Design/Ciência/Informação - Esdi - UERJ
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<strong>Ciência</strong>/Comunicação/<strong>Design</strong><br />
Palestra proferida para a inauguração do segundo semestre 2001 na <strong>UERJ</strong>,<br />
Rio de Janeiro, por ocasião da outorga do título Doutor Honoris Causa<br />
2001_09_05<br />
Gui Bonsiepe<br />
Copyright © Gui Bonsiepe 2001<br />
Receber um reconhecimento público em forma de um título acadêmico por parte de uma<br />
universidade dá motivo para sentir-se emocionado - e por mais estranho que pareça também<br />
os alemães com a duvidosa reputação de serem constituídos de ferro fundido ou cimento<br />
armado com aço, se emocionam, pelo menos às vezes.<br />
O reconhecimento ganha mais significado devido ao fato de ser uma instituição brasileira de<br />
ensino superior que outorga este honra - Brasil, este »gênio enorme metido numa garrafa<br />
verde« como Cabrera Infante uma vez caracterizou este país (»Brasil, el genio enorme<br />
metido en una botella verde«. Cabrera Infante, Guillermo, Infantería, México, Fondo de<br />
Cultura Económica, 1999, p 974).<br />
Por tanto agradeço profundamente á <strong>UERJ</strong>, à sua Reitora Prof. Nilcéa Freire, a seus<br />
conselhos acadêmicos e em particular aos colegas da ESDI pela iniciativa e pelo fôlego<br />
(stamina) necessário para levar um processo desse tipo a um fim bem sucedido. Especial<br />
agradecimento é dirigido ao atual diretor Prof. Freddy Van Camp.<br />
Atribuí especial valor a esta distinção porque a interpreto no sentido do reconhecimento de<br />
mais de trinta anos de atividade profissional, de ensino e de pesquisa na América Latina, em<br />
sua maior parte no Brasil, norteada pelo desejo de dar uma contribuição ao longo e difícil<br />
caminho de ganhar autonomia na formação da cultura material, da cultura comunicativa e de<br />
ter uma voz no cenário do design moderno.<br />
Não é freqüente que a área de conhecimento humano chamada design receba tal honra. É<br />
menos freqüente ainda, se reconhecer um empenho do design que põe ênfase nos aspectos<br />
sociais, vale dizer uma postura na tradição »bauhausiana« e »ulmiana« na qual me formei e<br />
na qual o termo fundamental »utopia« sempre foi vigente. Digo isso contra as prédicas do fim<br />
da historia. A historia seria uma coisa muito chata, extremamente chata, asfixiantemente<br />
chata se a vida fosse vivida enquadrada no horizonte da fantasia - ou falta de fantasia - das<br />
instituições financeiras internacionais.<br />
Certamente não é casualidade que foram docentes da ESDI que tomaram a iniciativa, pois<br />
existem fortes laços programáticos e coincidências entre a assim chamada Escola de Ulm e<br />
a ESDI. A ESDI é a primeira Escola Superior de <strong>Design</strong> na América Latina que incorporou as<br />
linhas gerais de um pensamento crítico-pragmático o que foi o destaque da tradição<br />
»ulmiana«. Por isso sinto-me em casa pela afinidade entre ambas instituições.<br />
Por fim, quero utilizar esta oportunidade para agradecer ás pessoas e ás instituições<br />
brasileiras que me abriram as portas com a proverbial generosidade e hospitalidade deste<br />
país. Elas me deram luz verde para fazer o que considerei adequado. Quero salientar a<br />
1
constância do papel do CNPq que nos inícios dos anos oitenta me trouxe para o Brasil após<br />
experiências no Chile e na Argentina. Voei para Brasília para dar uma assessoria temporária<br />
limitada num programa de desenvolvimento industrial e tecnológico e fiquei com a minha<br />
família seduzido pelas possibilidades e contradições desse país. Parafraseando o título do<br />
livro de Stefan Zweig »Brasil - País do futuro« eu diria »Brasil - país (ainda) com futuro« - e<br />
isso sem sentido ufanista.<br />
Tampouco é freqüente que se possa tratar da temática do design num foro universitário tão<br />
amplo, e menos ainda num »portunhol» que me parece difícil evitar devido à afinidade<br />
