Revista Trimestral de Jurisprudência Volume 204 Tomo 2 - STF
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<strong>Revista</strong> <strong>Trimestral</strong> <strong>de</strong> <strong>Jurisprudência</strong><br />
volume <strong>204</strong> – número 2<br />
abril a junho <strong>de</strong> 2008<br />
páginas 473 a 930
Diretoria-Geral<br />
Alci<strong>de</strong>s Diniz da Silva<br />
Secretaria <strong>de</strong> Documentação<br />
Janeth Aparecida Dias <strong>de</strong> Melo<br />
Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Divulgação <strong>de</strong> <strong>Jurisprudência</strong><br />
Nayse Hillesheim<br />
Seção <strong>de</strong> Preparo <strong>de</strong> Publicações<br />
Lei<strong>de</strong> Maria Soares Corrêa Cesar<br />
Seção <strong>de</strong> Padronização e Revisão<br />
Rochelle Quito<br />
Seção <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Edições<br />
Leila Corrêa Rodrigues<br />
Diagramação: Ludmila Araujo e Rodrigo Melo Cardoso<br />
Capa: Núcleo <strong>de</strong> Programação Visual<br />
(Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)<br />
<strong>Revista</strong> trimestral <strong>de</strong> jurisprudência / Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Divulgação<br />
<strong>de</strong> <strong>Jurisprudência</strong>. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . –<br />
Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.<br />
v. <strong>204</strong>-2; 22 cm.<br />
Três números a cada trimestre.<br />
Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 2007- .<br />
ISSN 0035-0540<br />
1. Direito - <strong>Jurisprudência</strong> - Brasil. I. Brasil. Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>).<br />
Solicita-se permuta.<br />
Pí<strong>de</strong>se canje.<br />
On <strong>de</strong>man<strong>de</strong> l’échange.<br />
Si richie<strong>de</strong> lo scambio.<br />
We ask for exchange.<br />
Wir bitten um Austausch.<br />
CDD 340.6<br />
<strong>STF</strong>/CDJU<br />
Anexo II, Cobertura<br />
Praça dos Três Po<strong>de</strong>res<br />
70175-900 – Brasília-DF<br />
rtj@stf.gov.br<br />
Fone: (0xx61) 3217-4766
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />
Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Presi<strong>de</strong>nte<br />
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)<br />
Ministro MARCO AURÉLIO Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Farias Mello (13-6-1990)<br />
Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)<br />
Ministro CARLOS Augusto Ayres <strong>de</strong> Freitas BRITTO (25-6-2003)<br />
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)<br />
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)<br />
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)<br />
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)<br />
Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)<br />
COMPOSIÇÃO DAS TURMAS<br />
PRIMEIRA TURMA<br />
Ministro MARCO AURÉLIO Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Farias Mello, Presi<strong>de</strong>nte<br />
Ministro CARLOS Augusto Ayres <strong>de</strong> Freitas BRITTO<br />
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI<br />
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha<br />
Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO<br />
SEGUNDA TURMA<br />
Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presi<strong>de</strong>nte<br />
Ministra ELLEN GRACIE Northfleet<br />
Ministro Antonio CEZAR PELUSO<br />
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes<br />
Ministro EROS Roberto GRAU<br />
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA<br />
Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
COMISSÃO DE REGIMENTO<br />
Ministro CELSO DE MELLO<br />
Ministro GILMAR MENDES<br />
Ministro MENEZES DIREITO<br />
Ministra CÁRMEN LÚCIA – Suplente<br />
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA<br />
Ministro MARCO AURÉLIO<br />
Ministro JOAQUIM BARBOSA<br />
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI<br />
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO<br />
Ministro CEZAR PELUSO<br />
Ministro CARLOS BRITTO<br />
Ministro EROS GRAU<br />
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO<br />
Ministro GILMAR MENDES<br />
Ministro CEZAR PELUSO<br />
Ministra CÁRMEN LÚCIA<br />
COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES
SUMÁRIO<br />
Pág.<br />
ACÓRDÃOS ................................................................................. 481<br />
ÍNDICE ALFABÉTICO ................................................................. 901<br />
ÍNDICE NUMÉRICO ..................................................................... 927
ACÓRDÃOS
QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL 470 — MG<br />
(AP 470-AgR na RTJ <strong>204</strong>-1)<br />
Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa<br />
Revisor: O Sr. Ministro Eros Grau<br />
Autor: Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral — Réus: José Dirceu <strong>de</strong> Oliveira e<br />
Silva, José Genoíno Neto, Delúbio Soares <strong>de</strong> Castro, Sílvio José Pereira, Marcos<br />
Valério Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano <strong>de</strong> Mello<br />
Paz, Rogério Lanza Tolentino, Simone Reis Lobo <strong>de</strong> Vasconcelos, Geiza Dias<br />
dos Santos, Kátia Rabello, Jose Roberto Salgado, Vinícius Samarane, Ayanna<br />
Tenório Tôrres <strong>de</strong> Jesus, João Paulo Cunha, Luiz Gushiken, Henrique Pizzolato,<br />
Pedro da Silva Corrêa <strong>de</strong> Oliveira Andra<strong>de</strong> Neto, Jose Mohamed Janene, Pedro<br />
Henry Neto, João Cláudio <strong>de</strong> Carvalho Genu, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg,<br />
Carlos Alberto Quaglia, Val<strong>de</strong>mar Costa Neto, Jacinto <strong>de</strong> Souza Lamas,<br />
Antônio <strong>de</strong> Pádua <strong>de</strong> Souza Lamas, Carlos Alberto Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues),<br />
Roberto Jefferson Monteiro Francisco, Emerson Eloy Palmieri, Romeu<br />
Ferreira Queiroz, José Rodrigues Borba, Paulo Roberto Galvão da Rocha, Anita<br />
Leocádia Pereira da Costa, Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), João Magno<br />
<strong>de</strong> Moura, An<strong>de</strong>rson Adauto Pereira, José Luiz Alves, José Eduardo Cavalcanti<br />
<strong>de</strong> Mendonça (Duda Mendonça) e Zilmar Fernan<strong>de</strong>s Silveira<br />
Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Ação penal originária. Interrogatório.<br />
Juiz natural. Ofensa. Inocorrência. Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação.<br />
Constitucionalida<strong>de</strong>.<br />
A garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e<br />
XXXVII do art. 5º da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é plenamente atendida<br />
quando se <strong>de</strong>legam o interrogatório dos réus e outros atos<br />
da instrução processual a juízes fe<strong>de</strong>rais das respectivas Seções<br />
Judiciárias, escolhidos mediante sorteio.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes citados.
484<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, in<strong>de</strong>ferir os pedidos formulados, no sentido<br />
<strong>de</strong> que os interrogatórios sejam realizados pelo próprio Relator, prejudicados<br />
os <strong>de</strong>mais pedidos, nos termos do voto <strong>de</strong> S. Exa.<br />
Brasília, 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007 — Joaquim Barbosa, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, trago ao Plenário <strong>de</strong>sta<br />
Corte, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, 8 (oito) petições interpostas por alguns dos acusados<br />
na presente ação penal, cujo conteúdo coinci<strong>de</strong> total ou parcialmente, e cuja<br />
solução é crucial para o curso do presente processo penal.<br />
Trata-se das petições avulsas 192.276 (Marcos Valério Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Souza),<br />
193.098 (Rogério Lanza Tolentino), 193.110 (Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado),<br />
193.989 (Ramon Hollerbach Cardoso), 193.833 (José Genoíno Neto),<br />
193.987 (Cristiano <strong>de</strong> Mello Paz), 196.951 (Delúbio Soares <strong>de</strong> Castro) e 196.646<br />
(Simone Reis Lobo <strong>de</strong> Vasconcelos).<br />
O conteúdo das petições acima mencionadas envolve, total ou parcialmente,<br />
os seguintes temas:<br />
a) Irresignação quanto à audiência <strong>de</strong> interrogatório, inicialmente marcada<br />
pelo Juízo da 13ª Vara Fe<strong>de</strong>ral da Seção Judiciária <strong>de</strong> Pernambuco, para o<br />
dia 27-11-07.<br />
b) Pedido para que os interrogatórios sejam realizados pessoalmente pelo Relator,<br />
em atendimento à garantia do juiz natural e em razão da competência<br />
<strong>de</strong>sta Corte para julgar os acusados. Alega-se também o direito previsto no<br />
art. 8º, 1, do Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica.<br />
c) Alguns dos peticionários formulam pedido idêntico ao contido nos agravos<br />
regimentais interpostos pelos réus Roberto Jefferson Monteiro Francisco e<br />
Emerson Elloy Palmieri.<br />
Instado a se manifestar sobre a questão da <strong>de</strong>legação dos interrogatórios, o<br />
Procurador-Geral da República lavrou o seguinte parecer:<br />
O Procurador-Geral da República, nos autos da Ação Penal nº 470, em atenção ao<br />
<strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fls., vem perante V. Exa. manifestar-se sobre o requerimento formulado na PG/<br />
<strong>STF</strong> nº 193110.<br />
Trata-se <strong>de</strong> requerimento formulado por Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado, pleiteando<br />
que os interrogatórios <strong>de</strong> ambos sejam tomados diretamente por V. Exa.<br />
Alegam, em síntese, que a execução <strong>de</strong> interrogatório por meio <strong>de</strong> Carta <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m é<br />
medida excepcional, situação que não se verifica no caso concreto.<br />
O pedido <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>ferido.
R.T.J. — <strong>204</strong> 485<br />
Pela disciplina atual, não há como obrigar o Ministro Relator a interrogar diretamente<br />
qualquer dos réus.<br />
Ao expedir as Cartas <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m, o Ministro Relator exerceu legitimamente uma faculda<strong>de</strong><br />
prevista no or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>de</strong>legando o ato para juízes fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> diferentes<br />
Seções Judiciárias do país.<br />
Apesar das consi<strong>de</strong>rações apresentadas pelos requerentes, razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática<br />
inspiraram a regra que permite a <strong>de</strong>legação na execução dos atos instrutórios.<br />
Deste modo, manifesto-me pelo in<strong>de</strong>ferimento do pleito.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presi<strong>de</strong>nte, no que concerne<br />
à irresignação relativa à audiência <strong>de</strong> interrogatório inicialmente marcada<br />
pelo Juízo da 13ª Vara Fe<strong>de</strong>ral da Seção Judiciária <strong>de</strong> Pernambuco, para o dia<br />
27-11-07, entendo que tal questionamento está prejudicado, pois recebi, por fax,<br />
em meu Gabinete, no dia 5-12-07, ofício no qual se informa que o interrogatório<br />
do réu Pedro da Silva Corrêa <strong>de</strong> Oliveira Andra<strong>de</strong> Neto foi re<strong>de</strong>signado para o<br />
dia 14-12-07, às 14 horas.<br />
No que tange aos pedidos para que os interrogatórios sejam realizados<br />
por mim pessoalmente, em atendimento à garantia do juiz natural e em razão da<br />
competência <strong>de</strong>sta Corte para julgar os acusados, além do direito previsto no art.<br />
8º, 1, do Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica, farei algumas breves consi<strong>de</strong>rações.<br />
A garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do art. 5º da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é plenamente atendida quando se <strong>de</strong>legam o interrogatório<br />
dos réus e outros atos da instrução processual a juízes fe<strong>de</strong>rais das respectivas<br />
Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio.<br />
Tal prática reveste-se <strong>de</strong> pleno amparo legal, e é largamente utilizada por<br />
este e outros tribunais, como forma <strong>de</strong> racionalizar os trabalhos.<br />
Confira-se o teor do art. 9º da Lei 8.038/90:<br />
Art. 9º A instrução obe<strong>de</strong>cerá, no que couber, ao procedimento comum do Código <strong>de</strong><br />
Processo Penal.<br />
§ 1º O Relator po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legar a realização do interrogatório ou <strong>de</strong> outro ato da<br />
instrução ao juiz ou membro <strong>de</strong> tribunal com competência territorial no local <strong>de</strong> cumprimento<br />
da carta <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
O mesmo consta do art. 239 do RI<strong>STF</strong> e <strong>de</strong> seu § 1º:<br />
Art. 239. A instrução do processo obe<strong>de</strong>cerá, no que couber, ao procedimento comum<br />
do Código <strong>de</strong> Processo penal.<br />
§ 1º O Relator po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legar o interrogatório do Réu e qualquer dos atos <strong>de</strong><br />
instrução a Juiz ou membro <strong>de</strong> outro Tribunal, que tenha competência territorial no local<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vam ser produzidos.<br />
No que tange ao dispositivo do Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica, transcrevo-o<br />
a seguir:
486<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Art. 8º – Garantias judiciais<br />
1. Toda pessoa terá direito a ser ouvida, com as <strong>de</strong>vidas garantias e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial, estabelecido<br />
anteriormente por lei, na apuração <strong>de</strong> qualquer acusação penal formulada contra<br />
ela, ou na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> seus direitos ou obrigações <strong>de</strong> natureza civil, trabalhista, fiscal ou<br />
<strong>de</strong> qualquer outra natureza.<br />
É evi<strong>de</strong>nte a a<strong>de</strong>quação do dispositivo acima citado ao presente caso, no<br />
qual os Réus serão ouvidos por juízes imparciais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e legalmente<br />
competentes, por <strong>de</strong>legação legalmente prevista.<br />
Assim, não vislumbro qualquer ilegalida<strong>de</strong> ou inconstitucionalida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>legação<br />
dos interrogatórios, <strong>de</strong> modo que, por razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática, faço uso<br />
<strong>de</strong>sta faculda<strong>de</strong> legal, que encontra eco em <strong>de</strong>cisões idênticas <strong>de</strong> outros Ministros<br />
da Corte (v. AP 464, Britto; AP 427, Pertence; AP 425, Lewandowski; AP 401,<br />
Peluso; AP 361, Marco Aurélio; AP 381, Grau; AP 373, Velloso).<br />
Por fim, quanto aos pedidos idênticos aos contidos nos agravos regimentais<br />
interpostos pelos réus Roberto Jefferson Monteiro Francisco e Emerson Eloy<br />
Palmieri, estes terão solução com o julgamento dos agravos regimentais interpostos,<br />
após o que per<strong>de</strong>rão o objeto.<br />
Do exposto, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, resolvo a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido<br />
<strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferir os pedidos <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> interrogatórios diretamente nesta Corte,<br />
pelo Ministro Relator, mantendo-se a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> tais atos (conforme, inclusive,<br />
já <strong>de</strong>cidiu o Plenário, quando do julgamento do recebimento da <strong>de</strong>núncia),<br />
por ser medida legal e constitucional.<br />
Julgo prejudicadas as petições nas quais se impugna a audiência anteriormente<br />
marcada pelo Juízo da 13ª Vara Fe<strong>de</strong>ral da Seção Judiciária <strong>de</strong> Pernambuco<br />
para o dia 27-11-07, em razão da <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> nova data para o interrogatório,<br />
que se realizará no dia 14-12-07, como já me foi comunicado pelo ilustre<br />
titular da 13ª Vara da Seção Judiciária <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
Por fim, julgo prejudicadas as petições cujos objetos sejam idênticos aos<br />
dos agravos regimentais interpostos pelos réus Roberto Jefferson Monteiro<br />
Francisco e Emerson Eloy Palmieri, cujo julgamento submeterei ao Plenário,<br />
em separado.<br />
É como voto.<br />
VOTO<br />
(Sobre questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m)<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> início, subscrevo a preferência<br />
<strong>de</strong>monstrada pelos Agravantes quanto à feitura do interrogatório pelo Ministro<br />
Joaquim Barbosa.<br />
Estou há <strong>de</strong>zessete anos no Tribunal e jamais fiz um interrogatório nesta<br />
Corte. Sempre acionei o Regimento Interno, conforme faziam os antecessores e<br />
também os Ministros com os quais contatei neste Plenário, <strong>de</strong>legando ao Juízo,<br />
consi<strong>de</strong>rada até mesmo a Lei 8.038/90, a feitura dos interrogatórios.
R.T.J. — <strong>204</strong> 487<br />
Lembro-me <strong>de</strong> que vários processos passaram pelas minhas mãos – inclusive<br />
um envolvendo homem público que teve participação ativa neste País, o saudoso<br />
Senador Antonio Carlos Magalhães. E registro que não houve <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
inconformismo quanto à observância da or<strong>de</strong>m jurídica e à realização do interrogatório<br />
na primeira instância.<br />
Ontem, neste Plenário, vi repetirem que a jurisdição, como um símbolo da<br />
soberania do Estado, é una. Essa regra aten<strong>de</strong> a essa unicida<strong>de</strong>.<br />
Acompanho o Relator, não vislumbrando prejuízo no tocante ao interrogatório<br />
do ex-Deputado Pedro Corrêa.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
AP 470-QO/MG — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Revisor: Ministro<br />
Eros Grau. Autor: Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral. Réus: José Dirceu <strong>de</strong> Oliveira e<br />
Silva (Advogados: José Luis Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira Lima e outros), José Genoíno<br />
Neto (Advogados: Sandra Maria Gonçalves Pires e outros), Delúbio Soares <strong>de</strong><br />
Castro (Advogados: Celso Sanchez Vilardi e outros), Sílvio José Pereira (Advogados:<br />
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e outros), Marcos Valério Fernan<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Souza (Advogados: Marcelo Leonardo e outros), Ramon Hollerbach<br />
Cardoso (Advogados: Hermes Vilchez Guerrero e outros), Cristiano <strong>de</strong> Mello<br />
Paz (Advogados: Castellar Mo<strong>de</strong>sto Guimarães Filho e outros), Rogério Lanza<br />
Tolentino (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Simone Reis Lobo <strong>de</strong> Vasconcelos<br />
(Advogados: Leonardo Isaac Yarochewsky e outros), Geiza Dias dos<br />
Santos, (Advogado: Paulo Sérgio Abreu e Silva), Kátia Rabello (Advogados:<br />
Theodomiro Dias Neto e outros), Jose Roberto Salgado (Advogados: Rodrigo<br />
Otávio Soares Pacheco e outros), Vinícius Samarane (Advogados: José Carlos<br />
Dias e outros), Ayanna Tenório Tôrres <strong>de</strong> Jesus (Advogados: Rodrigo Otávio<br />
Soares Pacheco e outros), João Paulo Cunha (Advogados: Alberto Zacharias<br />
Toron e outros), Luiz Gushiken (Advogados: José Roberto Leal <strong>de</strong> Carvalho e<br />
outros), Henrique Pizzolato (Advogados: Marthius Sávio Cavalcante Lobato e<br />
outra), Pedro da Silva Corrêa <strong>de</strong> Oliveira Andra<strong>de</strong> Neto (Advogados: Eduardo<br />
Antônio Lucho Ferrão e outros), Jose Mohamed Janene (Advogados: Marcelo<br />
Leal <strong>de</strong> Lima Oliveira e outros), Pedro Henry Neto (Advogados: José Antonio<br />
Duarte Alvares e outros), João Cláudio <strong>de</strong> Carvalho Genu (Advogados: Marco<br />
Antonio Meneghetti e outros), Enivaldo Quadrado (Advogados: Priscila Corrêa<br />
Gioia e outros), Breno Fischberg (Advogados: Leonardo Magalhães Avelar e<br />
outros), Carlos Alberto Quaglia (Advogados: Dagoberto Antoria Dufau e outros),<br />
Val<strong>de</strong>mar Costa Neto (Advogados: Marcelo Luiz Ávila <strong>de</strong> Bessa e outros),<br />
Jacinto <strong>de</strong> Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Antônio <strong>de</strong><br />
Pádua <strong>de</strong> Souza Lamas (Advogados: Délio Lins e Silva e outros), Carlos Alberto<br />
Rodrigues Pinto (Bispo Rodrigues) (Advogados: Marcelo Luiz Ávila <strong>de</strong> Bessa<br />
e outros), Roberto Jefferson Monteiro Francisco (Advogado: Luiz Francisco<br />
Corrêa Barbosa), Emerson Eloy Palmieri (Advogados: Itapuã Prestes <strong>de</strong> Messias<br />
e outros), Romeu Ferreira Queiroz (Advogados: José Antero Monteiro Filho e
488<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
outros), José Rodrigues Borba (Advogados: Inocêncio Mártires Coelho e outros),<br />
Paulo Roberto Galvão da Rocha (Advogados: Márcio Luiz da Silva e outros), Anita<br />
Leocádia Pereira da Costa (Advogado: Luís Maximiliano Leal Telesca Mota),<br />
Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) (Advogados: Márcio Luiz da Silva e<br />
outros), João Magno <strong>de</strong> Moura (Advogados: Olinto Campos Vieira e outros), An<strong>de</strong>rson<br />
Adauto Pereira (Advogados: Castellar Mo<strong>de</strong>sto e outros), José Luiz Alves<br />
(Advogados: Guimarães Filho e outros), José Eduardo Cavalcanti <strong>de</strong> Mendonça<br />
(Duda Mendonça) (Advogados: Tales Castelo Branco e outros) e Zilmar Fernan<strong>de</strong>s<br />
Silveira (Advogados: Tales Castelo Branco e outros).<br />
Decisão: Resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, o Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>,<br />
in<strong>de</strong>feriu os pedidos formulados, no sentido <strong>de</strong> que os interrogatórios sejam<br />
realizados pelo próprio Relator, prejudicados os <strong>de</strong>mais pedidos, nos termos do<br />
voto <strong>de</strong> S. Exa. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia. Presidiu o<br />
julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim<br />
Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Procurador-Geral<br />
da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 489<br />
QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 622 — RJ<br />
Relator: O Sr. Ministro Ilmar Galvão<br />
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (art. 38,<br />
IV, b, do RI<strong>STF</strong>)<br />
Autores: Milner Amazonas Coelho e União — Réus: Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia<br />
Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Mesa da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito e<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Ação popular. Deslocamento da competência para o <strong>STF</strong>.<br />
Conflito fe<strong>de</strong>rativo estabelecido entre a União e Estado-membro.<br />
Art. 102, I, f, da Constituição.<br />
I – Consi<strong>de</strong>rando a potencialida<strong>de</strong> do conflito fe<strong>de</strong>rativo estabelecido<br />
entre a União e Estado-membro, emerge a competência<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar a ação<br />
popular, a teor do que dispõe o art. 102, I, f, da Constituição.<br />
II – Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m resolvida em prol da competência do<br />
<strong>STF</strong>.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria <strong>de</strong><br />
votos, resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, admitir a competência do Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral para o julgamento da ação, vencidos a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro<br />
Marco Aurélio, que não a admitiam. Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen Gracie.<br />
Ante a aposentadoria do Ministro Ilmar Galvão (Relator), o feito irá ao sucessor,<br />
Ministro Carlos Britto, para o seu prosseguimento. Não participou da votação o<br />
Ministro Menezes Direito, por suce<strong>de</strong>r o Ministro Sepúlveda Pertence, que proferira<br />
voto anteriormente. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2007 — Ricardo Lewandowski, Relator para<br />
o acórdão.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Trata-se <strong>de</strong> ação popular ajuizada perante a<br />
18ª Vara Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro/RJ, pleiteando a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da<br />
Resolução 507/01, que instituiu, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (CPI) para apurar as causas do<br />
aci<strong>de</strong>nte com a plataforma P-36 da Petrobras, localizada na Bacia <strong>de</strong> Campos,<br />
bem como a insubsistência dos atos até aqui praticados pela referida CPI, a qual,<br />
segundo o Autor popular, estaria invadindo a esfera da competência fe<strong>de</strong>ral, com
490<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
ameaça ao pacto fe<strong>de</strong>rativo, visto que o mar territorial pertence à União, e a Petrobras<br />
integra a administração fe<strong>de</strong>ral indireta.<br />
A MMa. Juíza titular da Vara <strong>de</strong>feriu o ingresso da União no feito (fl. 179),<br />
para atuar no pólo ativo (fls. 143/145) e, em conseqüência, <strong>de</strong>clinou <strong>de</strong> sua competência<br />
“em favor do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral”, na conformida<strong>de</strong> do art. 102, inciso<br />
I, letra f, da Carta Magna, ao entendimento <strong>de</strong> que “a <strong>de</strong>manda possui nítido substrato<br />
político, idôneo a gerar efetiva instabilida<strong>de</strong> no Pacto Fe<strong>de</strong>rativo” (fls. 190/194).<br />
Ficando sem efeito a liminar inicialmente <strong>de</strong>ferida, pela superveniência<br />
<strong>de</strong> seu limite temporal (fls. 189 e 207), e negado seguimento à Pet 2.444, que<br />
o Autor popular formalizou perante esta Corte (fl. 216), submeto a espécie,<br />
em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, a este Tribunal Pleno, para apreciar, sucessivamente,<br />
a competência da Corte para julgar o feito, o cabimento da ação popular, nos<br />
termos propostos, e o pedido <strong>de</strong> restabelecimento, se for o caso, da liminar.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ilmar Galvão (Relator): Cumpre esclarecer, inicialmente,<br />
que a ação foi proposta contra o Presi<strong>de</strong>nte e a Mesa da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e, ainda, contra o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar<br />
<strong>de</strong> Inquérito instaurada em virtu<strong>de</strong> da Resolução 507/01, requerendo o Autor,<br />
<strong>de</strong>pois, a inclusão do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro no pólo passivo (fls. 36/37), em<br />
atendimento ao <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fl. 33.<br />
Nenhum dos Réus foi ainda citado, mas os três primeiros compareceram<br />
aos autos para juntar peças e solicitar a reconsi<strong>de</strong>ração do <strong>de</strong>spacho que havia<br />
<strong>de</strong>ferido, provisoriamente, a liminar (fls. 52 e 70), aplicando-se-lhes, portanto, o<br />
disposto no art. 214, § 1º, do CPC, segundo o qual o comparecimento espontâneo<br />
do Réu supre a falta <strong>de</strong> citação.<br />
Feitos esses esclarecimentos sobre a marcha processual, verifica-se – conforme<br />
apontado no relatório – que são três as questões postas em discussão na<br />
presente questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
Primeiramente, há <strong>de</strong> examinar-se a competência originária <strong>de</strong>sta Corte<br />
para processar e julgar, na forma da alínea f do permissivo constitucional, <strong>de</strong>manda<br />
ajuizada com o objetivo <strong>de</strong> tornar sem efeito os trabalhos da CPI fluminense,<br />
instituída – com alegada transgressão aos po<strong>de</strong>res constitucionalmente reconhecidos<br />
aos órgãos parlamentares estaduais – para apurar as causas do aci<strong>de</strong>nte com<br />
a plataforma P-36 da Petrobras, na Bacia <strong>de</strong> Campos.<br />
Reconhecida a competência, impor-se-á a análise do cabimento da ação<br />
popular para dirimir controvérsia <strong>de</strong>ssa natureza, em face do disposto no art. 5º,<br />
inciso LXXIII, da Carta Magna e na Lei 4.717, <strong>de</strong> 29-6-65.<br />
No terceiro e último passo – se for o caso –, <strong>de</strong>verá ser apreciado o pedido <strong>de</strong><br />
liminar, reiterado às fls. 43/45, “para incontinenti sustação dos trabalhos da CPI”,
R.T.J. — <strong>204</strong> 491<br />
tendo em vista que não mais subsiste o provimento exarado pela MMa. Juíza da<br />
primeira instância, conforme se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão proferida pelo Tribunal<br />
Regional Fe<strong>de</strong>ral da 2ª Região, no AI 2001.02.01.031778-8/RJ (fls. 189 e 207).<br />
Fixadas essas linhas, impõe-se relembrar, inicialmente, o disposto no art.<br />
102, inciso I, letra f, da Constituição da República, segundo o qual compete ao<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar originariamente “as causas e os<br />
conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, ou entre uns e<br />
outros, inclusive as respectivas entida<strong>de</strong>s da administração indireta”.<br />
Apreciando a ACO 359-QO, Relator o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, esta Corte<br />
assentou que “o art. 102, I, f, da Constituição confere ao <strong>STF</strong> a posição eminente<br />
<strong>de</strong> Tribunal da Fe<strong>de</strong>ração, atribuindo-lhe, nessa condição, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirimir as<br />
controvérsias que, irrompendo no seio do Estado Fe<strong>de</strong>ral, oponham as unida<strong>de</strong>s<br />
fe<strong>de</strong>radas umas às outras”.<br />
Enfatizou o eminente Relator, citando prece<strong>de</strong>ntes da Casa, que “o dispositivo<br />
constitucional invocado visa a resguardar o equilíbrio fe<strong>de</strong>rativo (RTJ<br />
81/330-331, Rel. Min. Xavier <strong>de</strong> Albuquerque). E, no que concerne aos litígios<br />
que se estabeleçam entre Estado-membro e entida<strong>de</strong>s da administração indireta<br />
<strong>de</strong> outra unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada ou, até mesmo, da própria União, a jurisprudência tem<br />
afirmado que não é qualquer causa que justifica a competência <strong>de</strong>sta Corte, mas<br />
apenas aquelas situações <strong>de</strong> litígio <strong>de</strong> que possa <strong>de</strong>rivar conflito fe<strong>de</strong>rativo” (RTJ<br />
132/109 – RTJ 132/120).<br />
Parece que este é o caso dos autos. Discute-se aqui, conforme apontado<br />
pela União à fl. 143, a competência da Assembléia Legislativa do Estado do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro para apurar as causas do aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> plataforma marítima pertencente<br />
à Petrobras, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista fe<strong>de</strong>ral. O Autor popular e a União enten<strong>de</strong>m<br />
que é írrita a iniciativa do Parlamento estadual nesse sentido, porque implica<br />
invasão da competência exclusiva que a Carta Magna outorga ao Congresso<br />
Nacional, para o mesmo fim, a teor do art. 49, inciso X, que dispõe:<br />
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:<br />
X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer <strong>de</strong> suas Casas, os atos do Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo, incluídos os da administração indireta.<br />
Em hipótese semelhante, no MS 23.866, relatado pela Ministra Ellen Gracie,<br />
esta Corte, para o efeito <strong>de</strong> medida liminar, i<strong>de</strong>ntificou conflito fe<strong>de</strong>rativo na<br />
instituição, pela Assembléia Legislativa baiana, <strong>de</strong> CPI para o fim <strong>de</strong> investigar<br />
supostas irregularida<strong>de</strong>s na gestão da Companhia Docas do Estado da Bahia<br />
(CODEBA), também socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista fe<strong>de</strong>ral.<br />
Sendo o mar territorial um bem da União (CF, art. 20, VI), e constituindo<br />
monopólio <strong>de</strong>sta “a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro” (art. 177, II),<br />
maior ainda é a razão para concluir-se, no presente caso, pela usurpação da atribuição<br />
exclusiva do Congresso Nacional, prevista no citado art. 49, inciso X, da<br />
Carta Magna, a indicar a presença <strong>de</strong> claro conflito fe<strong>de</strong>rativo, na espécie.
492<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Por isso, não tenho dúvida em reconhecer a competência do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para processar o feito, na forma da alínea f do permissivo<br />
constitucional, recordando que esta Corte já teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar sua<br />
competência para o processamento <strong>de</strong> ação popular, pela mesma alínea, em face<br />
<strong>de</strong> conflito estabelecido entre a União e Estado-membro.<br />
Tal aconteceu no julgamento da Rcl 424, Relator o Ministro Sepúlveda<br />
Pertence, quando o Tribunal, por maioria, i<strong>de</strong>ntificou, ali, “um caso singular <strong>de</strong><br />
substituição processual”, em virtu<strong>de</strong> da “natureza da legitimação do cidadão em<br />
nome próprio, mas na <strong>de</strong>fesa do patrimônio público”.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ACO 622-QO/RJ — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Autores: Milner Amazonas<br />
Coelho (Advogados: Francisco das Chagas Paiva Ribeiro e outros) e União<br />
(Advogado: Advogado-Geral da União). Réus: Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Mesa da Assembléia Legislativa do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (Advogada:<br />
Juliette Stohler) e Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Decisão: Após o voto do Ministro Relator, admitindo a competência do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pela permanência da União na relação processual, pediu<br />
vista o Ministro Sepúlveda Pertence. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso<br />
<strong>de</strong> Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos<br />
Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim e Ellen Gracie. Vice-<br />
Procurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.<br />
Brasília, 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001 — Luiz Tomimatsu, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Pedi vista <strong>de</strong>ste processo, após o<br />
voto do Relator, em. Ministro Ilmar Galvão, que, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, reconheceu<br />
a competência do Tribunal, com base no art. 102, I, f, da Constituição,<br />
para julgar a ação popular.<br />
Em 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2002, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
informou a conclusão, em 22-10-01, dos trabalhos da CPI e a publicação<br />
do seu relatório, em 7-11-01, para requerer, em conseqüência, a extinção do processo<br />
sem julgamento do mérito, por perda <strong>de</strong> objeto da ação popular – fl. 250.<br />
Opôs-se o Autor ao pedido – fls. 308/309.<br />
Despachou o Relator – fl. 314:
R.T.J. — <strong>204</strong> 493<br />
Não obstante a documentação <strong>de</strong> fls. 250/303, dando conta <strong>de</strong> que se encerraram os<br />
trabalhos da CPI contra a qual se insurge o Autor popular, pe<strong>de</strong> este o prosseguimento da ação<br />
(fls. 308/309), silenciando-se, no ponto, a União (fl. 313).<br />
Acontece que, ainda que se tenha por extinto o feito, pela perda <strong>de</strong> seu objeto, como<br />
enten<strong>de</strong> a Requerida (fl. 250), é preciso que a Corte conclua, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, o exame<br />
<strong>de</strong> sua competência para processá-lo, sem o que não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>cidir a espécie, com ou sem<br />
julgamento <strong>de</strong> mérito.<br />
Assim sendo, retornem os autos ao Ministro Sepúlveda Pertence, que <strong>de</strong>les pediu vista.<br />
O caso foi assim relatado pelo Ministro Galvão:<br />
Trata-se <strong>de</strong> ação popular ajuizada perante a 18ª Vara Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro/RJ,<br />
pleiteando a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da Resolução 507/01, que instituiu, na Assembléia<br />
Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (CPI) para<br />
apurar as causas do aci<strong>de</strong>nte com a plataforma P-36, da Petrobras, localizada na Bacia <strong>de</strong><br />
Campos, bem como a insubsistência dos atos até aqui praticados pela referida CPI, a qual,<br />
segundo o Autor popular, estaria invadindo a esfera da competência fe<strong>de</strong>ral, com ameaça<br />
ao pacto fe<strong>de</strong>rativo, visto que o mar territorial pertence à União, e a Petrobras integra a<br />
administração fe<strong>de</strong>ral indireta.<br />
A MMa. Juíza titular da Vara <strong>de</strong>feriu o ingresso da União no feito (fl. 179), para atuar<br />
no pólo ativo (fls. 143/145) e, em conseqüência, <strong>de</strong>clinou <strong>de</strong> sua competência “em favor do<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral”, na conformida<strong>de</strong> do art. 102, inciso I, letra f, da Carta Magna,<br />
ao entendimento <strong>de</strong> que “a <strong>de</strong>manda possui nítido substrato político, idôneo a gerar efetiva<br />
instabilida<strong>de</strong> no Pacto Fe<strong>de</strong>rativo” (fls. 190/194).<br />
Ficando sem efeito a liminar inicialmente <strong>de</strong>ferida, pela superveniência <strong>de</strong> seu limite<br />
temporal (fls. 189 e 207), e negado seguimento à Pet 2.444, que o Autor popular formalizou<br />
perante esta Corte (fl. 216), submeto a espécie, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, a este Tribunal Pleno,<br />
para apreciar, sucessivamente, a competência da Corte para julgar o feito, o cabimento da ação<br />
popular, nos termos propostos, e o pedido <strong>de</strong> restabelecimento, se for o caso, da liminar.<br />
Esse foi o relatório do Ministro Ilmar Galvão.<br />
No tocante à competência originária do Tribunal, aduziu S. Exa. em seu voto:<br />
Cumpre esclarecer, inicialmente, que a ação foi proposta contra o Presi<strong>de</strong>nte e a<br />
Mesa da Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e, ainda, contra o Presi<strong>de</strong>nte da<br />
Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito instaurada em virtu<strong>de</strong> da Resolução 507/01, requerendo<br />
o Autor, <strong>de</strong>pois, a inclusão do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro no pólo passivo (fls. 36/37), em<br />
atendimento ao <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fl. 33.<br />
Nenhum dos Réus foi ainda citado, mas os três primeiros compareceram aos autos<br />
para juntar peças e solicitar a reconsi<strong>de</strong>ração do <strong>de</strong>spacho que havia <strong>de</strong>ferido, provisoriamente,<br />
a liminar (fls. 52 e 70), aplicando-se-lhes, portanto, o disposto no art. 214, § 1º, do CPC,<br />
segundo o qual o comparecimento espontâneo do Réu supre a falta <strong>de</strong> citação.<br />
Feitos esses esclarecimentos sobre a marcha processual, verifica-se – conforme apontado<br />
no relatório – que são três as questões postas em discussão na presente questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
Primeiramente, há <strong>de</strong> examinar-se a competência originária <strong>de</strong>sta Corte para processar<br />
e julgar, na forma da alínea f do permissivo constitucional, <strong>de</strong>manda ajuizada com o objetivo<br />
<strong>de</strong> tornar sem efeito os trabalhos da CPI fluminense, instituída – com alegada transgressão aos<br />
po<strong>de</strong>res constitucionalmente reconhecidos aos órgãos parlamentares estaduais – para apurar<br />
as causas do aci<strong>de</strong>nte com a plataforma P-36, da Petrobras, na Bacia <strong>de</strong> Campos.<br />
Refere-se a outras questões – o cabimento da ação popular e o problema da<br />
liminar – e segue:
494<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
(...) impõe-se relembrar, inicialmente, o disposto no art. 102, inciso I, letra f, da Constituição<br />
da República, segundo o qual compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar<br />
originariamente “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entida<strong>de</strong>s da administração indireta”.<br />
Apreciando a ACO 359-QO, Relator o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, esta Corte assentou<br />
que “o art. 102, I, f, da Constituição confere ao <strong>STF</strong> a posição eminente <strong>de</strong> Tribunal da Fe<strong>de</strong>ração,<br />
atribuindo-lhe, nessa condição, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirimir as controvérsias que, irrompendo<br />
no seio do Estado Fe<strong>de</strong>ral, oponham as unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas umas às outras”.<br />
Enfatizou o eminente Relator, citando prece<strong>de</strong>ntes da Casa, que “o dispositivo constitucional<br />
invocado visa a resguardar o equilíbrio fe<strong>de</strong>rativo (RTJ 81/330-331, Rel. Min. Xavier<br />
<strong>de</strong> Albuquerque). E, no que concerne aos litígios que se estabeleçam entre Estado-membro<br />
e entida<strong>de</strong>s da administração indireta <strong>de</strong> outra unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada ou, até mesmo, da própria<br />
União, a jurisprudência tem afirmado que não é qualquer causa que justifica a competência<br />
<strong>de</strong>sta Corte, mas apenas aquelas situações <strong>de</strong> litígio <strong>de</strong> que possa <strong>de</strong>rivar conflito fe<strong>de</strong>rativo”<br />
(RTJ 132/109 – RTJ 132/120).<br />
Parece que este é o caso dos autos. Discute-se aqui, conforme apontado pela União à<br />
fl. 143, a competência da Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro para apurar as<br />
causas do aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> plataforma marítima pertencente à Petrobras, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia<br />
mista fe<strong>de</strong>ral. O Autor popular e a União enten<strong>de</strong>m que é írrita a iniciativa do Parlamento<br />
estadual nesse sentido, porque implica invasão da competência exclusiva que a Carta Magna<br />
outorga ao Congresso Nacional, para o mesmo fim, a teor do art. 49, inciso X, que dispõe:<br />
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:<br />
X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer <strong>de</strong> suas Casas, os atos do<br />
Po<strong>de</strong>r Executivo, incluídos os da administração indireta.”<br />
Em hipótese semelhante, no MS 23.866, relatado pela Ministra Ellen Gracie, esta Corte,<br />
para o efeito <strong>de</strong> medida liminar, i<strong>de</strong>ntificou conflito fe<strong>de</strong>rativo na instituição, pela Assembléia<br />
Legislativa baiana, <strong>de</strong> CPI para o fim <strong>de</strong> investigar supostas irregularida<strong>de</strong>s na gestão da Companhia<br />
Docas do Estado da Bahia (CODEBA), também socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista fe<strong>de</strong>ral.<br />
Sendo o mar territorial um bem da União (CF, art. 20, VI), e constituindo monopólio<br />
<strong>de</strong>sta “a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro” (art. 177, II), maior ainda é a razão para<br />
concluir-se, no presente caso, pela usurpação da atribuição exclusiva do Congresso Nacional,<br />
prevista no citado art. 49, inciso X, da Carta Magna, a indicar a presença <strong>de</strong> claro conflito<br />
fe<strong>de</strong>rativo, na espécie.<br />
Por isso, não tenho dúvida em reconhecer a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />
para processar o feito, na forma da alínea f do permissivo constitucional, recordando que esta<br />
Corte já teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar sua competência para o processamento <strong>de</strong> ação popular,<br />
pela mesma alínea, em face <strong>de</strong> conflito estabelecido entre a União e Estado-membro.<br />
Tal aconteceu no julgamento da Rcl 424, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, quando o<br />
Tribunal, por maioria, i<strong>de</strong>ntificou, ali, “um caso singular <strong>de</strong> substituição processual”, em virtu<strong>de</strong><br />
da “natureza da legitimação do cidadão em nome próprio, mas na <strong>de</strong>fesa do patrimônio público”.<br />
No tocante à competência originária do Supremo Tribunal para o conhecimento<br />
da causa, ponho-me <strong>de</strong> inteiro acordo com o eminente Relator.<br />
Já com relação à ação popular típica, acentuara, no voto condutor da Rcl<br />
424, 5-5-94, RTJ 160/778:<br />
5. A mim também me parece que o direito à ação popular – que se traduz na legitimação<br />
<strong>de</strong> qualquer cidadão para propô-la – é um direito político, instrumento <strong>de</strong> participação dos<br />
cidadãos na vida do Estado. O que, entretanto, data venia, antes <strong>de</strong> infirmar, confirma que a<br />
hipótese é <strong>de</strong> substituição processual: porque, ao propor a ação popular, o cidadão exerce um<br />
direito político seu – e, por isso, age em nome próprio –, não menos certo é que o faz não para<br />
perseguir interesses <strong>de</strong> que seja titular, mas, sim, em <strong>de</strong>fesa do patrimônio público, vale dizer,<br />
<strong>de</strong> direito alheio, isto é, do Estado.
