historia do brazil.
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HISTORIA DO BRASIL<br />
DESDE A SUA DESCUBERTA ATE' 1810,<br />
A QUAL CONTE'M ^ J / -JJ<br />
A oWgem da Monarchia Portuguesa ; o<br />
qiiidro <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus Reis , das<br />
conquistas <strong>do</strong>s Portuguezes na Africa , e<br />
na índia ; a descuberta , e descripção <strong>do</strong><br />
Brasil ; o numero , posição , e costumes<br />
das povoações Brasileiras ; a origem , e<br />
os progressos <strong>do</strong>s estabelecimentos Portuguezes<br />
; o quadro das guerras successivas<br />
tanto <strong>do</strong>s naturaes com os Portuguezes<br />
, corrtp destes cqtn differentes<br />
nações da Europa , que procurarão estabelecer-se<br />
no Brasil; ém fim a <strong>historia</strong><br />
civil, politica , e commercial , as revoluções<br />
, e o esta<strong>do</strong> actual deste vasto paiz :<br />
ESCRIPTA EM FRANCEZ<br />
P O K<br />
MR. AFFONSO D E BEAUCHAMP»<br />
E TRADUZIDA EM PORTUGUEZ<br />
PELO<br />
PADRE IGNACIO FELIZARDO FORTES J<br />
Professor de Lingva Latina , e natural <strong>do</strong><br />
Jiio de Janeiro.<br />
Rio DE JANEIRO, NA IMPRESSAM REGIA.<br />
1818.<br />
Com Licença da Mesa <strong>do</strong> Dosembargo<br />
<strong>do</strong> Paço,
III<br />
PREFACIO DO AUTHOR.,<br />
S expedições marítimas, e<br />
a <strong>historia</strong> <strong>do</strong> estabelecimentos <strong>do</strong>s<br />
Portuguezes na índia excitao a<br />
lembrança da sua gloria antiga;<br />
mas este grande , e bello episodio<br />
<strong>do</strong>s seus annaes põem também<br />
diante <strong>do</strong>s olhos o triste quadro<br />
da deeadencia <strong>do</strong> seu poder , e da<br />
sua Monarchie. Hum interesse o<br />
mais vivo acompanha a <strong>historia</strong><br />
das vicissitudes, e <strong>do</strong>s progressos<br />
<strong>do</strong>s seus estabelecimentos no Brasil<br />
, da fundação, e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
prodigioso deste novo<<br />
império <strong>do</strong> hemisferio austral ,<br />
hoje a Côrre da Potencia Portugueza<br />
resuscitada, e o centro <strong>do</strong>
IV<br />
seu commercio, e das suas rique- /<br />
Nenhuma possessão <strong>do</strong> , 7 zas,<br />
0<br />
Mun<strong>do</strong> tem si<strong>do</strong> por tanto tempo<br />
, nem tantas veies dispíatada<br />
não só pelos naturaes, mas até<br />
por nações formidáveis da Europa,<br />
que se ttm dirigi<strong>do</strong> alternadamente<br />
ao Brasil, ou para o<br />
roubarem, ou para nelle se estabelecerem.<br />
Esta serie de emprê- «<br />
sas, e de accontecimentos diffunde<br />
hum duplica<strong>do</strong> interesse sobre*},<br />
a <strong>historia</strong> da America Portugue- 7<br />
za , que comprehende hum perio- ^<br />
<strong>do</strong> de tres séculos desde a sua<br />
origem até á emigração da sua<br />
Família Real de Bragança.<br />
Com tu<strong>do</strong> nenhuma <strong>historia</strong><br />
geral, e completa <strong>do</strong> Brasil ti- J<br />
nha ainda appareci<strong>do</strong> nem em *<br />
Françez, nem em outra alguma ,<br />
Jin£ua da Europa ; porque em
Y ,<br />
lugar de hum eorpo de <strong>historia</strong><br />
na
vr<br />
morias, e de obras. Nesta somente<br />
os factos devem encher o<br />
quadro; naquella nada se dève<br />
omittir para dar hum conhecimento<br />
exacto <strong>do</strong>s homens, e das. coisas.<br />
Tractava»se na <strong>historia</strong> <strong>do</strong><br />
Brasil de pintar a hum tempo<br />
Portugal, e a America Portugueza;<br />
de traçar o caracter <strong>do</strong>s Portuguezes,<br />
e os costumes <strong>do</strong>s Brasileiros<br />
sem todavia perder de<br />
vista, que Portugal devia fazer<br />
hum papel accessorio, e episodico:<br />
era preciso unir ás noções,<br />
e aos <strong>do</strong>cumentos da <strong>historia</strong> todas<br />
as luzes <strong>do</strong>s viajantes, e <strong>do</strong>s<br />
geógrafos, para que o leitor pudesse<br />
fazer huma idéa <strong>do</strong> crescimento<br />
progressivo, das relações<br />
extensas, e da grandeza comparativa<br />
<strong>do</strong> Brasil, e de Portugal.<br />
Sete annos forão emprega<strong>do</strong>s<br />
em ajuntar , pôr em ordem, e
VII<br />
recopilar os materiaes necessários<br />
para formar o corpo da <strong>historia</strong>,<br />
quê nenhum outro escriptor tinha<br />
ainda offereci<strong>do</strong> ao publico. No<br />
intervallo , heverdade, foi retardada<br />
, ou suspensa a conclusão<br />
delia ; e obstáculos imprevistos<br />
fizerao nascer novas demoras. A<br />
derradeira parte da obra appresenjava<br />
hum vácuo; era preciso enchê-o.<br />
Hum uso authorisa<strong>do</strong> em nossos<br />
dias na litteratura, ou antes<br />
nas impressões abona a publicação<br />
parcial , e successiva das<br />
obras menos volumosas. Apoian<strong>do</strong>-me<br />
neste uso, eu teria podi<strong>do</strong><br />
ciar á luz, ha muito tempo, os<br />
<strong>do</strong>is primeiros volumes da <strong>historia</strong><br />
geral <strong>do</strong> Brasil: mas seguin<strong>do</strong><br />
o meu plano primitivo , eu me<br />
decidi a publicar a obra completa,<br />
e de huma vez.. Esta marcha
VIII<br />
era lenta na verdade; mas era<br />
mais segura , e sobre tu<strong>do</strong> mais<br />
util, pelo que respeita á huma<br />
composição, em cuja união, e<br />
disposição se exigia tanta meditai<br />
ção, como cuida<strong>do</strong>. Com efieito<br />
coordenan<strong>do</strong> os materiaes <strong>do</strong> meu<br />
ultimo volume, eu conheci a necessidade<br />
de o pôr ao nivel das<br />
pescjuisações, que tinhao completa<strong>do</strong><br />
a primeira parte da minha r<br />
obra ; e de fortificar por meio de<br />
informações recentes , e authenticas<br />
os capítulos destina<strong>do</strong>s a fa.<br />
zer conhecer de hum mo<strong>do</strong> positivo<br />
o esta<strong>do</strong> actual <strong>do</strong> Brasil:<br />
nada foi despresa<strong>do</strong> para chegar<br />
a este resulta<strong>do</strong>. Entre tanto appareceu<br />
em Londres huma ccm.<br />
pilação sobre a <strong>historia</strong> de Buenos.<br />
Ayres , e <strong>do</strong> Brasil até 1640. K<br />
Sem offerecer novas luzes o author<br />
Inglez (M. Southey) fazia
IX<br />
esperar, que o segun<strong>do</strong> volume,<br />
annuncia<strong>do</strong> paraiBio, completaria'<br />
os annaes <strong>do</strong> Brasil» e daria<br />
princípios inteiramente novos sobre<br />
a geografia , e sobre a descripção<br />
<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> desta vasta região.<br />
Va esperança ! A expectação da<br />
Europa litteraria foi ainda huma<br />
vez encanada. Este segun<strong>do</strong> volume<br />
tão emfaticamente promett»<strong>do</strong><br />
não tem sahi<strong>do</strong> á luz : mas<br />
nesta mesma época hum minera-<br />
- logista Inglez (M. John Maw)<br />
penetrava o interior <strong>do</strong> Brasil,<br />
authonsa<strong>do</strong> pelo Príncipe Regen.<br />
te de Portugal. A relação da sua<br />
viagem, posto que de nenhum<br />
merecimento pelo que toca á relação<br />
histórica, naohe todavia a<br />
menos curiosa debaixo destes <strong>do</strong>is<br />
pontos de vista ; da tepographia<br />
interior , e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> actual <strong>do</strong><br />
Império Brasiliense: tila he tam-
X<br />
bem incontestavelmente a mais<br />
moderna. Não restava pois outro<br />
trabalho a completar, senão beber<br />
nesta fonte verdadeiramente<br />
original, tanto mais preciosa para<br />
nós , por isso que não existia<br />
então na França, senão hum só<br />
exemplar da nova relação. Eu consegui<br />
logo , que me fosse communicada<br />
; graças ao procedimento<br />
officioso, e á sollicitude de M.<br />
de Hutnbold , membro associa<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Instituto, edeM. Pictet, Pro- .<br />
fessor de Historia em Gênova;<br />
sábios distinctos, anima<strong>do</strong>s hnm,<br />
e outro <strong>do</strong> zêlo o mais nobre pelos<br />
progressos <strong>do</strong>s conhecimentos<br />
históricos, e geográficos. Eu não<br />
trahirei sua modéstia , fazen<strong>do</strong><br />
brilhar publicamente os testemunhos<br />
da minha estima, e <strong>do</strong> meu<br />
reconhecimento: e confessarei sómente,<br />
que devo á huma tão fe-
xr<br />
liz communícação , e á outros<br />
oiiginaes í/iteiramente não da<strong>do</strong>s<br />
á luz a vantagem depodt-r publicar<br />
huma <strong>historia</strong> geral, e completa<br />
<strong>do</strong> Brasil.<br />
Eu seria culpa<strong>do</strong> de ingratidão,<br />
se não fizesse brilhar aqui<br />
cs mesmos sentimentos de reconhecimento<br />
para ccm outros Litteratos<br />
, não menos estimáveis ,<br />
taes como M. Durdent , e M.<br />
Carios Botta, qne quizerão aju-<br />
-dar-me muito com suas luzes, e<br />
conselhos,<br />
'Os eruditos censurar me-hao<br />
sem duvida , por eu não fer margina<strong>do</strong><br />
as paginas desta <strong>historia</strong><br />
com citações, commentarios, e<br />
notas: mas confessan<strong>do</strong> eu , que<br />
não sou hum erudito, respon<strong>do</strong><br />
com isto á quantas criticas possão<br />
fazer-me. Eu teria podi<strong>do</strong> facilmente<br />
, bem como outro qualquer,
XII<br />
ter o mérito de huma ostentação<br />
de erudição , e citações: mas este<br />
pequeno charlatanismo me pareceu<br />
ridiculo , e inteiramente indigno<br />
de hum escriptor , que faz<br />
profissão da franqueza, e da boa<br />
fé. Pode além disto oppôr-se ao»<br />
syítema dascúações minuciosas a<br />
authoridade <strong>do</strong>s <strong>historia</strong><strong>do</strong>res da<br />
antiguidade, únicos modêlos naconfissão<br />
da sã critica, e segun<strong>do</strong><br />
o exemplo de muitos <strong>historia</strong><strong>do</strong>res<br />
modernos, que tem caminha<strong>do</strong><br />
sobre seus passos. De que<br />
serve, p">r exemplo, citar asmesmas<br />
paginas <strong>do</strong>s authores , qué hg<br />
preciso muitas vezes conciliar, ou<br />
contradizer , e cuja versão tem<br />
necessidade de ser corregida, ou<br />
completada por outras autoridades?<br />
As memorias são para o<br />
<strong>historia</strong><strong>do</strong>r , o que as cores são<br />
para o pintor; não he se não peí*
XIII<br />
sua mistura , e pela sua fusão ,<br />
que o quadro da <strong>historia</strong> , que<br />
dahi resulta, fôrma hurnacomposição<br />
completa, e regular.<br />
Não me resta agora, se não<br />
fazer conhecer as authoridades ,<br />
que tem servi<strong>do</strong> de ha se iis minhas<br />
exposições ; e mostrar as<br />
fontes , <strong>do</strong>nde tenho bebi<strong>do</strong> as<br />
luzes necessarias para evitar os<br />
erros <strong>do</strong>s escriptores, que me tem<br />
precedi<strong>do</strong>.<br />
Eisaqui as principaes obras,<br />
"que tenho segui<strong>do</strong> , consulta<strong>do</strong>,<br />
ou ^.contradicto , oppon<strong>do</strong>-as , ou<br />
comparan<strong>do</strong>-as humas com as outras.<br />
Viagem de Pinson, por Herrera.<br />
O Padre Manuel Rodrigues.<br />
Bernar<strong>do</strong> Pereira de Berre<strong>do</strong>.<br />
Relação summaria de Simão Es¿<br />
tacio da Silveira*
XIV<br />
Zarate.<br />
Pietro Martyre.<br />
Gomara, hist. de las índias.<br />
Viagem de Cabral, por Barros.<br />
Castanheda.<br />
Damião de Goes.<br />
Lery.<br />
Viagem de Américo Vespucio.<br />
Rocha Pita.<br />
Simão de Vasconcellos, Chron.<br />
„ da Comp. de Jesus <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Brasil.<br />
Antonio Galvão.<br />
Vieira.<br />
Hervas.<br />
Don Christobal Eladera.<br />
Maregraw, hist. nat. Bras.<br />
Memorias para a <strong>historia</strong> <strong>do</strong> Ca»<br />
bo de S. Vieente.<br />
Vasconcellos, noticias <strong>do</strong> Brasil,<br />
Annaes <strong>do</strong> Rio de Janeiro, mss.<br />
Gaspar da Madre de Deos.<br />
Noticia <strong>do</strong> Brasil, mss,
XV<br />
J. de Laet.<br />
Carta d ? EI-Rei D. João IIÍ.<br />
Castrioto Lusitano, P. Rafael de<br />
Jesus*<br />
Tamoyo de Vergas.<br />
Duarte Albuquerque, Conde de<br />
Pernambuco.<br />
Nova Lusitania ,• P. Brito Freire.<br />
Manuel de Faria, e Souza.<br />
Historia da descuberta , e das<br />
guerras <strong>do</strong> Brasil por Jean<br />
Nieuhoff.<br />
Gasp. Baríoei rerum pér óCíei><br />
nium in Brasília etc.<br />
Historia das ultimas desordens <strong>do</strong><br />
Brasil entre osHollandezeST-, e ;<br />
Portuguezes, por Pedro Moreaüi<br />
Historia da guerra <strong>do</strong> Reiríõ j dò'<br />
Brasil, etc. por Giiiseppe di<br />
Thereía.<br />
Hans Stade ( o priméírí), qu^tétíí 1<br />
escripto atgunéP detalhas 1 sibre<br />
o Brasil.)
XV!<br />
Chronica d* EI-Rei D. Manne!.'<br />
Manuel Severim de Faria, vida<br />
de joão de Barros.<br />
Viagem de Diogo Garcia.<br />
Argentina <strong>do</strong> Rei Dias de Gus-'<br />
mão.<br />
Pedro de Cieza.<br />
Açuna in el Maranao, y Amazonas.<br />
Nóbrega, e Anchieta.<br />
Çondamine, viagem ao rio das<br />
, Amazonas.<br />
Claudio de Abbeville.<br />
Huivet en Purchas.<br />
Pedro Coi;rêa.<br />
Ant. Pires.<br />
Telles, Comp. de Jesus.<br />
Ejficeira. '<br />
Sfedman.<br />
Bpnto Teixeira.<br />
Relação annual para 1601.<br />
Jor-nada da Báhia.<br />
Viagens de Azara. .<br />
— de Thomaz Líndeley. o
:<br />
- xVíi<br />
—- de Baron.<br />
de Macarcney*<br />
•<br />
Memorias de Dugué-Trouinv<br />
Viagem de Teixeira, etc.<br />
Historia <strong>do</strong> Brasil, e de Buenos*<br />
Ayres, por Southey.<br />
5<br />
Tavels, etc. Viagem ao interior<br />
<strong>do</strong> Brasil, e particularmente<br />
ao paiz, onde estão as minas<br />
de oiro , e de diamantes, por<br />
John Maw, author da Mineralogia<br />
<strong>do</strong> Derbishire , Londres,<br />
1812. (He o primeiro<br />
Inglez , que tem penetra<strong>do</strong> o<br />
interior <strong>do</strong> Brasil com autho*<br />
risação , e apoio <strong>do</strong> Governo<br />
Portuguez ).<br />
Taes são as memorias, e as<br />
numerosas viagens , que tenho<br />
consulta<strong>do</strong> , analisa<strong>do</strong> , compara<strong>do</strong>,<br />
e fundi<strong>do</strong>, por assim dizer,<br />
para formar hum corpo de histo-
ia completo a respeito <strong>do</strong> Brasil.<br />
Possão meus trabalhos, e<br />
meus cuida<strong>do</strong>s não serem perdi<strong>do</strong>s<br />
! possa esta <strong>historia</strong> offerec^r<br />
algum interesse , e satisfazer á<br />
curiosidade <strong>do</strong> publico ! Verei satisfeitos<br />
o» meus votos.
I N D I C E<br />
Das materias, que se contém<br />
nesta obra.<br />
TOMO PRIMEIRO.<br />
í Refacio pag. I<br />
LIV. I. lntroclucção. Origem , e<br />
progresso da Monarchia Portuqueqa.<br />
Descubertas , e conguistas<br />
<strong>do</strong>s Portugueses na A*<br />
frica , e na Índia. pag. i<br />
LIV. II. Descuberta <strong>do</strong> Brasil por<br />
D. Pedro Alvares Cabral. Expedições<br />
de Américo Vespucio , e<br />
de Coelho. Descuberta <strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro , e <strong>do</strong> Paraguay por<br />
João Dias de Solis , Piloto mór<br />
de Castella. Morte deste navegante.<br />
Primeiras disputas<br />
de Hespan/ia , e de Portugal<br />
por motivo das descubertas• da<br />
America. Morte d' El-Rei D.<br />
Manuel o Afortuna<strong>do</strong>. D. João
XX<br />
III. lhe succede, e fôrma o<br />
projecto de colo/usar o Bra-<br />
S l<br />
• P a g- 35<br />
LIV. III. Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Bras il na época<br />
da sua descuberta. Descrip,fão<br />
geral desta vasta região.<br />
Caracter , costumes , e usos ,<br />
numero , e descripção geográfica<br />
das povoações Brasilien"<br />
ses. P a g.'í>9<br />
LIV. IV Capitanias hereditárias<br />
estabelecidas no Brasil no reina<strong>do</strong><br />
de D. João III. Origem<br />
- das colonias de S. Vicente , Santo<br />
Amaro , Tamaraca , Paraíba ,<br />
- Espirito Santo , Porto Seguro ,<br />
os Ilheos , e Pernambuco. Ex~<br />
- pediçdes desgraçadas de Luir<br />
• de Mello , e de Ayres da Cunha<br />
ao Maranhão. pag. 139<br />
LIV. V. Naufragio , e aventuras<br />
• de Caramuru. Caracter da grande<br />
povoação Brasileira <strong>do</strong>s Ttlpinambas<br />
da Bahia. Descripção<br />
<strong>do</strong> Reconcavo, e quadro das suas<br />
revoluções. Primeira origem de<br />
S. Salva<strong>do</strong>r da Bahia. "Toma-<br />
. da de posse da Capitania íla
XXI<br />
Bahia por Francisco Pereira<br />
Coutinho. Primeiras hostilidades<br />
entre os Tupinambas , e os<br />
^Portugueses. Expulsão , e morte<br />
de Coutinho. pag. 171<br />
Progresso da Capitania de S. Vicente.<br />
Tentativas desgraçadas<br />
de Aleixo Garcia, e de George<br />
Sedenho pafa chegarem ao Brasil<br />
por Paraguay. Primeiras<br />
hostilidades entre os Hespanhoes<br />
<strong>do</strong> Paraguay , e os Portugueses<br />
<strong>do</strong> Brasil. Renovação<br />
da guerra em Pernambuco. Sitio<br />
<strong>do</strong> Garassú pelos Cahetés.<br />
Chegada ao Brasil de D. Thomé<br />
de Souqa , primeiro Governa<strong>do</strong>r<br />
Geral. Fundação da<br />
cidade de S. Salva<strong>do</strong>r. Regularisação<br />
politica da colonia.
£<br />
b Kj?!-- 10'im QÍX{ epbt;invab<br />
HISTORIA DO BRAZIL.<br />
ivi;u .i) ; •> • Oibiüiiq 20<br />
í ( ". ;h • ' :'•! ait.-.iJOU!<br />
- .. . . , .' • -<br />
• a-tiioq ta3 .oUítüffl ob z • iscj ES<br />
LIVRO PRIMEIRO.<br />
introdução. Origem , e progressos<br />
da Monarchia Portuguesa.<br />
Descubertas , e conquistas <strong>do</strong>s<br />
Portugueses na Africa , e ná<br />
Índia.<br />
1139.—1499.<br />
P<br />
I. ORTUGAL , a Monarchia a mais<br />
pccidental da Europa, trapo ainda,<br />
pareceu levantar-se de repente no<br />
íipi <strong>do</strong> decimo quinto século. Os<br />
Tom. /. A
%_ Historia<br />
grandes, o Monarcha , e o povo ,<br />
devora<strong>do</strong>s pelo amor das descubertas,<br />
e pela sede das riquezas, asr<br />
signalárSo por emprezas intrépidas<br />
os primeiros ensaios da navegação<br />
moderna ; e por meio de prodigios<br />
fizerão livres ao seu accesso todas<br />
as partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Em poucos<br />
annos as costas occidentaes de<br />
Africa , até* então incógnitas, e<br />
as índias orientaes passarão a ser<br />
a preza <strong>do</strong>s navegantes conquista<strong>do</strong>res,<br />
que sahião de Portugal:<br />
a coragem , as virtudes destes intrépi<strong>do</strong>s<br />
Officiaes de Marinha se<br />
jriostrárSo logo em to<strong>do</strong> o seu esplen<strong>do</strong>r<br />
; mas sua gloria foi logo<br />
bffuscada pelos crimes da ambição,<br />
e da avareza. O accaso só os dirige<br />
ao mesmo tempo para o grande<br />
hemisferio-Occidental, recentemente<br />
descuberto : elles tocão o<br />
Brazil, o reconhecem , e delle se<br />
apoderão. Clima saudável, solo rico<br />
, e fecun<strong>do</strong> , rios navegaveis ,<br />
è numerosos , portos vastos , e<br />
multiplica<strong>do</strong>s, raças- vigorosas de<br />
i
Do Brasil. i j<br />
homens , e de animaes, bosques<br />
profun<strong>do</strong>s, e magníficos, monta»<br />
¿»hass,encerran<strong>do</strong> em si to<strong>do</strong>s os<br />
'metaes preciosos; taes são as raras<br />
^antagens, que huma feliz situai<br />
ção geografica assegura ao BraziU<br />
A nação Portngueza ahi leva logo<br />
este mesmo ar<strong>do</strong>r de descubertas *<br />
e de <strong>do</strong>mínio, que a tinha jáconr<br />
duzi<strong>do</strong> â Africa , e á Asia. Os<br />
primeiros estabelecimentos , que<br />
ella funda no Brazil , são marca*<br />
<strong>do</strong>s, he verdade , pela oppressão ,<br />
pelo assassínio de muitas tribns in»<br />
digenas; mas também pela civili»<br />
sação das mais bravas povoações ^<br />
que cedem finalmente á voz , e<br />
aos esforços sublimes de hum pequeno<br />
numero deApostolos da Re*<br />
ligião , e da humanidade. Então<br />
erigem-se cidades em to<strong>do</strong>s os pon»<br />
tos da costa ; os campos rotea<strong>do</strong>s<br />
se tornão férteis; a industria , e a<br />
agricultura, prestan<strong>do</strong>-se hum mutuo<br />
soccorro , multiplícão as riquezas<br />
pela circulação , e pelo commercio.<br />
Novas descuberras, felizes<br />
A 2
38<br />
Historiei<br />
tentativas esreiidem os estabelecii<br />
mentos, ,e.a civilisação. Mas este<br />
mesmo Brazil, que passa wnrii<br />
quecer os navegantes Portugueses<br />
, também excita a cubiça cte<br />
Outras tres, nações da Europa , e<br />
logo atêão-se guerras obstinadas ,<br />
e sanguinolentas. De quan<strong>do</strong> em<br />
quan<strong>do</strong> alguns exemplos de virtude<br />
, t de heroísmo consolão as alternativas<br />
da fortuna , e <strong>do</strong> horror<br />
das batalhas. A' frequentes expedições<br />
, á combates sem numero ,<br />
á sitios importantes , á brilhantes<br />
assaltos , á destruição de frotas , á<br />
mudanças de <strong>do</strong>mínio , e cie império<br />
vê-se suceeder huma insurreição<br />
memorável contra osHollandezes<br />
, conquista<strong>do</strong>res d'ametade <strong>do</strong><br />
Brazil; insurreição feliz , que faz<br />
outra vez entrar esta possessão<br />
immensa no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s Portuguezes.<br />
Taes são os diversos quadros,<br />
que formão a composição da <strong>historia</strong><br />
<strong>do</strong> Brazil, que prolongada até<br />
os nossos dias comprehende • os<br />
acontecimentos de. tres séculos. Sç
Do Brasil. i j<br />
bem que a America Portugueza se<br />
tivesse torna<strong>do</strong> o theatro de acon*<br />
Je cimentos' memoráveis, com tu<strong>do</strong><br />
^etíniim escriptor cm França . se<br />
«inha ainda proposto a reunir em<br />
hum só corpo cie <strong>historia</strong> os isens<br />
aunaes dispersos. Eu ousei emprehendel-a<br />
, sem me desanimar pela<br />
especie de incoherencia das diversas<br />
partes, de que este assumpto<br />
se compõe : tila he sem duvida<br />
mais difficultosa de se tratar; mas<br />
lie ao mesmo tempo mais variada %<br />
mais nova, e até mais interessante;<br />
porque offerece exemplos de<br />
hum enthusiasmo heroico , e sempre<br />
lições úteis. Vê-se a nação<br />
Portugueza , fraca na sua origem *<br />
mas que chegou pelo seu grande<br />
caracter, e pela sabe<strong>do</strong>ria das suas<br />
leis ao mais alto grão cie poder monarchico<br />
, medir-se ella só com nações<br />
temiveis , e superar seus esforços;<br />
eclipsar-se por meio século<br />
na Monorchia Hespanhola para<br />
brilhar de novo ella só ; vê-sé ficar<br />
em fim triunfante , e senhora
38<br />
Historiei<br />
absoluta cleste immenso império ,<br />
cuja riqueza parece têl-a convida<strong>do</strong><br />
á todas as fruições <strong>do</strong> J$xo fc<br />
e á to<strong>do</strong>s os generos de gloria.<br />
Remontan<strong>do</strong> á origem <strong>do</strong>s Portuguezes<br />
, encontra-se a <strong>historia</strong> da<br />
Lusitania constantemente ligada<br />
nos seus princípios com a <strong>historia</strong><br />
da Hespanha , de que a Lusitania ,<br />
ou Portugal nSo he de algum mo<strong>do</strong><br />
, se não hum desmembramento.<br />
Não pertence ao nosso assumpto<br />
seguir circunstanciadamente as primeiras<br />
revoluções , que a sorte das<br />
armas, verdadeiro arbitro <strong>do</strong> poder<br />
humano , lhes fez experimentar<br />
em commum. Scipião o moço ,<br />
terminan<strong>do</strong> a guerra, que disputava<br />
aos Carthaginezes a posse da<br />
Hespanha , submetteu aos Romanos<br />
a Península inteira. Agrippa<br />
no tempo de Augusto consummou<br />
de novo esta conquista pela reducção<br />
<strong>do</strong>s Cantabros , e os Impera<strong>do</strong>res<br />
perpetuarão em paz seu<br />
<strong>do</strong>mínio sobre a Península. No<br />
tempo de Galba a Lusitania tinha
Do Brasil. i j<br />
cinco colonias Romanas, e Olly*<br />
sippo, hoje Lisboa, era huma cif<br />
¿acle,privilegiada. O fim <strong>do</strong> quinto<br />
isètalò vio começar a irrupção <strong>do</strong>s<br />
povos <strong>do</strong> Norte, e a destruição<br />
lenta <strong>do</strong> Império Romano. A Hespanha<br />
foi successivamente invadir<br />
da pelos Alanos, Suevos, e Visi7<br />
go<strong>do</strong>s. Estes últimos reinarão nelr<br />
ía por tres séculos. Ao depois os<br />
Árabes, ou Sarracenos se apoderarão<br />
, e estabelecêrao nella : mas as<br />
montanhas das Astúrias forão o<br />
refugio das relíquias <strong>do</strong> poder <strong>do</strong>s<br />
Go<strong>do</strong>s; e vio-se hum punha<strong>do</strong> de<br />
Christãos, commanda<strong>do</strong>s por Pelar<br />
gio , resistir nas cavernas aos conquista<strong>do</strong>res<br />
Árabes. Os successores<br />
deste heroe , anima<strong>do</strong>s pelo seu<br />
exemplo , restabelecem o sceptro<br />
Go<strong>do</strong> , e fundão o reino de Ovie<strong>do</strong><br />
, e de Leão , berço da Monarchia<br />
Hespanhola. Os feros Astures<br />
estendem logo os limites, que<br />
lhes oppõe os Musulmanos Árabes:<br />
dilatão além das montanhas a confederação<br />
cluistã , que sempre em
f •<br />
8 • Historia<br />
armas contra os infiéis se torna<br />
cada vez mais temível. A lata he<br />
então geral; e grandes esforçqs dè<br />
coragem fazem logo os Christãos senhores<br />
<strong>do</strong> Norte da Hespanha. Fortifica<strong>do</strong>s<br />
contra o inimigo commum ,<br />
elles não tardão em se dividir entre<br />
si. Leão , Castella , Navarra ,<br />
é ó Aragão tinhão visto levantarem-se<br />
tantos thronos separa<strong>do</strong>s ,<br />
mas reuni<strong>do</strong>s por allianças politicas.<br />
A Hespanha Musulmana experimentava<br />
a mesma sorte. Aos<br />
reina<strong>do</strong>s brilhantes <strong>do</strong>s Califes Ommiades<br />
de Cor<strong>do</strong>va sticcedêrão as<br />
dessolaçóes , e a guerra civil. Os<br />
Emiros, ou governa<strong>do</strong>res de Províncias<br />
erigem seus governos em<br />
outras tantas províncias independentes.<br />
Este esta<strong>do</strong> de anarchia<br />
•serve de estorvo aos Árabes para<br />
impedirem os progressos <strong>do</strong>s Christãos<br />
, que <strong>do</strong> Norte da Peninsula<br />
ameação o Meio dia.<br />
Sen<strong>do</strong> S. Fernan<strong>do</strong> só o Rei da<br />
Hespanha chiista no principio <strong>do</strong><br />
-un de pi mo século , ousa levar seus
Do Brasil.<br />
estandartes além <strong>do</strong> Tejo, eleVan*<br />
<strong>do</strong> diante de si os Mu sul manos ,<br />
Circyjnscreve seu <strong>do</strong>minio. Apartiílíàrdõs<br />
seus esta<strong>do</strong>s faz nascer novas<br />
divisões entre os Christãos;<br />
mas Affonso , filho de Fernan<strong>do</strong> ,<br />
despoja<strong>do</strong> logo por seu irmão Sancho<br />
, reúne em fim na sua cabeça<br />
todas as coroas de seu pai. As conquistas<br />
sobre os Muçulmanos se<br />
nmltiplicão , e se estendem. Affonso<br />
chega a penetrar até a fértil Andaluzia<br />
, e amplia cada vez mais<br />
os seus clominios. Subjuga huma<br />
parte das margens <strong>do</strong> Tejo, e debaixo<br />
<strong>do</strong> titulo de Rei de Castella<br />
adquire logo liuma celebridade tal,<br />
que attrahe á Hespanha muitos<br />
Cavalleiros Frencezes , desejosos de<br />
se unirem ás suas armas.<br />
Entre esta mocidade brilhante<br />
se distinguio Henrique de Borgonha<br />
, de origem Capetina, bisneto<br />
de Roberto segun<strong>do</strong> Rei de França.<br />
Depois de ter feito a sua primeira<br />
campanha debaixo <strong>do</strong> cominan<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> illusire Cid, em cuja<br />
i j
38 Historiei<br />
gloria desejava ter parte, assignalou<br />
seu valor contra os Mouros da<br />
Lusitania , e obteve <strong>do</strong> Rei dç Castella<br />
, e de Leão , empenha<strong>do</strong> 'em<br />
se unir com elle, o titulo de Conde<br />
com a mão de D. Thereza , huma<br />
das filhas naturaes deste Monarcha.<br />
Uni<strong>do</strong> estreitamente á Castella ,<br />
Henrique se ennobreceu por huma<br />
multidão de façanhas contra os<br />
Mouros ; subjugou o fértil paiz<br />
Entre Douro e Minho ; paiz, que<br />
perden<strong>do</strong> então o nome de Lusitania<br />
, tomou o de Portugal. Segun<strong>do</strong><br />
a ethymologia a mais verosímil,<br />
este nome moderno se formou <strong>do</strong><br />
da cidade <strong>do</strong> Porto , que o Conde<br />
D. Henrique fez fundar , e da villa<br />
de Cale , situada na margem<br />
fronteira <strong>do</strong> Douro.<br />
Feito Conde de Portugal , e<br />
vassallo <strong>do</strong> reino de Leão, Henrique<br />
de Borgonha firmou sua soberania<br />
, que comprehendia só as cidades<br />
<strong>do</strong> Porto* Braga, Miranda,<br />
Lamego , Coimbra e Viseu : por
Do Brdqil. li<br />
ftovos triunfos, e sem tomar o titulo<br />
de rei, lançou os primeiros<br />
nentos da Monarchia Portu-<br />
Seu filho Affonso Henrique ,<br />
herdeiro <strong>do</strong> seu valor , e da sua<br />
gloria , alcançou sobre os Mouros<br />
brilhantes vantagens: derrotou em<br />
liu m só dia cinco de seus soberanos<br />
, ou governa<strong>do</strong>res , e foi acclama<strong>do</strong><br />
Rei pelos seus solda<strong>do</strong>s no<br />
campo de Ourique , onde deu a<br />
batalha. Os Esta<strong>do</strong>s de Portugal<br />
juntos em Lamego confirmarão o<br />
augusto titulo , que elle não possuia<br />
, se não entre o seu exercito.<br />
Esta assembleia celebre , composta<br />
de Prela<strong>do</strong>s, de Nobres , e Deputa<strong>do</strong>s<br />
da3 cidades , promulgou as<br />
leis fundamentaes <strong>do</strong> Reino , declara<strong>do</strong><br />
-hereditário , e independente.<br />
Ella deu também desde o duodeci"<br />
mo século o exemplo notável de<br />
vassallos limitan<strong>do</strong> o poder soberano.<br />
D. Affonso Henrique , funda<strong>do</strong>r,<br />
e legisla<strong>do</strong>r ao mesmo tempo , -ilius-
38<br />
Historiei<br />
trou hum reina<strong>do</strong> de quarenta e<br />
seis annos com liuma administração<br />
paternal , e com o zelo^ pelo<br />
progresso das sciencias. A Dy vestia<br />
deste funda<strong>do</strong>r perpetuou-se<br />
com brilhantismo até o fim <strong>do</strong> decimo<br />
sexto século. No seu reina<strong>do</strong> ,<br />
e por seus cuida<strong>do</strong>s a Cavalleria ,<br />
esta brilhante instituição , que desenvolveu<br />
as mais nobres paixões<br />
<strong>do</strong> homem , estabeleceo-se nas margens<br />
<strong>do</strong> Tejo com to<strong>do</strong> o esplen<strong>do</strong>r ,<br />
que tinha ti<strong>do</strong> em sua origem na<br />
França, e na Inglaterra. Frequentes<br />
relações com os Mouros imprimião<br />
no caracter Portuguez hum<br />
ar de urbanidade, e de galanteria:<br />
bem depressa a linguagem <strong>do</strong> amor<br />
tomou este tom exalta<strong>do</strong> , que parece<br />
ser exclusivamente reserva<strong>do</strong><br />
á imaginação brilhante <strong>do</strong>s Orienraes.<br />
Os torneios forão numerosos;<br />
as festas magnificas; a gravidade ,<br />
a fereza , as paixões fortes se tornarão<br />
o caracter distinctivo .<strong>do</strong>s<br />
Cavalleiros , ou Nobres Portuguezes.<br />
Se seus oclios erão profun<strong>do</strong>s ,
Do Brasil. i j<br />
suas affecçóes erSo também mais vivas.<br />
Então se formou este espirito<br />
aaci^nal , que os successores de<br />
Iptonso I. não tardarão em elevar<br />
ainda, seja pela especie de igual*<br />
dade , que elles estabelecêrão eritie<br />
si , e a Nobreza ; seja pelos limi*<br />
tes , que elles mesmos assignárão<br />
á authoridade Real. Os Esta<strong>do</strong>s<br />
geraes forão muitas vezes juntos:<br />
nelles se propozerão leis , que excitárão<br />
o amõr das grandes virtudes.<br />
A nobreza foi a recompensa<br />
irão só <strong>do</strong>s serviços militares , mas<br />
também de acções , que caracterisavão<br />
o desinteresse, e nobreza<br />
d' alma. As guerras <strong>do</strong>s Portugueses<br />
erao ao mesmo tempo politicas<br />
, e religiosas: sen zêlo era excita<strong>do</strong><br />
pelo duplica<strong>do</strong> interesse da<br />
expulsão <strong>do</strong>s Mouros , e da propagação<br />
da Fé.<br />
Os successores de D. Affonso<br />
fundarão cidades, creárão frotas,<br />
animarão a população , e reunirão<br />
á Portugal o pequeno Reino <strong>do</strong><br />
Algarve, toma<strong>do</strong> aqsMusulmanos.
