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Álvaro de Campos, Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro ...

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<strong>Álvaro</strong> <strong>de</strong> <strong>Campos</strong>, <strong>Notas</strong> <strong>para</strong> a <strong>Recordação</strong> <strong>do</strong> <strong>meu</strong> <strong>Mestre</strong> <strong>Caeiro</strong> [excertos]<br />

3<br />

O <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong> não era um pagão: era o paganismo. O Ricar<strong>do</strong> Reis é um pagão, o António Mora é um<br />

pagão, eu sou um pagão; o próprio Fernan<strong>do</strong> Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulha<strong>do</strong> <strong>para</strong> o<br />

la<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. Mas o Ricar<strong>do</strong> Reis é um pagão por carácter, o António Mora é um pagão por inteligência, eu sou um<br />

pagão por revolta, isto é, por temperamento. Em <strong>Caeiro</strong> não havia explicação <strong>para</strong> o paganismo; havia<br />

consubstanciação.<br />

Vou <strong>de</strong>finir isto da maneira em que se <strong>de</strong>finem as coisas in<strong>de</strong>finíveis – pela cobardia <strong>do</strong> exemplo. Uma das<br />

coisas que mais nitidamente nos saco<strong>de</strong>m na com<strong>para</strong>ção <strong>de</strong> nós com os gregos é a ausência <strong>de</strong> conceito <strong>de</strong> infinito,<br />

a repugnância <strong>de</strong> infinito, entre os gregos. Ora o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong> tinha lá mesmo esse mesmo inconceito. Vou<br />

contar, creio que com gran<strong>de</strong> exactidão, a conversa assombrosa em que mo revelou.<br />

Referia-me ele, aliás <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> o que diz num <strong>do</strong>s poemas <strong>de</strong> "O Guarda<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Rebanhos", que não sei<br />

quem lhe tinha chama<strong>do</strong> em tempos "poeta materialista". Sem achar a frase justa, porque o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong> não<br />

é <strong>de</strong>finível com qualquer frase justa, disse-lhe, contu<strong>do</strong>, que não era absurda <strong>de</strong> to<strong>do</strong> a atribuição. E expliquei-lhe,<br />

mais ou menos bem, o que é o materialismo clássico. <strong>Caeiro</strong> ouviu-me com uma atenção <strong>de</strong> cara <strong>do</strong>lorosa, e <strong>de</strong>pois<br />

disse-me bruscamente:<br />

nenhuma."<br />

"Mas isso o que é é muito estúpi<strong>do</strong>. Isso é uma coisa <strong>de</strong> padres sem religião e portanto sem <strong>de</strong>sculpa<br />

Fiquei atónito, e apontei-lhe várias semelhanças entre o materialismo e a <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong>le, salva a poesia <strong>de</strong>sta<br />

última. <strong>Caeiro</strong> protestou.<br />

"Mas isso a que v. chama poesia é que é tu<strong>do</strong>. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que<br />

eles dizem que o espaço é infinito. On<strong>de</strong> é que eles viram isso no espaço?"<br />

infinito?"<br />

E eu, <strong>de</strong>snortea<strong>do</strong>. "Mas v. não concebe o espaço como infinito? v. não po<strong>de</strong> conceber o espaço como<br />

"Não concebo nada como infinito. Como é que eu hei-<strong>de</strong> conceber qualquer coisa como infinito?"<br />

"Homem", disse eu, "suponha um espaço. Para além <strong>de</strong>sse espaço há mais espaço, <strong>para</strong> além <strong>de</strong>sse mais, e<br />

<strong>de</strong>pois mais, e mais, e mais... Não acaba... "<br />

"Porquê?" disse o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong>.<br />

Fiquei num terramoto mental. "Suponha que acaba", gritei. "O que há <strong>de</strong>pois?"<br />

"Se acaba, <strong>de</strong>pois não há nada", respon<strong>de</strong>u.<br />

Este género <strong>de</strong> argumentação, cumulativamente infantil e feminina, e portanto irrespondível, atou-me o<br />

cérebro durante uns momentos.<br />

"Mas v. concebe isso?" <strong>de</strong>ixei cair por fim.<br />

"Se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pu<strong>de</strong>ra! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra<br />

coisa qualquer, e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não<br />

está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante?"