R.T.J. — <strong>204</strong> 495<br />
6. “Tanto [acentuou Seabra Fagun<strong>de</strong>s (“A Posição do Autor nas Ações Populares”,<br />
<strong>Revista</strong> Forense 164/17)] que o ente público po<strong>de</strong>ria, através do Ministério Público, ou por<br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> representantes outros, que tivessem sucedido aos responsáveis pessoais pelo<br />
ato, promover a sua anulação judicial, ou até anulá-lo por ato próprio (revogação ou, mais<br />
propriamente, anulamento), por constatada a sua incompatibilida<strong>de</strong> com texto <strong>de</strong> lei”.<br />
7. Don<strong>de</strong>, a conclusão do pranteado mestre (ob. loc. cits.):<br />
“Na ação popular, o indivíduo que, intentando-a, assume a posição <strong>de</strong> autor, não<br />
é titular do direito substancial lesado, cuja restauração se procura mediante pronunciamento<br />
do Po<strong>de</strong>r Judiciário. O seu direito é meramente processual. É o direito <strong>de</strong> ser parte<br />
em sentido formal (CARNELUTTI, “Lezioni di Dirito Processuale Civile”, 1933, vol.<br />
II, págs. 231-235), para obter o reconhecimento do direito subjetivo <strong>de</strong> terceiro. Este – a<br />
União, o Estado ou Município, alguma autarquia ou socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista, Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, art. 141, § 38 – é que é a parte no sentido material, pois o direito afetado<br />
pelo ato que se ataca é seu. O cidadão terá um interesse a fazer valer no sentido da moralida<strong>de</strong><br />
administrativa, que a todos diz respeito, mas não um direito substancial próprio<br />
(ALVAREZ GENDIN, “Derecho Administrativo”, 1954, págs. 632-633).”<br />
8. Tenho que essa é a melhor solução.<br />
9. Não a <strong>de</strong>smente, mas apenas lhe dá traços singulares, a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado,<br />
substituído pelo Autor, integrar formalmente a relação processual da ação popular como parte<br />
passiva, malgrado seja essa, <strong>de</strong> regra, movida por terceiro, na alegada <strong>de</strong>fesa do patrimônio da<br />
entida<strong>de</strong> pública a que imputável o ato a cuja <strong>de</strong>sconstituição visa a <strong>de</strong>manda: é o que explica<br />
a possibilida<strong>de</strong> legal expressa <strong>de</strong> a pessoa estatal, citada como Ré, não só abster-se da contestação,<br />
mas também, se for o caso, a<strong>de</strong>rir ao Autor (Lei 4.717/65, art. 6º, § 3º).<br />
10. Essa norma, à primeira vista curiosa – explica Barbosa Moreira (A Ação Popular<br />
(...), em Temas Dir. Processual, 1ª série, Saraiva, 1977. p. 110, 120) – “justifica-se pela<br />
consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que a ação popular, em substância, não se dirige contra a pessoa jurídica<br />
supostamente lesada, mas, bem ao contrário, se intenta a seu favor, visando à eliminação do<br />
ato que se averba <strong>de</strong> lesivo e à composição do dano porventura <strong>de</strong>le resultante. Inexiste, a<br />
rigor, conflito <strong>de</strong> interesses”.<br />
11. Por outro lado, que se trata, malgré tout, <strong>de</strong> substituição processual da entida<strong>de</strong> pública<br />
pelo Autor popular, prova-o a disposição do art. 17 da Lei <strong>de</strong> Ação Popular – igualmente<br />
enfatizado pelo jurista eminente (ob. loc. cit.), que permite sempre às entida<strong>de</strong>s públicas,<br />
“ainda que hajam contestado a ação, promover, em qualquer tempo, e no que as beneficiar, a<br />
execução da sentença contra os <strong>de</strong>mais réus”.<br />
12. Se esse, na normalida<strong>de</strong> dos casos, é o espectro peculiar da relação processual da<br />
ação popular, não creio, porém – ao contrário do que sustenta o brilhante parecer do Procurador-Geral<br />
– ser da sua essência que o ato questionado seja atribuível à mesma pessoa <strong>de</strong> direito<br />
público em favor <strong>de</strong> cujo patrimônio se intente o pedido.<br />
13. Se a lesão ao patrimônio <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> estatal resulta <strong>de</strong> ato ilegítimo <strong>de</strong> outra<br />
entida<strong>de</strong> estatal, reúnem-se os pressupostos constitucionais da propositura da ação popular por<br />
qualquer cidadão, no interesse da pessoa pública lesada e contra aquela responsável pelo ato<br />
lesivo: é o que se tem, no caso, em que – embora o pedido con<strong>de</strong>natório se dirija apenas contra<br />
o ex-Presi<strong>de</strong>nte da República e a empresa beneficiária da autorização questionada – o pedido<br />
<strong>de</strong> natureza constitutiva negativa, <strong>de</strong> invalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>creto, que é ato imputável à União, o que<br />
a coloca necessariamente no pólo passivo da relação processual.<br />
14. À <strong>de</strong>finição constitucional do instituto da ação popular não é lícito opor a literalida<strong>de</strong><br />
do art. 6º da lei ordinária, que lhe disciplinou o processo, a qual, atenta ao que ordinariamente<br />
suce<strong>de</strong>, aparenta efetivamente postular a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre a entida<strong>de</strong> lesada e aquela <strong>de</strong> que promanou<br />
o ato lesivo, o que, entretanto, nem a Constituição reclama, nem a lógica das coisas impõe.<br />
15. Assim posta a questão, estou em que, na verda<strong>de</strong>, é do Supremo Tribunal a competência<br />
originária para a ação popular.<br />
16. Significativamente, o art. 102, I, f, incluiu na competência do Tribunal não apenas<br />
as causas entre a União e o Estado-membro – o que po<strong>de</strong>ria levar à exigência <strong>de</strong> que ambos
496<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
participassem formalmente na relação processual – mas também os conflitos entre eles, termo<br />
que comporta a hipótese <strong>de</strong> uma contraposição <strong>de</strong> interesses substanciais entre os dois entes<br />
fe<strong>de</strong>rativos, na qual – malgrado sujeitos ambos da li<strong>de</strong> – um <strong>de</strong>les não o seja do processo, dada<br />
a substituição processual pelo Autor popular.<br />
Até aqui, o meu voto naquela reclamação.<br />
Acresce que, na espécie, a União a<strong>de</strong>riu à ação popular (fl. 143) e o Juízo <strong>de</strong><br />
origem admitiu sua integração ao pólo ativo da relação processual.<br />
De acordo, assim, com o voto do Relator, afirmo a competência originária<br />
do Tribunal.<br />
Assim concluindo o Plenário, <strong>de</strong>vem os autos ser conclusos ao sucessor<br />
do Ministro Ilmar Galvão, o eminente Ministro Carlos Britto, para <strong>de</strong>cidir do<br />
pedido liminar.<br />
É o meu voto.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ACO 622-QO/RJ — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Autores: Milner Amazonas<br />
Coelho (Advogados: Francisco das Chagas Paiva Ribeiro e outros) e União<br />
(Advogado: Advogado-Geral da União). Réus: Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Mesa da Assembléia Legislativa do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (Advogada:<br />
Juliette Stohler) e Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Decisão: Renovado o pedido <strong>de</strong> vista do Ministro Sepúlveda Pertence, justificadamente,<br />
nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 2003. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.<br />
Decisão: Após o voto-vista do Ministro Sepúlveda Pertence, que, acompanhando<br />
o Relator, reconhecia a compettência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />
pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os<br />
Ministros Celso <strong>de</strong> Mello, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Presidência da Ministra<br />
Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Eros Grau,<br />
Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral da República,<br />
Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />
Brasília, 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Pedi vista dos autos <strong>de</strong>sta ACO 622,<br />
<strong>de</strong> que era, originariamente, Relator o eminente Ministro Ilmar Galvão, após o<br />
voto-vista do insigne Ministro Sepúlveda Pertence, que, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m,
R.T.J. — <strong>204</strong> 497<br />
votou com aquele Relator originário no sentido <strong>de</strong> que, “na verda<strong>de</strong>, é do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a competência originária para a ação popular”.<br />
No caso, a ação popular fora proposta perante o Juiz da 18ª Vara Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, “pleiteando a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da Resolução<br />
507/01, que instituiu, na Assembléia Legislativa (daquele ente fe<strong>de</strong>rado), Comissão<br />
Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (CPI) para apurar as causas do aci<strong>de</strong>nte com<br />
a plataforma P-36 da Petrobras, localizada na Bacia <strong>de</strong> Campos, bem como a<br />
insubsistência dos atos até aqui praticados pela referida CPI (...)”.<br />
O eminente Ministro Ilmar Galvão, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, votou no sentido<br />
<strong>de</strong> que: “não tenho dúvida em reconhecer a competência do Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral para processar o feito, na forma da alínea f do permissivo constitucional<br />
(art. 102, inciso I), recordando que esta Corte já teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar sua<br />
competência para o processamento <strong>de</strong> ação popular, pela mesma alínea, em face<br />
<strong>de</strong> conflito estabelecido entre a União e Estado-membro”.<br />
Em seu voto brilhante – como lhe é usual –, o eminente Ministro Sepúlveda<br />
Pertence afirma que, “com relação à ação popular típica, acentuara, no voto<br />
condutor da Rcl 424 (...): 5. A mim também me parece que o direito à ação popular<br />
– que se traduz na legitimação <strong>de</strong> qualquer cidadão para propô-la – é um<br />
direito político, instrumento <strong>de</strong> participação dos cidadãos na vida do Estado. O<br />
que, entretanto, data venia, antes <strong>de</strong> infirmar, confirma que a hipótese é <strong>de</strong> substituição<br />
processual: porque, ao propor a ação popular, o cidadão exerce um direito<br />
político seu – e, por isso, age em nome próprio –, não menos certo é o que faz não<br />
para perseguir interesses <strong>de</strong> que seja titular, mas, sim, em <strong>de</strong>fesa do patrimônio<br />
público, vale dizer, <strong>de</strong> direito alheio, isto é, do Estado”.<br />
2. Quanto à natureza da ação popular e à sua configuração <strong>de</strong> instrumento<br />
<strong>de</strong> participação política assegurada, constitucionalmente, aos cidadãos, não tenho<br />
qualquer dúvida ou dissenso em relação ao quanto posto pelo eminente Ministro<br />
Sepúlveda Pertence.<br />
Entretanto, como se estivesse a navegar o mesmo rio, mas a cruzar para a<br />
outra margem, concluo o exame da regra constitucional <strong>de</strong> competência para a<br />
ação popular em sentido que não é, data venia, aquele adotado pelo gran<strong>de</strong> Juiz<br />
<strong>de</strong>ste Tribunal.<br />
3. Em efeito. A análise do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição da República<br />
e, ainda, dos dispositivos legais que cuidam da ação popular (Lei 4.717/65)<br />
conduz-me, data venia, a outra conclusão que não aquela acolhida pelos eminentes<br />
Ministros Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence.<br />
A norma constitucional que confere, como direito fundamental do cidadão,<br />
o direito-<strong>de</strong>ver da ação popular traduz um espaço <strong>de</strong> atuação – como salientado<br />
pelo nobre Ministro Pertence – <strong>de</strong> participação política do membro da cida<strong>de</strong><br />
estatal. O cidadão atua, então, em seu próprio nome e em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direito que é<br />
também seu, mas não apenas seu, senão <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>.
498<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Por isso é que, contra a vonta<strong>de</strong> do Estado, manifestada, muitas vezes,<br />
pelo ato contestado na ação popular, o cidadão atua, fazendo-o em <strong>de</strong>fesa do patrimônio<br />
político, jurídico, social, econômico, ambiental e ético da socieda<strong>de</strong>. Põese,<br />
às vezes – muitas vezes –, contra a pessoa estatal (se bem que não no presente<br />
caso, no qual a União compareceu e ace<strong>de</strong>u ao chamamento do Autor popular).<br />
4. Afirma o nobre Ministro Sepúlveda Pertence ter-se, na ação popular,<br />
caso “(...) <strong>de</strong> substituição processual da entida<strong>de</strong> pública pelo Autor popular,<br />
prova-o a disposição do art. 17 da Lei <strong>de</strong> Ação Popular (...)”.<br />
Essa condição é essencial para se votar a presente questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, porque<br />
se estará trazendo para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ato questionado pelo<br />
Autor popular, pois o patrimônio a se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r por ela seria o da entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral<br />
(daí a aplicação do art. 102, inciso I, alínea f, da Constituição).<br />
É da conjugação do art. 5º, inciso LXXVIII, com o art. 102, inciso I, alínea<br />
f, da Constituição da República que se haverá <strong>de</strong> chegar ao <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> da indagação<br />
trazida a exame do Plenário pelo Ministro Relator, Ilmar Galvão.<br />
5. Apesar daquela pon<strong>de</strong>ração do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, a<br />
condição <strong>de</strong> substituição processual que seria ostentada pelo Autor popular não<br />
tem sido a que prevalece, atualmente, na doutrina, nem mesmo é admitida sem<br />
questionamentos na jurisprudência atual.<br />
Ao cuidar mo<strong>de</strong>larmente do tema em sua clássica obra sobre a ação popular<br />
constitucional e em seu Comentário Contextual à Constituição, José Afonso da<br />
Silva ensina que<br />
a posição jurídica (do cidadão) tem sido figura <strong>de</strong> controvérsia na doutrina, que enten<strong>de</strong><br />
que ele não age no interesse próprio. Então, qual a sua posição? Representante da entida<strong>de</strong> lesada?<br />
Essa tese vincula-se à concepção romana, segundo a qual a actio popularis tem natureza<br />
procuratória. Contudo, salvo raríssimas exceções, ninguém mais enten<strong>de</strong> o autor popular como<br />
procurador ou representante da entida<strong>de</strong> lesada. Po<strong>de</strong>r-se-ia admitir que o cidadão seja titular<br />
<strong>de</strong> um mandato constitucional da coletivida<strong>de</strong> no ato <strong>de</strong> exercício da ação popular. Que a ação<br />
popular revela uma forma <strong>de</strong> participação do cidadão nos negócios públicos e que ela caracteriza<br />
um direito político do cidadão já o <strong>de</strong>monstramos (...) no entanto, a doutrina corrente sustenta<br />
que o autor popular assume a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substituto processual. (...) não vislumbramos, na<br />
hipótese, um possível substituído. Não há substituição processual sem a correspon<strong>de</strong>nte figura<br />
do sujeito substituído. (...) sustentamos a tese <strong>de</strong> que o cidadão, eleitor e participante do sistema<br />
<strong>de</strong> organização do Po<strong>de</strong>r Público, tem interesse pessoal em que a gestão do patrimônio da coletivida<strong>de</strong><br />
se embase nos princípios da legalida<strong>de</strong> e da probida<strong>de</strong>, e (...) acrescentamos que tem<br />
também direito ao meio ambiente sadio e à <strong>de</strong>fesa do patrimônio cultural. Nossa conclusão foi<br />
e é no sentido <strong>de</strong> que, concebida a ação popular como instituto <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia direta, a posição<br />
do autor <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> oferecer dificulda<strong>de</strong>, visto ser o cidadão titular do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>mocrático que ela<br />
consubstancia. Enfim, o autor que intenta a ação popular exerce o direito primário <strong>de</strong>corrente<br />
da soberania popular, <strong>de</strong> que ele é titular, como qualquer outro cidadão.<br />
(SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo:<br />
Malheiros, 2006. p. 171.)<br />
Não dissente <strong>de</strong>sse entendimento a lição <strong>de</strong> Cândido Rangel Dinamarco,<br />
segundo a qual “o cidadão que visa à anulação <strong>de</strong> um ato por meio da ação<br />
popular, atua como membro ativo da socieda<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nciando uma preocupação
R.T.J. — <strong>204</strong> 499<br />
com a utilização da res publica. Atualmente (...) o próprio ato <strong>de</strong> invocar<br />
a função jurisdicional teria um conteúdo político (não só jurídico), sendo<br />
importante a abertura <strong>de</strong> vias para a participação <strong>de</strong> tal natureza pelo cidadão,<br />
enquanto objetivo fundamental da garantia do direito <strong>de</strong> ação” (Fundamentos do<br />
Processo Civil Mo<strong>de</strong>rno. São Paulo: Malheiros, 2000. v. 1. p. 424-425).<br />
Este Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (Pet 2.131-2, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, j.<br />
13-10-00, DJ <strong>de</strong> 20-10-00, n. 203-E, p. 131) já <strong>de</strong>cidiu:<br />
Hoje, no entanto, registra-se sensível evolução no magistério da doutrina, que, agora,<br />
i<strong>de</strong>ntifica o autor popular como aquele que, ao exercer uma prerrogativa <strong>de</strong> caráter cívicopolítico,<br />
busca proteger, em nome próprio, um direito, que, fundado em sua condição <strong>de</strong><br />
cidadão, também lhe é próprio (Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, “Constituição<br />
<strong>de</strong> 1988 e Processo”, “Ação Popular”, p. 108/109, 1994, RT; Alexandre <strong>de</strong> Moraes,<br />
“Direito Constitucional”, p. 172/173, item n. 7.5, 3. ed., 1998, Atlas; Celso Ribeiro Bastos,<br />
“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/369, 1989, Saraiva; Álvaro Luiz Valery Mirra,<br />
“Um Estudo sobre a Legitimação para Agir no Direito Processual Civil – A legitimação<br />
ordinária do autor popular”, in RT 168/34-47, 45-46, v.g.).<br />
Aquele nobre Ministro, aliás, também cuidou da matéria na Pet 1.546,<br />
quando, então, <strong>de</strong>cidiu que:<br />
Trata-se <strong>de</strong> ação popular constitucional, com pedido <strong>de</strong> liminar, ajuizada contra o<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte da República (...). Há, contudo, um insuperável obstáculo formal que<br />
impe<strong>de</strong> o ajuizamento originário perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, da ação popular<br />
constitucional contra o Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
É que falece competência ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar,<br />
originariamente, a presente causa. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 – observando uma<br />
tradição que se inaugurou com a Carta Política <strong>de</strong> 1934 – não incluiu o julgamento da<br />
ação popular na esfera das atribuições jurisdicionais originárias da Suprema Corte, mesmo<br />
naquelas hipóteses em que figure como sujeito passivo da relação processual o próprio<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
Na realida<strong>de</strong>, não há como dar trânsito, nesta Suprema Corte, à presente ação popular,<br />
visto que a causa em questão não se subsume a qualquer das hipóteses taxativamente<br />
enunciadas no rol inscrito no art. 102, I, da Carta Política.<br />
Não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> perspectiva, neste ponto, que a competência originária do<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por qualificar-se como complexo <strong>de</strong> atribuições jurisdicionais <strong>de</strong><br />
extração essencialmente constitucional – e ante o regime <strong>de</strong> direito estrito a que se acha<br />
submetida – não comporta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser estendida a situações que extravasem<br />
os rígidos limites fixados em numerus clausus pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da<br />
Carta Política, consoante adverte a doutrina (...)<br />
A ratio subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito<br />
da competência constitucional do <strong>STF</strong>, vincula-se à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inibir in<strong>de</strong>vidas ampliações<br />
<strong>de</strong>scaracterizadoras da esfera <strong>de</strong> atribuições institucionais <strong>de</strong>sta Suprema Corte, conforme<br />
ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro<br />
Adalício Nogueira (RTJ, 39/56-59/57).<br />
6. Além daquela razão enaltecida pelo nobre Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, a<br />
conduzir a interpretação no sentido da inibição <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral para conhecer da ação popular, processá-la e julgá-la – ainda que<br />
relativa a atos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s sujeitas à competência jurisdicional <strong>de</strong>ste órgão –,<br />
outra <strong>de</strong>ve ser enfatizada.
500<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A ação popular é uma garantia posta, constitucionalmente, à disposição<br />
do cidadão para atuar, diretamente, na fiscalização e na correção dos atos da<br />
administração pública direta ou indireta pelo acionamento do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
O fundamento direto da ação é o art. 5º, inciso LXXVIII, mas é ela um dos instrumentos<br />
do exercício direto da soberania do povo, como posto no art. 14 da<br />
Constituição da República.<br />
Com essa natureza <strong>de</strong> garantia fundamental, parece certo que a interpretação<br />
que mais se coaduna com a sua inserção no sistema constitucional é a que<br />
permita mais efetivida<strong>de</strong> do quanto com ele se preten<strong>de</strong> dotar o cidadão.<br />
Assim, a regra <strong>de</strong> competência tida como constitucionalmente válida para<br />
conhecer da ação popular, processá-la e julgá-la haverá <strong>de</strong> ser aquela que permita<br />
maior facilida<strong>de</strong> em sua utilização pelo cidadão.<br />
Quanto mais se centraliza e se concentra a competência para o exercício<br />
dos direitos cidadãos, mais dificulda<strong>de</strong> se impõe à sua atuação. E isso é o oposto<br />
do que se preten<strong>de</strong> com a norma constitucional garantidora <strong>de</strong> direitos fundamentais,<br />
como é aquele que se assegura pela ação popular, como é a participação<br />
direta do cidadão na res publica.<br />
Todo cidadão é titular da coisa pública e atua, pela ação popular, nessa condição.<br />
Busca ele exercer o seu direito ao governo honesto, legal e eticamente justo. O<br />
direito que ele disputa, nessa ação, não é exclusivamente <strong>de</strong>le, mas da coletivida<strong>de</strong>.<br />
Entretanto, ele atua no exercício <strong>de</strong> direito que lhe é próprio e, numa <strong>de</strong>mocracia<br />
republicana, compõe o seu patrimônio <strong>de</strong> bens constitucionalmente tutelado.<br />
Trazer para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a competência para o conhecimento<br />
e julgamento da ação popular – ainda que no caso específico da matéria<br />
estampada no art. 102, inciso I, alínea f, da Constituição – é inibir uma garantia<br />
constitucional. Pois é certo que o cidadão brasileiro comum não po<strong>de</strong>rá exercer<br />
esse seu direito pela óbvia e inegável dificulda<strong>de</strong> que se lhe anteporia, então, <strong>de</strong><br />
conseguir chegar ao Tribunal, que não é facilmente acessível ao cidadão comum<br />
nas longas e distantes paragens <strong>de</strong>ste País continental, menos ainda ao mais carente,<br />
que nem por isso é menos cidadão.<br />
Imagine as dificulda<strong>de</strong>s com que se <strong>de</strong>pararia um cidadão <strong>de</strong> Nova Aripuanã,<br />
<strong>de</strong> Gijoca, <strong>de</strong> Mato Ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong> São João do Bonito, para chegar ao Supremo<br />
Tribunal com uma ação na qual peleje para fazer valer o que lhe parece ser o seu<br />
direito cidadão <strong>de</strong> ver anulado ato ilegal e lesivo ao patrimônio material, cultural,<br />
histórico, ambiental ou ético da res publica...<br />
A Constituição há <strong>de</strong> ser interpretada e aplicada no sentido <strong>de</strong> chegar perto<br />
do cidadão, e não <strong>de</strong> afastar-se <strong>de</strong>le. É o direito que tem <strong>de</strong> ir até on<strong>de</strong> o povo está.<br />
A concentração da competência neste Tribunal Supremo é uma forma <strong>de</strong> distanciar<br />
a ação popular da providência possível ao cidadão. Estar-se-ia acolhendo,<br />
então, um fator inibidor tanto judicial quanto, até mesmo, político, para a aplicação<br />
<strong>de</strong> garantia constitucional conferida ao cidadão em matéria que comporta<br />
interpretação e aplicação que se há <strong>de</strong> conduzir segundo a finalida<strong>de</strong> a que se<br />
<strong>de</strong>stina a norma regradora daquele instrumento.
R.T.J. — <strong>204</strong> 501<br />
7. Como antes acentuado, acolho o entendimento esposado pelo douto Ministro<br />
Sepúlveda Pertence, no sentido <strong>de</strong> que a conclusão sobre a condição do autor<br />
popular – como substituto ou atuando em <strong>de</strong>fesa do que lhe é próprio, conquanto<br />
exclusivo – é que conduz ao <strong>de</strong>sate sobre o ponto relativo à <strong>de</strong>finição da competência<br />
<strong>de</strong>ste Supremo Tribunal na questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m agora apreciada.<br />
Mas assim é porque, sendo exercício <strong>de</strong> direito político próprio, conquanto<br />
não exclusivo, o autor popular po<strong>de</strong>rá ter <strong>de</strong> se contrapor à entida<strong>de</strong> administrativa<br />
(o que, reitere-se, não é o que se dá na presente ação, na qual a União assumiu<br />
o pólo ativo ao lado daquele).<br />
Porém, a Lei 4.717/65 prevê situações em que tanto po<strong>de</strong>rá não se dar (art. 6º).<br />
A<strong>de</strong>mais, aquele diploma legal abre um tópico específico para se referir à<br />
“competência”, ali se fazendo constar que:<br />
Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação,<br />
processá-la e julgá-la o juiz que, <strong>de</strong> acordo com a organização judiciária <strong>de</strong> cada Estado, o<br />
for para as causas que interessem à União, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, ao Estado ou ao Município.<br />
§ 1º Para fins <strong>de</strong> competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, do Estado<br />
ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas <strong>de</strong><br />
direito público, bem como os atos das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que elas sejam acionistas e os das pessoas<br />
ou entida<strong>de</strong>s por elas subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial.<br />
§ 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou<br />
entida<strong>de</strong>, será competente o Juiz das causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente<br />
ao Estado e ao Município, será competente o Juiz das causas do Estado, se houver.<br />
§ 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que<br />
forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.<br />
§ 4º Na <strong>de</strong>fesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado.<br />
(Grifos nossos.)<br />
A matéria não passou <strong>de</strong>spercebida, portanto, ao legislador, que cuidou do<br />
tema e <strong>de</strong>u a solução que lhe pareceu <strong>de</strong>ver prevalecer.<br />
8. Nem mesmo o art. 102, inciso I, alínea f, da Constituição da República<br />
me parece ser norma permissiva da transferência da competência originária,<br />
conferida legalmente ao órgão judicial encarregado <strong>de</strong> receber e ouvir, originariamente,<br />
o cidadão, para o Supremo Tribunal.<br />
Ali se estabelece:<br />
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, precipuamente, a guarda da Constituição,<br />
cabendo-lhe:<br />
I – processar e julgar, originariamente:<br />
(...)<br />
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, ou<br />
entre uns e outros, inclusive as respectivas entida<strong>de</strong>s da administração indireta;<br />
Distinguindo entre causa e conflito, como bem salienta José Afonso da<br />
Silva (op. cit.), a Constituição cuidou <strong>de</strong> atribuir competência ao Supremo Tribunal<br />
para processar e julgar, na hipótese prevista na norma acima, as situações<br />
litigiosas que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>sdobradas em quatro quadros, em qualquer um <strong>de</strong>les
502<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
se estampando um conflito fe<strong>de</strong>rativo, a saber: a) causas e conflitos entre a União<br />
e os Estados; b) causas e conflitos entre a União e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral; c) causas e<br />
conflitos entre os Estados ou entre as entida<strong>de</strong>s estaduais da administração indireta;<br />
d) causas e conflitos entre o ente estadual e o distrital.<br />
9. Na ação popular, o que se tem, fundamentalmente, é uma li<strong>de</strong> pelo questionamento<br />
judicial feito pelo cidadão (autor popular) quanto a um comportamento<br />
público que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar em lados opostos, ou não, entes fe<strong>de</strong>rados mencionados<br />
naquela norma constitucional. Mas o núcleo da li<strong>de</strong> não é um conflito fe<strong>de</strong>rativo.<br />
A causa po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar-se na forma <strong>de</strong> conflito entre interesses das entida<strong>de</strong>s<br />
fe<strong>de</strong>radas. E tanto po<strong>de</strong> se dar sem se configurar qualquer daquelas hipóteses.<br />
10. No caso dos autos, um órgão estadual (a Assembléia Legislativa do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro) instituiu comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito para apurar<br />
as causas do aci<strong>de</strong>nte com a plataforma P-36 da Petrobras. A Bacia, na qual se<br />
acha instalada a plataforma, localiza-se em Campos, Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
O Autor popular alegou que o órgão estadual estaria invadindo competência<br />
fe<strong>de</strong>ral, pois a plataforma localiza-se no mar territorial, bem da União. A<strong>de</strong>mais,<br />
assevera, em apoio a sua tese, que a Petrobras é ente administrativo fe<strong>de</strong>ral.<br />
O que se opôs em questão, portanto, foi a valida<strong>de</strong> jurídica, ou não, da criação<br />
e dos atos praticados pela CPI instalada pela Assembléia carioca.<br />
Se for (ou se fosse) caso <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> e lesivida<strong>de</strong> do patrimônio público<br />
a instalação da CPI naquele órgão estadual, não se teria apenas por isso convertido<br />
a situação, necessariamente, num conflito fe<strong>de</strong>rativo. Porque sequer o Juiz<br />
Fe<strong>de</strong>ral, a quem se dirigiu o Autor popular, pô<strong>de</strong> apreciar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
terem os requisitos do conhecimento da ação, questionado, como foi, em termos<br />
da titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua competência.<br />
Não se travou, pela propositura da ação popular, um conflito entre a União<br />
e o Estado-membro, nos mol<strong>de</strong>s previstos no dispositivo constitucional a ensejar<br />
a atuação do Supremo Tribunal.<br />
E, se tanto tivesse sido aventado, bastaria que a União se valesse <strong>de</strong> mais<br />
<strong>de</strong> um instrumento processual, posto à sua disposição no sistema normativo, para<br />
afastar a atuação do Estado-membro na apuração dos dados e no resgate <strong>de</strong> sua<br />
competência, se enten<strong>de</strong>sse que ela estava a ser afrontada.<br />
Quem o fez foi o cidadão – no caso presente –, que não dispõe <strong>de</strong> tantos<br />
instrumentos <strong>de</strong> atuação direta em <strong>de</strong>fesa do patrimônio público. E a União<br />
posicionou-se, então, ao lado do Autor popular, sem outra atuação processual<br />
noticiada nos autos, como o teria feito se aceitasse que estaria a conflitar com os<br />
seus direitos/interesses aquela providência.<br />
11. Não me convenço, portanto, seja o Autor popular substituto processual<br />
– também pedindo as vênias <strong>de</strong> estilo ao eminente Ministro Pertence para<br />
não concluir como S. Exa. –, seja a ação popular instrumento pelo qual se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
direito do Estado; antes, o direito que se postula, naquela, é direito do cidadão<br />
e também da socieda<strong>de</strong>. Tanto assim parece ser que ela se presta à <strong>de</strong>fesa da
R.T.J. — <strong>204</strong> 503<br />
moralida<strong>de</strong> administrativa, que não é patrimônio estatal, mas social e político do<br />
conjunto dos cidadãos, que têm o direito <strong>de</strong> viver em socieda<strong>de</strong> segundo padrões<br />
éticos e valores <strong>de</strong> Justiça nos quais crê.<br />
Diria, com Rui Barbosa – só que esse insuperável advogado referia-se ao<br />
habeas corpus –, que o bem público que se disputa “não entra no patrimônio<br />
particular, como as coisas que estão no comércio, que se dão, trocam, ven<strong>de</strong>m<br />
ou compram: é um verda<strong>de</strong>iro condomínio social; todos o <strong>de</strong>sfrutam, sem que<br />
ninguém o possa alienar; e, se o indivíduo, <strong>de</strong>generado, (a) repudia, a comunhão,<br />
vigilante, a reivindica. Solicitando, pois, esta (ação – que, no caso, era<br />
um habeas corpus, repita-se) eu propugno, na liberda<strong>de</strong> dos ofendidos, a minha<br />
própria liberda<strong>de</strong>; não patrocino um interesse privado, a sorte <strong>de</strong> clientes; advogo<br />
a minha própria causa, a causa da socieda<strong>de</strong>, lesada no seu tesouro coletivo, a<br />
causa impessoal do direito supremo (...) Patrono da lei, e não da parte, é por isso<br />
que me não ten<strong>de</strong>s o direito <strong>de</strong> perguntar pela outorga dos interessados; é por<br />
isso que não me importa saber se são amigos, ou <strong>de</strong>safetos; é por isso que, se o<br />
meu esforço aproveitar a inimigos, então maior será o contentamento da minha<br />
consciência, vendo que Deus me permitiu elevar-me por um momento acima da<br />
minha pequenez, da miséria das minhas fraquezas e dos meus interesses, para<br />
mostrar em sua mais viva refulgência a meus concidadãos a santida<strong>de</strong> do direito<br />
afirmado pela sua <strong>de</strong>fesa na pessoa <strong>de</strong> nossos adversários; é por isso que nem da<br />
simpatia <strong>de</strong>les, nem da sua <strong>de</strong>legação, nem da sua aquiescência necessito, para<br />
sustentar até o fim este pleito. Não ligo pelos interesses <strong>de</strong> uma clientela; bato-me<br />
por um direito, que as mais antigas leis da Nação fizeram meu, pela inteireza da<br />
instituição, que representa a fórmula perfeita da solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os cidadãos<br />
no regimen legal” (BARBOSA, Rui. Escritos e Discursos Seletos. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Nova Aguillar, 1997. p. 497).<br />
12. Por tudo quanto exposto, com as <strong>de</strong>sculpas <strong>de</strong>vidas ao meu gran<strong>de</strong> mestre,<br />
que é o Ministro Sepúlveda Pertence, por não me ver convencida dos seus<br />
aprofundados argumentos apresentados no voto-vista exposto na assentada <strong>de</strong> 14<br />
<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2006, voto no sentido <strong>de</strong> negar a competência originária <strong>de</strong>ste<br />
Supremo Tribunal para processar e julgar ação popular.<br />
VOTO<br />
(Confirmação)<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, acompanhei, com<br />
atenção e o prazer <strong>de</strong> sempre, o voto da eminente Ministra Cármen Lúcia. Lamento<br />
não po<strong>de</strong>r acompanhá-la. O prece<strong>de</strong>nte citado – não sei se a Pet 2.131,<br />
Relator o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello –, data venia, é impertinente.<br />
Cuidava-se do caso rotineiro <strong>de</strong> um cidadão a postular contra uma autorida<strong>de</strong><br />
pública a anulação <strong>de</strong> seu ato, preten<strong>de</strong>ndo-o ofensivo à pessoa jurídica <strong>de</strong><br />
direito público <strong>de</strong> que órgão o réu. Então, o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello o fez, com a<br />
riqueza que costuma emprestar aos seus <strong>de</strong>spachos – quase todos nós temos feito<br />
em duas linhas: não compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral julgar ação popular<br />
contra o Presi<strong>de</strong>nte da República. Tollitur quaestio.
