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Não se pense que tudo isso foi tão fácil como aí fica escrito. Na prática, vieram os óbices, amofinações,<br />
saudades, rebeliões de Maria Benedita. Dezoito dias depois da volta da mãe à fazenda, quis ir visitá-la, e a prima<br />
acompanhou-a; estiveram lá uma semana. A mãe, dous meses depois, veio passar uns dias aqui. Sofia<br />
acostumava habilmente a prima às distrações da cidade, teatros, visitas, passeios, reuniões em casa, vestidos<br />
novos, chapéus lindos, jóias. Maria Benedita era mulher, posto que mulher esquisita, gostou de tais cousas, mas<br />
tinha para si que, logo que quisesse, podia arrebentar todos esses liames, e andar para a roça. A roça vinha ter<br />
com ela, às vezes, em sonho ou simples devaneio. Depois dos primeiros saraus, quando voltava para casa, não<br />
eram as sensações da noite que lhe enchiam a alma, eram as saudades de Iguaçu. Cresciam-lhe mais a certas<br />
horas do dia, quando a quietação da casa e da rua era completa. Então batia as asas para a varanda da velha casa,<br />
onde bebia café, ao pé da mãe; pensava na escravaria, nos móveis antigos, nas botinas chinelas que lhe mandara<br />
o padrinho, um fazendeiro rico de S. João d'EI-Rei,- e que lá ficaram em casa. Sofia não consentiu que ela as<br />
trouxesse.<br />
Os mestres de francês e piano eram homens sabedores do ofício. Sofia teve modo de dizer-lhes em<br />
particular que a prima vexava-se de aprender tão tarde, e pediu-lhes que não falassem nunca de tal discípula.<br />
Prometeram que sim; o de piano apenas referiu o pedido a alguns colegas d'arte, que lhe acharam graça, e<br />
contaram outras anedotas da clientela. O certo é que Maria Benedita aprendia com singular facilidade, estudava<br />
com afinco, quase todas as horas, a tal ponto que a mesma prima julgava acertado interrompê-la.<br />
-Descansa, filha de Deus!<br />
-Deixa recobrar o tempo perdido, respondia ela rindo.<br />
Então Sofia inventava passeios, à toa, para fazê-la descansar. Ora um bairro, ora outro. Em certas ruas,<br />
Maria Benedita não perdia tempolia as tabuletas francesas, e perguntava pelos substantivos novos que a prima,<br />
algumas vezes, não sabia dizer o que eram, tão estritamente adequado era o seu vocabulário às cousas do vestido,<br />
da sala e do galanteio.<br />
Mas não era só nessas disciplinas que Maria Benedita fazia progressos rápidos. A pessoa ajustara-se ao<br />
meio, mais depressa do que fariam crer o gosto natural e a vida da roça. Já competia com a outra, embora<br />
houvesse nesta um desgarre, e não sei que expressão particular que, para assim dizer, dava cor a todas as linhas e<br />
gestos da figura. Não obstante essa diferença, certo que a outra era vista e notada ao pé dela, de tal jeito que<br />
Sofia, que começara por louvá-la em toda a parte, não a deslouvava agora, mas ouvia calada as admirações.<br />
Falava bem; -mas, quando calava, era por muito tempo; dizia que eram os seus "calundus". Contradançava sem<br />
vida, que é a perfeição desse gênero de recreio; gostava muito de ver polcar e valsar. Sofia, imaginando que era<br />
por medo que a prima não valsava nem polcava, quis dar-lhe algumas lições em casa, sozinhas, com o marido ao<br />
piano; mas a prima recusava sempre.<br />
-Isso é ainda um bocadinho de casca da roça, disse-lhe uma vez Sofia.<br />
Maria Benedita sorriu de um modo tão particular, que a outra não insistiu. Não foi riso de vexame, nem<br />
de despeito, nem de desdém. Desdém, por quê? Contudo, é certo que o riso parecia vir de cima. Não menos o é<br />
que Sofia polcava e valsava com ardor, e ninguém se pendurava melhor do ombro do parceiro; Carlos Maria, que<br />
era raro dançar, só valsava com Sofia,- dous ou três giros, dizia ele;- Maria Benedita contou uma noite quinze<br />
minutos.<br />
CAPÍTULO LXIX<br />
OS QUINZE MINUTOS foram contados no relógio do Rubião, que estava ao pé da Maria Benedita, e a<br />
quem ela perguntou duas vezes que horas eram, no princípio e no fim da valsa. A própria moça inclinou-se para<br />
ver bem o ponteiro dos minutos.<br />
-Está com sono? perguntou Rubião.<br />
Maria Benedita olhou para ele de soslaio. Viu-lhe o rosto plácido sem intenção nem riso.<br />
-Não, respondeu; digo-lhe até que estou com medo que prima Sofia se lembre de ir cedo para casa.<br />
-Não vai cedo. Já acabou a desculpa de Santa Teresa, por causa da subida. A casa fica perto daqui.