aparente - e somente aparente - entre o português e o espanhol. Desde já peço desculpas<br />
pelo sotaque e o uso ocasional de espanholismos e outros ingredientes lingüísticos.<br />
Porém ao mesmo tempo em que sinto me honrado, o convite para dar uma palestra<br />
inaugural do semestre na <strong>UERJ</strong> me provocou uma certa perplexidade; já que me perguntei<br />
qual temática seria de interesse para representantes de outras disciplinas e não somente de<br />
interesse para os designers no Brasil que se possa selecionar. Mas ainda tinha dúvidas se<br />
seria oportuno correr o risco de utilizar material visual como apoio, pois é bem sabido que<br />
numa palestra sempre algum artefato, ou seja, um winchester ou um projetor começa<br />
mostrar um comportamento estranho ou entra num estado de obstinada não-funcionalidade.<br />
Além disso, muitas vezes os designers são acusados de limitar suas palestras a passar uma<br />
seqüência de slides. Optei por incluir alguns exemplos concretos evitando que meu discurso<br />
fique no nível meramente normativo.<br />
Pensando sobre possíveis conteúdos surgiram tópicos tais como:- design na época de<br />
turbulências econômicas, - design e ensino a distância (via rede www)- design no setor<br />
público - vale dizer temáticas contingentes.Poderiam ter - ou não - atratividade para um<br />
público mais amplo. Porém preferi orientar o enfoque a uma temática intra-acadêmica: a<br />
relação entre o quase periférico campo do design e o império das ciências. Pensei também<br />
na possibilidade de apresentar reflexões sobre uma completa re-estruturação do ensino<br />
superior, repensando a universidade desde a perspectiva do projeto, substituindo o ensino<br />
de disciplinas por um ensino orientado por problemas e cambiando o rol do docente que não<br />
seria mais um transmissor de informações, mais sim um »coach« que orienta aos<br />
estudantes. Porém, este tema me parecia ambicioso demais e por isso dediquei meu texto à<br />
questão »ciência e design«.<br />
Talvez desiludirei alguns colegas e estudantes que esperam escutar algo sobre design de<br />
produtos. Porém para mim as fronteiras entre design gráfico e design de produto cada vez<br />
são menos justificadas. No design de software, vale dizer de ferramentas imateriais, é difícil<br />
manter a divisão clássica entre programação visual e design de produtos. Não quero ser mal<br />
entendido: não advogo por um uso indiferenciado do termo »design« nem nego a identidade<br />
de cada um dos dois campos. Porém repito: com o surgimento da informática as fronteiras<br />
entre as duas especializações ficaram mais permeáveis.<br />
Retomarei então a questão <strong>Ciência</strong> e <strong>Design</strong>, que tem uma historia no discurso projetual, e<br />
inclusive uma história pessoal. Pois nos anos de peregrinação nesse campo de<br />
conhecimento humano reiteradamente me confrontei com essa pergunta: quais relações<br />
existem entre as <strong>Ciência</strong>s com maiúscula e design com minúscula.<br />
Assim fixei para minha palestra dois objetivos, um objetivo modesto e outro objetivo<br />
ambicioso. Em ambos casos não me limitarei a uma exposição de idéias especulativas, mas<br />
apoiarei os »claims« com resultados concretos de projetos digitais desenvolvidos<br />
recentemente por estudantes, vale dizer no contexto do ensino e da pesquisa universitária.<br />
2
O objetivo simples da palestra consiste em mostrar o valor instrumental que o design pode<br />
possuir para o metabolismo social de conhecimentos produzidos pelas ciências. Mostrarei<br />
dois exemplos de anteprojetos: um destinado ao ensino no campo da medicina e outro<br />
destinado a divulgar informação sobre as culturas pré-colombianas no México elaborada por<br />
antropólogos e historiadores.<br />
O objetivo ambicioso é mostrar o valor cognoscitivo do design. Explico-me: quero mostrar<br />
que a partir do design e do domínio das ferramentas do design podem-se abrir perspectivas<br />
novas a fenômenos que não seriam accessíveis com as ferramentas tradicionais discursivas<br />