Nessa altura senti carnalmente que estava discutin<strong>do</strong>, não com outro homem, mas com outro universo. Fiz<br />

uma última tentativa, um <strong>de</strong>svio que me obriguei a sentir legítimo.<br />

"Olhe, <strong>Caeiro</strong>... Consi<strong>de</strong>re os números... On<strong>de</strong> é que acabam os números? Tomemos qualquer número - 34,<br />

por exemplo. Para além <strong>de</strong>le temos 35, 36, 37, 38, e assim sem po<strong>de</strong>r <strong>para</strong>r. Não há número gran<strong>de</strong> que não haja um<br />

número maior... "<br />

"Mas isso são só números", protestou o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong>.<br />

E <strong>de</strong>pois acrescentou, olhan<strong>do</strong>-me com uma formidável infância:<br />

"O que é o 34 na Realida<strong>de</strong>?"<br />

6<br />

É costume dizer-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que alguém começou a dizê-lo, que, <strong>para</strong> compreen<strong>de</strong>r um sistema filosófico, é<br />

preciso compreen<strong>de</strong>r o temperamento <strong>do</strong> filósofo. Como todas as coisas com ar <strong>de</strong> certas, e que se espalham, isto é<br />

asneira; se o não fosse, não se teria espalha<strong>do</strong>. Confun<strong>de</strong>-se a filosofia com a formação <strong>de</strong>la. O <strong>meu</strong> temperamento<br />

po<strong>de</strong> levar-me a dizer que <strong>do</strong>is e <strong>do</strong>is são cinco, mas a afirmação <strong>de</strong> que <strong>do</strong>is e <strong>do</strong>is são cinco é falsa<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> <strong>meu</strong> temperamento, seja ele qual for. Po<strong>de</strong> ser interessante saber como é que eu vim a<br />

afirmar essa falsida<strong>de</strong>, mas isso nada tem com a própria falsida<strong>de</strong>, tem que ver somente com a razão <strong>do</strong> seu<br />

aparecimento.<br />

O <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong> era um temperamento sem filosofia, e por isso a filosofia <strong>de</strong>le – que a tinha, como<br />

toda a gente – não é susceptível sequer <strong>de</strong>stas brinca<strong>de</strong>iras <strong>do</strong> jornalismo intelectual. Não há dúvida que, sen<strong>do</strong> um<br />

temperamento, isto é, sen<strong>do</strong> um poeta, o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong> exprimiu uma filosofia, isto é, um conceito <strong>do</strong><br />

universo. Esse conceito <strong>do</strong> universo é, porém, instintivo e não intelectual; não po<strong>de</strong> ser critica<strong>do</strong> como conceito,<br />

porque não está lá, e não po<strong>de</strong> ser critica<strong>do</strong> como temperamento, porque o temperamento não é criticável.<br />

As i<strong>de</strong>ias organicamente ocultas na expressão poética <strong>do</strong> <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong> tentaram <strong>de</strong>finir-se, com maior<br />

ou menor felicida<strong>de</strong> lógica, em certas teorias <strong>do</strong> Ricar<strong>do</strong> Reis, em certas teorias minhas, e no sistema filosófico –<br />

esse perfeitamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> – <strong>do</strong> António Mora. Tão fecun<strong>do</strong> é <strong>Caeiro</strong> que cada um <strong>de</strong> nós três, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s o<br />

pensamento da alma ao nosso mestre comum, produziu uma interpretação da vida inteiramente diferente da <strong>de</strong><br />

qualquer <strong>do</strong>s outros <strong>do</strong>is. Verda<strong>de</strong>iramente, não há direito <strong>de</strong> com<strong>para</strong>r a minha metafísica, e a <strong>do</strong> Ricar<strong>do</strong> Reis, que<br />

são meras vaguida<strong>de</strong>s poéticas tentan<strong>do</strong> esclarecer-se (ao contrário <strong>de</strong> em <strong>Caeiro</strong>, on<strong>de</strong> a alma era <strong>de</strong> certezas<br />

poéticas não buscan<strong>do</strong> esclarecer-se), com o sistema <strong>de</strong> António Mora, que é realmente um sistema, e não uma<br />

atitu<strong>de</strong> ou um remexer. Mas, enfim, ao passo que <strong>Caeiro</strong> afirmava coisas que, estan<strong>do</strong> todas certas umas com as<br />

outras (como to<strong>do</strong>s percebíamos) numa lógica que exce<strong>de</strong> – como uma pedra ou uma árvore – a nossa<br />

compreensão, não eram contu<strong>do</strong> coerentes na sua superfície lógica, tanto o Reis, como eu (não falemos no Mora,<br />

por nosso superior em qualida<strong>de</strong> nesta matéria) tentávamos encontrar uma coerência lógica no que pensávamos, ou<br />

supúnhamos que pensávamos, a respeito <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. E isso, que pensávamos ou supúnhamos que pensávamos, a<br />

respeito <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, isso <strong>de</strong>via a <strong>Caeiro</strong>, <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>r das nossas almas, colonizadas <strong>de</strong>pois por nós.<br />

