos ,<br />

que tem mais, ou menos consistência.<br />

A cassa , e a pescaria supprem<br />

o resto das suas necessidades. Elles<br />

se abstém em geral da bebida , quan<strong>do</strong><br />

comem , e da comida , quan<strong>do</strong><br />

bebem; especie de habito commum<br />

á quasi to<strong>do</strong>s os povos da America.<br />

Menos sujeitos ás enfermidades,<br />

e ás <strong>do</strong>enças , <strong>do</strong> que as nações<br />

consummidas pela civilisação , e pelo<br />

luxo , elles não prescrevem ás<br />

suas <strong>do</strong>enças , se não huma dieta<br />

absoluta , e alguns simplices de seus<br />

matos, ou de seus montes. Se a<br />

<strong>do</strong>ença se torna incurável, quebrão<br />

a cabeça ao enfermo ; porque seguem<br />

esta maxima , que he melhor<br />

morrer de hum só golpe , <strong>do</strong> que<br />

soífrei por muito tempo para morrer<br />

ao depois.<br />

Seus funeraes se celebião com-


Do Brasil. í2t)<br />

prantos , e com cantos lugrubes ,<br />

que ordinariamente contém o elogio<br />

<strong>do</strong> morto. Se este he algum<br />

chefe de família , enterão-se com<br />

elle suas armas, pennas , e collares<br />

; e lie este o único signal, pelo<br />

qual se poderia suspeitar , que,<br />

a idéa da outra vida. não lhes he<br />

absolutamente estranha. Enterrão<br />

os mortos em pé; erigem algumas<br />

vezes sobre a cova, como em signal<br />

de huma distincção honrosa,<br />

pedras cubertas cle huma certa planta<br />

, que se conserva muito tempo<br />

secca; e não se chegão á estes monumentos<br />

fúnebres, sem darem gritos<br />

, e derramarem lagrimas.<br />

Elles no geral não tem Reis ,<br />

nem Principes; a única superioridade<br />

, que elles reconhecem , he a<br />

<strong>do</strong>s seus anciãos , ou velhos directores,<br />

que são principalmente encarrega<strong>do</strong>s<br />

, quan<strong>do</strong> se prepara a<br />

guerra , de excitar com seus discursos<br />

os moços á pegarem em armas.<br />

Dão o nome de Carbets aos<br />

seus concelhos: nelles nacla de im-<br />

Tom. /. H


fli40 Historia<br />

portante se decide , se não pe!a<br />

unanimidade de votos.<br />

O homicídio he o único crime,<br />

que elles punem. Os pais <strong>do</strong> mata<strong>do</strong>r<br />

o entregão aos <strong>do</strong> morto , que<br />

affogão ao criminoso , e o enterrão.<br />

Fuma reconciliação prompta , e<br />

sincera entre as duas famílias segue-se<br />

de ordinário á esta especie<br />

de reparação , ou de represália *<br />

sen<strong>do</strong> nisso bem differeUtes das nações<br />

cultas da Europa , entre as<br />

quaes os odios das íamilias são algumas<br />

vezes hereditários.<br />

Sem outras leis , que os seus<br />

lisos , e seguin<strong>do</strong> quasi sempre o<br />

dictame da natureza , os Brasileiros<br />

possuem com tu<strong>do</strong> algumas virtudes<br />

sociaes , e <strong>do</strong>mesticas. Exercitão<br />

, e respeitão a hospitalidade ;<br />

•vivem pacificamente entre si ; não<br />

aban<strong>do</strong>não Ifuns aos outros nas suas<br />

enfermidades, como fazem muitos<br />

povos da America , e são fieis á<br />

seus allia<strong>do</strong>s.<br />

f Mostrão em geral esta inclinação<br />

á in<strong>do</strong>lência , e á ociosidade »


Do Brasil. í2t)<br />

que caracterisão os selvagens meri*'<br />

dionaes; e sém esta relação seu genero<br />

de vida ern tempo de paz pareceria<br />

anntinciar inclinações suaves<br />

, e apathicas. Tal he a sua in-<br />

- <strong>do</strong>lencia , que muitas vezes <strong>do</strong>rmem<br />

Vinte e quatro horas successivas ;<br />

mas passan<strong>do</strong> de hum á outro extremo<br />

, entregão-se apaixonadamente<br />

á dança , e aos exercícios violentos.<br />

He sobre tu<strong>do</strong> nos combates ,<br />

que elles manifestão sua activa , e<br />

horrivel ferocidade: então he que<br />

o refinamento de crueldade se transforma<br />

em huma especie de virtude<br />

guerreira. Elles excitão , e entretem<br />

esta disposição , quer em seus<br />

hábitos diarios , quer mesmo em<br />

seus banquetes , onde cuida<strong>do</strong>sos'<br />

de desviar qualquer outra idéa ,<br />

conversão com calor á respeito de<br />

seus projectos contra os inimigos,<br />

e principalmente sobre o prazer ,<br />

que elles esperão em os engordar<br />

para os matar , e devoral-os ao depois.<br />

H a


Historia<br />

Raras vezes a guerra entre elles<br />

tem outro motivo'além cia vingança<br />

; e por isso mesmo muitas vezes<br />

não será íacil determinar a causa<br />

cias primeiras aggressões. A arma<br />

principal <strong>do</strong>s Brasileiros he huma<br />

massa . que elles chamão tacapa ,<br />

feita da mais dura madeira , muito<br />

pesada , re<strong>do</strong>nda na ponta, cortante<br />

pelos <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s. Seu comprimento<br />

he de seis pés com hiVm de largura<br />

na extremidade , e a grossura<br />

he de huma poiíegada. Elles tem<br />

arcos, feitos igualmente de madeira<br />

muito dura, ciue chamão visapariba.<br />

As cordas destes são de<br />

algodão fia<strong>do</strong> , e as fiexas são de<br />

canna selvagem, armadas de fortes<br />

espinhas, ou dentes de peixes. Servem-se<br />

delias com huma destreza<br />

singular , e jamais deixão de acertar<br />

em huifta ave voan<strong>do</strong>. Huma<br />

espécie de corneta , que elles charão<br />

imbia, e flautas , ordinariamente<br />

formadas <strong>do</strong>s ossos das pernas<br />

das suas victimas, são seus instrumentos<br />

de musica.


Do Brasil. í2t)<br />

Apenas he da<strong>do</strong> o signal da partida<br />

pelos seus anciãos , quan<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong>s, os guerreiros era numero de<br />

cinco , ou seis mil põem-se em marcha<br />

, exciran<strong>do</strong>-se por expressões as<br />

mais enérgicas de vingança , e de<br />

odio. Batem nas mãos, e dão grandes<br />

golpes sobre as espa<strong>do</strong>as, e<br />

prornettem não poupar suas vidas.<br />

Se em algumas expedições elles se<br />

embarcão , suas canoas , que não<br />

são feitas, se não de cascas de arvores<br />

, não lhes permittem alongarem-se<br />

muito cla costa.<br />

Chega<strong>do</strong>s ao paiz , que elles<br />

querem assolar , occultao-se com<br />

cuida<strong>do</strong> ; porque muito poucas vezes<br />

attacão á força descuberta : esperão<br />

ao depois a noite para penetrarem<br />

até as habitações", que surprendem<br />

, e cercão , para lançarlhes<br />

fogo : ao depois, 'aproveitan<strong>do</strong>-se<br />

da primeira confusão , comettem<br />

toda a especie de crueldades.<br />

Seu principal objecto he com tu<strong>do</strong><br />

fazerem prisioneiros, sem os quaes<br />

sua vingança se não satisfaria.


5x8 Historia<br />

i • '<br />

Quan<strong>do</strong> se vêm obriga<strong>do</strong>s a combater<br />

em campo descuberto , ajun<<br />

tão-se , formão huma especie de<br />

batalhão , marchão apressadds, e<br />

em cadencia , e algumas vezes suspendem<br />

a marcha , para ouvirem<br />

falias muito arrebatadas, que durão<br />

horas inteiras. O ar<strong>do</strong>r de combater<br />

torna-se logo em hum furor<br />

cem medida. Os <strong>do</strong>is parti<strong>do</strong>s pro-j<br />

curão-se , dan<strong>do</strong> gritos horren<strong>do</strong>s ,<br />

e uivos espantosos. Tocão suas coi -<br />

jiêtas , estendem os braços, ameação-se<br />

, insultão-se reciprocamente ,<br />

mostran<strong>do</strong> huns aos outros os ossos<br />

<strong>do</strong>s prisioneiros, que elles tem devora<strong>do</strong>.<br />

Chegan<strong>do</strong> á duzentos, ou<br />

trezentos passos em distancia huns<br />

<strong>do</strong>s outros attacão-se logo com fortes<br />

tiros de íiexa. As pennas cie<br />

que se tem cuberto , as que de suas<br />

flexas saltão, das fileiras, espalhão<br />

com os raios <strong>do</strong> sol hum tal brilhantismo<br />

pela variedade das cores<br />

, que seria difficil formar-se a<br />

idéa de hum tão espantoso espectáculo.<br />

Os guerreiros íeri<strong>do</strong>s das


Do Brasil. í2t)<br />

flexas arrancão-nas cia carne, quebrão-nas<br />

, e as mcrclem com raiva,<br />

e á medida da força , que lhes resta<br />

, continuão a combater sem recuar<br />

, nem voltar as costas hum sç><br />

momento. No calor da batalha elles<br />

se servem cle suas massas, com que<br />

dão golpes terríveis, e quasi sem»,<br />

pre mortaes.<br />

Logo que se decide a sorte <strong>do</strong><br />

combate , os vence<strong>do</strong>res atão os prisioneiros<br />

com cordas , mostran<strong>do</strong>»<br />

lhes os dentes , e moven<strong>do</strong> suas<br />

massas , para que elles não duvidem<br />

da sorte , que lhes he reserva»<br />

da: mettem-nos ao depois no meio ,<br />

e com esta preza entrão triumfau»<br />

tes nas suas aldeias. Tractão-nos<br />

logo com huma bondade apparente<br />

, limitan<strong>do</strong> seu cativeiro unicamente<br />

ás precauções necessárias ,<br />

para que elles não possão fugir:<br />

até lhes dão mulheres , e cuidão<br />

mais que tu<strong>do</strong> em os engordar bem.<br />

Quan<strong>do</strong> os vêm no esta<strong>do</strong> de gordura<br />

, que desejão , determinão 0<br />

dia da sua morte. As mulheres pre-


fli40<br />

Historia<br />

parão os vasos de barro , fazem o<br />

licor para a festa, e entranção a<br />

mussurana , ou corda comprida<br />

de algodão, que deve atar a victima.<br />

Os principaes chefes corn o<br />

corpo cuberto de gomma , e orna<strong>do</strong><br />

de pennas pequenas arranjadas com<br />

arte , segun<strong>do</strong> suas côres; enfeitão<br />

também com as plumas das pennas<br />

a livarapema , ou massa , que ha de<br />

servir para matar o prisioneiro. To<strong>do</strong>s<br />

os*índios da aldêa convida<strong>do</strong>s<br />

para a ceremonia passão <strong>do</strong>is dias<br />

inteiros em dançar , e beber com o<br />

captivo mesmo , que parece não<br />

fazer outro papel , se não o de<br />

convida<strong>do</strong> ; e posto que certo da<br />

sorte , que o espera , affecta distinguir-se<br />

pela sua alegria. As mulheres<br />

selvagens trazem a mussurana ,<br />

lanção-na á seus pés , e a mais velha<br />

d' entre£ ellas começa a canção<br />

de morte , em quanto os homens<br />

dão o nó no pescoço <strong>do</strong> prisioneiro.<br />

A canção he alludida á esta acção<br />

de atar a corda. „ Somos nós (can-<br />

,, tão as mulheres selvagens) que


Do Brasil. í2t)<br />

;; temos a ave preza pelo pesco-<br />

,, ço : ,, e e carnecen<strong>do</strong> <strong>do</strong> captivo ,<br />

que não pode escapar-lhes: ,, Se<br />

tu (accrescentão ellas) fôras hum<br />

papagaio , rouban<strong>do</strong> os nossos<br />

„ campos , tu terias voa<strong>do</strong>. „ Então<br />

muitos selvagens pegan<strong>do</strong> pelas<br />

pontas da mussurcina atão o captivo<br />

pela cintura, e neste esta<strong>do</strong><br />

o fazem passear como em Criumfo.<br />

Elie com as mãos soltas não dá o<br />

menor signal de abatimento , ou de<br />

me<strong>do</strong>: ao contrario olha com fereza<br />

para to<strong>do</strong>s aquelles , que correm<br />

a vêl-o passar; falia-lhes, lembra<br />

as façanhas contra elles practicadas<br />

, dizen<strong>do</strong> á hum , que matou<br />

seu pai, á outro , que devorou seu<br />

filho. Recommendão-lhe então , que<br />

dirija os olhos ao sol ; porque não<br />

o ha de ver mais: e he atea<strong>do</strong> logo<br />

diante delle o fogosobre que<br />

bem depressa os seus membros hão<br />

rie ser estendi<strong>do</strong>s. Chegada a hora ,<br />

huma mulher traz dançan<strong>do</strong> , e<br />

cantan<strong>do</strong> a lívarapema , ao re<strong>do</strong>r<br />

da qual se dançou , e cantou de-


fli40 Historia<br />

pois de ter amanheci<strong>do</strong>. O executor<br />

apparece então com quatorze , ou<br />

quinze de «eus amigos, orna<strong>do</strong>s para<br />

a ceremonia com gommas , e<br />

pennas. O que tem a massa , a ofierece<br />

á personagem principal da<br />

festa: nias o chefe da tribü , depois<br />

de a ter toma<strong>do</strong> , a passa muitas<br />

vezes por entre as pernas com<br />

grandes gestos <strong>do</strong> costume, e a<br />

dá ao executor , que avançan<strong>do</strong> com<br />

seus amigos, declara ao captivo,<br />

que se lhe dá, antes que morra,<br />

a faculdade de se poder vingar por<br />

si mesmo. O captivo entra então<br />

em furor , apanha pedras , e as<br />

arremeça contra tu<strong>do</strong> , que o cerca:<br />

mas logo caminha para elle com<br />

a massa na mão , e prepara<strong>do</strong> com<br />

suas mais bellas pennas , aquelle ,<br />

que o deve immolar. Hum enfa<strong>do</strong>nho<br />

dialogo, se fôrma entre elles. O<br />

sacrifica<strong>do</strong>r, como vinga<strong>do</strong>r de seus<br />

companheiros, pergunta ao captivo,<br />

senão he verdade , que elle tem<br />

da<strong>do</strong> á morte, e devora<strong>do</strong> a muitos<br />

prisioneiros da sua tribu: estç


Dg Brasil. í^â<br />

gloreia-se de fazer huma prompta<br />

confissão , ainda acompanhada cie<br />

ameaças. " Dá-rpe a liberdade (diz<br />

,, elle) e devorarei a ti , e aos teus.<br />

'„ — Está bem (replica o outro) nós<br />

„ te previniremos. Eu te vou ma-<br />

„ tar; porque tu , e teu povo tens<br />

„ morto , e cleyora<strong>do</strong> muitos de<br />

„ meus irmãos; e tu o serás hoje<br />

,, mesmo. „ O çaptiv.o responde :<br />

„ Esta lxe a sorte da vicia: mas<br />

j, meus amigos são numerosos , e<br />

,, me vingarão. „ Ergue-se logo<br />

a massa ; e o cannibal Brasileiro ,<br />

menos cruel, que os cannibaes <strong>do</strong><br />

Norte da America , quebra com<br />

huma só pancada o cerebro da sua<br />

victima. As mulheres lanção-se -ao<br />

depois ao cadaver , despedação-no<br />

com pedras cortantes , e esíregão<br />

os filhos com o sangue. As mais<br />

velhas limpão as entranhas, que<br />

são assadas , e comidas no campo ,<br />

bem como as diversas partes <strong>do</strong> corr<br />

po. Durante este abominavel festim<br />

os veliios exbortão os moços a<br />

procurarem outros similhantes por


fli40<br />

Historia<br />

suas emprezas guerreiras; e não se<br />

sabe , o que em toda esta horrível<br />

festa deve causar maior admiração ,<br />

se a engenhosa barbaridade cios<br />

algozes, ou se a coragem exaltada<br />

das victimas.<br />

Estes Brasileiros , apezar da espantosa<br />

inclinação , que os obriga<br />

a nutrirem-se de carne humana tão<br />

deliciosamente, não devorão , se<br />

não os prisioneiros , e seguin<strong>do</strong> sempre<br />

a especie de ceremonial , que<br />

acabamos de descrever. Não se tem<br />

visto , que elles devorem os mortos<br />

no campo da batalha.<br />

O uso commum clelles he amontoarem<br />

nas suas aldeias as cabeças<br />

<strong>do</strong>s prisioneiros , que forão devora<strong>do</strong>s,<br />

e mostrar com orgulho aos<br />

estrangeiros estes monumentos de<br />

suas façanhas , e de sua vingança.<br />

Recolhem com o mesmo cuida<strong>do</strong> os<br />

ossos mais grossos das co.vas, e <strong>do</strong>s<br />

braços, para fazerem flautas, como<br />

já dissemos , e principalmente<br />

os dentes, que enfião em forma de<br />

rosários, e pendurão ao pescoço.