das ciências. Para ilustrar esta tese ambiciosa mostrarei um exemplo do campo de estudos<br />
semióticos.<br />
Talvez a minha proposta de outorgar ao design uma outra função e interpretação divergente<br />
do modelo dominante dos últimos dez anos pareça ingênua. Aceito esta eventual alegação.<br />
Nos últimos dez anos com insistência incansável o design tem sido tratado como uma<br />
simples variável dependente do marketing, apresentando o mercado como grande baú<br />
dourado da felicidade no qual todos encontrariam o tão desejado e merecido bem estar. A<br />
subordinação unidimensional do design às supostas forças »livres« do mercado mostra hoje<br />
sintomas de crise reconhecida mesmo pelos defensores da cosmovisão que se manifesta no<br />
Consenso de Washington. No Brasil presenciamos nesses dias um exemplo candente de<br />
uma hipocritica e por sua vez realista política inspirada nos imperativos da comercialização<br />
para manter uma faixa do mercado no setor de alguns produtos alimentícios e de limpeza.<br />
Este operativo não funcionaria sem design correspondente.<br />
Desde a perspectiva mencionada o intento de relacionar design e ciências pode - e quase<br />
deve - parecer um operativo quixotesco. Porém considero que nos países emergentes aos<br />
quais o Brasil pertence, hoje somente se pode fazer uma política própria de design no<br />
quadro de referência chamado »Dissenso de Washington«.<br />
Quando comecei a escrever alguns artigos sobre o tema polêmico <strong>Ciência</strong>s de design tendia<br />
a ver no design um campo com grandes déficits que poderiam ser superados através de uma<br />
maior aproximação entre esses dois campos. Vi no design uma disciplina parasitária que se<br />
apropriava dos avanços das ciências. No passar dos anos e particularmente em<br />
conseqüência do surgimento de uma nova tecnologia - a informática - mudei a minha<br />
interpretação. Hoje estou mais otimista e considero que o design pode fornecer uma<br />
ferramenta útil para as ciências saindo do papel meramente consumista dos aportes das<br />
ciências. Deve ficar claro que com o termo »ciência« não me refiro a uma pratica<br />
formalizada, replicativa de conhecimentos existentes, mais sim a uma ciência que quebra os<br />
cânones estabelecidos num jogo dinâmico. Em outras palavras, me refiro à ciência como<br />
manifestação de uma atitude inovativa de vanguarda.<br />
Aqui devo intercalar um curto discurso sobre o vago conceito »design«. Pois não estou<br />
seguro se ao usar o termo importado »design« não se produzirão possíveis mal entendidos e<br />
minha intenção de relacionar o design com as ciências seria etiquetada como frívola.<br />
Lembro-me de uma telenovela das oito numa rede importante de televisão brasileira nos<br />
anos 80 quando - de acordo com meus conhecimentos - foi a primeira vez que o design<br />
figurou como protagonista no horário nobre atingindo por isso um vasto público no Brasil. O<br />
que não surpreendeu foi o fato que os produtores da telenovela »Meu Bem - Meu Mal«<br />
tinham selecionado uma delicia fotogênica carioca - pelo menos poderia ser uma carioca.<br />
3
Agora o que sim surpreendeu e até poderia preocupar foi a decisão dos produtores de<br />
apresentá-la como designer de bijuterias reforçando com isso a tendência latente de<br />
identificar o design com coisas bonitinhas - o que não seria mal se não fosse tão simplista e<br />
reducionista.<br />
Existe uma série de razões para relacionar <strong>Ciência</strong>s e <strong>Design</strong> ou <strong>Ciência</strong>s e Projeto.<br />
1) As ciências avançam continuamente;<br />
2) As ciências se desenvolvem num processo cumulativo e dispõem de fundamentos;<br />
3) As ciências dispõem de métodos (ou pelo menos é isso que se crê);<br />
4) As ciências produzem um estoque crescente de conhecimentos;<br />
5) As ciências figuram como base imprescindível para o<br />
desenvolvimento tecnológico e industrial;<br />
6) As ciências desfrutam de uma posição indisputada nas instituições<br />