504<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O prece<strong>de</strong>nte do Tribunal aplicável é, data venia – como acentuei em meu<br />
voto –, o da Rcl 424. Tratava-se <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> localização <strong>de</strong> um pólo<br />
petroquímico, no qual um cidadão, preten<strong>de</strong>ndo havia direito a que o pólo petroquímico<br />
se instalasse no Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ou pelo menos que não se<br />
instalasse outro no Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, propôs ação contra a autorida<strong>de</strong><br />
fe<strong>de</strong>ral. E enten<strong>de</strong>mos nós que, efetivamente, o que o cidadão <strong>de</strong>fendia ali era<br />
um pretenso direito <strong>de</strong> um Estado-membro contra a União. É o que suce<strong>de</strong> na<br />
espécie. Cuida-se – recordo – <strong>de</strong> ação popular movida contra a instalação, pela<br />
Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> uma comissão parlamentar<br />
<strong>de</strong> inquérito para investigar fatos atinentes à administração indireta da União –<br />
no caso, aci<strong>de</strong>ntes na Petrobras ou coisa que o valha. Então, entendi aí também<br />
que o cidadão, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fendia a competência da União exclusiva para instaurar<br />
comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito, que, aliás, é da nossa jurisprudência,<br />
para apurar fato da administração fe<strong>de</strong>ral. E assim <strong>de</strong>fendi, na verda<strong>de</strong> – nem<br />
quero me aprofundar se o caso é <strong>de</strong> ação popular –, uma competência da União,<br />
no caso do Congresso Nacional, pondo-o em confronto com a competência que<br />
se arrogara uma Assembléia Legislativa estadual.<br />
A brilhante argumentação trazida a partir da passagem tanto quanto retórica,<br />
data venia, <strong>de</strong> meu mestre José Afonso da Silva, não me impressiona. Toda substituição<br />
processual envolve algum tipo <strong>de</strong> relação entre o substituto, o substituído<br />
e o objeto da li<strong>de</strong>, ou não teria sentido atribuir a terceiro a <strong>de</strong>fesa em nome próprio<br />
<strong>de</strong> direito alheio. De tal forma que a discussão sobre se há um direito próprio, esse<br />
direito ut civilis do cidadão a um governo hígido, legal, moral e patrimonialmente,<br />
não me impressiona. Isso não ili<strong>de</strong> que, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o patrimônio da União,<br />
no caso, muito lato sensu, competência da União, ele está <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo direito da<br />
União, po<strong>de</strong>r da União contra o po<strong>de</strong>r dos Estados. E isso, a meu ver, substantiva<br />
conflito entre a União e os Estados, em matéria cujo relevo fe<strong>de</strong>rativo não é preciso<br />
acentuar, repartição <strong>de</strong> competência num ponto <strong>de</strong> alta sensibilida<strong>de</strong> política,<br />
como é o objeto possível <strong>de</strong> comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito, indiscutivelmente,<br />
repito, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> interesse, po<strong>de</strong>r da União contra o po<strong>de</strong>r dos Estados.<br />
Por isso, sem me esten<strong>de</strong>r na dissertação teórica sobre se trata <strong>de</strong> substituição<br />
processual ou <strong>de</strong> um direito público subjetivo do cidadão, que existir seria<br />
o direito da ação, obviamente não é o direito material que ele postula, mesmo nos<br />
casos rotineiros <strong>de</strong> ação popular, que vai reverter-se em função do patrimônio da<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público.<br />
De outro lado, às consi<strong>de</strong>rações postas pela eminente Ministra Cármen<br />
Lúcia, tenho <strong>de</strong> opor, também, que em toda questão, e o Tribunal já afirmou,<br />
e S. Exa. mesmo recorda – não sei se tópico <strong>de</strong> doutrina ou da própria jurisprudência<br />
da Casa –, o conceito <strong>de</strong> conflito entre a União e os Estados, no art.<br />
102, I, f, da Constituição, é mais amplo do que o <strong>de</strong> causa. A Constituição quis<br />
que esse conflito, pela sua relevância política, seja <strong>de</strong>cidido originária e privativamente<br />
pelo Supremo Tribunal. A enten<strong>de</strong>r-se que o simples fato <strong>de</strong> valerse<br />
alguém <strong>de</strong> uma ação popular para discutir esse mesmo pretendido conflito<br />
substantivo entre a União e Estado-membro alteraria a competência, na verda-
R.T.J. — <strong>204</strong> 505<br />
<strong>de</strong> essa competência privativa do Supremo Tribunal, como é, mutatis mutandis,<br />
em todas as fe<strong>de</strong>rações, seria facilmente contornável: bastava que o Estado, em<br />
vez <strong>de</strong> propor o que chamamos “uma ação cível originária contra a União”, o<br />
governador do Estado promovesse a mesma pretensão em nome próprio, como<br />
cidadão. E esta competência, que, no esquema fe<strong>de</strong>rativo nosso – repito – e no<br />
direito comparado, é sempre confiada ao tribunal da fe<strong>de</strong>ração, se <strong>de</strong>slocaria,<br />
só por isso, para a competência do juízo ordinário <strong>de</strong> primeiro grau.<br />
Peço todas as vênias à Ministra Cármen Lúcia, para reafirmar o meu voto<br />
e reconhecer, no caso, a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, na linha do<br />
voto do Ministro Ilmar Galvão.<br />
EXPLICAÇÃO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, apenas para registrar<br />
algumas notas <strong>de</strong> caráter mnemônico, consi<strong>de</strong>rando, inclusive, a vista para que<br />
me aju<strong>de</strong> quando da <strong>de</strong>cisão final, eu também gostaria <strong>de</strong> opor reparos a algumas<br />
consi<strong>de</strong>rações feitas pela Ministra Cármen Lúcia.<br />
Tenho a impressão <strong>de</strong> que uma coisa é a função da ação popular, a sua razão<br />
<strong>de</strong> ser, e até o direito subjetivo, aí envolvendo questões <strong>de</strong> cidadania. Outra questão<br />
é a <strong>de</strong> competência. Não me embala também e nem me anima a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong><br />
que, para que esta ação cumpra a sua função, <strong>de</strong>va ela ser processada e julgada, em<br />
primeiro grau, em nome <strong>de</strong> um eventual princípio <strong>de</strong>mocrático. Tenho, talvez, certa<br />
reação a esse tipo <strong>de</strong> coisa, porque parece que o juiz <strong>de</strong> primeiro grau é mais <strong>de</strong>mocrático<br />
do que este Tribunal. Então, parece-me ser preciso pontuar esses aspectos,<br />
<strong>de</strong> modo que, aqui – já o <strong>de</strong>monstrou bem o Ministro Sepúlveda Pertence –, há uma<br />
séria questão fe<strong>de</strong>rativa. O texto constitucional é claro no sentido <strong>de</strong> valorar, além,<br />
inclusive, <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> caráter meramente processualístico, o conflito fe-<br />
<strong>de</strong>rativo – e aí numa visão substancial –, como aquele que compete a esta Corte<br />
<strong>de</strong>cidir. Isto é até mesmo da nossa tradição republicana, é a marca primeira da <strong>de</strong>finição<br />
do papel do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral junto com a <strong>de</strong>fesa dos direitos fundamentais<br />
na tradição da doutrina brasileira do habeas corpus.<br />
ESCLARECIMENTO<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Verifiquei que a Ministra Cármen<br />
Lúcia, no final do seu belo voto, fez referência a Rui Barbosa. Não sei se houve<br />
divulgação suficiente <strong>de</strong> que esta Casa já conta, no seu sítio na internet, com as<br />
obras completas <strong>de</strong> Rui Barbosa. Facilmente acessíveis, nós temos não só as obras<br />
completas mas também os processos em que Rui Barbosa atuou perante esta Casa.<br />
É a referência que faço.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ACO 622-QO/RJ — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Autores: Milner Amazonas<br />
Coelho (Advogados: Francisco das Chagas Paiva Ribeiro e outro) e União
506<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
(Advogado: Advogado-Geral da União). Réus: Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Mesa da Assembléia Legislativa do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (Advogada:<br />
Juliette Stohler) e Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Decisão: Após o voto-vista da Ministra Cármen Lúcia, que nega a competência<br />
da Corte, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski. Ausentes,<br />
justificadamente, os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello e Marco Aurélio. Presidência da<br />
Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,<br />
Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da<br />
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 8 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se <strong>de</strong> ação cível originária que<br />
envolve ação popular ajuizada perante a 18ª Vara Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, por<br />
Milner Amazonas Coelho, contra ato do Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa do<br />
Estado, <strong>de</strong> sua Mesa Diretora e do Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito,<br />
instalada para apurar as causas do aci<strong>de</strong>nte na plataforma P-36 da Petrobras.<br />
O Autor popular preten<strong>de</strong> seja <strong>de</strong>clarada a nulida<strong>de</strong> da Resolução 507/01,<br />
que instituiu a CPI, ao argumento <strong>de</strong> que a Assembléia Legislativa estaria invadindo<br />
competência fe<strong>de</strong>ral, porquanto a plataforma P-36 localizava-se no mar<br />
territorial, bem que integra o patrimônio da União.<br />
Em 24-8-01, o Juízo da 18ª Vara Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>clinou a<br />
competência para esta Corte, com base no art. 102, I, f, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />
citando, ainda, o prece<strong>de</strong>nte consubstanciado na Rcl 424, <strong>de</strong> relatoria do Ministro<br />
Sepúlveda Pertence.<br />
O então Relator, Ministro Ilmar Galvão, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m por ele levantada,<br />
assim se pronunciou:<br />
(...) não tenho dúvida em reconhecer a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />
para processar o feito, na forma da alínea f do permissivo constitucional (art. 102, inciso I),<br />
recordando que esta Corte já teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar sua competência para o processamento<br />
<strong>de</strong> ação popular, pela mesma alínea, em face <strong>de</strong> conflito estabelecido entre a União<br />
e Estado-membro.<br />
No mesmo sentido, o Ministro Sepúlveda Pertence, em voto-vista, reafirmou<br />
a competência originária <strong>de</strong>sta Corte para o processamento da ação popular,<br />
com base em prece<strong>de</strong>ntes específicos e com fundamento no art. 102, I, f, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral.
R.T.J. — <strong>204</strong> 507<br />
Em 8-3-07, pedi vista dos autos, após o voto-vista da Ministra Cármen<br />
Lúcia, que afastava “a competência originária <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />
para processar e julgar ação popular”.<br />
Passo a votar.<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em seu art. 5º, LXXIII, consagrou a ação popular<br />
como um importante instrumento <strong>de</strong> participação política do cidadão em <strong>de</strong>fesa<br />
da res publica. Nessa condição, como bem ressaltou a Ministra Cármen Lúcia,<br />
em seu voto-vista, “o cidadão atua, então, em seu próprio nome e em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
direito que é também seu, mas não apenas seu, senão <strong>de</strong> toda socieda<strong>de</strong>”.<br />
Não se ignora que a jurisprudência dominante vem afirmando que esta<br />
Corte é incompetente para processar e julgar, originariamente, ação popular<br />
constitucional ajuizada contra ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, ainda que se trate do Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República, por obstáculo <strong>de</strong> índole formal, sendo paradigmáticas, nesse<br />
sentido, a Pet 2.131 e a Pet 1.546, relatadas pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello.<br />
Entretanto, importa <strong>de</strong>stacar que, na Pet 2.131, não se cogitou da hipótese<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento da competência para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em razão <strong>de</strong><br />
ulterior intervenção do Estado-membro, a evi<strong>de</strong>nciar, portanto, conflito fe<strong>de</strong>rativo.<br />
Por tal motivo, o seu Relator, Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, ressaltou o seguinte:<br />
Não questiono que se imporá o <strong>de</strong>slocamento da competência, para esta Suprema<br />
Corte, se, em <strong>de</strong>terminada fase do processo em causa – e em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ulterior intervenção<br />
formal do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais –, evi<strong>de</strong>nciar-se a existência, na espécie, <strong>de</strong> comprovada<br />
situação <strong>de</strong> litigiosida<strong>de</strong> entre a União Fe<strong>de</strong>ral e essa unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada.<br />
No presente momento, contudo, o que se registra é o mero ajuizamento <strong>de</strong> ação popular,<br />
em cujo âmbito figuram, como litisconsortes passivos, o Presi<strong>de</strong>nte da República, o<br />
Ministro da Fazenda, o Presi<strong>de</strong>nte do Banco Central e a União Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Para esse efeito, revela-se competente o Juízo Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> primeira instância, até que se<br />
formalize o eventual ingresso do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais na relação processual, na qual venha<br />
a assumir posição <strong>de</strong> antagonismo em face da União Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Enquanto tal não ocorrer, inexistirá hipótese configuradora <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo.<br />
Cumpre <strong>de</strong>stacar, também, que, ao excluir a competência <strong>de</strong>sta Corte na<br />
Pet 1.546, o então Relator, Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, ressalvou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
existirem casos excepcionais, em que se daria a atração, nos seguintes termos:<br />
É certo que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não obstante as consi<strong>de</strong>rações prece<strong>de</strong>ntes –<br />
e sempre enfatizando os propósitos teleológicos do legislador constituinte –, tem procedido,<br />
algumas vezes, em casos excepcionais, a construções jurispru<strong>de</strong>nciais que lhe permitem<br />
extrair, das normas constitucionais, por força <strong>de</strong> compreensão ou por efeito <strong>de</strong> interpretação<br />
lógico-extensiva, o sentido exegético que lhes é inerente (RTJ 80/327 – RTJ 130/1015 – RTJ<br />
145/509, v.g.).<br />
Nessa linha <strong>de</strong> raciocínio, o Plenário <strong>de</strong>ste Tribunal, no julgamento da Rcl<br />
424, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, invocada como prece<strong>de</strong>nte pelo<br />
magistrado a quo, avocou os autos <strong>de</strong> ação popular, por enten<strong>de</strong>r que os seus<br />
Autores agiram no interesse <strong>de</strong> Estado-membro contra ato imputável à União,<br />
em acórdão assim ementado:
508<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Ação popular: natureza da legitimação do cidadão em nome próprio, mas na <strong>de</strong>fesa do<br />
patrimônio público: caso singular <strong>de</strong> substituição processual.<br />
(...)<br />
II – <strong>STF</strong>: competência: conflito entre a União e o Estado: caracterização na ação<br />
popular em que os autores, preten<strong>de</strong>ndo agir no interesse <strong>de</strong> um Estado-membro, postulam a<br />
anulação <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto do Presi<strong>de</strong>nte da República e, pois, <strong>de</strong> ato imputável à União.<br />
Na ocasião, o Ministro Sepúlveda Pertence observou que o art. 102, I, f, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />
incluiu na competência do Tribunal não apenas as causas entre a União e o Estadomembro<br />
– o que po<strong>de</strong>ria levar à exigência <strong>de</strong> que ambos participassem formalmente na relação<br />
processual – mas também os conflitos entre eles, termo que comporta a hipótese <strong>de</strong> uma<br />
contraposição <strong>de</strong> interesses substanciais entre os dois entes fe<strong>de</strong>rativos (...)<br />
Assim, ao <strong>de</strong>ter-me sobre o caso dos autos, sou forçado a concluir,<br />
concessa venia, que o Autor popular, a rigor, preten<strong>de</strong> discutir não apenas o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> uma comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito, no âmbito<br />
estadual, mas a própria repartição <strong>de</strong> competências entre a União e Estadomembro,<br />
matéria <strong>de</strong> acentuado relevo fe<strong>de</strong>rativo e <strong>de</strong> inegável repercussão<br />
político-institucional.<br />
Perfilhando essa preocupação, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, ao longo dos<br />
<strong>de</strong>bates do dia 8-3-07, ressaltando que, no caso sob exame, “há uma séria questão<br />
fe<strong>de</strong>rativa”, aduziu o seguinte:<br />
O texto constitucional é claro no sentido <strong>de</strong> valorar, além, inclusive, <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações<br />
<strong>de</strong> caráter meramente processualístico, o conflito fe<strong>de</strong>rativo – e aí numa visão substancial –,<br />
como aquele que compete a esta Corte <strong>de</strong>cidir. Isto é até mesmo da nossa tradição republicana,<br />
é a marca primeira da <strong>de</strong>finição do papel do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (...)<br />
Em razão do exposto, com a <strong>de</strong>vida vênia das opiniões discordantes, entendo<br />
que o caso sob exame refoge aos prece<strong>de</strong>ntes consubstanciados na Pet 2.131 e<br />
na Pet 1.546, enquadrando-se, ao revés, no entendimento sufragado na Rcl 424,<br />
visto que há importante questão fe<strong>de</strong>rativa a ser <strong>de</strong>slindada, qual seja, a competência<br />
investigatória <strong>de</strong> um órgão do legislativo estadual, numa <strong>de</strong>manda em que<br />
figu-ram em pólos opostos a União e o Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Cumpre registrar, a<strong>de</strong>mais, que o presente caso apresenta excepcionalida<strong>de</strong><br />
ainda maior do que aquela i<strong>de</strong>ntificada na Rcl 424, porque a União, além <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a competência <strong>de</strong>sta Corte para o julgamento da li<strong>de</strong>, interveio formalmente<br />
nos autos, por meio <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong> fls. 143-145, assumindo, portanto,<br />
o pólo ativo da presente ação.<br />
Desse modo, dada a singularida<strong>de</strong> da questão, e consi<strong>de</strong>rando a potencialida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> conflito entre a União e um Estado-membro, não tenho dúvida<br />
<strong>de</strong> que emerge a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para processar e<br />
julgar a presente ação popular, a teor do que dispõe o art. 102, I, f, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral.<br />
É como resolvo a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.
R.T.J. — <strong>204</strong> 509<br />
DEBATE<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Mas será que está prejudicada? Porque, <strong>de</strong><br />
qualquer forma, o que se busca é a anulação da própria resolução da CPI, quer<br />
dizer, o fato <strong>de</strong> ela já se ter exaurido não significa que não subsista interesse.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Foi isso exatamente que levou o Ministro<br />
Sepúlveda Pertence a persistir, por causa da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Salvo melhor juízo, parece-me que haveria<br />
ainda objeto para a ação popular.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Para assentar a competência, ou não, <strong>de</strong>ste<br />
Tribunal para, então, se dizer – se se po<strong>de</strong> dizer – do prejuízo da própria ação.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Cuida-se <strong>de</strong> anulação do ato.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Vou verificar, talvez V. Exa. tenha<br />
razão. O Autor popular preten<strong>de</strong> seja <strong>de</strong>clarada nulida<strong>de</strong> da Resolução 507/01,<br />
que instituiu a CPI ao argumento <strong>de</strong> que a Assembléia Legislativa estaria invadindo<br />
competência fe<strong>de</strong>ral. Quer dizer, mesmo que ela tenha encerrado os trabalhos,<br />
é possível que tenha concluído – e <strong>de</strong>verá certamente ter concluído num<br />
<strong>de</strong>terminado sentido –, nós temos <strong>de</strong> tirar do universo jurídico eventualmente<br />
essa conclusão.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, se ela não concluiu nada, é inútil uma<br />
<strong>de</strong>cisão. Eu gostaria <strong>de</strong> saber o que ela concluiu, po<strong>de</strong> não ter concluído nada.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A informação que tenho nos autos é<br />
apenas que ela concluiu os trabalhos, não em que sentido.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Ela concluiu os trabalhos. O que se aponta é<br />
que não <strong>de</strong>veria haver CPI para tratar <strong>de</strong> tema que envolva competência da União.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nós estamos diante do seguinte problema, numa<br />
hipótese: saber se anulamos alguma coisa que não teve nenhuma conseqüência.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É aquela espécie, Ministro Cezar Peluso,<br />
<strong>de</strong> dar seqüência a alguma coisa que certamente é <strong>de</strong> alta indagação para firmar<br />
a competência do Supremo em caso <strong>de</strong> ação popular, porém não nesta hipótese.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nós reconhecemos a competência e julgamos<br />
prejudicado o pedido por falta <strong>de</strong> interesse processual.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Então, <strong>de</strong> toda sorte, é preciso<br />
terminar a tomada <strong>de</strong> julgamento quanto à questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Se não houver conseqüência.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pois é. Se não houver conseqüência.<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Se não houver conseqüência, o quê?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Quanto às conclusões da CPI.<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Sim.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Deveria ter ouvido as partes.
510<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É que eu me ative, inclusive, no voto-vista,<br />
dando seqüência ao que tinha votado o Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido<br />
<strong>de</strong> que, em qualquer caso, a ação popular não seria <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>ste Supremo<br />
Tribunal. Isso precisa ser firmado. Só isso.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O gran<strong>de</strong> problema aqui é fixar a competência.<br />
Nós reconhecemos a competência e, em seguida, passamos a examinar se é<br />
caso <strong>de</strong> continuar com este processo, ou não.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E, num momento seguinte, talvez seja o<br />
caso da hipótese do Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Não seria o caso, Ministro Ricardo Lewandowski,<br />
<strong>de</strong> firmar a orientação que V. Exa. propõe e, talvez, ouvir as partes?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pedir uma informação quanto ao resultado da CPI.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E, na seqüência, baixar em diligência para<br />
verificar os dados.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: A União se fez presente no feito, então, que<br />
se manifeste para saber se há interesse.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Acho que essa é uma solução interessante.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Acho que seria melhor, porque, inclusive,<br />
firma-se uma competência que volta e meia vem a este Tribunal.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eu apenas estou tentando verificar<br />
aqui a conclusão.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Ouvimos as partes? E resolvemos a questão<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas termina-se a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m para<br />
firmar a competência, porque há outras ações populares pen<strong>de</strong>ntes que não precisarão<br />
ser trazidas para isso.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, com a vênia da divergência,<br />
vou acompanhar o Relator: pela competência.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, peço vênia para divergir. Encaro<br />
a competência do Supremo, consi<strong>de</strong>rado o conflito fe<strong>de</strong>rativo, como a revelar<br />
verda<strong>de</strong>ira exceção.<br />
Não posso, no caso, assentar que – ajuizada ação popular por um cidadão,<br />
creio que juiz do trabalho aposentado, para brecar comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito<br />
em curso em Assembléia <strong>de</strong> Estado, mesmo com a participação da União<br />
em sustentar o que pleiteado pelo Autor da popular – tenha-se conflito fe<strong>de</strong>rativo.<br />
Peço vênia para concluir que competente é mesmo o Juízo Fe<strong>de</strong>ral.
R.T.J. — <strong>204</strong> 511<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Cabe verificar, preliminarmente, se o Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral dispõe <strong>de</strong> competência originária para processar e julgar<br />
a presente ação popular.<br />
Entendo que não assiste, em regra, a esta Suprema Corte, competência<br />
originária para processar e julgar ação popular constitucional contra quaisquer<br />
autorida<strong>de</strong>s, mesmo contra aquelas cujas <strong>de</strong>liberações estejam sujeitas,<br />
em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, à jurisdição imediata <strong>de</strong>ste Tribunal, ainda<br />
que se objetive impugnar, com referido meio processual, ato do próprio<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
Como se sabe, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 – observando uma tradição<br />
que se inaugurou com a Carta Política <strong>de</strong> 1934 – não incluiu o julgamento da ação<br />
popular na esfera das atribuições jurisdicionais originárias da Suprema Corte.<br />
Na realida<strong>de</strong>, a previsão <strong>de</strong> ação popular não se subsume a qualquer<br />
das situações taxativamente enunciadas no rol inscrito no art. 102, I, da Carta<br />
Política, que <strong>de</strong>fine, em “numerus clausus”, as hipóteses <strong>de</strong> competência originária<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RTJ 43/129 – RTJ 44/563 – RTJ 50/72 –<br />
RTJ 53/776):<br />
A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CUJOS FUNDA-<br />
MENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – SUBMETE-SE A RE-<br />
GIME DE DIREITO ESTRITO.<br />
(...)<br />
O regime <strong>de</strong> direito estrito, a que se submete a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ssa competência institucional,<br />
tem levado o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por efeito da taxativida<strong>de</strong> do rol constante da<br />
Carta Política, a afastar, do âmbito <strong>de</strong> suas atribuições jurisdicionais originárias, o processo<br />
e o julgamento <strong>de</strong> causas <strong>de</strong> natureza civil que não se acham inscritas no texto constitucional<br />
(ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações <strong>de</strong>claratórias<br />
e medidas cautelares), mesmo que instauradas contra o Presi<strong>de</strong>nte da República ou<br />
contra qualquer das autorida<strong>de</strong>s, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem <strong>de</strong><br />
prerrogativa <strong>de</strong> foro perante a Corte Suprema ou que, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança,<br />
estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d). Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
(RTJ 171/101-102, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)<br />
É por essa razão, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, que a jurisprudência do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral – quer sob a égi<strong>de</strong> da vigente Constituição republicana<br />
(RTJ 141/344, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 296/MG, Rel. Min. CÉ-<br />
LIO BORJA – Pet 352/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – Pet 431/SP, Rel.<br />
Min. NÉRI DA SILVEIRA – Pet 487/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Pet<br />
626/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 682/MS, Rel. Min. CELSO DE<br />
MELLO – Pet 713/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 1.546/RJ, Rel. Min.<br />
CELSO DE MELLO), quer sob o domínio da Carta Política anterior (Pet 129/PR,<br />
Rel. Min. MOREIRA ALVES) – firmou-se no sentido <strong>de</strong> reconhecer que a competência<br />
originária <strong>de</strong>sta Corte, por revestir-se <strong>de</strong> caráter estrito, não abrange<br />
as ações populares constitucionais, mesmo quando propostas contra atos do Pre-
512<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
si<strong>de</strong>nte da República, ou das Casas que compõem o Congresso Nacional, ou <strong>de</strong><br />
Ministros <strong>de</strong> Estado ou, ainda, <strong>de</strong> Ministros da própria Suprema Corte:<br />
AÇÃO POPULAR. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO <strong>STF</strong>.<br />
– A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral – quer sob a égi<strong>de</strong> da vigente<br />
Constituição republicana, quer sob o domínio da Carta Política anterior – firmou-se no<br />
sentido <strong>de</strong> reconhecer que não se incluem, na esfera <strong>de</strong> competência originária da Corte<br />
Suprema, o processo e o julgamento <strong>de</strong> ações populares constitucionais, ainda que ajuizadas<br />
contra atos do Presi<strong>de</strong>nte da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado<br />
Fe<strong>de</strong>ral ou <strong>de</strong> quaisquer outras autorida<strong>de</strong>s cujas resoluções estejam sujeitas, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mandado <strong>de</strong> segurança, à jurisdição imediata do <strong>STF</strong>. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
(Pet 1.641/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />
Competência. Ação popular contra o Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
– A competência para processar e julgar ação popular contra ato <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong>,<br />
inclusive daquelas que, em mandado <strong>de</strong> segurança, estão sob a jurisdição <strong>de</strong>sta Corte<br />
originariamente, é do Juízo competente <strong>de</strong> primeiro grau <strong>de</strong> jurisdição.<br />
Agravo regimental a que se nega provimento.<br />
(RTJ 121/17, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Grifei.)<br />
Essa orientação jurispru<strong>de</strong>ncial, por sua vez, reflete-se no magistério da<br />
doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 184, item<br />
n. 7.8, 7. ed., 2000, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, “Ação Popular”,<br />
p. 129/130, 1994, RT, v.g.), que também assinala não se incluir, na esfera<br />
<strong>de</strong> competência originária do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> processar<br />
e julgar ações populares ajuizadas em face das altas autorida<strong>de</strong>s da República.<br />
Esse mesmo entendimento é perfilhado por HELY LOPES MEIRELLES<br />
(“Mandado <strong>de</strong> Segurança”, p. 147/148, 29. ed., 2006, atualizada por Arnoldo<br />
Wald e Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s, Malheiros), cuja autorizadíssima lição <strong>de</strong>ixou<br />
consignada, no ponto, a seguinte advertência:<br />
Esclareça-se que a ação popular, ainda que ajuizada contra o Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />
o Presi<strong>de</strong>nte do Senado, o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados, o Governador ou o<br />
Prefeito, será processada e julgada perante a Justiça <strong>de</strong> primeiro grau (Fe<strong>de</strong>ral ou Comum).<br />
(Grifei.)<br />
Nem se diga, <strong>de</strong> outro lado, para legitimar-se o reconhecimento da competência<br />
originária do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que a ação popular, em última<br />
análise, revelaria a ocorrência <strong>de</strong> hipótese <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo entre a União<br />
e <strong>de</strong>terminado Estado-membro da Fe<strong>de</strong>ração, pelo fato <strong>de</strong> os interesses estaduais<br />
ou fe<strong>de</strong>rais estarem sendo protegidos pelo autor popular, agindo este na condição<br />
<strong>de</strong> substituto processual.<br />
É certo que parte da doutrina reconhece, tradicionalmente, no autor popular,<br />
a condição <strong>de</strong> substituto processual, nele <strong>de</strong>stacando a posição formal<br />
<strong>de</strong> quem, extraordinariamente legitimado para agir, promove, em juízo, em<br />
nome próprio, a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um direito alheio, difusamente titularizado por todos<br />
os membros da coletivida<strong>de</strong> (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “As Ações<br />
Populares no Direito Brasileiro”, “in” RT 266/5-13, 11; WALDEMAR MARIZ
R.T.J. — <strong>204</strong> 513<br />
DE OLIVEIRA JÚNIOR, “Substituição Processual”, p. 159/163, item n. 72,<br />
1971, RT; PÉRICLES PRADE, “Ação Popular”, p. 20, item n. 4, 1986, Saraiva;<br />
PAULO BARBOSA DE CAMPOS FILHO, “Da Ação Popular Constitucional”,<br />
p. 152/154, item n. 59, 1968, Saraiva).<br />
Hoje, no entanto, registra-se sensível evolução no magistério doutrinário,<br />
que, agora, i<strong>de</strong>ntifica o autor popular como aquele que, ao exercer uma prerrogativa<br />
<strong>de</strong> caráter cívico-político, busca proteger, em nome próprio, um direito,<br />
que, fundado em sua condição <strong>de</strong> cidadão, também lhe é próprio (ROGÉRIO<br />
LAURIA TUCCI e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, “Constituição <strong>de</strong> 1988<br />
e Processo”, p. 185, 1989, Saraiva; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO,<br />
“Ação Popular”, p. 108/109, 1994, RT; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito<br />
Constitucional”, p. 172/173, item n. 7.5, 3. ed., 1998, Atlas; CELSO RIBEIRO<br />
BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/369, 1989, Saraiva;<br />
ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA, “Um Estudo sobre a Legitimação para<br />
Agir no Direito Processual Civil – A legitimação ordinária do autor popular”,<br />
“in” RT 618/34-47, 45-46, v.g.).<br />
Essa posição teórica – que se vem impondo no panorama doutrinário<br />
contemporâneo – foi exposta, <strong>de</strong> modo lapidar, por JOSÉ AFONSO DA SILVA<br />
(“Ação Popular Constitucional”, p. 195, item n. 155, 1968, RT):<br />
(...) a ação popular constitui um instituto <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia direta, e o cidadão, que a<br />
intenta, fá-lo em nome próprio, por direito próprio, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direito próprio, que é o <strong>de</strong><br />
sua participação na vida política do Estado, fiscalizando a gestão do patrimônio público, a<br />
fim <strong>de</strong> que esta se conforme com os princípios da legalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong>.<br />
(Grifei.)<br />
Vê-se, portanto – tendo-se presente essa nova perspectiva <strong>de</strong> análise<br />
doutrinária referente à posição processual ostentada pelo cidadão – que o<br />
ajuizamento, por este, da ação popular não faria instaurar, só por si, situação<br />
configuradora <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo entre a União e o Estado-membro.<br />
É que, mesmo para os doutrinadores que sustentam a tese da legitimida<strong>de</strong><br />
extraordinária, o autor popular, ao ingressar em juízo, postula a tutela<br />
jurisdicional dos interesses globais da comunida<strong>de</strong>, e não a <strong>de</strong>fesa dos direitos<br />
<strong>de</strong> qualquer ente estatal, ainda que este possa beneficiar-se, por via reflexa, da<br />
<strong>de</strong>cisão judicial.<br />
Daí a advertência <strong>de</strong> HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado <strong>de</strong> Segurança”,<br />
p. 130, item n. 1, 29. ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar<br />
Ferreira Men<strong>de</strong>s, 2006, Malheiros), cujo magistério, a propósito da função<br />
cons titucional da ação popular, assim se manifesta:<br />
É um instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos interesses da coletivida<strong>de</strong>, utilizável por qualquer <strong>de</strong><br />
seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da<br />
comunida<strong>de</strong>. O beneficiário direto e imediato <strong>de</strong>sta ação não é o autor; é o povo, titular do<br />
direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletivida<strong>de</strong>, no uso<br />
<strong>de</strong> uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga.