Do Brasil. í2t)<br />

Elles geralmente meclem a sua<br />

gloria pelo numero <strong>do</strong>s prisioneiros<br />

, que tem feito ; e tem hum<br />

grande cuida<strong>do</strong> no dia mesmo , em<br />

que ganhão alguma vantagem na<br />

guerra , de fixar a memoria por<br />

differentes incisões de formas diversas<br />

, de que elles cobrem os braços ,<br />

as coxas , o peito , e outras partes<br />

<strong>do</strong> corpo.<br />

Taes são as acções as mais gefaes<br />

, que caracterisão a raça Brasileira<br />

<strong>do</strong>s Tupis. Os costumes destes<br />

povos se assemelhão em muitas<br />

coisas aos de outras nações selvagens<br />

<strong>do</strong> Brasil, mas todavia coin<br />

differenças assas notáveis.<br />

Os Guay anafes , e os Guayjacarés<br />

, que possuião as planícies<br />

<strong>do</strong> Piratininga , e as circumvisinhanças<br />

de S. Vicente, differião<br />

essencialmente das tribus <strong>do</strong>s Tupis<br />

em não serem antropophagos.<br />

Perto de oito léguas em distancia<br />

ria Bahia habilão no interior<br />

os Maraqués , qufe andão nús; porém<br />

as mulheres trazem huma es-


ílistoria<br />

pecie de avental: elles pescãó com<br />

redes, uso ignora<strong>do</strong> pelos Tupis:<br />

formaváo as redes de huma casca<br />

de arvore comprida , e flexível , dá<br />

qual parte se mettia n'agua , em<br />

quanto a outra parte se tirava. Os<br />

Maraqués conheciSó também o uso<br />

de cavar a terra com encliada , de<br />

fazer ferver as cinzas , e de tirar<br />

delias os saes crystalisa<strong>do</strong>s.<br />

Nas regiões centraês , e junto<br />

ás margens <strong>do</strong> Syputaba , que desagua<br />

no Parac/uay , encontra-se<br />

a nação Brasileira <strong>do</strong>s Barba<strong>do</strong>s ,<br />

assim chama<strong>do</strong>s pela grande barba ,<br />

que os distingue tão particularmente<br />

<strong>do</strong>s outros povos Indiaticos.<br />

As costas de Porto Seguro , e<br />

das Capitanias vizinhas tinhão si<strong>do</strong><br />

possuídas pelos Papana r /res , que<br />

ácabaváo dé ser affugenta<strong>do</strong>s pelos<br />

Goytaca^es, e Tupiniquitís depois<br />

de longas guerras. Com tu<strong>do</strong><br />

a linguagem <strong>do</strong>? Papanaqes era<br />

apenas entendida de seus inimigos<br />

naturaes. Elles erão cassa<strong>do</strong>res, e


Do Brasil. í2t)<br />

pesca<strong>do</strong>res, e <strong>do</strong>rmião na terra<br />

Sobre folhas.<br />

Bani<strong>do</strong>s para o Norte <strong>do</strong> Brasil<br />

, de que tiuhão si<strong>do</strong> tanto tempo<br />

os <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res, os Tapuyas se<br />

distinguião <strong>do</strong>s outros indígenas<br />

por huma estatura alta , cabelítiS<br />

negros, e compri<strong>do</strong>s , pela côr <strong>do</strong><br />

rosto morena escura , e por huma<br />

força prodigiosa. Seu nome significa<br />

os inimigos : são assim chama<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da guerra actual ,<br />

em que estavão contra to<strong>do</strong>s os naturaes<br />

, e uiísmo entre si. De to<strong>do</strong>s<br />

os Brasileiros são estes os menos<br />

cruéis; porque não dão á morte a<br />

algum <strong>do</strong>s seus prisioneiros. São<br />

com tu<strong>do</strong> canilibaes ; porém em lugar<br />

de devorar seus inimigos , por<br />

hum sentimento irresistível de odio ,<br />

como os Tupis , elles devorão seus<br />

proprios mortos, como huma derradeira<br />

prova de affeição. Logo que<br />

hum filho morre , lie comi<strong>do</strong> por<br />

seus pais; e se lie adulto , a família<br />

inteira toma pWe no festim.<br />

Bem como os Árabes , os Tapuyas


Historia<br />

passão huma vida vagabunda ; mai<br />

com esta differença , que elles se<br />

conservão em limites particulares ,<br />

e não mudão de habitações , se não<br />

seguin<strong>do</strong> as différentes estações<br />

<strong>do</strong> anno. Os cabellos corta<strong>do</strong>s<br />

em forma de coròa , e o comprimento<br />

excessivo da unha <strong>do</strong> de<strong>do</strong><br />

pollegar são os únicos signaes distinctivos<br />

de seus chefes, ou Caci-<br />

(jnés , que trazem também huma<br />

especie de manto teci<strong>do</strong> de algodão :<br />

lie trabalha<strong>do</strong> , como huma rede.,<br />

orna<strong>do</strong> de pennas de différentes<br />

espécies de aves ; ajuntão-lhe hum<br />

capuz para cobrirem a cabeça. Mas<br />

este vestuário de ostentação não<br />

serve , se não nos dias de festas<br />

publicas.<br />

Na chegada <strong>do</strong>,s Portuguezes os<br />

Tapuyas tinhão forma<strong>do</strong> seus principaes<br />

estabelecimentos , como os<br />

Tabajarás , na Serra de Ibiapaba.<br />

Contão-se entre esta raça de Brasileiros<br />

perto de setenta e seis povoações<br />

, todas., guerreiras, iodas<br />

distinguidas por nomes différentes ,


Do Brasil. í2t)<br />

e quasi todas espalhadas para ó<br />

Paraíba <strong>do</strong> Norte, o Seará , e o<br />

Rio Grande. Neste numero secomprehendem<br />

os Guayaq que envenenão<br />

suas flexas; os Jaboros - Apuyarés,<br />

sempre errantes, e que<br />

não tem por armas , se não bordões<br />

queima<strong>do</strong>s nas duas pontas ;<br />

os Palies , que se vestem de lmma<br />

túnica de linho eanhamo sem mangas<br />

, e íallão huma lingua partiam<br />

lar ; os Cuxaras , que habitão as<br />

vastas planicies <strong>do</strong> interior ; os<br />

Mandevés e os ¿Vaporás , que<br />

exercitão a agricultura. Até as costas<br />

maritimas, e perto da Bahia<br />

de to<strong>do</strong>s os Santos se encontrão ao<br />

depois os Guigvõs, que tem também<br />

seu idioma proprio ; e os Aratnitos<br />

, que habitão nas cavernas ;<br />

os Cancaire's , cujas mulheres tem<br />

os peitos pendentes até as coxas ,<br />

e vêm-se precisadas a atai-os guan<strong>do</strong><br />

correm. No meio de to<strong>do</strong>s estes<br />

antrõpophagos os Campehós são<br />

quasi os únicos ,M£lue não comem<br />

carne humana; maVelles cortão a<br />

Tom. I. I


fli40 Historia<br />

cabeça á seus inimigos, e trazemna<br />

atada á cintura. Distingue-se<br />

também na nação <strong>do</strong>s Tapuyas os<br />

Aquigiros , que por huma excepção<br />

notável são verdadeiros pigmêos<br />

; também os Europêos lhes<br />

tem da<strong>do</strong> este nome: elles não são<br />

com tu<strong>do</strong> nem menos valorosos,<br />

nem menos robustos. Os Mariquitas<br />

, que cobrião huma parte da<br />

costa entre a Bahia, e Pernambuco<br />

, e vivião nos bosques. De ordinário<br />

atacão seus inimigos á força<br />

descuberta: mas empregão tamjbem<br />

a astúcia com hum successo,<br />

que lhes assegurão a agilidade; e<br />

destreza , de que são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s. Suas<br />

mulheres , de huma figura muito<br />

agradavel, tem parte nas suas disposições<br />

guerreiras. Os Mar gaiatas<br />

, situa<strong>do</strong>s entre o Espirito Santo<br />

, e o Rio de Janeiro, procuião<br />

o ar livre , fogem <strong>do</strong>s bosques, e<br />

não procurão suas cabanas, se não<br />

para <strong>do</strong>rmirem. Senhores <strong>do</strong> interior<br />

das terras eltre a Bahia, e o<br />

Rio Doce , os Â'y mares são de to-


Do Brasil. í2t)<br />

cios os -indígenas os mais selvagens<br />

, e os mais ferozes. Elles ,<br />

bem como os seus allia<strong>do</strong>s os Igicjracufos<br />

, causão hum grande terror<br />

pelo arrni<strong>do</strong> extraordinario ,<br />

que fazem , baten<strong>do</strong> huns contra<br />

os outros em bordões de madeira<br />

sonora. Taes são as principaes diversidades<br />

da grande nação <strong>do</strong>s Tapuyas.<br />

Os Ovaitanhassés habitão os<br />

arre<strong>do</strong>res de Cabofrio entre o Rio<br />

de Janeiro , e Paraíba <strong>do</strong> Sul: são<br />

de estatura alta; deixão crescer os<br />

cabellos , e não tem por camas redes<br />

de algodão , como os outros<br />

povos; deitão-se na terra sobre hum<br />

pouco de linho caiihamo. Os maiores<br />

inimigos <strong>do</strong>s Ovaitanhassés<br />

erão seus visinhos os Outacaqes *<br />

ou Goytaca^es , que se estendem<br />

desde a planicie , á que dão o nome<br />

, ao longo da riba srptemtrional<br />

<strong>do</strong> Paraiba cio Sul até a margem<br />

meridional <strong>do</strong> rio Xipotó nas<br />

circumvisinhançasKde Villa-Rica.<br />

Elles não clevorão seus prisionei-<br />

I £


fli40 Historia<br />

ros; e mais bravos, que os outros<br />

Brasileiros > elles batião seus inimigos<br />

em campo descuberto. Esta<br />

nação, que cubria hum paiz de<br />

perto de duzentas leguas, era inimiga<br />

implacavel das outras povoações<br />

Brasileiras. Não podia suppor-<br />

«ar a idéa de captiveiro , nem tem<br />

si<strong>do</strong> jamais subjugada ; e conserva<br />

ainda presentemente sua independencia<br />

em hum territorio menos extenso.<br />

Quan<strong>do</strong> não se julgavão os<br />

mais fortes , fugião com a ligeireza<br />

de cervos. Tu<strong>do</strong> , o que possuem ,<br />

ile commum: vivem em huma especie<br />

de igualdade: distinguem-se<br />

pelo reconhecimento , fidelidade, e<br />

união , que prestão hnns aos outros.<br />

Seu cabello esparzi<strong>do</strong> , seu<br />

olhar feroz , sua porcaria asquerosa<br />

os fazem a nação a mais deforme<br />

<strong>do</strong> LfniVerso.<br />

Os Onayanarés habitão a Ilha<br />

Grande á desoito leguas da barra<br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro. Elles tem a barriga<br />

grande estatura pequena ,<br />

são fracos , c frouxos , e por isso


Do Brasil. 133 ^<br />

mesmo formão como huma naçã


í'34 • Historia<br />

íeóes, e aos leopar<strong>do</strong>s, que no antigo<br />

continente espallião o terror<br />

nos vastos bosques da Africa , e da<br />

Asia.<br />

Os Molopaques occupão hum<br />

muito vasto continente além <strong>do</strong> rio<br />

Paraiba <strong>do</strong> Sul. Elles se distinguem<br />

<strong>do</strong>s outros Brasileiros por-costumes<br />

mais humanos, posto que não tenhão<br />

renuncia<strong>do</strong> nem á guerra,<br />

nem aos abomináveis festins , que<br />

se lhe seguem. Tem grandes aldeias,<br />

aio recinto das quaes cada família<br />

habita em liuma cabana separada.<br />

Suas terras contém minas de oiro,<br />

que elles não tem jamais ti<strong>do</strong> nem<br />

vontade , nem meios de cultivar ;<br />

mas apanlião , depois que chove ,<br />

folhetas d'oiro, que achão nas torrentes<br />

, e nos ribeiros, principalmente<br />

junto ás montanhas. Deixão<br />

crescer as barbas : cobrem decentemente<br />

o corpo , para que nada<br />

offenda a modéstia nos seus usos.<br />

Não são polygamos , posto que suas<br />

mulheres sejão^llas. Seu chefe ,<br />

que elles chta&o Morotova , he o


Do Brasil. í2t)<br />

niiico , que gosa exclusivamentaV<br />

<strong>do</strong> privilegio de ter mais de huma<br />

mulher. Não comem senão em horas<br />

determinadas; e parecem ser<br />

de entre es outros povos <strong>do</strong> Brasil<br />

os menos aparta<strong>do</strong>s da civilisação<br />

Europêa.<br />

Mais longe encontrão-se os Lápis<br />

, montanhezes, que se nutrem<br />

de fructos. Esta nação lie numerosa<br />

, feroz , de hum accesso difficil;<br />

e seu paiz abunda em metaes,<br />

e pedras preciosas.<br />

Os Curumarés habitão huma<br />

ilha de Araguaya. Elles chamSo o<br />

Ente Supremo Aunim , e pronuncião<br />

esta palavra com respeito. Os<br />

G negues , Timbirás , Jeicós , e<br />

Aucapuras habitão o vasto paiz<br />

<strong>do</strong> Piaithy para a parte <strong>do</strong> Maranhão.<br />

Os Guamarés , Arahís , e<br />

Caica7.es avisinhão-se < ao Amazonas.<br />

Na outra extremidade meridional<br />

<strong>do</strong> Brasil perto de Matto Grosso<br />

liabitão os Guacures , que são provavelmente<br />

da r^jma raça <strong>do</strong>s<br />

Guaycurts <strong>do</strong> Faragüay. Em fini


fli40 Historia<br />

«aos vinte e quatro gráos de-latitude<br />

austral entre o Rio Grande de<br />

S. Pedro , e S; Vicente está o paiz<br />

<strong>do</strong>s Carijós , os mais humanos cie<br />

to<strong>do</strong>s os selvagens <strong>do</strong> continente<br />

occidental, e os que a civilisação<br />

Europea achou mais accessiveis.<br />

Converti<strong>do</strong>s facilmente á Fé Catholica<br />

, fizerão-se auxiliares úteis aos<br />

Portugueses contra outras muitas<br />

nações <strong>do</strong>s índios , que estes conquista<strong>do</strong>res<br />

tiverão de combater ,<br />

e subjugar.<br />

Aqui se termina , o que temos<br />

colhi<strong>do</strong> de mais averigua<strong>do</strong> á res*<br />

peito <strong>do</strong>s diversos povos <strong>do</strong> Brasil.<br />

No longo curso de tres séculos,<br />

depois de tantas emigrações , ou<br />

guerras successivas , estes povos<br />

indígenas, a maior parte errantes ,<br />

tem-se visto precisa<strong>do</strong>s a passar<br />

frequentemente de hum territorio<br />

á outro , e a mudar de habitação :<br />

deste mo<strong>do</strong> ou suas mesmas mudanças<br />

, ou seu enfraquecimento, ou<br />

sua inteira destruição faz com que<br />

presentefflcrífe não sejão encontra.