do ensino superior.<br />
Comparado com essa lista dos aspectos positivos das disciplinas científicas o design se<br />
apresenta como a figura do irmão pobre.<br />
Não dispõe - ainda - de um estoque de métodos estabelecidos, não possui - ainda -<br />
fundamentos, sua reputação acadêmica é limitada, seus objetivos de contribuir para o<br />
sucesso econômico das empresas parecem freqüentemente mais uma pretensão do que<br />
uma realidade verificável. Além disso, o design está circundado por um halo de criatividade<br />
enigmática o de »bricolage« o que em inglês se chama »tinkering « e em alemão se chama<br />
»Basteln« (a esse conceito importante voltarei mais tarde). Pesquisa no campo de design<br />
quase não existe.<br />
Por isso é compreensível a tentação forte de modelar o processo projetual de acordo com os<br />
procedimentos científicos e tomar as ciências como ponto de referência para o design.<br />
Resultado desse enfoque de estruturar o processo projetual são as numerosas publicações e<br />
revistas especializadas sobre metodologia projetual, que se apóiam nas contribuições da<br />
teoria da tomada de decisões, do resolver problemas e da inteligência artificial. Era o Prêmio<br />
Nobel Herbert Simon como representante eminente de uma ciência do design nos anos 60<br />
que enumerava uma lista de temáticas para um currículo valido para todas as disciplinas. Ele<br />
orientava a sua propostas às engenharias pregando uma cientificação do processo projetual<br />
e dando a seguinte recomendação: »Os programas orientados à formação profissional<br />
poderão assumir a sua responsabilidade na medida em que sejam capazes de criar uma<br />
ciência do design - uma doutrina intelectualmente desafiante, analítica, parcialmente<br />
formalizável, parcialmente empírica e ensinável sobre o processo projetual. «(Simon, Herbert<br />
A., The Sciences of the Artificial. Cambridge,<br />
Mass.: MIT Press 1996 [2. edição; 1. edição 1969]. p 132)<br />
Alguns aspectos dessa declaração programática provavelmente não têm perdido a sua<br />
relevância. Porém precisarão ser revisados. Hoje se observa uma certa reserva frente às<br />
intenções de formalizar o processo projetual, em parte pelas promessas otimistas demais<br />
feitas por alguns representantes da inteligência artificial do tipo »hard core «. Faz trinta anos<br />
Marvin Minsky perdeu-se na seguinte profecia:<br />
»Em três a oito anos teremos uma maquina com o nível de inteligência humana media. Vale<br />
dizer uma maquina capaz de ler Shakespear, lubrificar um carro, fazer política de escritório,<br />
contar uma piada, agüentar uma luta. Neste ponto a maquina começará a apreender com<br />
uma velocidade fantástica. Em poucos meses haverá atingido o nível de inteligência de um<br />
4
gênio, e poucos meses mais tarde seu poder terá crescido até o inexcedível. « (Citado em<br />
Theodore Roszak, »The Virtual Duck and the Endangered<br />
Nightingale«. Digital Media, Junho 5, 1995, 68-74)<br />
Podemos perguntar se Minsky estava falando à sério ou se ele queria somente provocar um<br />
escândalo mediante seu desenfreado otimismo tecnológico irritando filósofos, psicólogos e<br />
outros representantes das ciências humanas. Seja como for, trinta anos mais tarde não<br />
temos nada no campo da inteligência artificial que se assemelha minimamente à<br />
competência do ser humano em sua pratica cotidiana.<br />
Não nego as perspectivas fascinantes que um enfoque menos fundamentalista da<br />
inteligência artificial possa abrir para compreender melhor o processo projetual. Pois parte de<br />
uma hipótese plausível: que projetar ou fazer design é essencialmente um processo<br />
cognitivo e intensivo no uso de conhecimentos.<br />
Dúvidas surgiram em relação às intenções da inteligência artificial na sua variante »hard<br />
core« de algoritmizar o processo projetual. É precisamente uma das características mais<br />
fortes do design - e da inovação - que ele escapa aos intentos de algoritmização, vale dizer<br />