Propriamente falan<strong>do</strong>, Reis, Mora e eu somos três interpretações orgânicas <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong>. Reis e eu, que somos<br />

fundamentalmente embora diversamente poetas, interpretamos ainda com sujida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> sentimental. Mora,<br />

puramente intelectual, interpreta com a razão; se tem sentimento, ou temperamento, anda disfarça<strong>do</strong>.


O conceito da vida, forma<strong>do</strong> por Ricar<strong>do</strong> Reis, vê-se muito claramente nas suas o<strong>de</strong>s, pois, quaisquer que<br />

sejam os seus <strong>de</strong>feitos, o Reis é sempre claro. Esse conceito da vida é absolutamente nenhum, ao contrário <strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Caeiro</strong>, que também é nenhum, mas às avessas. Para Ricar<strong>do</strong> Reis, nada se po<strong>de</strong> saber <strong>do</strong> universo, excepto que nos<br />

foi da<strong>do</strong> como real um universo material. Sem necessariamente aceitarmos como real esse universo, temos que o<br />

aceitar como tal, pois não nos foi da<strong>do</strong> outro. Temos que viver nesse universo, sem metafísica, sem moral, sem<br />

sociologia nem política. Conformemo-nos com esse universo externo, o único que temos, assim como nos<br />

conformaríamos com o po<strong>de</strong>r absoluto <strong>de</strong> um rei, sem discutir se é bom ou mau, mas simplesmente porque é o que<br />

é. Reduzamos a nossa acção ao mínimo, fechan<strong>do</strong>-nos quanto possível nos instintos que nos foram da<strong>do</strong>s, e usan<strong>do</strong>-<br />

os <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a produzir o menos <strong>de</strong>sconforto <strong>para</strong> nós e <strong>para</strong> os outros, pois têm igual direito a não ter <strong>de</strong>sconforto.<br />

Moral negativa, mas clara. Comamos, bebamos e amemos (sem nos pren<strong>de</strong>r sentimentalmente à comida, à bebida e<br />

ao amor, pois isso traria mais tar<strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto); a vida é um dia, e a noite é certa; não façamos a<br />

ninguém nem bem nem mal, pois não sabemos o que é bem ou mal, e nem sequer sabemos se fazemos um quan<strong>do</strong><br />

supomos fazer o outro; a verda<strong>de</strong>, se existe, é com os Deuses, ou seja com as forças que formaram ou criaram, ou<br />

governam, o mun<strong>do</strong> – forças que, como na sua acção violam todas as nossas i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> que é moral e todas as nossas<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> que é imoral, estão patentemente além ou fora <strong>de</strong> qualquer conceito <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal, nada haven<strong>do</strong> a<br />

esperar <strong>de</strong>las <strong>para</strong> nosso bem ou até <strong>para</strong> mal nosso. Nem crença na verda<strong>de</strong>, nem crença na mentira; nem<br />

optimismo nem pessimismo. Nada: a paisagem, um copo <strong>de</strong> vinho, um pouco <strong>de</strong> amor sem amor, e a vaga tristeza<br />

<strong>de</strong> nada compreen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> ter que per<strong>de</strong>r o pouco que nos é da<strong>do</strong>. Tal é a filosofia <strong>de</strong> Ricar<strong>do</strong> Reis. É a <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong><br />

endurecida, falsificada pela estilização. Mas é absolutamente a <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong>, <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>: o aspecto côncavo<br />

daquele mesmo arco <strong>de</strong> que a <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> é o aspecto convexo, o fechar-se sobre si mesmo daquilo que em <strong>Caeiro</strong><br />

está vira<strong>do</strong> <strong>para</strong> o Infinito – sim, <strong>para</strong> o mesmo infinito que nega.<br />