514<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Não se revela possível, portanto, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, supor que a<br />
mera instauração <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> ação popular bastaria, só por si, para autorizar<br />
a conclusão <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> tal fato processual, emergiria inevitável conflito<br />
<strong>de</strong> interesses entre as pessoas políticas que compõem o Estado Fe<strong>de</strong>ral<br />
brasileiro.<br />
O simples ajuizamento da ação popular não autoriza tal inferência,<br />
mesmo porque não se presume a ocorrência, sempre excepcional, da situação<br />
configuradora <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo.<br />
Sob todos os aspectos que venho <strong>de</strong> referir, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, ten<strong>de</strong>ria a<br />
acompanhar o douto voto proferido pela eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA.<br />
Ocorre, no entanto, tal como ora ressaltado pelo eminente Ministro<br />
RICARDO LEWANDOWSKI, que se impõe reconhecer, na espécie, a competência<br />
originária do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar a<br />
presente causa, não porque se trate <strong>de</strong> ação popular, mas, isso sim, porque se<br />
cuida <strong>de</strong> situação <strong>de</strong> possível conflito fe<strong>de</strong>rativo (o que faz incidir a norma<br />
<strong>de</strong> competência inscrita no art. 102, I, “f”, da Constituição), eis que a União<br />
Fe<strong>de</strong>ral e o Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro se situam em posições diametralmente<br />
antagônicas nesta relação processual.<br />
Vê-se, daí, analisada a questão sob tal perspectiva, que se justifica o acolhimento<br />
da solução preconizada pelo eminente Ministro ILMAR GALVÃO,<br />
Relator originário <strong>de</strong>sta causa, que reconheceu, com fundamento no art. 102, I,<br />
“f”, da Constituição, a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para processar<br />
e julgar, originariamente, este litígio, “em face <strong>de</strong> conflito estabelecido entre a<br />
União e Estado-membro”.<br />
A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ruptura do equilíbrio fe<strong>de</strong>rativo, <strong>de</strong> um lado, e o<br />
potencial comprometimento do convívio harmonioso entre a União Fe<strong>de</strong>ral e o<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> outro, representam, no contexto <strong>de</strong>sta causa, fator<br />
<strong>de</strong> legitimação da competência originária <strong>de</strong>sta Corte para analisar a controvérsia<br />
em exame.<br />
Essa, portanto, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, é a razão que me faz acompanhar o<br />
eminente Ministro ILMAR GALVÃO, eis que aplicável, ao caso, a regra <strong>de</strong><br />
competência consubstanciada no art. 102, I, “f”, da Constituição, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> se tratar, ou não, <strong>de</strong> ação popular.<br />
É importante ressaltar, neste ponto, consi<strong>de</strong>rada a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação<br />
do pacto fe<strong>de</strong>rativo, que a norma <strong>de</strong> competência em questão confere,<br />
ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a posição eminente <strong>de</strong> Tribunal da Fe<strong>de</strong>ração,<br />
atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirimir as<br />
controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Fe<strong>de</strong>ral, culminam, perigosamente,<br />
por antagonizar as unida<strong>de</strong>s que compõem a Fe<strong>de</strong>ração.<br />
Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o<br />
gravíssimo <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> velar pela intangibilida<strong>de</strong> do vínculo fe<strong>de</strong>rativo e <strong>de</strong> zelar
R.T.J. — <strong>204</strong> 515<br />
pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que<br />
integram a Fe<strong>de</strong>ração brasileira.<br />
Daí a observação constante do magistério doutrinário (MANOEL GON-<br />
ÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira <strong>de</strong><br />
1988”, vol. 2/219-220, 1992, Saraiva), cuja lição, ao ressaltar essa qualificada<br />
competência constitucional do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, acentua:<br />
Reponta aqui o papel do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral como órgão <strong>de</strong> equilíbrio do<br />
sistema fe<strong>de</strong>rativo. Pertencente embora à estrutura da União, o Supremo tem um caráter<br />
nacional que o habilita a <strong>de</strong>cidir, com in<strong>de</strong>pendência e imparcialida<strong>de</strong>, as causas e conflitos<br />
<strong>de</strong> que sejam partes, em campos opostos, a União e qualquer dos Estados fe<strong>de</strong>rados.<br />
É por essa razão que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao interpretar a norma<br />
<strong>de</strong> competência inscrita no art. 102, I, “f”, da Carta Política, veio a proclamar<br />
que “o dispositivo constitucional invocado visa a resguardar o equilíbrio fe<strong>de</strong>rativo”<br />
(RTJ 81/330-331, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE), advertindo,<br />
por isso mesmo, que não é qualquer causa que legitima a invocação do preceito<br />
constitucional referido, mas, exclusivamente, aquelas controvérsias <strong>de</strong> que<br />
possam <strong>de</strong>rivar situações caracterizadoras <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo (RTJ 81/675 –<br />
RTJ 95/485 – RTJ 132/109 – RTJ 132/120, v.g.):<br />
CONFLITOS FEDERATIVOS E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />
COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO.<br />
– A Constituição da República confere, ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a posição eminente<br />
<strong>de</strong> Tribunal da Fe<strong>de</strong>ração (CF, art. 102, I, “f”), atribuindo, a esta Corte, em tal condição<br />
institucional, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirimir as controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado<br />
Fe<strong>de</strong>ral, culminam, perigosamente, por antagonizar as unida<strong>de</strong>s que compõem a Fe<strong>de</strong>ração.<br />
Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> velar pela intangibilida<strong>de</strong> do vínculo fe<strong>de</strong>rativo e <strong>de</strong> zelar pelo equilíbrio harmonioso<br />
das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Fe<strong>de</strong>ração brasileira.<br />
A aplicabilida<strong>de</strong> da norma inscrita no art. 102, I, “f”, da Constituição esten<strong>de</strong>-se<br />
aos litígios cuja potencialida<strong>de</strong> ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam<br />
o princípio fundamental que rege, em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, o pacto da Fe<strong>de</strong>ração.<br />
Doutrina. Prece<strong>de</strong>ntes. (...).<br />
(ACO 1.048-QO/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)<br />
Esse entendimento jurispru<strong>de</strong>ncial evi<strong>de</strong>ncia que a aplicabilida<strong>de</strong> da<br />
norma inscrita no art. 102, I, “f”, da Carta Política restringe-se, tão-somente,<br />
àqueles litígios – como o <strong>de</strong> que ora se cuida – cuja potencialida<strong>de</strong> ofensiva<br />
revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental<br />
que rege, em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, o pacto da Fe<strong>de</strong>ração, em or<strong>de</strong>m<br />
a viabilizar a incidência da norma constitucional que confere, a esta Suprema<br />
Corte, o papel eminente <strong>de</strong> Tribunal da Fe<strong>de</strong>ração (ACO 597-AgR/SC, Rel. Min.<br />
CELSO DE MELLO, Pleno, v.g.).<br />
Com estas consi<strong>de</strong>rações, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, peço vênia para acompanhar<br />
o voto do Senhor Ministro ILMAR GALVÃO, Relator originário da presente<br />
causa.<br />
É o meu voto.
516<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Também eu me ponho <strong>de</strong> acordo<br />
com a posição inicialmente <strong>de</strong>fendida nesta sessão pelo Ministro Ricardo<br />
Lewandowski para admitir a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />
VOTO<br />
(Retificação)<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, consultando<br />
os autos, verifico haver uma cópia do Diário Oficial do Rio <strong>de</strong> Janeiro, cinqüenta<br />
e três páginas, que relatam e retratam a conclusão da CPI instalada na<br />
Assembléia Legislativa do Rio <strong>de</strong> Janeiro. E verifico que, <strong>de</strong> fato, essa CPI<br />
terminou e que várias recomendações foram feitas a distintas autorida<strong>de</strong>s,<br />
inclusive houve remessa <strong>de</strong> peças do processo ao Ministério Público para as<br />
providências cabíveis.<br />
De maneira que, atentando para a questão suscitada pelo eminente Ministro<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, reformulo a conclusão do meu voto. Entendo que <strong>de</strong>vemos,<br />
neste momento, apenas resolver a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> firmar a competência<br />
<strong>de</strong>sta Suprema Corte, mas não dar por prejudicada a ação popular, tendo<br />
em conta que, <strong>de</strong> fato, ela se encerrou, mas <strong>de</strong> forma positiva, firmando várias<br />
conclusões. E como a ação popular se voltava contra a resolução que instituiu a<br />
CPI na Assembléia do Rio <strong>de</strong> Janeiro, talvez seja melhor que o processo prossiga<br />
nesta instância.<br />
Então, simplesmente resolvo a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> firmar a<br />
competência do Supremo e retiro aquela conclusão da prejudicialida<strong>de</strong>.<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixar em<br />
diligência para mais esclarecimentos?<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Agora volta para o Relator.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Porque a relatoria, Presi<strong>de</strong>nte, teria <strong>de</strong> voltar<br />
ao sucessor do Ministro Ilmar Galvão, para adotar as providências.<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Que é o Ministro Carlos Britto.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Então, tem <strong>de</strong> se resolver a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
e dar prosseguimento à ação.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ACO 622-QO/RJ — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Relator para o acórdão:<br />
Ministro Ricardo Lewandowski (art. 38, IV, b, do RI<strong>STF</strong>). Autores: Milner Amazonas<br />
Coelho (Advogados: Francisco das Chagas Paiva Ribeiro e outro) e União<br />
(Advogado: Advogado-Geral da União). Réus: Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Mesa da Assembléia Legislativa do Estado
R.T.J. — <strong>204</strong> 517<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (Advogada:<br />
Juliette Stohler) e Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Decisão: O Tribunal, por maioria, resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, admitiu a<br />
competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o julgamento da ação, vencidos<br />
a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Marco Aurélio, que não a admitiam. Votou<br />
a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Ministro Ricardo<br />
Lewandowski. Ante a aposentadoria do Ministro Ilmar Galvão (Relator), o feito<br />
irá ao sucessor, Ministro Carlos Britto, para o seu prosseguimento. Não participou<br />
da votação o Ministro Menezes Direito, por suce<strong>de</strong>r ao Ministro Sepúlveda<br />
Pertence, que proferira voto anteriormente. Ausente, justificadamente, neste<br />
julgamento, o Ministro Carlos Britto.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim<br />
Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
518<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 959 — RN<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Autora: Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos – ECT — Réu: Estado<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />
Tributário. Imunida<strong>de</strong> recíproca. Art. 150, VI, a, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Extensão. Empresa pública prestadora <strong>de</strong> serviço<br />
público. Prece<strong>de</strong>ntes da Suprema Corte.<br />
1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150,<br />
VI, a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral alcança as empresas públicas<br />
prestadoras <strong>de</strong> serviço público, como é o caso da Autora, que<br />
não se confun<strong>de</strong> com as empresas públicas que exercem ativida<strong>de</strong><br />
econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento<br />
da imunida<strong>de</strong> tributária prevista no art. 150, VI, a, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
2. Ação cível originária julgada proce<strong>de</strong>nte.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />
Gracie, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
maioria <strong>de</strong> votos, julgar proce<strong>de</strong>nte a ação, nos termos do voto do Relator.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ministro Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: A Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos<br />
(ECT) ajuizou ação ordinária contra o Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,<br />
visando a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inexistência do <strong>de</strong>ver jurídico <strong>de</strong> recolhimento <strong>de</strong> IPVA<br />
sobre veículos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da Autora, com fundamento na inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
da Lei estadual 6.967/96 do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte e suas posteriores<br />
alterações. Há requerimento <strong>de</strong> antecipação da tutela. Sustenta a Autora a<br />
violação da imunida<strong>de</strong> conferida pelo art. 150, VI, a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
A ação foi proposta na Justiça Fe<strong>de</strong>ral da 5ª Região, tendo o Sr. Juiz Fe<strong>de</strong>ral<br />
Francisco Barros Dias, da 3ª Vara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Natal, <strong>de</strong>ferido parcialmente a tutela.<br />
Tal <strong>de</strong>cisão, entretanto, foi cassada pelo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral local ao reconhecer<br />
a competência exclusiva do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Nesta Corte, a ação (ação cível originária) foi distribuída para o Ministro<br />
Sepúlveda Pertence, que <strong>de</strong>feriu a antecipação da tutela como requerido na inicial<br />
(itens a, b e c da fl. 18). Não houve nova citação.<br />
Dessa <strong>de</strong>cisão, o Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte interpôs agravo regimental<br />
(fls. 453 a 455).
R.T.J. — <strong>204</strong> 519<br />
Com a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fl. 461, o Ministro Sepúlveda Pertence <strong>de</strong>terminou que<br />
o Ministério Público se manifestasse não só em relação ao agravo regimental,<br />
mas quanto à “própria ação cível originária, uma vez que o caso dispensa dilação<br />
probatória”, pelo que o Parquet opina pela manutenção da <strong>de</strong>cisão agravada e<br />
pela procedência do pedido.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): A Autora, Empresa Brasileira <strong>de</strong><br />
Correios e Telégrafos (ECT), ingressou com ação <strong>de</strong>claratória pedindo o reconhecimento<br />
da imunida<strong>de</strong> tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral com relação ao IPVA do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, <strong>de</strong> modo a<br />
escapar <strong>de</strong> qualquer sanção “pelo não recolhimento <strong>de</strong> IPVA, diante da proprieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> veículos utilizados no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s típicas; inclusive<br />
se abstenha <strong>de</strong> inscrever a requerente na Dívida Ativa e no Cadin” (fl. 18).<br />
O Juiz Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>feriu a medida liminar, em parte, “para <strong>de</strong>terminar que o<br />
Requerente <strong>de</strong>posite, junto a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, os valores correspon<strong>de</strong>ntes<br />
ao Imposto sobre a Proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Veículos Automotores (IPVA), referentes<br />
aos veículos listados no documento hospedado às fls. 111/114 do álbum processual,<br />
bem assim dos veículos que vier a adquirir” (fl. 174).<br />
A contestação do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte está apoiada no argumento<br />
central <strong>de</strong> que a Autora é uma empresa pública que exerce ativida<strong>de</strong> econômica<br />
remunerada, mediante o pagamento <strong>de</strong> preço, com o que não está amparada<br />
pela imunida<strong>de</strong> constitucional.<br />
A sentença julgou proce<strong>de</strong>nte o pedido para <strong>de</strong>clarar a imunida<strong>de</strong> tributária<br />
com base em diversos prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Suprema Corte (fls. 299 a 305).<br />
O Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 5º Região, contudo, <strong>de</strong>clarou nula a sentença<br />
e <strong>de</strong>terminou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ao fundamento<br />
<strong>de</strong> que prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sta Corte estabeleceu sua competência para julgar os casos<br />
relativos ao reconhecimento da imunida<strong>de</strong> tributária recíproca (fls. 423 a 427).<br />
Nesta Suprema Corte, o eminente Ministro Pertence confirmou a competência,<br />
<strong>de</strong>clarou a nulida<strong>de</strong> da tutela antecipada e <strong>de</strong>feriu-a com suporte em<br />
assentada jurisprudência (fls. 431 a 433).<br />
Contra a <strong>de</strong>cisão que antecipou a tutela, o Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />
ingressou com agravo regimental (fls. 453 a 455).<br />
O feito foi a Plenário, sendo retirado, por indicação do Relator, em 14-2-07<br />
(fl. 460).<br />
Remetidos os autos ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, veio o parecer pela procedência<br />
da ação (fls. 463 a 746).<br />
Entendo que o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 247<br />
do Regimento Interno e do art. 330 do Código <strong>de</strong> Processo Civil. Como é evi<strong>de</strong>nte,<br />
a matéria é exclusivamente <strong>de</strong> direito, não comportando dilação probatória, con-
520<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
si<strong>de</strong>rando que a discussão está concentrada na extensão da imunida<strong>de</strong> tributária<br />
prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Anote-se que o Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte já apresentou sua <strong>de</strong>fesa<br />
(fls. 208 a 214), não havendo impugnação à <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fl. 461.<br />
A jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte é firme no sentido <strong>de</strong> que as empresas públicas<br />
prestadoras <strong>de</strong> serviço público em geral e a Autora em particular são beneficiárias<br />
da imunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que trata o art. 150, VI, a, § 2º, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, alcançadas,<br />
portanto, pela imunida<strong>de</strong> recíproca.<br />
De fato, a jurisprudência da Suprema Corte está pacificada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o julgamento<br />
do RE 407.099/RS, DJ <strong>de</strong> 6-8-04, Relator o Ministro Carlos Velloso, com<br />
a ementa que se segue:<br />
Constitucional. Tributário. Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos: imunida<strong>de</strong><br />
tributária recíproca: CF, art. 150, VI, a. Empresa pública que exerce ativida<strong>de</strong><br />
econômica e empresa pública prestadora <strong>de</strong> serviço público: distinção. I – As empresas<br />
públicas prestadoras <strong>de</strong> serviço público distinguem-se das que exercem ativida<strong>de</strong><br />
econômica. A Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégtrafos é prestadora <strong>de</strong> serviço público<br />
<strong>de</strong> prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela<br />
imunida<strong>de</strong> tributária recíproca: CF, art. 150, VI, a. II – Recurso extraordinário conhecido<br />
em parte e, nessa parte, provido.<br />
No mesmo sentido, os acórdãos nos RE 364.202/RS, RE 424.227/SC, RE<br />
354.897/RS e RE 398.630/SP, todos da Segunda Turma e <strong>de</strong> relatoria do Sr.<br />
Ministro Carlos Velloso, além das <strong>de</strong>cisões que seguiram tal entendimento (RE<br />
528.770/PE e RE 460.198/RS, Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s; e RE 502.984/PR,<br />
Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello). A<strong>de</strong>mais, na mesma linha, o julgamento da ACO<br />
1.095/GO, Rel. o Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s; da ACO 965/PB, Rel. Min. Eros Grau;<br />
da ACO 765-AgR, Rel. o Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o ac. o Min. Joaquim<br />
Barbosa, e da ACO 811-AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s.<br />
Extrai-se dos julgados citados o entendimento <strong>de</strong> que a Autora é empresa<br />
pública que presta serviço público, e não ativida<strong>de</strong> econômica em sentido estrito.<br />
Dessa peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre sua natureza autárquica e o seu ingresso no âmbito<br />
<strong>de</strong> incidência do § 2º do art. 150 da Constituição da República, o que está bem<br />
<strong>de</strong>lineado no voto proferido pelo eminente Ministro Carlos Velloso no mencionado<br />
RE 407.099/RS, referindo-se a voto no RE 220.907/RO, Relator o Ministro<br />
Carlos Velloso, como se segue:<br />
É preciso distinguir as empresas públicas que exploram ativida<strong>de</strong> econômica, que se<br />
sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas<br />
e tributárias (CF, art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas prestadoras <strong>de</strong> serviços<br />
públicos, cuja natureza jurídica é <strong>de</strong> autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no<br />
§ 1º do art. 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras <strong>de</strong> serviço público,<br />
inclusive, à responsabilida<strong>de</strong> objetiva (CF, art. 37, § 6º).<br />
Merece <strong>de</strong>staque também a contribuição do ilustre Ministro Eros Grau,<br />
em <strong>de</strong>cisão proferida na ACO 965/PB:
R.T.J. — <strong>204</strong> 521<br />
16. Retorno ao texto do art. 12 do Decreto-Lei 509/69 para lembrar que a Empresa<br />
Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos goza dos mesmos privilégios concedidos à Fazenda Pública,<br />
explora serviço <strong>de</strong> competência da União – serviço público fe<strong>de</strong>ral – e, sendo mantida<br />
pela União Fe<strong>de</strong>ral (CB, art. 21, X), seus bens pertencem à entida<strong>de</strong> mantenedora. Esses bens<br />
consubstanciam proprieda<strong>de</strong> pública, estando integrados à prestação <strong>de</strong> serviço público. Esse<br />
patrimônio i<strong>de</strong>ntifica-se com aquele que a Constituição <strong>de</strong>fine como imune aos impostos da<br />
titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer pessoa <strong>de</strong> direito público.<br />
17. Ainda que no caso se cui<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa pública integrante da administração indireta,<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, a EBCT é <strong>de</strong>legada da prestação <strong>de</strong> serviço público fe<strong>de</strong>ral,<br />
a ela amoldando-se qual u’a luva ainda outra lição <strong>de</strong> Aliomar Balleiro: constituem serviço<br />
público “quaisquer organizações <strong>de</strong> pessoal, material, sob a responsabilida<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />
Pessoa <strong>de</strong> Direito Público Interno, para <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> funções e atribuições <strong>de</strong> sua competência,<br />
enfim, todos os meios <strong>de</strong> operação <strong>de</strong>ssas Pessoas <strong>de</strong> Direito Público, sob várias modalida<strong>de</strong>s,<br />
para realização dos fins que a Constituição expressa ou implicitamente lhes comete”.<br />
Também no plano doutrinário, o Ministro Eros Grau manifestou-se como<br />
se segue:<br />
O aspecto crucial, atinente à situação jurídica das empresas públicas e das socieda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> economia mista prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos – da generalida<strong>de</strong> das empresas estatais,<br />
em rigor –, é o pertinente à qualificação ou não-qualificação <strong>de</strong>las como concessionárias ou<br />
permissionárias <strong>de</strong> serviço público.<br />
Da leitura do que dispõe o art. 175 do texto constitucional extraem-se algumas verificações.<br />
Em primeiro lugar, concessionário do serviço está sujeito a regime <strong>de</strong>terminado, que<br />
supõe a celebração <strong>de</strong> contrato, dotado <strong>de</strong> caráter especial. Vale dizer: a concessão supõe a<br />
a<strong>de</strong>são voluntária <strong>de</strong> um sujeito (o concessionário) à relação jurídica <strong>de</strong> concessão. Ainda que<br />
hoje se coloque sob vigorosa contestação o caráter contratual do instituto da concessão, visto<br />
que a relação se formaliza mediante a imposição, pelo po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> um certo número<br />
<strong>de</strong> cláusulas regulamentares, suportadas por ele, concessionário, a celebração <strong>de</strong>sse contrato<br />
expressa a aceitação, pelo concessionário, <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> para o exercício da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
serviço público, capacida<strong>de</strong> que lhe é atribuída pelo po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte.<br />
As empresas estatais, no entanto, não celebram nenhum “contrato <strong>de</strong> concessão” com o<br />
Estado; não manifestam a<strong>de</strong>são à situação <strong>de</strong> concessionárias: são constituídas visando à prestação<br />
do serviço. Ocupam a situação <strong>de</strong> prestadoras <strong>de</strong> serviço público não em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> manifestação<br />
<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> própria, em aceitar atribuição <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> para o exercício da ativida<strong>de</strong>,<br />
porém em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> imposição legal. Para tanto foram criadas como extensões do Estado.<br />
Assim não se estabelece, quanto às funções nas quais são investidas, nada, absolutamente<br />
nada que corresponda à prorrogação <strong>de</strong> contrato e às condições <strong>de</strong> caducida<strong>de</strong>, fiscalização<br />
ou rescisão da concessão.<br />
Em segundo lugar, da análise do preceito constitucional verifica-se também que o<br />
concessionário é beneficiado pela estipulação legal <strong>de</strong> política tarifária. Vale dizer: à capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> exercício do serviço atribuída ao concessionário a<strong>de</strong>re um direito a remuneração<br />
por tal exercício, em condições <strong>de</strong> equilíbrio econômico-financeiro. Às empresas estatais<br />
prestadoras <strong>de</strong> serviço público não assiste, contudo, direito à percepção <strong>de</strong> remuneração pela<br />
prestação <strong>de</strong> serviço, em condições <strong>de</strong> equilíbrio daquele tipo. Po<strong>de</strong> inclusive o Estado (o<br />
po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte) sujeitá-las a regime <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong>ficitária – o que ocorre com freqüência –,<br />
fixando as remunerações que lhes <strong>de</strong>vem ser pagas pelos usuários dos seus serviços em níveis<br />
inferiores aos que seriam necessários à reposição dos custos da prestação dos serviços. Neste<br />
caso – que, repita-se, ocorre com freqüência e dá ensejo à realimentação do velho discurso, segundo<br />
o qual as empresas estatais são ineficientes – essas remunerações resultam subsi diadas,<br />
responsabilizando-se o Estado pela cobertura dos seus <strong>de</strong>ficits.<br />
Em terceiro lugar, do exame do mesmo art. 175 apura-se que a concessão, tal qual<br />
a permissão, na medida em que assegurado ao concessionário o equilíbrio econômicofinanceiro<br />
da relação – o que <strong>de</strong>flui do inciso III do seu parágrafo único –, é exercida pelas
522<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
pessoas privadas concessionárias, tendo em vista a realização <strong>de</strong> lucro. Não fora assim, <strong>de</strong><br />
resto, e nenhuma razão conduziria empresas privadas a a<strong>de</strong>rir à situação <strong>de</strong> concessionária <strong>de</strong><br />
serviço público. Já as empresas estatais, por outro lado, não visam, no exercício da ativida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços públicos, precipuamente a obtenção <strong>de</strong> lucros, mas sim a satisfação<br />
do interesse público.<br />
São situações jurídicas inteiramente distintas, pois, a do concessionário <strong>de</strong> serviço<br />
público e a da empresa estatal que tenha por objeto a sua prestação. Estas, ao contrário do que<br />
estive anteriormente a sustentar, são <strong>de</strong>legadas do Estado, criadas no bojo do movimento da<br />
<strong>de</strong>scentralização administrativa, para fim específico. É o próprio Estado, então, quem através<br />
<strong>de</strong> uma sua extensão, dotada <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> jurídica privada, presta os serviços.<br />
(A or<strong>de</strong>m econômica na Constituição <strong>de</strong> 1988: Interpretação e crítica. 12. ed.<br />
São Paulo: Malheiros, 2007. p. 143 a 145.)<br />
O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ixou claro, portanto, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
fixar a distinção, para fins <strong>de</strong> tratamento normativo, <strong>de</strong> empresas públicas prestadoras<br />
<strong>de</strong> serviço público e empresas públicas exploradoras <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica<br />
em sentido estrito:<br />
Constitucional. Advogados. Advogado-empregado. Empresas públicas e socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
economia mista. MP 1.522-2, <strong>de</strong> 1996, art. 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a 21. CF, art. 173, § 1º. I – As<br />
empresas públicas, as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista e outras entida<strong>de</strong>s que explorem ativida<strong>de</strong><br />
econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas<br />
privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. CF, art. 173, § 1º. II – Suspensão<br />
parcial da eficácia das expressões “às empresas públicas e às socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia<br />
mista”, sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: nãoaplicabilida<strong>de</strong><br />
às empresas públicas e às socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista que explorem ativida<strong>de</strong><br />
econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III – Cautelar <strong>de</strong>ferida.<br />
(ADI 1.552-MC/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ <strong>de</strong> 17-4-98.)<br />
É <strong>de</strong> se ressaltar que a distinção não se limita ao disposto no art. 173 da<br />
Constituição da República, mas alcança o próprio art. 150, <strong>de</strong> modo que a exclu<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> seu parágrafo terceiro não po<strong>de</strong> abarcar as empresas públicas <strong>de</strong> natureza<br />
autárquica. É o que se expressa no voto proferido pelo Sr. Ministro Carlos<br />
Velloso no julgamento do já referido RE 407.099-5/RS:<br />
Dir-se-á que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no § 3º do art. 150, estabelecendo que a imunida<strong>de</strong><br />
do art. 150, VI, a, não se aplica: a) ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados;<br />
b) ou em que haja contraprestação ou pagamento <strong>de</strong> preços ou tarifas pelo usuário; c) nem<br />
exonera o promitente comprador da obrigação <strong>de</strong> pagar imposto relativamente ao bem imóvel, à<br />
ECT não se aplicaria a imunida<strong>de</strong> mencionada, por isso que cobra ela preço ou tarifa do usuário.<br />
A questão não po<strong>de</strong> ser entendida <strong>de</strong>ssa forma. É que o § 3º do art. 150 tem como <strong>de</strong>stinatário<br />
entida<strong>de</strong> estatal que explore ativida<strong>de</strong> econômica regida pelas normas aplicáveis a<br />
empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento <strong>de</strong> preços ou tarifas<br />
pelo usuário. No caso, tem aplicação a hipótese inscrita no § 2º do mesmo art. 150.<br />
A professora Raquel Discacciati Bello, da UFMG, em interessante trabalho <strong>de</strong> doutrina<br />
– “Imunida<strong>de</strong> Tributária das Empresas Prestadoras <strong>de</strong> Serviços Públicos”, in Rev. <strong>de</strong><br />
Inf. Legislativa, 132/183 – registra que se po<strong>de</strong> afirmar, a título <strong>de</strong> conclusão, que às empresas<br />
estatais prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos não se aplica a vedação do art. 150, § 3º, mas, sim, a<br />
imunida<strong>de</strong> recíproca, conforme interpretação sistemática do inciso I, letra a, do mesmo artigo.<br />
Na mesma linha, Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello (Curso <strong>de</strong> Dir. Adm., 7. ed., 1995, p. 116), Ataliba (Curso <strong>de</strong><br />
Dir. Trib., coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Geraldo Ataliba, São Paulo, RT, 1978), Adilson Dallari (“Imunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Estatal Delegada <strong>de</strong> Serviço Público”, Rev. <strong>de</strong> Dir. Trib, 65, 1995, p. 22-41), Eros Roberto
R.T.J. — <strong>204</strong> 523<br />
Grau (“Empresas Estatais ou Estado Empresário”, in Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo, coor<strong>de</strong>nação<br />
<strong>de</strong> Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, São Paulo, RT, 1986, p. 105-107), entre outros.<br />
Roque Carrazza não <strong>de</strong>stoa <strong>de</strong>sse entendimento, ao lecionar “que as empresas públicas<br />
e as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista, quando <strong>de</strong>legatárias <strong>de</strong> serviços públicos ou <strong>de</strong> atos <strong>de</strong><br />
polícia, são tão imunes aos impostos quanto às próprias pessoas políticas, a elas se aplicando,<br />
<strong>de</strong>starte, o princípio da imunida<strong>de</strong> recíproca”, por isso que “são a longa manus das pessoas políticas<br />
que, por meio <strong>de</strong> lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar.” (Roque<br />
Carrazza, Curso <strong>de</strong> Dir. Const. Tributário, Malheiros, 19. ed., 2003, p. 652).<br />
No que concerne à ECT, a lição <strong>de</strong> Ives Gandra Martins é no sentido <strong>de</strong> estar ela<br />
abrangida pela imunida<strong>de</strong> tributária do art. 150, VI, a, da CF. Escreve Ives Gandra Martins:<br />
“Em conclusão e em interpretação sistemática da Constituição e do tipo <strong>de</strong> serviços prestados<br />
pela consulente, no que diz respeito aos serviços privativos, exclusivos, próprios ou monopolizados,<br />
nitidamente, a imunida<strong>de</strong> os abrange, sendo seu regime jurídico pertinente àquele da<br />
administração direta. Colocadas tais premissas, entendo que a natureza jurídica dos serviços<br />
postais é <strong>de</strong> serviços públicos próprios da União, em regime <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong>, assim como o<br />
patrimônio da empresa é patrimônio da União.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Imunida<strong>de</strong><br />
Tributária dos Correios e Telégrafos”. <strong>Revista</strong> Jurídica, 288/32, 38.)<br />
Em voto proferido por ocasião do julgamento da ACO 765-AgR/RJ,<br />
caso análogo ao dos presentes autos, o Sr. Ministro Joaquim Barbosa mencionou<br />
algumas ativida<strong>de</strong>s exercidas pela Autora que teriam nítida natureza<br />
econômica, o que <strong>de</strong>mandaria “certa pon<strong>de</strong>ração quanto à espécie <strong>de</strong> patrimônio,<br />
renda e ser-viços protegidos pela imunida<strong>de</strong> recíproca”. No julgamento<br />
da ACO 811-AgR/DF, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s assinalou que “a natureza<br />
jurídica e a amplitu<strong>de</strong> do conceito <strong>de</strong> serviços postais prestados pela ECT está<br />
em <strong>de</strong>bate na ADPF 46”.<br />
Merece, portanto, resgatado o curso do exame do julgamento da ADPF 46,<br />
Relator o eminente Ministro Marco Aurélio.<br />
Nessa argüição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, proposta contra<br />
a Autora, a Associação Brasileira das Empresas <strong>de</strong> Distribuição (ABRAED)<br />
pe<strong>de</strong> reconhecer-se “a violação aos preceitos fundamentais da livre iniciativa, da<br />
livre concorrência e do livre exercício <strong>de</strong> qualquer trabalho, como exaustivamente<br />
apontado nesta peça, perpetradas por atos da Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e<br />
Telégrafos”; <strong>de</strong>clarar-se, “nos termos do art. 11 da Lei 9.882/99, a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
da Lei 6.538/78, especialmente sobre a questão do monopólio <strong>de</strong> entrega<br />
<strong>de</strong> correspondências”; e <strong>de</strong>clarar-se o que se enten<strong>de</strong> por carta cuja entrega,<br />
por motivo <strong>de</strong> segurança e privacida<strong>de</strong>, continua sendo prerrogativa da argüida,<br />
restringindo-se tal conceito “ao papel escrito, metido em envoltório fechado,<br />
selado, que se envia <strong>de</strong> uma parte a outra, com conteúdo único, para comunicação<br />
entre pessoas distantes, contendo assuntos <strong>de</strong> natureza pessoal e dirigido,<br />
produzido por meio intelectual e não mecânico, excluídos expres-samente <strong>de</strong>ste<br />
conceito as conhecidas correspondências <strong>de</strong> mala-direta, revistas, jornais e periódicos,<br />
encomendas, contas <strong>de</strong> luz, água e telefone e assemelhados, bem como<br />
objetos bancários como talões <strong>de</strong> cheques, cartões <strong>de</strong> créditos, etc.”.<br />
Votou o Ministro Marco Aurélio para “<strong>de</strong>clarar que não foram recepcionados<br />
pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 os artigos da Lei 6.538/78 que disciplinaram<br />
o regime <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviço postal como monopólio exclusivo da União – ou,
524<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
mediante sutil jogo <strong>de</strong> palavras, em regime <strong>de</strong> ‘controle/privilégio exclusivo’,<br />
como quer fazer crer a Advocacia-Geral da União, em memorial entregue a esta<br />
Corte – a ser executado pela Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos, o que<br />
viola os princípios da livre iniciativa, da liberda<strong>de</strong> no exercício <strong>de</strong> qualquer trabalho,<br />
da livre concorrência e do livre exercício <strong>de</strong> qualquer ativida<strong>de</strong> econômica,<br />
respectivamente disciplinados na Carta Política <strong>de</strong> 1988 nos arts. 1º, inciso IV; 5º,<br />
inciso XIII; e 170, cabeça, inciso IV e parágrafo único”.<br />
Em seguida, pronunciou-se o Ministro Eros Grau, votando pela improcedência<br />
da argüição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, no que foi<br />
acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso.<br />
O Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s acolheu parcialmente a argüição no que se<br />
refere aos arts. 42, 43, 44 e 45 da Lei 6.568/78 (dispositivos penais), e, por fim,<br />
o Ministro Carlos Britto também julgou proce<strong>de</strong>nte, em parte, a argüição <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental para que a Lei 6.538/78 se restrinja “às<br />
ativida<strong>de</strong>s relacionadas com entrega e envio <strong>de</strong> cartas, o que se chama tecnicamente<br />
<strong>de</strong> correspondência agrupada, e ativida<strong>de</strong>s correlatas, como fabricação e<br />
distribuição <strong>de</strong> selos”.<br />
Até o momento, portanto, é possível dizer que a votação está em 5 (cinco)<br />
votos contra 1 (um) pela manutenção <strong>de</strong> algum monopólio ou exclusivida<strong>de</strong> em<br />
prol da ECT; e em 4 (quatro) votos contra 1 (um) pela manutenção <strong>de</strong> um monopólio<br />
ou exclusivida<strong>de</strong> integrais em prol da ECT.<br />
A eminente Ministra Ellen Gracie pediu vista, restando, portanto, o seu<br />
voto e, além do meu, os votos da Ministra Carmen Lúcia e dos Ministros<br />
Ricardo Lewandowski e Celso <strong>de</strong> Mello.<br />
Não obstante a in<strong>de</strong>finição quanto ao resultado da ADPF 46, entendo não<br />
haver óbice ao julgamento da questão posta nesta ação cível originária.<br />
É que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da confirmação ou não do regime <strong>de</strong> monopólio<br />
ou privilégio aproveitado pela ora Autora, esta permanece como empresa pública<br />
constituída única e exclusivamente para a prestação dos serviços <strong>de</strong> que cuida o art.<br />
21, X, tudo assentado na jurisprudência específica <strong>de</strong>sta Suprema Corte em torno<br />
da imunida<strong>de</strong> tributária prevista no art. 150, VI, a, e § 2º, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
A<strong>de</strong>mais, a ADPF 46 não versa sobre a imunida<strong>de</strong> recíproca e nem mesmo<br />
preten<strong>de</strong> excluir da ora Autora a prestação do serviço postal, tanto que até mesmo<br />
reconhece, em seu pedido, ativida<strong>de</strong>s que ficariam sob sua prerrogativa.<br />
A Lei 6.967/96 do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, portanto, inva<strong>de</strong> a imunida<strong>de</strong><br />
tributária prevista na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Com as razões acima <strong>de</strong>duzidas, julgo proce<strong>de</strong>nte o pedido para <strong>de</strong>clarar a<br />
inexistência, por parte da Autora, do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> recolhimento do Imposto sobre a<br />
Proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Veículos Automotores (IPVA) relativo aos veículos <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>,<br />
restando <strong>de</strong>finitiva a <strong>de</strong>cisão da antecipação da tutela (fls. 431 a 433).
R.T.J. — <strong>204</strong> 525<br />
Custas na forma da lei. Fixo honorários advocatícios em 10% (<strong>de</strong>z por cento)<br />
do valor da causa.<br />
É como voto.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, sem querer corrigir o Relator,<br />
certamente não há prece<strong>de</strong>nte da minha lavra, porque sempre sustentei, no<br />
Plenário, que a Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos, sendo uma pessoa<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado que explora ativida<strong>de</strong> econômica, não está protegida<br />
pela imunida<strong>de</strong> versada no art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />
que veda à União, aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios:<br />
VI – instituir impostos sobre:<br />
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;<br />
Não confundo empresa pública, pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, com a<br />
União, com o Estado, com o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, com o Município.<br />
Mas há mais: o art. 173, ao prever a exploração direta <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica<br />
pelo Estado, contém regra que obstaculiza um verda<strong>de</strong>iro privilégio, que<br />
seria o tratamento diferenciado das empresas públicas e das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia<br />
mista. Vem-nos do § 2º do referido art. 173:<br />
§ 2º As empresas públicas e as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista não po<strong>de</strong>rão gozar <strong>de</strong><br />
privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.<br />
Por isso, peço vênia ao Relator, reafirmando mais uma vez que não estou<br />
aqui em evolução <strong>de</strong> entendimento, mas reiterando a convicção que sempre tive<br />
sobre a matéria, para julgar improce<strong>de</strong>nte o pedido formulado na inicial.<br />
ESCLARECIMENTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Ministro Marco Aurélio, se V. Exa.<br />
me permitir, só para esclarecer: o acórdão é na ACO 765-AgR, V. Exa. foi o Relator,<br />
mas ficou vencido, e o Relator para o acórdão foi o Ministro Joaquim Barbosa.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Daí ter preconizado, ter logrado a alteração<br />
quanto à nomenclatura para admitir uma dualida<strong>de</strong>: Relator do processo e Redator<br />
do acórdão. Mesmo porque, vencido o relator, aquele que, pelo regimento, é<br />
<strong>de</strong>signado para redigir o acórdão – e, portanto, é redator – está compelido a adotar<br />
o relatório do colega vencido. Eis a razão <strong>de</strong>ssas confusões. Aponta-se prece<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> certo Ministro Marco Aurélio, sem que realmente lhe caiba a autoria.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, voto com o Relator, com<br />
a <strong>de</strong>vida vênia do Ministro Marco Aurélio, por não se tratar aqui <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>
526<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
econômica, portanto não inci<strong>de</strong> o art. 173 da Constituição, no seu § 1º, inciso II.<br />
A ativida<strong>de</strong> é própria da União, é típica da União, excluída, portanto, da iniciativa<br />
privada.<br />
Aliás, a Constituição preza tanto a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço postal e correio<br />
aéreo nacional que chega a tratar da matéria em dispositivos separados, em apartado,<br />
ou seja, separadamente das outras modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço público próprio<br />
da União. É o inciso X do art. 21:<br />
X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;<br />
A significar simplesmente isto: a União não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> manter o serviço<br />
postal e o correio aéreo nacional, tão essencial ele é no plano <strong>de</strong> certos valores<br />
constitucionais como a integração nacional, a coesão nacional – o Ministro Cezar<br />
Peluso acrescentou – e a comunicabilida<strong>de</strong> entre pessoas privadas. E a imunida<strong>de</strong><br />
que se reconheça à empresa pública não exercente <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica, mas<br />
prestadora <strong>de</strong> serviço público – é uma outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa pública –,<br />
quanto a imposto, termina servindo às populações mais pobres, pela modicida<strong>de</strong><br />
do preço que se cobra aos particulares pela correspondência aviada junto aos<br />
Correios e Telégrafos.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ACO 959/RN — Relator: Ministro Menezes Direito. Autora: Empresa<br />
Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Alberto <strong>de</strong> Oliveira<br />
Veras e outros). Réu: Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte (Advogada: PGE/RN –<br />
Magna Letícia <strong>de</strong> A. Lopes Câmara).<br />
Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, julgou<br />
proce<strong>de</strong>nte a ação, nos termos do voto do Relator. Ausentes, licenciado, o Ministro<br />
Joaquim Barbosa e, justificadamente, os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello e Eros<br />
Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski,<br />
Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr.<br />
Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 527<br />
EXTRADIÇÃO 1.071 — REPÚBLICA FRANCESA<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Requerente: Governo da França — Extraditando: Guy Boivin<br />
Extradição. Passiva. Pedido com duplo fundamento. Caráter<br />
instrutório e executório. Prescrição consumada da pretensão<br />
executória. Causa interruptiva prevista no Tratado que ainda<br />
não vigia à data da prática do <strong>de</strong>lito. Inaplicação. Prece<strong>de</strong>nte. Pedido<br />
<strong>de</strong>ferido em parte. Não se <strong>de</strong>fere pedido <strong>de</strong> extradição para<br />
fins <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> pena, cuja pretensão executória está prescrita<br />
ante a inaplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causa interruptiva prevista em Tratado<br />
que não vigia à data da prática do <strong>de</strong>lito.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra<br />
Ellen Gracie, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />
por unanimida<strong>de</strong> e nos termos do voto do Relator, <strong>de</strong>ferir parcialmente o pedido<br />
<strong>de</strong> extradição. Ausentes, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa; justificadamente,<br />
os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello e Eros Grau; e, neste julgamento, o<br />
Ministro Menezes Direito.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> extradição, <strong>de</strong> duplo<br />
caráter, instrutório e executório, do nacional francês Guy Boivin, e formalizado<br />
pelo Governo da França, com fundamento em Tratado específico, firmado em<br />
28-5-96 e promulgado pelo Decreto 5.258, <strong>de</strong> 27-10-04.<br />
Mediante o Aviso 61/MJ, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2007, o Ministro <strong>de</strong> Estado da<br />
Justiça juntou aos autos a documentação recebida da Embaixada da França que<br />
instruiu a Nota Verbal 2 (fl. 4).<br />
O pleito baseia-se em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> execução da pena <strong>de</strong> 3 (três) anos <strong>de</strong> prisão,<br />
expedida, em 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001, pelo Tribunal <strong>de</strong> Grenoble, sob fundamento<br />
da prática do crime <strong>de</strong> “chefe <strong>de</strong> roubo com violências tendo ocasionado incapacida<strong>de</strong><br />
total <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 8 dias, em espécie 30 dias” (fl. 5).<br />
Foi <strong>de</strong>cretada a prisão preventiva do Extraditando, em 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2007,<br />
pela Ministra Ellen Gracie, expedindo-se mandado. Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2007, o<br />
Extraditando foi preso e recolhido às <strong>de</strong>pendências da Superintendência Regional<br />
<strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral no Estado <strong>de</strong> Goiás (fl. 58).