aos intentos de descompor ou compor o processo projetual em rotinas ou até regras. Hoje eu<br />
colocaria em dúvida a tese de Simon de raiz cartesiana na qual podemos compreender o<br />
processo projetual no quadro da solução racional de problemas, sobretudo porque fazer<br />
design é também um processo de detectar problemas.<br />
Meu comentário crítico não deve ser interpretado como um retorno a uma conceição intimista<br />
e ao idilismo de uma postura anticientífica. <strong>Design</strong> precisa dos fundamentos que somente<br />
com ajuda da pesquisa cientifica podem ser desvendados.<br />
Anteriormente supunha-se que existe algo como um Método Cientifico que deveria ser<br />
integrado ao processo projetual. Esse mito - é de um mito se trata - da existência do método<br />
cientifico foi exposto a uma revisão critica por parte de alguns teóricos da ciência. Um<br />
filósofo que tem desenvolvido uma teoria da descoberta cientifica chega a um resultado<br />
oposto aquele de Herbert Simon citado anteriormente. Ele interpreta o processo cientifico<br />
não como processo lógico racional, mais sim como processo natural »sui generis«. Ele<br />
escreve:<br />
»A ciência é um processo cego de variação e seleção que estende nossos órgãos sensomotores<br />
e nossa dotação cognitiva.(Aharon Kantorovich, »Scientific discovery as an<br />
evolutionary phenomenon«. Conferência no Congresso Internacional sobre Descoberta<br />
e Criatividade.)<br />
A inovação cientifica não obedece a uma lógica e não segue a um método pré-estabelecido,<br />
mais bem o cientista inovador é caracterizado como oportunista e especialista de jeitinhos<br />
(»tinkering«) que utiliza ferramentas existentes para seus objetivos. Neste ponto o cientista e<br />
projetista/designer se assemelham muito. O filosofo mencionado enfatiza o papel da<br />
»serendipidity« (do aleatório, do golpe da sorte) e escreve:»Baixo a influência do empirismo<br />
lógico no século 20 o termo 'método cientifico' em primeiro lugar se referia aos<br />
procedimentos da fundamentação ou avaliação dos resultados das descobertas cientificas e<br />
menos aos métodos como se fazem descobrimentos. «(Kantorovich, Aharon, Scientific<br />
Discovery: Logic and Tinkering. Albany: SUNY 1993, p 52)<br />
5
Eu mesmo considerei 40 anos atrás quando como recém egresso comecei a interessar me<br />
pela relação ciência/design os dois campos como antagônicos. Hoje diria: ciência e design<br />
são estruturalmente semelhantes. Eles diferem nos objetivos e na modalidade de intervir na<br />
realidade. Cientistas e designers são oportunistas e especialistas em descobrir jeitinhos<br />
(tinkering). Talvez deveríamos substituir o termo »ciência« pelo neologismo »jeitinheria«, e<br />
ensinar o »jeitinhismo« como disciplina fundamental seria a função principal da<br />
»universidade« para formar profissionais com competência inovativa. O cientista inovativo<br />
visa a produzir novos conhecimentos, o designer inovativo - quase um pleonasmo - visa a<br />
propostas de incorporar as ferramentas da tecnologia na pratica da vida cotidiana, fazendo<br />
artefatos utilizáveis e informações compreensíveis.<br />
No trabalho cientifico podemos diferenciar três fases: Primeiro, a produção de<br />
conhecimentos novos - e isso é a função principal das ciências e nesse aspecto muito<br />
diferente das atividades projetuais. Segundo - e ligada a primeira fase - temos a legitimação<br />
ou a produção de evidências - o que em inglês se chama »grounding« - para as afirmações<br />
feitas.Em terceiro temos a apresentação/comunicação dos conhecimentos novos para<br />
acrescentar ao universo do saber.Em nessa terceira fase do processo científico podemos<br />
colocar o design que lida com o controvertido conceito »informação«.<br />
Não temos ate hoje uma clara definição do que é aquela misteriosa entidade chamada<br />
»informação«. Foi uma idéia brilhante do jovem cientista Shannon com seu colega Weaver<br />
nos fins da década dos quarenta tratar de medir esse fenômeno chamado informação o que<br />
