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-Oh! cansada apenas!<br />
Carlos Maria, arrependido de haver suposto a outra hipótese, deu se pressa em eliminá-la.<br />
-Sim, creio; por que é que estaria aborrecida? Mas eu afirmo que é capaz de fazer-me o sacrifício de<br />
passear ainda algum tempo. Cinco minutos?<br />
-Cinco minutos.<br />
-Nem mais um que seja? Pela minha parte passearia a eternidade.<br />
Sofia abaixou a cabeça.<br />
-Com a senhora, note bem.<br />
Sofia deixou-se ir com os olhos no chão, sem contestar, sem concordar, sem agradecer, ao menos. Podia<br />
não ser mais que uma galanteria, e as galanterias é de uso que se agradeçam. Já lhe tinha ouvido outrora palavras<br />
análogas, dando-lhe a primazia entre as mulheres deste mundo. Deixou de as ouvir durante seis meses,-quatro<br />
que ele gastou em Petrópolis, dous em que lhe não apareceu. Ultimamente é que tornou a freqüentar a casa, a<br />
dizer-lhe finezas daquelas ora em particular, ora à vista de toda a gente. Deixou-se ir; e ambos foram andando<br />
calados, calados, calados,-até que ele rompeu o silêncio, notando-lhe que o mar defronte da casa dela batia com<br />
muita força, na noite anterior.<br />
-Passou lá? perguntou Sofia.<br />
-Estive lá; ia pelo Catete, já tarde, e lembrou-me descer à Praia do Flamengo. A noite era clara; fiquei<br />
cerca de uma hora, entre o mar e a sua casa. A senhora aposto que nem sonhava comigo? Entretanto, eu quase<br />
que ouvia a sua respiração.<br />
Sofia tentou sorrir; ele continuou<br />
-O mar batia com força, é verdade, mas o meu coração não batia menos rijamente--com esta diferença<br />
que o mar estúpido, bate sem saber por que, e o meu coração sabe que batia pela senhora<br />
-Oh! murmurou Sofia.<br />
Com espanto? Com indignação? Com medo? São muitas perguntas a um tempo. Estou que a própria<br />
dama não poderia responder exatamente, tal foi o abalo que lhe trouxe a declaração do moço. Em todo caso, não<br />
foi com incredulidade. Não posso dizer mais senão que a exclamação saiu tão frouxa, tão abafada que ele mal<br />
pôde ouvi-la. Pela sua parte, Carlos Maria disfarçou bem, ante os olhos de toda a sala; nem antes, nem durante,<br />
nem depois das palavras mostrou no rosto a menor comoção; tinha até umas sombras de riso cáustico, um riso de<br />
seu uso, quando mofava de alguém, parecia ter dito um epigrama. Contudo, mais de um olho de mulher<br />
espreitava a alma de Sofia, estudava o gesto da moça, tal ou qual acanhado, e as pálpebras teimosamente caídas.<br />
-A senhora está perturbada, disse ele; disfarce com o leque.<br />
Sofia maquinalmente entrou a abanar-se e levantou os olhos. Viu que muitos outros a fitavam, e<br />
empalideceu. Os minutos iam correndo, com a mesma brevidade dos anos; os primeiros cinco e os segundos iam<br />
longe; estavam no décimo terceiro, atrás deste iam apontando as asas de outro, e mais outro. Sofia disse ao<br />
braceiro que queria sentar-se.<br />
-Vou deixá -la e retiro-me.<br />
-Não, disse ela precipitadamente.<br />
Depois, emendou-se<br />
-O baile está bonito.