Do Brasil.<br />

í2t)<br />

<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s na posição geográfica prk<br />

mitiva. Com tu<strong>do</strong> jamais os Europêos,<br />

apezar da superioridade de<br />

suas armas , e de sua disciplina ,<br />

terião toma<strong>do</strong> á tantas nações ferozes<br />

suas possessões , e sua liberdade<br />

, se estas tropas errantes,<br />

forman<strong>do</strong> huma liga para adefeza<br />

commum, tivessem forma<strong>do</strong> hum<br />

só povo. Porém divididas sem cessar<br />

, não se auxilian<strong>do</strong> humas ás<br />

outras , e atacadas separadamente ,<br />

forão submetticlas, despojadas <strong>do</strong>s<br />

seus <strong>do</strong>mínios , expulsadas, e destruídas<br />

: poucas d'entre ellas escapárão<br />

á morte , ou á escravidão.<br />

Algumas com tu<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>narão voluntárias<br />

seus costumes selvagens<br />

para se submetterem á civilisação<br />

Européa. As relações successivas<br />

destes différentes povos , quer com<br />

os Portuguezes, quer> com outras<br />

nações, que tem apporta<strong>do</strong> ao Brasil<br />

, se appresentaráõ no decurso<br />

desta obra , segun<strong>do</strong> a ordem <strong>do</strong>s<br />

factos , o progresso cios estabelecimentos<br />

, edas conquistas: ellas se-


fli40 Historia<br />

yâo acompanhadas de outros detalhes,<br />

que completarão o quadro <strong>do</strong>s<br />

costumes, e <strong>do</strong>s usos das principaes<br />

tribus <strong>do</strong> Brasil.


livro quarto.<br />

Capita nías hereditarias estabelecidas<br />

no Brasil no reina<strong>do</strong> ds<br />

D. João III. — Oriqem das colonias<br />

de S. Vicente , Santo Amaro<br />

, Tamaracá , Paraíba , Espirito<br />

Santo , Porto-Seguro , l-<br />

Ihéos , e Pernambuco. — Expedições<br />

desgranadas de Lui%<br />

de Mello , e de Ayres da Cunha<br />

ao Maranhão.<br />

1521 — 1540.<br />

X Lmstra<strong>do</strong> em fim sobre a importancia<br />

<strong>do</strong> Brasil, D. João III. . q"®<br />

nós vimos succeder á D. Manuel -<br />

seu pai, applicotyi¿ás suas posses'<br />

iões da America b sysíèma de civi-


fli40 Historia<br />

lisação imaginada então para as<br />

ilhas da Madeira , e <strong>do</strong>s Açores.<br />

Elie dividio o continente <strong>do</strong> Brasil<br />

em capitanias hereditárias , e as<br />

concedeu á titulo de <strong>do</strong>mínios aos<br />

senhores de seu reino , que se offerecêrão<br />

para irem formar estabelecimentos.<br />

Esta especie de contracto<br />

entre os Grandes, e o Monarcha<br />

se concluio com tanto maior<br />

felicidade , quanto elle tinha por<br />

mutuo garante , de liuma parte a<br />

cubiça , e ambição <strong>do</strong>s Nobres Portugnezes,<br />

e da outra o ordente desejo<br />

, que animava o Rei para fundar<br />

hum império no Novo Mun<strong>do</strong>.<br />

Preparan<strong>do</strong> suas tropas, seu exercito<br />

, e seus thesoiros, D. João III.<br />

se lisongeava de conseguir o inteiro<br />

<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Brasil, objecto constante<br />

de seus votos. Porém se os<br />

colonos Porruguezes tinhão podi<strong>do</strong><br />

estabelecer-se sem obstáculo nas<br />

ilhas visinhas da Metrópole , não,<br />

era o mesmo á respeito <strong>do</strong> Brasil,<br />

tão remoto dajjjortugal. Grandes<br />

tribus selvagens estavão de posse


Do BrayJL 141.;<br />

deste continente , cujos estabelecimentos<br />

coloniaes então forão tão<br />

aparta<strong>do</strong>s huns <strong>do</strong>s outros , que não<br />

só se fez difficil, mas muitas vezes<br />

impossível, que os colonos prestassem<br />

soccorro huns aos outros, 011<br />

o recebessem da Metropole.<br />

Os senhores concessionários devião<br />

gozar de huma jurisdicção civil<br />

, e criminal quasi absoluta. O<br />

Rei de Portugal, não se mostran<strong>do</strong><br />

zeloso , se não de huma soberania<br />

titular, lhes deu , conforme<br />

o plano de D. Manuel * a liberdade<br />

de conquistarem hum espaço de<br />

quarenta, ou cincoenta léguas de<br />

costa com huma extensão illimitada<br />

para o interior. Seu decreto os<br />

authorisava além disso para imporem<br />

aos povos submetti<strong>do</strong>s as leis<br />

que melhor lhes conviesse. Elles<br />

podião dispôr , na fórmtf da sua concessão<br />

, <strong>do</strong>s terrenos, que tivessem<br />

conquista<strong>do</strong> , e encarregar <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />

de os fazer valiosos aos Portuguezes,<br />

que qy.iz«ssem seguil-os<br />

ao Novo M u * A baior partt


14« Historia'<br />

<strong>do</strong>s concessionários tomarão este<br />

parti<strong>do</strong> para tres gerações somente,<br />

e com a condição de algumas rendas.<br />

Devião gozar cie to<strong>do</strong>s os direitos<br />

Reaes: o Monarcha exceptuou<br />

com tu<strong>do</strong> o direito de infligir<br />

a pena de morte , a fabricação das<br />

moedas , e o dizimo territorial, cujas<br />

prerogativas reservou á Coroa.<br />

Taes condições não podião deixar<br />

de lisongear o orgulho, e a ambição<br />

<strong>do</strong>s feudatarios <strong>do</strong> Brasil. Mas<br />

elles podião perder estes feu<strong>do</strong>s ,<br />

menos honrosos , que lucrativos,<br />

se desprezassem sua cultura , ou o<br />

cuida<strong>do</strong> da sua defeza, se commettessem<br />

algum crime capital, ou em fim<br />

se elles não tivessem filhos varões. \<br />

Tantas vantagens fizerão desappa- i<br />

recer aos olhos da cubiça não só<br />

as prevenções, que se tinhão excita<strong>do</strong><br />

contra a nova colonia , mas<br />

lambem huma multidão de perigos<br />

muito mais reaes, <strong>do</strong> que então<br />

já deixavão de passar por insupeiaveis.<br />

Os senhores Portuguezes, que


Do Brasil. í2t)<br />

ambicionavão estes meios de elevação<br />

, e de fortuna , não virão en«<br />

tão em seus vastos <strong>do</strong>mínios , se<br />

não terras, cuja cultura pouco dispendiosa<br />

provava a fertilidade delias<br />

; e nações estúpidas, que elles<br />

poderião subjugar sem perigo, e<br />

submetter sem esforços.<br />

Elles não se enganavão , senão<br />

neste ultimo ponto. A resistencia<br />

obstinada da maior parte das tribus<br />

selvagens , os combates sanguinolentos<br />

, que foi preciso sustentar<br />

contra ellas; seu odio implacavel;<br />

sua vingança feroz destruirão muitas<br />

vezes as mais bellas esperanças.<br />

Porém nada podia desgostar homens<br />

, cujas emprezas erão fundadas<br />

sobre os motivos irresistíveis<br />

cle <strong>do</strong>mínio , e de riquezas.<br />

A maior parte das capitanias<br />

forão concedidas á ser?hores poderosos<br />

, que por meio das armas emprehendêrão<br />

, ou acabárão a conquista<br />

sobre os naturaes. Não estabelecerão<br />

ao principio se não<br />

pequenos auebalaes, que augmen-


fli40<br />

Historia<br />

tan<strong>do</strong>-se tomarão o nome de Vil•<<br />

•las , e se fizerão como as capitaes<br />

de ontros tantos destrictos . 011 provincias.<br />

S.Vicente, Santo Amaro ,<br />

Tarnaracá , Paraiba , Espirito Santo,<br />

Porto-Seguro , Ilheos, e Pernambuco<br />

forão as primeiras capitanias,<br />

qu« o Rei de Portugal concedeu ao<br />

longo da costa <strong>do</strong> Brasil.<br />

Martim Alfonso de Souza , cujo<br />

nome he cita<strong>do</strong> honrosamente na<br />

<strong>historia</strong> das Indias Portuguezas,<br />

foi o primeiro possui<strong>do</strong>r de huma<br />

capitania cio Brasil. D. João III.<br />

lhe deu , bem como á seu irmão Pedro<br />

Lopes de Souza , a permissão de ir<br />

formar 110 novo continente hum<br />

estabelecimento colonial. Martim<br />

Affonso partió em 1531 com hum ,<br />

armamento considerável , explorou<br />

a costa nos circuitos <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

, á qival elle deu este nome ,<br />

porque a descubrió no primeiro de<br />

Janeiro ; ao depois avançou para o<br />

Sul até o Rio da Prata , e designou<br />

successivamen/e os portos , ou as<br />

ilhas, que achou na sua derrota,


Do Brasil.<br />

Segun<strong>do</strong> os dias <strong>do</strong> Calendario , com<br />

os quaes se conformava cada hum<br />

<strong>do</strong>s da sua descuberta. Deste mo<strong>do</strong><br />

a Ilha Grande foi chamada a 11 ha<br />

<strong>do</strong>s Magos , porque foi reconhecida<br />

á 6 de Janeiro. A vinte <strong>do</strong> mesmo<br />

mez descubrió a ilha , á que<br />

deu o nome de S. Sebastião: a<br />

vinte e <strong>do</strong>us ancorou em S. Vicente<br />

, que para o futuro veio a<br />

ser sua capitania , e huma das mais<br />

florescentes colonias <strong>do</strong> Brasil. Depois<br />

de ter examina<strong>do</strong> attentamente<br />

a costa , demorou-se aos quatorze<br />

grãos e meio de latitude meridional<br />

, e formou seu primeiro estabelecimento<br />

em huma ilha , que similhante<br />

á Gôa , ou á antiga Ty~<br />

ro , não he separada <strong>do</strong> continente<br />

, se não por hum braço de mar.<br />

Os naturaes a chamão Guaíba , de<br />

huma arvore assim chamada , que<br />

ahi cresce em abundancia<br />

Os índios da costa , ven<strong>do</strong> homens<br />

desconheci<strong>do</strong>s se estabelecer<br />

tão perto delles , ajuntarão suas<br />

pirogas, reunírão:ée pat a excluir«;«<br />

Tom. /. ' K


14


Do Brasil.<br />

tinha da<strong>do</strong> sua filha em casamento*<br />

Ramalho julgou , que os que de<br />

novo tinhão vin<strong>do</strong> , e cuja exclusão<br />

setentava, era huma tropa de<br />

seus compatriotas , que destina<strong>do</strong>s<br />

então para a índia , elança<strong>do</strong>s pelos<br />

temporaes na costa <strong>do</strong> Brasil ,<br />

tinhão procura<strong>do</strong> hum abrigo nesta<br />

ilha , que era visinha da mesma<br />

costa. Persuadió á seu bemfeitor ,<br />

que os favorecesse em vez de os<br />

destruir : veio elle mesmo encon-»<br />

trar-se com Martim Affonso , econcluio<br />

entre elle, e os Guayana^en<br />

huma alliança perpetua. O terreno<br />

escolhi<strong>do</strong> então para os Portugueses<br />

não se ten<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> conveniente<br />

, os colonos se transportárão<br />

á ilha de S. Vicente , que ficava<br />

visinha , e que deu o nome á toda<br />

a Capitania. Seus progressos forão<br />

rápi<strong>do</strong>s. Souza presidia á tu<strong>do</strong> com<br />

intelligencia, e sabe<strong>do</strong>ria. Fes plantar<br />

as primeiras cannas de assucar<br />

, que forão trazidas da Madeira<br />

: fez criar o primeiro, rebanho s<br />

e foi ahi, que as outras capitanias<br />

K a


fli40<br />

Historia<br />

se aprovisionárão ao depois. Os índios<br />

da Costa erão ichtyophagos 2<br />

elles fabricão suas cabanas em hum<br />

terreno cheio de mangues, e tão<br />

abundante de conchinhas , que sua<br />

accumulação prodnzio nas praias<br />

especies de humas chamadas ostreiras<br />

, que tem forneci<strong>do</strong> toda a cal,<br />

de que se tem feito uso nesta capitania<br />

desde a sua fundação até<br />

õ presente, Martim Affonso empregou<br />

as dadivas , e as caricias para<br />

se unir com estes Brasileiros, com<br />

quem teve frequentes communicaçóes<br />

, vantajosas á colonia.<br />

Seu irmão Lopes foi menos feliz<br />

nas suas empresas. Elie escolheu<br />

para seu <strong>do</strong>minio cincoenta léguasde<br />

costa , que dividio em duas grandes<br />

fazendas muiro apartadas hurna<br />

da outra , queren<strong>do</strong> fundar <strong>do</strong>is<br />

estabelecimentos distinctos, e separa<strong>do</strong>s.<br />

Situou o primeiro em lnijna<br />

ilha perto de S. Vicente, muito<br />

visinlía da costa , e deu-lhe o<br />

come de. Santo Amaro. Estas duas<br />

primeiras colónias <strong>do</strong> Brasil não


Do Brasil. í2t)<br />

er5o distantes , se não três léguas<br />

huma da outra , o que teria feito<br />

nascer queixas , e contendas entre<br />

os colonos, se os <strong>do</strong>is chefes , estreitamente<br />

uni<strong>do</strong>s pelos vínculos<br />

<strong>do</strong> sangue , e unanimes nos seus<br />

projectos, não tivessem constantemente<br />

vivi<strong>do</strong> em bôa armonía. No<br />

longo espaço , que durou este esta<strong>do</strong><br />

de coisas , a visinhança destes<br />

<strong>do</strong>is colonos foi proveitosa á ambos<br />

: mas quan<strong>do</strong> pelo tempo adiante<br />

passarão a ser outros os possessores<br />

, que não erão uni<strong>do</strong>s por<br />

vínculos tão estreitos, o ciúme , è<br />

o interesse desunirão os colonos<br />

até a época, em que os <strong>do</strong>is estabelecimentos<br />

, reuni<strong>do</strong>s em hum<br />

sc5 , passárão em fiir. , como os outros<br />

, depois de muitas vicissitudes<br />

ao <strong>do</strong>mínio da Corôa.<br />

Foi na ilha de Tanlaraca , ou<br />

Tamaríca , alguns gráos mais perto<br />

da linha , que Lopes de Souza<br />

fun<strong>do</strong>u seu primeiro estabelecimento<br />

colonial. Provida»de hum porto<br />

muito bom , está illiá não teai,


Historia<br />

99 não tres léguas de comprimento,<br />

e duas de largura , e he separada<br />

<strong>do</strong> continente apenas por hum es*<br />

treito canal. Lopes vio-se obriga<strong>do</strong><br />

a sustentar nella frequentes ataques<br />

feitos pelos Pitaguarés , que<br />

vierão cercal-o na sua mesma ilha,<br />

Elie por então conseguio rechaçai-os<br />

, e excluil-os da cosra visijiha<br />

; mas pouco tempo depois nau»<br />

fragou , e morreu na foz <strong>do</strong> Kio<br />

da Prata.<br />

Hum de seus companheiros, que<br />

escapou deste desastre , não perdeu<br />

o valor , nem pela sorte de seu<br />

desgraça<strong>do</strong> amigo , nem pelo risco ,<br />

porque el'e mesmo tinha passa<strong>do</strong>,<br />

Era hum Fidalgo , ou Nobre Portuguez<br />

, chama<strong>do</strong> Pedro de, Góes,<br />

que apaixona<strong>do</strong> pelas descubertas<br />

<strong>do</strong> Brasil sollicitou huma capitania<br />

em huma época , em que o Rei de<br />

Portugal as dispunha com prodigalidade.<br />

Porém Góes tinha muito<br />

pouco credito na Corte de Lisboa ;<br />

por isso o <strong>do</strong>minio , que se lhe deu,<br />

foi apenas de trinta légua« de cos«


Do Braqit. a


fli40 Historia<br />

annos, e foi funesta para a colônia<br />

nascente. Hum carto intervallo<br />

de paz não deu tempo á Góes de<br />

fazer prosperar seu estabelecimento.<br />

Os colonos fracos , e desanima<strong>do</strong>s<br />

instárão fortemente com Goes<br />

para deixarem a desgraçada situação<br />

<strong>do</strong> Paraiba. Góes opprimi<strong>do</strong><br />

pelos selvagens , que lhe ficavão<br />

perto , cedeu aos clamores de seus<br />

compatriotas, evacuan<strong>do</strong> a colônia ,<br />

e embarcan<strong>do</strong>-se em navios, que<br />

obteve <strong>do</strong> visinho estabelecimento<br />

de S. Vicente.<br />

Esta capitania tinha si<strong>do</strong> pedida ,<br />

e obtida pelo Fidalgo Vasco Fernandes<br />

Coutinho , que depois de<br />

ter passa<strong>do</strong> sua mocidade na índia<br />

, onde tinha ajunta<strong>do</strong> grandes<br />

riquezas, aventurou to<strong>do</strong>s os seus<br />

teres, e perdeu-os nos seus projectos<br />

de fazer colonia no Brasil. Coutinho<br />

metteu-se ao mar com hum a<br />

expedição considerável, ten<strong>do</strong> com<br />

sigo sessenta Fidalgos, muitos obreiros<br />

, e artistas.; elle estava encarrega<strong>do</strong><br />

alem disso pela Corte de-


Do Brasil. í2t)<br />

L i s b o a a-transportar ao Brasil , como<br />

degrada<strong>do</strong>s , a D. Simão da<br />

Castelío Branco , e a D. ]orge de<br />

Menezes. Este ultimo , que era<br />

qualifica<strong>do</strong> de senhor das Molucas,<br />

onde tinha si<strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r , devia<br />

ter commetti<strong>do</strong> grandes crimes, para<br />

merecer o desterro ao Brasil no<br />

momento mesmo , em que os primeiros<br />

authores das crueldades excita-,<br />

das nas índias Portuguezas escapavão<br />

ao castigo <strong>do</strong> Governo. A.<br />

expedição chegou depois de huma<br />

feliz viagem ao porto <strong>do</strong> seu destino<br />

, sessenta léguas ao Norte <strong>do</strong><br />

Rio de Janeiro, e ancorou em huma<br />

bahia de medíocre grandeza,<br />

cuja entrada se faz conhecer ao<br />

longe por huma montanha configurada<br />

á maneira de hum pao de<br />

assucar , que serve como de alvo<br />

aos pilotos. Os colonos Portuguezes<br />

derão ahi principio ao seu estabelecimento<br />

, fundan<strong>do</strong> huma villa ,<br />

que elles chamárão Nossa Senhora<br />

da Victoria, ainda mesmo antes<br />

de terem entra<strong>do</strong> e.m combates i


fli40 Historia<br />

mas este titulo foi logo verifica<strong>do</strong>;<br />

Os Guayanafes , seus primeiros<br />

inimigos , forão completamente derrota<strong>do</strong>s<br />

, bem como to<strong>do</strong>s os selvagens<br />

da America , no primeiro encontro<br />

pela superioridade das armas<br />

de fogo. Os vence<strong>do</strong>res , huma<br />

vez. senhores da costa , começárão<br />

a fundar casas, e edifícios, a cul*<br />

tivar as terras, a plantar cannas ,<br />

e a estabecer engenhos. Logo que<br />

Coutinho vio, que tu<strong>do</strong> prosperava<br />

rapidamente , voltou á Lisboa<br />

para ajuntar hum grande numero<br />

de colonos, e sollicitar tu<strong>do</strong>, oque<br />

lhe era necessário para emprehender<br />

huma expedição ao interior <strong>do</strong><br />

Brasil em busca das minas. Os limites<br />

da sua província devião começar<br />

onde acabava ao Sul a capitania<br />

de Porto Seguro.<br />

Esta tinira si<strong>do</strong> dada a Pedro de<br />

Campos Tourinho , nasci<strong>do</strong> em Vianna<br />

de Foz de Lima , de huma família<br />

distincta. Vota<strong>do</strong> felizmente<br />

á arte da navegação, elle amava<br />

as viagens, e as novas empresas;