até então ninguém havia intentado. Com boa razão ele é considerado um dos pais da<br />
informática e se existisse um prêmio Nobel para a informática ele teria sido um merecido<br />
candidato. Ele possuía uma faceta de brincalhão passeando com seu monociclo pelos<br />
corredores dos Laboratórios Bell, fazendo ao mesmo tempo atos de habilidade jogando aros<br />
ou bolas no ar sem que caíssem no chão. Ele até calculou o número máximo de bolas que<br />
um malabarista pode manter no ar (eram creio cerca de 20). Então foi um pesquisador sério.<br />
Porém sua decisão terminológica de falar de informação e não de sinais pode-se considerar<br />
infeliz. A eficiência de transmissão de sinais em linhas telefônicas sem perda provocada pelo<br />
ruído era seu principal interesse. O modelo de comunicação entre um emissor de sinais<br />
passando por um canal e chegando a um destinatário dos sinais foi acriticamente adaptado e<br />
reproduzido em muitos cursos de design gráfico. Pouca atenção se prestou ao fato de que<br />
ele explicitamente excluía a dimensão semântica das suas pesquisas. E nesse ponto<br />
encontramos a fundamental diferença entre o enfoque científico da informática e o enfoque<br />
projetual do design. Não quero provocar uma polêmica, porem temos o paradoxo que a<br />
informática é possivelmente a disciplina que menos clareza possui sobre o conceito<br />
»informação«.<br />
Observando o discurso no campo da gestão de empresas podemos constatar um<br />
deslocamento no uso de dois termos centrais. Menos e menos se fala de informação e mais<br />
e mais se fala de conhecimento. Uma das novas ondas na administração de empresas é o<br />
»knowledge management« (gerência do conhecimento) que surgiu como uma resposta ás<br />
limitações dos MIS (»management information systems«). Que é conhecimento? Numa<br />
proposta podemos ler:<br />
»O conhecimento é uma mistura fluida entre experiências construídas, valores, informação<br />
contextual e perspicácia do especialista que provê uma estrutura para avaliar e incorporar<br />
novas experiências e informação. Isso se origina e está aplicado na mente dos<br />
conhecedores. Nas empresas freqüentemente manifesta-se não somente em documentos e<br />
arquivos, mas também em rotinas organizativas, práticas e normas.«(Davenport, Thomas H.<br />
6
e Prusak, Laurence, Working Knowledge. Cambridge Mass.: Harvard University Press, 1998,<br />
p 5)<br />
Pese que tenho minhas reservas sobre essa definição de conhecimento como mero<br />
elemento instrumental ou operacional - deixando de lado a área da hermenêutica - enfoca<br />
outro aspecto que resvala no design: o conhecimento como experiência acumulativa<br />
necessita ser comunicado e compartilhado entre indivíduos. O processo de comunicar e<br />
compartilhar conhecimento estão vinculados á apresentação do conhecimento, e essa é - ou<br />
poderia chegar a ser - uma função central do design.<br />
Talvez não resulte óbvio a primeira vista que a apresentação do conhecimento requeira a<br />
intervenção de ações projetuais (»Entwurfshandlungen«). Porém sem a intervenção do<br />
design, a apresentação do conhecimento e a comunicação simplesmente não funcionariam,<br />
pois o conhecimento precisa ser mediatizado por uma interface que pode ser percebida e<br />
assimilada. De outra forma, o conhecimento permaneceria abstrato e não seria nem<br />
acessível nem experimentável.<br />
Apesar de não termos ainda uma definição inequívoca e diferenciada de »informação«,<br />
temos, no entanto, uma prática profissional no design de informação na qual a contribuição<br />
da psicologia cognoscitiva, a lingüística, a teoria da percepção, a teoria do aprendizado, a<br />
teoria dos signos (semiótica) e em maior ou menor medida, o design visual, estão<br />
integrados. Numa publicação recente sobre visualização encontramos a seguinte definição<br />
de design de informação como: »design de representações externas para ampliar o<br />
conhecimento.«(Card, Stuart, Jock D. MacKinlay, e Ben Shneidermann (editores). Readings<br />