É isto – este conceito tão fundamente negativo das coisas – que dá à poesia <strong>de</strong> Ricar<strong>do</strong> Reis aquela dureza,<br />

aquela frieza, que ninguém negará que tem, por mais que a admire; e quem a admira – pouca gente – é por essa<br />

mesma frieza, aliás, que a admira. Nisto, <strong>de</strong> resto, <strong>Caeiro</strong> e Reis são iguais, com a diferença que <strong>Caeiro</strong> tem frieza<br />

sem dureza; que <strong>Caeiro</strong>, que é a infância filosófica da atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Reis, tem a frieza <strong>de</strong> uma estátua ou <strong>de</strong> um píncaro<br />

neva<strong>do</strong>, e Reis tem a frieza <strong>de</strong> um belo túmulo ou <strong>de</strong> um maravilhoso roche<strong>do</strong> sem sol nem on<strong>de</strong> haver musgos. E é<br />

por isto que, sen<strong>do</strong> a poesia <strong>de</strong> Reis rigorosamente clássica na forma, é totalmente <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> vibração – mais<br />

ainda que a <strong>de</strong> Horácio, apesar <strong>do</strong> maior conteú<strong>do</strong> emotivo e intelectual. A tal ponto é intelectual, e portanto fria, a<br />

poesia <strong>de</strong> Reis, que quem não compreen<strong>de</strong>r um poema <strong>de</strong>le (o que facilmente suce<strong>de</strong>, dada a excessiva<br />

compressão) não lhe apreen<strong>de</strong> o ritmo.<br />

Comigo o que se passou foi o mesmo que o que se passou com Ricar<strong>do</strong> Reis, com a diferença que foi o<br />

contrário. O Reis é um intelectual, com o mínimo <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que um intelectual precisa <strong>para</strong> que a sua<br />

inteligência não seja simplesmente matemática, com o mínimo <strong>do</strong> que ente humano precisa <strong>para</strong> se po<strong>de</strong>r verificar<br />

pelo termómetro que não está morto. Eu sou exasperadamente sensível e exasperadamente inteligente. Nisto<br />

pareço-me (salvo um boca<strong>do</strong> mais <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, e um boca<strong>do</strong> menos <strong>de</strong> inteligência) com o Fernan<strong>do</strong> Pessoa;<br />

mas, ao passo que no Fernan<strong>do</strong> a sensibilida<strong>de</strong> e a inteligência entrepenetram-se, confun<strong>de</strong>m-se, interseccionam-se,<br />

em mim existem <strong>para</strong>lelamente, ou, melhor, sobrepostamente. Não são cônjuges, mas gémeos <strong>de</strong>savin<strong>do</strong>s. Assim,<br />

espontaneamente formei a minha filosofia daquela parte da insinuação <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> <strong>de</strong> que Ricar<strong>do</strong> Reis não tirou


nada. Refiro-me à parte <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> que está integralmente contida naquele verso, "E os <strong>meu</strong>s pensamentos são to<strong>do</strong>s<br />

sensações"; o Ricar<strong>do</strong> Reis <strong>de</strong>riva a sua alma daquele outro verso, que <strong>Caeiro</strong> se esqueceu <strong>de</strong> escrever, "As minhas<br />

sensações são todas pensamentos". Quan<strong>do</strong> me <strong>de</strong>signei como "sensacionista" ou "poeta sensacionista" não quis<br />

empregar uma expressão <strong>de</strong> escola poética (santo Deus! escola!); a palavra tem um senti<strong>do</strong> filosófico.<br />

Não creio em nada senão na existência das minhas sensações; não tenho outra certeza, nem a <strong>do</strong> tal<br />

universo exterior que essas sensações me apresentam. Eu não vejo o universo exterior, eu não oiço o universo<br />

exterior, eu não palpo o universo exterior. Vejo as minhas impressões visuais; oiço as minhas impressões auditivas;<br />

palpo as minhas impressões tácteis. Não é com os olhos que vejo, mas com a alma; não é com os ouvi<strong>do</strong>s que oiço,<br />

mas com a alma; não é com a pele que palpo, é com [a alma]. E, se me perguntarem o que é a alma, respon<strong>do</strong> que<br />

sou eu. Daqui a minha divergência fundamental <strong>do</strong> fundamental intelectual <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> e <strong>de</strong> Reis, mas não <strong>do</strong><br />

fundamental instintivo e sensitivo em <strong>Caeiro</strong>. Para mim o universo é apenas um conceito <strong>meu</strong>, uma síntese dinâmica<br />