Do Brasil.<br />

í2t)<br />

por tanto apressou-se em vender<br />

tu<strong>do</strong>, o que tinha em Portugal,<br />

para vir fundar no Brasil hnma<br />

colônia , de que devia ser o chefe<br />

; e fazen<strong>do</strong>-se á véla com sua<br />

mulher, e filhos, e hum grande<br />

numero de colonos, apportou felizmente<br />

na mesma enseada , em<br />

que Cabral tinha toma<strong>do</strong> posse cio<br />

Brasil. Hum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is criminosos,<br />

que este Official ahi havia deixa<strong>do</strong><br />

, vivia ainda , e sérvio de interprete<br />

á Tourinho , e aos Portugueses<br />

da expedição. No cume de<br />

hum roche<strong>do</strong>, situa<strong>do</strong> na barra de<br />

hum rio , fundarão a villa de Porto<br />

Seguro , hoje o lugar principal<br />

da provinda , que tem conserva<strong>do</strong><br />

çste nome da<strong>do</strong> por Cabral á costa<br />

por causa da bondade de. seu<br />

porto. Tres léguas separão Porto<br />

Seguro de Santa Cruz , onde apportou<br />

Cabral, quan<strong>do</strong> descubrio o<br />

Brasil. Os Tupiniquins , que possuião<br />

o paiz , se oppuzerâo Ioga<br />

ás empresas <strong>do</strong>s companheiros de<br />

Tourinho não só nesta provincía


Historia<br />

mas também nas duas capitanias<br />

visinhas. Porém elles tentarão debalde<br />

defender seu territorio contra<br />

os invasores. Seja porque elles reconhecessem<br />

a superioridade <strong>do</strong>s<br />

Europeus , seja porque estes os ti*<br />

vessem attrahi<strong>do</strong> por negociações<br />

astutas, e presentes , elles fizerão<br />

a paz , observárão-na fielmente ,<br />

voltárão suas armas contra os Tujjinacs<br />

, tribu Brasiliense da mesma<br />

raça , e que acaban<strong>do</strong> em alliança<br />

, e mistura com os Tupiniquins ,<br />

compõem hum só, e mesmo povo.<br />

ToUrinho teve muita influencia sobre<br />

estes naturaes á ponto de os<br />

ajuntar em suas aldeias, e amoldai-os<br />

á disciplina, e aos hábitos<br />

da civilisação. Isto he hum a pro va ,<br />

de que elle portou-se com sabe<strong>do</strong>ria<br />

, e de que não deve ter parte<br />

na accusaçao de tirannia , que merecerão<br />

muitas vezes os primeiros<br />

colonos Portuguezes. Elle fun<strong>do</strong>u<br />

engenhos cie assucar em Porto Seguro<br />

com tal felicidade , que em<br />

pouco tempo a exportação <strong>do</strong>s assu-


Do Brasil. í2t)<br />

eares para a Metropole se fez considerável<br />

, e lucrativa.<br />

Em meio <strong>do</strong> continente <strong>do</strong> Brasil<br />

se levantou quasi ao mesmo tempo<br />

a Capitania <strong>do</strong>s Ilheos , que<br />

deve o seu nome ao Rio das Ilhas ,<br />

assim chama<strong>do</strong>, porque tem tres<br />

ilhas na sua íoz. Jorge de Figueire<strong>do</strong><br />

Corrêa , historiographo de D.<br />

João III. , foi o concessionário delia.<br />

Reti<strong>do</strong> em Lisboa pelas suas occupações<br />

, e trabalhos , elle enviou<br />

hum Cavalleiro Castelhano , chama<strong>do</strong><br />

Francisco Romera , para tomar<br />

posse da sua provinda. Romera<br />

fundeou no porto de Tinharé , e<br />

fun<strong>do</strong>u huma nova villa na eminência<br />

, ou Morro de S. Paulo :<br />

ella foi ao depois transferida para<br />

a extremidade da bailia , onde está<br />

presentemente. Deu-se-lhe então o<br />

nome de S. Jorge em honra <strong>do</strong><br />

concessionário , porém o nome de<br />

Ilheos prevalesceu , e communicouse<br />

ao depois , bem que impropriamente,<br />

á toda a capitania. Os Tupiuiquins<br />

, senhores então da coita,


fli40 Historia<br />

erão os mais tractaveis de to<strong>do</strong>s os<br />

povos <strong>do</strong> Brasil. Por tanto viverão<br />

em paz com os colonos Portugueses,<br />

eemhuma tão estreita união,<br />

que a colonia se levantou sem perturbação<br />

, e prosperou logo. O filho<br />

de Figueire<strong>do</strong> , ten<strong>do</strong> herda<strong>do</strong> esta<br />

capitania , vendeu-a á Lucas Giraldes,<br />

que melhorou-a com grandes<br />

augmentos, e a fez tão florescente ,<br />

que nella se estabelecêrâo em pouco<br />

tempo oiro , ou nove engenhos<br />

de assucar.<br />

Na mesma época levantou-se ao<br />

Norte <strong>do</strong> continente <strong>do</strong> Brasil a<br />

capitania de Pernambuco , erradamente<br />

chamada Pernambuco pelos<br />

Europêos. Seu nome quer dizer<br />

Bocca cio Inferno por causa de hum<br />

vasto recife , que guarnecen<strong>do</strong> a<br />

costa , occulta abismos , e escolho»<br />

na entrada <strong>do</strong> porto , onde está<br />

afundada a cidade capital. Neila se<br />

havia erigi<strong>do</strong> provisoriamente liuma<br />

feitoria. Hum corsário de Marselha<br />

se fez senhor delia , e deixou<br />

setenta homens para conservarem a


Do Brasil. í2t)<br />

posse. Porém ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o sen navio<br />

toma<strong>do</strong> na volta á França , a<br />

Côrte de Lisboa tomou medidas 'immediatas<br />

para recobrar a colon ia<br />

nascente. Eduar<strong>do</strong> Coelho Pereira<br />

pedio-a em propriedade , como recompensa<br />

<strong>do</strong>s seus serviços na índia..<br />

Deu-se-lhe a extensão da costa<br />

situada entre o Rio de S. Francisco<br />

j e o Rio Juruva.<br />

Coelho embarcou-se logo com<br />

sua mulher » e filhos, e hum grande<br />

numero de parentes, e amigos,<br />

para irem fundar hurna colonia ao<br />

Norte <strong>do</strong> Brasil, Navegan<strong>do</strong> com<br />

venta favoravel para a costa , cuja<br />

posse o Rei lhe havia conferi<strong>do</strong><br />

, chega em fim á vista da entrada<br />

practicada no immenso recife,<br />

que cobre a costa ue Pernambuco<br />

, e grita maravilha<strong>do</strong>: " Oh í<br />

„ linda situação para^ se fnndac<br />

„ huma villa! „ e o nome de O-<br />

1 lá da , forma<strong>do</strong> das primeiras palavras<br />

da sua exclamação , deu-se á<br />

cidade , de que ellç foi a funda<strong>do</strong>r.


fli40 Historia<br />

Quasi toda a costa de Pernafflj<br />

buco estava então em poder cios<br />

Cahetés , tribn barba»a, e selvagem<br />

, notável entre todas as outras ;<br />

porque fazia uso de canoas muito<br />

grandes , capazes de suster dez á<br />

<strong>do</strong>ze pessoas. Coelho, diz o <strong>historia</strong><strong>do</strong>r<br />

Rocha Pita, vio-se obriga<strong>do</strong><br />

a conquistar toeza por toeza á esta<br />

tribu temivel, o que se lhe dera<br />

por léguas; Os Cahetés o atacárão<br />

, e cercárão na sua nova villaí<br />

Elles erão numerosos , e dirigi<strong>do</strong>s<br />

pelos Francezes, que vinhão com<br />

navios arma<strong>do</strong>s para traficar nesta<br />

mesma costa. A colonia teria si<strong>do</strong><br />

ariiquillada no seu mesmo nascimento<br />

, se Coelho tivesse menos experiência<br />

da guerra. Foi feri<strong>do</strong> nc<br />

sitio: hum grande numero <strong>do</strong>s seus<br />

colonos mouêrão á sua vista cora<br />

as armas nas mãos: vio a praça reduzida<br />

aos últimos extremos ; mas<br />

sua firmeza , e sua coragem o livrarão<br />

finalmente <strong>do</strong> perigo: bateu<br />

, e rechaçou o inimigo ; fez alliança<br />

com os 'Taba] ar as , e teve


Do Brasil. í2t)<br />

então muitas forças para se sustentar<br />

, e zombar de to<strong>do</strong>s os ataques.<br />

Os Tabayarés forão os primeiros<br />

naturaes <strong>do</strong> Brasil , que se ligarão<br />

com os Portuguezes. Hum de<br />

seus chefes, chama<strong>do</strong> Tabyra , tinha<br />

grandes talentos para a guerra.<br />

Era o terror <strong>do</strong>s selvagens inimigos<br />

: ia elle mesmo espial-os em seu<br />

campo para descubrir seus projectos<br />

; porque a tribu delle , sen<strong>do</strong> da<br />

mesma raça , que os Cahetés , fallava<br />

o mesmo idioma. Tabyra armava-lhes<br />

ciladas , atacava-os de<br />

noite, e fatigava-os com rebates<br />

continua<strong>do</strong>s. Por fim os Cahetés<br />

ajuntarão todas as suas forças, marchárão<br />

sobre elle , e o cercárão.<br />

Huma flexa vasou-lhe hum Olho.<br />

Tabyra sem se abalar arrancou-a<br />

com a pupilla ; e voltan<strong>do</strong>-se para<br />

os que o seguião , disse-lhes, que<br />

com hum só olho Tabyra via bem<br />

para combater seus inimigos: com<br />

effeito apezar <strong>do</strong> grande numero<br />

elle os poz em fugida.<br />

Seu lugar-tenente , ,e séu digpo-<br />

Tom• l> k


fli40 Historia<br />

emulo Hagyse ( braço de ferro')<br />

foi hum <strong>do</strong>s Tabayarés , que se<br />

distinguirão mais no mesmo parti<strong>do</strong>:<br />

e Piragyba (braço de peixe)<br />

fez tantos serviços aos Portugueses<br />

, que em recompensa recebeu<br />

o Habito da Ordem de Christo , e<br />

huma pensão cio Governo.<br />

Ajuda<strong>do</strong> destes intrépi<strong>do</strong>s alija<strong>do</strong>s<br />

lançou Coelho os fundamentos<br />

da cidade de Olinda , e da Capitania<br />

de Pernambuco , situada cem<br />

léguas ao Norte da Bahia , e hoje<br />

linma das mais ricas Províncias da<br />

America Portugueza. Alguns annos<br />

de paz permittírão á Coelho fundar<br />

engenhos de assucar , e cortar<br />

o precioso páo brasil de íórma , que<br />

esta Capitania quasi só forneceu<br />

delle a Europa inteira.<br />

Mas estas differentes colónias<br />

não podião conservar , e estender-se<br />

se não peia chegada successiva de<br />

novos colonos. Huma circunstancia<br />

pouco honrosa ao reina<strong>do</strong> de D.<br />

João III., e desgraçada para Portugal<br />

, se tornou em pouco tempo


Do Brasil. í2t)<br />

favorável ao augmento da populalação<br />

Europea <strong>do</strong> Brasil. A Inquisição<br />

Religiosa , estabelecida na<br />

Hespanha em 1482 , acabava de<br />

ser aclmittida em Lisboa por D.<br />

João III. , que deslustrou , entregan<strong>do</strong>-se<br />

á bum systema pernicioso ,<br />

as "bellas qualidades , pelas quaes<br />

elle se tinha mostra<strong>do</strong> digno <strong>do</strong>s<br />

seus predecessores. Numerosas victimas<br />

da nova instituição , Judeos<br />

principalmente , que o Tribunal da<br />

Inquisição perseguia incessantemente<br />

, forão desterra<strong>do</strong>s em multidão<br />

para o Brasil, onde acharão<br />

meio de estabelecer alguma cultura.<br />

A nova colonia se povoou rapidamente<br />

ranto pelos Judeos , como<br />

pelos vassallos catholicos, e por<br />

outros Europeus , attrahi<strong>do</strong>s pelos<br />

felizes trabalhos de seus antepassa<strong>do</strong>s.<br />

.<br />

Bem depressa o Governo Portuguez<br />

deixou de menoscabar, como<br />

ao principio , a immensa possessão ,<br />

que a sorte tinha uni<strong>do</strong> ás suas<br />

conquistas. A popoiução Européa<br />

L 3


fli40<br />

Historia<br />

não cessou de crescer , e passou a<br />

dividir successivamente entre si as<br />

marinhas <strong>do</strong> Brasil, onde ella podia<br />

esperar manter-se com mais vantagem.<br />

He ás guerras continuadas , suscitadas<br />

contra os novos colonos pelos<br />

antropophagos , que se deve principalmente<br />

attribuir a aversão , que<br />

os Portuguezes mostrarão desde o<br />

principio aos estabelecimentos forma<strong>do</strong>s<br />

no interior. Por isso a maior<br />

parte forão situa<strong>do</strong>s beira mar em<br />

distancias desiguaes , e muitas vezes<br />

muito consideráveis.<br />

Ao Norte de Pernambuco , no<br />

Equa<strong>do</strong>r , os Portuguezes não tinlião<br />

ainda reconheci<strong>do</strong> o bello rio<br />

<strong>do</strong> Maranhão , ou Amazonas , que<br />

pela primeira vez tinha si<strong>do</strong> aescuberto<br />

em 1499 por Ianez Pinçon ,<br />

que deu-lhe o nome de Mar d"agua<br />

<strong>do</strong>ce , cren<strong>do</strong> então , que o<br />

concurso de muitos rios tinha realmente<br />

altera<strong>do</strong> , e a<strong>do</strong>ça<strong>do</strong> o mar<br />

nesta costa. O navegante Castelhano.tinha<br />

descuberto ao depois, que


Do Brasil. í2t)<br />

estava na embocadura <strong>do</strong> grande<br />

rio Maranhão , e que os natura es<br />

chamavêo a este continente Mariatambal:<br />

porém ehe tinha passa<strong>do</strong><br />

outra vez a linha , sem adiantar<br />

suas investigações. Quarenta<br />

annos depois da descuberta <strong>do</strong> continente<br />

Brasiliense, restan<strong>do</strong> ainda<br />

muita incerteza á respeito <strong>do</strong> Maranhão,<br />

os Portuguezes não tinhão<br />

ainda , se não noções vagas , e confusas<br />

sobre este grande rio , e sobre<br />

as costas visinhas da sua foz.<br />

Mão obstante isso a Côrte de Portugal<br />

comprehendeu o Maranhão<br />

nos limites da America Poitugueza ;<br />

e D. João Hl. deu em 1539 esta<br />

Província, ou Capitania em propriedade<br />

á João de Barros , <strong>historia</strong><strong>do</strong>r<br />

, e homem de esta<strong>do</strong> , com<br />

a condição de fazer nella estabelecimentos.<br />

* ><br />

Porém João de Barros, não era<br />

nem muito oppulento , para fazer<br />

só as dispezas de hum armamento<br />

marítimo, nem muito moço, para<br />

ir e'le mesmo á huma expedição ar-


fli40 Historia<br />

riscada , e remota: não tinha além<br />

disso noção alguma positiva <strong>do</strong> continente<br />

, de que acabava de ser<br />

nomea<strong>do</strong> senhor feudatario No tempo<br />

, era que elle tractava de se informar<br />

, chegou á Portugal Luiz<br />

de Mello da Silva , que vinha <strong>do</strong><br />

Maranhão sollicitar a authorisação<br />

de fazer nelle hum estabelecimento<br />

estável. Este mancebo Portuguez ,<br />

immediatamente depois que Orellana<br />

em a sua espantosa expedição<br />

ao Amazonas primeiro, que to<strong>do</strong>s ,<br />

desceu por este rio até a sua foz ,<br />

tinha-se feito á véla de Pernambuco<br />

, e impelli<strong>do</strong> para o Norte ao<br />

longo da costa , approximou-se á<br />

este mar d* agua <strong>do</strong>ce. Cheio de espanto,<br />

e de admiração ao olhar para<br />

estas praias magnificas , chegou<br />

á ilha de Santa Margarida , onde<br />

yio os companheiros de Orellana ;<br />

deste intrépi<strong>do</strong> aventureiro, que<br />

apaixona<strong>do</strong> pelas descubertas tinha<br />

aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> os conquista<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