in Information Visualization - Using Vision to Think. São Francisco: Morgan Kaufmann Inc.,<br />
1999, p 7)<br />
Podemos ir um passo além e dizer que visualização significa a transformação de processos<br />
geralmente invisíveis com o objetivo de facilitar e incrementar a compreensão. E mais ainda<br />
podemos hoje entender a visualização como o domínio das representações interativas<br />
baseadas no computador.<br />
Conheço os riscos de apelar ao uso de palavras da moda, e »interação« é uma delas. Porém<br />
estou usando o termo numa forma prosaica.<br />
Interação refere-se a uma modalidade de apresentar a informação a uma comunidade de<br />
usuários numa forma não linear, como um hipertexto ou informação em forma de estruturas<br />
entrelaçadas, compostas por nós semânticos que permitem ao usuário escolher como se<br />
mover dentro dessa rede de nós o espaço informacional. Aqui é onde a apresentação<br />
depende dos recursos de diferentes canais perceptuais possibilitando novas formas de<br />
comunicação, as quais permitem um acesso seletivo à informação, e um formato de diálogo<br />
simulado, particularmente para comunicar informação científica, que até agora tem<br />
dependido predominantemente do texto, usado em forma de recursos impressos estáticos<br />
(tipografia e ilustrações). Neste ponto entra o design com a finalidade de facilitar o<br />
metabolismo do conhecimento, ou seja, a transmissão e a assimilação do saber. Obviamente<br />
não se trata de um fenômeno radicalmente novo. A gráfica informacional tem uma longa<br />
historia, e dispõe de um rico acervo de visualizações no campo da biologia, das engenharias<br />
e da medicina.<br />
Nos meios tradicionais se usam duas variáveis: texto e ilustrações estáticas para comunicar<br />
os resultados da atividade científica. Nos meios digitais atuais a complexidade dos meios<br />
7
tem crescido chegando a sete variáveis: além do texto e da ilustração estática temos os<br />
recursos da animação para visualizar processos, do som, da música, da fala e da interação.<br />
O design de informação que lida com as complexas variáveis poderia se tornar uma<br />
disciplina decisiva pelo controle da chamada explosão de informação e contribuir na gestão<br />
da informação. Pode converter-se em uma disciplina de considerável relevância social,<br />
substituindo o <strong>Design</strong> Gráfico que tem sido superado pelo desenvolvimento tecnológico.<br />
Uma comunicação efetiva depende da utilização de recursos que estejam ligados de forma<br />
intrínseca ao estético - a »bête noire« para aqueles que insistem que exista algo como uma<br />
informação pura. Esses recursos difamados podem ser agrupados sob a retórica - uma<br />
retórica modernizada que reflete as inovações tecnológicas.<br />
Desde uma modalidade clássica, a gramática se ocupava da formulação de textos<br />
(discursos) conforme regras ou convenções formalizadas, enquanto a retórica se relacionava<br />
com o embelezamento (ornamentus) e a redução do »taedium« , como, por exemplo, a<br />
retórica como uma caixa de ferramentas para evitar o aborrecimento, chamando a atenção e<br />
mantendo a curiosidade da audiência.<br />
Uma característica do papel do designer que projeta informação pode residir em que sua<br />
contribuição trata de reduzir a complexidade do conhecimento, em produzir clareza<br />
contribuindo à transparência e à compreensão. Isso é levado a cabo por meio de uma<br />
judiciosa aplicação de recursos de retórica visual, ou como prefiro chamar, áudio-visualística.<br />
Em nossos programas de ensino a retórica sumiu. No melhor dos casos é ensinada nos<br />
cursos de literatura e nos cursos de publicidade e comunicação empresarial. Nas ciências<br />
sérias o uso de recursos retórico é muito mal visto, pois eles gozam da reputação de ser<br />
nada mais que informatóxicos. Elas aderem a um conceito de informação e de verdade<br />
objetivista despessoalizada, pura e asséptica. O lema é: »A verdade deve falar por si só«<br />