e projectada <strong>de</strong> todas as minhas sensações. Verifico, ou cui<strong>do</strong> verificar, que coinci<strong>de</strong>m com as minhas gran<strong>de</strong><br />

número das sensações <strong>de</strong> outras almas, e a essa coincidência chamo o universo exterior, ou a realida<strong>de</strong>. Isso nada<br />

prova da realida<strong>de</strong> absoluta <strong>do</strong> universo porque existe a hipnose colectiva. Já vi um gran<strong>de</strong> hipnotiza<strong>do</strong>r obrigar um<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas ver, positivamente ver, a mesma hora falsa em relógios que o não estavam. Concluo<br />

daqui a existência <strong>de</strong> um Hipnotiza<strong>do</strong>r supremo, a quem chamo Deus, porque consegue impor a sua sugestão à<br />

generalida<strong>de</strong> das almas, as quais, contu<strong>do</strong>, não sei se ele criou ou não criou, porque não sei o que é criar, mas que é<br />

possível que criasse, cada uma <strong>para</strong> si mesma, como o hipnotiza<strong>do</strong>r me po<strong>de</strong> sugerir que sou outra pessoa ou que<br />

sinto uma <strong>do</strong>r que eu não posso dizer que não sinto, pois que a sinto. Para mim ser "real" consiste em ser susceptível<br />

<strong>de</strong> ser experiencia<strong>do</strong> por todas as almas; e isto obriga-me a acreditar num Hipnotiza<strong>do</strong>r Infinito, pois criou uma<br />

sugestão chamada universo capaz <strong>de</strong> ser experiencia<strong>do</strong> por todas as almas, não só reais, mas até possíveis. À parte<br />

isto, sou engenheiro – isto é, não tenho moral, política ou religião in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da realida<strong>de</strong> real mensurável das<br />

coisas mensuráveis, e da realida<strong>de</strong> virtual das coisas imensuráveis. Também sou poeta, e tenho uma estética que<br />

existe por si mesma, sem ter que ver com a filosofia que tenho ou com a moral, a política ou a religião que sou<br />

ocasionalmente força<strong>do</strong> a ter.<br />

António Mora, sim. Esse realmente, receben<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> a mensagem na sua totalida<strong>de</strong>, se esforçou por<br />

traduzi-la em filosofia, esclarecen<strong>do</strong>, recompon<strong>do</strong>, reajustan<strong>do</strong>, alteran<strong>do</strong> aqui e ali. Não sei se a filosofia <strong>de</strong> António<br />

Mora será o que seria a <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong>, se o <strong>meu</strong> mestre a tivesse. Mas aceito que seria a filosofia <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong>, se ele a<br />

tivesse e não fosse poeta, <strong>para</strong> a não po<strong>de</strong>r ter. Assim como da semente se evolve a planta, e a planta não é a<br />

semente magnificada, mas uma coisa inteiramente diferente em aspecto, assim <strong>do</strong> gérmen conti<strong>do</strong> na totalida<strong>de</strong> da<br />

poesia <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> saiu naturalmente o corpo diferente e complexo que constitui a filosofia <strong>de</strong> Mora. Vou <strong>de</strong>ixar a<br />

exposição da filosofia <strong>de</strong> Mora <strong>para</strong> o trecho seguinte a este. Estou cansa<strong>do</strong> <strong>de</strong> querer enten<strong>de</strong>r.<br />

17<br />

Desorientou-me, primeiro, este homem que cantava alegremente coisas que, acreditadas ou supostas, não<br />

dão senão pena ou horror a to<strong>do</strong>s – a materialida<strong>de</strong>, a morte, o não-além. Desorientou-me, segun<strong>do</strong>, que não só o<br />

fizesse com alegria, mas que transmitisse essa alegria aos outros. Quan<strong>do</strong> estou muito triste, leio <strong>Caeiro</strong> e é uma


isa. Fico logo calmo, cantante e com fé – sim, fico com fé em Deus, na alma, na pequenez transcen<strong>de</strong>nte da vida<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ler os poemas <strong>de</strong>ste ateu <strong>de</strong> Deus e <strong>do</strong> homem sem além na própria terra.<br />