38<br />
Historiei<br />
Deste mo<strong>do</strong> nos primeiros séculos<br />
da Monarchia vê-se a nação Portugueza<br />
affugent*r os Mouros, firmar<br />
suas fronteiras . combatei" 1>uc.<br />
cessivamente com os infiéis, ecom<br />
os Castelhanos , muitas vezes com<br />
vantagem: vê-se este povo bellicoso<br />
cultivar á hum tempo a agricultura<br />
, o commexcio, e as artes:<br />
vê-se também o Clero , e a Nobreza<br />
, apoios naturaes <strong>do</strong> throno ,<br />
exercitar 110 Esta<strong>do</strong> liuma grandç<br />
influencia , e oppôr hum dique<br />
saudavel ás invasões <strong>do</strong> poder supremo<br />
: vêm-se em fim os Monarchas<br />
tentarem por muitas vezes ,<br />
inas sempre em vão , despojar o<br />
Clero , que se tinha feito rico , *¡<br />
preponderante. To<strong>do</strong>s os seus es.<br />
forços erão mal succedi<strong>do</strong>s á vista<br />
da resistencia combinada deste corpo<br />
respeita<strong>do</strong> , que acha hum apoio<br />
formidável no poder espiritual <strong>do</strong>s<br />
Papas. Feri<strong>do</strong>s successivamente pelos<br />
raios da Igreja , muitos Reis<br />
de Portugal compoem-se coma Santa<br />
Sé, e se submettem á s.ua au-
Do Brasil. i j<br />
thoridade. Desordens frequentes, e<br />
guerras civis conservão á nação<br />
sua vivacidade , e sua energia sem<br />
Alterar suas virtudes. Os Nobres ,<br />
retira<strong>do</strong>s das cidades, t da Corte ,<br />
entretém em seus castellos junto<br />
ás imagens cle seus antepassa<strong>do</strong>s a<br />
lembrança, e a imitação das empregas<br />
, cujo exemplo elles deixárão-<br />
Ihes por herança.<br />
A nação inteira estava já preparada<br />
para as grandes emprezas ,<br />
quan<strong>do</strong> no fim <strong>do</strong> decimo quarto<br />
século D. Fernan<strong>do</strong> 1., novamente<br />
Mon are ha , morreu sem deixar<br />
herdeiro varão, depois de ter-casa<strong>do</strong><br />
D. Beatriz sua filha, nascida<br />
de huma união illegitima , com D.<br />
João I. , Rei de Castella ; cren<strong>do</strong><br />
assegurar assim o throno ao filho ,<br />
que nascesse deste consorcio , e na<br />
sua falta á D. João I. , seu genro;<br />
Mas a aversão <strong>do</strong>s Portuguezes á<br />
<strong>do</strong>minação Castelhana favoreceu<br />
as vistas ambiciosas de D. João , irmão<br />
natural <strong>do</strong> Rei. Este Príncipe<br />
se apoderou <strong>do</strong> governo ;. e as
38 Historiei<br />
Cortes, convocadas em Coimbra;<br />
lhe defferírão a coroa. Elie firmou-a<br />
em sua cabeça com a famosa batalha<br />
de Aljubarrota a 14 de Agosto<br />
de 1385 , onde , soccorri<strong>do</strong> pelos<br />
Inglezes , derrotou os Francezes ,<br />
e "Castelhanos reuni<strong>do</strong>s. O novo<br />
Rei , conheci<strong>do</strong> na <strong>historia</strong> pelo'<br />
nome de D. João o Bastar<strong>do</strong> , foi<br />
o tronco dc huma familia , que occupou<br />
o Reiivo de Portugal duzentos<br />
annos. Seu reina<strong>do</strong> foi illustra<strong>do</strong><br />
não só pela Victoria completa<br />
de Aljubarrota , mas também pela<br />
sua expedição contra os Mouros ,<br />
que elte perseguio com huma frota<br />
até a Africa.<br />
Desde então os Portuguezes começátão<br />
a sentir a necessidade da<br />
navegação , e das descubertas. O<br />
reina<strong>do</strong> de D. João I. se faz sobre<br />
tu<strong>do</strong> notável pelo impulso , e movimento,<br />
que o Infante D. Henrique<br />
, digno filho deste Monarcha ,<br />
dá ao espirito da sua nação para<br />
vencer as preoccupaçóes, que até<br />
então terião passa<strong>do</strong> por invenci-
Do Braqit. 17<br />
•eis. Versa<strong>do</strong> na geografia , e na<br />
mathematica activo , emprehentie<strong>do</strong>r<br />
, illustra<strong>do</strong> , D. .¡Henrique<br />
&Siví"á seus compatriotas a carreira<br />
, em que a gloria os espera. Não<br />
possuin<strong>do</strong> i se não hum <strong>do</strong>mínio limita<strong>do</strong><br />
na extremidade occidental<br />
<strong>do</strong> Algarve , elle ahi faz construir<br />
embarcações á sua custa , e as manda<br />
reconhecer as costas d'Africa.<br />
Seu gênio , e a intrepidez <strong>do</strong> povo<br />
, que elle dirige » vão fazer renascer<br />
a arte da navegação, e darlhe<br />
huma. elevação mais vasta.<br />
Anima<strong>do</strong>s, e guia<strong>do</strong>s por hum<br />
tal Chefe, os Portuguezes, em to<strong>do</strong><br />
o tempo ferozes, bravos, attrevi<strong>do</strong>s',<br />
de í,um espirito penetrante<br />
j e de huma imaginação ardente,<br />
vão marcar derrotas , que<br />
ainda não tinhão si<strong>do</strong> conjecturadas<br />
: elles navegarão por mares desconheci<strong>do</strong>s:<br />
<strong>do</strong>brarão cabos, olha»<br />
<strong>do</strong>s até então , como os limites <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> : e espantarão a Europa<br />
pela intrepidez das suas emprezas:.<br />
v He debaixo da influencia <strong>do</strong><br />
Tom. I. &
l8 "Historia*<br />
Filho de D¡. ]oão I., e pela inápi*ração<br />
<strong>do</strong> stu-genio, que elles des*<br />
cubrírão--logó as ilhas da Madeira;<br />
das Canarias , e <strong>do</strong> Cabo Verde ; e<br />
ao depois aso <strong>do</strong>s Açores; e> que<br />
<strong>do</strong>bran<strong>do</strong> 1 o cabo Boja<strong>do</strong>r , elles avançâo-<br />
«o longo da Costa occidental<br />
da Africa, em maior disrancia *<br />
<strong>do</strong> que nenhum navegante até en*<br />
tão tinha i<strong>do</strong>: he debaixo <strong>do</strong>s sem<br />
auspicio*, querelles descobrem mais<br />
tarde ais 'costas de Gtiíné , e ahi<br />
fazem sélVs primeiros-estubeleoimentos.<br />
O'iUustre Infante-D. Henrique<br />
mofreiv septuagenário pouco<br />
ao depois da exaltação de D. João III<br />
filho, de sen sobrinho , -ao throno<br />
de Portugal: 'morreu na. V'illa de<br />
Sagres nos Atgarves ,. >; <strong>do</strong>nde elle<br />
deixava cadiir 1 aí suas vistas -sobre<br />
o mar Athlaíitico; feliz'!, por ter<br />
aberto á sua nação hum tão v-ast©<br />
campo de gloria. A mais simples<br />
narração <strong>do</strong> qite elle meditou, e<br />
<strong>do</strong> que elle émprehendeu ,:he bas*<br />
Cante para o seu elogio. PortugaJ<br />
se não O contou no numero de seus
Do Brajíl *9<br />
Reis, Portugal, e a Europa inteira<br />
o collocão na ordem <strong>do</strong>s maio,-*<br />
rss homens. Devem-se-lhe incontestavelmente<br />
as primeiras idéas »<br />
que no fim <strong>do</strong> decimo quinto secu«.<br />
lo conduzirão á descuberta dehum:<br />
novq, hemisferio, e da passagem<br />
ás Índias..; ..<br />
O forte impulso „ que elle, ti-í<br />
nha da<strong>do</strong> á seus compatriotas , lhe<br />
sobreviveu. As emprezas , e asdesn<br />
cuber tas se succedêrão humas ási<br />
outras. Cada vez mais anima<strong>do</strong>s ,<br />
mais ardentes, os Portuguezes costeião<br />
a praia occidental da; Africa ,<br />
« correm a immensa costa, que se<br />
estende desde as columnas de Hercules<br />
até o Zaire. He então , que<br />
elles concebem o projecto de abri«r<br />
«J\ huma passagem <strong>do</strong> Oceano<br />
Africano ao Oceano Oriental: elles<br />
se lisonjeão de remontar mesmo at£<br />
as índias, de fazerem ahi hum<br />
commercio directo, de estancar as*<br />
sim a foiue da grandeza , e da oppulencia<br />
de Veneza, de chegar<br />
em fiin por sua perseverança , e co-
•zo' Historia'<br />
ragem á este primeiro termo de tantas<br />
espeianças, e esforços.<br />
- Nesta época para sempre rnemot<br />
sável, e na qual a influencia <strong>do</strong>s<br />
Portuguez.es se dilatou com hum<br />
novo brilho , a maior parte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />
da Europa começavão a tomar<br />
huma forma nova mais regular,<br />
e a offerece'r paginas interessantes<br />
á <strong>historia</strong>. A legislação , o<br />
eommeroio , a politica , e a restanfação<br />
das letras se união para estabelecer<br />
relações felizes entre as<br />
principaes nações. A Italia , centro<br />
das luzes , deixava na verdade<br />
ainda muito atraz de si os outros<br />
paizes damais florescente parte <strong>do</strong><br />
globo. A Allemanha V posto que<br />
privada da parte septentrional da<br />
Italia, e por muito tempo agitada<br />
pelas contendas <strong>do</strong>s Impera<strong>do</strong>res ,<br />
t <strong>do</strong>s Papas, tomava em fim huma<br />
situação mais tranquilla. A França<br />
gosava igualmente de socego; os<br />
grandes feu<strong>do</strong>s acabavão de ser<br />
reuni<strong>do</strong>s á Coroa; reinava Carlos<br />
VIII. A Hespanha , inteira?
Do Brasil. i j<br />
mente livre <strong>do</strong> jugo <strong>do</strong>s Árabes ,<br />
não conhecia mais , que hum só<br />
<strong>do</strong>minio. O casamento de D. Fernan<strong>do</strong><br />
, e de D. Isabel tinha uni<strong>do</strong><br />
o Aragão, e a Castella. As finanças<br />
deste Esta<strong>do</strong> , suas forças,<br />
e seus exercitos o igualavão á mesma<br />
França. As primeiras Potencias<br />
Europeas olhavão ao hum tempo<br />
tom olhos rivaes para a Italia , á<br />
respeito da qual tantas tentativas,<br />
e pertenções devião se lhes tornar<br />
funestas. A Inglaterra depois <strong>do</strong>s<br />
longos , e sanguinolentos debates<br />
das Casas de Yorck , e de Lancastre<br />
respirava em fim, governan<strong>do</strong><br />
Henrique VII. Os tres reinos <strong>do</strong><br />
Norte estavão reuni<strong>do</strong>s: mas a Suécia<br />
gemia com os grilhões , que a<br />
sujeitavão á Dinamarca, e tratava<br />
de quebral-os. A Polonia elegia<br />
seus Reis; ella tinha de se defender<br />
contra os Turcos ^ que talavão<br />
seus campos ; e contra os Russos,<br />
que já se tínhão torna<strong>do</strong> para ella<br />
visinhos temiveis. O <strong>do</strong>minio <strong>do</strong>»<br />
Turcos se espalhava ir* Europa, e
38 Historiei<br />
na Asia sobre hum território immenso.<br />
Portugal não .^e occupava , se<br />
não com suas descnbertas, e com<br />
seus estabelecimentos maritimos. D.<br />
João II. era a alma das grandes<br />
emprezas , e cios seus vassallos f
Do Brasil. i j<br />
humanos. Toca<strong>do</strong> vivamente <strong>do</strong> eX-<<br />
emplo <strong>do</strong>s navegantes Portuguezes ,<br />
Christovão Colo mb) concebe o projecto<br />
de abrir huma passagem ás<br />
índias pelos mares <strong>do</strong> Occidente :<br />
elle parte a offerecer suas esperanças<br />
, e s u a s promessas ámuitQS soberanos-,<br />
que o desprezão, As vis^<br />
tas <strong>do</strong>s Portuguezes estavão então<br />
exclusivamente voltadas, para a Ar,<br />
frica; e D. João II. não fez a Co*<br />
lomb melhor accolhimento , que os<br />
Reis de França , e de Inglaterra.,<br />
O illustre Genovez foi igualmente<br />
rejeita<strong>do</strong> pelos soberanos.de;Castel+<br />
la: mas o que os seus, planos vastos<br />
prometi ião de lisonjeiro,lhe obtém<br />
dç Isabel protçcção;, e soççorro.<br />
Elie se aventura então aobte<br />
mares desconheci<strong>do</strong>s , e descobre a<br />
America. Voltan<strong>do</strong> .ctas Antilhas ,<br />
elle se avisinha ás costas de Portugal<br />
v entra 110 Tejo , acompanha-:<br />
<strong>do</strong> de alguns índios , .^trazen<strong>do</strong><br />
Oiro , C íruetos <strong>do</strong> ¡SIQ.VO Mun<strong>do</strong>.<br />
Estes signaes não equivocos de hum<br />
successo inaudito ; as narrações cm-
38 Historiei<br />
faticas <strong>do</strong> feliz navegante excitâo^<br />
arrependimentos, e o pezar da Corte<br />
de Lisboa. O Monarcha reprimió<br />
de repente com horror a proposição<br />
de fazer perecer Colomb :<br />
elle ao contrario o tratou com distinção<br />
; e o illustre Genovez appareceu<br />
cuberto de gloria na Corte<br />
de Castella , onde recebeu o titulo ,<br />
e as honras de Vice Rei <strong>do</strong> Novo<br />
Mun<strong>do</strong>.<br />
Os successos da sua primeira<br />
expedição fez nos Portuguezes huma<br />
sensação tão viva , ijue D.<br />
João II. julgou dever equilibrar<br />
os effeitos delia aos olhos da sua<br />
nação por meio de alguma grande<br />
empre?a. Elle fez immediatamente<br />
preparativos d v armas para abrir em<br />
fim a passagem ás Indias Orientaes.<br />
Mas o Rei de Castella , ven<strong>do</strong> nas<br />
suas disposições huma especie de<br />
hostilidade , queixou-se disso por<br />
seu embaixa<strong>do</strong>r. Os preparativos<br />
forão suspendi<strong>do</strong>s, e a contenda<br />
foi submettida á authoridade da<br />
Santa Sé , occupada então por Ale-
JDo Brasil. 48<br />
Jcandre VI. O Papa, cujo poder<br />
divino as chias Potencias reconhecião<br />
, diviaio-lhes o mun<strong>do</strong> , assignantío<br />
á ambição de cada huma seu<br />
hemisferio á parte. Huma linha<br />
imaginaria tirada de Norte á Sul,<br />
cem léguas á Oeste das ilhas de<br />
Cabo Verde , e <strong>do</strong>s Açores, dava<br />
o Occiílente á Hespanha , e o Oriente<br />
á Portugal ; convenção , que<br />
desordenarão bem depressa as novas<br />
descubertas, e que nenhuma das<br />
nações marítimas respeitou.<br />
D. João II. morreu no fim <strong>do</strong><br />
decimo quinto século , depois de<br />
ter adquiri<strong>do</strong> por sua justiça , por<br />
suas virtudes , e por suas empregas<br />
o appellico de Grande , e de<br />
Perfeito : mas levou com sigo ao<br />
tumulo, o duplica<strong>do</strong> sentimento de<br />
ter recusa<strong>do</strong> as offertas de Colomb ,<br />
e de não ter consumma<strong>do</strong> a expedição<br />
das índias Orientaes. Todavia<br />
esta expedição foi preparada no<br />
seu reina<strong>do</strong> , e seu successor a realisou.<br />
Aqui começa o século de vigor ,
38 Historiei<br />
e de gloria de Portugal. D. Manuel<br />
, chama<strong>do</strong> o Grande , neto<br />
de D. Eduar<strong>do</strong> , tinha subi<strong>do</strong> ao<br />
throno por falta de filho legitimo<br />
de D. João II. Dota<strong>do</strong> das mais<br />
bejlas qualidades , elle se mostrou<br />
bem depressa o amigo das artes *<br />
o protector da navegação , o pai<br />
<strong>do</strong> seu povo ; e não se deixou penetrar<br />
da gloria de seus Predecessores<br />
, se não para accrescental-a<br />
çada vez mais ao esplen<strong>do</strong>r <strong>do</strong> throno<br />
, e á prosperidade da nação.<br />
Elie faz logo conselhos frequentes<br />
para reformar os abusos , pára traçar<br />
hum plano geral de governo ,<br />
e para se occupar com novas descubertas.<br />
Algumas considerações de hurna<br />
tin.ida politica , alguns restos<br />
daqueiles prejuízos ataca<strong>do</strong>s for-»<br />
temente pelos primeiros successos ,<br />
mas não inteiramente destruí<strong>do</strong>s ,<br />
abalarão os sentimentos <strong>do</strong> gênio<br />
de D. Manoel , e parecerão obter,<br />
mesmo huma especie de prepondejrancia<br />
, á qual teria cedi<strong>do</strong> outro
Do Brasil. i j<br />
qualquer , que não fosse o Neto<br />
de D. Eduar<strong>do</strong>. Porém depois das<br />
mais maduras deliberações nada<br />
demoroxi mais o Monarcha ; e decidio-se<br />
, que se abriria a derrota<br />
das grandes índias pelo Occeano<br />
Occidental em conformidade <strong>do</strong>s<br />
planos já concebi<strong>do</strong>s.<br />
Huma frota de quarenta vasos<br />
ne confiada ao comman<strong>do</strong> de Vasco<br />
pa Gama , oriun<strong>do</strong> de huma casa<br />
•»Ilustre de Portugal: elle parre em<br />
1497 com instrucções ordenadas<br />
por D,. M*nuel mesmo. O Cabo<br />
das Tormentas, reconheci<strong>do</strong> onze<br />
annos antes, tinha apresenta<strong>do</strong> a<br />
Possibilidade de huma passagem ao<br />
Oceano Indiatico , e tinha recebi<strong>do</strong><br />
desde então o nome cle Cabo da<br />
Boa Esperança , que o Gama devia<br />
verificar.<br />
Este grande navegante <strong>do</strong>brou<br />
o Cabo , ttiumfou de to<strong>do</strong>s os perigos<br />
, e os pavilhões <strong>do</strong>s Portu-<br />
-guezes navegarão pela primeira vez<br />
sobre aquelles mares . ao través<br />
<strong>do</strong>s quaes clles tinhâo deseja<strong>do</strong> tan-
38<br />
Historiei<br />
to abrir hura caminho. Gama proseguio<br />
sua derroca ; correu a costa<br />
oriental da Africa ; e ao depois de<br />
ter erra<strong>do</strong> milito tempo sobre hum<br />
occeano desconheci<strong>do</strong> , encontra<br />
á 14 gráos de latitude meridional<br />
pilotos Mahometanos , com auxilio<br />
<strong>do</strong>s quaes apporta no reino de Calecut.<br />
Mais" de mil, e quinhentas<br />
leguas de costa forão reconhecidas<br />
nesta celebre viagem.<br />
Na chegada <strong>do</strong>s P0rtugue7.es o<br />
In<strong>do</strong>stão , este vasto , e bello paiz,<br />
comprehenrii<strong>do</strong> entre o In<strong>do</strong> , e o<br />
Ganges estava dividi<strong>do</strong> entre muitos<br />
soberanos mais, ou menos poderosos.<br />
O rei de Calecut, mais conheci<strong>do</strong><br />
pelo nome de Çamorim ,<br />
que corresponde á dignidade de Impera<strong>do</strong>r<br />
, possuía os esta<strong>do</strong>s , que<br />
ficavão mais proximos ao mar: elle<br />
estendia o seu <strong>do</strong>minio sobre to<strong>do</strong><br />
o Malabar , que em menos de tres<br />
séculos ao depois a força das armas<br />
devia submetter com toda a península<br />
da India ao poder Británico.<br />
Gama instrui<strong>do</strong> da situação po-
JDo Brasil. 29<br />
Utica da costa , apporta em Cale*<br />
cut , onde o commercio florescia<br />
com mais vantagem-, e propõe ao<br />
Çamorim huma alliança , e hum<br />
tracta<strong>do</strong> de commercio com o Rei<br />
seu soberano. O Monarcha índia* ,<br />
tico accolhe logo a Gamai porém<br />
excita<strong>do</strong> ao depois pelos Mahometanos<br />
, encontra na intrepidez , na<br />
actividade , na ambição <strong>do</strong>s navegantes<br />
Portuguezes huma origem<br />
de inquietações : elle os cerca de<br />
laços , e de perigos. O Almirante<br />
Portuguez não escapa delles, se<br />
não pela sua firmeza impassível,<br />
e por meio de represalias exercitadas<br />
á proposito, Elle torna a tomar<br />
a derrota da Europa , depois<br />
de ter feito respeitar o nome Portuguez<br />
na India, onde não tinha<br />
encontra<strong>do</strong> disposições verdadeiramente<br />
favoraveisu. senão em o Rei<br />
de Melinda , que o fez acompanhar<br />
por hum embaixa<strong>do</strong>r..<br />
, Põde-se facilmente julgar , que<br />
recebimento D. Manuel reservava<br />
W iUustre Almirante. Sua chegada
3°<br />
•Historia<br />
foi celebrada com festas brilhantes ¿<br />
e com to<strong>do</strong>s os testemunhos de.alegria<br />
publica. Cheio de signaes d»<br />
estima, e de reconhecimento dç><br />
seu Soberano, Vasco.-da Gama £oi<br />
feito Conde da Vidigueira , crea<strong>do</strong><br />
Grande de Portugal;y honra<strong>do</strong> com<br />
o titulo de Duque para si
Do Brasil.<br />
Veneza no decimo quinto século<br />
tirava quasi sd da Alexandria ,<br />
que no reina<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Ptolomêos no<br />
tempo <strong>do</strong>s Romanos , e c!os Árabes<br />
ti-nlia Si<strong>do</strong> o empório <strong>do</strong> Egypto ,<br />
da Etíropa , e das Índias. He assim ;<br />
que-os Portuguezes romperão os<br />
obstáculos , que se oppunhão aos<br />
progressos da navegação , da industria<br />
, e das luzes. Sua passagem is<br />
Grandes Índias substituío logo Lisboa<br />
á Veneza : e se , como não se<br />
pôde duvidar, a grandeza <strong>do</strong>s acconr<br />
tecimentos devfc medir-se pela sua<br />
influencia sobre a sorte das nações ,<br />
sobre suas relações commerciaes, e<br />
politicas, a expedição <strong>do</strong> Gama , q<br />
o reiijá<strong>do</strong> de D. Manuel são liúma<br />
destas épocas memoráveis , que a<br />
<strong>historia</strong> honra-se 'de-ter- cie assigr<br />
nalar para .gloria da Europa , eipa-»<br />
r ' d a instrucção <strong>do</strong> futuro. •'
38<br />
Historiei<br />
de Veneza , e o de Gênova, já enfraqueci<strong>do</strong><br />
pelos Tnrcos, cahio rapidamente<br />
: outas nações , até então<br />
fracas , ou desconhecidas, se<br />
levantarão alternativamente pela<br />
navegação, e pelo commercio. A<br />
idéa só de riquezas immensas , de<br />
huma natureza inteiramente diversa<br />
, de mares até então ignora<strong>do</strong>s<br />
de novas origens de riquezas<br />
eleCtrisou os espiritos , excitou a<br />
emulação., e accendeu a cubiça.<br />
Desde que se tracjtou de tentar<br />
conquistas na Africa , e na Asia ,<br />
tanto a sède de enriquecer * como<br />
o desejo de segurar o Esta<strong>do</strong> , e de<br />
propagar o Evangelho fez correr<br />
os Portuguezes em tropel ás praias<br />
estrangeiras. Immediatamente suas<br />
frotas'cobrem , e <strong>do</strong>minão os mares<br />
da Índia. D. Manuel não se occupa<br />
, se não em submetter este rk.o<br />
paiz ás suas armas. As emprezas<br />
intrépidas, as victorias brilhantes<br />
<strong>do</strong>s Almeidas ,.e <strong>do</strong>s Albuquerques<br />
Jbe.segurão em menos de très aunes<br />
aposse de G.^a áquem <strong>do</strong>Gan-
JDo Brasil. 33<br />
ges , de Malaca no Chersoneso <strong>do</strong><br />
Ciro , de Adem na costa da Arabia<br />
feliz, e cie Òrmiii no Golfo<br />
Per sico: seus navios frequentão a<br />
Eihiopia oriental, o Mar Vermelho<br />
, e to<strong>do</strong>s os mares da Asia: suas<br />
feitorias se estabelecem desde Ceuta<br />
até ás fronteiras da China. Já<br />
os Portuguezes tem descuberto cinco<br />
mil léguas de costas; já o accaso<br />
, e a tempestade lhes tem franquea<strong>do</strong><br />
o <strong>do</strong>minio de hurna das mais<br />
vastas regiões <strong>do</strong> hemisferio Occidental<br />
; <strong>do</strong> Brasil, que situa<strong>do</strong> á<br />
mil e quinhentas léguas da Metrópole<br />
, e logo despresa<strong>do</strong> , ha de vir<br />
a ser hum dia , depois da ordem<br />
eierna <strong>do</strong>s accontecimentos, hum<br />
<strong>do</strong>s mais bellos impérios da America<br />
, o refugio da Monarchia Portugueza,<br />
c a verdadeira Séde <strong>do</strong><br />
seu Poder.<br />
Tom. I. C
LIVRO SEGUNDO.<br />
Bescuberta <strong>do</strong> Brasil por D. Pedro<br />
Alvares Cabral. Expedif<br />
ões de Américo Vespucio , e<br />
cie Coelho. Descuberta <strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro , e <strong>do</strong> Paraguay por<br />
João Dias de Solis , Piïoto mór<br />
de Castello. Morte deste navegante.<br />
Primeiras disputas<br />
de Hespan/ia, e de Portugal<br />
por motivo das descubertas da<br />
America. Morte d' El-Rei D.<br />
Manuel o Afortuna<strong>do</strong>. D. João<br />
Hl' lhe succédé, e fôrma o<br />
projecto de colomsar o Brasil.<br />
15C0 r— 15ÛI.<br />
A Penas a entrada <strong>do</strong> célebre Gama<br />
no Tejo havia prova<strong>do</strong> á Eu-
38 Historiei<br />
ropa inteira, que as Grandes índias<br />
erão dahi por diante accessiveis<br />
aos Portuguezes , quan<strong>do</strong> D.<br />
Manuel , cheio de esperanças , concebeu<br />
vastos projectos., que não<br />
olhou mais como vans tentativas.<br />
Frotas numerosas , e capazes de dar<br />
leis, onde quer que apportassem ,<br />
forão successivamente esquipadas<br />
para as índias.<br />
Nem o consummo das finanças ,<br />
nem as perdas inseparáveis destas<br />
navegações perigosas embaraçárão<br />
o Rei. A perspectiva de hum futuro<br />
glorioso , as conquistas , que<br />
ellas promettião á Religião, e á<br />
prosperidade de seus esta<strong>do</strong>s, não<br />
lhe permittião mais calcular os sacrifícios.<br />
.<br />
Os Portuguezes , que não tixihão<br />
ainda penetra<strong>do</strong> os projectos<br />
deste Monarcha em toda a sua extensão<br />
, se apresentarão então em<br />
tropel para os realisar.<br />
A primeira frota, composta de<br />
treze vasos, apromptoii-se para dar<br />
á vela no gaez de Março de 1500.
Do Brasil. i j<br />
Ella era commandada por D. Pedro<br />
Alvares Cabral, oriun<strong>do</strong> de<br />
huma das primeiras familias <strong>do</strong> Reino<br />
, Governa<strong>do</strong>r da Provinda da<br />
Beira , e senhor de Belmonte. Cabral<br />
teve por Lugartenente outro<br />
fidalgo , chama<strong>do</strong> Sancho de Tavor.<br />
A frota tinha de guarnição mil, e<br />
quintos homens arma<strong>do</strong>s , além das<br />
equipagens.<br />
Segun<strong>do</strong> o theor das suas instrucções<br />
, Cabral devia tocar Sofáta<br />
, visitar os Reis da costa da índia<br />
, fazer com elles alliança , e<br />
formar alguns estabelecimentos ,<br />
que pudessem servir á hum tempo<br />
de escala , e de deposito para os<br />
gêneros commerciaes na viagem, e<br />
yolta das Grandes índias: elle<br />
devia ao depois ir direito - á Cale-<br />
; e depois de ter esgota<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />
os meios de brandura com o<br />
Çamorim , para obter delle a faculdade<br />
de estabelecer huma feitoria<br />
na sua Capital, devia declarar-lhe<br />
huma guerra aberta , no caso que<br />
elle recusasse ás proposições de Por-<br />
1 r<br />
tugal.