Perú. Pouco desanima<strong>do</strong>s pelos seus<br />

soüri.mentos, aconselharão á Silva ,


Do Brasil. í2t)<br />

que renovasse as tentativas sobre<br />

o Amazonas, que tinhão si<strong>do</strong> para<br />

elles tão desgraçadas : tal era o<br />

projecto , que o levava á Portugal.<br />

João de Barros cedeu-lhe os seus<br />

direitos á Capitania <strong>do</strong> Maranhão ;<br />

e o mesmo Rei o aiju<strong>do</strong>u , não ten<strong>do</strong><br />

elle meios sufficientes. Deu á<br />

véla , acompanha<strong>do</strong> cie <strong>do</strong>is filhos<br />

cle João de Barros, e ten<strong>do</strong> debaixo<br />

cias suas ordens tres náos , e<br />

duas caravellas: mas o armamento<br />

se perdeu nas baixias á vista <strong>do</strong><br />

•Brasil, cem léguas abaixo <strong>do</strong> grande<br />

rio. Huma só caravella escapou<br />

ao naufragio , e salvou o Commandante<br />

, e os <strong>do</strong>is filhos cie João de<br />

Barros. Silva foi para a índia , onde<br />

enriqueceu , e tornou a embarcar-se<br />

para Lisboa com a resolução<br />

de aventurar outra vez sua fortuna<br />

, e sua pessoa , para.se estabelecer<br />

no Maranhão: porém não se<br />

ouvio mais fallar <strong>do</strong> seu navio , que<br />

se chamava S. Francisco , que provavelmente<br />

naufragou em huma<br />

passagem tempestuosa."


fli40 Historia<br />

Neste intervallo João de Barros,<br />

que outra vez tinha entra<strong>do</strong> em<br />

seus direitos , repartió a propriedade<br />

da sua provincia com Fernan<strong>do</strong><br />

Alvares de Andrade, e Ayres da<br />

Cunha; e forman<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s tres hum<br />

plano de colonisação , fizerão hum<br />

armamento mais considerável, que<br />

to<strong>do</strong>s os precedentes. Cunha tomou<br />

o comman<strong>do</strong> da expedição , levan<strong>do</strong><br />

com sigo os <strong>do</strong>is filhos de Barros<br />

, que tinhão escapa<strong>do</strong> ao primeiro<br />

naufragio. Toda a frota , chagan<strong>do</strong><br />

ao Brasil , foi destruida nas<br />

mesmas baixias , onde se tinha perdi<strong>do</strong><br />

o armamento de Mello da Silva.<br />

Cunha foi hum , <strong>do</strong>s que se<br />

aífogárão. Os desgraça<strong>do</strong>s naufragantes<br />

, que crião estar na entrada<br />

<strong>do</strong> Maranhão , posto que estivessem<br />

pouco mais, ou menos cem<br />

leguas ao ,Sul , ganhárão a ilha,<br />

que depois <strong>do</strong> seu engano chamarão<br />

a Ilha Maranhão , nome que<br />

ella perdeu , passa<strong>do</strong> meio século ,<br />

para tomar o de Ilha das Vaccas.<br />

Chegarão á salvar <strong>do</strong> naufragio


Do Brasil. í2t)<br />

apenas alguns effeitos; e para terem<br />

viveres traficarão com os Tapui]as<br />

, que então habitavâo 11a ilha.<br />

Porém elles forão muito tempo miseráveis<br />

, em quanto não purlerão<br />

fazer ver sua triste situação ao estabelecimento<br />

mais visinho. ]oão<br />

de Barros enviou-lhes soccorros ,<br />

logo que soube da sua desgraça:<br />

porém'o navio, que sahio de Lisboa<br />

, partio muito tarde. Seus <strong>do</strong>is<br />

filhos acabav§o de ser mortos no<br />

Rio Pequeno pelos Pítaguares , e<br />

to<strong>do</strong>s os naufragantes tinheo deixa<strong>do</strong><br />

a ilha, Victima de hum duplica<strong>do</strong><br />

desastre , o Historia<strong>do</strong>r Barros<br />

mostrou huma firmeza , e huma<br />

sublimidade d'alma , dignas de melhor<br />

sorte. Pagou todas as dividas<br />

<strong>do</strong>s seus socios , que tinhão pereci<strong>do</strong><br />

; e ficou deve<strong>do</strong>r á Coròa de<br />

perto de stis centos mil,réis , procedi<strong>do</strong>s<br />

da artilhtria , e de ourros<br />

objectos <strong>do</strong> armamento ; quantia ,<br />

que El-Rei D. Sebastião lhe per<strong>do</strong>ou<br />

muito tempo ., ao depois por<br />

huma liberalidade , de" que Barros


fli40 Historia<br />

teria tira<strong>do</strong> mais vantagem , se ella<br />

tivesse si<strong>do</strong> menos tardia.<br />

Estas tentativas desgraçadas á<br />

embocadura <strong>do</strong> Amazonas , e ás<br />

costas visinhas desanimarão o Governo<br />

, e os arma<strong>do</strong>res Portuguezes.<br />

Passou-se muito tempo , até<br />

que os colonos <strong>do</strong> Brasil, illustra<strong>do</strong>s<br />

em fim pela experiencia, e pela<br />

frequentação destas paragens ,<br />

fundárão no Maranhão estabelecimentos<br />

duráveis , e villas florescentes.<br />

Com tu<strong>do</strong> os esforços <strong>do</strong>s primeiros<br />

colonos não tinirão si<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

infructuosos : a imprudencia , e a<br />

desgraça não tinhão destrui<strong>do</strong> inteiramente<br />

as esperanças destes homens<br />

emprehende<strong>do</strong>res, e valorosos<br />

, e que nenhum obstáculo podia<br />

desgostar. Vio-se também 'no<br />

espaço de dea annos a maior parte<br />

<strong>do</strong>s primeiros estabelecimentos se<br />

augmentar , prosperar , e espalharse<br />

, para formar , tres séculos mais<br />

tarde , hurr: <strong>do</strong>s mais bellos imperios<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.