E porquê? Porque a personalida<strong>de</strong> que está por trás da obra, a vitaliza com outra coisa que não é as i<strong>de</strong>ias<br />

que lá estão, e por on<strong>de</strong> ela aparentemente se manifesta. É o poeta <strong>Caeiro</strong>, não o filósofo <strong>Caeiro</strong>, que nos ama. O<br />

que realmente recebemos daqueles versos é a sensação infantil da vida, com toda a materialida<strong>de</strong> directa <strong>do</strong>s<br />

conceitos da infância, e toda a espiritualida<strong>de</strong> vital da esperança e <strong>do</strong> crescimento, que são <strong>do</strong> inconsciente, da alma<br />

e corpo, da infância. Aquela obra é uma madrugada que nos ergue e anima; e a madrugada, contu<strong>do</strong>, é mais que<br />

material, mais que anti-espiritual, porque é um efeito abstracto, puro vácuo, nada.<br />

A obra <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> tem, porém, e além disto, um efeito crítico. Estes versos da sensação directa, contraposta a<br />

sua alma aos nossos conceitos sem naturalida<strong>de</strong>, à nossa civilização mental, artificiosa, contabilizada em gavetas,<br />

rasga-nos to<strong>do</strong>s os trapos que temos por fato, lava-nos a cara da química e o estômago <strong>do</strong>s farmacêuticos – entra<br />

pela nossa casa <strong>de</strong>ntro e mostra-nos que uma mesa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira é ma<strong>de</strong>ira, ma<strong>de</strong>ira, ma<strong>de</strong>ira, e que mesa é uma<br />

alucinação necessária da nossa vonta<strong>de</strong> que fabrica mesas.<br />

Feliz <strong>de</strong> quem, um momento que fosse na vida, conseguir ver a mesa como ma<strong>de</strong>ira, sentir a mesa como<br />

ma<strong>de</strong>ira – ver a ma<strong>de</strong>ira da mesa sem ver a mesa. Volte <strong>de</strong>pois a "saber" que é mesa, mas toda a vida não esquecerá<br />

que ela é ma<strong>de</strong>ira. E amará a mesa, mesa como mesa, melhor.<br />

Foi este o efeito <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> sobre mim. Não <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ver a aparência das coisas, a sua integrida<strong>de</strong> divina e<br />

humana, mas fiquei ven<strong>do</strong>-as, ao mesmo tempo, na alma material da sua matéria. Fiquei liberto. De então em diante<br />

eu era como um daqueles Rosa-Cruz, <strong>de</strong> quem reza a lenda ou a verda<strong>de</strong>, que, semelhantes por fora a to<strong>do</strong>s os<br />

humanos, e conformes com to<strong>do</strong>s os costumes e maneiras <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> igualitário, têm consigo o segre<strong>do</strong> <strong>do</strong> Universo<br />

e sabem sempre on<strong>de</strong> está “a porta da fuga” e a magia da essenciação.<br />

20<br />

"Nunca altero o que escrevi", disse-me uma vez o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong>. "Se o escrevi assim é porque o senti<br />

assim, e nada tem <strong>para</strong> o caso que eu hoje sinta <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> diferente. Os <strong>meu</strong>s poemas contradizem-se muitas<br />

vezes, bem sei, mas que importa, se eu me não contradigo? Há coisas nalguns <strong>do</strong>s <strong>meu</strong>s poemas, sabe?, que eu não<br />

seria capaz <strong>de</strong> escrever agora, em ocasião nenhuma. Mas escrevi-as então, e essa é que foi a ocasião em que as<br />

escrevi. Por isso ficam como estão."<br />

E, a <strong>meu</strong> pedi<strong>do</strong>, exemplificou:<br />

"Olhe, por exemplo, várias coisas no poema sobre o Menino Jesus. Eu hoje era incapaz, nem por distracção,<br />

<strong>de</strong> dizer que "a direcção <strong>do</strong> <strong>meu</strong> olhar é o <strong>de</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong>le aponta<strong>do</strong>". Eu era incapaz <strong>de</strong> dizer que "ele brinca com os <strong>meu</strong>s<br />

sonhos" e vira uns <strong>de</strong> pernas <strong>para</strong> o ar, e põe uns em cima <strong>do</strong>s outros, e outras coisas assim. Enfim, eu era incapaz <strong>de</strong><br />

escrever o poema hoje, e afinal isso é que quer dizer tu<strong>do</strong>."<br />

Defendi o poema, e as próprias frases que <strong>Caeiro</strong> nele incriminava.<br />

"Não, não têm <strong>de</strong>fesa. São absolutamente falsas. A direcção <strong>de</strong> um olhar não é um <strong>de</strong><strong>do</strong>: é a direcção <strong>de</strong> um<br />

olhar. Não se brinca com sonhos como se fossem pedras ou caixas <strong>de</strong> fósforos vazias. E tu<strong>do</strong> aquilo mesmo não é<br />

nada. Foi uma distracção minha e eu também existo nas minhas distracções, embora distraidamente.