38 Historiei<br />
D. Manuel, queren<strong>do</strong> assignalar<br />
a partida cie Cabral co n huma<br />
grande solemnidade , ajuntou o povo<br />
na Cathedral de Lisboa. O Bispo<br />
de Ceuta pontificou , e recitou<br />
âo depois huma oração , cujo principal<br />
objecto foi o elogio de Cabral ,<br />
que emprehendia com tanto valor<br />
huma tão grande expedição marítima.<br />
Acabada a oração , o Bispo<br />
recebeu sobre o Altar o estandarte<br />
com armas Portuguezas , o qual<br />
durante as funções Ecclesiasticas<br />
estivera finca<strong>do</strong> junto ao mesmo<br />
Altar; e depois de o ter publicamente<br />
benzi<strong>do</strong> , deu-o ao Hei, que<br />
o entregou á Cabral em presença<br />
<strong>do</strong>s Grandes , e <strong>do</strong> povo. O Monarcha<br />
poz-lhe ao depois na cabeça<br />
hum chapéo bento , que o Papa<br />
tinha envia<strong>do</strong> , e lhe prodigalisou<br />
os signaes os mais honrosos de huma<br />
confiança sem limites. A bandeira<br />
foi então, levantada , e conduzida<br />
processionalmente á praia,<br />
aonde o Rei em pessoa acompanhou<br />
a Cabral , queren<strong>do</strong> ser tes-
Do Brasil. i j<br />
temunha <strong>do</strong> embarque, que se fez<br />
c<br />
om estron<strong>do</strong> da artilheria <strong>do</strong> port0<br />
» e com aoplausos geraes <strong>do</strong><br />
povo.<br />
. A partida <strong>do</strong> Gama não tinha<br />
81<br />
<strong>do</strong> honrada com maior pompa;<br />
tomo se a nação tivesse previsto ,<br />
Çue o resulta<strong>do</strong> desta segunda expedição<br />
á índia devia grangear á<br />
Portugal hum império ainda mais<br />
rico, e mais extenso.<br />
O Tejo estava cuberto de botes<br />
, cheios de especta<strong>do</strong>res , que<br />
ião , e voltavão da frota á praia,'<br />
>> Todas estas chalupas (diz o liis-<br />
» toria<strong>do</strong>r Barros , testemunha oc-<br />
» cular) estavão agaloadas de li-<br />
'» krés, de galhardetes , e de armarias;<br />
e davão ao rio huma<br />
vista de hum jardim orna<strong>do</strong> d&<br />
>» flores diversas em hum <strong>do</strong>s mais<br />
" bellos dias cia primavera. Mas<br />
>» o que exaltava mais os espíritos<br />
» (continua o Historia<strong>do</strong>r Portu-<br />
" gnez , empregan<strong>do</strong> hum estilo<br />
« q u asi poético ) era o som armo-<br />
T, nioso , e sonoro das flautas, <strong>do</strong>s-
38<br />
Historiei<br />
tambores, <strong>do</strong>s boés, das trom-<br />
,, bètas, ao qual se unia o som o<br />
„ mais suave da agreste charame-<br />
„ la , que até então não tinha res-<br />
,, soa<strong>do</strong> , se não em pra<strong>do</strong>s, e val-<br />
.„ les; e que pela primeira vez se<br />
j, fazia ouvir sobre as aguas sal-<br />
,, gadas <strong>do</strong> Vasto Occeano.<br />
Depois desta época o Rei de<br />
Portugal tez embarcar em cada huma<br />
frota destinada para a America<br />
, ou para as Grandes índias hum<br />
Corpo de músicos , a fim de que<br />
aquelles de seus vassallos , ^que emprehendessem<br />
tão longas 'navegações<br />
, não fossem priva<strong>do</strong>s de algum<br />
<strong>do</strong>s Unitivos capazes de os<br />
distrahir <strong>do</strong> enojo , e das fadigas<br />
<strong>do</strong> mar.<br />
Cabral fez-se á vela, e chegou<br />
és ilhas cle Cabo Verde com 13<br />
dias. Até ahi nenhum aceidente<br />
havia perturba<strong>do</strong> sua navegação.<br />
Elie percebeu então , que hum <strong>do</strong>s<br />
seus navios lhe faltava ; esperou-o<br />
<strong>do</strong>is dias inteiros, e não continuou<br />
sua derrota , senão depois de per-
Do Brasil. i j<br />
der a esperança de o reunir á sua<br />
frota. Porém para evitar as calmarias<br />
. e a costa da Africa , elle amarou-se<br />
de tal sorte, que bati<strong>do</strong> por<br />
huma tempestade vio-se obriga<strong>do</strong><br />
a declinar para o Occidente. Iminediatamente<br />
coin grande admiração<br />
sua a 24 de Abril de 1500 descubrió<br />
á Oeste huma terra desconhecida<br />
a 10 gráos além cia Linha:<br />
era o Brasil.<br />
O bote , larga<strong>do</strong> ao mar , chegou<br />
á praia ; virão-se alguns selvagens<br />
com a têz cõr de cobre,<br />
inteiramente nús, com o nariz achata<strong>do</strong><br />
, e cabellos negros, e que arca<strong>do</strong>s<br />
de arco , e flexa se chegáó<br />
10 , mas sem sensibilisar intenção<br />
"alguma hostil. Fugirão , ven<strong>do</strong> desembarcar<br />
os Portuguezes , e ajuntarão-se<br />
sobre huma eminencia. O<br />
vento contrario , e o mar agita<strong>do</strong><br />
obrig-árão a Cabral, durante a noite<br />
. a alongar-se da costa , á que<br />
acabava de approximar-se , e a buscar<br />
outio ancora<strong>do</strong>uro ao sul: correu<br />
até 15 grãos de latitude aus-
38<br />
Historiei<br />
trai , e iescobrinclo hum bello porto<br />
, ancorou com segurança , e por<br />
isso deu-lhe o nome de Porto Seguro.<br />
Mandárão-se de novo chalupas<br />
á praia: ellas trouxerão <strong>do</strong>is<br />
naturaes apanha<strong>do</strong>s em huma piroga<br />
, em que andavão pescan<strong>do</strong>.<br />
Cabral os fez vestir com bellos vesti<strong>do</strong>s<br />
, ornou-os com bracelêtes de<br />
latão , deu-lhes campainhas, e espelhos<br />
, e tornou a mandal-os para<br />
terra. Este expediente teve bom<br />
êxito. Alguns selvagens inteiramente<br />
nús, e de huma còr avermelhada<br />
se appresentárão , e attrahi<strong>do</strong>s<br />
pelos presentes , e affagos , estabelecerão<br />
com os Portuguezes communicações<br />
amigaveis : trocárão<br />
fructos , milho , e farinha de mandioca<br />
pelas drogas da Europa , de<br />
que os navios tinhão si<strong>do</strong> carrega<strong>do</strong>s<br />
para traficar na costa da Africa.<br />
O Almirante, Portuguez fez reconhecer<br />
as terras , e soube com<br />
alegria pelas relações <strong>do</strong>s seus espias<br />
, que ellas paredão ferteis ,<br />
cortadas de bellos ribeiros, cuber-
Do Brasil.<br />
tas de diversas especies de arvores,<br />
e de frucros , e povoadas de homens<br />
, e de aiiimaes.<br />
No dia seguinte (Domingo de<br />
Páscoa ) Cabral sábio á terra com<br />
seus pr ncipaes Officiaes , e hum a<br />
parte das suas equipagens. Levantou<br />
hum Altar para a celebração<br />
de huma Missa solemne , arvorou<br />
huma Cruz sobre huma grande arvore<br />
copada , e mandau fazer huma<br />
em pedra na praia mesmo. Daqui<br />
he , que a nova terra tomou<br />
o nome de Santa. Cru7t ; porque o<br />
dia 3 de Maio , dia desta tomada<br />
de posse , he dedica<strong>do</strong> á Santa Cruz:<br />
mas o nome Brasil, pelo qual era<br />
"y^.conhecida a preciosa madeira de<br />
Untura , encontrada ao Norte desta<br />
parte da America , não tem prevaleci<strong>do</strong><br />
menos. Este nome traz a<br />
etimologia da palavra Portugueza<br />
frisas, dada á esta madeira <strong>do</strong><br />
brasil por causa de seu bello vermelho<br />
còr de fogo vivo.<br />
Desce mo<strong>do</strong> Cabral começou<br />
n ° Brasil o primeiro estabelecimento<br />
i j
44<br />
H istoria<br />
Portuguez no cume de hum roche<strong>do</strong><br />
esbranquiça<strong>do</strong> , fronteiro áhum<br />
terreno , que elevan<strong>do</strong>-se ao Norte<br />
, aplanava-se ao Meiodia , e formava<br />
pouco a pouco huma praia<br />
arenosa.<br />
Em quanto elle fazia celebrar<br />
a Missa solemne ao som da musica<br />
, e das salvas cla artilheria , os<br />
índios, que chegavão em multidão<br />
para verem hum espectáculo tão<br />
novo , persistião no mais profun<strong>do</strong><br />
silencio , como toca<strong>do</strong>s de espanto ,<br />
e de admiração. Cabral, fiel aos<br />
princípios <strong>do</strong> seu século , e ao systeraa<br />
cie proselytismo , que se tornou<br />
muitas vezes o pretexto <strong>do</strong>s<br />
furores humanos , encarregou ao<br />
Monge Henrique da Coimbra , superior<br />
de sete Missionários , que<br />
elle conduzia ás índias, que annunciasse<br />
o Evangelho á estes povos.<br />
Elle estava longe sem duvida<br />
de esperar bom successo de huma<br />
prégação , que não podia ser entendida<br />
; mas cumpria com hum dever ,<br />
que lhe impunhão as Bulias Apos-
Do Brazil.<br />
tolicas. Fora destes sentimentos particulares<br />
Cabral devia pensar com<br />
huma especie de orgulho , que elle<br />
er a o primeiro , que fazia pregar<br />
a Fé nestas praias estrangeiras. As<br />
equipagens não deixarão de applaudir<br />
hum z,êlo , que por então justificava<br />
, e parecia garantir tu<strong>do</strong>.<br />
Durante" o Officio Divino os<br />
«aturaes <strong>do</strong> Brasil derão signaes<br />
de hum interesse muito grande,<br />
que_ não era certamente, senão o<br />
effeito da admiração , mas que agra<strong>do</strong>u<br />
tomar-se por hum recolhimento<br />
de espirito. Elles seguirão com<br />
exactidão to<strong>do</strong>s os signaes de a<strong>do</strong>ração<br />
, e de humildade <strong>do</strong>s Padres,<br />
,freios-assistentes ; puzerâo-se de<br />
joelhos , levantárão-se, baterão nos<br />
peitos , e imitarão em tu<strong>do</strong> os Portnguezes<br />
com intenção de lhes agradar.<br />
Estes virão em todas estas demonstrações<br />
o presagio de hum futuro<br />
feliz. Com efteito o accolhimento<br />
prompto , e fácil , que lhes<br />
faz ião os Brasileiros da costa , era<br />
ttjijD agoiro favorável das disposi-
4 6<br />
Histeria<br />
çóes, e <strong>do</strong> caracter destes povos<br />
Indiaticos. Com tu<strong>do</strong> não se percebeu<br />
entre elles vestigio algum de<br />
religião , nem de governo , nem<br />
mesmo de civilisação traçada.<br />
Cabral fez plantar na praia huma<br />
columna de pão , assignalada<br />
com as armas de Portugal , e apressou-se<br />
em mandar á Corte de Lisboa<br />
hum de seus Capitães, chama<strong>do</strong><br />
Gaspar de Lemos , para noticiar<br />
sua descuberta , que dava á<br />
nação Portugueza hum novo império.<br />
Foi embarca<strong>do</strong> com Lemos hum<br />
<strong>do</strong>s naturaes <strong>do</strong> Brasil , para fazer<br />
conhecer á D. Manuel seus<br />
novos vassallos. Cabral voltou para<br />
bor<strong>do</strong> , deixan<strong>do</strong> no paiz dS ; *<br />
criminosos condemna<strong>do</strong>s á morte ,<br />
e cujo castigo tinha si<strong>do</strong> commuta<strong>do</strong><br />
em desterro, Os Brasileiros o<br />
acompanháráo até a sua chalupa ,<br />
cantan<strong>do</strong> , dançan<strong>do</strong>, baten<strong>do</strong> as<br />
palmas, disparan<strong>do</strong> flexas ao ar ,<br />
elevantan<strong>do</strong> os braços ao Ceo para<br />
significarem a alegria , que lhes<br />
causava huma tal visita. Chegarão<br />
i
Do Brasil.<br />
& metter-se pelo mar dentro para<br />
seguirem os Portuguezes: alguns<br />
forão até a frota em suas pirogas:<br />
outros , tanto homens , como mulheres<br />
, se lançarão á na<strong>do</strong> com huma<br />
cle streza espantosa , como se a agua<br />
fosse seu elemento natural. Cabral<br />
deixou a costa , dirigio-se ao Cabo<br />
da Boa Esperança , e seguio para<br />
as índias Orientaes, seu primeiro<br />
destino.<br />
D. Manuel recebeu cem alegria<br />
a noticia , que lhe trouxe Lemos.<br />
Elie via estender-se seu <strong>do</strong>mínio<br />
para o futuro não só nas tres antigas<br />
partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> , mas também<br />
na quarta , apenas descuber«<br />
.j&i. Os successos de Cabral na índia"<br />
verifjcárão por outra parte todas<br />
as suas esperanças. Era bastante<br />
aos Portuguezes appresentarem-se ,<br />
para darem leis; e aquelles mesmos<br />
soberanos, cuja alliança elles tinhão<br />
procura<strong>do</strong> , já não obtinhão a sua ,<br />
se não reconhecen<strong>do</strong>-se vassallos<br />
da Côjte de Lisboa. Estes interesses<br />
erão tão grandes, que as des.<br />
i j
48<br />
H istoria<br />
cubertas occidentaes não fizcrão poi*<br />
então nos Portuguezes Iiuma diversão<br />
considerável.<br />
O Rei resolveu-se com tu<strong>do</strong> a<br />
esquipar luima frota , destinada a<br />
trazer de novo hum conhecimento<br />
completo desta nova região , e segurar<br />
a posse delia. Américo Vespucio<br />
, hábil geografo , foi escolhi<strong>do</strong><br />
por D. Manuel para acompanhar<br />
Orejo na sua expedição ao<br />
Brasil. Emprega<strong>do</strong> logo pelos. Reis<br />
cle Castel}a D. Fernan<strong>do</strong> , e D. Isabel<br />
, Vespucio não tinha recebi<strong>do</strong> ,<br />
depois de duas viagens ás índias<br />
Occidentaes, se não hum írio accolhimento<br />
, que elle devia naturalmente<br />
notar de ingratidão. O. Rei<br />
de Portugal empenhou-se em empregar<br />
em utilidade o descontentamento<br />
<strong>do</strong> celebre navegante , que.<br />
podia servir-lhe. Deste mo<strong>do</strong> o usurpa<strong>do</strong>r<br />
da gloria cle Colomb foi chama<strong>do</strong><br />
á Lisboa , e encarrega<strong>do</strong> da<br />
navegação ao Brasil. A sua missão<br />
era sobretu<strong>do</strong> assignalar os limites,<br />
das terras, que Cabral tinha des-
Do Brasil. i j<br />
cnberto , e explorar com cuida<strong>do</strong> 0$<br />
portos , e costas della.<br />
Teria si<strong>do</strong> fácil á Colomb , depois<br />
de ter reconheci<strong>do</strong> na sua terceira<br />
viagem a Ilha da Trindade,<br />
a costa de Cumana, e as fozes <strong>do</strong><br />
Ourtnoque , o seguir estas mesmas<br />
costas <strong>do</strong> hemisferio occidental, que<br />
o terião conduzi<strong>do</strong> , avançan<strong>do</strong> paia<br />
o Sul , até o Rio das Amazonas:<br />
elle teria então infallivelmente<br />
descuberto o Brasil. Porém chama<strong>do</strong><br />
a S. Domingos pelos seus primeiros<br />
estabelecimentos , aban<strong>do</strong>nou<br />
para o Noroeste esta nova .derrota<br />
, que teria ainda illustradp<br />
s eu nome pela brilhante descuberta<br />
- com que os accontecimentos imprevistos<br />
devião enriquecer os Portuguezes.<br />
Entretanto Vicente Ianez Pin-<br />
Ç°n , que tinha acompanha<strong>do</strong> Colomb<br />
na sua primeira viagem , passan<strong>do</strong><br />
ao depois a Lisboa , descubrió<br />
alguns mezes antes de Cabral<br />
as costas <strong>do</strong> Brasil , visinhas<br />
a embocadura 4o Amazonas. Mas<br />
Tom. I. D *
Historiei<br />
to<strong>do</strong>s os navegantes estavSo persuadi<strong>do</strong>s<br />
então a se regularem pela<br />
falsa tiledria , de que as novas<br />
descubertas na America faziSo parte<br />
<strong>do</strong> grande continente da India,<br />
¿esté mo<strong>do</strong> a costa , que Pinçon<br />
je conheceu , era julgada na linha<br />
de demarcação devolvida aos Portugnezes<br />
pelo soberano Pontifice ;<br />
e Cabral tomou posse delia antes<br />
mesmo, que o navegante Castelhano<br />
chegasse á Hespanha.<br />
Ajuda<strong>do</strong> na sua navegação pela<br />
experiencia cie suas precedentes viagens<br />
, Américo Vespucio partio<br />
com tres vasos , e chegou á costa<br />
<strong>do</strong> Brasil. Alguns homens daequi- {<br />
pagem , envia<strong>do</strong>s á descuberta , forão<br />
apanha<strong>do</strong>s, e devora<strong>do</strong>s pelos<br />
selvagens á vista mesmo dà frota.<br />
Vespucio se apartou logo destes<br />
antropophagos ; e chegan<strong>do</strong> á altura<br />
de oito gráos de latitude meridional<br />
, estabeleceu com os índios<br />
menos barbaros communicaçóes a*<br />
migáveis. Reconheceu o paiz , en'<br />
trou em alguns portos , certificou'
Do Brasil. i j<br />
se de muitos ancora<strong>do</strong>uros" e poz<br />
«as suas operações tanto cuida<strong>do</strong> ,<br />
€ intelligencia , que se elle não<br />
verificou inteiramente o enthusiasmo<br />
<strong>do</strong>s povos, que derão seu nome<br />
ao mun<strong>do</strong> novamente deicuber-<br />
£ o, ao menos fez mais plausivel a<br />
opinião vulgar , que privou Colomb<br />
da gloria , que tinha mereci<strong>do</strong>. Vespucio<br />
avançou até trinta gráos além<br />
<strong>do</strong> Rio da Prata ; ganhou outra<br />
vez o mar alto , e entrou em Lisboa<br />
depois de seis mezes de navegação.<br />
Suas relações lisongeárão pouco<br />
a ambição de D. Manuel: ellas no<br />
geral não se ajustavão com as de<br />
Cabral. O navegante Florentino<br />
a Ppresentava a nova descuberta debaixo<br />
de hum aspecto pouco favorável.<br />
Ella não offerecia , segun<strong>do</strong><br />
as suas observações, senão vastos<br />
desertos, terras pouco próprias para<br />
a cultura , e selvagens pouco susceptíveis<br />
de civilização.<br />
Deste mo<strong>do</strong> D Manuel não dava<br />
á descuberta de Cabral to<strong>do</strong> o<br />
D a
Historiei<br />
valor , que ella merecia. Elle conheceu<br />
sim , que não devia ser inteiramente<br />
desprezada , mas que<br />
erão precisas novas verificações para<br />
estabelecer hum juizo ainda mais<br />
seguro. Portanto determinou segunda<br />
viagem , e Vespucio partió de<br />
Lisboa' com huma frota de seis vasos,<br />
deque Gonsalo Coelho eia<br />
commandante em chefe. A discordia<br />
ateou-se logo entre estes <strong>do</strong>is navegantes.<br />
Ò Florentino se queixou<br />
ao depois amargamente <strong>do</strong> commandante<br />
Portuguez. A expedição estava<br />
destinada para Santa Cruz,<br />
onde Cabral tinha apporta<strong>do</strong>: poíém<br />
chegan<strong>do</strong> ao Brasil, Coelho empresou<br />
"os conselhos de Vespiici'o;<br />
perdeu quatro de seus navios pelo<br />
pouco conhecimento, que os pilotos<br />
tinhão das correntes , e pela<br />
ignorancia, que elle mesmo tinha<br />
da costa. Elie reconheceu-a com tu<strong>do</strong><br />
, correu duzentas e sessenta leguas<br />
ao Sul , apportou na altura<br />
de dezoito gráos de latitude, con-<br />
6çrvou-se muitos mezes em boa ia-
Do Brasil. i j<br />
telligencia com os naturaes, e fazia<br />
levantar hum forte na costa ,<br />
onde deixou vinte e quatro homens,<br />
escapos ao naufragio da Náo commandante.<br />
Depois de ter corri<strong>do</strong><br />
as terras , e feito carregar de páu<br />
brasil os navios, que lhe restavão ,<br />
empregou muitos mezcs em visirar<br />
Os portos , e rios , experimentan<strong>do</strong><br />
grandes fadigas. Finalmente voltou<br />
para a Europa , entrou com Vespucio<br />
no Tejo , e foi recebi<strong>do</strong> como<br />
hum navegante intrépi<strong>do</strong> , que<br />
tinha triumfa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s maiores perigos<br />
, e aquém a Metropole já não<br />
esperava ver , havia muito tempo.<br />
As observações de Coelho erão<br />
màis conformes ás primeiras noticias<br />
dadas por Cabral. As terras<br />
1}l e tinhão pareci<strong>do</strong> bôas , e ferteis ;<br />
porém como não tinha podi<strong>do</strong> descubrir<br />
as minas <strong>do</strong> Brasil , fonte<br />
das maiores riquezas <strong>do</strong> paiz , D.<br />
Manuel não julgou dever-se occupar<br />
por então <strong>do</strong> intento de estabelecer<br />
nelle colonias permanentes.<br />
Era difficil com tuclo , que lni-
54<br />
H istoria<br />
ma tão importante descuberta se<br />
fizesse de repente a herança exclusiva<br />
de huma Monarchia pouco temida<br />
na Europa , sem fazer nascer<br />
a concurrencia , ou a rivalidade<br />
entre as potencias maritimas. A<br />
Hespanha sobre tu<strong>do</strong>, que olhava<br />
a America como seu proprio <strong>do</strong>minio<br />
, mostrou-se logo invejosa <strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>minio <strong>do</strong> Brasil , excitada por<br />
Américo Vespucio , que ven<strong>do</strong> sen<br />
tival prevalecer sobre elle na volta<br />
á Lisboa , entrou indigna<strong>do</strong> no<br />
serviço <strong>do</strong> Rei de Castella , e instou<br />
fortemente com este Monarcha ,<br />
para que tomasse posse da costa ,<br />
que elle acabava de reconhecer debaixo<br />
<strong>do</strong> Pavilhão Portugués.<br />
A grande reputação , que elle<br />
devia a estas ulcimas viagens , lhe<br />
grangeou logo a gloria de ciar o<br />
seu nome de Américo ás partes septentrionaes<br />
<strong>do</strong> Brazil: mas ten<strong>do</strong><br />
ao depois prevaleci<strong>do</strong> so este ultimo<br />
nome , elle teria si<strong>do</strong> despoja<strong>do</strong><br />
de huma gloria justamente adquirida<br />
, se os Geografos da Europa
Do Brasil. i j<br />
Jíão tivessem estendi<strong>do</strong> seu nome<br />
á totalidade <strong>do</strong> novo continente.<br />
He assim , que o accaso , ou o capricho<br />
deu ao navegante de Florença<br />
huma celebridade , que não<br />
Pertencia , se não ao navegante Gelvez<br />
, seu illustre rival.<br />
Authorisa<strong>do</strong> pela Corte de Hespanha<br />
, Vespucio se embarcou de<br />
novo para o Brasil com Ianez Pin-<br />
Çon , e João Dias de Solis , piloto<br />
mdr de Castella : mas estes tres navegantes<br />
conservarão tão pouca<br />
harmonia entre si em to<strong>do</strong> o cur-<br />
«o da sua expedição , que nãq fizer<br />
ão outra coisa , se não fincar algumas<br />
Cruzes ao longo da costa. Esta<br />
navegação infructuosa foi assignal<br />
ft da pela deplorável morte de Solis.<br />
Ten<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> de Hespanha era<br />
l 5!6» elle tinha si<strong>do</strong> o primeiro,<br />
que entrara no porto magnifico dp<br />
Rio de Janeiro , onde tinha toma<strong>do</strong><br />
posse da costa em nome <strong>do</strong> Rei<br />
de Castella , mas sem se demorar;<br />
e tinha continua<strong>do</strong> sua derrota para
Historiei<br />
o Sul. Chegan<strong>do</strong> á entrada de hum<br />
grande rio , ao qual deu o nome<br />
de Rio da Prata , não ousou metter-se<br />
nelle com me<strong>do</strong> de naufragar<br />
nos roche<strong>do</strong>s , e escolhos. Não<br />
queren<strong>do</strong> com tu<strong>do</strong> voltar á Hespanha<br />
sem ter toma<strong>do</strong> hum conhecimento<br />
exacto <strong>do</strong> rio , costeou a<br />
praia occidental, e descobrio logo<br />
índios, que paredão convidal-o a<br />
desembarcar , lançan<strong>do</strong> por terra<br />
suas armas, e seus ornatos , como<br />
para lhe render homenagem.<br />
Engana<strong>do</strong> por estas demonstrações<br />
, de que elle de certo não<br />
tinha motivo de desconfiar , desembarcou<br />
sem precaução , e com Iturria<br />
comitiva pouco numerosa. A*<br />
medida que se avançava , os sel-l<br />
vagens se retiravão: elles o mettêráo<br />
assim em hum bosque , aonde<br />
o navegante Castelhano não<br />
temeu seguil-os quasi só. Apenas<br />
entrou no bosque , quan<strong>do</strong> hum chuveiro<br />
de flexas o lançou por terra<br />
morto com to<strong>do</strong>s os seus compa-»<br />
nlieiros. Os Índios despojarão os
Do Brasil. i j<br />
cadaveres , atteárão hum grande<br />
fogo na praia , assarão-nos , e os<br />
devorárão mesmo á vista <strong>do</strong>s Hespanhoes,<br />
que tinhão fica<strong>do</strong> na chalupa,<br />
ou que tinhão podi<strong>do</strong> fugir<br />
para ella : estes cheios dc horror<br />
Voltarão para suas embarcações , e<br />
se fizerão outra vez á vela para<br />
a Hespanha.<br />
Tal foi o destino de hum <strong>do</strong>s<br />
mais hábeis navegantes <strong>do</strong> seu tempo<br />
, mas que não era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> da<br />
prudência necessaria para formar<br />
liuma empreza colonial.<br />
Instruí<strong>do</strong> da viagem de Vespucio<br />
, e de Solis, o Governo Portuguez<br />
queixou-se á Côrte de Castellá<br />
, corno de hum a infracção <strong>do</strong>s<br />
seus- limites. Estas duas Potencias<br />
quasi sempre rivaes , e com quem<br />
o Papa Alexandre VI. tinha tão<br />
liberalmente reparti<strong>do</strong> as terras ,<br />
que se descubrissem , pareciao reconhecer<br />
esta linha de demarcação<br />
para to<strong>do</strong>s, excepto no que dizia<br />
respeito a. ellas mesmas.<br />
.Estafamosa linha excluia real-.
58<br />
H istoria<br />
mente os Portuguezes <strong>do</strong> novo continente<br />
; e sen<strong>do</strong> todavia a terra<br />
de huma forma esferica , huma linha<br />
de demarcação , traçada de<br />
hum só la<strong>do</strong> <strong>do</strong> globo , tornava-se<br />
inteiramente illusoria. Assim á força<br />
de interpretações o Rei de Portugal<br />
chegou a fazer comprehender<br />
o Brasil no hemisferio , que o<br />
Papa Alexandre VI. lhe tinha assigna<strong>do</strong>.<br />
Os navios de Solis tinhão entra<strong>do</strong><br />
na Hespanha carrega<strong>do</strong>s de<br />
páo Brasil. D. Manuel exigio logo ,<br />
que as carregações lhe fossem entregues<br />
, bem como as equipagens ,<br />
que elle queria punir, como contrabandistas<br />
, e fraudulentos. Estas '<br />
representações não for5o inteiramente<br />
baldadas. Carlos V. acabava<br />
de subir ao throno de Hespanha , |<br />
e queria viver em paz com Portugal<br />
, para tornar sua ambição contra<br />
to<strong>do</strong> o resto da Europa. Elie<br />
prometteu á D. Manuel, que não<br />
procuraria dahi em diante estabelecer-se<br />
no Brasil juntamente com<br />
k
Do Brasil.<br />
os Portugueses, a quem o accaso<br />
desde estes primeiros tempos parecia<br />
procurar a posse exclusiva de<br />
hum tão vasto império , cujo merecimento<br />
o Monarcha Hespanhol<br />
sem duvida não conjecturava.<br />
Assim logo que, tres annos ao<br />
depois, Magalhães tocou o Rio de<br />
Janeiro , não comprou aos Brasileiros<br />
, se não viveres , para não<br />
dar a D. Manuel motivos de queixas.<br />
Entretanto o consummo lucrativo<br />
das carregações de páo brasil ,<br />
que Vespucio tinha importa<strong>do</strong> , fez<br />
lembrar logo a alguns especula<strong>do</strong>res<br />
o emprehender este commercio ,<br />
c empregar nelle navios mercantes<br />
: seu fito era unicamente me-<br />
Iborar em huma terra virgem hiiproducção<br />
, que se fazia preciosa<br />
ao commercio. Estas expedições<br />
parciaes se mnltiplicárão , e<br />
appresentou se em qualidade de interpretes<br />
, de agentes, e de correspondentes<br />
hum grande numero de<br />
aventureiras, que forão voluntária-<br />
i j
6o<br />
Historia<br />
mente habitar em hum paiz delicioso<br />
, e abundante, onde se podia<br />
gozar de hurna independencia<br />
completa , entre selvagens , que<br />
pela maior parte se mostrárão lo-'<br />
go hospitaleiros. Estes primeiros<br />
colonos" não forão os únicos. De<br />
tempos a tempos o Governo Portuguez<br />
fazia partir para o Brasil hum ,<br />
ou <strong>do</strong>is navios carrega<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s maiores<br />
criminosos <strong>do</strong> reino. l?to era<br />
hum meio cle fazel-o? em certo mo<strong>do</strong><br />
passar debaixo <strong>do</strong> tropico pela<br />
condemnação , que parecia , qutí<br />
se lhes per<strong>do</strong>ava na Europa; porque<br />
estes homens , condemna<strong>do</strong>s<br />
pelas leis, se mostrárão sem alguma<br />
attenção para coin os naturaer<br />
<strong>do</strong> Brasil; e estes abrin<strong>do</strong> em fim<br />
os olhos sobre o perigo da escravidão<br />
, que os ameaçava , se puzerão<br />
em defeza por toda a parte.<br />
Deste mo<strong>do</strong> as primeiras relações<br />
<strong>do</strong>s malfeitores Portuguezes com osselvagens<br />
<strong>do</strong> Brasil forão inteiramente<br />
fataes aos Europêos, e aos<br />
indígenas. Aquelles, por isso que
Do Brasil.<br />
erão deprava<strong>do</strong>s, perderão o sentimento<br />
de horror , que os sacrifícios<br />
humanos <strong>do</strong>s cannibaes lhes tinhão<br />
feito experimentar ; e estes deixár<br />
So logo de ter para com homens,<br />
Çue elles tinhão julga<strong>do</strong> de Imma<br />
Natureza superior , aquella venera<br />
Ção , que poderia ter redunda<strong>do</strong><br />
c m sua utilidade , conduzin<strong>do</strong>-os á<br />
hum esta<strong>do</strong> cie maior civilisação.<br />
Por tanto , durante o reina<strong>do</strong><br />
de D. Manuel , as expedições ao<br />
Brasil não tiverão por objecto , se<br />
não pesquisaçóes , verificações , e<br />
tentativas; e o Governo Portuguez<br />
«ão enviou á sua nova possessão ,<br />
se não força<strong>do</strong>s, e mulheres depravadas.<br />
Os navios, que executavão<br />
es ta especie de deportação , não<br />
erão carrega<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> volta vão<br />
para a Europa , se não de papagaios<br />
, macacos, e madeiras de tintas.<br />
^Posto que estas madeiras se tinhão<br />
torna<strong>do</strong> hum <strong>do</strong>s primeiros<br />
objectos <strong>do</strong> comraercio <strong>do</strong> Brasil ,<br />
»s Portuguezes esta vão com tu<strong>do</strong><br />
i j
6o Historia<br />
bem longe de encontrar então nas<br />
producçòes desta immensa colonia<br />
O cego attractivo, que as riquezas<br />
da índia offerecião incessantemente<br />
á sua cobiça. As emprezas as<br />
mais illustres , os successos os mais<br />
rápi<strong>do</strong>s , as conquistas as mais brilhantes<br />
absorbião , por assim dizer ,<br />
no Orienre to<strong>do</strong>s os votos , e todai<br />
as esperanças da nação Portugneza ,<br />
em quanto no Novo Mun<strong>do</strong> a incerteza<br />
, e os perigos se appresentavão<br />
á cada passo. Aquelles, que<br />
erão para ahi transporta<strong>do</strong>s, não<br />
podião se empregar , se não em huma<br />
penosa agricultura , e na defeza<br />
<strong>do</strong>s seus dias; e a maior parte<br />
delles considerava esta viagem , como<br />
hnma especie cle castigo infligi<strong>do</strong><br />
á criminosos: não admirava<br />
pois , que os Portuguezes não abrissem<br />
os olhos mais se<strong>do</strong> sobre as<br />
vantagens reaes, que o Governo<br />
affectava desconhecer.<br />
Tal era ainda a situação <strong>do</strong><br />
Brasil vinte annos depois de descuberto<br />
, quan<strong>do</strong> D. Manuel, depoi«
Do Brasil. i j<br />
hum grande reina<strong>do</strong> , terminou<br />
su a gloriosa carreira , chora<strong>do</strong> como<br />
o pai de seu povo , o amigo<br />
das scitncias , e o protector da navegação.<br />
Seus designios dignos de honra ,<br />
é a prosperidade , que sempre os<br />
acompanhou, lhe grangeárão o appelliclo<br />
ele Affortuna<strong>do</strong>. Foi com<br />
effeito no seu reina<strong>do</strong>, que a India<br />
se fez realmente tributaria a Portugal.<br />
As conquistas de AfFonso<br />
de Albuquerque ; os brilhantes estabelecimentos<br />
, que forão as consequências<br />
delias ; o commercio tão<br />
rico , como differente , cujas fontes<br />
elles abrirão á nação ; a immensa<br />
extensão <strong>do</strong>s paizes, que forão subm<br />
etti<strong>do</strong>s aos Portuguezes ; suas<br />
possessões firmadas desde Ormuz<br />
a té á China ; sua influencia no resto<br />
das tres partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ; a descuberta<br />
em fim de hum novo continente<br />
> c «ja existencia parecia manifestar-se<br />
para augmentar sua gloria<br />
; taes íorão os grandes acconteciraentos<br />
, que fi¿€rá© notável
64<br />
H istoria<br />
este reina<strong>do</strong> para admiração rival<br />
<strong>do</strong>s contemporâneos, e para assombro<br />
da posteridade.<br />
Até esta época o merecimento<br />
da desenberta <strong>do</strong> continente Brasiliense<br />
tinha si<strong>do</strong> quasi desconheci<strong>do</strong>.<br />
Occupa<strong>do</strong> exclusivamente <strong>do</strong>s<br />
negocios da Índia, Portugal pensava<br />
pouco em hum paiz , onde os<br />
producios , e as vantagens devião<br />
provir muito menos <strong>do</strong> commercio ,<br />
que da agricultura. Erão unicamente<br />
as permutações , e o commercio<br />
, que os Port11gue7.es procuravão<br />
com tanto ar<strong>do</strong>r, quanto os<br />
Hespanhoes tinhão pela desenberta<br />
das minas de oiro , e prata. Por<br />
tanto o Brasil perseverou ainda<br />
aberto ás outras nações da Europa<br />
nos primeiros annos <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> de<br />
D. João III. , filho , e snccessor de<br />
D. Manuel. Mas este Príncipe não<br />
pertendeu todavia renunciar aos<br />
frUCtos que elle não julgava impossíveis<br />
de colher. Posto que mais<br />
religioso , que politico , elle se occupou<br />
essencialmente na prosperi-
Do Brasil. i j<br />
dade das suas colonias , e principalmente<br />
cio Brasil. Tranquillo sobre<br />
as pertençóes cia Hespanha,<br />
depois que terminara suas desavenças<br />
com esta Potencia por meio de<br />
s eu casamento com a irmã de Carlos<br />
V. , elle não tinha que temer,<br />
s e não a rivalidade <strong>do</strong>s Francezes ,<br />
que já se mostravão sobre os mares<br />
<strong>do</strong> Brasil com a intenção de<br />
terem parte ao menos nas vantagens<br />
, que esta nova descuberta<br />
parecia offerecer. A Côrte de França<br />
não tinha reconheci<strong>do</strong> a validade<br />
da repartição das duas índias<br />
entre Portugal , e Hespanha; e<br />
arma<strong>do</strong>res Norman<strong>do</strong>s tinhão começa<strong>do</strong><br />
a tempo a fazer emprezas<br />
re motas , ou antes a exercitar huma<br />
espécie de pirataria nos navios<br />
•Portuguezes , que voltavSo da índia<br />
carrega<strong>do</strong>s das riquezas <strong>do</strong> 0riente.<br />
As expedições <strong>do</strong>s Francezes<br />
ao Brasil tiverão hum caracter<br />
mais honroso: elles procurárão estabelecer<br />
relações amigaveis com os<br />
ftaturaes , e procurar madeiras de<br />
Tom. I. E
66<br />
H istoria<br />
tinta por meio de trocas sem alguma<br />
violencia, nem vexações. Atemorisa<strong>do</strong><br />
por esta concurrencia ,<br />
D. João III. man<strong>do</strong>u fazer representações<br />
por seu Embaixa<strong>do</strong>r em<br />
Pariz: ellas não forão attendidas,<br />
sen<strong>do</strong> a Potencia de Portugal muito<br />
fraca para se fazer respeitar na<br />
Europa. D. João III. resolveu-se<br />
então a tractar como inimigos to<strong>do</strong>s<br />
os navios , que fossem encontra<strong>do</strong>s<br />
nas suas possessões da America.<br />
Em consequência enviou huma<br />
frota ao Brasil , commandada<br />
por Christovão Jacques, muito hábil<br />
navegante , que por instrucções<br />
<strong>do</strong> Rei estava encarrega<strong>do</strong> de<br />
examinar de novo a costa , de excluir<br />
os Francezcs, e de marcar os<br />
pontos convenientes para levantar<br />
feitorias , ou estabelecimentos estaveis.<br />
Christovão reconheceu povoa' j<br />
çóes novas, e novos povos: vísi'<br />
tou sobre tu<strong>do</strong> a famosa Bahia .<br />
que elle dedicou á To<strong>do</strong>s os Santos.<br />
e cuja extensão, e importancia fí-
Do Brasil. i j<br />
zerão no futuro dar este nome á<br />
Metropole de to<strong>do</strong> opaiz. Dois navios<br />
Francezes alii tinhão entra<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>is dias antes; e o Commandante<br />
Portuguez , exploran<strong>do</strong> as sinuosidades<br />
, e portos deste immenso golfo<br />
, descubrio estes navios em bum<br />
delles , e os quiz aprezar, como<br />
contrabandistas: elles quizerão resistir<br />
, mas em vão ; Christovão<br />
metteu-os ambos á pique com a<br />
carregação , e equipagens. Estabeleceu<br />
ao depois , porém mais lone<br />
, ao Norte <strong>do</strong> continente na<br />
arra da ilha de Itamaracá a primeira<br />
feitoria Portugueza ; e voltan<strong>do</strong><br />
a Lisboa , confirmou pela reação<br />
da sua navegaçao as esperanças<br />
, que D. João III. começa<br />
a conceber relativamente ao Brasil,<br />
•t-ste Principe applicou toda a sua<br />
atenção á huma tão importante<br />
colônia, edividio-a em muitas províncias,<br />
e propoz-se a distribuil-as<br />
com os fidalgos, ou nobres os mais<br />
denoda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu reino, com condição,<br />
de que; elles se encarrega-
68<br />
H istoria<br />
rião de as submetter , e de as colonisar<br />
em nome de Portugal. Esta<br />
distribuição de terras com o titulo<br />
de <strong>do</strong>minios , assim quanto á cultura<br />
, como quanto ao senhorio feudatario<br />
, devia estender-se á cincoenta<br />
leguas de costa para cada<br />
hum <strong>do</strong>s concessionários, accrescentan<strong>do</strong><br />
accidentalmente, o que<br />
pudessem adquirir de mais no interior.<br />
A applicação ao Brasil deste<br />
systema de concessão, posto já em<br />
uso por D. Manuel, foi a fonte,<br />
e a origem <strong>do</strong>s primeiros estabelecimentos<br />
, que regularão em fon a<br />
colonia em utilidade daMetropòle.<br />
Mas antes de entrar nestas exposições<br />
históricas, lie necessário ,<br />
que nós façamos aqui a descripção<br />
<strong>do</strong> paiz , cuja <strong>historia</strong> temos emprehendi<strong>do</strong>';<br />
o quadro da sua situação<br />
, logo que foi descuberto ; o<br />
<strong>do</strong>s costumes <strong>do</strong>s seus habitantes<br />
naturaes com a posição respectiva<br />
das differentes povoações Brasileiras.