livro quinto.<br />

Naufragio , e aventuras de Caramurú.<br />

Caracter da qrande povoação<br />

Brasileira <strong>do</strong>s Tupinambos<br />

da Bahia. Descripção <strong>do</strong><br />

Reconcavo , e quadro das suas<br />

revoluções. Primeira origem de<br />

S. Salva<strong>do</strong>r da Bahia. Tomada<br />

de posse da Capitania da<br />

Bahia por Francisco Pereira<br />

Coutinho. Primeiras hostilidades<br />

entre os Tupinambos , eos<br />

Portugueses. Expulsão , e morte<br />

de Coutinho,<br />

o<br />

I5I0—-1540.<br />

A Origem de S. Salva<strong>do</strong>r da Bailia<br />

, posto que romanesca, não sç


fli40 Historia<br />

perde na noite cios tempos , nem<br />

nas tradições fabulosas. Esta cidade<br />

celebre , successivamente destruida,<br />

reedificada , tomada, e retomada<br />

, tem si<strong>do</strong> no decurso cie<br />

mais de <strong>do</strong>is séculos a Metropole<br />

<strong>do</strong> Brasil. Hoje mesmo , que o Rio<br />

de Janeiro lhe rouba a sua preeminencia<br />

, ella he ainda por sua<br />

extensão , fortificações , e edificios ;<br />

pela sua população, estaleiros , armazéns<br />

, e vasta bailia , huma das<br />

mais importantes cidades <strong>do</strong> Novo<br />

Mun<strong>do</strong>.<br />

Logo que o navegante Christovão<br />

Jacqnes visitou esta bailia<br />

magnifica, e suas paragens, como'<br />

vimos no segun<strong>do</strong> livro, deu disso<br />

conta á D. João 111. , bem como<br />

da belleza , e da fertilidade <strong>do</strong> territorio<br />

adjacente.<br />

Porém foi somente alguns anuos<br />

depois da viagem deste navegante<br />

, que o systema de concessões<br />

foi definitivamente ordena<strong>do</strong>. Então<br />

o Rei de Portugal deu a provincia<br />

marítima , comprehendida


Do Brasil. í2t)<br />

desde o grande Rio de S. Francisco<br />

até a Ponta <strong>do</strong> Padrão da Bahia<br />

ao fidalgo Francisco Pereira<br />

Coutinho com a condição de fundar<br />

nella liuma cidade , e estabelecimentos<br />

permanentes, quer subjugan<strong>do</strong><br />

os naturaes, quer civilisan<strong>do</strong>-os.<br />

A mesma Bahia com todas<br />

as suas enseadas foi ao depois<br />

addida á esta graça verdadeiramente<br />

Real. Coutinho, que havia pouco<br />

, chegara da índia, "onde se tinha<br />

distingui<strong>do</strong> , familiarisaclo além<br />

disso com as descubertas, e expedições<br />

, de mais anima<strong>do</strong> pelo desejo<br />

de ser conquista<strong>do</strong>r , e funda<strong>do</strong>r<br />

, aprestou logo liuma pequena<br />

esquadra em Lisboa , e ajuntou hum<br />

numero muito grande de solda<strong>do</strong>s ,<br />

e de aventureiros , para ir emprehencler<br />

a colonisação da Bahia.<br />

No em tanto hum caso singular<br />

tinha já posto estes sitios em poder<br />

de hum mancebo compatriota de<br />

Coutinho , inflama<strong>do</strong> , como elle ,<br />

pela paixão das viagens , e descubertas.<br />

Este Portuguez?, chama<strong>do</strong>


fli40<br />

Historia<br />

Dioqo Alvares Corrêa Vianna ¿<br />

ia para as índias Grientaes. Bati<strong>do</strong><br />

por huma tempestade, bem como<br />

tinha si<strong>do</strong> Cabral, foi <strong>do</strong> mesmo<br />

mo<strong>do</strong> irapelii<strong>do</strong> ao Occidente<br />

para o Brazii. Menos feliz , ou<br />

menos hábil , que este celebre navegante<br />

, e não poden<strong>do</strong> mais governar<br />

seu navio , Diogo Alvares<br />

naufragou nas baixias ao Norte da<br />

barra da Bahia. Hurna parte da<br />

equipagem pereceu ; os que escapárão<br />

ás vagas, soffrêrão huma morte<br />

mais horrorosa. Fazen<strong>do</strong> força<br />

para ganharem a costa , e aventuran<strong>do</strong>-se<br />

sem precaução , os naturaes<br />

os apanharão , e devorárão á<br />

vista de Diogo Alvares, que tinha<br />

fica<strong>do</strong> perto <strong>do</strong> navio , que dera á<br />

costa , não com a esperança de o<br />

concertar , mas para recuperar differentes<br />

objectos próprios para lhe<br />

conciliar a benevolencia <strong>do</strong>s selvagens.<br />

Então elle conheceu perfeitamente<br />

, que não lhe restava outro<br />

parti<strong>do</strong> para salvar a vida , se<br />

não fazer-se á hum tempo util , e


Do Brasil. í2t)<br />

temível á estes cannibaes; e teve<br />

a felicidade de salvar entre outros<br />

efteitos naufraga<strong>do</strong>s hum mosquete<br />

que poz em esta<strong>do</strong> de servir , e aí-'<br />

guns barris de pólvora. Os selvagens<br />

depois <strong>do</strong> seu abominavel banquete<br />

entrarão para a sua aldeia,<br />

ou habitação; e Diogo Alvares,<br />

subtrahi<strong>do</strong> como por milagre á voracidade<br />

delles , e ao furor das vagas<br />

, ousou avançar-se só sobre esta<br />

costa liumicida para reconhecer<br />

o paiz.<br />

Roche<strong>do</strong>s denta<strong>do</strong>s, costas verdejantes,<br />

bosques espessos, huma<br />

bailia profunda , porém mansa , taes<br />

são os objectos , que íerem sua vista.<br />

Penetran<strong>do</strong> ao longo deste immenso<br />

golfo , que fôrma á direita<br />

o continente, e ã esquerda a ilha<br />

oblonga de Itajwrica , elle o vê arreclondar-se<br />

, e estender-se para o<br />

Norte á perder de vista , ten<strong>do</strong> ao<br />

Sul três léguas de largura , <strong>do</strong>ze<br />

de diâmetro, c trinta eseis decircumferencia.<br />

Ahi bem como no Rio<br />

de Janeiro na mesma ecteta , o mar


fli40<br />

Historia<br />

parece ter penetaa<strong>do</strong> as terras: póde-se<br />

mesmo conjecturar, que hum<br />

grande lago , quebran<strong>do</strong> sua barreira<br />

, abrio huma communicação<br />

com o Occeano. Seis grandes rios<br />

navegáveis desaguão neste golfo ,<br />

ou antes neste lago pacifico , e crystalliuo<br />

, que se divide em muitos<br />

braços, e entra também pelas terras<br />

, forman<strong>do</strong> difterentes direcções,<br />

•Huma cadeia cle ilhas vivificão este<br />

pequeno Mediterrâneo <strong>do</strong> Brasil.<br />

Diogo Alvares , encanta<strong>do</strong> da<br />

belleza, e da magnificência deste<br />

sitio , cuja existencia elle não suspeitava<br />

, deu-lhe o nome de S. Salva<strong>do</strong>r<br />

; porque ahi tinha acha<strong>do</strong> a<br />

sua salvação. Porém não perceben<strong>do</strong><br />

mais vivente algum , temia verse<br />

em hum lugar selvagem , exposto<br />

á todas as necessidades , e á discrição<br />

da£ íeras; quan<strong>do</strong> appareceu<br />

cle repente huma multidão de<br />

Brasileiros arma<strong>do</strong>s cle flexas , e de<br />

massas, sem todavia mostrar intento<br />

algum hostil. Muitos d'entre elles.<br />

tinhão visco como s ali ir <strong>do</strong> mar a


Do Brasil.<br />

joven Alvares, ten<strong>do</strong> então se conserva<strong>do</strong><br />

occultos; porém avançan<strong>do</strong><br />

ao depois cheios dc espanto,<br />

elles correspondêrSo aos signaes de<br />

benevolencia , e de paz , que lhes<br />

fez Diogo Alvares, aproximárãose<br />

para receberem os presentes, e<br />

o tractarão com amizade. Conduzi<strong>do</strong><br />

á mais próxima aldeia , foi<br />

appresenta<strong>do</strong> ao Chefe , ou Cacique<br />

, de quem elle foi feito captivo:<br />

mas recebeu delle, bem como<br />

de roda a povoação , tanta consideração<br />

, como cuida<strong>do</strong>s.<br />

Estes índios erão da raça <strong>do</strong>s<br />

Tupinambás , cujo nome significa<br />

Bravos , e que de to<strong>do</strong>s os naturaes<br />

<strong>do</strong> Brasil são os mais zelosos<br />

da sua independência. Elles reúnem<br />

no mais alto gráo os caracteres<br />

communs , debaixo <strong>do</strong>s quaes<br />

lemos representa<strong>do</strong> as Nações Tiipicas.<br />

Sua estatura , que não excede<br />

a ordinaria , he em geral bem<br />

proporcionada. São cio numero <strong>do</strong>s<br />

Brasileiros, que tracem o cabello<br />

compri<strong>do</strong>. O oleo de rotu , de quc<br />

Tom. /. M<br />

r


fli40<br />

Historia<br />

elles íazem hum uso continua<strong>do</strong> ,<br />

dá huma côr de azeitona á sua pel*<br />

le , naturalmente tão branca , como<br />

a <strong>do</strong>s Europeos.<br />

Os Tupinambos se estabelecem<br />

de ordinario no meio <strong>do</strong>s bosques ,<br />

que hcão mais visinhos ao mar , e<br />

aos rios. Começão por formar ,<br />

queiman<strong>do</strong> as arvores, huma praça<br />

proporcionada ao numero , em que<br />

para ahi concorrem , e construem<br />

neste espaço vastas , e longas cabanas<br />

, cuberías de folhas cie palmeira<br />

, e que nenhum tabique, ou<br />

separação divide no interior. Estas<br />

grandes cabanas de cento e cin»<br />

eoenta pés de comprimento com<br />

quatorze de largura , e <strong>do</strong>ze de altura<br />

contém huma vintena de familias<br />

alliadas humas ás outras; e<br />

tilas são construidas de maneira ,<br />

que vão .cercar 110 centro huma<br />

praça , onde se matão os captivos.<br />

Cada cabana tem tres portas, toclas<br />

tres para a parte da praça da matança,<br />

A aldeia lie composta de<br />

hum pequeno numero de cabanas,


Do Brasil. í2t)<br />

c sempre estacada com intervallos<br />

regula<strong>do</strong>s para atirar flexas, e fema<strong>do</strong>s<br />

com hum primeiro circulo de<br />

grossas estacas , menos cerradas,<br />

que a paliçada <strong>do</strong> centro. Os Tupinambás<br />

põem na entrada sobre<br />

estas estacas algumas das cabeças<br />

<strong>do</strong>s inimigos, que elles cem devora<strong>do</strong>.<br />

EUes não habitão mais , <strong>do</strong> que<br />

cinco , ou seis annos na mesma aldeia:<br />

destroem, passa<strong>do</strong> este tempo<br />

, seus estabelecimentos , e vão<br />

em pouca distancia formar outros<br />

novos , aos quaes elles com tu<strong>do</strong><br />

tem o cuida<strong>do</strong> de dar o nome cia»<br />

quelles , que acabão de aban<strong>do</strong>nar.<br />

Esta mudança tem por objecto o<br />

utilisarem-se da fertilidade de hum<br />

terreno , ainda não cansa<strong>do</strong> pela<br />

vegetação das raizes , que fazem a<br />

base da sua nutrição. *<br />

As familias se distinguem pela<br />

união a mais terna. Em parte nenhuma<br />

o amor paternal pôde ser<br />

eleva<strong>do</strong> á mais alto gráo v este sen?<br />

timento hepago da parte <strong>do</strong>s filhe-s-<br />

M 2


fli40<br />

Historia<br />

por hum respeito inviolável. A amizade<br />

, a liberalidade , a hospitalidade<br />

apertão sem cessar entre clles<br />

laços indissolúveis ; e sua ferocidade<br />

, que não se pode desconhecer »<br />

se reserva inteiramente para a vingança<br />

, de que elles fazem contra<br />

os seus inimigos o maior <strong>do</strong>s gozos,<br />

e o primeiro <strong>do</strong>s deveres.<br />

Seu sentimento natural he exquisito<br />

, seu juizo recto , seu espirito<br />

justo. A rasão , e a persuasão<br />

encontrão nelles hum accesso fácil,<br />

com tanto que não se pertenda<br />

subjugal-os. Seus orgãos finos , e<br />

delica<strong>do</strong>s; sua memoria segura , e<br />

fácil os fazem susceptíveis cie instrucção.<br />

Por isso elles se tem eleva<strong>do</strong><br />

por si mesmos á alguns conhecimentos<br />

prácticos , cujo uso<br />

não deixa de ser util. Não só elles<br />

tem da<strong>do</strong> ñomes ás estrellas, mas<br />

também tem conheci<strong>do</strong> sua posição<br />

relativa. Depois de ter nota<strong>do</strong> o<br />

curso annual <strong>do</strong> sol, elles tem dividi<strong>do</strong><br />

o tempo ou pela marcha deste<br />

astro, ou pelas chuvas , pelas


Bo Brasil. i8i<br />

fcrizas e pelos ventos. Conhecem<br />

também algumas das propriedade?<br />

<strong>do</strong>s seus vegetaes , e das suas prochicçóes<br />

mineraes. Pelo que toca á<br />

Religião , ou antes á falta de Religião<br />

, á guerra , á politica , e ao<br />

pequeno numero de hábitos, que<br />

compõem a única legislação , que<br />

elles conhecem , pode se formar a<br />

idéa de seus usos , olhan<strong>do</strong> para o<br />

quadro geral <strong>do</strong>s costumes primitivos<br />

<strong>do</strong>s indígenas <strong>do</strong> Brasil.<br />

Estes selvagens passão em hum a<br />

ociosidade quasi absoluta o tempo ,<br />

em que a guerra cessa de os occupar.<br />

A cassa, e a pescaria, cujos<br />

productos elles ajuntão á mandioca<br />

, e ás outras substancias vegetaes<br />

, enchem com tu<strong>do</strong> huma parte<br />

<strong>do</strong> seu ocio. Elles dizem , segun<strong>do</strong><br />

huma clas suas tradições as mais<br />

acreditadas, que duai? personagens<br />

desconhecidas , das quaes huma se<br />

chamava Zomé , lhes ensinára a<br />

colher, e a preparar a mandioca:<br />

accrescentão , que .seus antepassa<strong>do</strong>s<br />

, procuran<strong>do</strong> motivo de dispu-


fli40 Historia<br />

ta contra estes bemfeitores, atirárão-lhes<br />

flexas ; mas que estas, voltan<strong>do</strong><br />

atraz , matarão os que as tinirão<br />

vibra<strong>do</strong>. Os bosques abrirão<br />

caminho a Zomé na sua fugida ,<br />

e os rios se abrirão igualmente para<br />

lhe oíferecerem passagem. Pertendem<br />

também que as duas personagens<br />

mysteriosas promettêião visital-os<br />

de novo, e mostrarão seus<br />

vestígios milagrosos , impressos na<br />

arêa.<br />

A recreação quasi única <strong>do</strong>s<br />

Tupin ambas he a dança : são muito<br />

da<strong>do</strong>s á elia, e se ajuntão muitas<br />

vezes nas suas aldeias , para se<br />

entregarem ao som da voz , e de<br />

hum instrumento chama<strong>do</strong> maraca ,<br />

espécie de roquinha , feito de hum<br />

fructo ôco , no qual introduzem<br />

pequenos grãos , e o agitão como<br />

hum tambor de biscainho , acompanhan<strong>do</strong><br />

orhythmo de suas canções.<br />

O maraca serve também de guiso<br />

de adevinhação aos seus adevinho?.<br />

Nas. sitas, festas , . e sobre tu<strong>do</strong>


Do Brasil. í2t)<br />

si a ceremonia da matança <strong>do</strong>s captivos<br />

os Tupinambos bebem em<br />

abundancia çumo defriictos, e cías<br />

raízes fermentadas. Além <strong>do</strong> licor ,<br />

que elles extrahem da mandioca ,<br />

e de que fazem bum uso immodera<strong>do</strong><br />

, preparão outro ainda melbor<br />

<strong>do</strong> fructo da acayaba. Porém posto<br />

que apaixona<strong>do</strong>s pelas bebidas<br />

fermentadas, elles não são menos<br />

melindrosos na escolha cl' agua :<br />

preferem a mais <strong>do</strong>ce , mais leve ,<br />

e que não deposita sedimento algum<br />

, e a conservão constantemente<br />

fresca pela transudação em<br />

vasos de barro poroso. Agua pura ,<br />

exposta ao orvalho de manha, era<br />

O sen remedio favorito.<br />

Ta es erão os Brasileiros , que<br />

accolhêrão Pedro Alvares Correa.<br />

Elles tiverão logo occasião cle admirar<br />

sua intelligencia e sua destreza.<br />

Hum dia ten<strong>do</strong> com seu mosquete<br />

mata<strong>do</strong> huma ave perante<br />

estes selvagens, as mulheres, e os<br />

filhos gritarão: Carjimurúl Caramuru<br />

! que quer dizei'.homem-dc


fli40 Historia<br />

fogo ; e testemunhárão o temor de<br />

perecerem também ás mãos delle.<br />

Pedro Alvares voltan<strong>do</strong>-se então<br />

para os homens, cujo espanto estava<br />

mistura<strong>do</strong> com hum temor menor<br />

, lhes fez saber , que iria com<br />

elles á guerra , e que mataria seus<br />

inimigos. Elles marcharão logo contra<br />

os Tapuyas. A fama da arma<br />

terrível <strong>do</strong> homem de fogo os precedia<br />

, e os Tapuyas fugirão. Caramurú<br />

foi o nome , com que Pedro<br />

Alvares foi conheci<strong>do</strong> dahi em<br />

diante entre os Portuguezes.<br />

Toca<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s effeitos espantosos<br />

das armas de fogo , e de outras invenções<br />

Européas, que Caramurú<br />

tinha o cuida<strong>do</strong> de appresentar a<br />

seus olhos, os Brasileiros da Bahia<br />

lhe attribuírão hum poder sobrenatural<br />

, que lhe attrahio logo suas<br />

homenagens t e até mesmo suas<br />

a<strong>do</strong>rações. Deste mo<strong>do</strong> aquelle mesmo<br />

Alvares, que se tinha julga<strong>do</strong><br />

em circumstancias de ser devora<strong>do</strong> ,<br />

como os seus compatriotas, que tinliao<br />

cabi<strong>do</strong> nas mãos destes stlva-


Do Brasil. í2t)<br />

gens antropopliagos, vio-se poucos<br />

dias depois ainda mais poderoso ,<br />

que seus próprios chefes , felizes<br />

em lhe obedecerem , e em fazerem-<br />

110 acceitar suas filhas por esposas.<br />

Então foi firmada a estreita alliança<br />

, que unio Caramará com os<br />

Tupinambas , de quem elle se fez ,<br />

por assim dizer , soberano absoluto.<br />

Em signal de respeito elles o vestirão<br />

com huma especie de manto ,<br />

ou túnica de algodão; fizerão-lhe<br />

offerta de suas mais bellas pennas ,<br />

e de suas melhores armas , e lhe<br />

prodigalisárão o producto de suas<br />

cassadas, e <strong>do</strong>s fructos os mais deliciosos<br />

dç> seu paiz. Caramurú estabeleceu<br />

sua habitação no lugar ,<br />

onde foi ao depois fundada a Villa<br />

Velha. Tornou-se o pai de hinna<br />

numerosa familia ; e ainda hoje as<br />

casas mais distinctas da, Bahia referem<br />

á elle sua origem. Fez levantar<br />

logo algumas cabana^ sobre<br />

a praia desta bahia espaçosa , e<br />

commoda , onde se poz em seguro ,<br />

açiianao em huma pescaria *buu-


fli40 Historia<br />

dante , e nas provisões , que Ih«<br />

trazião os índios, huma nutrição<br />

sã ; provisões na verdade sobrepujantes<br />

á necessidades da sua colonia<br />

nascente.<br />

As primeiras cabanas feitas á<br />

pressa forão logo substituidas por<br />

habitações mais convenientes: huma<br />

especie de politica , eu de disciplina<br />

foi introduzida , e conservada<br />

por Cararnurú , chefe, e regula<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> novo estabelecimento. Dos<br />

pedaços de hum navio naufraga<strong>do</strong><br />

eUe fez construir barcas mais sólidas<br />

, que as pirogas <strong>do</strong>s Brasileiros ;<br />

não porque elle esperasse servir-se<br />

delias para huma navegação longa ;<br />

mas elle se lisongeava de reconhecer<br />

logo to<strong>do</strong> o golfo , de que não<br />

tinha ainda idéa , por não ter ti<strong>do</strong><br />

noticia alguma da relação de Christovão<br />

Jacques. Com effeito desde o<br />

instante , em que naufragou , elle<br />

tinha suspeita<strong>do</strong>, que estava no<br />

Brasil , onde seus compatriotas começavão<br />

a estabelecer-se; porém<br />

perden<strong>do</strong> a espeiança de se unir á


[<br />

Do Brasil. 187<br />

elles, julgava-se para sempre separa<strong>do</strong><br />

deli es , e da Europa.<br />

Familiarisa<strong>do</strong> logo com o idioma<br />

<strong>do</strong>s Tupis , achou-se em esta<strong>do</strong><br />

de interrogar aos naturaes sobre a<br />

sua origem, e sobre o paiz , que<br />

habita vão. Os velhos conservavão<br />

•a lembrança de tres revolnçoes<br />

accontecidas 110 Reconcavo ; he este<br />

o nome , que elles dão á Bahia com<br />

todas as suas enseadas. Segun<strong>do</strong> a<br />

mais remota lembrança, que os homens<br />

podião ter entre estes selvagens<br />

, elles tinhão per hum facto<br />

certo , que os Tapuyas tinhão possuí<strong>do</strong><br />

o Reconcavo: mas como esta<br />

•parte <strong>do</strong> Brasil he , debaixo de algumas<br />

relações, hum <strong>do</strong>s lugares<br />

mais favoreci<strong>do</strong>s cla tetra , estes<br />

•não podião esperar o go^.ar pacificamente<br />

de huma possessão tão desejável,<br />

principalmente não haven<strong>do</strong><br />

entre elles outras leis , se não<br />

a da força. Por tanto os Tapinaes<br />

expellírão os Tapuyas , e conser-<br />

•várão o Reconcavo oor muitos an^<br />

nos bem que sempre' em gueira


fli40 Historia<br />

com os que elles havião desempossa<strong>do</strong>,<br />

e que ainda queriao lançar<br />

mais para o interior. Os Tupinambas<br />

, passan<strong>do</strong> ao depois o Rio de<br />

S. Francisco, invadirão também<br />

o Reconcavo , <strong>do</strong>nde excluirão os<br />

Tupinaes , que lançan<strong>do</strong>-se de novo<br />

sobre os Tapuyas , levarão-nos<br />

diante de si. Os últimos conquista<strong>do</strong>res<br />

estavão senhores <strong>do</strong> continente<br />

, quan<strong>do</strong> Caramurú chegou<br />

entre elles; porém já se tinhão dividi<strong>do</strong><br />

sobre a posse da sua preza.<br />

A povoação , que tinha fica<strong>do</strong> entre<br />

o Rio de S. Francisco , e Rio<br />

Real fazia huma guerra sanguinolenta<br />

ás tribus, que acabavão de<br />

tomar posse <strong>do</strong> Reconcavo; e estes<br />

mesmos se tractavão como inimigos,<br />

os que habitavão de huma parte<br />

da bahia <strong>do</strong>s que habitavão da outra<br />

: cada parti<strong>do</strong> exercia hostilidades<br />

por mar , e por terra , e devorava<br />

seus prisioneiros. Hum novo<br />

motivo de discórdia acabava de excitar-se<br />

entre os Tupinambas , q«e<br />

¡habitavão a costa oriental ; e era.


Do Brasil.<br />

í2t)<br />

ó que nas épocas semibarbaras,<br />

que nós chamamos heróicas , tem<br />

da<strong>do</strong> assumpto á poesia ,• e á histoiia.<br />

A filha de hum chefe tinha<br />

si<strong>do</strong> roubada á seu pai, e o raptor<br />

tinha recusa<strong>do</strong> entregál-a. O<br />

pai. , não ten<strong>do</strong> bastantes forças<br />

para o obrigar á isso, tinha-se retira<strong>do</strong><br />

com a sua tribu para a ilha<br />

de ltaporica. As povoações habitantes<br />

das margens <strong>do</strong> grande rio<br />

Paraguassú , ten<strong>do</strong> feito liga com<br />

os fugitivos, travarão huma guerra<br />

obstinada com o outro parti<strong>do</strong>. A<br />

Ilha de No<strong>do</strong>, ou da Pena traz<br />

este nome das emboscadas, e <strong>do</strong>s<br />

combates frequentes, de que ella<br />

foi então o theatro. A tribu emigrada<br />

augmentou-se, e estendeuse<br />

ao longo da costa <strong>do</strong>s llheos ,<br />

e a contenda se prolongou com<br />

muita energia. • „<br />

Tal era a situação <strong>do</strong>s Tupinambas<br />

no Reconcavo , quan<strong>do</strong><br />

Caramuru com seu temivel mosquete<br />

veio fazer inclinar-se a balança<br />

á favor da tribu hospitalei-


fli40 Historia<br />

ra , de que elle se tinha torna<strong>do</strong><br />

chefe. Feliz , e tranquillo entre<br />

estes selvagens , elle fazia esforço<br />

por civilisai-os: fazia mesmo disposições<br />

para dar á seu estabelecimento<br />

mais consistencia , e huma forma<br />

, que íosse mais regular , eren<strong>do</strong>-se<br />

desterra<strong>do</strong> para sempre entre<br />

os Tupinambüs, quan<strong>do</strong> appareceu<br />

de repente na entrada da Babia<br />

hum navio Norman<strong>do</strong> , que<br />

partira de Dieppe para fazer no<br />

Brasil huma viagem de descubertas<br />

, e commercio. Depois de ter<br />

entra<strong>do</strong> na bahia , lançou ancora<br />

á vista de Caramuru , e <strong>do</strong>s Indios<br />

reuni<strong>do</strong>s: poz-se logo em correspondencia<br />

com elles , de quem recebeu<br />

viveres , e hum accolhimento<br />

amigavel. De parte á parte fizerao-se<br />

trocas de huma utilidade<br />

reciproca. chegada imprevista,<br />

<strong>do</strong> navio Francez fez nascer em<br />

Caramuru 0 projecto de voltar á<br />

Europa, e ir á Lisboa dar conta<br />

ao Rei cle Portugal de seu naufragio<br />

, e de seu feüz estabelecimento


Do Brasil. í2t)<br />

em S. Salva<strong>do</strong>r. Elie esperava merecer<br />

por este meio a protecção , e<br />

a animação <strong>do</strong> Monarcha. Caramiirü<br />

facilmente obteve passagem<br />

para si, e para Paraguazú , sua<br />

mulher estimada , de quem elle não<br />

queria separar-se. Prometteu á seus<br />

hospedes, que voltaria logo , eembarcou-se<br />

, levan<strong>do</strong> com sigo amostras<br />

da riqueza , e das curiosidades<br />

<strong>do</strong> Brasil: mas as outras suas mulheres<br />

índias não puderão supportar<br />

este aban<strong>do</strong>no, posto que* por<br />

hum tempo limita<strong>do</strong>: ellas á na<strong>do</strong><br />

seguirão o navio com a esperança<br />

de serem recebidas abor<strong>do</strong>. Amais<br />

valorosa , ou a mais apaixonada<br />

avança tão longe , que antes de<br />

poder chegar á praia , suas forças<br />

a aban<strong>do</strong>não. Em vão pede ella<br />

soccorro ; Cciramurú não ouve mais<br />

suas vozes : em vão'intenta ella<br />

sustentar-se ainda sobre as va«as:<br />

fraca , desfalecida , desesperada ,<br />

ella succumbe , e morre nas ondas<br />

victirfm <strong>do</strong> seu amor para com Caramuru,.