528<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Delegado o ato <strong>de</strong> interrogatório à Justiça Fe<strong>de</strong>ral da Seção Judiciária<br />
<strong>de</strong> Goiás/GO (art. 211 do RI<strong>STF</strong>1 ), o Extraditando, <strong>de</strong>vidamente assistido por<br />
procurador, informou que as acusações a ele imputadas são falsas e que, embora<br />
tenha sido julgado “sem ser ouvido”, recorreu da <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória <strong>de</strong><br />
primeiro grau “por consi<strong>de</strong>rar a pena muito alta e por não ter participado do<br />
fato” (fls. 80-83).<br />
A <strong>de</strong>fesa sustenta, em síntese: “O extraditando cumprirá no Estado requerente<br />
se extraditado a pena <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> três anos, dos quais um ano <strong>de</strong> prisão<br />
suspensa e submissão ao regime <strong>de</strong> prova durante dois anos, fato que <strong>de</strong>monstra<br />
que o crime supostamente cometido é <strong>de</strong> menor gravida<strong>de</strong>”, o que não autorizaria<br />
o <strong>de</strong>ferimento do pleito (fls. 89-94).<br />
Ocorre que, em 20-4-07, o Ministro <strong>de</strong> Estado da Justiça, por meio do Aviso<br />
736/MJ, juntou aos autos nova documentação recebida da Embaixada da França,<br />
agora, relativa ao pedido <strong>de</strong> extensão da extradição consubstanciado na Nota<br />
Verbal 173 (fl. 128).<br />
Trata-se, ali, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão, expedida pelo Juiz <strong>de</strong> Instrução no Tribunal<br />
<strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Instância <strong>de</strong> Privas, pelos crimes <strong>de</strong> “associação <strong>de</strong> malfeitores<br />
com vista à preparação <strong>de</strong> um crime, aquisição, <strong>de</strong>tenção, porte e transporte <strong>de</strong><br />
armas <strong>de</strong> 4ª categoria, roubos agravados por duas circunstâncias, roubos por<br />
arrombamento e em co-autoria nos locais on<strong>de</strong> se guardam os fundos, valores<br />
ou mercadorias, roubos <strong>de</strong> veículos automóveis, uso e obtenção <strong>de</strong> documentos<br />
administrativos falsos, transporte, colocação em circulação e <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> dinheiro<br />
falso com cotação legal, receptação” (fl. 190).<br />
A <strong>de</strong>fesa, em 30-5-07, sob o argumento <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> documentos indispensáveis<br />
para a apreciação da legalida<strong>de</strong> do pedido, requereu a improcedência<br />
do pleito extradicional (fls. 255-257).<br />
Determinei, então, novo interrogatório do Extraditando, sucedido <strong>de</strong> apresentação<br />
da respectiva <strong>de</strong>fesa, a fim <strong>de</strong> que se manifestasse acerca do pedido <strong>de</strong><br />
extensão formulado pelo Governo da França (fl. 259).<br />
O Extraditando, assistido por advogado constituído, negou participação nos<br />
fatos <strong>de</strong>lituosos narrados na Nota Verbal 173, além <strong>de</strong> expressamente concordar<br />
com o pedido <strong>de</strong> extradição, para, no Juízo competente, “se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r dos fatos<br />
que lhe são imputados” (fls. 274-276).<br />
A <strong>de</strong>fesa reiterou o argumento relativo à ausência <strong>de</strong> documentos indispensáveis<br />
ao controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> do pedido <strong>de</strong> extradição e requereu (i) a<br />
improcedência do pleito; (ii) o reconhecimento da prescrição do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>scrito<br />
na Nota Verbal 2; e, por fim, (iii) a concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória ao Extraditando<br />
(fls. 281-286). E, à fl. 296, acrescentou que “o extraditando consente<br />
1 “Art. 211. É facultado ao Relator <strong>de</strong>legar o interrogatório do extraditando a juiz do local on<strong>de</strong><br />
estiver preso.<br />
Parágrafo único. Para o fim <strong>de</strong>ste artigo, serão os autos remetidos ao juiz <strong>de</strong>legado, que os <strong>de</strong>volverá,<br />
uma vez apresentada a <strong>de</strong>fesa ou exaurido o prazo.”
R.T.J. — <strong>204</strong> 529<br />
na sua entrega imediata à parte requerente e que renuncia ao processo judicial<br />
<strong>de</strong> extradição, haja vista a mora injustificável no julgamento <strong>de</strong> seu processo<br />
extradicional” (fl. 296).<br />
Diante da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se modularem as regras do procedimento<br />
<strong>de</strong> extradição, <strong>de</strong>terminei vista dos autos ao Procurador-Geral da República (fl.<br />
299), que assim se manifestou:<br />
Quanto à ausência dos documentos necessários à formalização da extradição, assiste<br />
razão à <strong>de</strong>fesa do extraditando. O Estado requerente não enviou cópia da legislação<br />
francesa que trata dos prazos <strong>de</strong> prescrição e suas causas suspensivas e interruptivas, não<br />
se po<strong>de</strong>ndo conferir se os crimes pelos quais foi pedida a extensão da extradição estão<br />
eventualmente prescritos.<br />
Assim, visando à correta instrução do pedido, em obediência ao disposto no art. 80,<br />
caput, da Lei nº 6.815/90, é necessário que o Estado requerente provi<strong>de</strong>ncie a juntada <strong>de</strong><br />
cópia autenticada e tradução do texto legal relativo aos prazos prescricionais previstos no<br />
Código Penal francês.<br />
Ante o exposto, nos termos do art. 85, § 2º, da Lei nº 6.815/80, requer o Ministério<br />
Público Fe<strong>de</strong>ral que seja oficiado ao Ministro <strong>de</strong> Estado da Justiça para que solicite, por intermédio<br />
do Ministro das Relações Exteriores, ao Governo da França o cumprimento do referido<br />
mister, no prazo improrrogável <strong>de</strong> 60 (sessenta) dias.<br />
(Fls. 301-302.)<br />
Deferi o pedido, em 14-8-07 (fl. 304). Em 16-10 p.p., a Secretaria certificou que<br />
não foram recebidas as informações solicitadas por meio do Ofício 4395/R (fl. 314).<br />
Determinei a expedição <strong>de</strong> novo ofício ao Ministro <strong>de</strong> Estado da Justiça<br />
(Ofício 6217/R), anotando que o Extraditando se encontra preso, para que prestasse<br />
informações acerca das providências requisitadas por intermédio do ofício<br />
suso mencionado (fl. 315).<br />
À fl. 355, veio aos autos o Aviso 1.876/MJ:<br />
Em atenção à solicitação formulada através do ofício nº 6217/R, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
2007, informo a Vossa Excelência que, segundo informação recebida do Ministério das Relações<br />
Exteriores, a Embaixada da França foi cientificada formalmente, no dia 26 <strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 2007, acerca das exigências formuladas por essa Egrégia Corte, referentes ao processo <strong>de</strong><br />
extradição em face do nacional francês Guy Boivin.<br />
Em 24-10 p.p., a <strong>de</strong>fesa do Extraditando requereu lhe fosse concedida prisão<br />
domiciliar (fl. 328).<br />
O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral manifestou-se pelo <strong>de</strong>ferimento parcial do<br />
pedido <strong>de</strong> extradição (fls. 331-336).<br />
O Governo requerente, pela Nota Verbal 656/IT e por via Ministério da<br />
Justiça (Aviso 2.024 – fl. 358), trouxe aos autos documentação complementar referente<br />
aos prazos prescricionais previstos na legislação francesa (fls. 360-369).<br />
Determinei, então, nova vista (i) à Procuradoria-Geral da República, que<br />
reiterou o parecer <strong>de</strong> fls. 331-336 e, após, (ii) à <strong>de</strong>fesa, que pugnou pelo in<strong>de</strong>ferimento<br />
do pleito.<br />
É o relatório.
530<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Posto o Extraditando manifeste expressa<br />
concordância com o pedido extradicional (fl. 296), em aparente contradição<br />
com a <strong>de</strong>fesa, que postula pelo in<strong>de</strong>ferimento do pleito, é velha e aturada a jurisprudência<br />
da Corte no sentido da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastar o controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>,<br />
haja vista “que este representa garantia indisponível instituída em favor do<br />
Extraditando. Prece<strong>de</strong>ntes” (Ext 953, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 11-11-05).<br />
2. O primeiro fundamento do pedido <strong>de</strong> extradição baseia-se na Nota Verbal<br />
2 (fl. 4), cujo objeto consiste em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> execução da pena <strong>de</strong> 3 (três) anos<br />
<strong>de</strong> prisão, expedida, em 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001, pelo Tribunal <strong>de</strong> Grenoble, a título<br />
<strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação por crime <strong>de</strong> “chefe <strong>de</strong> roubo com violências tendo ocasionado<br />
incapacida<strong>de</strong> total <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 8 dias, em espécie 30 dias” (fl. 5).<br />
Dos documentos que instruem tal nota verbal, notadamente aquele juntado<br />
às fls. 32-33, tiro que (i) “estão por cumprir 17 meses <strong>de</strong> prisão” e (ii) “a pena só<br />
prescreve em 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007”.<br />
Quanto ao pedido <strong>de</strong> extensão formulado pelo Governo requerente (Nota<br />
Verbal 173), e que veio aos autos por meio do Aviso 736 (fl. 128), apenas em<br />
20-4-07, agravado por instrução <strong>de</strong>ficiente, operou-se a extinção da punibilida<strong>de</strong><br />
do ora Extraditando, por incidência inequívoca da prescrição da pretensão punitiva,<br />
segundo a legislação penal do Estado requerente.<br />
Deixo <strong>de</strong> aplicar a causa interruptiva da prescrição prevista na letra e do art.<br />
4º do Tratado <strong>de</strong> Extradição firmado entre França e o Brasil, haja vista que, à data<br />
da consumação do crime (29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998) (fl. 8), ainda não vigorava, perante<br />
nosso or<strong>de</strong>namento, esse acordo, promulgado pelo Decreto 5.258, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 2004, e publicado no Diário Oficial da União <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004.<br />
Nesse sentido, aliás, é o entendimento da Corte, o qual se firmou a partir do<br />
julgamento da Ext 870 (Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ <strong>de</strong> 19-11-04):<br />
Causa interruptiva da prescrição prevista no tratado: aplicação no tempo.<br />
Suscitada a inaplicabilida<strong>de</strong> do Tratado (art. III, 1, b, que prevê como causa interruptiva da<br />
prescrição o recebimento do pedido <strong>de</strong> extradição; prece<strong>de</strong>ntes), pois, à época da consumação<br />
dos crimes referentes à con<strong>de</strong>nação do item 7 da nota verbal, ainda não estava ele em vigor:<br />
aplicável a Lei 6.815/1980, que não prevê causa interruptiva <strong>de</strong>ssa natureza. Pedido in<strong>de</strong>ferido<br />
quanto ao item 7 da nota verbal. Retificação do voto do Relator. Decisão unânime.<br />
Dúvida não há, portanto, <strong>de</strong> que se consumou a prescrição da pretensão<br />
executória e, por conseguinte, presente a hipótese do inciso VI do art. 77 da Lei<br />
6.815/80, o pedido <strong>de</strong> extradição há <strong>de</strong> ser in<strong>de</strong>ferido.<br />
3. Como dito, o Governo requerente, por meio da Nota Verbal 173, pleiteia<br />
extensão do pedido fundada em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão, expedida pelo Juiz <strong>de</strong> Instrução<br />
no Tribunal <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Instância <strong>de</strong> Privas, pelos crimes <strong>de</strong> “associação <strong>de</strong> malfei-
R.T.J. — <strong>204</strong> 531<br />
tores com vista à preparação <strong>de</strong> um crime, aquisição, <strong>de</strong>tenção, porte e transporte<br />
<strong>de</strong> armas <strong>de</strong> 4ª categoria, roubos agravados por duas circunstâncias, roubos por<br />
arrombamento e em co-autoria nos locais on<strong>de</strong> se guardam os fundos, valores ou<br />
mercadorias, roubos <strong>de</strong> veículos automóveis, uso e obtenção <strong>de</strong> documentos administrativos<br />
falsos, transporte, colocação em circulação e <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> dinheiro<br />
falso com cotação legal, receptação” (fl. 190).<br />
Tenho por irretocável o parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República<br />
Cláudia Sampaio Marques, aprovado pelo Procurador-Geral da República,<br />
Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza:<br />
Quanto ao pedido <strong>de</strong> extradição instrutória objeto da Nota Verbal nº 173/2007, recai<br />
contra o extraditando a suspeita <strong>de</strong> ter participado da receptação <strong>de</strong> objetos furtados, da falsificação<br />
e uso <strong>de</strong> documentos administrativos falsos e em uma associação <strong>de</strong> malfeitores,<br />
incluindo a entrega <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo e <strong>de</strong> dinheiro falso (fls. 181 e ss.).<br />
O Tribunal <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Instância <strong>de</strong> Privas, ao efetuar o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção provisória<br />
<strong>de</strong> Guy Boivin com vistas à extradição, informou que as infrações foram cometidas entre 2 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 2003 e 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004, sendo aplicáveis os arts. 450-1; 450-3; 442-2; 442-11;<br />
442-13; 321-1; 321-2; 321-3; 321-4; 321-9 e 321-10 do Código Penal francês (fls. 182/189).<br />
Em síntese, eis os fatos imputados ao extraditando:<br />
“I. De ter, em Eclassan, Montpellier, Le Peage De Roussillon, Le Cheylard, Annonay,<br />
entre os dias 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2003 e 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2004, participado <strong>de</strong> um grupo ou<br />
<strong>de</strong> um plano elaborado tendo em vista a preparação <strong>de</strong> um ou vários <strong>de</strong>litos, <strong>de</strong>ntre os quais.<br />
– arranjo e entrega <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo e munições <strong>de</strong> diversos calibres aos seus<br />
cúmplices;<br />
– arranjo, por intermédio <strong>de</strong> furtos cometidos pelos seus co-autores, <strong>de</strong> veículos<br />
para revenda após maquilhagem;<br />
– organização material da forma <strong>de</strong> cometer os <strong>de</strong>litos já citados, reunindo as<br />
informações, os documentos e as justificações <strong>de</strong> modo a permitir a feitura e circulação<br />
<strong>de</strong> documentos administrativos falsos e <strong>de</strong> dinheiro falso;<br />
– planificação e direção da execução das infrações.<br />
II. De ter, em Tournon Sur Rhône, entre os dias 1 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2003 e 7 <strong>de</strong><br />
abril <strong>de</strong> 2004, alterado fraudulentamente a veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma escritura ou documento<br />
emitido por uma administração pública com vista a constatar um direito, uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
ou uma qualida<strong>de</strong> ou a conce<strong>de</strong>r uma autorização e isto em prejuízo do Estado<br />
francês. No presente caso, o extraditando teria falsificado certificados <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> construtores <strong>de</strong> automóveis, pedidos <strong>de</strong> livretes, <strong>de</strong> certificados <strong>de</strong> cessão, <strong>de</strong> certificados<br />
<strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos passados, com o fim <strong>de</strong> emitir livretes pela subprefeitura<br />
<strong>de</strong> Tournon Sur Rhône, e feito uso <strong>de</strong> ditos documentos falsos entregando-os<br />
nomeadamente a Frédéric Tartamella, encarregado <strong>de</strong> os apresentar na subprefeitura.<br />
III. De ter, em Tournon Sur Rhône e Saint Jean De Muzols, entre os dias 1º <strong>de</strong><br />
setembro e 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004, conscientemente receptado veículos provenientes <strong>de</strong><br />
crimes ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos cometidos com prejuízo para vítimas não i<strong>de</strong>ntificadas e com a<br />
circunstância <strong>de</strong> que os crimes foram cometidos com habitualida<strong>de</strong>”.<br />
O Estado requerente possui competência para a instrução e julgamento dos fatos, pois<br />
os crimes foram praticados em seu território.<br />
Percebe-se, outrossim, que os crimes não possuem conotação política, afastando, portanto,<br />
a vedação do art. 4, e do Tratado bilateral <strong>de</strong> extradição.<br />
Os fatos imputados ao extraditando encontram, no nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, equivalência<br />
nos crimes <strong>de</strong> quadrilha ou bando, moeda falsa, falsificação <strong>de</strong> documento público e receptação.<br />
A conduta <strong>de</strong> planificação e direção da execução das infrações, bem como a presença<br />
<strong>de</strong> diversos agentes e a habitualida<strong>de</strong> na prática dos crimes a<strong>de</strong>qua-se ao <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> quadrilha<br />
ou bando previsto no art. 288 do CP.
532<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Ao seu turno, o arranjo <strong>de</strong> veículos automotores por intermédio <strong>de</strong> furtos cometidos<br />
pelos seus co-autores e a receptação consciente <strong>de</strong> dois veículos amoldam-se ao <strong>de</strong>lito<br />
<strong>de</strong> receptação (art. 180, CP). E a reunião <strong>de</strong> informações, documentos e justificações <strong>de</strong><br />
modo a permitir a feitura e circulação <strong>de</strong> dinheiro falso encontra-se <strong>de</strong>scrita no art. 289,<br />
§ 1º do CP.<br />
Todavia, em relação à conduta criminosa <strong>de</strong> “falsificação <strong>de</strong> certificados <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> construtores <strong>de</strong> automóveis, pedidos <strong>de</strong> livretes, <strong>de</strong> certificados <strong>de</strong> cessão, <strong>de</strong><br />
certificados <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos passados, com o fim <strong>de</strong> emitir livretes pela subprefeitura<br />
<strong>de</strong> Tournon Sur Rhône” (item II), que correspon<strong>de</strong>ria, no direito brasileiro, ao <strong>de</strong>lito<br />
<strong>de</strong> falsificação <strong>de</strong> documento público (art. 297, CP), observa-se que o Estado francês, apesar<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>screvê-la às fls. 227/228, não fez alusão à esta no rol dos dispositivos penais pelos quais<br />
se requereu a extradição <strong>de</strong> Guy Boivin (fls. 239/249).<br />
(...)<br />
A<strong>de</strong>mais, ao se analisar os arts. 450-1; 442-2 e 321-2, 1º do Código penal francês<br />
verifica-se que estes crimes são punidos com pena <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> prisão, além <strong>de</strong> multa (fls.<br />
239; 241 e 246, respectivamente). E, <strong>de</strong> acordo com o Estado requerente, a data provável para<br />
a ocorrência da prescrição seria em 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010 (fls. 187).<br />
Desse modo, enten<strong>de</strong>-se preenchido o requisito da dupla punibilida<strong>de</strong>.<br />
No direito penal brasileiro, os crimes <strong>de</strong> quadrilha ou bando, moeda falsa e receptação<br />
prescrevem, respectivamente, em 8 (oito), 16 (<strong>de</strong>zesseis) e 8 (oito) anos, nos termos do art.<br />
109, incisos II e IV, do Código Penal.<br />
Os fatos atribuídos ao extraditando ocorreram nos anos <strong>de</strong> 2003 e 2004, não havendo<br />
que se falar, <strong>de</strong>sse modo, em prescrição.<br />
Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral pelo in<strong>de</strong>ferimento do pedido<br />
<strong>de</strong> extradição executória, e pelo <strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> extradição instrutória, objeto<br />
da Nota Verbal nº 173/2007.<br />
(Fls. 331-336.)<br />
4. Configura-se aqui uma das hipóteses que autorizam a concessão da extradição,<br />
segundo a Lei 6.815/80, que é a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> prisão por tribunal competente,<br />
no Estado requerente, para processar e julgar o extraditando (nacional<br />
francês, natural <strong>de</strong> Paris).<br />
A<strong>de</strong>mais, nenhuma das exclu<strong>de</strong>ntes previstas no art. 77 do Estatuto do<br />
Estrangeiro2 se aplica ao caso.<br />
Os <strong>de</strong>litos atribuídos ao Extraditando consistem na prática <strong>de</strong> (i) participação<br />
numa associação <strong>de</strong> malfeitores (art. 450-1); (ii) moeda falsa (art. 442-2); e<br />
(iii) receptação (art. 321-2, § 1º), todos do Código Penal francês.<br />
2 “Art. 77. Não se conce<strong>de</strong>rá a extradição quando:<br />
I – se tratar <strong>de</strong> brasileiro, salvo se a aquisição <strong>de</strong>ssa nacionalida<strong>de</strong> verificar-se após o fato que<br />
motivar o pedido;<br />
II – o fato que motivar o pedido não for consi<strong>de</strong>rado crime no Brasil ou no Estado requerente;<br />
III – o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;<br />
IV – a lei brasileira impuser ao crime a pena <strong>de</strong> prisão igual ou inferior a um ano;<br />
V – o extraditando estiver a respon<strong>de</strong>r processo ou já houver sido con<strong>de</strong>nado ou absolvido no<br />
Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;<br />
VI – estiver extinta a punibilida<strong>de</strong> pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;<br />
VII – o fato constituir crime político;<br />
VIII – o extraditando houver <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo <strong>de</strong><br />
exceção.”
R.T.J. — <strong>204</strong> 533<br />
Ora, tais <strong>de</strong>litos ajustam-se aos mo<strong>de</strong>los normativos consolidados nos tipos<br />
penais <strong>de</strong>scritos nos arts. 288, 289, § 1º, e 180, todos do Código Penal brasileiro.<br />
Está, pois, caracterizada a dupla tipicida<strong>de</strong>, necessária ao <strong>de</strong>ferimento do pleito.<br />
Pelos fatos narrados, os <strong>de</strong>litos ter-se-iam consumado entre os anos <strong>de</strong><br />
2003 e 2004. Nos termos da legislação penal pátria, os crimes <strong>de</strong> quadrilha<br />
ou bando, moeda falsa e receptação prescrevem, respectivamente, em 8 (oito),<br />
16 (<strong>de</strong>zesseis) e 8 (oito) anos. Daí não se ter operado tal causa <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong><br />
punibilida<strong>de</strong>.<br />
E, perante a legislação da República Francesa, os <strong>de</strong>litos imputados ao Extraditando<br />
são punidos com pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> prisão, além <strong>de</strong> multa (fls. 239,<br />
241 e 246). A data “previsível <strong>de</strong> prescrição”, nos termos do pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção<br />
provisória (fl. 187), é 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010.<br />
Consi<strong>de</strong>ro, nos dois casos, satisfeita a exigência do duplo grau <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>,<br />
por não se ter operado a prescrição, seja em face da legislação francesa,<br />
seja em face da brasileira.<br />
5. Por fim, embora o Extraditando concor<strong>de</strong>, expressamente, com o pedido<br />
<strong>de</strong> extradição (fl. 296), a <strong>de</strong>fesa alega <strong>de</strong>ficiência da instrução e, às fls. 285-286,<br />
pleiteia “seja julgado improce<strong>de</strong>nte o segundo pedido <strong>de</strong> extradição em face da<br />
inobservância dos requisitos formais, <strong>de</strong>stacadamente a documentação apresentada<br />
pelo estado requerente”.<br />
Não lhe assiste razão.<br />
É que a documentação complementar necessária à correta instrução do pedido,<br />
nos termos do art. 80 da Lei 6.815/80, posta a <strong>de</strong>stempo, veio aos autos às<br />
fls. 359-369 (cópias autenticadas e traduzidas do texto legal referente aos prazos<br />
prescricionais previstos no estatuto repressivo estrangeiro), nos exatos termos do<br />
<strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fl. 304.<br />
6. Cumpridos, portanto, os requisitos legais enumerados no Estatuto do<br />
Estrangeiro, e com apoio no parecer da Procuradoria-Geral da República, <strong>de</strong>firo,<br />
parcialmente, a extradição do nacional francês Guy Boivin, nos termos já<br />
enunciados.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
Ext 1.071/República Francesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente:<br />
Governo da França. Extraditando: Guy Boivin (Advogado: Flávio Cardoso).<br />
Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong> e nos termos do voto do Relator,<br />
<strong>de</strong>feriu parcialmente o pedido <strong>de</strong> extradição. Ausentes, licenciado, o Ministro<br />
Joaquim Barbosa; justificadamente, os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello e Eros Grau; e,<br />
neste julgamento, o Ministro Menezes Direito. Presidiu o julgamento a Ministra<br />
Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewan-
534<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
dowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr.<br />
Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 535<br />
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.864 — PR<br />
Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa<br />
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa<br />
Requerentes: Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em Educação –<br />
CNTE e Partido dos Trabalhadores – PT — Requeridos: Governador do Estado<br />
do Paraná e Assembléia Legislativa do Estado do Paraná<br />
Constitucional. Administrativo. Educação. Entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
cooperação com a administração pública. Lei 11.970/97 do Estado<br />
do Paraná. Paranaeducação. Serviço social autônomo. Possibilida<strong>de</strong>.<br />
Recursos públicos financeiros <strong>de</strong>stinados à educação.<br />
Gestão exclusiva pelo Estado. Ação direta julgada parcialmente<br />
proce<strong>de</strong>nte.<br />
1. Na sessão plenária <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004, esta Corte,<br />
preliminarmente e por <strong>de</strong>cisão unânime, não conheceu da ação<br />
relativamente à Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em<br />
Educação (CNTE). Posterior alteração da jurisprudência da<br />
Corte acerca da legitimida<strong>de</strong> ativa da CNTE não altera o julgamento<br />
da preliminar já concluído. Preclusão. Legitimida<strong>de</strong> ativa<br />
do Partido dos Trabalhadores reconhecida.<br />
2. O Paranaeducação é entida<strong>de</strong> instituída com o fim <strong>de</strong><br />
auxiliar na gestão do sistema estadual <strong>de</strong> educação, tendo como<br />
finalida<strong>de</strong>s a prestação <strong>de</strong> apoio técnico, administrativo, financeiro<br />
e pedagógico, bem como o suprimento e aperfeiçoamento dos<br />
recursos humanos, administrativos e financeiros da Secretaria<br />
Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
Como se vê, o Paranaeducação tem atuação paralela à da<br />
Secretaria <strong>de</strong> Educação e com esta coopera, sendo mero auxiliar<br />
na execução da função pública – Educação.<br />
3. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no art. 37, XXI, <strong>de</strong>termina a obrigatorieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> obediência aos procedimentos licitatórios para<br />
a administração pública direta e indireta <strong>de</strong> qualquer um dos<br />
Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios.<br />
A mesma regra não existe para as entida<strong>de</strong>s privadas que<br />
atuam em colaboração com a administração pública, como é o<br />
caso do Paranaeducação.<br />
4. A contratação <strong>de</strong> empregados regidos pela CLT não<br />
ofen<strong>de</strong> a Constituição porque se trata <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito<br />
privado.<br />
No entanto, ao permitir que os servidores públicos estaduais<br />
optem pelo regime celetista ao ingressarem no Paraneducação, a<br />
norma viola o art. 39 da Constituição, com a redação em vigor<br />
antes da EC 19/98.
536<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
5. Por fim, ao atribuir a uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado,<br />
<strong>de</strong> maneira ampla, sem restrições ou limitações, a gestão dos<br />
recursos financeiros do Estado <strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
educação, possibilitando ainda que a entida<strong>de</strong> exerça a gerência<br />
das verbas públicas, externas ao seu patrimônio, legitimando-a<br />
a tomar <strong>de</strong>cisões autônomas sobre sua aplicação, a norma inci<strong>de</strong><br />
em inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
De fato, somente é possível ao Estado o <strong>de</strong>sempenho eficaz<br />
<strong>de</strong> seu papel no que toca à educação se estiver apto a <strong>de</strong>terminar a<br />
forma <strong>de</strong> alocação dos recursos orçamentários <strong>de</strong> que dispõe para<br />
tal ativida<strong>de</strong>. Esta competência é exclusiva do Estado, não po<strong>de</strong>ndo<br />
ser <strong>de</strong>legada a entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado.<br />
6. Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> julgada parcialmente<br />
proce<strong>de</strong>nte, para <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 19, § 3º,<br />
da Lei 11.970/97 do Estado do Paraná, bem como para dar interpretação<br />
conforme a Constituição ao art. 3º, I, e ao art. 11, incisos<br />
IV e VII, do mesmo diploma legal, <strong>de</strong> sorte a enten<strong>de</strong>r-se que as<br />
normas <strong>de</strong> procedimentos e os critérios <strong>de</strong> utilização e repasse <strong>de</strong><br />
recursos financeiros a serem geridos pelo Paranaeducação po<strong>de</strong>m<br />
ter como objeto, unicamente, a parcela dos recursos formal e especificamente<br />
alocados ao Paranaeducação, não abrangendo, em<br />
nenhuma hipótese, a totalida<strong>de</strong> dos recursos públicos <strong>de</strong>stinados<br />
à educação no Estado do Paraná.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar<br />
Men<strong>de</strong>s, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
maioria, julgar improce<strong>de</strong>nte a ação direta em relação às disposições impugnadas,<br />
exceto quanto ao art. 3º, inciso I; ao art. 11, incisos IV e VII; e ao art. 19, § 3º, todos<br />
da Lei 11.970/97 do Estado do Paraná, vencidos os Ministros Maurício Corrêa<br />
(Relator), que a julgava totalmente improce<strong>de</strong>nte, Carlos Britto e Marco Aurélio,<br />
que a julgavam totalmente proce<strong>de</strong>nte.<br />
Brasília, 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Joaquim Barbosa, Relator para o acórdão.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: A Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores<br />
em Educação (CNTE) e o Partido dos Trabalhadores propõem, na<br />
forma dos arts. 102, I, a, e 103, VIII e IX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ação direta <strong>de</strong><br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivos da Lei 11.970, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1997,<br />
do Estado do Paraná, que instituiu o Paranaeducação, cujo teor é o seguinte:
R.T.J. — <strong>204</strong> 537<br />
Art. 1º Fica instituído o Paranaeducação, pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, sob a<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço social autônomo, sem fins lucrativos, <strong>de</strong> interesse coletivo, com a finalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> auxiliar na Gestão do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação, através da assistência institucional,<br />
técnico-científica, administrativa e pedagógica, da aplicação <strong>de</strong> recursos orçamentários<br />
<strong>de</strong>stinados pelo Governo do Estado, bem como da captação e gerenciamento <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong><br />
entes públicos e particulares nacionais e internacionais.<br />
Art. 3º O Paranaeducação tem por finalida<strong>de</strong> proporcionar à população padrões elevados<br />
<strong>de</strong> ensino e educação, competindo-lhe para seu eficaz <strong>de</strong>sempenho:<br />
I – gerir os recursos <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação,<br />
em consonância com as diretrizes programáticas do Governo do Estado;<br />
(...)<br />
III – constituir-se em instrumento <strong>de</strong> intermediação administrativa-financeira, visando<br />
compatibilizar as exigências das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> financiamento para o <strong>de</strong>senvolvimento educacional<br />
às características e às necessida<strong>de</strong>s do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação;<br />
IV – contribuir para a eficiente aplicação dos recursos públicos na área <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
educacional, promovendo, para tanto, o suprimento e aperfeiçoamento dos recursos<br />
humanos, administrativos e financeiros do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação;<br />
V – administrar Fundos Especiais existentes ou que venham a ser criados, no âmbito do<br />
Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação, na forma da legislação e regulamentação pertinentes.<br />
Art. 6º O Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar as funções <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte<br />
do Paranaeducação, é membro nato do Conselho <strong>de</strong> Administração, <strong>de</strong> cujas<br />
reuniões participará sem direito a voto.<br />
Art. 7º São membros natos do Conselho <strong>de</strong> Administração do Paranaeducação, o:<br />
a) Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação;<br />
b) Secretário <strong>de</strong> Estado da Fazenda;<br />
c) Secretário <strong>de</strong> Estado do Planejamento e Coor<strong>de</strong>nação-Geral;<br />
d) Secretário <strong>de</strong> Estado da Administração; e<br />
e) Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
Art. 11. Ao Conselho <strong>de</strong> Administração compete:<br />
I – aprovar o seu Regimento Interno;<br />
II – fixar diretrizes <strong>de</strong> aplicação dos recursos da entida<strong>de</strong>, ad referendum do Governo<br />
do Estado do Paraná;<br />
III – sugerir, com base em levantamento técnico, o montante <strong>de</strong> recursos a serem colocados<br />
à disposição do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação;<br />
IV – baixar normas <strong>de</strong> procedimentos e instruções complementares disciplinadoras da<br />
aplicação dos recursos financeiros internos e externos disponíveis;<br />
(...)<br />
VI – fixar condições <strong>de</strong> repasse dos empréstimos e subempréstimos aos beneficiários,<br />
quando couber;<br />
VII – <strong>de</strong>finir os critérios <strong>de</strong> utilização e repasse dos recursos a serem alocados para as<br />
diversas entida<strong>de</strong>s envolvidas no Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
Art. 15. (...)<br />
§ 1º (...)<br />
II – permitir à Diretoria Executiva capacida<strong>de</strong> para contratar, administrar e dispensar<br />
recursos humanos, inclusive para as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino e pesquisa geridas pelo Paranaeducação,<br />
sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), <strong>de</strong> forma a assegurar a preservação<br />
dos mais elevados e rigorosos padrões técnicos <strong>de</strong> seus planos, programas, projetos<br />
e ativida<strong>de</strong>s, bem como <strong>de</strong> seus produtos e serviços;<br />
III – permitir à Diretoria Executiva estabelecer processo <strong>de</strong> compra <strong>de</strong> materiais<br />
e serviços mediante procedimentos licitatórios simplificados, observados os princípios
538<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
inscritos nas Constituições e na legislação atinente em vigor, em especial a Lei Fe<strong>de</strong>ral<br />
8.666/93, ou a que lhe vier suce<strong>de</strong>r, publicando as normas em Diário Oficial do Estado;<br />
IV – fixar as condições <strong>de</strong> remuneração e <strong>de</strong> repasse <strong>de</strong> receitas financeiras da<br />
entida<strong>de</strong>.<br />
Art. 16. (...)<br />
§ 1º O Paranaeducação encaminhará, anualmente, à Secretaria <strong>de</strong> Estado da Educação<br />
– SEED, que enviará à Assembléia Legislativa do Estado, até 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> cada ano,<br />
relatório circunstanciado sobre a execução <strong>de</strong> seus planos, programas, projetos, ativida<strong>de</strong>s,<br />
produtos e serviços, expressos em Planos <strong>de</strong> Ação Estratégica, nos Planos Anuais e Plurianuais<br />
e nos correspon<strong>de</strong>ntes orçamentos, com a prestação <strong>de</strong> contas dos recursos nele<br />
aplicados, a avaliação do andamento do Contrato <strong>de</strong> Gestão e as análises <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhos<br />
gerenciais cabíveis.<br />
Art. 17. Constituem receitas do Paranaeducação:<br />
I – dotações orçamentárias que lhe <strong>de</strong>stinar o Po<strong>de</strong>r Público estadual ou outras modalida<strong>de</strong>s<br />
governamentais, na forma do contrato <strong>de</strong> gestão;<br />
(...)<br />
VII – receitas provenientes <strong>de</strong> alienação <strong>de</strong> bens móveis e imóveis.<br />
Art. 18. As ações do Paranaeducação, compreen<strong>de</strong>ndo todas as ativida<strong>de</strong>s administrativas<br />
e técnicas relacionadas com planos, programas, projetos, produtos e serviços, <strong>de</strong> sua<br />
responsabilida<strong>de</strong>, serão exercidas e <strong>de</strong>sempenhadas por empregados regidos pela Consolidação<br />
das Leis do Trabalho – CLT e por terceiros, pessoas jurídicas ou físicas, observada a<br />
legislação em vigor.<br />
Art. 19. (...)<br />
§ 3º Os funcionários públicos estaduais, sob regime jurídico único, po<strong>de</strong>rão optar pelo<br />
novo regime <strong>de</strong> alterações <strong>de</strong> trabalho do Paranaeducação (...).<br />
Art. 22. Fica o Po<strong>de</strong>r Executivo autorizado a promover as alterações orçamentárias<br />
necessárias para o presente exercício, <strong>de</strong> forma a proporcionar cobertura orçamentária para os<br />
projetos e ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidos pelo Paranaeducação.<br />
2. Preten<strong>de</strong>m os Requerentes, inicialmente, que a ação seja julgada à luz do<br />
quadro constitucional vigente quando da edição da lei, sem consi<strong>de</strong>rar as modificações<br />
da chamada “reforma administrativa”. A seguir, sustentam que, com a<br />
criação do mencionado ente, o ensino público no Estado será administrado por<br />
uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, implicando “a quebra e relativização do<br />
regime <strong>de</strong> direito público ao qual <strong>de</strong>veria submeter-se integralmente”, por imposição<br />
constitucional. A educação é serviço essencial que <strong>de</strong>ve ser prestado pelo<br />
Estado sob o regime exclusivo <strong>de</strong> direito público.<br />
3. As <strong>de</strong>mais razões <strong>de</strong>duzidas na inicial para justificar a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
dos dispositivos impugnados po<strong>de</strong>m ser assim resumidas:<br />
I – A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação do organismo junto ao sistema educacional<br />
importará quebra da autonomia das universida<strong>de</strong>s estaduais (CF, art. 207).<br />
II – O órgão criado, pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, po<strong>de</strong>rá receber,<br />
administrar, gerenciar e dar <strong>de</strong>stinação aos recursos públicos da educação<br />
no Estado do Paraná, sem preencher os requisitos exigidos pelo art. 213 da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, daí <strong>de</strong>correndo a inconstitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 1º;<br />
3º, I, III, IV e V; 11, II, IV e VI, da lei impugnada.