LIVRO TERCEIRO.<br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil na. época da descubería.<br />
Descripyõo geral desta<br />
vasta região. Caracter , costumes<br />
, e usos , numeramento ,<br />
e descripç-ão geográfica das povoações<br />
Brasilienses.<br />
1500. — 1521.<br />
O Nome de Brasil, que não foi<br />
c 'a<strong>do</strong> logo, senão á huma parte das<br />
c ostas marítimas desde a embocadura<br />
<strong>do</strong> Amazonas até o Rio de S.<br />
Pedro , se estende hojfe á todas as<br />
possessões Portuguezas da America<br />
Meridional. Confinan<strong>do</strong> á Este com<br />
o Oceano , e á Oeste com o Perú,<br />
esta vasta região parecia dever-se<br />
comprehender para sempre de Norte<br />
á Sul. pelos <strong>do</strong>is grandes rios odas
Historiei<br />
Amazonas , e o cia Prata. Por elles<br />
se marcavão ao menos seus. limites<br />
naturaes: mas suas fronteiras, posto<br />
que determinadas por diversos<br />
tracta<strong>do</strong>s, não tem hoje limites,<br />
principalmente para o Norte , depois<br />
que o interesse , e a politica<br />
não reconhecêrão nem pacto , nem<br />
equilibrio.<br />
O Brasil desde o Amazonas,<br />
qttast debaixo <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r na decima<br />
parallela de latitude <strong>do</strong> Norte<br />
até o rio da Prata aos 35 gráos<br />
de latitude meridional , se estende<br />
em longitude á perto de nove cenias<br />
leguas communs : sua maior<br />
largura de Este á Oeste he de perto<br />
de sete centas leguas, e contém<br />
na superficie exterior mais de <strong>do</strong>is<br />
quintos da America Meridional. As<br />
praias y e as sinuosidades <strong>do</strong> mar<br />
lhe dão mais de duzentas leguas<br />
de costa.<br />
Observa<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar este continente<br />
ao chegar á elle , parece de<br />
longe eleva<strong>do</strong> , agreste , e desigual:<br />
mas de perfo nenhum aspecto <strong>do</strong>
Do Brasil. i j<br />
mun<strong>do</strong> lie mais pictoresco , nem<br />
mais admiravel : suas eminencias<br />
são cubertas de bosques magniíicos,<br />
e seus valles são de huma verdura<br />
eterna.<br />
O interior <strong>do</strong> Brasil não he ,<br />
por assim dizer, se não liuma immensa<br />
floresta; mas o centro he<br />
forma<strong>do</strong> de hum vasto terreno da<br />
America Meridional, que he como<br />
a bacia , ou base centrai <strong>do</strong> paiz ,<br />
e que lie conheci<strong>do</strong> debaixo <strong>do</strong> nome<br />
de Campos Pare xis , ou Planícies<br />
de Pareais , assim chama<strong>do</strong><br />
de huma nação índia que o habita.<br />
Esta vasta região , que se estende<br />
de Oriente â Occidente, he<br />
cuberta quasi por todas as partes<br />
de terras leves, e de montões de<br />
arêas, que de longe por effeito de<br />
suas ondulações parecém-se com as<br />
vagas <strong>do</strong> mar. O solo he friável;<br />
tão arenoso , que as tropas de machos<br />
, e as caravanas se subterrão ,<br />
e dificilmente abrem caminho: elle<br />
não mostra de huma, e outra parte<br />
, se não huma erva rasteira com
72 H istoria<br />
o tronco delga<strong>do</strong> , de hum pé de<br />
altura , cujas folhas pequenas , e<br />
re<strong>do</strong>ndas tem a forma de lancêtas.<br />
Este immenso terreno de arêa se<br />
encontra como enterra<strong>do</strong> para o<br />
centro , e para o cume das cordilheiras<br />
de montanhas <strong>do</strong> mesmo nome<br />
, reputadas as mais altas <strong>do</strong><br />
Brasil, e que se estendem á huma<br />
longitude de mais de duzentas léguas.<br />
He esta a grande arca , <strong>do</strong>nde<br />
sahem não só to<strong>do</strong>s os rios , que<br />
desaguão no Amazonas, 110 Paraguay<br />
, e no Occeano Meridional ,<br />
mas também muitas correntes , que<br />
produzem oiro, e outras, que correm<br />
por hum terreno semea<strong>do</strong> cle<br />
diamantes.<br />
Ao Su<strong>do</strong>este o Paragaay , o<br />
Marone , o Guarupe' , o Madeira ,<br />
e mais de Kinta rios , que nelle<br />
misturão SURS aguas, formão como<br />
hum largo canal de perto de<br />
500 léguas de circuito ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Brasil. Estas correntes immensas o<br />
separão das províncias Hespanholas,<br />
e lhe servem , como de baluarte
Do Brasil. i j<br />
interior. Ahi são as partes centraes<br />
da America Portugueza, tão ricas<br />
por tantos thesoiros descubertos ,<br />
oti ainda occultos no seio da terra ,<br />
reservatório natural de tantos rios,<br />
que se subdividem em canaes innumeraveis,<br />
e offerecem aos possessores<br />
<strong>do</strong> Brasil caminhos fáceis<br />
para penetrar até o interior <strong>do</strong><br />
Per ii.<br />
A principal massa das montanhas<br />
se encontra ao Norte <strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro nas cabeceiras <strong>do</strong>s tres<br />
grandes rios S. Francisco , Paraná,<br />
e Tocantins. Nellas não só lie<br />
abundante o ferro , e o cobre , mas<br />
também encerrão ricas minas de<br />
°iro , e de diamantes: achão-se<br />
também topázios, safiras , turmalin<br />
as , cymophanes, e differentes<br />
espécies de crystal derroca.<br />
Deste gruppo de montanhas elevadas<br />
se prolongão diversas cordilheiras<br />
parallelamente ás costas <strong>do</strong><br />
Norte com o nome de Serra das<br />
Esmeraldas , Serro <strong>do</strong> Frio. Partin<strong>do</strong><br />
outra ramificação <strong>do</strong> mesmo
74<br />
H istoria<br />
centro, segue huma direcção similhante<br />
para o Sul: terceira cordilheira<br />
com o nome de Matto Grosso<br />
se encurva ao Noroeste até o terreno<br />
central , dividin<strong>do</strong> suas aguas<br />
entre os rios , que de huma parte<br />
se perdem no Paraguay , e Paraná<br />
, e da outra no Tocantins, e<br />
Chingú.<br />
Entre o Pará , e o Paraguay<br />
estende-se de Norte á Sul huma<br />
cadê a de montanhas muito extensa<br />
, chamada Amambahy , que terminan<strong>do</strong><br />
ao Sul <strong>do</strong> rio I guatimy ,<br />
fôrma de Leste á Oeste outra cadêa<br />
chamada Maracayer.<br />
Outros differentes grnppos menos<br />
conheci<strong>do</strong>s cingem o rio Tocantins<br />
, e seus affluentes em longo<br />
espaço , além da ltiapaba , huma<br />
das cordilheiras de montanhas as<br />
mais consideráveis <strong>do</strong> Brasil, que<br />
se estende para a costa septentrional<br />
entre o Maranhão , e Pernambuco.<br />
Poucos paizes no mun<strong>do</strong> são<br />
além disso banha<strong>do</strong>s , e vivifica<strong>do</strong>s
Do Brasil. i j<br />
com tanta profusão. O maior de to<strong>do</strong>s<br />
os rios, o Amazonas , que nasce<br />
no Perú no seio das mais altas<br />
montanhas da terra , entra á Noroeste<br />
pelo território <strong>do</strong> Brasil, engrossa-se<br />
com o Rio Negro , cujas<br />
innundações o tem íeito comparar<br />
á hum mar d'agua <strong>do</strong>ce; com o<br />
Mio da Madeira , ou Rio <strong>do</strong>s Bosques<br />
, cujo curso he de mais de<br />
700 léguas; com o Tapajóq , que<br />
vem das alturas centraes , ou Campos<br />
Pare xis , e cujo curso he cle<br />
trezentas léguas ; e em fim com o<br />
Chingú , que desce <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s de<br />
Matto Grosso. Este rio forma hum<br />
<strong>do</strong>s mais bellos ramos <strong>do</strong> Amazonas,<br />
no qual elle vê-se outra vez reuni<strong>do</strong><br />
, depois de hum curso de mais<br />
de quatrocentas léguas, interrompi<strong>do</strong><br />
por muitos saltoáâ Suas margens<br />
cubertas de impenetráveis bosques<br />
são habitadas pjr índios in<strong>do</strong>máveis.<br />
A maior parte destes rios <strong>do</strong><br />
interior são pertencentes ao continente<br />
Brasiliense , correm com ra-
76<br />
H istoria<br />
piclez por terras inhabitadas , que<br />
elles muitas vezes innundão , e acabão<br />
augmentan<strong>do</strong> as aguas <strong>do</strong> immenso<br />
Amazonas , que não tem<br />
menos de mil , e trezentas leguas<br />
de curso.<br />
Sobre este grande rio as tempestades<br />
são tão perigosas , como<br />
no mar largo. Suas margens não<br />
appresentão de to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s , se<br />
não huma vasta planicie pantanosa<br />
, e na sua barra de <strong>do</strong>ze leguas<br />
de largura elle servia de limites naturaes<br />
ao Brasil.<br />
Rival <strong>do</strong> Amazonas , e augmenta<strong>do</strong><br />
com as aguas <strong>do</strong> Araguaija ,<br />
cujas margerts são povoadas por<br />
-muitas tribus guerreiras, o Rio <strong>do</strong>s<br />
Tocantins , magestoso na sua ori-<br />
-gem , banha o Brasil no espaço de<br />
quinhentas 'iegúa-s de Sul á Norte.<br />
Suás ribas 9®o guarnecidas cie montanhas<br />
, e bosques: na sua origem<br />
numerosas catadupas indicão bastante,<br />
que elle abre seu curso ao<br />
través <strong>do</strong>s valles, e <strong>do</strong>s precipicios.<br />
Mas reuni<strong>do</strong> no Araguaya comi*
Do Brasil.<br />
nua seu curso em lium leito commtira<br />
, offerecen<strong>do</strong> a immcnsa vantagem<br />
dehuma navegação não interrompida<br />
desde a sua barra até<br />
o centro <strong>do</strong> Brasil; barra , que estan<strong>do</strong><br />
visinha á cio Amazonas , vem<br />
misturar suas aguas por hum braço<br />
de communicação com a vasta<br />
corrente daquelle grande rio. A<br />
agua , e a terra parecem disputarse<br />
o clominio destas regiões , alternativamente<br />
seccas , e alagadas.<br />
Todas as costas circumvisinhas<br />
são terrenos baixos , palu<strong>do</strong>sos, ou<br />
lodentos, forma<strong>do</strong>s pelas alluvioes<br />
reunidas <strong>do</strong> Amazonas, <strong>do</strong> Tocantins<br />
, e <strong>do</strong> Occeano : nenhum dique<br />
, nenhum recife demora a violência<br />
das ondas , e das marés«. Com<br />
tu<strong>do</strong> bancos de arêa , e ilhas meio<br />
submersas fechão as Vjanas destes<br />
<strong>do</strong>is rios, que precip.vkm<strong>do</strong>-se ambos<br />
no Atlântico , cle .ko<strong>do</strong> differtnte<br />
da corrente commum lutSo com as<br />
vagas <strong>do</strong> Oceano ; porque nas marés<br />
grandes o mar com a rapidez<br />
das ondas reunidas produz lvuma<br />
i j
78<br />
H istoria<br />
especie de fenomeno periodico chama<strong>do</strong><br />
Pororoca pelos Portugueses,<br />
e pelos índios. Nada então se pode<br />
oppôr ao Ímpeto das ondas <strong>do</strong> Occeano<br />
, e <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is rios , que se misturão<br />
com estron<strong>do</strong>. Hum rui<strong>do</strong> espantoso<br />
annuncia , e acompanha<br />
esta subita invasão : montanhas<br />
d'agua <strong>do</strong>ce se elevão , se abatem ,<br />
succedem humas ás outras, e enchem<br />
n'hum instante quasi toda a<br />
immensa largura <strong>do</strong> canal. Estas<br />
vagas espantosas saltão á praia,<br />
arrancão grossas arvores , carregão<br />
montões de terra, e submergem as<br />
embarcações , que se oppõem ao seu<br />
furor.<br />
Desde a foz <strong>do</strong> Tocantins até<br />
Pernambuco as costas desde Este<br />
até Sul não tem 110 longo espaço<br />
de perto de quatrocentas léguas outro<br />
algum ri-o de dilata<strong>do</strong> curso. O<br />
Maranhão ,«"(/ Rio Grande <strong>do</strong> Nor'<br />
te, e o Paraíba, que desagua no<br />
ponto o mais oriental, tem , lie verdade<br />
, muito grandes barras e formão<br />
na estação chuvosa torrentes,
Do Brasil. i j<br />
de que os campos ficão innunda<strong>do</strong>s:<br />
mas no tempo secco elles tem ape»<br />
nas hum fio d'agua , e seu leito<br />
serve de caminho aos naturaes <strong>do</strong><br />
Brasil.<br />
Entre Pernambuco , e a Bahia<br />
o Rio cie S. Francisco , que traz<br />
a sua origem <strong>do</strong> la<strong>do</strong> das serras ,<br />
que ficão ao Noroeste <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro , corre por hum terreno eleva<strong>do</strong><br />
, e dirigin<strong>do</strong>-se ao Norte ,<br />
volta circularmente á Este. Seu<br />
curso de mais de trezentas léguas<br />
he muitas vezes interrompi<strong>do</strong> por<br />
saltos.<br />
Segue-se ao depois o Rio Grande<br />
de Porto Seguro , até aqui mal conheci<strong>do</strong><br />
, e que sahin<strong>do</strong> rias montanhas<br />
Pitnnquy , corre para o<br />
Norte, ao depois para Este , quasi<br />
sempre cerca<strong>do</strong> de hurâ terreno rico<br />
de madeiras preciosas, e de minas<br />
de diamantes. %<br />
Mais para o Meio dia misturase<br />
nos mares cio Brasil o Paraíba ,<br />
chama<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sal , para distinção de<br />
outros <strong>do</strong>is rios <strong>do</strong> mesmo nome: he
6o<br />
Historia<br />
notável pelo seu curso de mais cie<br />
cento ecincoenta léguas, paraiello<br />
ao mar, de que elle he separa<strong>do</strong><br />
pela cordilheira de montanhas, que<br />
formão o Cabo de S. Thome , e o<br />
Cabofrio.<br />
Desde estes <strong>do</strong>is cabos até a<br />
3o.a paralella de latitude meridional<br />
não desagua no Occeano algum<br />
outro rio considerável , não fallan<strong>do</strong><br />
no Rio Real , e no Rio Doce ,<br />
que correm de Oeste á Este. Nestes<br />
lugares quasi todas as aguas<br />
correm para o interior , e se lanção<br />
no Paraná , ou no Uraguay ,<br />
os quaes ambos nascem das montanhas<br />
centraes.<br />
Não nos demoraremos aqui sobre<br />
as particularidades naturaes <strong>do</strong><br />
Paraná ; porque a direcção <strong>do</strong> seu<br />
curso o fafc. mais essencialmente<br />
pertencer afr Paraguay , que ao<br />
Brasil. V,<br />
Toda a costa oriental não appresenta<br />
, se não huma multidão<br />
de bailias, e de promontorios. Entre<br />
estes osprincipaes são Cabo de
Do Brasil. i j<br />
Santo Agostinho em nove gráos<br />
de latitude; o Cabofrio aos vinte<br />
e cinco ; o de S. Vicente , o mais<br />
meridional de to<strong>do</strong>s.<br />
A Bahia mais vasta he a de<br />
To<strong>do</strong>s os Santos , cuja inteira descuberta<br />
os Portuguezes devem ao<br />
Capitão Jacques, terceiro navegante<br />
<strong>do</strong> Brasil: ella terá , bem como<br />
a barra magnifica <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
, sua descripção particular no<br />
decurso desta obra.<br />
As costas septentrionaes desde<br />
o Pará até Olinda são semeadas<br />
de recifes, e de ilhotas, nas quaes<br />
se quebrão as vagas <strong>do</strong> Oceano ,<br />
e que appresentão muitas vezes a<br />
figura de hum molhe natural , que<br />
se prolonga paralellamente pela<br />
costa.<br />
Ao vigésimo terceiro gráo de<br />
latitude meridional com^ão em pouca<br />
distancia de Porto Seguro os famosos<br />
cachopos chama<strong>do</strong>s Abrolhos,<br />
que se estendem longe , e fazem o<br />
terror <strong>do</strong>s pilotos. Ahi se descobrem<br />
muitos canaes estreitos , por<br />
Tom. I. F
6o<br />
Historia<br />
onde os navios podem navegar , mas<br />
não sem grande risco.<br />
O Brasil, situa<strong>do</strong> inteiramente<br />
debaixo da Zona tórrida ; e em<br />
hum clima menos ardente , goza de<br />
vantagens de muitos climas por esta Jr<br />
duplicada situação: deste mo<strong>do</strong> o<br />
solo nelle he favoravel á quasi todas<br />
as producçóes <strong>do</strong> globo. Em<br />
huma tão vasta extensão as estações<br />
, e a temperie offerecem precisamente<br />
huma muito grande variedade.<br />
Os calores nas visinhanças<br />
<strong>do</strong> Amazonas são mitiga<strong>do</strong>s<br />
pela humidade natural de suas ribas<br />
palu<strong>do</strong>sas. Remontan<strong>do</strong> as origens<br />
<strong>do</strong>s rios encontrão-se planícies<br />
elevadas, ferteis valles, que gozão<br />
de hum clima saudavel , e tempera<strong>do</strong><br />
, principalmente em Minas<br />
òeraes, Villa Rica , e S. Paulo.<br />
Nestes paiass hum benigno calor<br />
permitte aoKructos da Europa o<br />
¿acerem entre as producçóes da<br />
America.<br />
Xal he também o clima da grande<br />
ilha <strong>do</strong> Maranhão , que pertence (
Do Brasil. i j<br />
ao Brasil , onde as quatro estações<br />
se confundem, e aterra está sempre<br />
florida , e as arvores sempre<br />
Verdes. A abundancia de orvalho ,<br />
a sombra <strong>do</strong>s bosques, e a frescura<br />
deliciosa das noites formão huma<br />
primavera perpetua.<br />
Mas o frio he sensivel na extremidade<br />
meridional <strong>do</strong> confinente<br />
Brasiliense na costa de S. Vicente.<br />
Ahi se achão as altas montanhas<br />
de Parnabiacaba , <strong>do</strong>nde<br />
parte huma multidão de fontes<br />
límpidas , que dão mais frescura<br />
ao ar.<br />
O vento <strong>do</strong> Oeste , passan<strong>do</strong><br />
por cima de vastos bosques pantanosos<br />
, se torna por isso pestilente<br />
no interior. Muitas vezes o calor<br />
excessivo , que segue o curso<br />
sol, enche a athmoí fera de partículas<br />
ígneas , que v', oduzem effeitos<br />
funestos: mas o ar maligno<br />
se corrige algumas Vezes pelo cheiro<br />
balsamico de huma grande quantidade<br />
de ervas aromaticas , que se<br />
ta» sentir ainda alguma» legilas
84<br />
H istoria<br />
distante da praia , e que he trazi<strong>do</strong><br />
pelos terraes.<br />
Do mez de Março ao mez de<br />
Agosto a estação chuvosa reina<br />
sobre as costas marítimas ; e na estação<br />
secca sopra o Norte quasi<br />
sem interrupção. Então o ar<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
clima torna languida a vegetação ,<br />
e os oiteiros não appresentão mais,<br />
que huma terra crestada.<br />
To<strong>do</strong> o resto <strong>do</strong> anno os ventos<br />
<strong>do</strong> mar refrescão a athmosfera , e<br />
tornão a dar á natureza sua força ,<br />
e sua primeira actividade. Huma<br />
primavera perpetua embelleza os<br />
lugares sombrios , e húmi<strong>do</strong>s: as<br />
arvores appresentão simultaneamente<br />
flores, fructos verdes, e maduros<br />
, e quasi em to<strong>do</strong> o anno huma<br />
agradavel frescura cobre a Terra.<br />
Ò interior <strong>do</strong> Brasil não sen<strong>do</strong> ,<br />
se não hurí; vasto bosque primitivo,<br />
tem as arvores entrelaçadas de<br />
silvas, de arbustos sarmentosos ,<br />
de cipos , que as enleião até os<br />
derradeiros cumes , e que pela maior<br />
parte brotão flores magnificas.
Do Brasil.<br />
Estas plantas formão hum golpe<br />
de vista singular na pintura <strong>do</strong><br />
Brasil : ellas sobem ao re<strong>do</strong>r das<br />
arvores , chegão ao cume , tornão<br />
a buscar a terra, lanção raiZes , e<br />
subin<strong>do</strong> de novo , se vão perden<strong>do</strong><br />
cie ramo em ramo , de arvore em<br />
arvore por toda a parte, para onde<br />
o vento as lança , até que todas<br />
as arvores ficão enlaçadas pelas<br />
suas latadas , e tornadas quasi impraticáveis.<br />
Os macacos viajão por<br />
meio destes labyrinthos selvagens *<br />
e nelles se balanção pela cauda.<br />
Estas cordas vegetaes são tão es*<br />
treitamente unidas entre si , que<br />
tem a apparencia de huma recle , e<br />
que nem as aves , nem as feras podem<br />
attravessar. Algumas são tão<br />
grossas, como a coxa de hum homem<br />
; to mão différente; configurações<br />
, e se faz impor ùvel o quebral-as:<br />
muitas vezevdão a morte á<br />
arvore , que as sustenta : clahi vem<br />
chamarem-lhe os Portuguezes , Ma*<br />
tapaLos. Algumas vezes ficão em pé,<br />
como Iúima columna torcida , depoi^<br />
i j
Historia<br />
que o tronco, que ellas tem mata<strong>do</strong><br />
, rem espalha<strong>do</strong> suas túnicas.<br />
Algumas ha, que sen<strong>do</strong> cortadas,<br />
lanção huma agua fresca , pura , e<br />
agradavel. Estas produzem-se nos<br />
pântanos <strong>do</strong> paiz <strong>do</strong> Orenoque,<br />
e nos lugares arenosos, onde sem<br />
«ste recurso o viajante morreria<br />
de sede. A. hera sobe também<br />
ás grimpas das mais altas arvores<br />
, e cobre o bosque de hum<br />
gazão de cor verde a mais bri*<br />
Jhante.<br />
Os mangues vermelhos (*) cobrem<br />
as costas <strong>do</strong> Brasil: pouco<br />
distante começão as numerosas es*<br />
pefies de palmeiras, entre asquaes<br />
se distingue a murta Brasiliense ,<br />
que brilha por ter a casca cor de<br />
(*) Foi a'.palavra, que julgámos corresponder<br />
á ftviçeza = Palulvier , a que<br />
não achámos èui Diccionario algum ; e<br />
julgámos assim ; porque lie o mangue a<br />
arvore > que se encontra em mais abuiiflancia<br />
nas marinhas <strong>do</strong> Brasil; e porque<br />
a mencionada palavra parece derivada de<br />
PJus<br />
i
Do Bra^iU 57<br />
prata ; O coqueiro <strong>do</strong> Brasil; mais<br />
grosso , mais alto , que o das índias<br />
, e cujo fructo dá huma excellente<br />
manteiga ; e o pequiá , qua<br />
produz hum fructo grosso , eduro ,<br />
similhante na forma , e na grossura<br />
á huma bala de canhão; he perigoso<br />
estar exposto á elle , quan<strong>do</strong><br />
eahe: seus desmarca<strong>do</strong>s cálices, e<br />
suas dilatadas pétalas se elevão em<br />
pirâmides floridas , revestidas de<br />
cores variadas , e de hum a s P ect0<br />
brilhante.<br />
Nenhum paiz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fornece<br />
madeiras tão preciosas para tintas<br />
, para a marcenaria , e para as<br />
construcçóes navaes. A oliveira „ e<br />
o pinheiro ahi são particularmente<br />
próprios para a mastreação. A çe»<br />
rejeira , o cedro , a canelleira selvagem<br />
, o car<strong>do</strong> pentea<strong>do</strong>r , o páo<br />
campeche , e o cajá ,'iiegão a sçr<br />
postos em obra , e Imma vez. trabalha<strong>do</strong>s<br />
resistem por mais tempo<br />
á acção <strong>do</strong> ar, e da agua. He no<br />
Brasil, que se admirão estas arvores<br />
gigantescas , que se elevão á
88<br />
H istoria<br />
altura de Ro pés , e cujas raízes<br />
xodeião o desmarca<strong>do</strong> tronco muitos<br />
palmos acima da superfície da<br />
terra: madeira nenhuma lie mais<br />
própria para fazer curvas de navios.<br />
A mais bella de todas as arvores<br />
<strong>do</strong> Brasil , e mesmo da America<br />
inteira he a Acabaya : lie principalmente<br />
notável, quan<strong>do</strong> ostentan<strong>do</strong><br />
toda a sua pompa no mez de<br />
"Julho , e Agosto , e no Outono da<br />
Europa , ella se cobre de flores<br />
brancas , e rosadas; e quan<strong>do</strong> nos<br />
tres mezes seguintes se enriquece<br />
<strong>do</strong>s seus fructos , suspensos nos<br />
seus ramos, como outras tantas pedras<br />
preciosas: sua sombra he espessa<br />
, e agradavel; suas flores tem<br />
hum estame suave , e seus ramos<br />
exalão hum >|j:heiro aromatico : produz<br />
huma ¿?\mma , que iguala em<br />
belleza á <strong>do</strong> oenagal: ella he tão<br />
abundante , que apparece na arvore<br />
, como muitas gotas de chuva.<br />
Esta arvore admiravel não he commuin<br />
no interior das terras; mais
Do Brasil. i j<br />
para as marinhas ella cobre paizes<br />
inteiros , aliás estereis. Quanto mais<br />
arenoso he o terreno , e menos húmida<br />
he a estação , mais parece florescer<br />
, e prosperar. Seu frueto<br />
esponjoso , e exquisito tem alguma<br />
similhança com as pêras da Europa<br />
; porém heunais compri<strong>do</strong> , e cie<br />
alguma forma diafano: sua polpa ,<br />
reduzida em farinha lie para os<br />
Brasileiros huma iguaria deliciosa.<br />
A possessão de hum terreno , onde<br />
a Acabaya cresce , e multiplica ,<br />
lie de tal valor , que muitas vezes<br />
tem si<strong>do</strong> causa cie guerras entre as<br />
populações indígenas.<br />
O ibiripitanga , que produz a<br />
famosa madeira de tinta , conheci<strong>do</strong><br />
debaixo <strong>do</strong> nome de páo brasil,<br />
ou cie Pernambuco , não he menos<br />
, que a altura de hum carvalho<br />
da Europa. CrescJ nos roche<strong>do</strong>s<br />
, e nos terrenos ári<strong>do</strong>s. Carrega<strong>do</strong><br />
déramos, lie de ordinário de<br />
hum aspecto pouco agradavel. As<br />
folhas assemelhão-se com as <strong>do</strong> buxo<br />
, e a cortiça he muito grossa*
Historiei<br />
As flores, similhanteS ás <strong>do</strong> junquilho<br />
, são de hum encarna<strong>do</strong> muir<br />
to lin<strong>do</strong>. O pezo especifico <strong>do</strong> seu<br />
tronco he indicativo da sua bondade<br />
, relativa á tintura: tira-se<br />
delle huma especie de carmim , e<br />
de laca própria para as tintas fir<br />
nas, e delicadas. Esta arvore preciosa<br />
não se encontra, se não no<br />
Norte <strong>do</strong> Brasil.<br />
Tu<strong>do</strong> muda para o Sul: outras<br />
producções se crião debaixo de hum<br />
clima , que he mais remoto <strong>do</strong> tro*<br />
pico , e mais tempera<strong>do</strong>.<br />
Bem como em to<strong>do</strong> o resto da<br />
America a raiz da mandioca , e<br />
<strong>do</strong>s fructos selvagens era a principal<br />
nutrição <strong>do</strong>s indigenas, antes<br />
que os Europêos nella tivessem cultiva<strong>do</strong><br />
, ou naturalisa<strong>do</strong> os inhames ,<br />
o arroz, o r^ilho , o trigo, e quasi<br />
to<strong>do</strong>s os fritetos <strong>do</strong> seu clima. O<br />
arbusto chama<strong>do</strong> mandioca não<br />
cresce , se não nos terrenos seccos,<br />
e não exige quasi cultura alguma.<br />
Sua raiz inestimável he da grossura<br />
de hum braço , e tem alguma ,
Do Brasil. i j<br />
similhança com as cinouras da Europa.<br />
Crua , ou frescamente tirada<br />
da terra he hum veneno mortal ;<br />
enchuta , reduzida á farinha , e em<br />
pão he huma nutrição substancial.<br />
Encontra-se em to<strong>do</strong> o Brasil a<br />
bauniiheira , que se apega , como<br />
a hera , aos troncos das arvores;<br />
suas folhas são espessas, e de hum<br />
verde escuro ; seu fructo consiste<br />
em huma bagem triangular de seis,<br />
ou oito polegadas de comprimento ,<br />
cheia de pequenas sementes lizas.<br />
Estimão-se principalmente as bagens<br />
compridas, delgadas, e aromaticas.<br />
Aibiripitanga dá hum fructo , que<br />
se parece com as cerejas. Entre os<br />
espinheiros, e nos campos aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s<br />
produzem as figueiras ds<br />
Surinam. Nos suburbios da Bahia<br />
cresce a arvore rnangaba, que de<br />
algum mo<strong>do</strong> suppre á Vinha; pois<br />
que delia se tira huma especie de<br />
vinho. O cacao7,eiro forma bosques<br />
immensos ao longo <strong>do</strong> Chingú , <strong>do</strong><br />
Tocantins , e <strong>do</strong> Madeira. Òs cipós<br />
mesmo , ou plantas, que trepão ,
9*<br />
Historia<br />
produzem em parte fructos agradaveis<br />
, e sãos. O Brasil produz também<br />
hum grande numero de plantas<br />
aromaticas de diversas especies,<br />
Suas producções botânicas sãoinnumeraveis.<br />
Mão faltão nem flores de<br />
ornato , nem plantas medicinaes.<br />
O arbusto tão util , conheci<strong>do</strong> com<br />
o nome de ipicacuanha , não se<br />
acha se não no Brasil: sua flor he<br />
hum a especie de violeta: he na<br />
raiz, que residem todas as suas<br />
propriedades. Sen<strong>do</strong> o Brasil situa<strong>do</strong><br />
debaixo de duas zonas as mais<br />
felizes , a tórrida , e a temperada , o<br />
que falta em huma , a outra produz<br />
em abundancia.<br />
Com muito poucas excepções o<br />
contiuente Brasiliense não tinha<br />
originariamente arvores , plantas , a<br />
nem fructo^, que não differissem<br />
essencialmente das arvores , das<br />
plantas, e <strong>do</strong>s fructos da Europa:<br />
mas tu<strong>do</strong> , o que se tem transporta<strong>do</strong><br />
, tem-se naturalisa<strong>do</strong> com successo;<br />
e esta observação geral pôde<br />
estender-se aos animaesv
Do Brasil.<br />
O tapirussú lie o maior<br />
quadrúpede , que se cem encontra<strong>do</strong><br />
no Brasil: sua forma lie analoga<br />
á <strong>do</strong> porco , posto que se approxima<br />
á grandeza de huma vacca:<br />
os Brasileiros o matão a tiros<br />
de flexas , ou apanhão no em laços<br />
; comem-lhe a carne , e da pelle<br />
fazem escu<strong>do</strong>s firmes.<br />
Os bosques são cheios de animaes<br />
vorazes , taes , como o tigre ,<br />
o lobo-hyena , o saratú , que lie<br />
pouco mais ou menos da altura de<br />
huma raponza , porém mais selvagem<br />
, e mais brava. Encontra se<br />
também o jaguar espeçie de onça ,<br />
animal de huma ferocidade temível<br />
, o terror <strong>do</strong>s Brasileiros, e o<br />
porco espinho , ou ouriço caixeiro<br />
de grande especie , o qual , estan<strong>do</strong><br />
irrita<strong>do</strong> , lança suas pontas , ou<br />
Unhas com tanta força 5 , que podem<br />
ferir . e até matar hum homem.<br />
Não se deve confundir com o ar-<br />
(*) U rnpirussú !ie huma espere de<br />
Alce.<br />
i j
94<br />
H istoria<br />
maJilíiò; ofi tatá, ou porco arma<strong>do</strong><br />
de coiraça , que enrola-se<br />
como o ,ouriço , e appresenta de<br />
toda? as partes huma saia de malhas<br />
impenetrável.<br />
Não ha paiz , mesmo na Asia ,<br />
ou na Africa , onde os macacos ,<br />
habitantes <strong>do</strong>s bosques sejão em<br />
maior numero , e em mais differentes<br />
especies , que no Brasil: mas<br />
elles fogem das povoações , e não<br />
habita o , senão lugares solitários.<br />
Posto que o Brasil corresponda<br />
em latitude ao Perii , e offereça em<br />
geral as mesmas producções , não<br />
possue com tu<strong>do</strong> nem o Lhamu ,<br />
nem o vigonho , animaes tão úteis<br />
aos Peruvianos. Elie lie todavia<br />
assolla<strong>do</strong> por hurn maior numero cie<br />
animaes ferozes , por enormes ser- .<br />
pentes , por, sapos, por lagartos , e<br />
por mil insectos , que multiplicão<br />
com o calor lnimi<strong>do</strong>. He principalmente<br />
nos vastos bosques <strong>do</strong>s interiores<br />
, que se encontrão por centenas<br />
novas especies de insectos<br />
desconheci<strong>do</strong>s na Europa. Ahi se
Do Brasil. i j<br />
ouvem os longiquos gritos da on•<br />
ffl, especie de panthéra , que faz<br />
grandes estragos : ella , e as serpentes<br />
são o principal flagello <strong>do</strong>s<br />
lavra<strong>do</strong>res.<br />
Além da grande cobra cascavel,<br />
que corre tão veloz , que parece<br />
voar , o Brasil produz outras ainda<br />
mais terríveis, taes , como a<br />
ihibohoca , tão notável pelo perigo<br />
da sua mordedura , como pela belleza<br />
das suas côres: a bojobi , chamada<br />
cobra de fogo por causa <strong>do</strong><br />
vivo brilhantismo de suas escamas :<br />
a giboya, reptil desmarca<strong>do</strong> , grossa<br />
, como o corpo de hum homem ,<br />
e algumas vezes <strong>do</strong> comprimento<br />
de quarenta pés, cuberta'de escamas<br />
, e de manchas irregulares ,<br />
ten<strong>do</strong> o costa<strong>do</strong> verdenegro , e os<br />
la<strong>do</strong>s de côr amarella escura. Tem<br />
a cabeça chata , e sua grande bocca<br />
tem duas ordens de dentes agu<strong>do</strong>s.<br />
Ella he armada de duas fortes<br />
unhas na barriga para empolgar<br />
a preza. OsPortuguezrs a chamSc<br />
cobra cabril• porque devora
96<br />
H istoria<br />
o cabrito montez com huma incrível<br />
facilidade. Sua força, e sua<br />
voracidade são taes, que obrigada<br />
da fome investe , e devora os homens<br />
, os javaliz , e até os tigres.<br />
Apenas seus olhos tem visto a preza<br />
, parecem lançar vivas centelhas ;<br />
sua língua fendida se agita na larga<br />
bocca. Ella empolga a victima<br />
com as unhas, prende-a fortemente ,<br />
erodilha-se ao re<strong>do</strong>r delia , cobre-a<br />
de huma baba viscosa para devoral-a<br />
com mais facilidade , e gasta<br />
hum grande numero de dias em digeril-a.<br />
Esta cobra colossal, e araphibia<br />
gosta de habitar no lo<strong>do</strong> ,<br />
e n' agua. He o terror <strong>do</strong>s índios,<br />
e <strong>do</strong>s Portuguezes. Os negros mais<br />
astufos atácão-na muitas vezes com<br />
bom êxito , quer com espingarda ,<br />
quer com arco , e flexa. Se o monstro<br />
fica só feri<strong>do</strong> , agita-se de to<strong>do</strong>s<br />
os mo<strong>do</strong>s, despedaça as silvas , e<br />
as arvores pequenas, assobia , fazse<br />
vermelha , volve a cauda n'agua<br />
com violência , cobre aquelles , que<br />
o combatem de hum lo<strong>do</strong> infecto ,
Do Brasil. i j<br />
e de nuvens de poeira misturadas<br />
de Jo<strong>do</strong> , como em hum furacão. Se<br />
o golpe he mortal, continua a torcei-se<br />
, ea enroscar-se sobre si mesma<br />
, até que hum <strong>do</strong>s negros , que<br />
a cercão , approxima-se á ella , e<br />
'arrostan<strong>do</strong> ò perigo , lança-lhe ao<br />
pescoço huma corda com laçada. Senhor<br />
em fim <strong>do</strong> enorme reptil, e<br />
ten<strong>do</strong> na mão a ponta da corda, o<br />
negro sobe a huma arvore, iça o<br />
monstro, que fica suspenso; desce<br />
ao depois , e levan<strong>do</strong> nos dentes<br />
huma faca forte , e calçada de aço ,<br />
une-se ao corpo <strong>do</strong> reptil , que enrosca-se,<br />
e agita-se; e nú , e ensanguenta<strong>do</strong><br />
aperta com os braços,<br />
e pernas a pelle luzente <strong>do</strong> monstro<br />
ainda vivo ; fende-o junto ao<br />
pescoço , e o esfolla. Ao depois tira<br />
huma banha clara , de que faz<br />
azeite , e com seus companheiros<br />
regala-se com a carne deste monstro.<br />
Porém o mais perigoso de to<strong>do</strong>s<br />
os reptis deste continente he a ibiracuhá<br />
, cuja mordedura produz<br />
Tom. I. G
Historiei<br />
inevitavelmente a morte. Tal he a<br />
violencia <strong>do</strong> sen veneno , que no<br />
mesmo instante o sangue da pessoa<br />
mordida sahe pelos olhos, pelos<br />
ouvi<strong>do</strong>s , pelo nariz , e pelas partes<br />
inferiores <strong>do</strong> corpo.<br />
Por huma especie de compensação<br />
os bosques <strong>do</strong> Brasil servem de<br />
hum asylo natural á huma infinidade<br />
de encanta<strong>do</strong>ras aves , deseos<br />
nhecidas <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> , de<br />
lindas figuras, e brilhantes pennas.<br />
Os papaqaios são os mais bellos<br />
¿as duas Indias , e se distinguem<br />
tanto pela variedade , como pela<br />
viveza das cores, com que a natureza<br />
tem orna<strong>do</strong> suas pennas.<br />
O tucano, ave, cujo bico he<br />
quasi tão grande , como o corpo , he<br />
procura<strong>do</strong> principalmente por causa<br />
<strong>do</strong> brilhantismo de suas pennas,<br />
que são em. parte côr de limão , e<br />
em parte vermelhas, côr de carne,<br />
e negras nos encontros das azas.<br />
Í , Ò Ramis chi , grande ave negra<br />
i -que os Brasileiros chamão<br />
ankiima , he notável pela forçai
Do Brasil. i j<br />
com que grita , e por huma espe*<br />
cie de corno , planta<strong>do</strong> nomeio da<br />
cabeça á maneira de coroa. Sua?<br />
azas são armadas de valentes espon<br />
roes, que a fazem temível ás outra?<br />
aves , quan<strong>do</strong> as attaca : mas sen?<br />
<strong>do</strong> semi-aquatico , não faz guerra,<br />
se não aos reptis.<br />
O guaranthe-engerá , especiç<br />
de canario , que os naturaes chamão<br />
teitei, tem as pennas metadç<br />
azúes ferretes , metade de hura<br />
amarello <strong>do</strong>ira<strong>do</strong> brilhante , e iguala<br />
o gorgeio das aves as mais melodiosas.<br />
Os bosques <strong>do</strong> Brasil servem<br />
também de asilo ao papa-mosca ,<br />
tão elegante pela sua figura , e cujas<br />
pennas brillião , como a esmeralda<br />
, e o rubim. Leva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> brí*<br />
lho deste ligeiro habitante <strong>do</strong> ar,<br />
os Brasileiros o chamão faio <strong>do</strong> soL<br />
Contão-se até vinte e quatro especies<br />
, ou diversidades depapa-mos-f<br />
cas. O rubim-topaqio he assim<br />
chama<strong>do</strong>; porque tem as cores, e<br />
lança os resplan<strong>do</strong>res destas pedras<br />
G 2
,0o Historia<br />
preciosas. O papamosca da espe«<br />
cie pequena apenas tem quinze linhas<br />
de comprimento. A maneira<br />
das borboletas <strong>do</strong> nosso paiz , elle<br />
se deixa levar pelo impulso <strong>do</strong> ar ,<br />
e volteja de flòr em flor para lhe<br />
chupar o mel. .<br />
Tão brilhante, tão ligeiro , como<br />
o papamosca , a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> , como<br />
elle , das mais vivas cores , o beijaflor<br />
, que não differe , se não em<br />
«er hum pouco mais grosso , busca<br />
igualmente o seu sustento no cálice<br />
das flores. Hum mesmo instincto<br />
os anima ; e tal he a sua sinnlhança<br />
que não só viajantes, mas também<br />
hábeis naturalistas os tem confundi<strong>do</strong>.<br />
.<br />
Encontrão-se também no ínteiior<br />
<strong>do</strong> Brasil muitos avestruzes ,<br />
que não differem <strong>do</strong>s das outras<br />
regiões : ( mas as grandes aves de<br />
rapina , taes, como as aguias, e<br />
cs abutres, são tão vorazes, que<br />
não tem si<strong>do</strong> possível submettei<br />
alguma delias á mão <strong>do</strong> homem.<br />
Os mares <strong>do</strong> Brasil ab.undão de
Do Brasil. i j<br />
peixes de toda a especie ; huns nadão<br />
na superficie das aguas; outros<br />
habitão ño fun<strong>do</strong>. Em nenhuma<br />
outra paragem se encontra maior<br />
diversidade delles. As baleias , os<br />
golfinhos ahi apparecem em grande<br />
numero. Junto aos famosos ca^<br />
chopos cios Abrolhos ss pesca huma<br />
qualidade de peixe simiHiante<br />
ao salmão, e que se chama garoupa.<br />
Os rios dão igualmente aos Brasileiros<br />
huma prodigiosa quantidade<br />
de peixes d' agua <strong>do</strong>ce , que pela<br />
maior parte offerecem huma nutrição<br />
tão sã , como deliciosa.<br />
Tal he o Brasil, com o qual a<br />
natureza parece ter prodigalisa<strong>do</strong><br />
seus thesouros. Nós descreveremos!<br />
mais particularmente no decurso<br />
desta obra cada huma de suas Provincias<br />
, as ilhas, que .lhe pertencem<br />
, suas cidades principaes , e<br />
daremos hum quadro completo deste<br />
vasto imperio tão pouco conheci<strong>do</strong>.<br />
Os usos , e costumes de seus
,0o Historia<br />
habitantes naturaes offerecem sobre<br />
tu<strong>do</strong> hum vivo interesse á vista<br />
observa<strong>do</strong>ra.<br />
O Brasil no tempo da sua descuberta<br />
era dividi<strong>do</strong> entre muitas<br />
nações , ou povoações différentes ,<br />
liumas embrenhadas pelos bosques,<br />
outras estabelecidas nas planícies<br />
nas margens <strong>do</strong>s rios, ou nas costas<br />
marítimas ; algumas sedentarias,<br />
e muitas outras errantes ; estas encontran<strong>do</strong><br />
na cassa , e na pescaria<br />
sua principal subsistência ; aquellas<br />
viven<strong>do</strong> mais que tu<strong>do</strong> das produc*<br />
ções da terra mais , ou menos cultivada<br />
; a maior parte sem communicações<br />
entre si , ou divididas por<br />
odios hereditários, e sempre armadas.<br />
Não ten<strong>do</strong> ainda a civilisação<br />
Europêa penetra<strong>do</strong> nos bosques »<br />
e montanhas <strong>do</strong> interior , o caracter<br />
primitivo destes povos ainda se<br />
conservão fielmente.<br />
Em quanto os índios fracos , e<br />
dóceis habitavão huma grande par*<br />
te da America meridional, selva-
Do Brasil. í2t)<br />
gens intrépi<strong>do</strong>s, e ferozes erravão<br />
no paiz , que nds descrevemos. A<br />
força corporea , e lium valor impassível<br />
são ainda hoje as primeiras<br />
, ou antes as únicas qualidades,<br />
de que se gloreião os naturaes <strong>do</strong><br />
Brasil.<br />
Na chegada <strong>do</strong>s invasores Eu*<br />
ropêos mais c!e cem nações Brasil<br />
leiras occupavão , ou disputa vão a<br />
immensa extensão comprehendida<br />
entre os <strong>do</strong>is rios , da Prata, e As<br />
mazonas ; porém muitas d'entre ella3<br />
não tem si<strong>do</strong> bem conhecidas : ten*<br />
<strong>do</strong> suas transmigrações successivas<br />
feito alguma confusão no testerai«*<br />
nho <strong>do</strong>s <strong>historia</strong><strong>do</strong>res , e <strong>do</strong>s viajantes<br />
, não daremos , se não os<br />
detalhes , que se tem acclara<strong>do</strong> melhor.<br />
,<br />
A grande raça <strong>do</strong>s Tapuyas i<br />
amais antiga <strong>do</strong> Brasil , tinha possuí<strong>do</strong><br />
, ao que parece, toda acosta<br />
desde o Amazonas até o rio da Prata<br />
; ou somente., segun<strong>do</strong> outros<br />
huma linha no interior , paralella<br />
á costa desde o rio de S. Francis^
fli40<br />
Historia<br />
co até Cãbotrio. Ella foi excluída<br />
desta posse pelos Tupis , raça ainda<br />
mais formidável, em huma época<br />
pouco remota ; pois que na chegada<br />
<strong>do</strong>s Europêos os selvagens se<br />
lembravão ainda deste accontecimento.<br />
Deste mo<strong>do</strong> os Tupis erão<br />
os senhores absolutos das costas<br />
maritimas, quan<strong>do</strong> Alvares Cabral<br />
descubrio o Brasil. Da palavra Tupan<br />
, que quer dizer trovão , e pai<br />
universal elles tinhão da<strong>do</strong> por huma<br />
vaidade barbara o nome á sua<br />
nação. Esta palavra encerrava toda<br />
a sua theogonía , porque elles<br />
não dirigião supplicas algumas ao<br />
Crea<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> , que não era<br />
para elles hum objecto nem de odio ,<br />
hem mesmo de temor. Esta grande<br />
raça continha deseseis tribus differentes<br />
, que não estan<strong>do</strong> unidas por<br />
laço algum/, e ten<strong>do</strong> nomes particulares<br />
, e feições distinctivas, formão<br />
outras tantas nações separadas.<br />
Entre os Tupis , com quem os<br />
Portuguezes tiverão mais frequentes<br />
relações, ou guerras, assigna-;
Do Brasil. 127 ^<br />
lavâo-se os Carijós , situa<strong>do</strong>s ao Sul<br />
de S. Vicente , e senhores então<br />
da ilha de Santa Catharina. Os Tamoyos<br />
, que habitavão os arre<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro , se estendião<br />
ao Sul para S.Vicente, e não reconhecião<br />
por allia<strong>do</strong>s, se não os<br />
TujÀnambás , seus visinhos, com<br />
quem elles se parecião em muitos<br />
de seus usos. Os Tupiniq uins possuhião<br />
o paiz de Porto Seguro , e<br />
a costa <strong>do</strong>s Ilheos desde o rio Cainaum<br />
até o rio Cricaré na extensão<br />
de perto cle cinco gráos: de to<strong>do</strong>s<br />
os selvagens cia raça <strong>do</strong>s Tupis<br />
erão elles os mais tractaveis, os<br />
mais fieis, e os mais bravos: os<br />
Tupinás , que erão seus visinhos ,<br />
tinhão huma especie de conformidade<br />
com elles. A Bahia , e todas<br />
as suas enseadas acabão de ser conquistadas<br />
pelos Tupiqambás , a<br />
maior , e a mais valente nação da<br />
raça <strong>do</strong>s Tupis. Os C a fie te s , tribu<br />
selvagem , e feroz , rinha em<br />
seu poder quasi toda a costa de<br />
Pernambuco , da qual os Tabaja-
Historia<br />
rás , cia mesma raça. que os Cahetés<br />
, porém mais ferozes, occupavão<br />
também liuma parte: em fim<br />
os Pitigáres , os mais cruéis da<br />
raça Tupica , possuhia o continente<br />
<strong>do</strong> Parahiba cio Norte entre este<br />
rio , e o Rio Giande; taes eráo<br />
as principaes tribus da raça <strong>do</strong>minante<br />
<strong>do</strong> Brasil.<br />
A antropopliagia reinava entre<br />
to<strong>do</strong>s estes selvagens, que devoravao<br />
emceretnonia comliurna alegria<br />
horrível seus prisioneiros de<br />
guerra ; mas to<strong>do</strong>s os Brasileiros<br />
não erão cannibaes; e era a raça <strong>do</strong>s<br />
Tupis , que parecia ter trazi<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
interior este uso homicida, que os<br />
Portuguezes acharão estabeleci<strong>do</strong><br />
em todas as partes da costa.<br />
O idioma <strong>do</strong>s Tupis era também<br />
ornais divulga<strong>do</strong> nella , posto<br />
que se fallassem até cento , e cincoenta<br />
linguas barbaras no Brasil:<br />
segun<strong>do</strong> se diz , lie hum dialecto<br />
<strong>do</strong> guaranis , olha<strong>do</strong> como huma<br />
língua mãi, cia qual se encontrão<br />
vestígios em huma extensão de setenta<br />
grãos.