Historia<br />

O navio apporrou com feliz<br />

viagem nas costas da Normandia.<br />

Henrique II. reinava então na<br />

França. Altivo , generoso . e bemfazejo<br />

, elle convidava os prazeres ,<br />

e as artes á sua Corte. Caramurâ<br />

appareceu nella debaixo cios auspícios<br />

<strong>do</strong> Capitão , a quem elle devia<br />

sua volta á Europa. Elle foi accolhi<strong>do</strong><br />

, bem como sua mulher Paraguaia<br />

, junto <strong>do</strong> Hei , e da Rainha.<br />

Henrique , e Catharina cie<br />

Medicis receberão estes viajantes<br />

com hum prazer occulto ; por que<br />

a Europa inteira então retumbava<br />

com o arrui<strong>do</strong> das descubertas maravilhosas<br />

feitas nas duas índias<br />

pelos Hespanhoes, e Portuguezes.<br />

As outras Potencias marítimas não<br />

vião sem hum sentimento de inveja<br />

tantos paizes , e riquezas<br />

exclusivamente invadidas , e cultivadas<br />

, por duas únicas Nações<br />

, que em outro tempo encantoadas<br />

na Península Hespanhola ,<br />

se estendião agora sobre os pontos<br />

os mais remotos <strong>do</strong> globo. Henri-


Do Brasil. í2t)<br />

que II. não se tinha esqueci<strong>do</strong> das<br />

palavras <strong>do</strong> Rei seu Pai á respeito<br />

da America. " Eu quizera ( tinha<br />

„dito Francisco I.) que se me<br />

„ mostrasse o artigo <strong>do</strong> testamento<br />

„ de Adão , que divide o Novo<br />

„ Mun<strong>do</strong> entre meus irmãos olm-<br />

„ pera<strong>do</strong>r Carlos V., e o Rei cie<br />

,, Portugal , excluin<strong>do</strong>-me da suc-<br />

„ cessão. ,, O Monarcha Francez<br />

manifestou evidentemente a intenção<br />

de participar da conquista <strong>do</strong><br />

novo hemisferlo , soüicitada além<br />

disso pelos navegantes de Dieppe ,<br />

que espreitavão as occasiões de terem<br />

accesso á America. Henrique ,<br />

e Catharina testemunhárão o desejo<br />

de favorecer suas emprezas distantes.<br />

Por tanto prodigalisárão com<br />

os estrangeiros vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil os<br />

signaes <strong>do</strong> mais vivo interesse. A<br />

moça índia attrahia principalmente<br />

a curiosa attenção <strong>do</strong>s Cortezãos<br />

Francezes , admira<strong>do</strong>s de verem a<br />

filha de hum chefe <strong>do</strong>s selvagens<br />

no meio da Côrte a mais polida da<br />

Europa. Deu-sç pressá á ganhal-a<br />

Tom, /. N


fli40 Historia<br />

para a Religião , e ParacjuaÇÜ foi<br />

baptizada solemnemente. A Rainha ,<br />

dan<strong>do</strong> o seu nome de Catharina á<br />

esta nova Christã , servio-lhe de<br />

Madrinha , e o Rei de Padrinho.<br />

Fez-se-lhe conhecer, não sem trabalho<br />

, mas com feliz successo , a<br />

Religião , que ella acabava de abraçar<br />

, e os usos da Europa. Seu mari<strong>do</strong><br />

Caramuru , bem que lisongea<strong>do</strong><br />

pelo accolhimento , que lhe fazia<br />

a Côrte de França , não perdia<br />

de vista Lisboa , sua patria, e se<br />

dispunha a partir para ella : porém<br />

o Governo Francez lhe negou o<br />

consentimento. As honras , que se<br />

lhe tinirão da<strong>do</strong> , não erão nada<br />

menos, que gratuitas: o Rei pertendia<br />

servir-se delle no paiz , que<br />

elle tinha descuberto. Caramuru<br />

deixou-se facilmente persuadir a<br />

conduzir hurra expedição mercante<br />

á Costa <strong>do</strong>s Tupinambas da Bahia<br />

, e de favorecer nella as relações<br />

de troca , e commercio entre<br />

os Francezes, e os naturaes. Com<br />

effeito elle chegou a enviar á D.


Do Brasil. í2t)<br />

João III. por intervenção de Pedro<br />

Fernandes Sardinha , joven Portuguez<br />

, que tinha concluí<strong>do</strong> os<br />

seus estu<strong>do</strong>s em Pariz , e que ao<br />

depois foi o primeiro Bispo <strong>do</strong> Brasil<br />

, as informações , que não se<br />

permittia , que elle mesmo levasse:<br />

elle por cartas exhortava o Rei de<br />

Portugal para colonisar o paiz delicioso<br />

, que tinha cahi<strong>do</strong> em seu<br />

poder de hum mo<strong>do</strong> tão estranho.<br />

Ao depois com hum rico commerciante<br />

Francez fez huma convenção<br />

, em virtude da qual os navios<br />

carrega<strong>do</strong>s de objectos úteis para<br />

o trafico com os naturaes <strong>do</strong> Brasil<br />

forão sujeitos á sua disposição ,<br />

bem como as munições , e a artilheria<br />

destes navios , logo que chegassem<br />

á Bahia. Caramarú obrigou-se<br />

da sua parte a carregal-os<br />

de pio brasil, e de oatros generos<br />

uteis ao commercio para a volta.<br />

Elle partio com estes <strong>do</strong>is navios<br />

, conduzin<strong>do</strong> com sigo sua mulher<br />

Catharina ; e .favoreci<strong>do</strong> por<br />

huma navegação rapida, ancorou<br />

N 2


içô Historia<br />

logo em S. Salva<strong>do</strong>r , achan<strong>do</strong> sua<br />

pequena colonia no mesmo esta<strong>do</strong>, 4<br />

em que a tinha deixa<strong>do</strong>. Os Tupinambos<br />

tornárão a ver com transportes<br />

de alegria aquelle, que elles<br />

consideravão ao mesmo tempo<br />

como seu pai, e seu chefe supremo.<br />

Sua primeira operação foi fortificar<br />

seu pequeno estabelecimento.<br />

Sua mulher Paragua^u , entusiasmada<br />

com o nome de Catharina ,<br />

e com os talentos , que tinha adquiri<strong>do</strong><br />

na Europa, fez to<strong>do</strong>s os<br />

esforços para converter , e para civilisar<br />

seus selvagens compatriotas.<br />

]á no meio das primeiras cabanas<br />

se acaba de fundar huma Igreja:<br />

já o mesmo Caramuru tinha distribui<strong>do</strong><br />

muitas plantas de cannas,<br />

começa<strong>do</strong> a cultura das terras , attrahi<strong>do</strong><br />

, e ajunta<strong>do</strong> por meio de<br />

beneficios o? naturaes , até então<br />

errantes, e dispersos, quan<strong>do</strong> appareceii<br />

na Bahia a expedição preparada<br />

em Lisboa , e commandada<br />

' por Pereira Coutinho , para vir<br />

tomar posse da provincia inteira;<br />

I


Do Brasil. í2t)<br />

apparição funesta , que espalhou a<br />

consternação em toda a colonia.<br />

Arma<strong>do</strong> da authoridade real ,<br />

Coutinho assentou o seu estabelecimento<br />

na Bahia no lugar agora<br />

chama<strong>do</strong> Villa Velha , que era a<br />

habitação de Caramuru , á quem<br />

recorreu logo para ter bom êxito<br />

na sua empreza colonial. Dois de<br />

seus companheiros, que erão de<br />

prigem nobre , casarão se com duas<br />

das filhas de Caramurú ; e por<br />

causa deste forão seus compatriotas<br />

estima<strong>do</strong>s pelos naturaes de sorte ,<br />

que tu<strong>do</strong> continuou em socego por<br />

algum tempo. Mas Coutinho não<br />

vio logo em Caramuru , se não<br />

hum occulto inimigo de seu poder:<br />

elle tinha servi<strong>do</strong> nas Grandes índias<br />

; e se fazia então muito preciso<br />

, que as índias fossem para<br />

os Portnguezes huma escolla de humanidade<br />

, e de politica. Coutinho<br />

servio-se <strong>do</strong> meio da força; condemnou<br />

tu<strong>do</strong> , o que se tinha feito<br />

até então , e censurou principalmente<br />

os meios de <strong>do</strong>çura , empre?


Historia<br />

ga<strong>do</strong>s para captar a benevolencia ,<br />

e a amizade <strong>do</strong>s naturaes. Estes<br />

não virão neste novo cheíe , se<br />

não hum senhor intractavel , despótico<br />

, decidi<strong>do</strong> a se estabelecer<br />

no seu paiz pelo direito de conquista.<br />

Seus solda<strong>do</strong>s , ou antes<br />

seus aventureiros , que elle tinha<br />

ajunta<strong>do</strong> , e trazi<strong>do</strong> em seu seguimento<br />

, assignalárão sua chegada<br />

com todas as especies de violencias ,<br />

e de rapinas: hum delles matou o<br />

filho de hum chefe <strong>do</strong>s naturaes.<br />

Coutinho pagou caro esta cruel<br />

offensa. Os ferozes Tupinambas ,<br />

os mais temiveis de to<strong>do</strong>s os selvagens<br />

Brasileiros , não respirárão<br />

mais, que vingança. Então começou<br />

huma longa perseguição contra<br />

toda esta horda , tão pouco acostumada<br />

ase ver á prova de actos de<br />

severidadee de rigor. Em vão<br />

Caramuru pertendeu livrar da oppressão<br />

os índios hospitaleiros , ao<br />

mesmo tempo seus allia<strong>do</strong>s, seus<br />

' hospedes, e seus amigos. Olha<strong>do</strong><br />

como importuno , e suspeito, foi


Do Brasil.<br />

preso por ordem de Coutinho, tira<strong>do</strong><br />

de sua mulher , e passa<strong>do</strong> para<br />

bor<strong>do</strong> de huma embarcação. O<br />

rumor cia sua morte falsamente espalha<strong>do</strong><br />

, lançou a desesperação na<br />

alma de Paragua^á , que para vingal-a<br />

armou não só os selvagens<br />

da sua nação , mas até chamou em<br />

seu soccorro os Tamoyós , seus<br />

visinhos.<br />

Aos dias felizes, e tranquillos<br />

que tinhão acompanha<strong>do</strong> a chegada<br />

, e o estabelecimento de Caramurá<br />

na Bahia, succedêrão dias<br />

de tristeza, e de carnagem. Apezar<br />

da superioridade, que as armas de<br />

fogo parecião dever assegurar aos<br />

Portuguezes , os Brasileiros , furiosos<br />

, e reuni<strong>do</strong>s em grande numero ,<br />

inflamma<strong>do</strong>s além disso pelos clamores<br />

de raiva de Paraguaia , queimarão<br />

os engenhos de sssucar , destruirão<br />

as plantações, matarão hum<br />

filho de Coutinho ; e depois de huma<br />

guerra sanguinolenta, que durou<br />

muitos annos „ arrasárão em<br />

fim. as. obras erigidas pelos Porfu-


fli40<br />

Historia<br />

guezes, e obrigárão seu chefe a<br />

procurar sua salvação nos navios.<br />

Reduzi<strong>do</strong> á esta vergonhosa extremidade<br />

, Coutinho se retirou com<br />

os restos da sua equipagem , e com<br />

os seus <strong>do</strong>is navios para a visinha<br />

Capitania <strong>do</strong>s Ilheos, que Jorge de<br />

Figueire<strong>do</strong> começava a colonisar.<br />

Caramuru , sempre preso , foi conduzi<strong>do</strong><br />

oelos Portuguez.es. Mas apenas<br />

se tinhão retira<strong>do</strong> , quan<strong>do</strong> os<br />

Tupinambas sentirão a falta das<br />

merca<strong>do</strong>rias da Europa , que consideradas<br />

por elles ao principio como<br />

objectos de luxo , e de ornato,<br />

se tinhão ao depois torna<strong>do</strong> em necessidades.<br />

Logo que se socegárão<br />

as differenças , concluio-se huma<br />

convenção entre os envia<strong>do</strong>s de<br />

Coutinho , e alguns chefes <strong>do</strong>s Tupiri<br />

ambas , que tractárão com tu<strong>do</strong><br />

sem participação de todas as povoações.<br />

Coutinho, ten<strong>do</strong> procura<strong>do</strong> ai*<br />

guns reforços, embarcou-se em huma<br />

caravella e deu á vela para<br />

a Bahia. Caramurá seguio-o em.


Do Brasil. í2t)<br />

outra caravella. Mas apenas chegárão<br />

a avistar o golfo, quan<strong>do</strong><br />

huma tempestade , que se levantou<br />

de repente , assaltou as embarcações<br />

, e as fez encalhar , antes de<br />

passar, a barra nas baixias da illia<br />

A de ltaporica. Os Tupinambos ,<br />

que presenceavão este naufragio ,<br />

eque tinhão conheci<strong>do</strong>, e assignala<strong>do</strong><br />

seu oppressor , avanção se com<br />

suas massas de guerra , apezar cía<br />

opposição <strong>do</strong>s chefes , que tinhão<br />

chama<strong>do</strong> Coutinho , e embarcán<strong>do</strong>se<br />

em tropel nas suas canoas , unemse<br />

com os da ilha, queestavão em<br />

peleja com a equipagem de Coutinho.<br />

Este Capitão tinha já ganha<strong>do</strong><br />

a praia ; mas elle não acabava<br />

de escapar ao furor das ondas<br />

, se não para soffrer a vingança<br />

<strong>do</strong>s Brasileiros. Atraca<strong>do</strong> rodea<strong>do</strong><br />

por huma multidão de inimigos<br />

furiosos , morreu feri<strong>do</strong> de hum<br />

grande golpe de massa. Sua cabeça ,<br />

separada <strong>do</strong> corpo , e ornada de<br />

pennas , foi levada em triumfo pelos<br />

vence<strong>do</strong>res, que manifes árão<br />

l


fli40<br />

Historia<br />

huma alegria acompanhada de grir<br />

tos, devorarão seus prisioneiros, e<br />

se regozijarão de terem principalmente<br />

farta<strong>do</strong> sua raiva contra o<br />

mais cruel inimigo da sua povoa»<br />

ção. As equipagens de Caramurá<br />

forão poupadas em attenção á elle<br />

que tornou a entrar em sua antiga<br />

povoação, e a levantar sua colonia<br />

com o soccorro <strong>do</strong>s Tupinambas ,<br />

sobre os quaes elle tornou a tomar<br />

seu antiga ascendente. A mulher ,<br />

e os filhos! de Coutinho não perecerão<br />

com elle ne*ta luta cruel;<br />

por que he provável, que elles tivessem<br />

si<strong>do</strong> deixa<strong>do</strong>s nos Ilheos ;<br />

mas perderão seu <strong>do</strong>minio , e tu<strong>do</strong> ,<br />

que Coutinho havia obti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Brasileiros.<br />

Passárão o resto da vida<br />

miseravelmente ; porque não tinhão<br />

outro recurso , se não a caridade<br />

publica; e morrerão victimas da<br />

imprudente tyranaia de Coutinho.