R.T.J. — <strong>204</strong> 539<br />
III – As previsões dos arts. 6º e 7º permitem a ocorrência <strong>de</strong> frau<strong>de</strong> à Constituição<br />
e <strong>de</strong>svio do po<strong>de</strong>r legislativo, dado que não se admite a atuação da<br />
administração fora do regime jurídico <strong>de</strong> direito público.<br />
IV – O inciso III do § 1º, ao prever a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong><br />
materiais por meio <strong>de</strong> processos licitatórios simplificados, viola o art. 37,<br />
XXI, da Carta Fe<strong>de</strong>ral, assim como a Lei fe<strong>de</strong>ral 8.666/93, que regula a<br />
referida disposição constitucional.<br />
V – A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratação <strong>de</strong> profissionais pelo regime da Consolidação<br />
das Leis do Trabalho, prevista nos arts. 18 e 19, afronta as exigências<br />
constitucionais do regime jurídico único e a acessibilida<strong>de</strong> pela<br />
via exclusiva do concurso público, não estando a hipótese contemplada na<br />
excepcionalida<strong>de</strong> da contratação temporária.<br />
VI – A instituição do Paranaeducação, segundo as regras <strong>de</strong> direito privado,<br />
embora <strong>de</strong>stinada à prestação <strong>de</strong> serviço público, permite a manipulação<br />
política das verbas públicas e da administração <strong>de</strong> pessoal, vulnerando<br />
o postulado da moralida<strong>de</strong> administrativa.<br />
4. Pe<strong>de</strong>m, ao final, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a norma,<br />
por <strong>de</strong>rivação dos dispositivos expressamente impugnados ou, em or<strong>de</strong>m sucessiva,<br />
a invalidação dos arts. 1º; 3º, caput e incisos I, III, IV e V; 6º; 7º; 11, incisos<br />
II, III, IV, VI e VII; 15, § 1º e incisos II, III e IV; 16, § 1º; 17, I e VII; 18; 19, § 3º;<br />
e 22 da citada lei (fl. 44).<br />
5. O Estado do Paraná manifesta-se pela improcedência da ação, visto que<br />
houve fiel observância ao processo legislativo, inexistindo qualquer incompatibilida<strong>de</strong><br />
material com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral (fls. 120/159). A Assembléia Legislativa<br />
também propugna pela constitucionalida<strong>de</strong> do diploma em causa, aduzindo<br />
que o órgão em causa foi instituído segundo as regras <strong>de</strong> direito administrativo,<br />
visando melhorar a eficácia da educação no Estado do Paraná (fls. 235/239).<br />
6. Sem embargo da existência <strong>de</strong> pedido cautelar, entendi que a questão,<br />
por sua relevância, <strong>de</strong>veria merecer julgamento <strong>de</strong>finitivo quando <strong>de</strong> sua submissão<br />
ao Tribunal. Por essa razão, <strong>de</strong>terminei, na forma do art. 12 da Lei 9.868/99, a<br />
remessa dos autos sucessivamente à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-<br />
Geral da República (fl. 241).<br />
7. O Advogado-Geral da União substituto, Dr. Walter do Carmo Barletta,<br />
em manifestação assinada em 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002, invoca irregularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação<br />
dos Requerentes, opinando, a seguir, pela inadmissibilida<strong>de</strong> da ação,<br />
uma vez que fundada em textos constitucionais não mais vigentes, alterados que<br />
foram pelas Emendas Constitucionais 14/96 e 19/98. No mérito, sustenta a legitimida<strong>de</strong><br />
do ato, por enquadrar-se “na nova concepção <strong>de</strong> Administração Pública<br />
<strong>de</strong>lineada pela Emenda Constitucional 19, <strong>de</strong> 1998” (fls. 243/255).<br />
8. O Procurador-Geral da República, Professor Geraldo Brin<strong>de</strong>iro, suscita<br />
preliminar <strong>de</strong> ilegitimida<strong>de</strong> ativa da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores<br />
em Educação, por não estar enquadrada na hipótese prevista no inciso IX do art.
540<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
103 da Constituição, assim como a <strong>de</strong>ficiência na representação dos Requerentes.<br />
No mérito, manifesta-se pela improcedência da ação, nos termos do parecer <strong>de</strong><br />
fls. 257/269.<br />
9. Conforme <strong>de</strong>cidido na ADI 2.187-QO, Gallotti, j. 24-5-00, facultei aos<br />
Autores o prazo <strong>de</strong> 20 (vinte) dias para a apresentação <strong>de</strong> procuração com outorga<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res específicos para impugnar a norma objeto da inicial (fl. 271). O<br />
Partido dos Trabalhadores fez juntar aos autos o instrumento <strong>de</strong> fl. 275, aten<strong>de</strong>ndo<br />
a exigência. Já a Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em Educação <strong>de</strong>ixou<br />
transcorrer in albis o prazo.<br />
É o relatório, do qual <strong>de</strong>verão ser extraídas cópias para distribuição aos<br />
Senhores Ministros.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Quanto à preliminar suscitada<br />
pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, tem razão o Parquet, daí por que não conheço<br />
da ação no que concerne à Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em Educação<br />
(CNTE). A referida entida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>tém legitimida<strong>de</strong> ativa ad causam, visto<br />
que integrada, na forma <strong>de</strong> seu estatuto (art. 3º – fl. 51), por sindicatos e associações<br />
<strong>de</strong> classe, e não por fe<strong>de</strong>rações. Verifico que não houve qualquer alteração<br />
em seus estatutos, enquadrando-se a hipótese na jurisprudência da Corte, consoante<br />
<strong>de</strong>cisão proferida no julgamento da ADI 1.953, Ilmar Galvão, DJ <strong>de</strong> 13-8-99.<br />
De qualquer sorte, a Requerente não se encontra regularmente representada nos<br />
autos, vício processual que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser sanado no prazo que lhe foi facultado.<br />
2. Com relação ao Partido dos Trabalhadores, que também subscreve a<br />
inicial, resulta patente sua legitimida<strong>de</strong> (CF, art. 103, VIII), estando regular sua<br />
representação. Conheço da ação.<br />
3. Inicialmente, cumpre ressaltar a inadmissibilida<strong>de</strong> da pretensão do Autor<br />
<strong>de</strong> que o exame jurídico do diploma legal se dê em face do texto <strong>de</strong>rrogado<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O controle concentrado <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> faz-se,<br />
necessariamente, sob a égi<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m constitucional vigente. E tanto assim é<br />
que eventuais alterações supervenientes à propositura da ação acarretam, em<br />
conseqüência, sua prejudicialida<strong>de</strong>. Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal 1 .<br />
4. Dessa forma, o parâmetro <strong>de</strong> aferição é o texto hoje em vigor da Carta<br />
da República, observadas todas as emendas havidas. Inadmissível o pedido na<br />
fração em que requer que o confronto do texto legal ocorra em face da redação<br />
revogada da Constituição. Havendo impugnação, também, sob enfoque do texto<br />
vigente, prossigo na análise do pedido.<br />
1 Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> (...). A ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> não se revela<br />
instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimida<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong> atos normativos do<br />
po<strong>de</strong>r público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da Constituição sob<br />
cuja égi<strong>de</strong> foi instaurado o controle normativo abstrato. (ADI 7, Celso <strong>de</strong> Mello, RTJ 145/339.) Na<br />
mesma linha <strong>de</strong> entendimento cite-se a Rp 1.312, Célio Borja, RTJ 128/515; e a ADI 438, Pertence,<br />
RTJ 140/407, entre outros julgados.
R.T.J. — <strong>204</strong> 541<br />
5. O primeiro dispositivo impugnado tem o seguinte teor:<br />
Art. 1º Fica instituído o Paranaeducação, pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, sob a<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço social autônomo, sem fins lucrativos, <strong>de</strong> interesse coletivo, com a finalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> auxiliar na Gestão do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação, através da assistência institucional,<br />
técnico-científica, administrativa e pedagógica, da aplicação <strong>de</strong> recursos orçamentários<br />
<strong>de</strong>stinados pelo Governo do Estado, bem como da captação e gerenciamento <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong><br />
entes públicos e particulares nacionais e internacionais.<br />
6. Como visto, a lei estadual sub examine instituiu o “Paranaeducação,<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, sob a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço social autônomo,<br />
sem fins lucrativos, <strong>de</strong> interesse coletivo, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auxiliar na gestão<br />
do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação”. O Requerente sustenta que a educação é<br />
<strong>de</strong>ver do Estado e, enquanto serviço público, <strong>de</strong>ve ser prestado exclusivamente<br />
sob o regime <strong>de</strong> direito público, não admitindo essa espécie <strong>de</strong> co-gestão privada.<br />
Alega que a implantação <strong>de</strong>sse sistema <strong>de</strong> “relativização” da educação pública<br />
importa violação aos arts. 205; 207, caput; 208, caput e incisos I, II e § 1º; 209,<br />
incisos I e II; 212, § 3º; e 213, todos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Não prosperam,<br />
entretanto, as razões <strong>de</strong>duzidas na inicial.<br />
7. A lei em cotejo <strong>de</strong>fine a entida<strong>de</strong> criada como serviço social autônomo,<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser em virtu<strong>de</strong><br />
do disposto no art. 240 da Constituição2 . Por outro lado, é voz dominante na<br />
doutrina que os entes <strong>de</strong> cooperação não integram a administração pública, nem<br />
direta, nem indireta.<br />
8. Conforme observou o Procurador-Geral da República, com suporte<br />
na autorizada doutrina <strong>de</strong> Hely Lopes Meirelles e Maria Zanella di Pietro, os<br />
serviços sociais autônomos são entes paraestatais cujo objetivo é promover<br />
a cooperação com o po<strong>de</strong>r público no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas atribuições. Com<br />
personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado, prestam assistência ao Estado e são mantidos<br />
por meio <strong>de</strong> dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. Estão sujeitos<br />
à prestação <strong>de</strong> contas dos recursos públicos que recebem para sua manutenção,<br />
sendo que seus servidores, sujeitos ao regime privado <strong>de</strong> emprego, equiparamse<br />
aos funcionários públicos exclusivamente para fins <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> criminal<br />
por <strong>de</strong>litos funcionais.<br />
9. Nesse contexto, a criação da entida<strong>de</strong> paraestatal, longe <strong>de</strong> promover a<br />
privatização da educação pública no Estado do Paraná, <strong>de</strong>stinou-se tão-somente<br />
a auxiliar os órgãos estatais, dirigidos pela Secretaria <strong>de</strong> Educação, na gestão do<br />
sistema educacional, objetivando proporcionar à socieda<strong>de</strong> padrões elevados <strong>de</strong><br />
ensino e educação. Impossível confundir assistência gerencial prestada ao po<strong>de</strong>r<br />
público por ente <strong>de</strong> direito privado, com o ensino facultado à iniciativa privada<br />
previsto no art. 209 da Carta da República.<br />
2 “Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores<br />
sobre a folha <strong>de</strong> salários, <strong>de</strong>stinadas às entida<strong>de</strong>s privadas <strong>de</strong> serviço social e <strong>de</strong> formação<br />
profissional vinculadas ao sistema sindical.”
542<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
10. Resulta evi<strong>de</strong>nte que a educação pública continua sob a responsabilida<strong>de</strong><br />
do Estado do Paraná, não havendo cogitar-se <strong>de</strong> transferência do <strong>de</strong>ver<br />
constitucional <strong>de</strong> oferecer ensino público à população. Como dito, a finalida<strong>de</strong><br />
do órgão criado é auxiliar o Estado a cumprir a obrigação preconizada no art.<br />
205 da Constituição – “A educação, direito <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong>ver do Estado” –, e<br />
não lhe subtrair a missão estatal. A<strong>de</strong>mais, o próprio caput do art. 205 da CF<br />
acrescenta que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração<br />
da socieda<strong>de</strong>”.<br />
11. Nem no atual or<strong>de</strong>namento constitucional cabe consi<strong>de</strong>rar os serviços<br />
sociais autônomos como entida<strong>de</strong>s da administração indireta, visto que os incisos<br />
XIX e XX do art. 37 da Constituição enumeram exaustivamente o rol das pessoas<br />
jurídicas que a compõem: autarquia, empresa pública, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia<br />
mista, fundação, e suas subsidiárias. Os serviços sociais são entes <strong>de</strong> cooperação,<br />
classificados como paraestatais, caminhando ao lado do Estado para o <strong>de</strong>sempenho<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse público ou social.<br />
12. Equivoca-se o Requerente ao alegar que o Paranaeducação, por ser<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, passaria a traçar as diretrizes básicas do ensino<br />
estadual sem vinculação alguma com a administração pública. É que o Estado<br />
mo<strong>de</strong>rno tem envidado todos os esforços para planejar políticas <strong>de</strong> curto, médio<br />
e longo prazo a fim <strong>de</strong> ajustar-se ao galopante crescimento da tecnologia nos diversos<br />
campos <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>, como é a educação.<br />
13. Ninguém nega que os serviços sociais Senac, Sesc, Sesi e Senai têm<br />
contribuído, há décadas, para o aperfeiçoamento da formação <strong>de</strong> comerciários e<br />
industriários. A exemplo <strong>de</strong>les, vão-se criando novas entida<strong>de</strong>s voltadas para outras<br />
categorias, como os trabalhadores rurais, rodoviários e pequenos e microempresários<br />
(Senar, Senat e Sebrae).<br />
14. Não há negar que, mo<strong>de</strong>rnamente, o Direito Público, conforme salienta<br />
Caio Tácito, levou a “curva ascen<strong>de</strong>nte da expansão da ação direta do Estado na<br />
ativida<strong>de</strong> econômica e social a seu ápice no início da década <strong>de</strong> 80 (...), e mais<br />
recentemente à ‘expressiva valorização da iniciativa privada em áreas peculiares<br />
à iniciativa estatal3 ’”.<br />
15. Essas mudanças que o Estado sofreu no último quartel do século, com marcas<br />
in<strong>de</strong>léveis no papel que <strong>de</strong>sempenha perante a socieda<strong>de</strong>, foram bem retratadas<br />
pelo publicista mexicano Miguel Acosta Romero, que antevê, em diversos países,<br />
entre os quais o Brasil, a constitucionalização <strong>de</strong>ssas alterações, uma vez que “vivem<br />
épocas <strong>de</strong> câmbio profundo, nos aspectos políticos, no papel que <strong>de</strong>sempenha o Estado<br />
na socieda<strong>de</strong> do final do século vinte, <strong>de</strong> seu redimensionamento, da re<strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s e aspectos importantes da vida social, <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> novos sistemas<br />
<strong>de</strong> Estados, <strong>de</strong> presença <strong>de</strong> interesses e forças reais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em nível nacional e<br />
3 “O Retorno do Pêndulo: Serviço Público e Empresa Privada. O Exemplo Brasileiro”. RF 334/14.
R.T.J. — <strong>204</strong> 543<br />
internacional (empresas multinacionais ou transnacionais). A essa mudança política,<br />
física, geográfica e econômica correspon<strong>de</strong>m também mutações constitucionais4 ”.<br />
16. Nessa visão mo<strong>de</strong>rna e dinâmica é que o Requerido promoveu parceria<br />
com pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado por ele mesmo instituída, como forma <strong>de</strong> administrar<br />
a transição da atuação predominantemente do Estado no campo da educação<br />
pública para inseri-la no mundo da realida<strong>de</strong> das transformações advindas, quer<br />
queira, quer não, com o pragmatismo da globalização e competitivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que se<br />
assenhoreou a hodierna ativida<strong>de</strong> humana, sem que com isso, contudo, perca o Estado<br />
do Paraná o controle e o comando do ensino público no âmbito <strong>de</strong> seu território.<br />
17. A inicial rebela-se contra essa parceria, alegando que “a fuga <strong>de</strong>sse<br />
regime jurídico (<strong>de</strong> Direito Público) importará em retirada do Estado <strong>de</strong>ste setor,<br />
<strong>de</strong>ixando sua prestação exclusivamente em campo da iniciativa privada” (fl. 16),<br />
com o fim da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ministrar gratuitamente o ensino fundamental<br />
e ausente a garantia <strong>de</strong> universalizar progressivamente o ensino médio gratuito<br />
(CF, art. 208, I e II). Acrescenta que, “se ao Estado a prestação da educação é um<br />
<strong>de</strong>ver, por se tratar <strong>de</strong> campo em que atua preferencialmente, não po<strong>de</strong> retirar-se<br />
<strong>de</strong>le, eximindo-se <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>ver constitucional, <strong>de</strong>ixando-o ao encargo do setor<br />
privado, cuja atuação é meramente facultativa” (fl. 17).<br />
18. Creio que se chegaria à convicção da inconstitucionalida<strong>de</strong> da lei em<br />
questão se a Carta Fundamental tivesse incluído a educação entre as ativida<strong>de</strong>s<br />
estatais in<strong>de</strong>legáveis, como é a justiça, a segurança, a fiscalização <strong>de</strong> tributos e a diplomacia.<br />
Entretanto, segundo ficou explicitado, o art. 205 da Carta <strong>de</strong> 1988 dispõe,<br />
expressamente, que a educação é <strong>de</strong>ver do Estado e será <strong>de</strong>senvolvida com a colaboração<br />
da socieda<strong>de</strong>, enquanto seu art. 209 franqueia o ensino à iniciativa privada.<br />
19. De outra sorte, peca o Requerente em seu raciocínio <strong>de</strong> ter como<br />
verda<strong>de</strong>ira a assertiva <strong>de</strong> que o serviço social, por ser pessoa jurídica <strong>de</strong> direito<br />
privado, irá substituir o Estado no que a Constituição lhe impõe como <strong>de</strong>ver. Ora,<br />
sabe-se e é cediço que a <strong>de</strong>legação, uma das formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização, transfere<br />
para a pessoa administrativa, ainda que <strong>de</strong> direito privado, uma parcela da<br />
ativida<strong>de</strong> estatal, sem que com isso se esvazie sua competência constitucional. Essa<br />
transferência po<strong>de</strong> ser efetuada mediante lei, contrato ou mesmo unilateralmente.<br />
Na hipótese, tratando-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação legal, com maior razão fica afastado o temor<br />
exacerbado <strong>de</strong> futuros <strong>de</strong>smandos da entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>legatária, visto que qualquer<br />
cidadão dispõe <strong>de</strong> meios para coibi-los mediante ajuizamento <strong>de</strong> ação própria.<br />
20. A propósito, os receios quanto à atuação futura da instituição criada, tão<br />
reiterados na petição inicial, como, por exemplo, a privatização <strong>de</strong>finitiva do magistério<br />
estadual e a utilização irregular dos recursos públicos, se comprovadas, caracterizariam<br />
evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, passíveis <strong>de</strong> apuração e correção, não apenas<br />
a esfera administrativa reservada aos órgãos <strong>de</strong> controle interno e aos Tribunais <strong>de</strong><br />
Contas, mas, sobretudo, perante o Po<strong>de</strong>r Judiciário, por meio <strong>de</strong> ações cabíveis.<br />
4 “Las Mutaciones <strong>de</strong> los Estados en la Última Década <strong>de</strong>l Siglo XX”, Ed. Porrua, México, DF, 1993, p. 1,<br />
apud Diogo <strong>de</strong> Figueiredo Moreira Neto, “Natureza Jurídica dos Serviços Sociais Autônomos”, RDA 207/80.
544<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Não po<strong>de</strong>m, porém, tais argumentos, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> simples suposições, dar amparo<br />
à invalidação da norma por suposta incompatibilida<strong>de</strong> com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
21. Insisto no fato <strong>de</strong> que seria questionável a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r estatal<br />
apenas se o serviço social não fosse pessoa administrativa, mas simples ente<br />
privado, sem compromisso com o bem comum, <strong>de</strong>sobrigado <strong>de</strong> toda e qualquer<br />
prestação <strong>de</strong> contas à administração pública. Da leitura da inicial, vê-se que o Requerente<br />
retratou, in<strong>de</strong>vidamente, o Paranaeducação com esse perfil, contaminando<br />
suas pon<strong>de</strong>rações com premissas inaplicáveis ao caso concreto. Inexiste,<br />
<strong>de</strong>ssa forma, qualquer afronta aos arts. 205, 208 e 209 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
22. É <strong>de</strong> notar-se, também, que a inicial, na parte em que indica o art. 3º e<br />
seus incisos I, III, IV e V, da lei em exame, como ofensivos aos arts. 212, § 3º, e<br />
213 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, consi<strong>de</strong>ra a entida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>bate totalmente <strong>de</strong>svinculada<br />
da administração pública, motivo pelo qual não po<strong>de</strong>ria assumir funções<br />
estatais. Eis o teor dos dispositivos:<br />
Art. 3º O Paranaeducação tem por finalida<strong>de</strong> proporcionar à população padrões elevados<br />
<strong>de</strong> ensino e educação, competindo-lhe para seu eficaz <strong>de</strong>sempenho:<br />
I – gerir os recursos <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação,<br />
em consonância com as diretrizes programáticas do Governo do Estado;<br />
(...)<br />
III – constituir-se em instrumento <strong>de</strong> intermediação administrativo-financeira, visando<br />
compatibilizar as exigências das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> financiamento para o <strong>de</strong>senvolvimento educacional<br />
às características e às necessida<strong>de</strong>s do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação;<br />
IV – contribuir para a eficiente aplicação dos recursos públicos na área <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
educacional, promovendo, para tanto, o suprimento e aperfeiçoamento dos recursos<br />
humanos, administrativos e financeiros do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação;<br />
V – administrar Fundos Especiais existentes ou que venham a ser criados, no âmbito do<br />
Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação, na forma da legislação e regulamentação pertinentes.<br />
23. Novamente sem razão o Requerente, que confun<strong>de</strong> vinculação com subordinação<br />
hierárquica, conforme lecionou o mestre Hely Lopes Meirelles:<br />
Assim, os serviços sociais autônomos, como entes <strong>de</strong> cooperação, do gênero paraestatal, vicejam<br />
ao lado do Estado e sob seu amparo, mas sem subordinação hierárquica a qualquer autorida<strong>de</strong><br />
pública, ficando apenas vinculados ao órgão estatal mais relacionado com suas ativida<strong>de</strong>s, para fins<br />
<strong>de</strong> controle finalístico e prestação <strong>de</strong> contas dos dinheiros públicos recebidos para sua manutenção 5 .<br />
24. Aliás, a obrigação <strong>de</strong> prestar contas está expressamente prescrita no<br />
caput do art. 16 e seu § 1º da lei impugnada, verbis:<br />
Art. 16. As contas do Paranaeducação <strong>de</strong>verão ser aprovadas, anualmente, pela Assembléia<br />
Legislativa.<br />
§ 1º O Paranaeducação encaminhará, anualmente, à Secretaria <strong>de</strong> Estado da Educação –<br />
SEED, que enviará à Assembléia Legislativa do Estado, até 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> cada ano, relatório<br />
circunstanciado sobre a execução <strong>de</strong> seus planos, programas, projetos, ativida<strong>de</strong>s, produtos<br />
e serviços, expressos em Planos <strong>de</strong> Ação Estratégica, nos Planos Anuais e Plurianuais e nos<br />
correspon<strong>de</strong>ntes Orçamentos, com a prestação <strong>de</strong> contas dos recursos neles aplicados, a avaliação<br />
do andamento do Contrato <strong>de</strong> Gestão e as análises <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhos gerenciais cabíveis.<br />
5 Direito Administrativo Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, p. 339.
R.T.J. — <strong>204</strong> 545<br />
25. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerenciamentos das dotações orçamentárias não afasta<br />
a priorida<strong>de</strong> ao atendimento do ensino obrigatório, até porque este está sob a<br />
responsabilida<strong>de</strong> da Secretaria Estadual <strong>de</strong> Educação, a quem a entida<strong>de</strong> privada<br />
em referência cumpre assistir. Por outro lado, o caput do art. 213 da Constituição<br />
Fe <strong>de</strong>ral admite que os recursos públicos sejam direcionados a outras escolas que<br />
não as públicas, <strong>de</strong>finidas em lei. Descabe aqui valorizar a alusão à palavra escola,<br />
pois em verda<strong>de</strong> o que preten<strong>de</strong> a lei é que os recursos sejam canalizados prioritariamente<br />
ao ensino público, <strong>de</strong>le fazendo parte toda a estrutura que permite seu<br />
regular funcionamento. A entida<strong>de</strong> criada faz parte do estereótipo administrativo<br />
que viabiliza a escola pública, <strong>de</strong>stinatária da verba estatal, não sendo razoável<br />
preten<strong>de</strong>r equipará-la às escolas privadas a que alu<strong>de</strong> a parte final do art. 213 do<br />
referido dispositivo.<br />
26. Além da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestar contas, o art. 4º <strong>de</strong>termina que<br />
“o Paranaeducação se vinculará, por cooperação, à Secretaria <strong>de</strong> Estado da<br />
Educação – SEED, que se incumbirá <strong>de</strong> supervisionar a sua gestão e administração,<br />
observadas as orientações normativas que emitir e em conformida<strong>de</strong> com o<br />
Contrato <strong>de</strong> Gestão, que com o Estado subscrever, nos termos previstos pela lei”.<br />
27. A<strong>de</strong>mais, o Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação é o Superinten<strong>de</strong>nte da<br />
entida<strong>de</strong> e juntamente com outros Secretários <strong>de</strong> Estado integram a composição<br />
do Conselho <strong>de</strong> Administração como membros natos (Lei 11.927/93, arts. 6º e 7º).<br />
Não obstante essa presença estatal, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua natureza jurídica, não se po<strong>de</strong><br />
dizer que o serviço social autônomo <strong>de</strong>va submeter-se ao po<strong>de</strong>r público com o<br />
mesmo rigor com que se submetem os órgãos e entida<strong>de</strong>s da administração direta<br />
e indireta. Apenas não po<strong>de</strong>m afastar-se dos princípios gerais do direito e das<br />
normas contidas na legislação regente. As normas constitucionais referentes à administração<br />
pública (arts. 37 e 38) não se lhe aplicam <strong>de</strong> forma cogente, motivo<br />
pelo qual o princípio da legalida<strong>de</strong> guarda respeito às disposições <strong>de</strong> suas normas<br />
internas, tendo-se em vista os objetivos sociais a que se <strong>de</strong>stinam.<br />
28. Quanto ao mais, cumpre assinalar que as alegações da inicial situam-se<br />
no plano da conveniência e oportunida<strong>de</strong>, apropriadas às reflexões <strong>de</strong> lege ferenda<br />
ou até mesmo no da ilegalida<strong>de</strong> ou dissonância com a doutrina dominante sobre<br />
o tema, o que não se compa<strong>de</strong>ce com a especificida<strong>de</strong> do controle concentrado.<br />
Na hipótese dos autos, po<strong>de</strong>r-se-ia, por exemplo, indagar sobre os beneficiários<br />
do Paranaeducação, questionando-se a diferença entre essa entida<strong>de</strong> e as integrantes<br />
do <strong>de</strong>nominado Sistema “S” (Sesc, Sesi e congêneres), cuja finalida<strong>de</strong> é<br />
prestar assistência a <strong>de</strong>terminadas categorias. O citado órgão, não tendo <strong>de</strong>stinatários<br />
específicos, estaria voltado para toda a socieda<strong>de</strong>, constituindo-se em mera<br />
assessoria do Estado. Indaga-se: por que, em face disso, em vez <strong>de</strong> criá-lo, não<br />
dotar o próprio órgão estatal <strong>de</strong> melhores recursos? Todas essas questões, embora<br />
passíveis <strong>de</strong> reflexão, fogem ao âmbito da ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
29. Assim sendo, consi<strong>de</strong>ro improce<strong>de</strong>nte a argüição <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
do art. 1º, por ofensa aos arts. 205; 207, caput; 208, incisos I e II e § lº; e 209,<br />
incisos I e II; e do art. 3º e seus incisos I, III, IV e V, por violação aos arts. 212, § 3º,<br />
e 213, incisos I e II.
546<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
30. Quanto à alegação <strong>de</strong> que a autonomia financeira e administrativa das universida<strong>de</strong>s<br />
ficou comprometida com a ofensa ao art. 207 da Constituição, uma vez<br />
que a competência do gerenciamento dos recursos ficará a cargo da entida<strong>de</strong> criada,<br />
releva frisar que esta abrange tão-somente o ensino <strong>de</strong> primeiro e segundo graus,<br />
conforme dispõe o art. 1º da lei em questão, combinada com os Decretos estaduais<br />
1.411/92 e 1.102/87, juntados às fls. 179/195 e 196. Esses diplomas normativos estabelecem<br />
que as universida<strong>de</strong>s estaduais, entida<strong>de</strong>s autárquicas, vinculam-se à Secretaria<br />
<strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> Tecnologia. Já o sistema estadual <strong>de</strong> educação, cuja gestão<br />
é auxiliada pela entida<strong>de</strong> instituída, é afeto à Secretaria Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
31. Ao contrário do aduzido na inicial, não há falar-se em violação aos arts.<br />
205, 207, 208 e 209 da Carta Fe<strong>de</strong>ral.<br />
32. Ressalte-se que, ao insurgir-se contra os textos dos arts. 6º e 7º do diploma<br />
legal em causa, que tratam da composição do Conselho <strong>de</strong> Administração<br />
da entida<strong>de</strong>, a inicial não menciona a norma constitucional conflitada, limitandose<br />
a consi<strong>de</strong>rá-los como mecanismo que “configura manobra para <strong>de</strong>satar o<br />
exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res públicos das amarras do Direito Público, permitindo que a<br />
atuação do Estado seja flexibilizada em seu regime jurídico” (fl. 27). Referidas<br />
normas estão assim redigidas:<br />
Art. 6º O Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar as funções <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte<br />
do Paranaeducação, é membro nato do Conselho <strong>de</strong> Administração, <strong>de</strong> cujas<br />
reuniões participará sem direito a voto.<br />
Art. 7º São membros natos do Conselho <strong>de</strong> Administração do Paranaeducação, o:<br />
a) Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação;<br />
b) Secretário <strong>de</strong> Estado da Fazenda;<br />
c) Secretário <strong>de</strong> Estado do Planejamento e Coor<strong>de</strong>nação-Geral;<br />
d) Secretário <strong>de</strong> Estado da Administração; e<br />
e) Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
33. Tal situação, segundo os Autores, tipifica frau<strong>de</strong> à Constituição e <strong>de</strong>svio<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r legislativo. Novamente a argumentação não passa <strong>de</strong> um complexo<br />
<strong>de</strong> juízos <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e conveniência, inviáveis <strong>de</strong> exame na ação direta <strong>de</strong><br />
inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
34. Acerca do art. 11 e seus incisos II, III, IV, VI e VII 6 , que cuidam da<br />
competência do Conselho <strong>de</strong> Administração do Paranaeducação, a controvérsia<br />
já foi enfrentada quando examinei os arts. 1 º e 3 º, em que concluí pela inexistência<br />
<strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
6 “Art. 11. Ao Conselho <strong>de</strong> Administração compete:<br />
I – aprovar o seu Regimento Interno;<br />
II – fixar diretrizes <strong>de</strong> aplicação dos recursos da entida<strong>de</strong>, ad referendum do Governo do Estado do Paraná;<br />
III – sugerir, com base em levantamento técnico, o montante <strong>de</strong> recursos a serem colocados à<br />
disposição do Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação;<br />
IV – baixar normas <strong>de</strong> procedimentos e instruções complementares disciplinadoras da aplicação<br />
dos recursos financeiros internos e externos disponíveis;<br />
(...)<br />
VI – fixar condições <strong>de</strong> repasse dos empréstimos e subempréstimos aos beneficiários, quando couber;<br />
VII – <strong>de</strong>finir os critérios <strong>de</strong> utilização e repasse dos recursos a serem alocados para as diversas<br />
entida<strong>de</strong>s envolvidas no Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação.”
R.T.J. — <strong>204</strong> 547<br />
35. Igualmente não proce<strong>de</strong> a impugnação ao inciso III do § 2º do art. 15<br />
da norma em questão:<br />
Art. 15. (...)<br />
§ 1º (...)<br />
III – permitir à Diretoria Executiva estabelecer processo <strong>de</strong> compra <strong>de</strong> materiais e<br />
serviços mediante procedimentos licitatórios simplificados, observados os princípios inscritos<br />
nas Constituições e na legislação atinente em vigor, em especial a Lei Fe<strong>de</strong>ral 8.666/93, ou a<br />
que lhe vier suce<strong>de</strong>r, publicando as normas em Diário Oficial do Estado;<br />
36. À margem do <strong>de</strong>bate sobre a aplicabilida<strong>de</strong> das regras <strong>de</strong> concorrência<br />
na utilização <strong>de</strong> recursos públicos por tais entida<strong>de</strong>s, noto que a lei estadual prevê<br />
a exigência <strong>de</strong> processos licitatórios simplificados, garantindo, em tese, a observância<br />
à exigência constitucional <strong>de</strong> licitação pública para as obras, serviços,<br />
compras e alienações (CF, art. 37, XXI). No que diz respeito à eventual inobservância<br />
das regras gerais <strong>de</strong>finidas na Lei 8.666/93, é evi<strong>de</strong>nte que se resolve no<br />
campo da ilegalida<strong>de</strong>, e não da inconstitucionalida<strong>de</strong>. Tais atos, por outro lado,<br />
estão sujeitos ao controle e à fiscalização do Tribunal <strong>de</strong> Contas, que <strong>de</strong>verá verificar<br />
o cumprimento dos preceitos que regem a matéria.<br />
37. Passo ao exame dos incisos II e IV do mesmo § 1º do art. 15 da norma<br />
atacada, que têm a seguinte redação:<br />
Art. 15. (...)<br />
§ 1º (...)<br />
II – permitir à Diretoria Executiva capacida<strong>de</strong> para contratar, administrar e dispensar<br />
recursos humanos, inclusive para as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino e pesquisa geridas pelo Paranaeducação,<br />
sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), <strong>de</strong> forma a assegurar a preservação<br />
dos mais elevados e rigorosos padrões técnicos <strong>de</strong> seus planos, programas, projetos<br />
e ativida<strong>de</strong>s, bem como <strong>de</strong> seus produtos e serviços;<br />
(...)<br />
IV – fixar as condições <strong>de</strong> remuneração e <strong>de</strong> repasse <strong>de</strong> receitas financeiras da entida<strong>de</strong>.<br />
38. Não proce<strong>de</strong> a afirmação <strong>de</strong> ofensa ao art. 37, II, da Carta Fe<strong>de</strong>ral, tendo<br />
em vista que, conforme ficou salientado, os serviços sociais não integram a<br />
administração pública, a quem está en<strong>de</strong>reçada a norma constitucional. Somente<br />
a lei ou as normas internas po<strong>de</strong>m sujeitar os entes <strong>de</strong> cooperação à observância<br />
<strong>de</strong> contratar seus empregados mediante concurso público. Note-se que o § 1º do<br />
art. 15 da Lei paranaense <strong>de</strong>ixou expresso que o regime do pessoal obe<strong>de</strong>cerá aos<br />
princípios da legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>, razoabilida<strong>de</strong><br />
e economicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vendo-se enten<strong>de</strong>r que o dispositivo <strong>de</strong>corre da vonta<strong>de</strong><br />
do legislador, e não do art. 37 da Constituição. Enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outra forma seria admitir<br />
texto inócuo na legislação infraconstitucional, à qual não cabe impor o que<br />
a Constituição já impõe com eficácia plena, como é o caso.<br />
39. Quanto à afirmação <strong>de</strong> que a norma em apreço facilita a manipulação<br />
política para liberação <strong>de</strong> verbas e dispensa <strong>de</strong> professores em ano eleitoral,<br />
não aponta expressa ou implicitamente qualquer dispositivo em que possa acarretar<br />
a referida manipulação, esvaziando, assim, a possibilida<strong>de</strong> do exame <strong>de</strong><br />
constitucionalida<strong>de</strong> que se preten<strong>de</strong> ver exercido no âmbito da ação direta <strong>de</strong><br />
inconstitucionalida<strong>de</strong>.