Do Brasil. í2t)<br />
Antes de descrever a posição<br />
geografica , e de appresentar o numera<br />
mento das outras tribus Brasileiras<br />
as mais notáveis , vamos<br />
mostrar em hum quadro geral os<br />
traços principaes , que podem fazer<br />
conhecer os usos, e os hábitos<br />
guerreiros da raça selvagem ,<br />
que <strong>do</strong>minava no Brasil na chegada<br />
<strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res Portuguezes.<br />
Mais similhantes á brutos, que<br />
á homens , os Tupis não reconhecião<br />
divindade, alguma ; ao menos<br />
seus usos não indica vão coisa alguma<br />
, que annunciasse este sentimento<br />
consola<strong>do</strong>r quasi universalmente<br />
inspira<strong>do</strong> á especie humana:<br />
elles não parecião ter a menor noção<br />
da vida futura. Na sua linguagem<br />
nenhuma palavra exprimia o<br />
nome de Deos , nem a idéa , que<br />
se forma <strong>do</strong> Soberano <strong>do</strong> universo.<br />
Os signaes de admiração , e cle respeito<br />
, que elles dirigem ao sol,<br />
á lua, ao trovão , não tem caracter<br />
algum de culto ; e occasiona<strong>do</strong>s<br />
somente pela admiração, ou pelo
fli40<br />
Historia<br />
espanto . não se elevão , a meu ver,<br />
ácima <strong>do</strong>s objectos crea<strong>do</strong>s. Mas<br />
os sonhos, as sombras , o pezadello<br />
, e o delirio tinhão produzi<strong>do</strong><br />
superstições , que os a evinhos ,<br />
ou payés fizerão ter credito entre<br />
os Tupis. Os payés , ao mesmo<br />
tempo charlatães, e sacer<strong>do</strong>tes , affirmavão<br />
a existencia de lntm espirito<br />
malfeitor , cuja perigosa influencia<br />
elles se lisongeavão de impedir<br />
; por tanto erão consulta<strong>do</strong>s<br />
nas enfermidades, nos casos cie importancia<br />
, e sobre tu<strong>do</strong> para a<br />
guerra , e para a paz. A. grosseira<br />
credulidade , que estes impostores,<br />
obtém por movimento , e gesticulações<br />
, paredão indicar , que aquel-<br />
Ies , que os interrogao , os suppóe<br />
em relação com as intelligencias<br />
invisíveis , e á cima da humanidade.<br />
Os Ti'pis attribuem com effeito<br />
nos seus adevinhos não só opoder<br />
de fazer as terras ferteis »<br />
mas também o de inspirar aos guerreiros<br />
a força , e a coragem, que<br />
elles tanto aprecião.
Do Brasil. í2t)<br />
Cada hum payé vive só em huma<br />
cabana sombria, onde nenhum<br />
selvagem ousa entrar: ahi se lhe<br />
leva tu<strong>do</strong> o que elle pede ; e tal<br />
he o seu império sobre os ânimos,<br />
que se elle prediz a morte daquelle<br />
, que o ousa offender , o desgraça<strong>do</strong><br />
, feito o objecto desta fatal<br />
predicção , poe-se immediatamente<br />
na sua rede , e espera o seu damno<br />
com tanta resignação, que nem<br />
come , nem bebe , e realisa assim<br />
o anathema.<br />
To<strong>do</strong>s estes povos dão liuma<br />
côr vermelha na pelle , excepto<br />
no semblante; ajuntão â esta tinta<br />
geral algumas mesclas de còres<br />
em muitas partes <strong>do</strong> corpo , e mettem<br />
n* hum buraco, que fazem no<br />
beiço inferior , liuma especie de<br />
jaspe verde , que os faz deformes.<br />
As mulheres não furão o beiço ,<br />
porém os grandes furos , que ellas<br />
tem nas orelhas , sustentão hum<br />
enfio de pequenos ossos brancos ,<br />
e de pedras de côr , que pendem<br />
sobre as espaduas. Os homens ras-
Historia<br />
pão cuida<strong>do</strong>samente todas as partes<br />
<strong>do</strong> corpo: elles considerão como<br />
o principal caracter da formosura<br />
o ter o nariz chato ; assim o<br />
principal cuida<strong>do</strong> de hum pai he<br />
dar e- c ta fôrma ao nariz de seu filho.<br />
Nas suas guerras , ou nas suas<br />
festas elles applicão por meio de<br />
hum a untura de gomma , ou de<br />
mel selvagem pennas verdes, vermelhas<br />
, e amarellas á testa, ás<br />
faces , e aos braços. As pennas<br />
são tecidas com muita arte : cobrem<br />
também com ellas suas maças. Os<br />
chefes se distinguem por hum grande<br />
collar de embrecha<strong>do</strong>.<br />
Estes Brasileiros tem muitas mulheres<br />
, que tomão , e deixão com<br />
a mesma facilidade: a única condição<br />
<strong>do</strong> casamento he , quanto ao<br />
homem , ter apr.siona<strong>do</strong> , ou morto<br />
algum inimigo; quanto á mulher ,<br />
ter ti<strong>do</strong> os primeiros signaes <strong>do</strong>esta<strong>do</strong><br />
conjugal. Antes de se casarem •<br />
as raparigas se entregão sem pejo<br />
aos homens livres : seus pais mesmo<br />
as entregão ao primeiro ,
Do Brasil. í2t)<br />
chega ; de sorte que não he pouco ,<br />
que a ceremonia <strong>do</strong> casamento<br />
que consiste em simplices promesl<br />
sas, a -ache no seu esta<strong>do</strong> de virgindade<br />
: mas huma vez ligadas<br />
pelos laços <strong>do</strong> hymenêo , são fieis<br />
á seus mari<strong>do</strong>s; e o adulterio he<br />
horroroso entre os Brasileiros. As<br />
mulheres se tornão escravas, seguem<br />
seus mari<strong>do</strong>s á guerra, e<br />
carregão os far<strong>do</strong>s , e provisões.<br />
Mais, ou menos reunidas , as<br />
povoações destes Brasileiros varião<br />
de forma, e de tamanho. De ordinario<br />
são choças, ou cabanas, distribuidas<br />
em povoações, chamadas<br />
o Ideias. Os povos mais avança<strong>do</strong>s<br />
em civilisação construem e elevão<br />
muros de barrotes , cujos intervallos<br />
são cheios de terra.<br />
A principal occnpação das mulheres<br />
he fiar algodão para fazerem<br />
redes , e cordas. Elias fazem também<br />
vasos de barro , qne servem<br />
para diversos usos , e principalmente<br />
para guardar bebidas, e ali-
fli40 Historia<br />
A raiz da mandioca he adiaria<br />
nutrição destes selvagens , á qual<br />
elles ajuntão outras raizes , que<br />
móem , ou reduzem á pó , para fazerem<br />
delia bebidas , ou alimentos ,<br />
que tem mais, ou menos consistência.<br />
A cassa , e a pescaria supprem<br />
o resto das suas necessidades. Elles<br />
se abstém em geral da bebida , quan<strong>do</strong><br />
comem , e da comida , quan<strong>do</strong><br />
bebem; especie de habito commum<br />
á quasi to<strong>do</strong>s os povos da America.<br />
Menos sujeitos ás enfermidades,<br />
e ás <strong>do</strong>enças , <strong>do</strong> que as nações<br />
consummidas pela civilisação , e pelo<br />
luxo , elles não prescrevem ás<br />
suas <strong>do</strong>enças , se não huma dieta<br />
absoluta , e alguns simplices de seus<br />
matos, ou de seus montes. Se a<br />
<strong>do</strong>ença se torna incurável, quebrão<br />
a cabeça ao enfermo ; porque seguem<br />
esta maxima , que he melhor<br />
morrer de hum só golpe , <strong>do</strong> que<br />
soífrei por muito tempo para morrer<br />
ao depois.<br />
Seus funeraes se celebião com-
Do Brasil. í2t)<br />
prantos , e com cantos lugrubes ,<br />
que ordinariamente contém o elogio<br />
<strong>do</strong> morto. Se este he algum<br />
chefe de família , enterão-se com<br />
elle suas armas, pennas , e collares<br />
; e lie este o único signal, pelo<br />
qual se poderia suspeitar , que,<br />
a idéa da outra vida. não lhes he<br />
absolutamente estranha. Enterrão<br />
os mortos em pé; erigem algumas<br />
vezes sobre a cova, como em signal<br />
de huma distincção honrosa,<br />
pedras cubertas cle huma certa planta<br />
, que se conserva muito tempo<br />
secca; e não se chegão á estes monumentos<br />
fúnebres, sem darem gritos<br />
, e derramarem lagrimas.<br />
Elles no geral não tem Reis ,<br />
nem Principes; a única superioridade<br />
, que elles reconhecem , he a<br />
<strong>do</strong>s seus anciãos , ou velhos directores,<br />
que são principalmente encarrega<strong>do</strong>s<br />
, quan<strong>do</strong> se prepara a<br />
guerra , de excitar com seus discursos<br />
os moços á pegarem em armas.<br />
Dão o nome de Carbets aos<br />
seus concelhos: nelles nacla de im-<br />
Tom. /. H
fli40 Historia<br />
portante se decide , se não pe!a<br />
unanimidade de votos.<br />
O homicídio he o único crime,<br />
que elles punem. Os pais <strong>do</strong> mata<strong>do</strong>r<br />
o entregão aos <strong>do</strong> morto , que<br />
affogão ao criminoso , e o enterrão.<br />
Fuma reconciliação prompta , e<br />
sincera entre as duas famílias segue-se<br />
de ordinário á esta especie<br />
de reparação , ou de represália *<br />
sen<strong>do</strong> nisso bem differeUtes das nações<br />
cultas da Europa , entre as<br />
quaes os odios das íamilias são algumas<br />
vezes hereditários.<br />
Sem outras leis , que os seus<br />
lisos , e seguin<strong>do</strong> quasi sempre o<br />
dictame da natureza , os Brasileiros<br />
possuem com tu<strong>do</strong> algumas virtudes<br />
sociaes , e <strong>do</strong>mesticas. Exercitão<br />
, e respeitão a hospitalidade ;<br />
•vivem pacificamente entre si ; não<br />
aban<strong>do</strong>não Ifuns aos outros nas suas<br />
enfermidades, como fazem muitos<br />
povos da America , e são fieis á<br />
seus allia<strong>do</strong>s.<br />
f Mostrão em geral esta inclinação<br />
á in<strong>do</strong>lência , e á ociosidade »
Do Brasil. í2t)<br />
que caracterisão os selvagens meri*'<br />
dionaes; e sém esta relação seu genero<br />
de vida ern tempo de paz pareceria<br />
anntinciar inclinações suaves<br />
, e apathicas. Tal he a sua in-<br />
- <strong>do</strong>lencia , que muitas vezes <strong>do</strong>rmem<br />
Vinte e quatro horas successivas ;<br />
mas passan<strong>do</strong> de hum á outro extremo<br />
, entregão-se apaixonadamente<br />
á dança , e aos exercícios violentos.<br />
He sobre tu<strong>do</strong> nos combates ,<br />
que elles manifestão sua activa , e<br />
horrivel ferocidade: então he que<br />
o refinamento de crueldade se transforma<br />
em huma especie de virtude<br />
guerreira. Elles excitão , e entretem<br />
esta disposição , quer em seus<br />
hábitos diarios , quer mesmo em<br />
seus banquetes , onde cuida<strong>do</strong>sos'<br />
de desviar qualquer outra idéa ,<br />
conversão com calor á respeito de<br />
seus projectos contra os inimigos,<br />
e principalmente sobre o prazer ,<br />
que elles esperão em os engordar<br />
para os matar , e devoral-os ao depois.<br />
H a
Historia<br />
Raras vezes a guerra entre elles<br />
tem outro motivo'além cia vingança<br />
; e por isso mesmo muitas vezes<br />
não será íacil determinar a causa<br />
cias primeiras aggressões. A arma<br />
principal <strong>do</strong>s Brasileiros he huma<br />
massa . que elles chamão tacapa ,<br />
feita da mais dura madeira , muito<br />
pesada , re<strong>do</strong>nda na ponta, cortante<br />
pelos <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s. Seu comprimento<br />
he de seis pés com hiVm de largura<br />
na extremidade , e a grossura<br />
he de huma poiíegada. Elles tem<br />
arcos, feitos igualmente de madeira<br />
muito dura, ciue chamão visapariba.<br />
As cordas destes são de<br />
algodão fia<strong>do</strong> , e as fiexas são de<br />
canna selvagem, armadas de fortes<br />
espinhas, ou dentes de peixes. Servem-se<br />
delias com huma destreza<br />
singular , e jamais deixão de acertar<br />
em huifta ave voan<strong>do</strong>. Huma<br />
espécie de corneta , que elles charão<br />
imbia, e flautas , ordinariamente<br />
formadas <strong>do</strong>s ossos das pernas<br />
das suas victimas, são seus instrumentos<br />
de musica.
Do Brasil. í2t)<br />
Apenas he da<strong>do</strong> o signal da partida<br />
pelos seus anciãos , quan<strong>do</strong><br />
to<strong>do</strong>s, os guerreiros era numero de<br />
cinco , ou seis mil põem-se em marcha<br />
, exciran<strong>do</strong>-se por expressões as<br />
mais enérgicas de vingança , e de<br />
odio. Batem nas mãos, e dão grandes<br />
golpes sobre as espa<strong>do</strong>as, e<br />
prornettem não poupar suas vidas.<br />
Se em algumas expedições elles se<br />
embarcão , suas canoas , que não<br />
são feitas, se não de cascas de arvores<br />
, não lhes permittem alongarem-se<br />
muito cla costa.<br />
Chega<strong>do</strong>s ao paiz , que elles<br />
querem assolar , occultao-se com<br />
cuida<strong>do</strong> ; porque muito poucas vezes<br />
attacão á força descuberta : esperão<br />
ao depois a noite para penetrarem<br />
até as habitações", que surprendem<br />
, e cercão , para lançarlhes<br />
fogo : ao depois, 'aproveitan<strong>do</strong>-se<br />
da primeira confusão , comettem<br />
toda a especie de crueldades.<br />
Seu principal objecto he com tu<strong>do</strong><br />
fazerem prisioneiros, sem os quaes<br />
sua vingança se não satisfaria.
5x8 Historia<br />
i • '<br />
Quan<strong>do</strong> se vêm obriga<strong>do</strong>s a combater<br />
em campo descuberto , ajun<<br />
tão-se , formão huma especie de<br />
batalhão , marchão apressadds, e<br />
em cadencia , e algumas vezes suspendem<br />
a marcha , para ouvirem<br />
falias muito arrebatadas, que durão<br />
horas inteiras. O ar<strong>do</strong>r de combater<br />
torna-se logo em hum furor<br />
cem medida. Os <strong>do</strong>is parti<strong>do</strong>s pro-j<br />
curão-se , dan<strong>do</strong> gritos horren<strong>do</strong>s ,<br />
e uivos espantosos. Tocão suas coi -<br />
jiêtas , estendem os braços, ameação-se<br />
, insultão-se reciprocamente ,<br />
mostran<strong>do</strong> huns aos outros os ossos<br />
<strong>do</strong>s prisioneiros, que elles tem devora<strong>do</strong>.<br />
Chegan<strong>do</strong> á duzentos, ou<br />
trezentos passos em distancia huns<br />
<strong>do</strong>s outros attacão-se logo com fortes<br />
tiros de íiexa. As pennas cie<br />
que se tem cuberto , as que de suas<br />
flexas saltão, das fileiras, espalhão<br />
com os raios <strong>do</strong> sol hum tal brilhantismo<br />
pela variedade das cores<br />
, que seria difficil formar-se a<br />
idéa de hum tão espantoso espectáculo.<br />
Os guerreiros íeri<strong>do</strong>s das
Do Brasil. í2t)<br />
flexas arrancão-nas cia carne, quebrão-nas<br />
, e as mcrclem com raiva,<br />
e á medida da força , que lhes resta<br />
, continuão a combater sem recuar<br />
, nem voltar as costas hum sç><br />
momento. No calor da batalha elles<br />
se servem cle suas massas, com que<br />
dão golpes terríveis, e quasi sem»,<br />
pre mortaes.<br />
Logo que se decide a sorte <strong>do</strong><br />
combate , os vence<strong>do</strong>res atão os prisioneiros<br />
com cordas , mostran<strong>do</strong>»<br />
lhes os dentes , e moven<strong>do</strong> suas<br />
massas , para que elles não duvidem<br />
da sorte , que lhes he reserva»<br />
da: mettem-nos ao depois no meio ,<br />
e com esta preza entrão triumfau»<br />
tes nas suas aldeias. Tractão-nos<br />
logo com huma bondade apparente<br />
, limitan<strong>do</strong> seu cativeiro unicamente<br />
ás precauções necessárias ,<br />
para que elles não possão fugir:<br />
até lhes dão mulheres , e cuidão<br />
mais que tu<strong>do</strong> em os engordar bem.<br />
Quan<strong>do</strong> os vêm no esta<strong>do</strong> de gordura<br />
, que desejão , determinão 0<br />
dia da sua morte. As mulheres pre-
fli40<br />
Historia<br />
parão os vasos de barro , fazem o<br />
licor para a festa, e entranção a<br />
mussurana , ou corda comprida<br />
de algodão, que deve atar a victima.<br />
Os principaes chefes corn o<br />
corpo cuberto de gomma , e orna<strong>do</strong><br />
de pennas pequenas arranjadas com<br />
arte , segun<strong>do</strong> suas côres; enfeitão<br />
também com as plumas das pennas<br />
a livarapema , ou massa , que ha de<br />
servir para matar o prisioneiro. To<strong>do</strong>s<br />
os*índios da aldêa convida<strong>do</strong>s<br />
para a ceremonia passão <strong>do</strong>is dias<br />
inteiros em dançar , e beber com o<br />
captivo mesmo , que parece não<br />
fazer outro papel , se não o de<br />
convida<strong>do</strong> ; e posto que certo da<br />
sorte , que o espera , affecta distinguir-se<br />
pela sua alegria. As mulheres<br />
selvagens trazem a mussurana ,<br />
lanção-na á seus pés , e a mais velha<br />
d' entre£ ellas começa a canção<br />
de morte , em quanto os homens<br />
dão o nó no pescoço <strong>do</strong> prisioneiro.<br />
A canção he alludida á esta acção<br />
de atar a corda. „ Somos nós (can-<br />
,, tão as mulheres selvagens) que
Do Brasil. í2t)<br />
;; temos a ave preza pelo pesco-<br />
,, ço : ,, e e carnecen<strong>do</strong> <strong>do</strong> captivo ,<br />
que não pode escapar-lhes: ,, Se<br />
tu (accrescentão ellas) fôras hum<br />
papagaio , rouban<strong>do</strong> os nossos<br />
„ campos , tu terias voa<strong>do</strong>. „ Então<br />
muitos selvagens pegan<strong>do</strong> pelas<br />
pontas da mussurcina atão o captivo<br />
pela cintura, e neste esta<strong>do</strong><br />
o fazem passear como em Criumfo.<br />
Elie com as mãos soltas não dá o<br />
menor signal de abatimento , ou de<br />
me<strong>do</strong>: ao contrario olha com fereza<br />
para to<strong>do</strong>s aquelles , que correm<br />
a vêl-o passar; falia-lhes, lembra<br />
as façanhas contra elles practicadas<br />
, dizen<strong>do</strong> á hum , que matou<br />
seu pai, á outro , que devorou seu<br />
filho. Recommendão-lhe então , que<br />
dirija os olhos ao sol ; porque não<br />
o ha de ver mais: e he atea<strong>do</strong> logo<br />
diante delle o fogosobre que<br />
bem depressa os seus membros hão<br />
rie ser estendi<strong>do</strong>s. Chegada a hora ,<br />
huma mulher traz dançan<strong>do</strong> , e<br />
cantan<strong>do</strong> a lívarapema , ao re<strong>do</strong>r<br />
da qual se dançou , e cantou de-
fli40 Historia<br />
pois de ter amanheci<strong>do</strong>. O executor<br />
apparece então com quatorze , ou<br />
quinze de «eus amigos, orna<strong>do</strong>s para<br />
a ceremonia com gommas , e<br />
pennas. O que tem a massa , a ofierece<br />
á personagem principal da<br />
festa: nias o chefe da tribü , depois<br />
de a ter toma<strong>do</strong> , a passa muitas<br />
vezes por entre as pernas com<br />
grandes gestos <strong>do</strong> costume, e a<br />
dá ao executor , que avançan<strong>do</strong> com<br />
seus amigos, declara ao captivo,<br />
que se lhe dá, antes que morra,<br />
a faculdade de se poder vingar por<br />
si mesmo. O captivo entra então<br />
em furor , apanha pedras , e as<br />
arremeça contra tu<strong>do</strong> , que o cerca:<br />
mas logo caminha para elle com<br />
a massa na mão , e prepara<strong>do</strong> com<br />
suas mais bellas pennas , aquelle ,<br />
que o deve immolar. Hum enfa<strong>do</strong>nho<br />
dialogo, se fôrma entre elles. O<br />
sacrifica<strong>do</strong>r, como vinga<strong>do</strong>r de seus<br />
companheiros, pergunta ao captivo,<br />
senão he verdade , que elle tem<br />
da<strong>do</strong> á morte, e devora<strong>do</strong> a muitos<br />
prisioneiros da sua tribu: estç
Dg Brasil. í^â<br />
gloreia-se de fazer huma prompta<br />
confissão , ainda acompanhada cie<br />
ameaças. " Dá-rpe a liberdade (diz<br />
,, elle) e devorarei a ti , e aos teus.<br />
'„ — Está bem (replica o outro) nós<br />
„ te previniremos. Eu te vou ma-<br />
„ tar; porque tu , e teu povo tens<br />
„ morto , e cleyora<strong>do</strong> muitos de<br />
„ meus irmãos; e tu o serás hoje<br />
,, mesmo. „ O çaptiv.o responde :<br />
„ Esta lxe a sorte da vicia: mas<br />
j, meus amigos são numerosos , e<br />
,, me vingarão. „ Ergue-se logo<br />
a massa ; e o cannibal Brasileiro ,<br />
menos cruel, que os cannibaes <strong>do</strong><br />
Norte da America , quebra com<br />
huma só pancada o cerebro da sua<br />
victima. As mulheres lanção-se -ao<br />
depois ao cadaver , despedação-no<br />
com pedras cortantes , e esíregão<br />
os filhos com o sangue. As mais<br />
velhas limpão as entranhas, que<br />
são assadas , e comidas no campo ,<br />
bem como as diversas partes <strong>do</strong> corr<br />
po. Durante este abominavel festim<br />
os veliios exbortão os moços a<br />
procurarem outros similhantes por
fli40<br />
Historia<br />
suas emprezas guerreiras; e não se<br />
sabe , o que em toda esta horrível<br />
festa deve causar maior admiração ,<br />
se a engenhosa barbaridade cios<br />
algozes, ou se a coragem exaltada<br />
das victimas.<br />
Estes Brasileiros , apezar da espantosa<br />
inclinação , que os obriga<br />
a nutrirem-se de carne humana tão<br />
deliciosamente, não devorão , se<br />
não os prisioneiros , e seguin<strong>do</strong> sempre<br />
a especie de ceremonial , que<br />
acabamos de descrever. Não se tem<br />
visto , que elles devorem os mortos<br />
no campo da batalha.<br />
O uso commum clelles he amontoarem<br />
nas suas aldeias as cabeças<br />
<strong>do</strong>s prisioneiros , que forão devora<strong>do</strong>s,<br />
e mostrar com orgulho aos<br />
estrangeiros estes monumentos de<br />
suas façanhas , e de sua vingança.<br />
Recolhem com o mesmo cuida<strong>do</strong> os<br />
ossos mais grossos das co.vas, e <strong>do</strong>s<br />
braços, para fazerem flautas, como<br />
já dissemos , e principalmente<br />
os dentes, que enfião em forma de<br />
rosários, e pendurão ao pescoço.