"Lembro-me perfeitamente <strong>de</strong> como escrevi esse poema. O Padre B... tinha esta<strong>do</strong> lá em casa a falar com a<br />

minha tia e esteve a dizer tantas coisas que me irritaram que eu escrevi o poema <strong>para</strong> respirar. Por isso é que ele<br />

está fora da minha respiração vulgar. Mas o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> irritação é um esta<strong>do</strong> falso em mim; por isso o poema não<br />

está inteiramente certo comigo, mas só com a minha irritação e com a pessoa a mais que a irritação é quan<strong>do</strong> a<br />

gente a tem.<br />

"Hoje, se estivesse irrita<strong>do</strong> – o que já é muito difícil <strong>de</strong> acontecer – eu não escreveria coisa nenhuma.<br />

Deixava a irritação irritar-se. Depois, quan<strong>do</strong> sentisse vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever, escrevia. Deixava o escrever escrever-se.<br />

"Ainda hoje, <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong>, escrevo um ou outro poema com que não concor<strong>do</strong>; mas escrevo-o. Assim<br />

como acho interessante toda a gente por não ser eu, acho às vezes interessante um ou outro momento em que não<br />

sou eu. Em to<strong>do</strong> o caso, já hoje me não é possível afastar-me tanto <strong>do</strong> que quero como no poema sobre o Menino<br />

Jesus. Posso afastar-me <strong>de</strong> mim, mas já não me afasto da Realida<strong>de</strong>."<br />

Durante uns momentos, <strong>Caeiro</strong> esteve silencioso. Depois acrescentou:<br />

"O poema <strong>de</strong> agora em que me afastei mais <strong>de</strong> mim é aquele que escrevi o mês passa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois daquela<br />

conversa entre o Ricar<strong>do</strong> Reis e o António Mora sobre o paganismo e os <strong>de</strong>uses." (Referia-se ao poema [“Também<br />

sei fazer conjecturas”] <strong>do</strong>s "Inconjuntos".)<br />

"Ouvi-os, e pus-me a imaginar como é que se imaginava uma religião. E lembrou-me que <strong>de</strong>veria ser assim.<br />

Por isso escrevi o poema, não como acto poético mas como acto <strong>de</strong> imaginação... Sim, como se estivesse contan<strong>do</strong><br />

um conto a uma criança. Tinha que pôr lá o Príncipe... Eu também posso fazer contos <strong>de</strong> fadas – mas só uma vez, é<br />

claro ... "<br />

"Há um outro poema seu", disse eu, "que está um pouco nessas condições". E, como <strong>Caeiro</strong> olhasse a<br />

pergunta, "É aquele em que v., falan<strong>do</strong> <strong>de</strong> um homem numa casa iluminada, à distância, diz, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ver o<br />

homem, que ele <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser real". (Trata-se, como é <strong>de</strong> ver, <strong>do</strong> poema "É noite. A noite é muito escura" <strong>do</strong>s<br />

"Inconjuntos".)<br />

"Eu não digo que ele <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser real: digo que ele <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser real <strong>para</strong> mim. Não quero dizer que ele<br />

<strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> ser visível <strong>para</strong> quem esteja on<strong>de</strong> o veja. Deixou <strong>de</strong> ser visível <strong>para</strong> mim. Po<strong>de</strong> até ter morri<strong>do</strong>."<br />

"V. admite, então, duas formas <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>?"<br />