548<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
40. No tocante ao § 1º do art. 16 e aos incisos I e VII do art. 17, que os<br />
Autores reputam incompatíveis com o art. 213 da Carta Fe<strong>de</strong>ral, não vislumbro<br />
mácula constitucional. Eis o teor dos dispositivos:<br />
Art. 16. (...)<br />
§ 1º O Paranaeducação encaminhará, anualmente, à Secretaria <strong>de</strong> Estado da Educação –<br />
SEED, que enviará à Assembléia Legislativa do Estado, até 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> cada ano, relatório<br />
circunstanciado sobre a execução <strong>de</strong> seus planos, programas, projetos, ativida<strong>de</strong>s, produtos<br />
e serviços, expressos em Planos <strong>de</strong> Ação Estratégica, nos Planos Anuais e Plurianuais e nos<br />
correspon<strong>de</strong>ntes orçamentos, com a prestação <strong>de</strong> contas dos recursos nele aplicados, a avaliação<br />
do andamento do Contrato <strong>de</strong> Gestão e as análises <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhos gerenciais cabíveis.<br />
Art. 17. Constituem receitas do Paranaeducação:<br />
I – dotações orçamentárias que lhe <strong>de</strong>stinar o Po<strong>de</strong>r Público estadual ou outras modalida<strong>de</strong>s<br />
governamentais, na forma do contrato <strong>de</strong> gestão;<br />
(...)<br />
VII – receitas provenientes <strong>de</strong> alienação <strong>de</strong> bens móveis e imóveis.<br />
41. Cuida-se aqui das fontes <strong>de</strong> receita da entida<strong>de</strong>, inerentes ao contrato <strong>de</strong><br />
gestão, bem como da prestação <strong>de</strong> contas dos recursos aplicados, matérias sobre<br />
as quais discorri ao apreciar a argüição <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 3º e 11<br />
da presente lei.<br />
42. A seguir, analiso a impugnação apresentada ao art. 18 e ao § 3º do art.<br />
19 da lei estadual, assim redigidos:<br />
Art. 18. As ações do Paranaeducação, compreen<strong>de</strong>ndo todas as ativida<strong>de</strong>s administrativas<br />
e técnicas relacionadas com planos, programas, projetos, produtos e serviços, <strong>de</strong> sua<br />
responsabilida<strong>de</strong>, serão exercidas e <strong>de</strong>sempenhadas por empregados regidos pela Consolidação<br />
das Leis do Trabalho – CLT e por terceiros, pessoas jurídicas ou físicas, observada a<br />
legislação em vigor.<br />
Art. 19. (...)<br />
§ 3º Os funcionários públicos estaduais, sob regime jurídico único, po<strong>de</strong>rão optar pelo<br />
novo regime <strong>de</strong> alterações <strong>de</strong> trabalho do Paranaeducação (...)<br />
43. Versam os dispositivos sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratação <strong>de</strong> pessoal<br />
sob o regime celetista, mediante certame seletivo, assim como a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
opção por esse regime pelos funcionários públicos estaduais. Alegam os Requerentes<br />
ofensa aos arts. 37 e seus incisos II e IX e 39, ambos da CF. Não vejo como<br />
acoimar as normas <strong>de</strong> inconstitucionais, em face da natureza jurídica <strong>de</strong> direito<br />
privado do Paranaeducação, e sobretudo porque – repita-se mais uma vez – o<br />
ente <strong>de</strong> cooperação não faz parte da administração.<br />
44. Por outro lado, a nova redação do art. 39 da Carta Fe<strong>de</strong>ral já não prevê<br />
a exigência <strong>de</strong> regime jurídico único, sendo inviável o exame <strong>de</strong> ato normativo<br />
abstrato da constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivo legal em face <strong>de</strong> texto constitucional<br />
revogado, conforme dito antes. Registro que a pendência <strong>de</strong> julgamento da ADI<br />
2.135, na qual se discute a conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivos da EC 19/98, em nada<br />
prejudica o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> do tema ora em <strong>de</strong>bate, dado que, <strong>de</strong> um modo ou <strong>de</strong> outro,<br />
prevalece a natureza privada da instituição.<br />
45. Passo ao exame do art. 22:<br />
Art. 22. Fica o Po<strong>de</strong>r Executivo autorizado a promover as alterações orçamentárias<br />
necessárias para o presente exercício, <strong>de</strong> forma a proporcionar cobertura orçamentária para os<br />
projetos e ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidos pelo Paranaeducação.
R.T.J. — <strong>204</strong> 549<br />
46. A norma autoriza o Po<strong>de</strong>r Executivo a promover as alterações orçamentárias<br />
necessárias aos projetos e ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidos pelo órgão<br />
instituído, não sendo possível vislumbrar qualquer afronta ao art. 213 da Constituição,<br />
visto que os recursos alocados são <strong>de</strong>stinados ao ensino <strong>de</strong> 1º e 2º grau do<br />
Estado, e não à entida<strong>de</strong> em si, que, segundo equivocadamente insinua a inicial,<br />
po<strong>de</strong>ria dispor <strong>de</strong> sua receita sem obrigação <strong>de</strong> prestar contas à administração.<br />
Ante essas circunstâncias, conheço em parte da ação, e nessa julgo improce<strong>de</strong>nte<br />
a ação.<br />
VOTO<br />
(Preliminar)<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, apenas para ressaltar:<br />
<strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> admitir a ação por não se enquadrar a Confe<strong>de</strong>ração no sistema sindical<br />
em si, já que constituída não por fe<strong>de</strong>rações, mas por sindicatos e associações.<br />
Relativamente à representação processual – que V. Exa. também consigna<br />
em seu voto como irregular –, continuo convencido <strong>de</strong> que o arcabouço normativo<br />
não exige a outorga <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res especiais para se propor ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
ou ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Não temos previsão<br />
no art. 38 do Código <strong>de</strong> Processo Civil, como também não a temos na própria<br />
Lei 9.868/99. Os arts. 3º e 4º, os parágrafos únicos <strong>de</strong>sses artigos, revelam simplesmente<br />
que <strong>de</strong>ve o Requerente da ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> juntar,<br />
com a inicial, o instrumento <strong>de</strong> mandato, sem cogitar, portanto, da outorga <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>res especiais. Basta que o mandato seja um cre<strong>de</strong>nciamento para a atuação<br />
no foro em geral.<br />
Com esse registro, acompanho o voto <strong>de</strong> V. Exa.<br />
DEBATE<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, a preocupação do Ministro Joaquim<br />
Barbosa é a minha, porque, na verda<strong>de</strong>, verificamos, pelo texto da lei, que<br />
há uma mesclagem, uma integração <strong>de</strong> uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado na<br />
administração pública.<br />
Preceitua o art. 1º:<br />
(...) orçamentários <strong>de</strong>stinados pelo Governo do Estado, bem como da captação e gerenciamento<br />
<strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> entes públicos e particulares nacionais e internacionais.<br />
No inciso I do art. 3º também se tem regência alusiva a “recursos <strong>de</strong> qualquer<br />
natureza <strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação, em consonância<br />
com as diretrizes programáticas do Governo do Estado”. Segue-se outro inciso,<br />
também tratando da mesclagem a que me referi, e vem o art. 6º a dispor que o<br />
Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação será o Superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sse órgão que, a meu<br />
ver, terá funções próprias da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Educação. E a composição<br />
do Conselho <strong>de</strong> Administração conta com a presença do Secretário <strong>de</strong> Estado da<br />
Educação, Secretário <strong>de</strong> Estado da Fazenda, Secretário <strong>de</strong> Estado do Planejamento
550<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
e Coor<strong>de</strong>nação-Geral, Secretário <strong>de</strong> Estado da Administração e Presi<strong>de</strong>nte do<br />
Conselho Estadual <strong>de</strong> Educação. Termina a lei por viabilizar aos servidores públicos<br />
a opção pelo quadro da entida<strong>de</strong> privada.<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Se o servidor quiser,<br />
se ele acha que é melhor, por que não po<strong>de</strong> entrar?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual é a similitu<strong>de</strong> do status daquele que<br />
está na administração pública, como servidor, e <strong>de</strong> quem atua como trabalhador<br />
em uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado? Há autorização, inclusive consi<strong>de</strong>rado<br />
o exercício em curso, para o remanejamento <strong>de</strong> verbas do orçamento público.<br />
Já tinha formado convencimento a respeito e fatalmente não me lembrarei<br />
mais dos parâmetros, em si, da controvérsia, quando vier à balha o processo. Por<br />
isso, quis adiantar, para <strong>de</strong>ixar, em notas taquigráficas, meu ponto <strong>de</strong> vista sobre<br />
a inconstitucionalida<strong>de</strong> da lei.<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Gostaria <strong>de</strong> dizer<br />
que, como citei no voto, a administração caminha para providências <strong>de</strong>ssa natureza.<br />
Imagine, V. Exa., o que é o Sara Kubitschek hoje. A diferença é gran<strong>de</strong><br />
porque lá a autogestão é total. O Estado transfere à entida<strong>de</strong> os recursos para<br />
administração. Hoje, é um exemplo no Brasil o Sara Kubitschek, pela eficiência<br />
e mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus serviços.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Diante da falência do Estado.<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Sim, sei. Mas estou<br />
dizendo que têm que ser observados esses parâmetros que existem da possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>legação <strong>de</strong>sses serviços a um órgão <strong>de</strong>ssa natureza, em face da própria<br />
dinâmica do mundo <strong>de</strong> hoje.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: São iniciativas louváveis, mas no caso se<br />
<strong>de</strong>nega todo sistema.<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): É muito interessante<br />
V. Exa. ter pedido vista porque, além do mais, há outro caso similar, do mesmo<br />
Estado, o Paranaprevidência, que guarda similitu<strong>de</strong> com esse. Está com o Ministro<br />
Sepúlveda Pertence para ser julgado.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, gostaria também <strong>de</strong><br />
adiantar minha preocupação a partir <strong>de</strong> uma consi<strong>de</strong>ração. Esses entes autônomos<br />
<strong>de</strong> serviço social po<strong>de</strong>m atuar fora da área constitucional da segurida<strong>de</strong> social?<br />
Ou seja, educação, saú<strong>de</strong> e assistência social não seriam os únicos espaços<br />
constitucionais <strong>de</strong> atuação reservada para os entes, ditos autônomos, <strong>de</strong> serviço<br />
social? Seria compatível com a natureza jurídica da educação uma atuação assim<br />
tão <strong>de</strong>sabrida?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Acho que o ônus é invertido, a indicar qual<br />
é o dispositivo que <strong>de</strong>termina que haja uma prestação <strong>de</strong> serviço direto. Pareceme<br />
que a pergunta está invertida. A rigor, temos que nos perguntar se existe na<br />
Constituição uma forma preconizada <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong>sses serviços.
R.T.J. — <strong>204</strong> 551<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: É um outro modo <strong>de</strong> perguntar. O resultado é<br />
o mesmo. A Constituição não já reservou para os serviços sociais um espaço <strong>de</strong><br />
atuação que é a área da segurida<strong>de</strong> social compreensiva <strong>de</strong> três setores: saú<strong>de</strong>,<br />
previdência social e assistência social? Jamais vi um ente <strong>de</strong> serviço social atuando<br />
na área educacional.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Esses órgãos todos do Sistema “S” não<br />
atuam complementarmente na área da educação? Ele não é profissional?<br />
Estamos tentando ver uma ontologia on<strong>de</strong> não existe.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vou mostrar com a própria Constituição.<br />
V. Exa. falou <strong>de</strong> trabalho. Promoção da integração ao mercado <strong>de</strong> trabalho<br />
é <strong>de</strong>finida pela Constituição como ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço social. Em matéria <strong>de</strong><br />
educação, é outro espaço normativo.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: São todos serviços do Estado. O Estado busca<br />
cumprir sua função, valendo-se <strong>de</strong> instrumentos eficientes ou mais eficientes do<br />
que os dos órgãos públicos tradicionais. Há, no sistema constitucional, alguma<br />
coisa que impeça isso?<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Parece-me que sim. Há um impedimento.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Seria preciso <strong>de</strong>scobrir na Constituição princípio<br />
ou norma que proíba esse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ao levantar a questão, já sugiro ao eminente Ministro<br />
Joaquim Barbosa que leve em conta esta pergunta: se é possível – à luz da<br />
Constituição – o Estado criar um ente privado <strong>de</strong> serviço social para transferir a ele...<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro Carlos Britto, o instituto da privatização<br />
é muito mais amplo.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, mas é diferente; é completamente diferente.<br />
Olha, eu vi, e V. Exa. <strong>de</strong>ve ter visto, Ministro Joaquim Barbosa, contrato <strong>de</strong><br />
gestão. Ora, contrato <strong>de</strong> gestão, por <strong>de</strong>finição constitucional – § 8º do art. 37 –,<br />
é um contrato endoadministrativo – só po<strong>de</strong> ser feito entre órgãos e entida<strong>de</strong>s da<br />
própria administração pública. O ente que está sendo criado é exógeno, não faz<br />
parte da administração pública.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Como é exógeno? Tanto não é que está<br />
sendo criado por lei.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, mas a lei po<strong>de</strong> criar algo fora; aliás, essa<br />
é outra pergunta.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Tanto é exógeno que a direção <strong>de</strong>sses<br />
entes está completamente alheia às limitações remuneratórias do serviço público.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Se fosse uma entida<strong>de</strong> privada típica, não<br />
estaria vinculada ao po<strong>de</strong>r estatal. Vamos aguardar o voto do Ministro Joaquim.<br />
Mas que não é um órgão exógeno, não é, porque se trata <strong>de</strong> uma lei estadual,<br />
<strong>de</strong>finindo todos os parâmetros.
552<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas, se a própria lei diz que ele não faz parte<br />
da administração pública, é exógeno, claro.<br />
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Prestação <strong>de</strong> contas<br />
ao Tribunal <strong>de</strong> Contas.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: É apenas uma forma administrativa.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas V. Exas. não perceberam? Não existe<br />
a obrigatorieda<strong>de</strong> do concurso público e a própria licitação é flexibilizada por<br />
normas singelas.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu entendo, Excelência, que essa forma <strong>de</strong><br />
colaboração é, também, endoadministrativa, necessariamente, <strong>de</strong> sorte a não po<strong>de</strong>r<br />
sangrar as barragens do próprio po<strong>de</strong>r público para <strong>de</strong>rramar na sua atuação pela<br />
iniciativa privada.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 1.864/PR — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Requerentes: Confe<strong>de</strong>ração<br />
Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE (Advogados:<br />
Juliana Alvarenga da Cunha e outros) e Partido dos Trabalhadores – PT (Advogados:<br />
José Antonio Dias Tofolli e outros). Requeridos: Governador do Estado<br />
do Paraná (Advogada: Márcia Dieguez Leuzinger) e Assembléia Legislativa do<br />
Estado do Paraná.<br />
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por <strong>de</strong>cisão unânime, não conheceu<br />
da ação com relação à Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em Educação<br />
(CNTE). No mérito, após o voto do Relator, Ministro Maurício Corrêa, Presi<strong>de</strong>nte,<br />
que conhecia, em parte, da ação e a julgava, nessa parte, improce<strong>de</strong>nte,<br />
pediu vista dos autos o Ministro Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente,<br />
os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Nelson Jobim. Presidência do<br />
Ministro Maurício Corrêa.<br />
Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros<br />
Celso <strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso,<br />
Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Haroldo<br />
Ferraz da Nóbrega.<br />
Brasília, 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004 — Luiz Tomimatsu, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>,<br />
com pedido <strong>de</strong> medida liminar, ajuizada pela Confe<strong>de</strong>ração Nacional<br />
dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pelo Partido dos Trabalhadores<br />
contra dispositivos da Lei 11.970, <strong>de</strong> 19-12-97, do Estado do Paraná, que criou<br />
o Paranaeducação, serviço social autônomo, <strong>de</strong>stinado a auxiliar na gestão do<br />
sistema estadual <strong>de</strong> educação.
R.T.J. — <strong>204</strong> 553<br />
A lei impugnada estabelece que “o ensino público, no Estado do Paraná,<br />
será administrado por uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, o que permitirá a<br />
quebra e relativização do regime <strong>de</strong> Direito Público ao qual <strong>de</strong>veria submeter-se<br />
integralmente”.<br />
Alegam os Requerentes que a referida norma viola a autonomia constitucional<br />
das entida<strong>de</strong>s públicas <strong>de</strong> ensino superior, pelo fato <strong>de</strong> as universida<strong>de</strong>s<br />
estaduais do Paraná integrarem o sistema estadual <strong>de</strong> educação, e que a atuação<br />
do Paranaeducação importará quebra <strong>de</strong>ssa garantia constitucional tanto em seu<br />
sentido didático-científico como no <strong>de</strong> gestão financeira, porque a competência<br />
<strong>de</strong> gerenciamento dos recursos fica a cargo <strong>de</strong>ssa entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado.<br />
Afirmam que “os recursos da educação necessariamente <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>stinados<br />
às escolas públicas” e que “apenas subsidiariamente, em caráter <strong>de</strong> exceção,<br />
admite-se a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong>sses recursos para outras entida<strong>de</strong>s” (fl. 25).<br />
Sustentam ainda que a lei impugnada (i) cria entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado;<br />
(ii) transfere para essa entida<strong>de</strong> competências tipicamente administrativas (tais<br />
como: o estabelecimento <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> educação, aplicação <strong>de</strong> recursos públicos,<br />
gerência financeira, fixação <strong>de</strong> planos e programas, etc.); e (iii) <strong>de</strong>termina que os<br />
Secretários <strong>de</strong> Estado responsáveis pelo exercício público <strong>de</strong>ssas competências<br />
serão os administradores das mesmas competências da entida<strong>de</strong> privada criada.<br />
A<strong>de</strong>mais, pon<strong>de</strong>ram que as mesmas competências que <strong>de</strong>veriam (e po<strong>de</strong>riam,<br />
satisfatoriamente) ser exercidas sob a égi<strong>de</strong> do direito público passam a ser<br />
exercidas sob o manto do direito privado, ainda que “mascarado” pela simples<br />
invocação formal dos princípios reitores da administração pública (fls. 26-27).<br />
Por fim, alegam que é inconstitucional o dispositivo que permite a compra<br />
e venda <strong>de</strong> materiais mediante procedimentos licitatórios simplificados, por violação<br />
do art. 37, XXI, da Constituição, bem como aquele relativo à contratação<br />
<strong>de</strong> profissionais e ao regime jurídico dos funcionários do Paranaeducaçâo, dispositivo<br />
esse que contraria a norma do art. 39 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, dado que,<br />
em se tratando <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado, o regime aplicável seria o celetista.<br />
O eminente Ministro Relator adotou o rito do art. 12 da Lei 9.868/99.<br />
Nas informações, a Assembléia Legislativa do Paraná manifestou-se pela<br />
constitucionalida<strong>de</strong> da norma atacada, afirmando que a instituição Paranaeducação<br />
guarda perfeita conformida<strong>de</strong> com os preceitos constitucionais, uma vez que<br />
se trata <strong>de</strong> órgão auxiliar que visa a tornar eficiente a educação no Estado do Paraná.<br />
Na mesma linha, o Governador do Estado requer a improcedência da ação.<br />
O Advogado-Geral da União, em preliminar, argüiu a irregularida<strong>de</strong> da representação<br />
dos Requerentes bem como a prejudicialida<strong>de</strong> da ação em virtu<strong>de</strong> da<br />
alteração do parâmetro <strong>de</strong> controle <strong>de</strong>corrente da Emenda Constitucional 19/98. No<br />
mérito, afirma que a criação do Paranaeducação é legítima, por retratar uma “nova<br />
concepção <strong>de</strong> Administração Pública <strong>de</strong>lineada pela Emenda Constitucional 19/98”.<br />
O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, em parecer da lavra do Professor Geraldo<br />
Brin<strong>de</strong>iro, opina preliminarmente pelo não-conhecimento da presente ação direta,<br />
em razão da ilegitimida<strong>de</strong> ativa da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores
554<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
em Educação, e, relativamente ao Partido dos Trabalhadores, ante a ausência <strong>de</strong><br />
instrumento procuratório com po<strong>de</strong>res específicos para impugnar a referida lei<br />
estadual. No mérito, afirma que a criação da entida<strong>de</strong> parestatal não visa à privatização<br />
do ensino no Estado do Paraná, “mas sim ao auxílio na prestação <strong>de</strong><br />
referido serviço. Com efeito, continua sendo a educação, um <strong>de</strong>ver do Estadomembro,<br />
não havendo, portanto, a alegada ofensa ao caput do art. 205 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral”.<br />
Em face da manifestação da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-<br />
Geral da República, o Ministro Relator <strong>de</strong>terminou que os Requerentes regularizassem<br />
os respectivos instrumentos procuratórios, o que foi efetivamente<br />
cumprido pelo Partido dos Trabalhadores (fl. 275).<br />
Na sessão plenária <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004, esta Corte, preliminarmente e<br />
por <strong>de</strong>cisão unânime, não conheceu da ação relativamente à Confe<strong>de</strong>ração Nacional<br />
dos Trabalhadores em Educação (CNTE).<br />
No mérito, o Ministro Relator proferiu seu voto pelo conhecimento em<br />
parte da ação e, nessa parte, por sua improcedência. Afirmou S. Exa., o Ministro<br />
Maurício Corrêa, que a “criação do Paranaeducação não promoveu a privatização<br />
da educação pública do Paraná, pois <strong>de</strong>stinou-se apenas a auxiliar os órgãos<br />
estatais, dirigidos pela Secretaria <strong>de</strong> Educação, na gestão do sistema educacional,<br />
objetivando proporcionar à socieda<strong>de</strong> padrões elevados <strong>de</strong> ensino”. Sustentou<br />
ainda que se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação legal <strong>de</strong> parcela da ativida<strong>de</strong> estatal, sem esvaziamento<br />
<strong>de</strong> sua competência constitucional, e que qualquer cidadão dispõe <strong>de</strong><br />
meios para coibir eventuais <strong>de</strong>smandos da entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>legatária, mediante ajuizamento<br />
<strong>de</strong> ação própria.<br />
S. Exa. afirmou também que a “possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerenciamentos das dotações<br />
orçamentárias não afasta a priorida<strong>de</strong> ao atendimento do ensino obrigatório,<br />
até porque este está sob responsabilida<strong>de</strong> da Secretaria Estadual <strong>de</strong> Educação, a<br />
quem a entida<strong>de</strong> privada em referência cumpre assistir. Por outro lado, o caput<br />
do art. 213 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral admite que os recursos públicos sejam direcionados<br />
a outras escolas que não as públicas, <strong>de</strong>finidas em lei. Descabe aqui<br />
valorizar a alusão à palavra escola, pois em verda<strong>de</strong> o que preten<strong>de</strong> a lei é que<br />
os recursos sejam canalizados prioritariamente ao ensino público, <strong>de</strong>le fazendo<br />
parte toda a estrutura que permite seu regular funcionamento. A entida<strong>de</strong> criada<br />
faz parte do estereótipo administrativo que viabiliza a escola pública, <strong>de</strong>stinatária<br />
da verba estatal, não sendo razoável preten<strong>de</strong>r equipará-la às escolas privadas a<br />
que alu<strong>de</strong> a parte final do art. 213 do referido dispositivo”.<br />
Após o voto do Ministro Maurício Corrêa, pedi vista dos autos, para melhor<br />
exame da matéria.<br />
Inicialmente cumpre observar que o sistema administrativo brasileiro vem<br />
evoluindo para comportar novas entida<strong>de</strong>s no seio da administração pública ou<br />
como suas auxiliares. Essa tendência, ainda recente em nosso or<strong>de</strong>namento, visa<br />
a propiciar maior eficiência da gestão pública e da participação da socieda<strong>de</strong> nos<br />
<strong>de</strong>stinos do País, em todas as esferas políticas. No entanto, essa abertura do mo-
R.T.J. — <strong>204</strong> 555<br />
<strong>de</strong>lo tradicional não po<strong>de</strong> significar o abandono <strong>de</strong> princípios básicos do direito<br />
público nem, muito menos, o <strong>de</strong>svirtuamento da atuação do Estado em setores <strong>de</strong><br />
evi<strong>de</strong>nte relevância social.<br />
Assim, a instituição, pelos membros da Fe<strong>de</strong>ração, <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s auxiliares<br />
da gestão pública <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados serviços <strong>de</strong>ve ser analisada com o rigor necessário<br />
à preservação do interesse público. Noutras palavras, sendo a educação um<br />
direito público subjetivo e serviço público essencial do Estado, qualquer entida<strong>de</strong><br />
que venha a interferir no sistema educacional dos Estados e Municípios <strong>de</strong>ve<br />
respeitar os princípios da administração pública.<br />
Por essa razão, e em face da modalida<strong>de</strong> escolhida pelo legislador estadual<br />
paranaense, é imprescindível verificar a natureza jurídica dos serviços sociais<br />
autônomos, para <strong>de</strong>limitar seu âmbito <strong>de</strong> atuação no sistema administrativo brasileiro,<br />
e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa natureza, para auxiliar<br />
na gestão da educação no âmbito do Estado.<br />
Segundo <strong>de</strong>fine Diogo Moreira <strong>de</strong> Figueiredo Neto (1997, p. 23-24) 7 , os<br />
serviços sociais autônomos,<br />
embora espécies do gênero paraestatal, tanto quanto os concessionários, os permissionários<br />
e os autorizatários <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> serviços públicos, são pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito<br />
privado, categorizadas como entes <strong>de</strong> colaboração, que atuam por <strong>de</strong>legação do Po<strong>de</strong>r Público<br />
em setores específicos da administração pública e não se encontram constitucionalmente incluídos<br />
na Administração Indireta. (Embora oficializados pelo Estado, eles não integram) nem<br />
a Administração Direta nem a Indireta, mesmo empregando recursos públicos provenientes <strong>de</strong><br />
contribuições parafiscais. (...) Os serviços sociais autônomos são pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito<br />
privado constituídas pelo Estado para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>legadas <strong>de</strong> interesse<br />
público ou social, sob o princípio da <strong>de</strong>scentralização por cooperação. (...) Os serviços sociais<br />
autônomos para atuarem como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação recebem uma <strong>de</strong>legação legal da<br />
entida<strong>de</strong> política matriz. Como se sabe, a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> serviço público po<strong>de</strong><br />
ser feita pela lei, pelo contrato administrativo, pelo ato administrativo complexo ou pelo ato<br />
administrativo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a ativida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>va ser necessariamente executada pelo Estado.<br />
Esse vínculo <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação é que motiva o controle finalístico da entida<strong>de</strong> privada <strong>de</strong>legatária.<br />
No mesmo sentido, é o magistério <strong>de</strong> Hely Lopes Meirelles (2003, p. 359) 8 :<br />
Os serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos<br />
profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições<br />
parafiscais. São entes parestatais, <strong>de</strong> cooperação com o Po<strong>de</strong>r Público, com administração<br />
e patrimônio próprios, revestindo a forma <strong>de</strong> instituições particulares convencionais<br />
(fundações, socieda<strong>de</strong>s civis ou associações) ou peculiares ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas incumbências<br />
estatutárias. (...) Estas instituições, embora oficializadas pelo Estado, não integram a<br />
Administração direta nem a indireta, mas trabalham lado a lado do Estado, sob seu amparo,<br />
cooperando nos setores, ativida<strong>de</strong>s e serviços que lhe são atribuídos, por consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong><br />
interesse específico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados beneficiários. Recebem, por isso, oficialização do Po<strong>de</strong>r<br />
Público e autorização legal para arrecadarem e utilizarem na sua manutenção contribuições<br />
parafiscais, quando não são subsidiadas diretamente por recursos orçamentários da entida<strong>de</strong> que<br />
7 FIGUEIREDO NETO, Diogo Moreira <strong>de</strong>. Serviços Sociais Autônomos. <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> Direito Administrativo.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 207, jan./mar. 1997.<br />
8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003.
556<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
as criou. Assim, os serviços sociais autônomos, como entes <strong>de</strong> cooperação, vicejam ao lado do<br />
Estado e sob seu amparo, mas sem subordinação hierárquica a qualquer autorida<strong>de</strong> pública,<br />
ficando apenas vinculados ao órgão estatal mais relacionado com suas ativida<strong>de</strong>s, para fins <strong>de</strong><br />
controle finalístico e prestação <strong>de</strong> contas dos dinheiros públicos recebidos para sua manutenção<br />
(Lei 2613/55, arts. 11 e 13; Dec.-Lei 200/67, art. 183; Decs. 74000/74 e 74296/74; CF,<br />
art. 70, parágrafo único).<br />
Não <strong>de</strong>stoa <strong>de</strong>sse entendimento o magistério da professora Maria Sylvia Di<br />
Pietro (2003, p. 416, grifei) 9 :<br />
Essas entida<strong>de</strong>s não prestam serviço público <strong>de</strong>legado pelo Estado, mas ativida<strong>de</strong><br />
privada <strong>de</strong> interesse público (serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso, são<br />
incentivadas pelo Po<strong>de</strong>r Público. A atuação estatal, no caso, é <strong>de</strong> fomento e não <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />
serviço público. Por outras palavras, a participação do Estado, no ato <strong>de</strong> criação, se <strong>de</strong>u para<br />
incentivar a iniciativa privada, mediante subvenção garantida por meio da instituição compulsória<br />
<strong>de</strong> contribuições parafiscais <strong>de</strong>stinadas especificamente a essa finalida<strong>de</strong>. Não se trata<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> que incumbisse ao Estado, como serviço público, e que ele transferisse para<br />
outra pessoa jurídica, por meio do instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização. Trata-se, isso sim, <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> interesse público que o Estado resolveu incentivar e subvencionar.<br />
Como se vê, os serviços sociais autônomos têm natureza jurídica muito<br />
específica, pois se <strong>de</strong>stinam à gestão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong> privada, a qual,<br />
em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesse público subjacente, recebe o incentivo do Estado.<br />
Noutras palavras, <strong>de</strong>stinam-se os serviços sociais autônomos a gerir e <strong>de</strong>senvolver<br />
ativida<strong>de</strong>s privadas, embora <strong>de</strong> algum modo incentivadas e fomentadas<br />
pelo Estado.<br />
Ora, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, a educação é ativida<strong>de</strong> essencialmente pública, <strong>de</strong><br />
interesse público e coletivo, embora a Constituição permita que entida<strong>de</strong>s privadas<br />
também atuem nessa área.<br />
Pedi vista dos autos porque, num primeiro exame, entendi que a instituição<br />
criada pela lei impugnada estaria substituindo a atuação do Estado na prestação<br />
do serviço público <strong>de</strong> educação, atribuição que lhe seria vedada, ante sua natureza<br />
<strong>de</strong> serviço social autônomo e, portanto, pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado.<br />
Entretanto, conforme se lê do art. 1º da lei ora analisada, o Paranaeducação<br />
é entida<strong>de</strong> instituída com o fim <strong>de</strong> “auxiliar na Gestão do Sistema Estadual<br />
<strong>de</strong> Educação”. O art. 3º da norma lista como finalida<strong>de</strong>s do instituto a prestação<br />
<strong>de</strong> apoio técnico, administrativo, financeiro e pedagógico (inciso II) bem como o<br />
suprimento e aperfeiçoamento dos recursos humanos, administrativos e financeiros<br />
(inciso IV) da Secretaria Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
Como se vê, o serviço social autônomo tem atuação paralela à da Secretaria<br />
<strong>de</strong> Educação e com esta coopera, <strong>de</strong> modo que não tenho por violada a norma do<br />
art. 205 da Carta da República, que consagra a educação como <strong>de</strong>ver do Estado.<br />
A<strong>de</strong>mais, a Constituição silencia a respeito da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong><br />
serviços sociais autônomos na área da educação. Mas uma interpretação sistemática<br />
do texto constitucional conduz ao entendimento <strong>de</strong> que a educação é um dos<br />
9 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003.
R.T.J. — <strong>204</strong> 557<br />
pilares do Estado <strong>de</strong> Direito e dos direitos sociais, consistindo em serviço público<br />
essencial a ser prestado pelo Estado, com a colaboração <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> e,<br />
portanto, também da iniciativa privada.<br />
O mo<strong>de</strong>rno direito administrativo também impõe uma reavaliação do sistema<br />
<strong>de</strong> cooperação entre as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito público e as <strong>de</strong> direito privado, na<br />
busca por um Estado mais eficiente, valorizando-se a participação da socieda<strong>de</strong><br />
civil no apoio das ativida<strong>de</strong>s estatais.<br />
Por essa razão, entendo que é compatível com a or<strong>de</strong>m constitucional a prestação<br />
do serviço educacional do Estado com a cooperação <strong>de</strong> entes <strong>de</strong> natureza<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado, como os serviços sociais autônomos. Não vislumbro,<br />
pois, mácula nos arts. 1º e 3º, II, IV e V, da Lei 11.970/97.<br />
Também não verifico, nos arts. 6º e 7º da Lei 11.970/97, violação à Constituição<br />
ou <strong>de</strong>svio do Po<strong>de</strong>r Legislativo, uma vez que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhada<br />
pelo serviço social autônomo criado é a <strong>de</strong> mero auxiliar da Secretaria <strong>de</strong><br />
Educação na execução da função pública. Não há, portanto, vedação para que<br />
a admi-nistração do instituto se dê sob o regramento do direito privado. Ao<br />
contrário, como ente paraestatal, a maior flexibilização na gerência do Paranaeducação,<br />
em razão também da incidência das normas <strong>de</strong> direito privado,<br />
leva a uma maior agilida<strong>de</strong> e eficiência na prestação do serviço ao qual está<br />
vinculado o instituto.<br />
Igualmente não prospera o argumento <strong>de</strong> que o art. 207 da Constituição<br />
estaria sendo violado pelas regras instituídas pela lei do Estado do Paraná, a qual<br />
limitaria a autonomia universitária, conforme bem posto pelo eminente Ministro<br />
Relator. Ocorre que, nos termos dos Decretos estatuais 1.411/92 e 1.102/87, <strong>de</strong><br />
fls. 179-195, as universida<strong>de</strong>s não estão ligadas à Secretaria Estadual <strong>de</strong> Educação,<br />
e sim à Secretaria <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> Tecnologia, <strong>de</strong> sorte que recebem recursos<br />
financeiros <strong>de</strong> dotações diferenciadas.<br />
O Autor sustenta que as regras inscritas no art. 15, § 1º e inciso III, da lei<br />
impugnada violam o princípio da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação, por exigirem a<br />
realização apenas <strong>de</strong> um procedimento simplificado <strong>de</strong> licitação para a compra<br />
<strong>de</strong> materiais e serviços.<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no art. 37, XXI, <strong>de</strong>termina a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> obediência<br />
aos procedimentos licitatórios para a administração pública direta e indireta<br />
<strong>de</strong> qualquer um dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos<br />
Municípios. A mesma regra não existe para as entida<strong>de</strong>s privadas que atuam em<br />
colaboração com a administração pública, como é o caso do Paranaeducação.<br />
Não se verifica vício <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> na norma que impõe à<br />
entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza privada obediência a procedimento simplificado <strong>de</strong> licitação,<br />
pois não há obrigatorieda<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong> que o procedimento seja<br />
obe<strong>de</strong>cido.