Do Brasil. í2t)<br />
Elles geralmente meclem a sua<br />
gloria pelo numero <strong>do</strong>s prisioneiros<br />
, que tem feito ; e tem hum<br />
grande cuida<strong>do</strong> no dia mesmo , em<br />
que ganhão alguma vantagem na<br />
guerra , de fixar a memoria por<br />
differentes incisões de formas diversas<br />
, de que elles cobrem os braços ,<br />
as coxas , o peito , e outras partes<br />
<strong>do</strong> corpo.<br />
Taes são as acções as mais gefaes<br />
, que caracterisão a raça Brasileira<br />
<strong>do</strong>s Tupis. Os costumes destes<br />
povos se assemelhão em muitas<br />
coisas aos de outras nações selvagens<br />
<strong>do</strong> Brasil, mas todavia coin<br />
differenças assas notáveis.<br />
Os Guay anafes , e os Guayjacarés<br />
, que possuião as planícies<br />
<strong>do</strong> Piratininga , e as circumvisinhanças<br />
de S. Vicente, differião<br />
essencialmente das tribus <strong>do</strong>s Tupis<br />
em não serem antropophagos.<br />
Perto de oito léguas em distancia<br />
ria Bahia habilão no interior<br />
os Maraqués , qufe andão nús; porém<br />
as mulheres trazem huma es-
ílistoria<br />
pecie de avental: elles pescãó com<br />
redes, uso ignora<strong>do</strong> pelos Tupis:<br />
formaváo as redes de huma casca<br />
de arvore comprida , e flexível , dá<br />
qual parte se mettia n'agua , em<br />
quanto a outra parte se tirava. Os<br />
Maraqués conheciSó também o uso<br />
de cavar a terra com encliada , de<br />
fazer ferver as cinzas , e de tirar<br />
delias os saes crystalisa<strong>do</strong>s.<br />
Nas regiões centraês , e junto<br />
ás margens <strong>do</strong> Syputaba , que desagua<br />
no Parac/uay , encontra-se<br />
a nação Brasileira <strong>do</strong>s Barba<strong>do</strong>s ,<br />
assim chama<strong>do</strong>s pela grande barba ,<br />
que os distingue tão particularmente<br />
<strong>do</strong>s outros povos Indiaticos.<br />
As costas de Porto Seguro , e<br />
das Capitanias vizinhas tinhão si<strong>do</strong><br />
possuídas pelos Papana r /res , que<br />
ácabaváo dé ser affugenta<strong>do</strong>s pelos<br />
Goytaca^es, e Tupiniquitís depois<br />
de longas guerras. Com tu<strong>do</strong><br />
a linguagem <strong>do</strong>? Papanaqes era<br />
apenas entendida de seus inimigos<br />
naturaes. Elles erão cassa<strong>do</strong>res, e
Do Brasil. í2t)<br />
pesca<strong>do</strong>res, e <strong>do</strong>rmião na terra<br />
Sobre folhas.<br />
Bani<strong>do</strong>s para o Norte <strong>do</strong> Brasil<br />
, de que tiuhão si<strong>do</strong> tanto tempo<br />
os <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res, os Tapuyas se<br />
distinguião <strong>do</strong>s outros indígenas<br />
por huma estatura alta , cabelítiS<br />
negros, e compri<strong>do</strong>s , pela côr <strong>do</strong><br />
rosto morena escura , e por huma<br />
força prodigiosa. Seu nome significa<br />
os inimigos : são assim chama<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da guerra actual ,<br />
em que estavão contra to<strong>do</strong>s os naturaes<br />
, e uiísmo entre si. De to<strong>do</strong>s<br />
os Brasileiros são estes os menos<br />
cruéis; porque não dão á morte a<br />
algum <strong>do</strong>s seus prisioneiros. São<br />
com tu<strong>do</strong> canilibaes ; porém em lugar<br />
de devorar seus inimigos , por<br />
hum sentimento irresistível de odio ,<br />
como os Tupis , elles devorão seus<br />
proprios mortos, como huma derradeira<br />
prova de affeição. Logo que<br />
hum filho morre , lie comi<strong>do</strong> por<br />
seus pais; e se lie adulto , a família<br />
inteira toma pWe no festim.<br />
Bem como os Árabes , os Tapuyas
Historia<br />
passão huma vida vagabunda ; mai<br />
com esta differença , que elles se<br />
conservão em limites particulares ,<br />
e não mudão de habitações , se não<br />
seguin<strong>do</strong> as différentes estações<br />
<strong>do</strong> anno. Os cabellos corta<strong>do</strong>s<br />
em forma de coròa , e o comprimento<br />
excessivo da unha <strong>do</strong> de<strong>do</strong><br />
pollegar são os únicos signaes distinctivos<br />
de seus chefes, ou Caci-<br />
(jnés , que trazem também huma<br />
especie de manto teci<strong>do</strong> de algodão :<br />
lie trabalha<strong>do</strong> , como huma rede.,<br />
orna<strong>do</strong> de pennas de différentes<br />
espécies de aves ; ajuntão-lhe hum<br />
capuz para cobrirem a cabeça. Mas<br />
este vestuário de ostentação não<br />
serve , se não nos dias de festas<br />
publicas.<br />
Na chegada <strong>do</strong>,s Portuguezes os<br />
Tapuyas tinhão forma<strong>do</strong> seus principaes<br />
estabelecimentos , como os<br />
Tabajarás , na Serra de Ibiapaba.<br />
Contão-se entre esta raça de Brasileiros<br />
perto de setenta e seis povoações<br />
, todas., guerreiras, iodas<br />
distinguidas por nomes différentes ,
Do Brasil. í2t)<br />
e quasi todas espalhadas para ó<br />
Paraíba <strong>do</strong> Norte, o Seará , e o<br />
Rio Grande. Neste numero secomprehendem<br />
os Guayaq que envenenão<br />
suas flexas; os Jaboros - Apuyarés,<br />
sempre errantes, e que<br />
não tem por armas , se não bordões<br />
queima<strong>do</strong>s nas duas pontas ;<br />
os Palies , que se vestem de lmma<br />
túnica de linho eanhamo sem mangas<br />
, e íallão huma lingua partiam<br />
lar ; os Cuxaras , que habitão as<br />
vastas planicies <strong>do</strong> interior ; os<br />
Mandevés e os ¿Vaporás , que<br />
exercitão a agricultura. Até as costas<br />
maritimas, e perto da Bahia<br />
de to<strong>do</strong>s os Santos se encontrão ao<br />
depois os Guigvõs, que tem também<br />
seu idioma proprio ; e os Aratnitos<br />
, que habitão nas cavernas ;<br />
os Cancaire's , cujas mulheres tem<br />
os peitos pendentes até as coxas ,<br />
e vêm-se precisadas a atai-os guan<strong>do</strong><br />
correm. No meio de to<strong>do</strong>s estes<br />
antrõpophagos os Campehós são<br />
quasi os únicos ,M£lue não comem<br />
carne humana; maVelles cortão a<br />
Tom. I. I
fli40 Historia<br />
cabeça á seus inimigos, e trazemna<br />
atada á cintura. Distingue-se<br />
também na nação <strong>do</strong>s Tapuyas os<br />
Aquigiros , que por huma excepção<br />
notável são verdadeiros pigmêos<br />
; também os Europêos lhes<br />
tem da<strong>do</strong> este nome: elles não são<br />
com tu<strong>do</strong> nem menos valorosos,<br />
nem menos robustos. Os Mariquitas<br />
, que cobrião huma parte da<br />
costa entre a Bahia, e Pernambuco<br />
, e vivião nos bosques. De ordinário<br />
atacão seus inimigos á força<br />
descuberta: mas empregão tamjbem<br />
a astúcia com hum successo,<br />
que lhes assegurão a agilidade; e<br />
destreza , de que são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s. Suas<br />
mulheres , de huma figura muito<br />
agradavel, tem parte nas suas disposições<br />
guerreiras. Os Mar gaiatas<br />
, situa<strong>do</strong>s entre o Espirito Santo<br />
, e o Rio de Janeiro, procuião<br />
o ar livre , fogem <strong>do</strong>s bosques, e<br />
não procurão suas cabanas, se não<br />
para <strong>do</strong>rmirem. Senhores <strong>do</strong> interior<br />
das terras eltre a Bahia, e o<br />
Rio Doce , os Â'y mares são de to-
Do Brasil. í2t)<br />
cios os -indígenas os mais selvagens<br />
, e os mais ferozes. Elles ,<br />
bem como os seus allia<strong>do</strong>s os Igicjracufos<br />
, causão hum grande terror<br />
pelo arrni<strong>do</strong> extraordinario ,<br />
que fazem , baten<strong>do</strong> huns contra<br />
os outros em bordões de madeira<br />
sonora. Taes são as principaes diversidades<br />
da grande nação <strong>do</strong>s Tapuyas.<br />
Os Ovaitanhassés habitão os<br />
arre<strong>do</strong>res de Cabofrio entre o Rio<br />
de Janeiro , e Paraíba <strong>do</strong> Sul: são<br />
de estatura alta; deixão crescer os<br />
cabellos , e não tem por camas redes<br />
de algodão , como os outros<br />
povos; deitão-se na terra sobre hum<br />
pouco de linho caiihamo. Os maiores<br />
inimigos <strong>do</strong>s Ovaitanhassés<br />
erão seus visinhos os Outacaqes *<br />
ou Goytaca^es , que se estendem<br />
desde a planicie , á que dão o nome<br />
, ao longo da riba srptemtrional<br />
<strong>do</strong> Paraiba cio Sul até a margem<br />
meridional <strong>do</strong> rio Xipotó nas<br />
circumvisinhançasKde Villa-Rica.<br />
Elles não clevorão seus prisionei-<br />
I £
fli40 Historia<br />
ros; e mais bravos, que os outros<br />
Brasileiros > elles batião seus inimigos<br />
em campo descuberto. Esta<br />
nação, que cubria hum paiz de<br />
perto de duzentas leguas, era inimiga<br />
implacavel das outras povoações<br />
Brasileiras. Não podia suppor-<br />
«ar a idéa de captiveiro , nem tem<br />
si<strong>do</strong> jamais subjugada ; e conserva<br />
ainda presentemente sua independencia<br />
em hum territorio menos extenso.<br />
Quan<strong>do</strong> não se julgavão os<br />
mais fortes , fugião com a ligeireza<br />
de cervos. Tu<strong>do</strong> , o que possuem ,<br />
ile commum: vivem em huma especie<br />
de igualdade: distinguem-se<br />
pelo reconhecimento , fidelidade, e<br />
união , que prestão hnns aos outros.<br />
Seu cabello esparzi<strong>do</strong> , seu<br />
olhar feroz , sua porcaria asquerosa<br />
os fazem a nação a mais deforme<br />
<strong>do</strong> LfniVerso.<br />
Os Onayanarés habitão a Ilha<br />
Grande á desoito leguas da barra<br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro. Elles tem a barriga<br />
grande estatura pequena ,<br />
são fracos , c frouxos , e por isso
Do Brasil. 133 ^<br />
mesmo formão como huma naçã
í'34 • Historia<br />
íeóes, e aos leopar<strong>do</strong>s, que no antigo<br />
continente espallião o terror<br />
nos vastos bosques da Africa , e da<br />
Asia.<br />
Os Molopaques occupão hum<br />
muito vasto continente além <strong>do</strong> rio<br />
Paraiba <strong>do</strong> Sul. Elles se distinguem<br />
<strong>do</strong>s outros Brasileiros por-costumes<br />
mais humanos, posto que não tenhão<br />
renuncia<strong>do</strong> nem á guerra,<br />
nem aos abomináveis festins , que<br />
se lhe seguem. Tem grandes aldeias,<br />
aio recinto das quaes cada família<br />
habita em liuma cabana separada.<br />
Suas terras contém minas de oiro,<br />
que elles não tem jamais ti<strong>do</strong> nem<br />
vontade , nem meios de cultivar ;<br />
mas apanlião , depois que chove ,<br />
folhetas d'oiro, que achão nas torrentes<br />
, e nos ribeiros, principalmente<br />
junto ás montanhas. Deixão<br />
crescer as barbas : cobrem decentemente<br />
o corpo , para que nada<br />
offenda a modéstia nos seus usos.<br />
Não são polygamos , posto que suas<br />
mulheres sejão^llas. Seu chefe ,<br />
que elles chta&o Morotova , he o
Do Brasil. í2t)<br />
niiico , que gosa exclusivamentaV<br />
<strong>do</strong> privilegio de ter mais de huma<br />
mulher. Não comem senão em horas<br />
determinadas; e parecem ser<br />
de entre es outros povos <strong>do</strong> Brasil<br />
os menos aparta<strong>do</strong>s da civilisação<br />
Europêa.<br />
Mais longe encontrão-se os Lápis<br />
, montanhezes, que se nutrem<br />
de fructos. Esta nação lie numerosa<br />
, feroz , de hum accesso difficil;<br />
e seu paiz abunda em metaes,<br />
e pedras preciosas.<br />
Os Curumarés habitão huma<br />
ilha de Araguaya. Elles chamSo o<br />
Ente Supremo Aunim , e pronuncião<br />
esta palavra com respeito. Os<br />
G negues , Timbirás , Jeicós , e<br />
Aucapuras habitão o vasto paiz<br />
<strong>do</strong> Piaithy para a parte <strong>do</strong> Maranhão.<br />
Os Guamarés , Arahís , e<br />
Caica7.es avisinhão-se < ao Amazonas.<br />
Na outra extremidade meridional<br />
<strong>do</strong> Brasil perto de Matto Grosso<br />
liabitão os Guacures , que são provavelmente<br />
da r^jma raça <strong>do</strong>s<br />
Guaycurts <strong>do</strong> Faragüay. Em fini
fli40 Historia<br />
«aos vinte e quatro gráos de-latitude<br />
austral entre o Rio Grande de<br />
S. Pedro , e S; Vicente está o paiz<br />
<strong>do</strong>s Carijós , os mais humanos cie<br />
to<strong>do</strong>s os selvagens <strong>do</strong> continente<br />
occidental, e os que a civilisação<br />
Europea achou mais accessiveis.<br />
Converti<strong>do</strong>s facilmente á Fé Catholica<br />
, fizerão-se auxiliares úteis aos<br />
Portugueses contra outras muitas<br />
nações <strong>do</strong>s índios , que estes conquista<strong>do</strong>res<br />
tiverão de combater ,<br />
e subjugar.<br />
Aqui se termina , o que temos<br />
colhi<strong>do</strong> de mais averigua<strong>do</strong> á res*<br />
peito <strong>do</strong>s diversos povos <strong>do</strong> Brasil.<br />
No longo curso de tres séculos,<br />
depois de tantas emigrações , ou<br />
guerras successivas , estes povos<br />
indígenas, a maior parte errantes ,<br />
tem-se visto precisa<strong>do</strong>s a passar<br />
frequentemente de hum territorio<br />
á outro , e a mudar de habitação :<br />
deste mo<strong>do</strong> ou suas mesmas mudanças<br />
, ou seu enfraquecimento, ou<br />
sua inteira destruição faz com que<br />
presentefflcrífe não sejão encontra.
Do Brasil.<br />
í2t)<br />
<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s na posição geográfica prk<br />
mitiva. Com tu<strong>do</strong> jamais os Europêos,<br />
apezar da superioridade de<br />
suas armas , e de sua disciplina ,<br />
terião toma<strong>do</strong> á tantas nações ferozes<br />
suas possessões , e sua liberdade<br />
, se estas tropas errantes,<br />
forman<strong>do</strong> huma liga para adefeza<br />
commum, tivessem forma<strong>do</strong> hum<br />
só povo. Porém divididas sem cessar<br />
, não se auxilian<strong>do</strong> humas ás<br />
outras , e atacadas separadamente ,<br />
forão submetticlas, despojadas <strong>do</strong>s<br />
seus <strong>do</strong>mínios , expulsadas, e destruídas<br />
: poucas d'entre ellas escapárão<br />
á morte , ou á escravidão.<br />
Algumas com tu<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>narão voluntárias<br />
seus costumes selvagens<br />
para se submetterem á civilisação<br />
Européa. As relações successivas<br />
destes différentes povos , quer com<br />
os Portuguezes, quer> com outras<br />
nações, que tem apporta<strong>do</strong> ao Brasil<br />
, se appresentaráõ no decurso<br />
desta obra , segun<strong>do</strong> a ordem <strong>do</strong>s<br />
factos , o progresso cios estabelecimentos<br />
, edas conquistas: ellas se-
fli40 Historia<br />
yâo acompanhadas de outros detalhes,<br />
que completarão o quadro <strong>do</strong>s<br />
costumes, e <strong>do</strong>s usos das principaes<br />
tribus <strong>do</strong> Brasil.
livro quarto.<br />
Capita nías hereditarias estabelecidas<br />
no Brasil no reina<strong>do</strong> ds<br />
D. João III. — Oriqem das colonias<br />
de S. Vicente , Santo Amaro<br />
, Tamaracá , Paraíba , Espirito<br />
Santo , Porto-Seguro , l-<br />
Ihéos , e Pernambuco. — Expedições<br />
desgranadas de Lui%<br />
de Mello , e de Ayres da Cunha<br />
ao Maranhão.<br />
1521 — 1540.<br />
X Lmstra<strong>do</strong> em fim sobre a importancia<br />
<strong>do</strong> Brasil, D. João III. . q"®<br />
nós vimos succeder á D. Manuel -<br />
seu pai, applicotyi¿ás suas posses'<br />
iões da America b sysíèma de civi-
fli40 Historia<br />
lisação imaginada então para as<br />
ilhas da Madeira , e <strong>do</strong>s Açores.<br />
Elie dividio o continente <strong>do</strong> Brasil<br />
em capitanias hereditárias , e as<br />
concedeu á titulo de <strong>do</strong>mínios aos<br />
senhores de seu reino , que se offerecêrão<br />
para irem formar estabelecimentos.<br />
Esta especie de contracto<br />
entre os Grandes, e o Monarcha<br />
se concluio com tanto maior<br />
felicidade , quanto elle tinha por<br />
mutuo garante , de liuma parte a<br />
cubiça , e ambição <strong>do</strong>s Nobres Portugnezes,<br />
e da outra o ordente desejo<br />
, que animava o Rei para fundar<br />
hum império no Novo Mun<strong>do</strong>.<br />
Preparan<strong>do</strong> suas tropas, seu exercito<br />
, e seus thesoiros, D. João III.<br />
se lisongeava de conseguir o inteiro<br />
<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Brasil, objecto constante<br />
de seus votos. Porém se os<br />
colonos Porruguezes tinhão podi<strong>do</strong><br />
estabelecer-se sem obstáculo nas<br />
ilhas visinhas da Metrópole , não,<br />
era o mesmo á respeito <strong>do</strong> Brasil,<br />
tão remoto dajjjortugal. Grandes<br />
tribus selvagens estavão de posse
Do BrayJL 141.;<br />
deste continente , cujos estabelecimentos<br />
coloniaes então forão tão<br />
aparta<strong>do</strong>s huns <strong>do</strong>s outros , que não<br />
só se fez difficil, mas muitas vezes<br />
impossível, que os colonos prestassem<br />
soccorro huns aos outros, 011<br />
o recebessem da Metropole.<br />
Os senhores concessionários devião<br />
gozar de huma jurisdicção civil<br />
, e criminal quasi absoluta. O<br />
Rei de Portugal, não se mostran<strong>do</strong><br />
zeloso , se não de huma soberania<br />
titular, lhes deu , conforme<br />
o plano de D. Manuel * a liberdade<br />
de conquistarem hum espaço de<br />
quarenta, ou cincoenta léguas de<br />
costa com huma extensão illimitada<br />
para o interior. Seu decreto os<br />
authorisava além disso para imporem<br />
aos povos submetti<strong>do</strong>s as leis<br />
que melhor lhes conviesse. Elles<br />
podião dispôr , na fórmtf da sua concessão<br />
, <strong>do</strong>s terrenos, que tivessem<br />
conquista<strong>do</strong> , e encarregar <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />
de os fazer valiosos aos Portuguezes,<br />
que qy.iz«ssem seguil-os<br />
ao Novo M u * A baior partt
14« Historia'<br />
<strong>do</strong>s concessionários tomarão este<br />
parti<strong>do</strong> para tres gerações somente,<br />
e com a condição de algumas rendas.<br />
Devião gozar cie to<strong>do</strong>s os direitos<br />
Reaes: o Monarcha exceptuou<br />
com tu<strong>do</strong> o direito de infligir<br />
a pena de morte , a fabricação das<br />
moedas , e o dizimo territorial, cujas<br />
prerogativas reservou á Coroa.<br />
Taes condições não podião deixar<br />
de lisongear o orgulho, e a ambição<br />
<strong>do</strong>s feudatarios <strong>do</strong> Brasil. Mas<br />
elles podião perder estes feu<strong>do</strong>s ,<br />
menos honrosos , que lucrativos,<br />
se desprezassem sua cultura , ou o<br />
cuida<strong>do</strong> da sua defeza, se commettessem<br />
algum crime capital, ou em fim<br />
se elles não tivessem filhos varões. \<br />
Tantas vantagens fizerão desappa- i<br />
recer aos olhos da cubiça não só<br />
as prevenções, que se tinhão excita<strong>do</strong><br />
contra a nova colonia , mas<br />
lambem huma multidão de perigos<br />
muito mais reaes, <strong>do</strong> que então<br />
já deixavão de passar por insupeiaveis.<br />
Os senhores Portuguezes, que
Do Brasil. í2t)<br />
ambicionavão estes meios de elevação<br />
, e de fortuna , não virão en«<br />
tão em seus vastos <strong>do</strong>mínios , se<br />
não terras, cuja cultura pouco dispendiosa<br />
provava a fertilidade delias<br />
; e nações estúpidas, que elles<br />
poderião subjugar sem perigo, e<br />
submetter sem esforços.<br />
Elles não se enganavão , senão<br />
neste ultimo ponto. A resistencia<br />
obstinada da maior parte das tribus<br />
selvagens , os combates sanguinolentos<br />
, que foi preciso sustentar<br />
contra ellas; seu odio implacavel;<br />
sua vingança feroz destruirão muitas<br />
vezes as mais bellas esperanças.<br />
Porém nada podia desgostar homens<br />
, cujas emprezas erão fundadas<br />
sobre os motivos irresistíveis<br />
cle <strong>do</strong>mínio , e de riquezas.<br />
A maior parte das capitanias<br />
forão concedidas á ser?hores poderosos<br />
, que por meio das armas emprehendêrão<br />
, ou acabárão a conquista<br />
sobre os naturaes. Não estabelecerão<br />
ao principio se não<br />
pequenos auebalaes, que augmen-
fli40<br />
Historia<br />
tan<strong>do</strong>-se tomarão o nome de Vil•<<br />
•las , e se fizerão como as capitaes<br />
de ontros tantos destrictos . 011 provincias.<br />
S.Vicente, Santo Amaro ,<br />
Tarnaracá , Paraiba , Espirito Santo,<br />
Porto-Seguro , Ilheos, e Pernambuco<br />
forão as primeiras capitanias,<br />
qu« o Rei de Portugal concedeu ao<br />
longo da costa <strong>do</strong> Brasil.<br />
Martim Alfonso de Souza , cujo<br />
nome he cita<strong>do</strong> honrosamente na<br />
<strong>historia</strong> das Indias Portuguezas,<br />
foi o primeiro possui<strong>do</strong>r de huma<br />
capitania cio Brasil. D. João III.<br />
lhe deu , bem como á seu irmão Pedro<br />
Lopes de Souza , a permissão de ir<br />
formar 110 novo continente hum<br />
estabelecimento colonial. Martim<br />
Affonso partió em 1531 com hum ,<br />
armamento considerável , explorou<br />
a costa nos circuitos <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
, á qival elle deu este nome ,<br />
porque a descubrió no primeiro de<br />
Janeiro ; ao depois avançou para o<br />
Sul até o Rio da Prata , e designou<br />
successivamen/e os portos , ou as<br />
ilhas, que achou na sua derrota,
Do Brasil.<br />
Segun<strong>do</strong> os dias <strong>do</strong> Calendario , com<br />
os quaes se conformava cada hum<br />
<strong>do</strong>s da sua descuberta. Deste mo<strong>do</strong><br />
a Ilha Grande foi chamada a 11 ha<br />
<strong>do</strong>s Magos , porque foi reconhecida<br />
á 6 de Janeiro. A vinte <strong>do</strong> mesmo<br />
mez descubrió a ilha , á que<br />
deu o nome de S. Sebastião: a<br />
vinte e <strong>do</strong>us ancorou em S. Vicente<br />
, que para o futuro veio a<br />
ser sua capitania , e huma das mais<br />
florescentes colonias <strong>do</strong> Brasil. Depois<br />
de ter examina<strong>do</strong> attentamente<br />
a costa , demorou-se aos quatorze<br />
grãos e meio de latitude meridional<br />
, e formou seu primeiro estabelecimento<br />
em huma ilha , que similhante<br />
á Gôa , ou á antiga Ty~<br />
ro , não he separada <strong>do</strong> continente<br />
, se não por hum braço de mar.<br />
Os naturaes a chamão Guaíba , de<br />
huma arvore assim chamada , que<br />
ahi cresce em abundancia<br />
Os índios da costa , ven<strong>do</strong> homens<br />
desconheci<strong>do</strong>s se estabelecer<br />
tão perto delles , ajuntarão suas<br />
pirogas, reunírão:ée pat a excluir«;«<br />
Tom. /. ' K
14
Do Brasil.<br />
tinha da<strong>do</strong> sua filha em casamento*<br />
Ramalho julgou , que os que de<br />
novo tinhão vin<strong>do</strong> , e cuja exclusão<br />
setentava, era huma tropa de<br />
seus compatriotas , que destina<strong>do</strong>s<br />
então para a índia , elança<strong>do</strong>s pelos<br />
temporaes na costa <strong>do</strong> Brasil ,<br />
tinhão procura<strong>do</strong> hum abrigo nesta<br />
ilha , que era visinha da mesma<br />
costa. Persuadió á seu bemfeitor ,<br />
que os favorecesse em vez de os<br />
destruir : veio elle mesmo encon-»<br />
trar-se com Martim Affonso , econcluio<br />
entre elle, e os Guayana^en<br />
huma alliança perpetua. O terreno<br />
escolhi<strong>do</strong> então para os Portugueses<br />
não se ten<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> conveniente<br />
, os colonos se transportárão<br />
á ilha de S. Vicente , que ficava<br />
visinha , e que deu o nome á toda<br />
a Capitania. Seus progressos forão<br />
rápi<strong>do</strong>s. Souza presidia á tu<strong>do</strong> com<br />
intelligencia, e sabe<strong>do</strong>ria. Fes plantar<br />
as primeiras cannas de assucar<br />
, que forão trazidas da Madeira<br />
: fez criar o primeiro, rebanho s<br />
e foi ahi, que as outras capitanias<br />
K a
fli40<br />
Historia<br />
se aprovisionárão ao depois. Os índios<br />
da Costa erão ichtyophagos 2<br />
elles fabricão suas cabanas em hum<br />
terreno cheio de mangues, e tão<br />
abundante de conchinhas , que sua<br />
accumulação prodnzio nas praias<br />
especies de humas chamadas ostreiras<br />
, que tem forneci<strong>do</strong> toda a cal,<br />
de que se tem feito uso nesta capitania<br />
desde a sua fundação até<br />
õ presente, Martim Affonso empregou<br />
as dadivas , e as caricias para<br />
se unir com estes Brasileiros, com<br />
quem teve frequentes communicaçóes<br />
, vantajosas á colonia.<br />
Seu irmão Lopes foi menos feliz<br />
nas suas empresas. Elie escolheu<br />
para seu <strong>do</strong>minio cincoenta léguasde<br />
costa , que dividio em duas grandes<br />
fazendas muiro apartadas hurna<br />
da outra , queren<strong>do</strong> fundar <strong>do</strong>is<br />
estabelecimentos distinctos, e separa<strong>do</strong>s.<br />
Situou o primeiro em lnijna<br />
ilha perto de S. Vicente, muito<br />
visinlía da costa , e deu-lhe o<br />
come de. Santo Amaro. Estas duas<br />
primeiras colónias <strong>do</strong> Brasil não
Do Brasil. í2t)<br />
er5o distantes , se não três léguas<br />
huma da outra , o que teria feito<br />
nascer queixas , e contendas entre<br />
os colonos, se os <strong>do</strong>is chefes , estreitamente<br />
uni<strong>do</strong>s pelos vínculos<br />
<strong>do</strong> sangue , e unanimes nos seus<br />
projectos, não tivessem constantemente<br />
vivi<strong>do</strong> em bôa armonía. No<br />
longo espaço , que durou este esta<strong>do</strong><br />
de coisas , a visinhança destes<br />
<strong>do</strong>is colonos foi proveitosa á ambos<br />
: mas quan<strong>do</strong> pelo tempo adiante<br />
passarão a ser outros os possessores<br />
, que não erão uni<strong>do</strong>s por<br />
vínculos tão estreitos, o ciúme , è<br />
o interesse desunirão os colonos<br />
até a época, em que os <strong>do</strong>is estabelecimentos<br />
, reuni<strong>do</strong>s em hum<br />
sc5 , passárão em fiir. , como os outros<br />
, depois de muitas vicissitudes<br />
ao <strong>do</strong>mínio da Corôa.<br />
Foi na ilha de Tanlaraca , ou<br />
Tamaríca , alguns gráos mais perto<br />
da linha , que Lopes de Souza<br />
fun<strong>do</strong>u seu primeiro estabelecimento<br />
colonial. Provida»de hum porto<br />
muito bom , está illiá não teai,
Historia<br />
99 não tres léguas de comprimento,<br />
e duas de largura , e he separada<br />
<strong>do</strong> continente apenas por hum es*<br />
treito canal. Lopes vio-se obriga<strong>do</strong><br />
a sustentar nella frequentes ataques<br />
feitos pelos Pitaguarés , que<br />
vierão cercal-o na sua mesma ilha,<br />
Elie por então conseguio rechaçai-os<br />
, e excluil-os da cosra visijiha<br />
; mas pouco tempo depois nau»<br />
fragou , e morreu na foz <strong>do</strong> Kio<br />
da Prata.<br />
Hum de seus companheiros, que<br />
escapou deste desastre , não perdeu<br />
o valor , nem pela sorte de seu<br />
desgraça<strong>do</strong> amigo , nem pelo risco ,<br />
porque el'e mesmo tinha passa<strong>do</strong>,<br />
Era hum Fidalgo , ou Nobre Portuguez<br />
, chama<strong>do</strong> Pedro de, Góes,<br />
que apaixona<strong>do</strong> pelas descubertas<br />
<strong>do</strong> Brasil sollicitou huma capitania<br />
em huma época , em que o Rei de<br />
Portugal as dispunha com prodigalidade.<br />
Porém Góes tinha muito<br />
pouco credito na Corte de Lisboa ;<br />
por isso o <strong>do</strong>minio , que se lhe deu,<br />
foi apenas de trinta légua« de cos«
Do Braqit. a
fli40 Historia<br />
annos, e foi funesta para a colônia<br />
nascente. Hum carto intervallo<br />
de paz não deu tempo á Góes de<br />
fazer prosperar seu estabelecimento.<br />
Os colonos fracos , e desanima<strong>do</strong>s<br />
instárão fortemente com Goes<br />
para deixarem a desgraçada situação<br />
<strong>do</strong> Paraiba. Góes opprimi<strong>do</strong><br />
pelos selvagens , que lhe ficavão<br />
perto , cedeu aos clamores de seus<br />
compatriotas, evacuan<strong>do</strong> a colônia ,<br />
e embarcan<strong>do</strong>-se em navios, que<br />
obteve <strong>do</strong> visinho estabelecimento<br />
de S. Vicente.<br />
Esta capitania tinha si<strong>do</strong> pedida ,<br />
e obtida pelo Fidalgo Vasco Fernandes<br />
Coutinho , que depois de<br />
ter passa<strong>do</strong> sua mocidade na índia<br />
, onde tinha ajunta<strong>do</strong> grandes<br />
riquezas, aventurou to<strong>do</strong>s os seus<br />
teres, e perdeu-os nos seus projectos<br />
de fazer colonia no Brasil. Coutinho<br />
metteu-se ao mar com hum a<br />
expedição considerável, ten<strong>do</strong> com<br />
sigo sessenta Fidalgos, muitos obreiros<br />
, e artistas.; elle estava encarrega<strong>do</strong><br />
alem disso pela Corte de-
Do Brasil. í2t)<br />
L i s b o a a-transportar ao Brasil , como<br />
degrada<strong>do</strong>s , a D. Simão da<br />
Castelío Branco , e a D. ]orge de<br />
Menezes. Este ultimo , que era<br />
qualifica<strong>do</strong> de senhor das Molucas,<br />
onde tinha si<strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r , devia<br />
ter commetti<strong>do</strong> grandes crimes, para<br />
merecer o desterro ao Brasil no<br />
momento mesmo , em que os primeiros<br />
authores das crueldades excita-,<br />
das nas índias Portuguezas escapavão<br />
ao castigo <strong>do</strong> Governo. A.<br />
expedição chegou depois de huma<br />
feliz viagem ao porto <strong>do</strong> seu destino<br />
, sessenta léguas ao Norte <strong>do</strong><br />
Rio de Janeiro, e ancorou em huma<br />
bahia de medíocre grandeza,<br />
cuja entrada se faz conhecer ao<br />
longe por huma montanha configurada<br />
á maneira de hum pao de<br />
assucar , que serve como de alvo<br />
aos pilotos. Os colonos Portuguezes<br />
derão ahi principio ao seu estabelecimento<br />
, fundan<strong>do</strong> huma villa ,<br />
que elles chamárão Nossa Senhora<br />
da Victoria, ainda mesmo antes<br />
de terem entra<strong>do</strong> e.m combates i
fli40 Historia<br />
mas este titulo foi logo verifica<strong>do</strong>;<br />
Os Guayanafes , seus primeiros<br />
inimigos , forão completamente derrota<strong>do</strong>s<br />
, bem como to<strong>do</strong>s os selvagens<br />
da America , no primeiro encontro<br />
pela superioridade das armas<br />
de fogo. Os vence<strong>do</strong>res , huma<br />
vez. senhores da costa , começárão<br />
a fundar casas, e edifícios, a cul*<br />
tivar as terras, a plantar cannas ,<br />
e a estabecer engenhos. Logo que<br />
Coutinho vio, que tu<strong>do</strong> prosperava<br />
rapidamente , voltou á Lisboa<br />
para ajuntar hum grande numero<br />
de colonos, e sollicitar tu<strong>do</strong>, oque<br />
lhe era necessário para emprehender<br />
huma expedição ao interior <strong>do</strong><br />
Brasil em busca das minas. Os limites<br />
da sua província devião começar<br />
onde acabava ao Sul a capitania<br />
de Porto Seguro.<br />
Esta tinira si<strong>do</strong> dada a Pedro de<br />
Campos Tourinho , nasci<strong>do</strong> em Vianna<br />
de Foz de Lima , de huma família<br />
distincta. Vota<strong>do</strong> felizmente<br />
á arte da navegação, elle amava<br />
as viagens, e as novas empresas;
Do Brasil.<br />
í2t)<br />
por tanto apressou-se em vender<br />
tu<strong>do</strong>, o que tinha em Portugal,<br />
para vir fundar no Brasil hnma<br />
colônia , de que devia ser o chefe<br />
; e fazen<strong>do</strong>-se á véla com sua<br />
mulher, e filhos, e hum grande<br />
numero de colonos, apportou felizmente<br />
na mesma enseada , em<br />
que Cabral tinha toma<strong>do</strong> posse cio<br />
Brasil. Hum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is criminosos,<br />
que este Official ahi havia deixa<strong>do</strong><br />
, vivia ainda , e sérvio de interprete<br />
á Tourinho , e aos Portugueses<br />
da expedição. No cume de<br />
hum roche<strong>do</strong>, situa<strong>do</strong> na barra de<br />
hum rio , fundarão a villa de Porto<br />
Seguro , hoje o lugar principal<br />
da provinda , que tem conserva<strong>do</strong><br />
çste nome da<strong>do</strong> por Cabral á costa<br />
por causa da bondade de. seu<br />
porto. Tres léguas separão Porto<br />
Seguro de Santa Cruz , onde apportou<br />
Cabral, quan<strong>do</strong> descubrio o<br />
Brasil. Os Tupiniquins , que possuião<br />
o paiz , se oppuzerâo Ioga<br />
ás empresas <strong>do</strong>s companheiros de<br />
Tourinho não só nesta provincía
Historia<br />
mas também nas duas capitanias<br />
visinhas. Porém elles tentarão debalde<br />
defender seu territorio contra<br />
os invasores. Seja porque elles reconhecessem<br />
a superioridade <strong>do</strong>s<br />
Europeus , seja porque estes os ti*<br />
vessem attrahi<strong>do</strong> por negociações<br />
astutas, e presentes , elles fizerão<br />
a paz , observárão-na fielmente ,<br />
voltárão suas armas contra os Tujjinacs<br />
, tribu Brasiliense da mesma<br />
raça , e que acaban<strong>do</strong> em alliança<br />
, e mistura com os Tupiniquins ,<br />
compõem hum só, e mesmo povo.<br />
ToUrinho teve muita influencia sobre<br />
estes naturaes á ponto de os<br />
ajuntar em suas aldeias, e amoldai-os<br />
á disciplina, e aos hábitos<br />
da civilisação. Isto he hum a pro va ,<br />
de que elle portou-se com sabe<strong>do</strong>ria<br />
, e de que não deve ter parte<br />
na accusaçao de tirannia , que merecerão<br />
muitas vezes os primeiros<br />
colonos Portuguezes. Elle fun<strong>do</strong>u<br />
engenhos cie assucar em Porto Seguro<br />
com tal felicidade , que em<br />
pouco tempo a exportação <strong>do</strong>s assu-
Do Brasil. í2t)<br />
eares para a Metropole se fez considerável<br />
, e lucrativa.<br />
Em meio <strong>do</strong> continente <strong>do</strong> Brasil<br />
se levantou quasi ao mesmo tempo<br />
a Capitania <strong>do</strong>s Ilheos , que<br />
deve o seu nome ao Rio das Ilhas ,<br />
assim chama<strong>do</strong>, porque tem tres<br />
ilhas na sua íoz. Jorge de Figueire<strong>do</strong><br />
Corrêa , historiographo de D.<br />
João III. , foi o concessionário delia.<br />
Reti<strong>do</strong> em Lisboa pelas suas occupações<br />
, e trabalhos , elle enviou<br />
hum Cavalleiro Castelhano , chama<strong>do</strong><br />
Francisco Romera , para tomar<br />
posse da sua provinda. Romera<br />
fundeou no porto de Tinharé , e<br />
fun<strong>do</strong>u huma nova villa na eminência<br />
, ou Morro de S. Paulo :<br />
ella foi ao depois transferida para<br />
a extremidade da bailia , onde está<br />
presentemente. Deu-se-lhe então o<br />
nome de S. Jorge em honra <strong>do</strong><br />
concessionário , porém o nome de<br />
Ilheos prevalesceu , e communicouse<br />
ao depois , bem que impropriamente,<br />
á toda a capitania. Os Tupiuiquins<br />
, senhores então da coita,
fli40 Historia<br />
erão os mais tractaveis de to<strong>do</strong>s os<br />
povos <strong>do</strong> Brasil. Por tanto viverão<br />
em paz com os colonos Portugueses,<br />
eemhuma tão estreita união,<br />
que a colonia se levantou sem perturbação<br />
, e prosperou logo. O filho<br />
de Figueire<strong>do</strong> , ten<strong>do</strong> herda<strong>do</strong> esta<br />
capitania , vendeu-a á Lucas Giraldes,<br />
que melhorou-a com grandes<br />
augmentos, e a fez tão florescente ,<br />
que nella se estabelecêrâo em pouco<br />
tempo oiro , ou nove engenhos<br />
de assucar.<br />
Na mesma época levantou-se ao<br />
Norte <strong>do</strong> continente <strong>do</strong> Brasil a<br />
capitania de Pernambuco , erradamente<br />
chamada Pernambuco pelos<br />
Europêos. Seu nome quer dizer<br />
Bocca cio Inferno por causa de hum<br />
vasto recife , que guarnecen<strong>do</strong> a<br />
costa , occulta abismos , e escolho»<br />
na entrada <strong>do</strong> porto , onde está<br />
afundada a cidade capital. Neila se<br />
havia erigi<strong>do</strong> provisoriamente liuma<br />
feitoria. Hum corsário de Marselha<br />
se fez senhor delia , e deixou<br />
setenta homens para conservarem a
Do Brasil. í2t)<br />
posse. Porém ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o sen navio<br />
toma<strong>do</strong> na volta á França , a<br />
Côrte de Lisboa tomou medidas 'immediatas<br />
para recobrar a colon ia<br />
nascente. Eduar<strong>do</strong> Coelho Pereira<br />
pedio-a em propriedade , como recompensa<br />
<strong>do</strong>s seus serviços na índia..<br />
Deu-se-lhe a extensão da costa<br />
situada entre o Rio de S. Francisco<br />
j e o Rio Juruva.<br />
Coelho embarcou-se logo com<br />
sua mulher » e filhos, e hum grande<br />
numero de parentes, e amigos,<br />
para irem fundar hurna colonia ao<br />
Norte <strong>do</strong> Brasil, Navegan<strong>do</strong> com<br />
venta favoravel para a costa , cuja<br />
posse o Rei lhe havia conferi<strong>do</strong><br />
, chega em fim á vista da entrada<br />
practicada no immenso recife,<br />
que cobre a costa ue Pernambuco<br />
, e grita maravilha<strong>do</strong>: " Oh í<br />
„ linda situação para^ se fnndac<br />
„ huma villa! „ e o nome de O-<br />
1 lá da , forma<strong>do</strong> das primeiras palavras<br />
da sua exclamação , deu-se á<br />
cidade , de que ellç foi a funda<strong>do</strong>r.