"Muito mais <strong>do</strong> que duas", respon<strong>de</strong>u inesperadamente o <strong>meu</strong> mestre <strong>Caeiro</strong>. "v. bem vê... Aquela ca<strong>de</strong>ira é<br />

ca<strong>de</strong>ira e aquela ca<strong>de</strong>ira é ma<strong>de</strong>ira, e aquela ca<strong>de</strong>ira é a substância <strong>de</strong> que a ma<strong>de</strong>ira é feita, e que não sei o que é<br />

na química, e aquela ca<strong>de</strong>ira é talvez – é com certeza – muitas outras coisas mais. Mas é-as todas. Se a vejo é<br />

principalmente ca<strong>de</strong>ira; se a toco é principalmente ma<strong>de</strong>ira; se a mor<strong>de</strong>sse e tomasse o sabor da ma<strong>de</strong>ira, ela seria<br />

principalmente a composição da ma<strong>de</strong>ira. São como o la<strong>do</strong> direito e o esquer<strong>do</strong>, e a frente e as costas <strong>de</strong> qualquer<br />

coisa. To<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s são reais, cada um <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong>. O homem que eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ver seria real, mas era <strong>de</strong> outro<br />

la<strong>do</strong>; como eu não estava <strong>de</strong>sse la<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser real <strong>para</strong> mim.<br />

21<br />

Se as crianças não percebem os adultos – que, aliás, nada têm que perceber porque são to<strong>do</strong>s iguais, e o que<br />

é igual a outra coisa não existe –, mais certo é que os adultos não percebam as crianças. Ser adulto é esquecer-se <strong>de</strong><br />

que se foi criança. Por isso os pais castigam os filhos por aquilo mesmo que fizeram na mesma ida<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> um pai


se lembra <strong>do</strong> que foi, e não castiga o filho, é porque proce<strong>de</strong> racionalmente: acha que, se se lembrasse <strong>do</strong> que foi,<br />

não <strong>de</strong>veria castigar o filho. Na realida<strong>de</strong> não se lembra. Teria fica<strong>do</strong> criança se se lembrasse.<br />

Isto vem a propósito <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> horroroso que, num certo aspecto, a influência <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> <strong>de</strong>u na receptiva<br />

<strong>de</strong> Ricar<strong>do</strong> Reis. A ausência <strong>de</strong> preocupação metafísica em <strong>Caeiro</strong>, natural em quem pensa infantilmente, tornou-se,<br />

na interpretação adulta <strong>de</strong> Reis, uma coisa monstruosa. Como <strong>Caeiro</strong>, Ricar<strong>do</strong> Reis encara a vida e a morte<br />

naturalmente, mas, ao contrário <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong>, pensan<strong>do</strong> nelas. Daí esses versos <strong>de</strong> uma materialida<strong>de</strong> angustiante, até<br />

<strong>para</strong> ele mesmo que os escreve. Quan<strong>do</strong> Reis fala da morte, parece que antecipa ser enterra<strong>do</strong> vivo. Consi<strong>de</strong>ra-se<br />

nada, excepto <strong>para</strong> o efeito dispensável <strong>de</strong> sentir sobre si a “húmida terra imposta”, e outras maneiras igualmente<br />

sufocantes <strong>de</strong> dizer a mesma coisa. O sentimento que em <strong>Caeiro</strong> é um campo sem nada é em Reis também um<br />

túmulo sem nada. A<strong>do</strong>ptou o nada <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> mas não tinha a ciência <strong>de</strong> o não <strong>de</strong>ixar apodrecer.<br />

Envelhecer e morrer parecem ser <strong>para</strong> Ricar<strong>do</strong> Reis a súmula e o senti<strong>do</strong> da vida. Para <strong>Caeiro</strong> não há<br />

envelhecer, e morrer está <strong>para</strong> lá <strong>do</strong>s montes. Isto vem a propósito <strong>de</strong> influências, creio.<br />

Reis não tem metafísica. A<strong>do</strong>ptou a <strong>de</strong> <strong>Caeiro</strong> e o resulta<strong>do</strong> foi aquele. Não nego que tenha relevo estético;<br />

nego que se possa <strong>de</strong>centemente ler. Cada um <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>ve ter uma metafísica própria, pois cada um <strong>de</strong> nós é cada<br />

um <strong>de</strong> nós. Se recebemos influências, recebamo-las <strong>para</strong> os nossos ritmos, <strong>para</strong> as nossas imagens, <strong>para</strong> a disposição<br />

<strong>do</strong>s nossos poemas. Mas não a recebamos <strong>para</strong> a nossa própria alma.<br />

<strong>Álvaro</strong> <strong>de</strong> <strong>Campos</strong>, <strong>Notas</strong> <strong>para</strong> a <strong>Recordação</strong> <strong>do</strong> <strong>meu</strong> <strong>Mestre</strong> <strong>Caeiro</strong>, Lisboa, Editorial Estampa, 1997

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