sem depender do uso de recursos adicionais. Por isso nas ciências a dimensão estéticoperceptiva<br />
está colocada em quarentena. Isso é uma pena, pois a desvalorização dessa<br />
dimensão na apresentação de informações e conhecimentos implica uma perda em<br />
eficiência comunicativa.<br />
Num livro sobre a sedução Jean Baudrillard fala das estratégias da aparência e da sedução<br />
mediante manipulação de aparências. Seguindo esta linha de pensamento podemos definir o<br />
designer como uma estratégia de aparências o que não se deve confundir com<br />
superficialidades e menos ainda se deve diabolizar o domínio destes recursos<br />
comunicativos. Ele usa os recursos da animação, visualização, diagramação, do som, da<br />
musica, da fala para permitir por um lado uma melhor assimilação das informações<br />
científicas e por outro lado abrir uma nova perspectiva para temáticas a pesquisar.<br />
Após ter preparado o terreno conceitual posso por fim apresentar as evidências para minha<br />
tese sobre a utilidade do design para as ciências como produtores de conhecimentos. Chego<br />
então à parte »light« da minha palestra para apresentar estas evidências.<br />
O primeiro trabalho trata de uma temática complexa: um panorama das culturas préhispânicas<br />
na área geográfica do México atual. Como lidar com um material tão rico e<br />
volumoso? - isto era a pergunta no inicio do projeto. Foi necessário inventar uma interface<br />
com um sistema de navegação que permite, por exemplo, comparar os costumes da vida<br />
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diária em diferentes épocas e diferentes culturas analisadas. Mais ainda foi necessário<br />
ordenar o material disperso e heterogêneo com ajuda de uma série de categorias:<br />
Cultura + região<br />
Geografia<br />
Linha do tempo<br />
Cidades<br />
Arquitetura<br />
Política e economia<br />
Vida cotidiana<br />
Religião<br />
Língua<br />
Tecnologia<br />
Artes.<br />
Não se tratava de produzir uma alternativa aos livros e textos em revistas sobre o tema, mais<br />
sim tirar vantagem dos recursos multimídias com comentários, animações, exemplos de<br />
sonorização de diferentes línguas originais. Para não se perder neste imenso banco de<br />
dados foi inventado um menu tridimensional com 3 eixos em cuja interseção seleciona-se a<br />
temática. Os eixos são: as culturas, as categorias, a linha do tempo. Movendo estes três<br />
eixos o leitor pode acessar no ponto de interseção a informação desejada.<br />
O segundo trabalho trata de um capítulo particular no estudo da medicina: a função de<br />
membranas em células. Perguntando a um neuro-fisiólogo porque este tema era tão<br />
importante para os estudantes da medicina me respondeu: Serve para entender porque e<br />
como a Aspirina funciona no organismo.<br />
O terceiro trabalho tinha outros objetivos: compreender a aplicação de recursos áudiovisualísticos<br />
em filmes, particularmente em »clips« de televisão. Porque isso? Porque os<br />
designers destas micro-narrativas possuem uma considerável capacidade para contar em<br />
poucos segundos uma historia com alto grau de eficiência comunicativa. Para este fim foi<br />
desenvolvido uma nomenclatura e um sistema de ícones para identificar e fazer visível a<br />
estrutura retórica de »clips« e seqüências de filmes. Para entender melhor os complexos<br />
processos que passam muito rápido as alunas desenvolveram diagramas animados com<br />
explicações que aparecem com »roll-overs«.<br />
Estes exemplos por certo imaturos ainda, pois estamos no começo de uma nova fase de<br />
apresentar informações cientificas, permitem ver como o designer entendido como intelectual<br />
operativo pode cumprir um papel no metabolismo dos conhecimentos fazendo-os<br />
comunicáveis, percebíveis, acessíveis e compreensíveis. Dessa maneira a disciplina<br />
projetual pode retribuir os benefícios que tem recebido das ciências.<br />
Muito Obrigado.<br />
gui bonsiepe<br />
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