fli40 Historia<br />
Quasi toda a costa de Pernafflj<br />
buco estava então em poder cios<br />
Cahetés , tribn barba»a, e selvagem<br />
, notável entre todas as outras ;<br />
porque fazia uso de canoas muito<br />
grandes , capazes de suster dez á<br />
<strong>do</strong>ze pessoas. Coelho, diz o <strong>historia</strong><strong>do</strong>r<br />
Rocha Pita, vio-se obriga<strong>do</strong><br />
a conquistar toeza por toeza á esta<br />
tribu temivel, o que se lhe dera<br />
por léguas; Os Cahetés o atacárão<br />
, e cercárão na sua nova villaí<br />
Elles erão numerosos , e dirigi<strong>do</strong>s<br />
pelos Francezes, que vinhão com<br />
navios arma<strong>do</strong>s para traficar nesta<br />
mesma costa. A colonia teria si<strong>do</strong><br />
ariiquillada no seu mesmo nascimento<br />
, se Coelho tivesse menos experiência<br />
da guerra. Foi feri<strong>do</strong> nc<br />
sitio: hum grande numero <strong>do</strong>s seus<br />
colonos mouêrão á sua vista cora<br />
as armas nas mãos: vio a praça reduzida<br />
aos últimos extremos ; mas<br />
sua firmeza , e sua coragem o livrarão<br />
finalmente <strong>do</strong> perigo: bateu<br />
, e rechaçou o inimigo ; fez alliança<br />
com os 'Taba] ar as , e teve
Do Brasil. í2t)<br />
então muitas forças para se sustentar<br />
, e zombar de to<strong>do</strong>s os ataques.<br />
Os Tabayarés forão os primeiros<br />
naturaes <strong>do</strong> Brasil , que se ligarão<br />
com os Portuguezes. Hum de<br />
seus chefes, chama<strong>do</strong> Tabyra , tinha<br />
grandes talentos para a guerra.<br />
Era o terror <strong>do</strong>s selvagens inimigos<br />
: ia elle mesmo espial-os em seu<br />
campo para descubrir seus projectos<br />
; porque a tribu delle , sen<strong>do</strong> da<br />
mesma raça , que os Cahetés , fallava<br />
o mesmo idioma. Tabyra armava-lhes<br />
ciladas , atacava-os de<br />
noite, e fatigava-os com rebates<br />
continua<strong>do</strong>s. Por fim os Cahetés<br />
ajuntarão todas as suas forças, marchárão<br />
sobre elle , e o cercárão.<br />
Huma flexa vasou-lhe hum Olho.<br />
Tabyra sem se abalar arrancou-a<br />
com a pupilla ; e voltan<strong>do</strong>-se para<br />
os que o seguião , disse-lhes, que<br />
com hum só olho Tabyra via bem<br />
para combater seus inimigos: com<br />
effeito apezar <strong>do</strong> grande numero<br />
elle os poz em fugida.<br />
Seu lugar-tenente , ,e séu digpo-<br />
Tom• l> k
fli40 Historia<br />
emulo Hagyse ( braço de ferro')<br />
foi hum <strong>do</strong>s Tabayarés , que se<br />
distinguirão mais no mesmo parti<strong>do</strong>:<br />
e Piragyba (braço de peixe)<br />
fez tantos serviços aos Portugueses<br />
, que em recompensa recebeu<br />
o Habito da Ordem de Christo , e<br />
huma pensão cio Governo.<br />
Ajuda<strong>do</strong> destes intrépi<strong>do</strong>s alija<strong>do</strong>s<br />
lançou Coelho os fundamentos<br />
da cidade de Olinda , e da Capitania<br />
de Pernambuco , situada cem<br />
léguas ao Norte da Bahia , e hoje<br />
linma das mais ricas Províncias da<br />
America Portugueza. Alguns annos<br />
de paz permittírão á Coelho fundar<br />
engenhos de assucar , e cortar<br />
o precioso páo brasil de íórma , que<br />
esta Capitania quasi só forneceu<br />
delle a Europa inteira.<br />
Mas estas differentes colónias<br />
não podião conservar , e estender-se<br />
se não peia chegada successiva de<br />
novos colonos. Huma circunstancia<br />
pouco honrosa ao reina<strong>do</strong> de D.<br />
João III., e desgraçada para Portugal<br />
, se tornou em pouco tempo
Do Brasil. í2t)<br />
favorável ao augmento da populalação<br />
Europea <strong>do</strong> Brasil. A Inquisição<br />
Religiosa , estabelecida na<br />
Hespanha em 1482 , acabava de<br />
ser aclmittida em Lisboa por D.<br />
João III. , que deslustrou , entregan<strong>do</strong>-se<br />
á bum systema pernicioso ,<br />
as "bellas qualidades , pelas quaes<br />
elle se tinha mostra<strong>do</strong> digno <strong>do</strong>s<br />
seus predecessores. Numerosas victimas<br />
da nova instituição , Judeos<br />
principalmente , que o Tribunal da<br />
Inquisição perseguia incessantemente<br />
, forão desterra<strong>do</strong>s em multidão<br />
para o Brasil, onde acharão<br />
meio de estabelecer alguma cultura.<br />
A nova colonia se povoou rapidamente<br />
ranto pelos Judeos , como<br />
pelos vassallos catholicos, e por<br />
outros Europeus , attrahi<strong>do</strong>s pelos<br />
felizes trabalhos de seus antepassa<strong>do</strong>s.<br />
.<br />
Bem depressa o Governo Portuguez<br />
deixou de menoscabar, como<br />
ao principio , a immensa possessão ,<br />
que a sorte tinha uni<strong>do</strong> ás suas<br />
conquistas. A popoiução Européa<br />
L 3
fli40<br />
Historia<br />
não cessou de crescer , e passou a<br />
dividir successivamente entre si as<br />
marinhas <strong>do</strong> Brasil, onde ella podia<br />
esperar manter-se com mais vantagem.<br />
He ás guerras continuadas , suscitadas<br />
contra os novos colonos pelos<br />
antropophagos , que se deve principalmente<br />
attribuir a aversão , que<br />
os Portuguezes mostrarão desde o<br />
principio aos estabelecimentos forma<strong>do</strong>s<br />
no interior. Por isso a maior<br />
parte forão situa<strong>do</strong>s beira mar em<br />
distancias desiguaes , e muitas vezes<br />
muito consideráveis.<br />
Ao Norte de Pernambuco , no<br />
Equa<strong>do</strong>r , os Portuguezes não tinlião<br />
ainda reconheci<strong>do</strong> o bello rio<br />
<strong>do</strong> Maranhão , ou Amazonas , que<br />
pela primeira vez tinha si<strong>do</strong> aescuberto<br />
em 1499 por Ianez Pinçon ,<br />
que deu-lhe o nome de Mar d"agua<br />
<strong>do</strong>ce , cren<strong>do</strong> então , que o<br />
concurso de muitos rios tinha realmente<br />
altera<strong>do</strong> , e a<strong>do</strong>ça<strong>do</strong> o mar<br />
nesta costa. O navegante Castelhano.tinha<br />
descuberto ao depois, que
Do Brasil. í2t)<br />
estava na embocadura <strong>do</strong> grande<br />
rio Maranhão , e que os natura es<br />
chamavêo a este continente Mariatambal:<br />
porém ehe tinha passa<strong>do</strong><br />
outra vez a linha , sem adiantar<br />
suas investigações. Quarenta<br />
annos depois da descuberta <strong>do</strong> continente<br />
Brasiliense, restan<strong>do</strong> ainda<br />
muita incerteza á respeito <strong>do</strong> Maranhão,<br />
os Portuguezes não tinhão<br />
ainda , se não noções vagas , e confusas<br />
sobre este grande rio , e sobre<br />
as costas visinhas da sua foz.<br />
Mão obstante isso a Côrte de Portugal<br />
comprehendeu o Maranhão<br />
nos limites da America Poitugueza ;<br />
e D. João Hl. deu em 1539 esta<br />
Província, ou Capitania em propriedade<br />
á João de Barros , <strong>historia</strong><strong>do</strong>r<br />
, e homem de esta<strong>do</strong> , com<br />
a condição de fazer nella estabelecimentos.<br />
* ><br />
Porém João de Barros, não era<br />
nem muito oppulento , para fazer<br />
só as dispezas de hum armamento<br />
marítimo, nem muito moço, para<br />
ir e'le mesmo á huma expedição ar-
fli40 Historia<br />
riscada , e remota: não tinha além<br />
disso noção alguma positiva <strong>do</strong> continente<br />
, de que acabava de ser<br />
nomea<strong>do</strong> senhor feudatario No tempo<br />
, era que elle tractava de se informar<br />
, chegou á Portugal Luiz<br />
de Mello da Silva , que vinha <strong>do</strong><br />
Maranhão sollicitar a authorisação<br />
de fazer nelle hum estabelecimento<br />
estável. Este mancebo Portuguez ,<br />
immediatamente depois que Orellana<br />
em a sua espantosa expedição<br />
ao Amazonas primeiro, que to<strong>do</strong>s ,<br />
desceu por este rio até a sua foz ,<br />
tinha-se feito á véla de Pernambuco<br />
, e impelli<strong>do</strong> para o Norte ao<br />
longo da costa , approximou-se á<br />
este mar d* agua <strong>do</strong>ce. Cheio de espanto,<br />
e de admiração ao olhar para<br />
estas praias magnificas , chegou<br />
á ilha de Santa Margarida , onde<br />
yio os companheiros de Orellana ;<br />
deste intrépi<strong>do</strong> aventureiro, que<br />
apaixona<strong>do</strong> pelas descubertas tinha<br />
aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> os conquista<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
Perú. Pouco desanima<strong>do</strong>s pelos seus<br />
soüri.mentos, aconselharão á Silva ,
Do Brasil. í2t)<br />
que renovasse as tentativas sobre<br />
o Amazonas, que tinhão si<strong>do</strong> para<br />
elles tão desgraçadas : tal era o<br />
projecto , que o levava á Portugal.<br />
João de Barros cedeu-lhe os seus<br />
direitos á Capitania <strong>do</strong> Maranhão ;<br />
e o mesmo Rei o aiju<strong>do</strong>u , não ten<strong>do</strong><br />
elle meios sufficientes. Deu á<br />
véla , acompanha<strong>do</strong> cie <strong>do</strong>is filhos<br />
cle João de Barros, e ten<strong>do</strong> debaixo<br />
cias suas ordens tres náos , e<br />
duas caravellas: mas o armamento<br />
se perdeu nas baixias á vista <strong>do</strong><br />
•Brasil, cem léguas abaixo <strong>do</strong> grande<br />
rio. Huma só caravella escapou<br />
ao naufragio , e salvou o Commandante<br />
, e os <strong>do</strong>is filhos cie João de<br />
Barros. Silva foi para a índia , onde<br />
enriqueceu , e tornou a embarcar-se<br />
para Lisboa com a resolução<br />
de aventurar outra vez sua fortuna<br />
, e sua pessoa , para.se estabelecer<br />
no Maranhão: porém não se<br />
ouvio mais fallar <strong>do</strong> seu navio , que<br />
se chamava S. Francisco , que provavelmente<br />
naufragou em huma<br />
passagem tempestuosa."
fli40 Historia<br />
Neste intervallo João de Barros,<br />
que outra vez tinha entra<strong>do</strong> em<br />
seus direitos , repartió a propriedade<br />
da sua provincia com Fernan<strong>do</strong><br />
Alvares de Andrade, e Ayres da<br />
Cunha; e forman<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s tres hum<br />
plano de colonisação , fizerão hum<br />
armamento mais considerável, que<br />
to<strong>do</strong>s os precedentes. Cunha tomou<br />
o comman<strong>do</strong> da expedição , levan<strong>do</strong><br />
com sigo os <strong>do</strong>is filhos de Barros<br />
, que tinhão escapa<strong>do</strong> ao primeiro<br />
naufragio. Toda a frota , chagan<strong>do</strong><br />
ao Brasil , foi destruida nas<br />
mesmas baixias , onde se tinha perdi<strong>do</strong><br />
o armamento de Mello da Silva.<br />
Cunha foi hum , <strong>do</strong>s que se<br />
aífogárão. Os desgraça<strong>do</strong>s naufragantes<br />
, que crião estar na entrada<br />
<strong>do</strong> Maranhão , posto que estivessem<br />
pouco mais, ou menos cem<br />
leguas ao ,Sul , ganhárão a ilha,<br />
que depois <strong>do</strong> seu engano chamarão<br />
a Ilha Maranhão , nome que<br />
ella perdeu , passa<strong>do</strong> meio século ,<br />
para tomar o de Ilha das Vaccas.<br />
Chegarão á salvar <strong>do</strong> naufragio
Do Brasil. í2t)<br />
apenas alguns effeitos; e para terem<br />
viveres traficarão com os Tapui]as<br />
, que então habitavâo 11a ilha.<br />
Porém elles forão muito tempo miseráveis<br />
, em quanto não purlerão<br />
fazer ver sua triste situação ao estabelecimento<br />
mais visinho. ]oão<br />
de Barros enviou-lhes soccorros ,<br />
logo que soube da sua desgraça:<br />
porém'o navio, que sahio de Lisboa<br />
, partio muito tarde. Seus <strong>do</strong>is<br />
filhos acabav§o de ser mortos no<br />
Rio Pequeno pelos Pítaguares , e<br />
to<strong>do</strong>s os naufragantes tinheo deixa<strong>do</strong><br />
a ilha, Victima de hum duplica<strong>do</strong><br />
desastre , o Historia<strong>do</strong>r Barros<br />
mostrou huma firmeza , e huma<br />
sublimidade d'alma , dignas de melhor<br />
sorte. Pagou todas as dividas<br />
<strong>do</strong>s seus socios , que tinhão pereci<strong>do</strong><br />
; e ficou deve<strong>do</strong>r á Coròa de<br />
perto de stis centos mil,réis , procedi<strong>do</strong>s<br />
da artilhtria , e de ourros<br />
objectos <strong>do</strong> armamento ; quantia ,<br />
que El-Rei D. Sebastião lhe per<strong>do</strong>ou<br />
muito tempo ., ao depois por<br />
huma liberalidade , de" que Barros
fli40 Historia<br />
teria tira<strong>do</strong> mais vantagem , se ella<br />
tivesse si<strong>do</strong> menos tardia.<br />
Estas tentativas desgraçadas á<br />
embocadura <strong>do</strong> Amazonas , e ás<br />
costas visinhas desanimarão o Governo<br />
, e os arma<strong>do</strong>res Portuguezes.<br />
Passou-se muito tempo , até<br />
que os colonos <strong>do</strong> Brasil, illustra<strong>do</strong>s<br />
em fim pela experiencia, e pela<br />
frequentação destas paragens ,<br />
fundárão no Maranhão estabelecimentos<br />
duráveis , e villas florescentes.<br />
Com tu<strong>do</strong> os esforços <strong>do</strong>s primeiros<br />
colonos não tinirão si<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />
infructuosos : a imprudencia , e a<br />
desgraça não tinhão destrui<strong>do</strong> inteiramente<br />
as esperanças destes homens<br />
emprehende<strong>do</strong>res, e valorosos<br />
, e que nenhum obstáculo podia<br />
desgostar. Vio-se também 'no<br />
espaço de dea annos a maior parte<br />
<strong>do</strong>s primeiros estabelecimentos se<br />
augmentar , prosperar , e espalharse<br />
, para formar , tres séculos mais<br />
tarde , hurr: <strong>do</strong>s mais bellos imperios<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.
livro quinto.<br />
Naufragio , e aventuras de Caramurú.<br />
Caracter da qrande povoação<br />
Brasileira <strong>do</strong>s Tupinambos<br />
da Bahia. Descripção <strong>do</strong><br />
Reconcavo , e quadro das suas<br />
revoluções. Primeira origem de<br />
S. Salva<strong>do</strong>r da Bahia. Tomada<br />
de posse da Capitania da<br />
Bahia por Francisco Pereira<br />
Coutinho. Primeiras hostilidades<br />
entre os Tupinambos , eos<br />
Portugueses. Expulsão , e morte<br />
de Coutinho,<br />
o<br />
I5I0—-1540.<br />
A Origem de S. Salva<strong>do</strong>r da Bailia<br />
, posto que romanesca, não sç
fli40 Historia<br />
perde na noite cios tempos , nem<br />
nas tradições fabulosas. Esta cidade<br />
celebre , successivamente destruida,<br />
reedificada , tomada, e retomada<br />
, tem si<strong>do</strong> no decurso cie<br />
mais de <strong>do</strong>is séculos a Metropole<br />
<strong>do</strong> Brasil. Hoje mesmo , que o Rio<br />
de Janeiro lhe rouba a sua preeminencia<br />
, ella he ainda por sua<br />
extensão , fortificações , e edificios ;<br />
pela sua população, estaleiros , armazéns<br />
, e vasta bailia , huma das<br />
mais importantes cidades <strong>do</strong> Novo<br />
Mun<strong>do</strong>.<br />
Logo que o navegante Christovão<br />
Jacqnes visitou esta bailia<br />
magnifica, e suas paragens, como'<br />
vimos no segun<strong>do</strong> livro, deu disso<br />
conta á D. João 111. , bem como<br />
da belleza , e da fertilidade <strong>do</strong> territorio<br />
adjacente.<br />
Porém foi somente alguns anuos<br />
depois da viagem deste navegante<br />
, que o systema de concessões<br />
foi definitivamente ordena<strong>do</strong>. Então<br />
o Rei de Portugal deu a provincia<br />
marítima , comprehendida
Do Brasil. í2t)<br />
desde o grande Rio de S. Francisco<br />
até a Ponta <strong>do</strong> Padrão da Bahia<br />
ao fidalgo Francisco Pereira<br />
Coutinho com a condição de fundar<br />
nella liuma cidade , e estabelecimentos<br />
permanentes, quer subjugan<strong>do</strong><br />
os naturaes, quer civilisan<strong>do</strong>-os.<br />
A mesma Bahia com todas<br />
as suas enseadas foi ao depois<br />
addida á esta graça verdadeiramente<br />
Real. Coutinho, que havia pouco<br />
, chegara da índia, "onde se tinha<br />
distingui<strong>do</strong> , familiarisaclo além<br />
disso com as descubertas, e expedições<br />
, de mais anima<strong>do</strong> pelo desejo<br />
de ser conquista<strong>do</strong>r , e funda<strong>do</strong>r<br />
, aprestou logo liuma pequena<br />
esquadra em Lisboa , e ajuntou hum<br />
numero muito grande de solda<strong>do</strong>s ,<br />
e de aventureiros , para ir emprehencler<br />
a colonisação da Bahia.<br />
No em tanto hum caso singular<br />
tinha já posto estes sitios em poder<br />
de hum mancebo compatriota de<br />
Coutinho , inflama<strong>do</strong> , como elle ,<br />
pela paixão das viagens , e descubertas.<br />
Este Portuguez?, chama<strong>do</strong>
fli40<br />
Historia<br />
Dioqo Alvares Corrêa Vianna ¿<br />
ia para as índias Grientaes. Bati<strong>do</strong><br />
por huma tempestade, bem como<br />
tinha si<strong>do</strong> Cabral, foi <strong>do</strong> mesmo<br />
mo<strong>do</strong> irapelii<strong>do</strong> ao Occidente<br />
para o Brazii. Menos feliz , ou<br />
menos hábil , que este celebre navegante<br />
, e não poden<strong>do</strong> mais governar<br />
seu navio , Diogo Alvares<br />
naufragou nas baixias ao Norte da<br />
barra da Bahia. Hurna parte da<br />
equipagem pereceu ; os que escapárão<br />
ás vagas, soffrêrão huma morte<br />
mais horrorosa. Fazen<strong>do</strong> força<br />
para ganharem a costa , e aventuran<strong>do</strong>-se<br />
sem precaução , os naturaes<br />
os apanharão , e devorárão á<br />
vista de Diogo Alvares, que tinha<br />
fica<strong>do</strong> perto <strong>do</strong> navio , que dera á<br />
costa , não com a esperança de o<br />
concertar , mas para recuperar differentes<br />
objectos próprios para lhe<br />
conciliar a benevolencia <strong>do</strong>s selvagens.<br />
Então elle conheceu perfeitamente<br />
, que não lhe restava outro<br />
parti<strong>do</strong> para salvar a vida , se<br />
não fazer-se á hum tempo util , e
Do Brasil. í2t)<br />
temível á estes cannibaes; e teve<br />
a felicidade de salvar entre outros<br />
efteitos naufraga<strong>do</strong>s hum mosquete<br />
que poz em esta<strong>do</strong> de servir , e aí-'<br />
guns barris de pólvora. Os selvagens<br />
depois <strong>do</strong> seu abominavel banquete<br />
entrarão para a sua aldeia,<br />
ou habitação; e Diogo Alvares,<br />
subtrahi<strong>do</strong> como por milagre á voracidade<br />
delles , e ao furor das vagas<br />
, ousou avançar-se só sobre esta<br />
costa liumicida para reconhecer<br />
o paiz.<br />
Roche<strong>do</strong>s denta<strong>do</strong>s, costas verdejantes,<br />
bosques espessos, huma<br />
bailia profunda , porém mansa , taes<br />
são os objectos , que íerem sua vista.<br />
Penetran<strong>do</strong> ao longo deste immenso<br />
golfo , que fôrma á direita<br />
o continente, e ã esquerda a ilha<br />
oblonga de Itajwrica , elle o vê arreclondar-se<br />
, e estender-se para o<br />
Norte á perder de vista , ten<strong>do</strong> ao<br />
Sul três léguas de largura , <strong>do</strong>ze<br />
de diâmetro, c trinta eseis decircumferencia.<br />
Ahi bem como no Rio<br />
de Janeiro na mesma ecteta , o mar
fli40<br />
Historia<br />
parece ter penetaa<strong>do</strong> as terras: póde-se<br />
mesmo conjecturar, que hum<br />
grande lago , quebran<strong>do</strong> sua barreira<br />
, abrio huma communicação<br />
com o Occeano. Seis grandes rios<br />
navegáveis desaguão neste golfo ,<br />
ou antes neste lago pacifico , e crystalliuo<br />
, que se divide em muitos<br />
braços, e entra também pelas terras<br />
, forman<strong>do</strong> difterentes direcções,<br />
•Huma cadeia cle ilhas vivificão este<br />
pequeno Mediterrâneo <strong>do</strong> Brasil.<br />
Diogo Alvares , encanta<strong>do</strong> da<br />
belleza, e da magnificência deste<br />
sitio , cuja existencia elle não suspeitava<br />
, deu-lhe o nome de S. Salva<strong>do</strong>r<br />
; porque ahi tinha acha<strong>do</strong> a<br />
sua salvação. Porém não perceben<strong>do</strong><br />
mais vivente algum , temia verse<br />
em hum lugar selvagem , exposto<br />
á todas as necessidades , e á discrição<br />
da£ íeras; quan<strong>do</strong> appareceu<br />
cle repente huma multidão de<br />
Brasileiros arma<strong>do</strong>s cle flexas , e de<br />
massas, sem todavia mostrar intento<br />
algum hostil. Muitos d'entre elles.<br />
tinhão visco como s ali ir <strong>do</strong> mar a
Do Brasil.<br />
joven Alvares, ten<strong>do</strong> então se conserva<strong>do</strong><br />
occultos; porém avançan<strong>do</strong><br />
ao depois cheios dc espanto,<br />
elles correspondêrSo aos signaes de<br />
benevolencia , e de paz , que lhes<br />
fez Diogo Alvares, aproximárãose<br />
para receberem os presentes, e<br />
o tractarão com amizade. Conduzi<strong>do</strong><br />
á mais próxima aldeia , foi<br />
appresenta<strong>do</strong> ao Chefe , ou Cacique<br />
, de quem elle foi feito captivo:<br />
mas recebeu delle, bem como<br />
de roda a povoação , tanta consideração<br />
, como cuida<strong>do</strong>s.<br />
Estes índios erão da raça <strong>do</strong>s<br />
Tupinambás , cujo nome significa<br />
Bravos , e que de to<strong>do</strong>s os naturaes<br />
<strong>do</strong> Brasil são os mais zelosos<br />
da sua independência. Elles reúnem<br />
no mais alto gráo os caracteres<br />
communs , debaixo <strong>do</strong>s quaes<br />
lemos representa<strong>do</strong> as Nações Tiipicas.<br />
Sua estatura , que não excede<br />
a ordinaria , he em geral bem<br />
proporcionada. São cio numero <strong>do</strong>s<br />
Brasileiros, que tracem o cabello<br />
compri<strong>do</strong>. O oleo de rotu , de quc<br />
Tom. /. M<br />
r
fli40<br />
Historia<br />
elles íazem hum uso continua<strong>do</strong> ,<br />
dá huma côr de azeitona á sua pel*<br />
le , naturalmente tão branca , como<br />
a <strong>do</strong>s Europeos.<br />
Os Tupinambos se estabelecem<br />
de ordinario no meio <strong>do</strong>s bosques ,<br />
que hcão mais visinhos ao mar , e<br />
aos rios. Começão por formar ,<br />
queiman<strong>do</strong> as arvores, huma praça<br />
proporcionada ao numero , em que<br />
para ahi concorrem , e construem<br />
neste espaço vastas , e longas cabanas<br />
, cuberías de folhas cie palmeira<br />
, e que nenhum tabique, ou<br />
separação divide no interior. Estas<br />
grandes cabanas de cento e cin»<br />
eoenta pés de comprimento com<br />
quatorze de largura , e <strong>do</strong>ze de altura<br />
contém huma vintena de familias<br />
alliadas humas ás outras; e<br />
tilas são construidas de maneira ,<br />
que vão .cercar 110 centro huma<br />
praça , onde se matão os captivos.<br />
Cada cabana tem tres portas, toclas<br />
tres para a parte da praça da matança,<br />
A aldeia lie composta de<br />
hum pequeno numero de cabanas,
Do Brasil. í2t)<br />
c sempre estacada com intervallos<br />
regula<strong>do</strong>s para atirar flexas, e fema<strong>do</strong>s<br />
com hum primeiro circulo de<br />
grossas estacas , menos cerradas,<br />
que a paliçada <strong>do</strong> centro. Os Tupinambás<br />
põem na entrada sobre<br />
estas estacas algumas das cabeças<br />
<strong>do</strong>s inimigos, que elles cem devora<strong>do</strong>.<br />
EUes não habitão mais , <strong>do</strong> que<br />
cinco , ou seis annos na mesma aldeia:<br />
destroem, passa<strong>do</strong> este tempo<br />
, seus estabelecimentos , e vão<br />
em pouca distancia formar outros<br />
novos , aos quaes elles com tu<strong>do</strong><br />
tem o cuida<strong>do</strong> de dar o nome cia»<br />
quelles , que acabão de aban<strong>do</strong>nar.<br />
Esta mudança tem por objecto o<br />
utilisarem-se da fertilidade de hum<br />
terreno , ainda não cansa<strong>do</strong> pela<br />
vegetação das raizes , que fazem a<br />
base da sua nutrição. *<br />
As familias se distinguem pela<br />
união a mais terna. Em parte nenhuma<br />
o amor paternal pôde ser<br />
eleva<strong>do</strong> á mais alto gráo v este sen?<br />
timento hepago da parte <strong>do</strong>s filhe-s-<br />
M 2
fli40<br />
Historia<br />
por hum respeito inviolável. A amizade<br />
, a liberalidade , a hospitalidade<br />
apertão sem cessar entre clles<br />
laços indissolúveis ; e sua ferocidade<br />
, que não se pode desconhecer »<br />
se reserva inteiramente para a vingança<br />
, de que elles fazem contra<br />
os seus inimigos o maior <strong>do</strong>s gozos,<br />
e o primeiro <strong>do</strong>s deveres.<br />
Seu sentimento natural he exquisito<br />
, seu juizo recto , seu espirito<br />
justo. A rasão , e a persuasão<br />
encontrão nelles hum accesso fácil,<br />
com tanto que não se pertenda<br />
subjugal-os. Seus orgãos finos , e<br />
delica<strong>do</strong>s; sua memoria segura , e<br />
fácil os fazem susceptíveis cie instrucção.<br />
Por isso elles se tem eleva<strong>do</strong><br />
por si mesmos á alguns conhecimentos<br />
prácticos , cujo uso<br />
não deixa de ser util. Não só elles<br />
tem da<strong>do</strong> ñomes ás estrellas, mas<br />
também tem conheci<strong>do</strong> sua posição<br />
relativa. Depois de ter nota<strong>do</strong> o<br />
curso annual <strong>do</strong> sol, elles tem dividi<strong>do</strong><br />
o tempo ou pela marcha deste<br />
astro, ou pelas chuvas , pelas
Bo Brasil. i8i<br />
fcrizas e pelos ventos. Conhecem<br />
também algumas das propriedade?<br />
<strong>do</strong>s seus vegetaes , e das suas prochicçóes<br />
mineraes. Pelo que toca á<br />
Religião , ou antes á falta de Religião<br />
, á guerra , á politica , e ao<br />
pequeno numero de hábitos, que<br />
compõem a única legislação , que<br />
elles conhecem , pode se formar a<br />
idéa de seus usos , olhan<strong>do</strong> para o<br />
quadro geral <strong>do</strong>s costumes primitivos<br />
<strong>do</strong>s indígenas <strong>do</strong> Brasil.<br />
Estes selvagens passão em hum a<br />
ociosidade quasi absoluta o tempo ,<br />
em que a guerra cessa de os occupar.<br />
A cassa, e a pescaria, cujos<br />
productos elles ajuntão á mandioca<br />
, e ás outras substancias vegetaes<br />
, enchem com tu<strong>do</strong> huma parte<br />
<strong>do</strong> seu ocio. Elles dizem , segun<strong>do</strong><br />
huma clas suas tradições as mais<br />
acreditadas, que duai? personagens<br />
desconhecidas , das quaes huma se<br />
chamava Zomé , lhes ensinára a<br />
colher, e a preparar a mandioca:<br />
accrescentão , que .seus antepassa<strong>do</strong>s<br />
, procuran<strong>do</strong> motivo de dispu-
fli40 Historia<br />
ta contra estes bemfeitores, atirárão-lhes<br />
flexas ; mas que estas, voltan<strong>do</strong><br />
atraz , matarão os que as tinirão<br />
vibra<strong>do</strong>. Os bosques abrirão<br />
caminho a Zomé na sua fugida ,<br />
e os rios se abrirão igualmente para<br />
lhe oíferecerem passagem. Pertendem<br />
também que as duas personagens<br />
mysteriosas promettêião visital-os<br />
de novo, e mostrarão seus<br />
vestígios milagrosos , impressos na<br />
arêa.<br />
A recreação quasi única <strong>do</strong>s<br />
Tupin ambas he a dança : são muito<br />
da<strong>do</strong>s á elia, e se ajuntão muitas<br />
vezes nas suas aldeias , para se<br />
entregarem ao som da voz , e de<br />
hum instrumento chama<strong>do</strong> maraca ,<br />
espécie de roquinha , feito de hum<br />
fructo ôco , no qual introduzem<br />
pequenos grãos , e o agitão como<br />
hum tambor de biscainho , acompanhan<strong>do</strong><br />
orhythmo de suas canções.<br />
O maraca serve também de guiso<br />
de adevinhação aos seus adevinho?.<br />
Nas. sitas, festas , . e sobre tu<strong>do</strong>
Do Brasil. í2t)<br />
si a ceremonia da matança <strong>do</strong>s captivos<br />
os Tupinambos bebem em<br />
abundancia çumo defriictos, e cías<br />
raízes fermentadas. Além <strong>do</strong> licor ,<br />
que elles extrahem da mandioca ,<br />
e de que fazem bum uso immodera<strong>do</strong><br />
, preparão outro ainda melbor<br />
<strong>do</strong> fructo da acayaba. Porém posto<br />
que apaixona<strong>do</strong>s pelas bebidas<br />
fermentadas, elles não são menos<br />
melindrosos na escolha cl' agua :<br />
preferem a mais <strong>do</strong>ce , mais leve ,<br />
e que não deposita sedimento algum<br />
, e a conservão constantemente<br />
fresca pela transudação em<br />
vasos de barro poroso. Agua pura ,<br />
exposta ao orvalho de manha, era<br />
O sen remedio favorito.<br />
Ta es erão os Brasileiros , que<br />
accolhêrão Pedro Alvares Correa.<br />
Elles tiverão logo occasião cle admirar<br />
sua intelligencia e sua destreza.<br />
Hum dia ten<strong>do</strong> com seu mosquete<br />
mata<strong>do</strong> huma ave perante<br />
estes selvagens, as mulheres, e os<br />
filhos gritarão: Carjimurúl Caramuru<br />
! que quer dizei'.homem-dc
fli40 Historia<br />
fogo ; e testemunhárão o temor de<br />
perecerem também ás mãos delle.<br />
Pedro Alvares voltan<strong>do</strong>-se então<br />
para os homens, cujo espanto estava<br />
mistura<strong>do</strong> com hum temor menor<br />
, lhes fez saber , que iria com<br />
elles á guerra , e que mataria seus<br />
inimigos. Elles marcharão logo contra<br />
os Tapuyas. A fama da arma<br />
terrível <strong>do</strong> homem de fogo os precedia<br />
, e os Tapuyas fugirão. Caramurú<br />
foi o nome , com que Pedro<br />
Alvares foi conheci<strong>do</strong> dahi em<br />
diante entre os Portuguezes.<br />
Toca<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s effeitos espantosos<br />
das armas de fogo , e de outras invenções<br />
Européas, que Caramurú<br />
tinha o cuida<strong>do</strong> de appresentar a<br />
seus olhos, os Brasileiros da Bahia<br />
lhe attribuírão hum poder sobrenatural<br />
, que lhe attrahio logo suas<br />
homenagens t e até mesmo suas<br />
a<strong>do</strong>rações. Deste mo<strong>do</strong> aquelle mesmo<br />
Alvares, que se tinha julga<strong>do</strong><br />
em circumstancias de ser devora<strong>do</strong> ,<br />
como os seus compatriotas, que tinliao<br />
cabi<strong>do</strong> nas mãos destes stlva-
Do Brasil. í2t)<br />
gens antropopliagos, vio-se poucos<br />
dias depois ainda mais poderoso ,<br />
que seus próprios chefes , felizes<br />
em lhe obedecerem , e em fazerem-<br />
110 acceitar suas filhas por esposas.<br />
Então foi firmada a estreita alliança<br />
, que unio Caramará com os<br />
Tupinambas , de quem elle se fez ,<br />
por assim dizer , soberano absoluto.<br />
Em signal de respeito elles o vestirão<br />
com huma especie de manto ,<br />
ou túnica de algodão; fizerão-lhe<br />
offerta de suas mais bellas pennas ,<br />
e de suas melhores armas , e lhe<br />
prodigalisárão o producto de suas<br />
cassadas, e <strong>do</strong>s fructos os mais deliciosos<br />
dç> seu paiz. Caramurú estabeleceu<br />
sua habitação no lugar ,<br />
onde foi ao depois fundada a Villa<br />
Velha. Tornou-se o pai de hinna<br />
numerosa familia ; e ainda hoje as<br />
casas mais distinctas da, Bahia referem<br />
á elle sua origem. Fez levantar<br />
logo algumas cabana^ sobre<br />
a praia desta bahia espaçosa , e<br />
commoda , onde se poz em seguro ,<br />
açiianao em huma pescaria *buu-
fli40 Historia<br />
dante , e nas provisões , que Ih«<br />
trazião os índios, huma nutrição<br />
sã ; provisões na verdade sobrepujantes<br />
á necessidades da sua colonia<br />
nascente.<br />
As primeiras cabanas feitas á<br />
pressa forão logo substituidas por<br />
habitações mais convenientes: huma<br />
especie de politica , eu de disciplina<br />
foi introduzida , e conservada<br />
por Cararnurú , chefe, e regula<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> novo estabelecimento. Dos<br />
pedaços de hum navio naufraga<strong>do</strong><br />
eUe fez construir barcas mais sólidas<br />
, que as pirogas <strong>do</strong>s Brasileiros ;<br />
não porque elle esperasse servir-se<br />
delias para huma navegação longa ;<br />
mas elle se lisongeava de reconhecer<br />
logo to<strong>do</strong> o golfo , de que não<br />
tinha ainda idéa , por não ter ti<strong>do</strong><br />
noticia alguma da relação de Christovão<br />
Jacques. Com effeito desde o<br />
instante , em que naufragou , elle<br />
tinha suspeita<strong>do</strong>, que estava no<br />
Brasil , onde seus compatriotas começavão<br />
a estabelecer-se; porém<br />
perden<strong>do</strong> a espeiança de se unir á
[<br />
Do Brasil. 187<br />
elles, julgava-se para sempre separa<strong>do</strong><br />
deli es , e da Europa.<br />
Familiarisa<strong>do</strong> logo com o idioma<br />
<strong>do</strong>s Tupis , achou-se em esta<strong>do</strong><br />
de interrogar aos naturaes sobre a<br />
sua origem, e sobre o paiz , que<br />
habita vão. Os velhos conservavão<br />
•a lembrança de tres revolnçoes<br />
accontecidas 110 Reconcavo ; he este<br />
o nome , que elles dão á Bahia com<br />
todas as suas enseadas. Segun<strong>do</strong> a<br />
mais remota lembrança, que os homens<br />
podião ter entre estes selvagens<br />
, elles tinhão per hum facto<br />
certo , que os Tapuyas tinhão possuí<strong>do</strong><br />
o Reconcavo: mas como esta<br />
•parte <strong>do</strong> Brasil he , debaixo de algumas<br />
relações, hum <strong>do</strong>s lugares<br />
mais favoreci<strong>do</strong>s cla tetra , estes<br />
•não podião esperar o go^.ar pacificamente<br />
de huma possessão tão desejável,<br />
principalmente não haven<strong>do</strong><br />
entre elles outras leis , se não<br />
a da força. Por tanto os Tapinaes<br />
expellírão os Tapuyas , e conser-<br />
•várão o Reconcavo oor muitos an^<br />
nos bem que sempre' em gueira
fli40 Historia<br />
com os que elles havião desempossa<strong>do</strong>,<br />
e que ainda queriao lançar<br />
mais para o interior. Os Tupinambas<br />
, passan<strong>do</strong> ao depois o Rio de<br />
S. Francisco, invadirão também<br />
o Reconcavo , <strong>do</strong>nde excluirão os<br />
Tupinaes , que lançan<strong>do</strong>-se de novo<br />
sobre os Tapuyas , levarão-nos<br />
diante de si. Os últimos conquista<strong>do</strong>res<br />
estavão senhores <strong>do</strong> continente<br />
, quan<strong>do</strong> Caramurú chegou<br />
entre elles; porém já se tinhão dividi<strong>do</strong><br />
sobre a posse da sua preza.<br />
A povoação , que tinha fica<strong>do</strong> entre<br />
o Rio de S. Francisco , e Rio<br />
Real fazia huma guerra sanguinolenta<br />
ás tribus, que acabavão de<br />
tomar posse <strong>do</strong> Reconcavo; e estes<br />
mesmos se tractavão como inimigos,<br />
os que habitavão de huma parte<br />
da bahia <strong>do</strong>s que habitavão da outra<br />
: cada parti<strong>do</strong> exercia hostilidades<br />
por mar , e por terra , e devorava<br />
seus prisioneiros. Hum novo<br />
motivo de discórdia acabava de excitar-se<br />
entre os Tupinambas , q«e<br />
¡habitavão a costa oriental ; e era.