livro sexto.<br />

Progresso da. Capitania de S. Vicente.<br />

Tentativas desgraçadas<br />

de Aleixo Garcia , e de George<br />

Sedenho para chegarem ao Brasil<br />

por Paraguay. Primeiras<br />

hostilidades entre os Hespanhoes<br />

<strong>do</strong> Paraguay , c os Portugueses<br />

<strong>do</strong> Brasil. Renovação<br />

da guerra em Pernambuco. Cerco<br />

<strong>do</strong> Garassú pelos Cahetés.<br />

Chegada de D. Thomé de Sou-<br />

7,a , primeiro Governa<strong>do</strong>r Geral<br />

, ao Brasil. Fundação da<br />

cidade de S. Salva<strong>do</strong>r. Regularisação<br />

politica la. colonia.<br />

1540 —1550.<br />

Ei M quanto os Tupinamba? da<br />

Bahia sahião vence<strong>do</strong>res da su? " i-


204 Histori a<br />

meira luta com os Portugueses , a<br />

cobiça, e a inveja sopravao a discordias<br />

e a guerra entre os colonos<br />

de S. Vicente, e os Hespanhoes<br />

seus visinhos , já senhores<br />

das margens <strong>do</strong> Paraguay , e <strong>do</strong><br />

rio da Prata. <<br />

Estas contendas entre duas Nações<br />

, quasi sempre rivaes , terião<br />

ensopa<strong>do</strong> de sangue os <strong>do</strong>is hemis-<br />

. ferios ^ se os laços da benevolencia,<br />

e d r parentesco não tivessem<br />

uni<strong>do</strong> estreitamente Carlos V. , e o<br />

Rei de Portugal.<br />

Apenas tinhão-se passa<strong>do</strong> deseseis<br />

annos depois da descuberta <strong>do</strong><br />

Brasil, e já florescia a colonia de<br />

S. Vicente , situada em hum pequeno<br />

golfo á quarenta leguas ao<br />

Sul <strong>do</strong> Rio de Janeiro.<br />

Hum clima tempera<strong>do</strong> , altas ,<br />

e ricas montanhas, rios límpi<strong>do</strong>s ,<br />

e abundantes de peixe , valles ferteis,<br />

e habita<strong>do</strong>s por naturaes mansos,<br />

e sociáveis , muitos golfos profun<strong>do</strong>s<br />

, e sobre toda a costa hum<br />

gY Je numero de ilhas pictorescas,


Do Brasil. í2t)<br />

taes erão as numerosas vantagens,<br />

que esta bella parte <strong>do</strong> Brasil offerecia<br />

á seus novos possessores.<br />

Por tanto o estabelecimento de S.<br />

Vicente foi hum , <strong>do</strong>s que mais rapidamente<br />

chegárão a colonisar-se.<br />

Ao Sul , e á Oeste estão as<br />

fronteiras <strong>do</strong> Paraguay , ou o paiz<br />

da Prata , que recebe este duplica<strong>do</strong><br />

nome de <strong>do</strong>is rios . ciue o régão.<br />

O Paraguay recoii deci<strong>do</strong> por<br />

Solis , foi submetti<strong>do</strong> á Gorda de<br />

Castella quasi no mesmo tempo ,<br />

em que o Brasil entrava no <strong>do</strong>minio<br />

Portuguez : elle ainda mais particularmente<br />

passou a ser liuma<br />

conquista <strong>do</strong>s Missionários da Companhia<br />

de Jesus , aos quaes deveu<br />

em parte sua civilisação. Desde a<br />

sua origein as províncias <strong>do</strong> Paraguay<br />

, limitrophes <strong>do</strong> Brasil , forão<br />

muitas vezes o obj, ;ro , e o theatro<br />

de mais de hum debate politica<br />

entre as duas Nações rivaes. As<br />

novas possessões Hespanholas, poden<strong>do</strong><br />

servir de passagem pa*a ir<br />

<strong>do</strong> Brasil ao Peru , era princ' i-


Historia<br />

mente por este motivo , que o conhecimento<br />

geográfico , e a frequentação<br />

<strong>do</strong> Paraguay se fazião de hum<br />

grande interesse para os Portugueses<br />

de S.Vicente. Começava então<br />

a espalhar-se o rumor , que os Hespanlioes<br />

tiravão immensas riquezas<br />

<strong>do</strong> Perú , e logo os Portuguezes<br />

conceberão o desejo de terem nellas<br />

parte com JS seus visinhos da America.<br />

• Afto'iso de Souza , Capitão<br />

General^ a colonia, julgan<strong>do</strong> dever<br />

ceder ás instancias deseuscom¿<br />

patriotas , permirtio á Aleixo Garcia<br />

que unia a actividade á intrepidez<br />

, que partisse acompanha<strong>do</strong><br />

de seu filho , e de outros tres Portuguezes<br />

, para indagar as minas<br />

dtí^oiro , e abrir á colonia hum caminho<br />

até o Perú. Garcia dirigióse<br />

para o Occidente , e encontrou<br />

nas* margens ) Paraná a grande<br />

povoação <strong>do</strong>s Chanai^es, índios<br />

hospitaleiros , aos quaes elle se nnío<br />

pelos laços da amizade , e <strong>do</strong> casamei<br />

to. Perto de mil se resolverão<br />

a ¿nil-o na sua espantosa expe-


Do Brasil. í2t)<br />

dição. Alguns índios Tarupecocios<br />

e Chiri guanos engrossárão seu pe*<br />

queno exercito. Garcia passou 0<br />

rio ; e abrin<strong>do</strong> a derrota ou á força<br />

descuberta , ou allian<strong>do</strong>-se á novas<br />

povoações , ajuntou oiro , e<br />

penetrou até as fronteiras <strong>do</strong>Perú.<br />

Na volta para o Paraná , no ponto<br />

intermedio cia sua partida , concebeu<br />

o projecto deform _ _Jii hum<br />

estabelecimento estável , q lt- servisse<br />

de pouso á seus com -atriotas ,<br />

que qnizessem aproveitar-se de suas<br />

descubertas. Com esta intenção envioit<br />

ao Brasil <strong>do</strong>is Portuguezes da<br />

sua comitiva para informarem a<br />

Affonso de Souza <strong>do</strong> successo da<br />

sua viagem , e para lhe communicar<br />

seus planos ulteriores: além<br />

disso enviou também algumas barras<br />

de oiro para convencer a<br />

seus compatriotas, sua viagem<br />

tinha sabi<strong>do</strong> á medida <strong>do</strong>s seus desejos.<br />

Apenas os <strong>do</strong>is emissários de<br />

Garcia se apartáráo delle , quan<strong>do</strong><br />

os índios, que o acompanha vi ^ ,<br />

6 assassináruo , se apoderárão >


fli40<br />

Historia<br />

seu thesoiro , e aprisfòiiárão s»tt<br />

filho. Eisaqui ao menos, o que a<br />

tradição tem conserva<strong>do</strong> com mais<br />

verosimilhança entre os índios Chanaipes<br />

á respeito da <strong>historia</strong> deste<br />

aventureiro Portuguez: deve sentir-se<br />

o não se terem recolhi<strong>do</strong> todas<br />

as relações á este respeito. Garcia<br />

devia ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de talentos<br />

extraor-Aries; pois que não sen<strong>do</strong><br />

a^ n ip-.iiha<strong>do</strong> , se não por cinco<br />

Europêoí, , tinha chega<strong>do</strong> a levantar<br />

hum exercito entre os selvagens<br />

, e a abrir até o meio <strong>do</strong> caminho<br />

, no continente da America<br />

Meridional, derrotas até então desconhecidas.<br />

O respeito , que os índios<br />

destes paizes tributão á sua<br />

memoria, prova bem , que elle era<br />

tão hábil , e tão denoda<strong>do</strong> , como<br />

nenhum <strong>do</strong>s co r quista<strong>do</strong>res da America<br />

; e he r> jvavcl , que os excedesse<br />

em humanidade. Os velhos<br />

índios dizião ainda muito tempo<br />

depois da sua morte , que erão ami-<br />

¿[os Ch,í*sCãos, depois que Garc<br />

viera visital-o?, e fazer trocas.


Do Brasil. í2t)<br />

Depois de ter feito celebrar huma<br />

Missa ao Espirito Santo , Souza<br />

lançou os fundamentos da nova cidade<br />

meia - legua pouco mais . ou<br />

menos distante cio estabelecimento<br />

antigo , ao laclo direito <strong>do</strong> golfo ,<br />

sobre huma eminencia escarpada,y<br />

abundante de agitas perennes , e<br />

que se eleva em p'brttai distancia<br />

cia praia. Elle deu o 'nome de S.<br />

Salva<strong>do</strong>r á esta Metrop >ie,dn Brasil<br />

, situada aos treze gi^js de latitude<br />

austral, perto de ,mm porto<br />

vasto, e comino cia., que se dilata<br />

na Bahia de To<strong>do</strong>s os Santos. A<br />

cidade clevia occupan lium grande<br />

espaço por causa cjá'desigualdade<br />

<strong>do</strong> terreno., e <strong>do</strong>s Jardins numerosos<br />

, que se tinh&o poupa<strong>do</strong>. LevantárSo-se<br />

duas baterias cía parte<br />

<strong>do</strong> mar , e quatro ('a parte de tetra.<br />

Os 'Tnpinembas , cilicia<strong>do</strong>s pela<br />

influencia de Caramu 1 , pela conducta<br />

circumspecta <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r >•*,<br />

e pelos generos de troca., que os<br />

colonos oíferecião sem uas<br />

necessidades, e á ¡>na „uiáos.», ><br />

p a » :


228 fíistoríd.<br />

trabalharão com deligencía na edificação<br />

da cidade nascente. Huma<br />

Cathedral, o palacio <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r,<br />

ea Alfandega forão os primeiros<br />

edifícios traça<strong>do</strong>s , e começa<strong>do</strong>s<br />

logo. Em quatro mezes fundarão.se<br />

cem cazas com cercas , e<br />

plantações em utilidade da agricultura.<br />

Não se poupou á dispcza alguma<br />

para a prompta edificação<br />

das I^rejfc >. Elias forão traçadas<br />

sobre ln' r ia escada espaçosa , para<br />

que ein CÍ.SO de necessidade pudessem<br />

servir como de trincheiras , e<br />

de cidadellas. Sua posição bem escolhida<br />

<strong>do</strong>minava á bahia , e á to<strong>do</strong><br />

o campo circumvisinho. Os Missionários<br />

jesuitas obtiverão aposse<br />

de hum terreno immenso , onde<br />

logo fundarão huma Igreja , e hum<br />

Collegio magnif.cos , para os quaes<br />

a Coroa ao d pois lli^s assignou<br />

rendimentos<br />

Reinava a maior actividade na<br />

fundação d-« nova capital. O Gove,'^Uor<br />

r-ral presidia pessoal-<br />

V ao: trabalhos ; elie pen?


Do Braqit. a


fli40 Historia<br />

liç^.o terrível , se abstiverâo de ir<br />

aftoutamente ao meio <strong>do</strong>s selvagens.<br />

Dentro em pouco tempo levantou-se<br />

hutn muro de terra ao re<strong>do</strong>r<br />

da cidade , como huma fortificação<br />

temporaria de huma força sufficiente<br />

contra as hordas <strong>do</strong>s índios. Os<br />

colonos , pacíficos possui<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

-territoric ^. costa , virão a Capital<br />

<strong>do</strong> Br a, J levantar-se, <strong>do</strong>minar<br />

á hum poi o espaçoso , e commo<strong>do</strong> ,<br />

ten<strong>do</strong> de hum la<strong>do</strong> o vasto mar ,<br />

e de outro hum lago , que se alargava<br />

, e terminava na praia , cercava<br />

, e defendia a cidade pela<br />

parte <strong>do</strong> Norte. Huma tão feliz<br />

situação a fazia naturalmente muir<br />

o forte. Fossos , paliçadas , e muitas<br />

peças de artilheria a puzerão<br />

logo á abrigo de qualquer surpreza.<br />

Passou 9 ..er o centro <strong>do</strong> governo<br />

, e da colônia , e se estabeleceu<br />

nella h:.m Tribunal Real. Thomé<br />

de Souza voltou logo sua att^jjík}<br />

par as differentes capitanj';?.<br />

c|ue se tinhão successivamente


Do Brasil. í2t)<br />

levanta<strong>do</strong> em todas as partes da<br />

marinha <strong>do</strong> Brasil. Visitou-as, examinou<br />

suas fortificações, regulou a<br />

administração cia ]usriça , e ordenou<br />

aos clifferentes Commandantes,<br />

ou senhores concessionários , que<br />

não emprehendessem descnberta alguma<br />

nova , ou expedição alguma<br />

hostil sem huma ordt-m especial ,<br />

emanada delle ; porque não queria<br />

(dizia elle) oppôr , senãihuma defeza<br />

legitima ás aggressnp/ das povoações<br />

selvagens. Restringi<strong>do</strong>s assim<br />

em justos limites os privilégios<br />

<strong>do</strong>s grandes concessionários não<br />

servirão de obstáculo á acção<br />

<strong>do</strong> governo geral, que desde então<br />

pôde dar hum impulso uniforme ao<br />

systema de defeza commum , e á<br />

administração colonial.<br />

No anno seguinte a Corte de<br />

Lisboa enviou soccc-os de toda a<br />

qualidade á Capital cu.s novas posi<br />

sessões. A dispeza total <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

armamentos foi avaliada em trezentos<br />

mil cruza<strong>do</strong>s.<br />

Chegou igualmente outra- iro» a


Historia<br />

de Lisboa á Bahia no terceiro anV<br />

no, Neila tinha a Rainha de Portugal<br />

feito embarcar muitas órfãs<br />

de famílias nobres, que devião ser<br />

casadas com officiaes , ou com sugeitos<br />

, que tivessem empregos públicos.<br />

Derão-selhes em <strong>do</strong>te, á<br />

custa da Fazenda Real , negtos ,<br />

vaccas, e cavallos: erão estes os<br />

objectos, que constituião a primeira<br />

riqueza da colônia nascente. Forão<br />

também envia<strong>do</strong>s de Lisboa meninos<br />

orfãos para serem educa<strong>do</strong>s<br />

pelos Missionários Jesuítas; e to<strong>do</strong>s<br />

os annos chegavão á Bahia navios<br />

, que trazião os mesmos soccorros<br />

, as mesmas addiiçoes de<br />

meios, e de forças. Taes medidas<br />

fizerão prosperar rapidamente tanto<br />

a Capital <strong>do</strong> Brasil , como as<br />

cidades , e víllas da costa , que participavão<br />

<strong>do</strong> seu augmento súccessivo.<br />

Mas isto não era , por assim dizer<br />

, se não huma prosperidade mater'<br />

' , e p 'itica ; por que a mo-<br />

& a Religião são os únicos fun-


Do Brasil. í2t)<br />

damentos reaes das sociedades. Debaixo<br />

desta ultima relação tn<strong>do</strong> estava<br />

ainda por crear no Brasil;<br />

todas as desordens , os excessos de<br />

toda a qualidade estavão leva<strong>do</strong>s<br />

ao maior gráo entre os colo ios. Para<br />

impedir o curso desta devassidão<br />

nada menos era preciso , que restabelecer<br />

o. império <strong>do</strong>s costumes.<br />

Este triumfo estava reserva<strong>do</strong> á<br />

Religião , e aos Missionários Jesuítas.<br />

"Nós vamos vêl-os esnalhar por<br />

todas as partes as luzes da civili»<br />

sação , e como verdadeiros Apóstolos<br />

multiplicar seus esforços , para<br />

leprimir a cubiça feroz <strong>do</strong>s invasores<br />

Portuguezes, e a vingança<br />

talvez muito justa <strong>do</strong>s povos selvagens.<br />

FIM DO PRIMEIRO TOMO.


M<br />

(« i<br />

h\


L I S T A<br />

Dos Senhores Subscritores<br />

para a Historia <strong>do</strong> Brasil.<br />

.Â. Gostinho Coelho de Almeida."<br />

Alexandre Fortes de Bustamante<br />

Sá.<br />

Alexandre Gil Vaz Lobo.<br />

Angelo de Proença Unhão.<br />

Antonio Alves.<br />

Antonio Alves de Brito.<br />

Antonio de Abreu Froes.<br />

Antonio Firmino Chaves.<br />

Antonio Garcia Pacheco de Almeida.<br />

Antonio Gomes Fogaça.<br />

Antonio José Lopes de Araujo ,<br />

filho.<br />

Antonio José de Medeiros.<br />

Antonio José Moreira .Guimaraens.<br />

Antonio José Pinto.<br />

Antonio Manoel <strong>do</strong>s Santos.<br />

* Antonio Mauricio Salgueiro Nogueira.<br />

' ;<br />

Antonio Nascentes Pinto.<br />

«i


Antonio Pereira Gonçalves.<br />

Antonio Pinheiro de S. Paio<br />

Bernar<strong>do</strong>, Carneiro Pinto de Almeida.<br />

Bernar<strong>do</strong> Joaquim da Costa.<br />

Bbpo Eleito de Meliapor.<br />

Camillo Caetano <strong>do</strong>s Reis.<br />

Candi<strong>do</strong> Lazaro de Moraes.<br />

Carlos <strong>do</strong>s Santos de Oliveira Pinto.<br />

Cezareo Marianno.<br />

Claudiano José cie Matos.<br />

Claudio José <strong>do</strong>s Santos.<br />

Damião Pereira da Costa.<br />

Domingos Alves Loureiro.<br />

Emiliano Faustino Lins.<br />

Estanisláo Francisco Lopes,<br />

Eugénio Martins Pimentel.<br />

Felizar<strong>do</strong> Joaquim da Silva Moraes.<br />

Fernan<strong>do</strong> Carneiro Leão.<br />

Fidelis Honorio da Silva <strong>do</strong>s Santos<br />

Pereira.<br />

Filipp e J 0sé fie Medeiros.<br />

Francisco Antonio da Fonceca Cunha.<br />

Francisco Caetano da Silva.<br />

Francisco Claudio Pinto da Cunha t,<br />

f Souza.<br />

Francisco Joaquim de Lima.<br />

fA


Francisco ]osé Alves da Silva.<br />

Francisco José de Brito.<br />

Francisco José Gomes da Silvai<br />

Francisco José Guimarães.<br />

Francisco José Nicoláo.<br />

Francisco ]o é Rodrigues.<br />

Francisco Julio Xavier.<br />

Francisc de Lemos de Faria Pereira<br />

Coutinho.<br />

Fra ncisco Maria Gordilho Velozo<br />

Barbuda.<br />

Francisco Manoel da Silva e Mello.<br />

Francisco de Paula Cominho.<br />

Francisco Pinto de Barros.<br />

Francisco da Silva Alves.<br />

Francisco da Silva Barros.<br />

Francisco Xavier Dantas Moreira.<br />

Gaspar Jose de Matos Ferreira Lucena.<br />

Geral<strong>do</strong> Carneiro Belleus.<br />

Henrique José Pinto Ribeiro de Vasconcellos<br />

, e Sousa.<br />

Jacinto de Mello Menezes Palliares.<br />

Januário Mathtns <strong>do</strong> Kego.<br />

Jeronimo Gonçalves Guimarães.<br />

João Alves de Souza Guimarães.<br />

João Antonio Airoza.<br />

João Baptista de. Almeida.


JoSo Baptista c!e Freiras.<br />

João Baptista Trancozo de Lira.<br />

João Carneiro de Campos.<br />

João Coireia de Figueire<strong>do</strong>.<br />

João ria Cruz <strong>do</strong>s Reis.<br />

João Diniz Vieira.<br />

João Francisco Leal.<br />

Jof.o )osé rle Mello. > '<br />

j ão Manoel Martins da Costa,<br />

jnão Martins Lourenço Viana.<br />

João Nt-pomuceno de Souza.<br />

João de Oltveira Cunha.<br />

João Pedre de Carvalho.<br />

João Rodiigues da Costa.<br />

João de Souza Murça.<br />

Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro.<br />

Joaquim Dias Medronho.<br />

Joaquim Dias Moreira.<br />

Joaquim Gonçalves de Moraes.<br />

Joaquim Ignacio Moreira Dias.<br />

Fr. Joaquim de S. José.<br />

Joaquim José Car<strong>do</strong>?o.<br />

Joaquim José da Cruz Secco.<br />

Joaquim Jqeé Cornet da Silva , filho-<br />

Joaquim José Pereira <strong>do</strong> Faro.<br />

Joaquim José ¡da Silva.<br />

JoaOTim José de Siqueira,<br />

joa^r.im d?,. Mtilo Rodrigues.

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