Do Brasil.<br />
í2t)<br />
ó que nas épocas semibarbaras,<br />
que nós chamamos heróicas , tem<br />
da<strong>do</strong> assumpto á poesia ,• e á histoiia.<br />
A filha de hum chefe tinha<br />
si<strong>do</strong> roubada á seu pai, e o raptor<br />
tinha recusa<strong>do</strong> entregál-a. O<br />
pai. , não ten<strong>do</strong> bastantes forças<br />
para o obrigar á isso, tinha-se retira<strong>do</strong><br />
com a sua tribu para a ilha<br />
de ltaporica. As povoações habitantes<br />
das margens <strong>do</strong> grande rio<br />
Paraguassú , ten<strong>do</strong> feito liga com<br />
os fugitivos, travarão huma guerra<br />
obstinada com o outro parti<strong>do</strong>. A<br />
Ilha de No<strong>do</strong>, ou da Pena traz<br />
este nome das emboscadas, e <strong>do</strong>s<br />
combates frequentes, de que ella<br />
foi então o theatro. A tribu emigrada<br />
augmentou-se, e estendeuse<br />
ao longo da costa <strong>do</strong>s llheos ,<br />
e a contenda se prolongou com<br />
muita energia. • „<br />
Tal era a situação <strong>do</strong>s Tupinambas<br />
no Reconcavo , quan<strong>do</strong><br />
Caramuru com seu temivel mosquete<br />
veio fazer inclinar-se a balança<br />
á favor da tribu hospitalei-
fli40 Historia<br />
ra , de que elle se tinha torna<strong>do</strong><br />
chefe. Feliz , e tranquillo entre<br />
estes selvagens , elle fazia esforço<br />
por civilisai-os: fazia mesmo disposições<br />
para dar á seu estabelecimento<br />
mais consistencia , e huma forma<br />
, que íosse mais regular , eren<strong>do</strong>-se<br />
desterra<strong>do</strong> para sempre entre<br />
os Tupinambüs, quan<strong>do</strong> appareceu<br />
de repente na entrada da Babia<br />
hum navio Norman<strong>do</strong> , que<br />
partira de Dieppe para fazer no<br />
Brasil huma viagem de descubertas<br />
, e commercio. Depois de ter<br />
entra<strong>do</strong> na bahia , lançou ancora<br />
á vista de Caramuru , e <strong>do</strong>s Indios<br />
reuni<strong>do</strong>s: poz-se logo em correspondencia<br />
com elles , de quem recebeu<br />
viveres , e hum accolhimento<br />
amigavel. De parte á parte fizerao-se<br />
trocas de huma utilidade<br />
reciproca. chegada imprevista,<br />
<strong>do</strong> navio Francez fez nascer em<br />
Caramuru 0 projecto de voltar á<br />
Europa, e ir á Lisboa dar conta<br />
ao Rei cle Portugal de seu naufragio<br />
, e de seu feüz estabelecimento
Do Brasil. í2t)<br />
em S. Salva<strong>do</strong>r. Elie esperava merecer<br />
por este meio a protecção , e<br />
a animação <strong>do</strong> Monarcha. Caramiirü<br />
facilmente obteve passagem<br />
para si, e para Paraguazú , sua<br />
mulher estimada , de quem elle não<br />
queria separar-se. Prometteu á seus<br />
hospedes, que voltaria logo , eembarcou-se<br />
, levan<strong>do</strong> com sigo amostras<br />
da riqueza , e das curiosidades<br />
<strong>do</strong> Brasil: mas as outras suas mulheres<br />
índias não puderão supportar<br />
este aban<strong>do</strong>no, posto que* por<br />
hum tempo limita<strong>do</strong>: ellas á na<strong>do</strong><br />
seguirão o navio com a esperança<br />
de serem recebidas abor<strong>do</strong>. Amais<br />
valorosa , ou a mais apaixonada<br />
avança tão longe , que antes de<br />
poder chegar á praia , suas forças<br />
a aban<strong>do</strong>não. Em vão pede ella<br />
soccorro ; Cciramurú não ouve mais<br />
suas vozes : em vão'intenta ella<br />
sustentar-se ainda sobre as va«as:<br />
fraca , desfalecida , desesperada ,<br />
ella succumbe , e morre nas ondas<br />
victirfm <strong>do</strong> seu amor para com Caramuru,.
Historia<br />
O navio apporrou com feliz<br />
viagem nas costas da Normandia.<br />
Henrique II. reinava então na<br />
França. Altivo , generoso . e bemfazejo<br />
, elle convidava os prazeres ,<br />
e as artes á sua Corte. Caramurâ<br />
appareceu nella debaixo cios auspícios<br />
<strong>do</strong> Capitão , a quem elle devia<br />
sua volta á Europa. Elle foi accolhi<strong>do</strong><br />
, bem como sua mulher Paraguaia<br />
, junto <strong>do</strong> Hei , e da Rainha.<br />
Henrique , e Catharina cie<br />
Medicis receberão estes viajantes<br />
com hum prazer occulto ; por que<br />
a Europa inteira então retumbava<br />
com o arrui<strong>do</strong> das descubertas maravilhosas<br />
feitas nas duas índias<br />
pelos Hespanhoes, e Portuguezes.<br />
As outras Potencias marítimas não<br />
vião sem hum sentimento de inveja<br />
tantos paizes , e riquezas<br />
exclusivamente invadidas , e cultivadas<br />
, por duas únicas Nações<br />
, que em outro tempo encantoadas<br />
na Península Hespanhola ,<br />
se estendião agora sobre os pontos<br />
os mais remotos <strong>do</strong> globo. Henri-
Do Brasil. í2t)<br />
que II. não se tinha esqueci<strong>do</strong> das<br />
palavras <strong>do</strong> Rei seu Pai á respeito<br />
da America. " Eu quizera ( tinha<br />
„dito Francisco I.) que se me<br />
„ mostrasse o artigo <strong>do</strong> testamento<br />
„ de Adão , que divide o Novo<br />
„ Mun<strong>do</strong> entre meus irmãos olm-<br />
„ pera<strong>do</strong>r Carlos V., e o Rei cie<br />
,, Portugal , excluin<strong>do</strong>-me da suc-<br />
„ cessão. ,, O Monarcha Francez<br />
manifestou evidentemente a intenção<br />
de participar da conquista <strong>do</strong><br />
novo hemisferlo , soüicitada além<br />
disso pelos navegantes de Dieppe ,<br />
que espreitavão as occasiões de terem<br />
accesso á America. Henrique ,<br />
e Catharina testemunhárão o desejo<br />
de favorecer suas emprezas distantes.<br />
Por tanto prodigalisárão com<br />
os estrangeiros vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil os<br />
signaes <strong>do</strong> mais vivo interesse. A<br />
moça índia attrahia principalmente<br />
a curiosa attenção <strong>do</strong>s Cortezãos<br />
Francezes , admira<strong>do</strong>s de verem a<br />
filha de hum chefe <strong>do</strong>s selvagens<br />
no meio da Côrte a mais polida da<br />
Europa. Deu-sç pressá á ganhal-a<br />
Tom, /. N
fli40 Historia<br />
para a Religião , e ParacjuaÇÜ foi<br />
baptizada solemnemente. A Rainha ,<br />
dan<strong>do</strong> o seu nome de Catharina á<br />
esta nova Christã , servio-lhe de<br />
Madrinha , e o Rei de Padrinho.<br />
Fez-se-lhe conhecer, não sem trabalho<br />
, mas com feliz successo , a<br />
Religião , que ella acabava de abraçar<br />
, e os usos da Europa. Seu mari<strong>do</strong><br />
Caramuru , bem que lisongea<strong>do</strong><br />
pelo accolhimento , que lhe fazia<br />
a Côrte de França , não perdia<br />
de vista Lisboa , sua patria, e se<br />
dispunha a partir para ella : porém<br />
o Governo Francez lhe negou o<br />
consentimento. As honras , que se<br />
lhe tinirão da<strong>do</strong> , não erão nada<br />
menos, que gratuitas: o Rei pertendia<br />
servir-se delle no paiz , que<br />
elle tinha descuberto. Caramuru<br />
deixou-se facilmente persuadir a<br />
conduzir hurra expedição mercante<br />
á Costa <strong>do</strong>s Tupinambas da Bahia<br />
, e de favorecer nella as relações<br />
de troca , e commercio entre<br />
os Francezes, e os naturaes. Com<br />
effeito elle chegou a enviar á D.
Do Brasil. í2t)<br />
João III. por intervenção de Pedro<br />
Fernandes Sardinha , joven Portuguez<br />
, que tinha concluí<strong>do</strong> os<br />
seus estu<strong>do</strong>s em Pariz , e que ao<br />
depois foi o primeiro Bispo <strong>do</strong> Brasil<br />
, as informações , que não se<br />
permittia , que elle mesmo levasse:<br />
elle por cartas exhortava o Rei de<br />
Portugal para colonisar o paiz delicioso<br />
, que tinha cahi<strong>do</strong> em seu<br />
poder de hum mo<strong>do</strong> tão estranho.<br />
Ao depois com hum rico commerciante<br />
Francez fez huma convenção<br />
, em virtude da qual os navios<br />
carrega<strong>do</strong>s de objectos úteis para<br />
o trafico com os naturaes <strong>do</strong> Brasil<br />
forão sujeitos á sua disposição ,<br />
bem como as munições , e a artilheria<br />
destes navios , logo que chegassem<br />
á Bahia. Caramarú obrigou-se<br />
da sua parte a carregal-os<br />
de pio brasil, e de oatros generos<br />
uteis ao commercio para a volta.<br />
Elle partio com estes <strong>do</strong>is navios<br />
, conduzin<strong>do</strong> com sigo sua mulher<br />
Catharina ; e .favoreci<strong>do</strong> por<br />
huma navegação rapida, ancorou<br />
N 2
içô Historia<br />
logo em S. Salva<strong>do</strong>r , achan<strong>do</strong> sua<br />
pequena colonia no mesmo esta<strong>do</strong>, 4<br />
em que a tinha deixa<strong>do</strong>. Os Tupinambos<br />
tornárão a ver com transportes<br />
de alegria aquelle, que elles<br />
consideravão ao mesmo tempo<br />
como seu pai, e seu chefe supremo.<br />
Sua primeira operação foi fortificar<br />
seu pequeno estabelecimento.<br />
Sua mulher Paragua^u , entusiasmada<br />
com o nome de Catharina ,<br />
e com os talentos , que tinha adquiri<strong>do</strong><br />
na Europa, fez to<strong>do</strong>s os<br />
esforços para converter , e para civilisar<br />
seus selvagens compatriotas.<br />
]á no meio das primeiras cabanas<br />
se acaba de fundar huma Igreja:<br />
já o mesmo Caramuru tinha distribui<strong>do</strong><br />
muitas plantas de cannas,<br />
começa<strong>do</strong> a cultura das terras , attrahi<strong>do</strong><br />
, e ajunta<strong>do</strong> por meio de<br />
beneficios o? naturaes , até então<br />
errantes, e dispersos, quan<strong>do</strong> appareceii<br />
na Bahia a expedição preparada<br />
em Lisboa , e commandada<br />
' por Pereira Coutinho , para vir<br />
tomar posse da provincia inteira;<br />
I
Do Brasil. í2t)<br />
apparição funesta , que espalhou a<br />
consternação em toda a colonia.<br />
Arma<strong>do</strong> da authoridade real ,<br />
Coutinho assentou o seu estabelecimento<br />
na Bahia no lugar agora<br />
chama<strong>do</strong> Villa Velha , que era a<br />
habitação de Caramuru , á quem<br />
recorreu logo para ter bom êxito<br />
na sua empreza colonial. Dois de<br />
seus companheiros, que erão de<br />
prigem nobre , casarão se com duas<br />
das filhas de Caramurú ; e por<br />
causa deste forão seus compatriotas<br />
estima<strong>do</strong>s pelos naturaes de sorte ,<br />
que tu<strong>do</strong> continuou em socego por<br />
algum tempo. Mas Coutinho não<br />
vio logo em Caramuru , se não<br />
hum occulto inimigo de seu poder:<br />
elle tinha servi<strong>do</strong> nas Grandes índias<br />
; e se fazia então muito preciso<br />
, que as índias fossem para<br />
os Portnguezes huma escolla de humanidade<br />
, e de politica. Coutinho<br />
servio-se <strong>do</strong> meio da força; condemnou<br />
tu<strong>do</strong> , o que se tinha feito<br />
até então , e censurou principalmente<br />
os meios de <strong>do</strong>çura , empre?
Historia<br />
ga<strong>do</strong>s para captar a benevolencia ,<br />
e a amizade <strong>do</strong>s naturaes. Estes<br />
não virão neste novo cheíe , se<br />
não hum senhor intractavel , despótico<br />
, decidi<strong>do</strong> a se estabelecer<br />
no seu paiz pelo direito de conquista.<br />
Seus solda<strong>do</strong>s , ou antes<br />
seus aventureiros , que elle tinha<br />
ajunta<strong>do</strong> , e trazi<strong>do</strong> em seu seguimento<br />
, assignalárão sua chegada<br />
com todas as especies de violencias ,<br />
e de rapinas: hum delles matou o<br />
filho de hum chefe <strong>do</strong>s naturaes.<br />
Coutinho pagou caro esta cruel<br />
offensa. Os ferozes Tupinambas ,<br />
os mais temiveis de to<strong>do</strong>s os selvagens<br />
Brasileiros , não respirárão<br />
mais, que vingança. Então começou<br />
huma longa perseguição contra<br />
toda esta horda , tão pouco acostumada<br />
ase ver á prova de actos de<br />
severidadee de rigor. Em vão<br />
Caramuru pertendeu livrar da oppressão<br />
os índios hospitaleiros , ao<br />
mesmo tempo seus allia<strong>do</strong>s, seus<br />
' hospedes, e seus amigos. Olha<strong>do</strong><br />
como importuno , e suspeito, foi
Do Brasil.<br />
preso por ordem de Coutinho, tira<strong>do</strong><br />
de sua mulher , e passa<strong>do</strong> para<br />
bor<strong>do</strong> de huma embarcação. O<br />
rumor cia sua morte falsamente espalha<strong>do</strong><br />
, lançou a desesperação na<br />
alma de Paragua^á , que para vingal-a<br />
armou não só os selvagens<br />
da sua nação , mas até chamou em<br />
seu soccorro os Tamoyós , seus<br />
visinhos.<br />
Aos dias felizes, e tranquillos<br />
que tinhão acompanha<strong>do</strong> a chegada<br />
, e o estabelecimento de Caramurá<br />
na Bahia, succedêrão dias<br />
de tristeza, e de carnagem. Apezar<br />
da superioridade, que as armas de<br />
fogo parecião dever assegurar aos<br />
Portuguezes , os Brasileiros , furiosos<br />
, e reuni<strong>do</strong>s em grande numero ,<br />
inflamma<strong>do</strong>s além disso pelos clamores<br />
de raiva de Paraguaia , queimarão<br />
os engenhos de sssucar , destruirão<br />
as plantações, matarão hum<br />
filho de Coutinho ; e depois de huma<br />
guerra sanguinolenta, que durou<br />
muitos annos „ arrasárão em<br />
fim. as. obras erigidas pelos Porfu-
fli40<br />
Historia<br />
guezes, e obrigárão seu chefe a<br />
procurar sua salvação nos navios.<br />
Reduzi<strong>do</strong> á esta vergonhosa extremidade<br />
, Coutinho se retirou com<br />
os restos da sua equipagem , e com<br />
os seus <strong>do</strong>is navios para a visinha<br />
Capitania <strong>do</strong>s Ilheos, que Jorge de<br />
Figueire<strong>do</strong> começava a colonisar.<br />
Caramuru , sempre preso , foi conduzi<strong>do</strong><br />
oelos Portuguez.es. Mas apenas<br />
se tinhão retira<strong>do</strong> , quan<strong>do</strong> os<br />
Tupinambas sentirão a falta das<br />
merca<strong>do</strong>rias da Europa , que consideradas<br />
por elles ao principio como<br />
objectos de luxo , e de ornato,<br />
se tinhão ao depois torna<strong>do</strong> em necessidades.<br />
Logo que se socegárão<br />
as differenças , concluio-se huma<br />
convenção entre os envia<strong>do</strong>s de<br />
Coutinho , e alguns chefes <strong>do</strong>s Tupiri<br />
ambas , que tractárão com tu<strong>do</strong><br />
sem participação de todas as povoações.<br />
Coutinho, ten<strong>do</strong> procura<strong>do</strong> ai*<br />
guns reforços, embarcou-se em huma<br />
caravella e deu á vela para<br />
a Bahia. Caramurá seguio-o em.
Do Brasil. í2t)<br />
outra caravella. Mas apenas chegárão<br />
a avistar o golfo, quan<strong>do</strong><br />
huma tempestade , que se levantou<br />
de repente , assaltou as embarcações<br />
, e as fez encalhar , antes de<br />
passar, a barra nas baixias da illia<br />
A de ltaporica. Os Tupinambos ,<br />
que presenceavão este naufragio ,<br />
eque tinhão conheci<strong>do</strong>, e assignala<strong>do</strong><br />
seu oppressor , avanção se com<br />
suas massas de guerra , apezar cía<br />
opposição <strong>do</strong>s chefes , que tinhão<br />
chama<strong>do</strong> Coutinho , e embarcán<strong>do</strong>se<br />
em tropel nas suas canoas , unemse<br />
com os da ilha, queestavão em<br />
peleja com a equipagem de Coutinho.<br />
Este Capitão tinha já ganha<strong>do</strong><br />
a praia ; mas elle não acabava<br />
de escapar ao furor das ondas<br />
, se não para soffrer a vingança<br />
<strong>do</strong>s Brasileiros. Atraca<strong>do</strong> rodea<strong>do</strong><br />
por huma multidão de inimigos<br />
furiosos , morreu feri<strong>do</strong> de hum<br />
grande golpe de massa. Sua cabeça ,<br />
separada <strong>do</strong> corpo , e ornada de<br />
pennas , foi levada em triumfo pelos<br />
vence<strong>do</strong>res, que manifes árão<br />
l
fli40<br />
Historia<br />
huma alegria acompanhada de grir<br />
tos, devorarão seus prisioneiros, e<br />
se regozijarão de terem principalmente<br />
farta<strong>do</strong> sua raiva contra o<br />
mais cruel inimigo da sua povoa»<br />
ção. As equipagens de Caramurá<br />
forão poupadas em attenção á elle<br />
que tornou a entrar em sua antiga<br />
povoação, e a levantar sua colonia<br />
com o soccorro <strong>do</strong>s Tupinambas ,<br />
sobre os quaes elle tornou a tomar<br />
seu antiga ascendente. A mulher ,<br />
e os filhos! de Coutinho não perecerão<br />
com elle ne*ta luta cruel;<br />
por que he provável, que elles tivessem<br />
si<strong>do</strong> deixa<strong>do</strong>s nos Ilheos ;<br />
mas perderão seu <strong>do</strong>minio , e tu<strong>do</strong> ,<br />
que Coutinho havia obti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Brasileiros.<br />
Passárão o resto da vida<br />
miseravelmente ; porque não tinhão<br />
outro recurso , se não a caridade<br />
publica; e morrerão victimas da<br />
imprudente tyranaia de Coutinho.
livro sexto.<br />
Progresso da. Capitania de S. Vicente.<br />
Tentativas desgraçadas<br />
de Aleixo Garcia , e de George<br />
Sedenho para chegarem ao Brasil<br />
por Paraguay. Primeiras<br />
hostilidades entre os Hespanhoes<br />
<strong>do</strong> Paraguay , c os Portugueses<br />
<strong>do</strong> Brasil. Renovação<br />
da guerra em Pernambuco. Cerco<br />
<strong>do</strong> Garassú pelos Cahetés.<br />
Chegada de D. Thomé de Sou-<br />
7,a , primeiro Governa<strong>do</strong>r Geral<br />
, ao Brasil. Fundação da<br />
cidade de S. Salva<strong>do</strong>r. Regularisação<br />
politica la. colonia.<br />
1540 —1550.<br />
Ei M quanto os Tupinamba? da<br />
Bahia sahião vence<strong>do</strong>res da su? " i-
204 Histori a<br />
meira luta com os Portugueses , a<br />
cobiça, e a inveja sopravao a discordias<br />
e a guerra entre os colonos<br />
de S. Vicente, e os Hespanhoes<br />
seus visinhos , já senhores<br />
das margens <strong>do</strong> Paraguay , e <strong>do</strong><br />
rio da Prata. <<br />
Estas contendas entre duas Nações<br />
, quasi sempre rivaes , terião<br />
ensopa<strong>do</strong> de sangue os <strong>do</strong>is hemis-<br />
. ferios ^ se os laços da benevolencia,<br />
e d r parentesco não tivessem<br />
uni<strong>do</strong> estreitamente Carlos V. , e o<br />
Rei de Portugal.<br />
Apenas tinhão-se passa<strong>do</strong> deseseis<br />
annos depois da descuberta <strong>do</strong><br />
Brasil, e já florescia a colonia de<br />
S. Vicente , situada em hum pequeno<br />
golfo á quarenta leguas ao<br />
Sul <strong>do</strong> Rio de Janeiro.<br />
Hum clima tempera<strong>do</strong> , altas ,<br />
e ricas montanhas, rios límpi<strong>do</strong>s ,<br />
e abundantes de peixe , valles ferteis,<br />
e habita<strong>do</strong>s por naturaes mansos,<br />
e sociáveis , muitos golfos profun<strong>do</strong>s<br />
, e sobre toda a costa hum<br />
gY Je numero de ilhas pictorescas,
Do Brasil. í2t)<br />
taes erão as numerosas vantagens,<br />
que esta bella parte <strong>do</strong> Brasil offerecia<br />
á seus novos possessores.<br />
Por tanto o estabelecimento de S.<br />
Vicente foi hum , <strong>do</strong>s que mais rapidamente<br />
chegárão a colonisar-se.<br />
Ao Sul , e á Oeste estão as<br />
fronteiras <strong>do</strong> Paraguay , ou o paiz<br />
da Prata , que recebe este duplica<strong>do</strong><br />
nome de <strong>do</strong>is rios . ciue o régão.<br />
O Paraguay recoii deci<strong>do</strong> por<br />
Solis , foi submetti<strong>do</strong> á Gorda de<br />
Castella quasi no mesmo tempo ,<br />
em que o Brasil entrava no <strong>do</strong>minio<br />
Portuguez : elle ainda mais particularmente<br />
passou a ser liuma<br />
conquista <strong>do</strong>s Missionários da Companhia<br />
de Jesus , aos quaes deveu<br />
em parte sua civilisação. Desde a<br />
sua origein as províncias <strong>do</strong> Paraguay<br />
, limitrophes <strong>do</strong> Brasil , forão<br />
muitas vezes o obj, ;ro , e o theatro<br />
de mais de hum debate politica<br />
entre as duas Nações rivaes. As<br />
novas possessões Hespanholas, poden<strong>do</strong><br />
servir de passagem pa*a ir<br />
<strong>do</strong> Brasil ao Peru , era princ' i-
Historia<br />
mente por este motivo , que o conhecimento<br />
geográfico , e a frequentação<br />
<strong>do</strong> Paraguay se fazião de hum<br />
grande interesse para os Portugueses<br />
de S.Vicente. Começava então<br />
a espalhar-se o rumor , que os Hespanlioes<br />
tiravão immensas riquezas<br />
<strong>do</strong> Perú , e logo os Portuguezes<br />
conceberão o desejo de terem nellas<br />
parte com JS seus visinhos da America.<br />
• Afto'iso de Souza , Capitão<br />
General^ a colonia, julgan<strong>do</strong> dever<br />
ceder ás instancias deseuscom¿<br />
patriotas , permirtio á Aleixo Garcia<br />
que unia a actividade á intrepidez<br />
, que partisse acompanha<strong>do</strong><br />
de seu filho , e de outros tres Portuguezes<br />
, para indagar as minas<br />
dtí^oiro , e abrir á colonia hum caminho<br />
até o Perú. Garcia dirigióse<br />
para o Occidente , e encontrou<br />
nas* margens ) Paraná a grande<br />
povoação <strong>do</strong>s Chanai^es, índios<br />
hospitaleiros , aos quaes elle se nnío<br />
pelos laços da amizade , e <strong>do</strong> casamei<br />
to. Perto de mil se resolverão<br />
a ¿nil-o na sua espantosa expe-
Do Brasil. í2t)<br />
dição. Alguns índios Tarupecocios<br />
e Chiri guanos engrossárão seu pe*<br />
queno exercito. Garcia passou 0<br />
rio ; e abrin<strong>do</strong> a derrota ou á força<br />
descuberta , ou allian<strong>do</strong>-se á novas<br />
povoações , ajuntou oiro , e<br />
penetrou até as fronteiras <strong>do</strong>Perú.<br />
Na volta para o Paraná , no ponto<br />
intermedio cia sua partida , concebeu<br />
o projecto deform _ _Jii hum<br />
estabelecimento estável , q lt- servisse<br />
de pouso á seus com -atriotas ,<br />
que qnizessem aproveitar-se de suas<br />
descubertas. Com esta intenção envioit<br />
ao Brasil <strong>do</strong>is Portuguezes da<br />
sua comitiva para informarem a<br />
Affonso de Souza <strong>do</strong> successo da<br />
sua viagem , e para lhe communicar<br />
seus planos ulteriores: além<br />
disso enviou também algumas barras<br />
de oiro para convencer a<br />
seus compatriotas, sua viagem<br />
tinha sabi<strong>do</strong> á medida <strong>do</strong>s seus desejos.<br />
Apenas os <strong>do</strong>is emissários de<br />
Garcia se apartáráo delle , quan<strong>do</strong><br />
os índios, que o acompanha vi ^ ,<br />
6 assassináruo , se apoderárão >
fli40<br />
Historia<br />
seu thesoiro , e aprisfòiiárão s»tt<br />
filho. Eisaqui ao menos, o que a<br />
tradição tem conserva<strong>do</strong> com mais<br />
verosimilhança entre os índios Chanaipes<br />
á respeito da <strong>historia</strong> deste<br />
aventureiro Portuguez: deve sentir-se<br />
o não se terem recolhi<strong>do</strong> todas<br />
as relações á este respeito. Garcia<br />
devia ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de talentos<br />
extraor-Aries; pois que não sen<strong>do</strong><br />
a^ n ip-.iiha<strong>do</strong> , se não por cinco<br />
Europêoí, , tinha chega<strong>do</strong> a levantar<br />
hum exercito entre os selvagens<br />
, e a abrir até o meio <strong>do</strong> caminho<br />
, no continente da America<br />
Meridional, derrotas até então desconhecidas.<br />
O respeito , que os índios<br />
destes paizes tributão á sua<br />
memoria, prova bem , que elle era<br />
tão hábil , e tão denoda<strong>do</strong> , como<br />
nenhum <strong>do</strong>s co r quista<strong>do</strong>res da America<br />
; e he r> jvavcl , que os excedesse<br />
em humanidade. Os velhos<br />
índios dizião ainda muito tempo<br />
depois da sua morte , que erão ami-<br />
¿[os Ch,í*sCãos, depois que Garc<br />
viera visital-o?, e fazer trocas.
Do Brasil. í2t)<br />
Depois de ter feito celebrar huma<br />
Missa ao Espirito Santo , Souza<br />
lançou os fundamentos da nova cidade<br />
meia - legua pouco mais . ou<br />
menos distante cio estabelecimento<br />
antigo , ao laclo direito <strong>do</strong> golfo ,<br />
sobre huma eminencia escarpada,y<br />
abundante de agitas perennes , e<br />
que se eleva em p'brttai distancia<br />
cia praia. Elle deu o 'nome de S.<br />
Salva<strong>do</strong>r á esta Metrop >ie,dn Brasil<br />
, situada aos treze gi^js de latitude<br />
austral, perto de ,mm porto<br />
vasto, e comino cia., que se dilata<br />
na Bahia de To<strong>do</strong>s os Santos. A<br />
cidade clevia occupan lium grande<br />
espaço por causa cjá'desigualdade<br />
<strong>do</strong> terreno., e <strong>do</strong>s Jardins numerosos<br />
, que se tinh&o poupa<strong>do</strong>. LevantárSo-se<br />
duas baterias cía parte<br />
<strong>do</strong> mar , e quatro ('a parte de tetra.<br />
Os 'Tnpinembas , cilicia<strong>do</strong>s pela<br />
influencia de Caramu 1 , pela conducta<br />
circumspecta <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r >•*,<br />
e pelos generos de troca., que os<br />
colonos oíferecião sem uas<br />
necessidades, e á ¡>na „uiáos.», ><br />
p a » :
228 fíistoríd.<br />
trabalharão com deligencía na edificação<br />
da cidade nascente. Huma<br />
Cathedral, o palacio <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r,<br />
ea Alfandega forão os primeiros<br />
edifícios traça<strong>do</strong>s , e começa<strong>do</strong>s<br />
logo. Em quatro mezes fundarão.se<br />
cem cazas com cercas , e<br />
plantações em utilidade da agricultura.<br />
Não se poupou á dispcza alguma<br />
para a prompta edificação<br />
das I^rejfc >. Elias forão traçadas<br />
sobre ln' r ia escada espaçosa , para<br />
que ein CÍ.SO de necessidade pudessem<br />
servir como de trincheiras , e<br />
de cidadellas. Sua posição bem escolhida<br />
<strong>do</strong>minava á bahia , e á to<strong>do</strong><br />
o campo circumvisinho. Os Missionários<br />
jesuitas obtiverão aposse<br />
de hum terreno immenso , onde<br />
logo fundarão huma Igreja , e hum<br />
Collegio magnif.cos , para os quaes<br />
a Coroa ao d pois lli^s assignou<br />
rendimentos<br />
Reinava a maior actividade na<br />
fundação d-« nova capital. O Gove,'^Uor<br />
r-ral presidia pessoal-<br />
V ao: trabalhos ; elie pen?
Do Braqit. a
fli40 Historia<br />
liç^.o terrível , se abstiverâo de ir<br />
aftoutamente ao meio <strong>do</strong>s selvagens.<br />
Dentro em pouco tempo levantou-se<br />
hutn muro de terra ao re<strong>do</strong>r<br />
da cidade , como huma fortificação<br />
temporaria de huma força sufficiente<br />
contra as hordas <strong>do</strong>s índios. Os<br />
colonos , pacíficos possui<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
-territoric ^. costa , virão a Capital<br />
<strong>do</strong> Br a, J levantar-se, <strong>do</strong>minar<br />
á hum poi o espaçoso , e commo<strong>do</strong> ,<br />
ten<strong>do</strong> de hum la<strong>do</strong> o vasto mar ,<br />
e de outro hum lago , que se alargava<br />
, e terminava na praia , cercava<br />
, e defendia a cidade pela<br />
parte <strong>do</strong> Norte. Huma tão feliz<br />
situação a fazia naturalmente muir<br />
o forte. Fossos , paliçadas , e muitas<br />
peças de artilheria a puzerão<br />
logo á abrigo de qualquer surpreza.<br />
Passou 9 ..er o centro <strong>do</strong> governo<br />
, e da colônia , e se estabeleceu<br />
nella h:.m Tribunal Real. Thomé<br />
de Souza voltou logo sua att^jjík}<br />
par as differentes capitanj';?.<br />
c|ue se tinhão successivamente
Do Brasil. í2t)<br />
levanta<strong>do</strong> em todas as partes da<br />
marinha <strong>do</strong> Brasil. Visitou-as, examinou<br />
suas fortificações, regulou a<br />
administração cia ]usriça , e ordenou<br />
aos clifferentes Commandantes,<br />
ou senhores concessionários , que<br />
não emprehendessem descnberta alguma<br />
nova , ou expedição alguma<br />
hostil sem huma ordt-m especial ,<br />
emanada delle ; porque não queria<br />
(dizia elle) oppôr , senãihuma defeza<br />
legitima ás aggressnp/ das povoações<br />
selvagens. Restringi<strong>do</strong>s assim<br />
em justos limites os privilégios<br />
<strong>do</strong>s grandes concessionários não<br />
servirão de obstáculo á acção<br />
<strong>do</strong> governo geral, que desde então<br />
pôde dar hum impulso uniforme ao<br />
systema de defeza commum , e á<br />
administração colonial.<br />
No anno seguinte a Corte de<br />
Lisboa enviou soccc-os de toda a<br />
qualidade á Capital cu.s novas posi<br />
sessões. A dispeza total <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />
armamentos foi avaliada em trezentos<br />
mil cruza<strong>do</strong>s.<br />
Chegou igualmente outra- iro» a
Historia<br />
de Lisboa á Bahia no terceiro anV<br />
no, Neila tinha a Rainha de Portugal<br />
feito embarcar muitas órfãs<br />
de famílias nobres, que devião ser<br />
casadas com officiaes , ou com sugeitos<br />
, que tivessem empregos públicos.<br />
Derão-selhes em <strong>do</strong>te, á<br />
custa da Fazenda Real , negtos ,<br />
vaccas, e cavallos: erão estes os<br />
objectos, que constituião a primeira<br />
riqueza da colônia nascente. Forão<br />
também envia<strong>do</strong>s de Lisboa meninos<br />
orfãos para serem educa<strong>do</strong>s<br />
pelos Missionários Jesuítas; e to<strong>do</strong>s<br />
os annos chegavão á Bahia navios<br />
, que trazião os mesmos soccorros<br />
, as mesmas addiiçoes de<br />
meios, e de forças. Taes medidas<br />
fizerão prosperar rapidamente tanto<br />
a Capital <strong>do</strong> Brasil , como as<br />
cidades , e víllas da costa , que participavão<br />
<strong>do</strong> seu augmento súccessivo.<br />
Mas isto não era , por assim dizer<br />
, se não huma prosperidade mater'<br />
' , e p 'itica ; por que a mo-<br />
& a Religião são os únicos fun-
Do Brasil. í2t)<br />
damentos reaes das sociedades. Debaixo<br />
desta ultima relação tn<strong>do</strong> estava<br />
ainda por crear no Brasil;<br />
todas as desordens , os excessos de<br />
toda a qualidade estavão leva<strong>do</strong>s<br />
ao maior gráo entre os colo ios. Para<br />
impedir o curso desta devassidão<br />
nada menos era preciso , que restabelecer<br />
o. império <strong>do</strong>s costumes.<br />
Este triumfo estava reserva<strong>do</strong> á<br />
Religião , e aos Missionários Jesuítas.<br />
"Nós vamos vêl-os esnalhar por<br />
todas as partes as luzes da civili»<br />
sação , e como verdadeiros Apóstolos<br />
multiplicar seus esforços , para<br />
leprimir a cubiça feroz <strong>do</strong>s invasores<br />
Portuguezes, e a vingança<br />
talvez muito justa <strong>do</strong>s povos selvagens.<br />
FIM DO PRIMEIRO TOMO.
M<br />
(« i<br />
h\
L I S T A<br />
Dos Senhores Subscritores<br />
para a Historia <strong>do</strong> Brasil.<br />
.Â. Gostinho Coelho de Almeida."<br />
Alexandre Fortes de Bustamante<br />
Sá.<br />
Alexandre Gil Vaz Lobo.<br />
Angelo de Proença Unhão.<br />
Antonio Alves.<br />
Antonio Alves de Brito.<br />
Antonio de Abreu Froes.<br />
Antonio Firmino Chaves.<br />
Antonio Garcia Pacheco de Almeida.<br />
Antonio Gomes Fogaça.<br />
Antonio José Lopes de Araujo ,<br />
filho.<br />
Antonio José de Medeiros.<br />
Antonio José Moreira .Guimaraens.<br />
Antonio José Pinto.<br />
Antonio Manoel <strong>do</strong>s Santos.<br />
* Antonio Mauricio Salgueiro Nogueira.<br />
' ;<br />
Antonio Nascentes Pinto.<br />
«i
Antonio Pereira Gonçalves.<br />
Antonio Pinheiro de S. Paio<br />
Bernar<strong>do</strong>, Carneiro Pinto de Almeida.<br />
Bernar<strong>do</strong> Joaquim da Costa.<br />
Bbpo Eleito de Meliapor.<br />
Camillo Caetano <strong>do</strong>s Reis.<br />
Candi<strong>do</strong> Lazaro de Moraes.<br />
Carlos <strong>do</strong>s Santos de Oliveira Pinto.<br />
Cezareo Marianno.<br />
Claudiano José cie Matos.<br />
Claudio José <strong>do</strong>s Santos.<br />
Damião Pereira da Costa.<br />
Domingos Alves Loureiro.<br />
Emiliano Faustino Lins.<br />
Estanisláo Francisco Lopes,<br />
Eugénio Martins Pimentel.<br />
Felizar<strong>do</strong> Joaquim da Silva Moraes.<br />
Fernan<strong>do</strong> Carneiro Leão.<br />
Fidelis Honorio da Silva <strong>do</strong>s Santos<br />
Pereira.<br />
Filipp e J 0sé fie Medeiros.<br />
Francisco Antonio da Fonceca Cunha.<br />
Francisco Caetano da Silva.<br />
Francisco Claudio Pinto da Cunha t,<br />
f Souza.<br />
Francisco Joaquim de Lima.<br />
fA
Francisco ]osé Alves da Silva.<br />
Francisco José de Brito.<br />
Francisco José Gomes da Silvai<br />
Francisco José Guimarães.<br />
Francisco José Nicoláo.<br />
Francisco ]o é Rodrigues.<br />
Francisco Julio Xavier.<br />
Francisc de Lemos de Faria Pereira<br />
Coutinho.<br />
Fra ncisco Maria Gordilho Velozo<br />
Barbuda.<br />
Francisco Manoel da Silva e Mello.<br />
Francisco de Paula Cominho.<br />
Francisco Pinto de Barros.<br />
Francisco da Silva Alves.<br />
Francisco da Silva Barros.<br />
Francisco Xavier Dantas Moreira.<br />
Gaspar Jose de Matos Ferreira Lucena.<br />
Geral<strong>do</strong> Carneiro Belleus.<br />
Henrique José Pinto Ribeiro de Vasconcellos<br />
, e Sousa.<br />
Jacinto de Mello Menezes Palliares.<br />
Januário Mathtns <strong>do</strong> Kego.<br />
Jeronimo Gonçalves Guimarães.<br />
João Alves de Souza Guimarães.<br />
João Antonio Airoza.<br />
João Baptista de. Almeida.
JoSo Baptista c!e Freiras.<br />
João Baptista Trancozo de Lira.<br />
João Carneiro de Campos.<br />
João Coireia de Figueire<strong>do</strong>.<br />
João ria Cruz <strong>do</strong>s Reis.<br />
João Diniz Vieira.<br />
João Francisco Leal.<br />
Jof.o )osé rle Mello. > '<br />
j ão Manoel Martins da Costa,<br />
jnão Martins Lourenço Viana.<br />
João Nt-pomuceno de Souza.<br />
João de Oltveira Cunha.<br />
João Pedre de Carvalho.<br />
João Rodiigues da Costa.<br />
João de Souza Murça.<br />
Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro.<br />
Joaquim Dias Medronho.<br />
Joaquim Dias Moreira.<br />
Joaquim Gonçalves de Moraes.<br />
Joaquim Ignacio Moreira Dias.<br />
Fr. Joaquim de S. José.<br />
Joaquim José Car<strong>do</strong>?o.<br />
Joaquim José da Cruz Secco.<br />
Joaquim Jqeé Cornet da Silva , filho-<br />
Joaquim José Pereira <strong>do</strong> Faro.<br />
Joaquim José ¡da Silva.<br />
JoaOTim José de Siqueira,<br />
joa^r.im d?,. Mtilo Rodrigues.