558<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Nesse sentido é a lição <strong>de</strong> Lucas Furtado (2001, p. 59) 10 . Diz ele que,<br />
em relação aos serviços sociais autônomos (Sesi, Sesc, Senac etc.), não mais se subordinam<br />
essas entida<strong>de</strong>s à Lei n° 8.666/93 (...). Essas entida<strong>de</strong>s que colaboram com o Estado,<br />
ainda que mantenham o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestar contas, estão <strong>de</strong>sobrigadas <strong>de</strong> seguir os critérios da<br />
Lei <strong>de</strong> Licitações. Deverão elaborar e publicar regulamentos próprios que <strong>de</strong>finirão as regras<br />
relativas aos contratos que venham a celebrar, <strong>de</strong>vendo ser observados apenas os princípios<br />
gerais da Administração Pública.<br />
Assim, tendo a norma <strong>de</strong>terminado que a entida<strong>de</strong> obe<strong>de</strong>ça aos princípios<br />
da administração pública da legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>,<br />
razoabilida<strong>de</strong> e economicida<strong>de</strong>, e tendo também submetido as contas do Paranaeducação<br />
ao controle do Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual, não vejo a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
apontada.<br />
Quanto à alegação <strong>de</strong> violação do disposto nos arts. 37, II, e 39 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, pela norma do art. 18 da lei impugnada, igualmente não prosperam<br />
os argumentos expostos na inicial.<br />
Com efeito, conforme já mencionado, o Paranaeducação tem natureza<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado. Assim, mesmo <strong>de</strong>sempenhando uma ativida<strong>de</strong> pública<br />
<strong>de</strong> cooperação na prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> educação, entendo que não está<br />
obrigado à contratação <strong>de</strong> funcionários sob o regime jurídico próprio dos servidores<br />
públicos. Desse modo, por ser pessoa <strong>de</strong> direito privado, po<strong>de</strong> contratar<br />
empregados sem a realização <strong>de</strong> concurso público e regidos pela Consolidação<br />
das Leis do Trabalho.<br />
Contudo, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, a lei impugnada não é inteiramente<br />
isenta <strong>de</strong> críticas.<br />
Em relação ao art. 19, § 3º, da Lei 11.970/97, que permite que os servidores<br />
estaduais da educação possam optar pelo regime celetista ao ingressarem nos<br />
quadros do Paranaeducação, entendo que há ofensa ao art. 39, caput, da Constituição,<br />
na redação anterior ao advento da Emenda Constitucional 19/98, e que<br />
estava em vigor à época da edição da lei impugnada. Isso porque a Constituição<br />
estabelecia a obrigatorieda<strong>de</strong> do regime jurídico único para os servidores públicos.<br />
Assim a permissão para a livre escolha do regime jurídico ao qual pertencer<br />
viola essa obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> filiação ao regime jurídico único.<br />
Ressalto que esta Corte, na sessão do dia 2-8-07, ao apreciar a ADI 2.135-<br />
MC, conce<strong>de</strong>u a liminar para suspen<strong>de</strong>r a vigência do art. 39, caput, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, em sua redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, restabelecendo<br />
a redação originária, vigente à época em que foi editada a lei objeto da<br />
presente ação.<br />
Por outro lado, a norma-programa <strong>de</strong> garantia da educação, traduzida no direito<br />
<strong>de</strong> acesso ao sistema educacional instituído pelo Estado, somente é passível<br />
<strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> mediante o provimento <strong>de</strong> fundos suficientes para a implementação<br />
dos equipamentos indispensáveis para a tarefa: não se garante educação sem<br />
que se contratem professores ou se construam escolas.<br />
10 FURTADO, Lucas. Curso <strong>de</strong> Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Atlas, 2001.
R.T.J. — <strong>204</strong> 559<br />
E é justamente em virtu<strong>de</strong> do enorme custo <strong>de</strong>mandado, da essencialida<strong>de</strong><br />
e imprescindibilida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento e aprimoramento<br />
da cidadania que se atribui ao Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> garantir o direito à educação,<br />
ressalvando-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboração da iniciativa privada nesse mister.<br />
Nesse sentido, é pertinente transcrever a lição <strong>de</strong> Celso Ribeiro Bastos<br />
(1998, p. 637) 11 :<br />
A educação brasileira, em suas diversas modalida<strong>de</strong>s e diferentes níveis, é custeada por<br />
recursos públicos. O financiamento se dá por meio dos órgãos, tanto da Administração direta<br />
como da indireta, pertencendo às esferas fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal, e também pelo setor<br />
privado, que mantém as escolas particulares por meio da cobrança <strong>de</strong> mensalida<strong>de</strong>s, por associações,<br />
como igrejas, o Senai, e por outras entida<strong>de</strong>s privadas.<br />
Sob esse enfoque, a lei paranaense retira do Estado parcela significativa da<br />
gerência dos recursos <strong>de</strong>stinados à educação e, por conseguinte, a responsabilida<strong>de</strong><br />
sobre as <strong>de</strong>cisões mais relevantes acerca da matéria, ao autorizar que uma<br />
entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza privada gerencie todos os recursos <strong>de</strong>stinados à educação.<br />
Com efeito, a Lei 11.970/97, que instituiu o Paranaeducação, <strong>de</strong>termina,<br />
no art. 3º, I, que compete a essa entida<strong>de</strong> “gerir os recursos <strong>de</strong> qualquer natureza<br />
<strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação, em consonância com as diretrizes<br />
programáticas do Governo do Estado”. O art. 11, IV, autoriza o instituto a<br />
“baixar normas <strong>de</strong> procedimentos e instruções complementares disciplinadoras<br />
da aplicação dos recursos financeiros internos e externos disponíveis”, e o inciso<br />
VII do mesmo artigo confere-lhe competência para <strong>de</strong>finir “os critérios <strong>de</strong> utilização<br />
e repasse dos recursos a serem alocados para as diversas entida<strong>de</strong>s envolvidas<br />
no Sistema Estadual <strong>de</strong> Educação”.<br />
Extrai-se <strong>de</strong>sses dispositivos que a lei atribui à entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado,<br />
<strong>de</strong> maneira ampla, sem restrições ou limitações, a gestão dos recursos financeiros<br />
do Estado <strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação. A norma possibilita<br />
ainda que a entida<strong>de</strong> exerça a gerência das verbas públicas, externas ao seu patrimônio,<br />
legitimando-a a tomar <strong>de</strong>cisões autônomas sobre sua aplicação. Em última<br />
análise, a norma impugnada autoriza que o Paranaeducação, sem a intervenção<br />
do po<strong>de</strong>r público, <strong>de</strong>cida, autonomamente, sobre a aplicação da verba <strong>de</strong>stinada<br />
à educação, inclusive verbas orçamentárias.<br />
Destaco que o caráter geral e abstrato dado às regras que tratam da utilização<br />
do dinheiro público, da lei ora impugnada, autoriza a entida<strong>de</strong> privada a gerir<br />
e tomar <strong>de</strong>cisões sobre mais recursos que aqueles que lhe foram <strong>de</strong>stinados na lei<br />
orçamentária estadual.<br />
Ocorre que o art. 205 da Constituição <strong>de</strong>termina, como já dito, que a educação<br />
é <strong>de</strong>ver do Estado e que a socieda<strong>de</strong> atuará como mera colaboradora em<br />
sua promoção. Assim, não po<strong>de</strong> o Paranaeducação, criado pela Lei estadual<br />
11.970/97, gerir a integralida<strong>de</strong> dos recursos <strong>de</strong>stinados à educação, sob pena <strong>de</strong><br />
o Estado estar abdicando <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>ver constitucional e transferindo a responsabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sua direção para uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cunho privado.<br />
11 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 8.
560<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (1998, p. 422) 12 assinalam que<br />
ao Po<strong>de</strong>r Público incumbe a difícil tarefa <strong>de</strong> oferecer e garantir a universalização e a<br />
boa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino para toda a população. Para que isso seja possível faz-se necessário<br />
um investimento eficaz no ensino fundamental e secundário (...). É preciso também que o<br />
Po<strong>de</strong>r Público ofereça um número <strong>de</strong> escolas razoável.<br />
Somente é possível ao Estado o <strong>de</strong>sempenho eficaz <strong>de</strong> seu papel no que<br />
toca à educação se estiver apto a <strong>de</strong>terminar a forma <strong>de</strong> alocação dos recursos<br />
orçamentários <strong>de</strong> que dispõe para tal ativida<strong>de</strong>. Se um ente revestido da natureza<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado <strong>de</strong>tém a prerrogativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a forma como os<br />
investimentos públicos ocorrerão, abre mão o Estado da prerrogativa que lhe é<br />
inerente, afrontando <strong>de</strong> forma direta o texto constitucional.<br />
Ao tratar <strong>de</strong> organizações sociais, entes <strong>de</strong> natureza <strong>de</strong> direito privado,<br />
como os serviços sociais autônomos aqui tratados, Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Mello (2004, p. 224) 13 ensina que<br />
os serviços trespassáveis a organizações sociais são serviços públicos insuscetíveis <strong>de</strong><br />
serem dados em concessão ou permissão. Logo, como sua prestação constitui um “<strong>de</strong>ver do<br />
Estado”, conforme os artigos citados (arts. 205, 206 e 208), este tem que prestá-lo diretamente.<br />
Não po<strong>de</strong> eximir-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhá-los, motivo pelo qual lhe é vedado esquivar-se <strong>de</strong>les e,<br />
pois, dos <strong>de</strong>veres constitucionais aludidos pela via transversa <strong>de</strong> “adjudicá-los” a organizações<br />
sociais. Segue-se que estas só po<strong>de</strong>riam existir complementarmente, ou sejam, sem que o Estado<br />
se <strong>de</strong>mita <strong>de</strong> encargos que a Constituição lhe irrogou.<br />
A assertiva é inteiramente aplicável aos serviços sociais autônomos, <strong>de</strong> que<br />
é exemplo o Paranaeducação, visto que, como ente auxiliar, somente lhe po<strong>de</strong><br />
ser conferida competência acessória na gestão dos recursos públicos da educação.<br />
Viola o or<strong>de</strong>namento jurídico constitucional a norma que amplia a competência<br />
dos entes auxiliares do Estado na administração dos recursos públicos para diminuir<br />
a ingerência do po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong> forma a afastá-la.<br />
Com essas consi<strong>de</strong>rações, peço licença para divergir do voto do ilustre<br />
Ministro Maurício Corrêa, a fim <strong>de</strong> dar interpretação conforme a Constituição<br />
às regras inscritas nos arts. 3º, I, e 11, IV e VII, da Lei 11.970/97 do Estado do<br />
Paraná, para que o Paranaeducação somente possa gerir os próprios recursos,<br />
inclusive as dotações orçamentárias que lhe <strong>de</strong>stinar o po<strong>de</strong>r público, e <strong>de</strong> acordo<br />
com as diretrizes programáticas traçadas pelo Po<strong>de</strong>r Executivo estadual, isto é,<br />
excluindo-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a Secretaria <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong>mitir-se <strong>de</strong> sua missão<br />
primária que é a <strong>de</strong> ter responsabilida<strong>de</strong> política da gestão total do sistema<br />
estadual <strong>de</strong> educação, responsabilida<strong>de</strong> essa que se <strong>de</strong>sdobra em responsabilida<strong>de</strong><br />
pela alocação e gestão dos recursos orçamentários <strong>de</strong>stinados à educação, e responsabilida<strong>de</strong><br />
administrativa pela condução <strong>de</strong> todo o sistema educacional.<br />
De todo o exposto, julgo proce<strong>de</strong>nte em parte a presente ação direta <strong>de</strong><br />
inconstitucionalida<strong>de</strong>, para <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 19, § 3º, da<br />
12 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São<br />
Paulo: Saraiva, 1998. v. 8.<br />
13 MELLO, Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros,<br />
2004.
R.T.J. — <strong>204</strong> 561<br />
Lei 11.970/97 do Estado do Paraná, bem como para dar interpretação conforme a<br />
Constituição ao art. 3º, I, e ao art. 11, incisos IV e VII, do mesmo diploma legal,<br />
<strong>de</strong> sorte a enten<strong>de</strong>r-se que as normas <strong>de</strong> procedimentos e os critérios <strong>de</strong> utilização<br />
e repasse <strong>de</strong> recursos financeiros a serem geridos pelo Paranaeducação po<strong>de</strong>m<br />
ter como objeto, unicamente, a parcela dos recursos formal e especificamente<br />
alocados ao Paranaeducação, não abrangendo, em nenhuma hipótese, a totalida<strong>de</strong><br />
dos recursos públicos <strong>de</strong>stinados à educação no Estado do Paraná.<br />
DEBATE<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, eu queria apenas que o<br />
Ministro Joaquim Barbosa me esclarecesse a respeito do art. 19, § 3º, o qual estou<br />
seguindo pela petição.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Isto é apenas o regime <strong>de</strong> trabalho?<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Um dispositivo ao qual foi dada interpretação<br />
conforme pelo Ministro Joaquim Barbosa, já que o Ministro Maurício Corrêa<br />
tinha encaminhado no sentido da improcedência. Parece-me que ele diz que a<br />
gestão teria que se restringir, inclusive, no que concerne ao pessoal e ao aspecto<br />
financeiro da própria entida<strong>de</strong>. Isso significa que, pelo § 3º do art. 19, o funcionário<br />
po<strong>de</strong> optar por trabalhar nessa entida<strong>de</strong> e optar por um regime diferenciado<br />
do servidor público.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Se a Ministra Cármen me permite, eu levantaria<br />
uma questão um pouco mais abrangente. Estou aqui coletivizando uma<br />
preocupação – não tenho nenhuma opinião <strong>de</strong>finitiva –, apenas, quero agitar uma<br />
idéia e compartilhá-la com os eminentes Ministros.<br />
Esse mo<strong>de</strong>lo institucional para a educação é criado pelo diploma legal agora<br />
adversado, é um mo<strong>de</strong>lo que se consubstancia numa pessoa jurídica <strong>de</strong> direito<br />
privado. Ele é compatível com a Constituição como um todo e, <strong>de</strong> modo especial,<br />
com o capítulo constitucional voltado para a educação. Vamos por partes: fora<br />
daquela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar empresas públicas e socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista<br />
com personalida<strong>de</strong> jurídica privada, art. 173, o Estado po<strong>de</strong> criar uma pessoa<br />
privada, totalmente privada? O art. 48, inciso XI, da Constituição fala da competência<br />
do Congresso Nacional, com a sanção do Presi<strong>de</strong>nte da República, para<br />
criar e extinguir ministérios e órgãos da administração pública. O substantivo<br />
“órgãos”, aqui, é pacificamente entendido como compreensivo <strong>de</strong> órgãos, propriamente,<br />
e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s. Mas <strong>de</strong> órgãos e entida<strong>de</strong>s, portanto, integrantes da<br />
administração pública. É possível o Estado criar uma pessoa totalmente privada<br />
fora <strong>de</strong>sse espectro da administração pública?<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quando o Tribunal firmou, antes que a<br />
consagrasse textos constitucionais posteriores, a natureza autárquica das fundações<br />
que vieram a se chamar fundações públicas, recordo-me que, em seu notável<br />
voto, no leading case, o Ministro Moreira Alves <strong>de</strong>ixou muito claro que aquilo<br />
não impedia a criação, pelo Estado, <strong>de</strong> fundação privada.
562<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Fora do âmbito da administração pública.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, uma fundação regida pelas normas<br />
<strong>de</strong> direito privado.<br />
Agora, quando se criasse, por lei, uma fundação para o exercício <strong>de</strong> função<br />
estatal típica, aí, sim, o que se teria é uma autarquia, ainda que imitando o mo<strong>de</strong>lo<br />
das fundações do Código Civil, mas sem o regime das fundações privadas.<br />
Embora fosse o obter dictum – porque, no caso, se enten<strong>de</strong>u que a fundação <strong>de</strong><br />
que se cogitava era uma fundação autárquica –, foi enfrentado o problema <strong>de</strong> que<br />
a tese não impedia que o Estado constituísse fundações tipicamente privadas.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Fundações. Seria uma exceção então? Fora do<br />
âmbito fundacional, não se admite que o Estado crie pessoa privada.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não era o que estava em discussão.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ainda partilhando com V. Exas. essas inquietações<br />
mentais, lembro-me <strong>de</strong> que a Constituição fala uma única vez <strong>de</strong> entida<strong>de</strong><br />
privada <strong>de</strong> serviço social, no art. 240, mas para dizer o que todo mundo já sabe:<br />
vinculada à ativida<strong>de</strong> sindical, ou seja, no âmbito da relação capital–trabalho.<br />
Aqui se está criando uma entida<strong>de</strong> privada do âmbito da educação e do ensino para<br />
atuar em paralelo com o Estado. Será que esse mo<strong>de</strong>lo institucional é compatível,<br />
também, com o capítulo constitucional <strong>de</strong>dicado à educação, à cultura e ao<br />
<strong>de</strong>sporto, sobretudo quando o art. 213, em tema <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> recursos públicos,<br />
transferências <strong>de</strong> serviços públicos, diz:<br />
Art. 213. Os recursos públicos serão <strong>de</strong>stinados às escolas públicas, po<strong>de</strong>ndo ser dirigidos<br />
a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, <strong>de</strong>finidas em lei, que: (...)<br />
Ora, a entida<strong>de</strong> que se está criando aqui não tem nada a ver com escola comunitária,<br />
confessional ou filantrópica, para receber recursos públicos <strong>de</strong>stinados às<br />
escolas públicas. Em suma, eu estou achando que essa lei – partilho com V. Exa.<br />
a preocupação – é totalmente inconstitucional, <strong>de</strong>la não escapa absolutamente<br />
nada, não se salva nada, porque o mo<strong>de</strong>lo institucional concebido é incompatível<br />
com a Constituição.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Aqui, há um outro dado: disse que seria paralela<br />
ao Estado, mas, na verda<strong>de</strong>, a composição <strong>de</strong>la, inclusive, sendo membros<br />
natos o Secretário da Educação e o Secretário da Fazenda...<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O que eu digo não é a inconstitucionalida<strong>de</strong>,<br />
Ministro Gilmar, é apenas que ela não seria uma entida<strong>de</strong> totalmente privada.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Duvidoso é que ela seja uma entida<strong>de</strong><br />
rigorosamente privada.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ela não po<strong>de</strong> ser pela composição. Ela vai<br />
gerir e <strong>de</strong>finir políticas públicas, baixar normas sobre políticas públicas da educação.<br />
É composta pelos membros do primeiro escalão do Estado e não é pública?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Sim, mas é o público não estatal.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas aqui é o público estatal, porque o Secretário<br />
da Educação e o Secretário da Fazenda compõem...
R.T.J. — <strong>204</strong> 563<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço social autônomo.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Porque hoje, em relação a<br />
esses serviços sociais mencionados, eles atuam no que diz respeito, por exemplo,<br />
à educação <strong>de</strong> caráter técnico ou profissional; na verda<strong>de</strong>, é a gran<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />
do Sesc, Senac e Senai; é a gran<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> educacional e tem uma participação<br />
estatal, é claro, inclusive quanto às contribuições.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas tem um fundamento constitucional<br />
diferenciado.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Quanto a isso, não há dúvida;<br />
mas estou a dizer, na verda<strong>de</strong>, que eles cumprem uma função eminente no que diz<br />
respeito à própria educação técnica, sem que haja sequer paralelismo por parte<br />
das ativida<strong>de</strong>s estatais diretas. Por outro lado, tenho a impressão <strong>de</strong> que o que<br />
se busca aqui é aquilo que discutimos na sessão anterior quanto à necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> algum mecanismo <strong>de</strong> flexibilização, algum mecanismo para estabelecer esta<br />
relação entre o mo<strong>de</strong>lo público ortodoxo e outro mo<strong>de</strong>lo. Parece-me que esta é<br />
a tentativa e a própria interpretação conforme, proposta pelo eminente Ministro<br />
Joaquim Barbosa, que tenta fazer esta compatibilização.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Entendo que este mo<strong>de</strong>lo está a meio caminho<br />
entre o sistema tradicional e o das organizações sociais que examinamos,<br />
está muito mais próximo do mo<strong>de</strong>lo tradicional do que o das organizações. A<br />
entida<strong>de</strong> é inteiramente controlada pelas autorida<strong>de</strong>s estaduais. O conselho é<br />
composto pelo Secretário da Educação, pelo Secretário da Fazenda, e todas as<br />
<strong>de</strong>cisões são tomadas a partir <strong>de</strong> diretrizes baixadas por essas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E a própria entida<strong>de</strong> adotará as diretrizes<br />
e as providências. É nessa parte que V. Exa. recuou e com a qual eu concordo.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Acho que a <strong>de</strong>cisão política tem que ser<br />
tomada pela Secretaria da Educação, pelo Estado, e não por essa entida<strong>de</strong>.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Quanto, portanto, ao art. 19?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Quanto ao art. 19, vejo um problema,<br />
esse meu voto está preparado há mais <strong>de</strong> dois anos, já não me lembrava <strong>de</strong> muita<br />
coisa. Temos aqui um problema em razão daquela <strong>de</strong>cisão da semana passada.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Daí a minha preocupação enorme, duplamente.<br />
Primeiro, porque o Regime Jurídico Único está com a sua vigência restabelecida,<br />
a eficácia, pelo menos, restabelecida em face da <strong>de</strong>cisão tomada aqui na<br />
última quinta-feira. E, por outro lado, porque, <strong>de</strong> toda sorte, os servidores públicos,<br />
aqui chamados <strong>de</strong> funcionários estaduais, ten<strong>de</strong>riam, portanto, a ter uma opção,<br />
que já não seria possível em face da <strong>de</strong>cisão tomada na última quinta-feira.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exatamente, se esse julgamento tivesse<br />
ocorrido uma semana antes daquela <strong>de</strong>cisão da semana passada, não haveria dúvida<br />
quanto à constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse dispositivo porque se trataria apenas <strong>de</strong><br />
uma opção do servidor por uma nova relação.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Essa questão quanto ao regime.
564<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Quanto ao regime, mas <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />
quinta-feira, nós restabelecemos a eficácia do art. 39.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Mas o que se enten<strong>de</strong> por<br />
opção?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O dispositivo diz que o servidor, funcionário<br />
público do setor <strong>de</strong> educação, po<strong>de</strong> optar pelo regime celetista, optar por<br />
integrar-se ao quadro do Paranaeducação.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Qualquer servidor?<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Com os servidores da educação, todos eles.<br />
De todo jeito, aqui, eu vislumbro a inconstitucionalida<strong>de</strong>. Como um servidor<br />
estatutário passa para um serviço social autônomo?<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, há uma interpenetração <strong>de</strong> quadros<br />
funcionais, para não dizer uma promiscuida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Opto pela inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />
dispositivo no estado atual do sistema constitucional.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Só se, na verda<strong>de</strong>, se produzisse<br />
uma interpretação conforme, na linha do que prescrito na Lei das Organizações<br />
Sociais, para ler a opção como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuar.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se se trata <strong>de</strong> uma pessoa jurídica <strong>de</strong><br />
Direito Privado, claramente quer dizer...<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ela não po<strong>de</strong>ria nem aproveitar o servidor,<br />
quanto mais o servidor fazer a opção pelo regime.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Tenho a impressão <strong>de</strong> que a passagem<br />
<strong>de</strong> um servidor estatutário para o regime celetista, que é um minus, digamos<br />
assim, seria possível; o inverso é que seria vedado, que é um plus.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Aí se tem a quebra da igualda<strong>de</strong> entre os<br />
servidores.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Isso ocorreu, no passado, com<br />
as antigas autarquias que passaram a empresas públicas.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: A característica do servidor público é que<br />
a<strong>de</strong>riu a um regime. Aqui, entrega-se ao servidor a opção pelo regime com o qual<br />
ele quer manter a sua relação com o Estado. Isso quebra totalmente o ambiente,<br />
a estrutura do Direito brasileiro. Quando entramos no serviço público, este fixa o<br />
regime; aqui, a pessoa entrou no regime, <strong>de</strong>pois ele opta e escolhe o regime pelo<br />
qual quer trabalhar.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Sim, mas essa é a observação<br />
do Ministro Lewandowski. Imaginemos que o servidor quisesse pedir a exoneração<br />
e se integrar a esse novo quadro.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Aí é outra coisa, porque o § 3º do art. 19 não<br />
afirma, absolutamente, que o servidor vai-se <strong>de</strong>svincular. Tanto que usa <strong>de</strong> uma<br />
palavra já não mais existente no Direito brasileiro: funcionário público estadual.
R.T.J. — <strong>204</strong> 565<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas eu propus uma questão prévia, uma priorida<strong>de</strong><br />
lógica. Esse mo<strong>de</strong>lo é compatível com a Constituição não só como um<br />
todo, mas, especificamente, com o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação que a Constituição concebeu,<br />
que é um mo<strong>de</strong>lo concentracionário. É o Estado, ele mesmo fazendo tudo.<br />
Quais as exceções que a Constituição abriu? Dizendo que o ensino é facultado<br />
à iniciativa privada, com aquelas duas exigências, e só se transfere recurso<br />
para a iniciativa privada com aquele rigor todo que acabei <strong>de</strong> ler. Então, é uma<br />
questão prévia que temos <strong>de</strong> discutir. O mo<strong>de</strong>lo institucional que está vigorando<br />
no Estado do Paraná aten<strong>de</strong> ao espectro constitucional, seja no âmbito mais geral,<br />
seja no âmbito específico da educação?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, se a Constituição permite ao po<strong>de</strong>r<br />
público <strong>de</strong>stinar recursos públicos para escolas privadas, a fortiori permite-o a<br />
um serviço autônomo controlado por ele, pre<strong>de</strong>stinado a auxiliar o exercício das<br />
suas funções institucionais.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas são duas leituras. Vou reler o texto: “os recursos<br />
públicos serão <strong>de</strong>stinados às escolas públicas.” Essa é a regra. A outra vem<br />
como exceção. Qual é a exceção? Que não comporta interpretação ampliativa.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por que se <strong>de</strong>stinam recursos públicos à escola<br />
pública? Porque está prestando um serviço público.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O Estado optou por esse mo<strong>de</strong>lo. E a Constituição<br />
optou por esse mo<strong>de</strong>lo.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Nesse caso, as escolas continuam<br />
públicas.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Continuam públicas, e a ativida<strong>de</strong> é pública.<br />
O regime, aqui, pelo menos formalmente <strong>de</strong>clarado da pessoa jurídica, que seria<br />
<strong>de</strong> Direito Privado, mas o exercício, que é <strong>de</strong> assistência...<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro Peluso, o art. 1º estabelece, exatamente,<br />
na linha do que expõe V. Exa.: “Fica instituído o Paranaeducação, pessoa<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auxiliar.” Ou seja, esse serviço<br />
público prestado diretamente não se alteraria e teria uma entida<strong>de</strong> exatamente na<br />
linha das novas entida<strong>de</strong>s do Direito Administrativo.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Uma entida<strong>de</strong> que pretensamente, embora<br />
servindo ao Estado, teria um regime jurídico <strong>de</strong> Direito Privado.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Afirma o partido autor que a característica<br />
<strong>de</strong> ser auxiliar seria só uma palavra na norma, porque, verda<strong>de</strong>iramente, ela estaria<br />
assumindo o serviço, e não auxiliando o Estado na prestação do serviço. Mas isso<br />
então não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>rivar dos termos da norma.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Há um complicador, essa instituição, essa entida<strong>de</strong><br />
privada, que está sendo criada por lei, está na própria lei caracterizada como<br />
serviço social autônomo. Entendo que, na Constituição, serviço social autônomo<br />
tem, também, uma <strong>de</strong>finição.
566<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Tenho a impressão <strong>de</strong> que vamos ficar num<br />
terreno puramente nominalista. Essas referências a regime <strong>de</strong> Direito Privado,<br />
nome <strong>de</strong> serviço social, isso não importa. O que importa é o mo<strong>de</strong>lo resultante <strong>de</strong><br />
todas as normas da lei; ele <strong>de</strong>limita e prevê competências, estabelece o tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>,<br />
etc. Agora, dar nome <strong>de</strong> serviço social autônomo ou dar outro nome não<br />
muda nada; o importante é verificar, no conjunto da lei, a estruturação do serviço.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas entida<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> serviço social autônomo<br />
é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, uma entida<strong>de</strong> vinculada ao sistema sindical, e tem matriz<br />
constitucional. Preocupo-me em abrir as porteiras, abrir as cancelas.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, esta lei diz que não é.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Cesteiro que faz um cesto faz um cento.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Nos últimos anos, foi criado, por exemplo,<br />
o Sebrae, que não é vinculado e tem esse mesmo figurino.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, mas o Sebrae atua no âmbito da relação<br />
econômica, capital e trabalho.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não se po<strong>de</strong> inibir o Estado <strong>de</strong> procurar outros<br />
canais, outros modos <strong>de</strong> atuação, nem adotar uma postura que lhe restrinja as ativida<strong>de</strong>s<br />
criativas que nascem da complexida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong>. Hoje nós estamos<br />
discutindo parcerias públicas e privadas, coisa que, há <strong>de</strong>z anos, não era pensável.<br />
Há uma série <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los que estão abertos. A socieda<strong>de</strong> está abrindo caminhos.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): O próprio mo<strong>de</strong>lo dos serviços<br />
sociais antece<strong>de</strong>ram qualquer <strong>de</strong>finição constitucional.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Aqui é mediante contrato <strong>de</strong> gestão, ele faz<br />
por essa lei.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Não, eu digo que os próprios serviços<br />
sociais autônomos antece<strong>de</strong>ram qualquer menção constitucional, na verda<strong>de</strong>.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, havia perguntado ao<br />
Ministro Joaquim Barbosa sobre o art. 19, porque, no mais, eu concordo com a<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> por ele reconhecida e a interpretação conforme quanto aos<br />
incisos do art. 3º.<br />
Quero saber quanto ao art. 19, § 3º.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É o que eu disse: estamos numa fase <strong>de</strong><br />
transição, <strong>de</strong>corrente da <strong>de</strong>cisão tomada naquela ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
da semana passada. Ou seja, nós ressuscitamos a obrigatorieda<strong>de</strong> do<br />
Regime Jurídico Único, não é?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: E essa norma foi editada quando vigorava o<br />
Regime Jurídico Único.
R.T.J. — <strong>204</strong> 567<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Essa não. Essa norma foi anterior, ela é<br />
<strong>de</strong> 1997.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E o art. 39 foi mudado pela Emenda Constitucional<br />
19, <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aliás, não teria sentido nenhum a redação que<br />
está aqui, se não estivesse em vigor o Regime Jurídico Único.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Então, isso não muda nada. Estamos na<br />
realida<strong>de</strong> do Regime Jurídico Único.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Porque a cautelar que <strong>de</strong>ferimos tem<br />
efeitos ex nunc; é preciso saber, então, se isto foi editado antes ou <strong>de</strong>pois.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Eu voto, como já disse, pela inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sse § 3º, que interfere, sobremaneira, no regime dos servidores<br />
públicos estaduais.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas pela inconstitucionalida<strong>de</strong>?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sim, do § 3º do art. 19.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Então, nesse sentido, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, acompanho<br />
o voto do Ministro Joaquim, portanto, em <strong>de</strong>savença com o do Ministro...<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): No que diz respeito, também,<br />
aos <strong>de</strong>mais?<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, quanto aos outros já me havia<br />
manifestado.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, concordo também<br />
que se está criando nessa lei uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, um ente<br />
<strong>de</strong> cooperação com o Estado, sem que este integre a administração direta nem<br />
indireta <strong>de</strong>sse mesmo Estado.<br />
Quero também associar-me à duvida levantada pelo Ministro Carlos Britto,<br />
não com relação à compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão com a Constituição,<br />
porque tenho a impressão <strong>de</strong> que as discussões que travamos em assentada anterior,<br />
com relação às OSCIP, <strong>de</strong>ixaram muito claro que temos <strong>de</strong> buscar uma nova<br />
forma <strong>de</strong> gestão, saindo dos mol<strong>de</strong>s ortodoxos, pelos quais sempre se encarou a<br />
prestação <strong>de</strong> serviços públicos.<br />
Nesse sentido, em se tratando <strong>de</strong> pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado que<br />
colabora com o Estado, e com as limitações que o eminente Ministro Joaquim<br />
Barbosa coloca no sentido <strong>de</strong> dar uma interpretação conforme à Constituição – ao<br />
dizer que a gestão <strong>de</strong> recursos diz respeito exclusivamente aos recursos que são<br />
alocados a essa entida<strong>de</strong> –, concordo, então, com o Ministro Joaquim Barbosa.
568<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Volto à dúvida levantada pelo eminente Ministro Carlos Britto no que tange<br />
exatamente a essa questão terminológica que, data venia, parece-me relevante.<br />
Se sufragarmos inteiramente a constitucionalida<strong>de</strong> do art. 1º <strong>de</strong>sta Lei, nós estaremos<br />
dando o aval do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para que os Estados possam<br />
criar essas entida<strong>de</strong>s que são serviços sociais autônomos, sem estarem vinculados<br />
à relação capital-trabalho. Isso é uma <strong>de</strong>cisão importante. É preciso saber se<br />
a Constituição autoriza que um Estado-membro da Fe<strong>de</strong>ração, por lei local, crie<br />
uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa natureza fora <strong>de</strong>sse contexto.<br />
Creio, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, tratar-se mais <strong>de</strong> uma fundação pública do que <strong>de</strong><br />
uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço social autônomo, propriamente dito.<br />
Então, manifesto a minha reserva quanto a esse aspecto.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Se V. Exa. me permite, entendo<br />
que, aparentemente, o legislador estadual está em busca <strong>de</strong> um nome para um<br />
mo<strong>de</strong>lo institucional, como as OS, quer dizer, buscando por símile algum tipo <strong>de</strong><br />
aproximação. E o que o Ministro Joaquim Barbosa acabou por fazer foi trazer<br />
interpretação conforme que ajustasse os princípios a essas preocupações, inclusive<br />
quanto à aplicação das competências, às finalida<strong>de</strong>s públicas, e à questão <strong>de</strong><br />
aplicação <strong>de</strong> verbas públicas.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Realmente, consignar que a lei estadual<br />
po<strong>de</strong> criar um serviço social autônomo traz conseqüências. Por exemplo, as<br />
verbas que são aportadas para essa entida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m vir não apenas do orçamento,<br />
mas também <strong>de</strong> contribuições parafiscais. Portanto, há conseqüências <strong>de</strong> natureza<br />
tributária. Por isso manifesto reservas nesse aspecto.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Está claro. Apenas digo que,<br />
neste caso específico, a própria interpretação conforme encaminhada pelo Ministro<br />
acaba por dizer que este é um serviço social autônomo, ma non troppo.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sui generis.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, a dificulda<strong>de</strong> aqui é por<br />
não ser serviço social; é serviço público.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Até porque, por exemplo, contribuições<br />
parafiscais, no âmbito estadual, não teriam esse po<strong>de</strong>r.<br />
Veja que temos, aqui, amarras institucionais muito claras em relação à reprodução<br />
do mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Aqui não é serviço social, é serviço público.<br />
Valeu-se <strong>de</strong> um rótulo que não cabe na composição normativa feita.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): É a tentativa <strong>de</strong> esboçar uma<br />
idéia.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: De criar, e nisso eles se valeram <strong>de</strong> um<br />
nome que não cabe aqui.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Por isso a interpretação conforme<br />
resolve o problema.
R.T.J. — <strong>204</strong> 569<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Na verda<strong>de</strong>, o art. 1º po<strong>de</strong>ria dizer<br />
simplesmente “pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, sem fins lucrativos, <strong>de</strong> interesse<br />
coletivo, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auxiliar”, expurgando-se do texto exatamente essa<br />
expressão – serviço social autônomo –, o que causou certa perplexida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Vamos registrar, <strong>de</strong> qualquer<br />
forma, a ressalva.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, aqui penso ser <strong>de</strong><br />
bom alvitre <strong>de</strong>clararmos esse art. 19 inconstitucional também, em que pese a minha<br />
manifestação anterior, porque essa passagem <strong>de</strong> servidores da administração<br />
direta para essa entida<strong>de</strong> privada é complicado.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: É tanta coisa estranha nessa lei! O Secretário<br />
<strong>de</strong> Educação é membro nato, mas não tem direito a voto. Quer dizer, quem mais<br />
enten<strong>de</strong> do assunto não tem direito a voto. Está aqui no art. 6º: “É membro nato<br />
do Conselho <strong>de</strong> cujas reuniões participará sem direito a voto.”<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O Ministro Peluso disse uma coisa certa: o<br />
nomem juris não tem a menor importância. O rótulo não tem importância.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ele é o superinten<strong>de</strong>nte, ou seja, exerce<br />
um cargo executivo, não po<strong>de</strong> participar do Conselho com direito a voto.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Em compensação, o Secretário da Fazenda,<br />
que tem a chave do cofre do Estado, participa e tem direito <strong>de</strong> voto.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Porque ele é gerente do mo<strong>de</strong>lo.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />
não tem voto no Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Aqui não está dito quem compõe o Conselho,<br />
só diz quem são os membros natos. E aí mora o perigo, isto é, o próprio Estado<br />
po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o controle do Conselho.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, todos os Po<strong>de</strong>res do Estado estão assegurados<br />
e garantidos na lei, não há risco quanto a isso.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Estou vendo tanta esquisitice aqui nesta lei!<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Membros natos aí tem o sentido <strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r a investidura <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>signação.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É automático. Não precisa nada.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, até compreendo, realmente,<br />
as preocupações do Ministro Carlos Britto <strong>de</strong> autorizarmos, <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong><br />
caráter absoluto, aventuras legislativas, etc. Mas, neste caso, volto àquilo que<br />
afirmei, agora, <strong>de</strong> certo modo, corroborado pelos Ministros Gilmar Men<strong>de</strong>s e<br />
Joaquim Barbosa, no sentido <strong>de</strong> que, na verda<strong>de</strong>, estamos discutindo aqui questões<br />
puramente nominais. Interessa apenas que, no sistema, po<strong>de</strong>mos até dizer que não
570<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
é estritamente uma pessoa <strong>de</strong> direito privado; e parece que não po<strong>de</strong> sê-lo, porque,<br />
com membros natos <strong>de</strong> todas as secretarias, superinten<strong>de</strong>ntes, enfim, diretrizes<br />
do Estado, po<strong>de</strong>mos até questionar esse ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> o regime jurídico<br />
ser estritamente <strong>de</strong> direito privado.<br />
Com essa ressalva <strong>de</strong> que os nomes em si não me parecem relevantes no<br />
caso, porque <strong>de</strong>les não resulta nenhuma conseqüência <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>,<br />
eu acompanho inteiramente o voto, sobretudo agora, do Ministro Joaquim Barbosa,<br />
que acaba <strong>de</strong> rematar o quadro <strong>de</strong> garantias do Estado quanto ao governo<br />
<strong>de</strong>sse serviço; e <strong>de</strong>claro, também, a inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 19, porque fere<br />
a redação do art. 39, parágrafo único, da época em que foi editado. Se era então<br />
obrigatório o Regime Jurídico Único, não se podia, mediante essa norma, permitir<br />
que os funcionários públicos optassem por outro regime que não fosse o<br />
Único. Então, também <strong>de</strong>claro a inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 19, § 3º.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, a meu ver, sob a minha óptica, só<br />
a <strong>de</strong>nominação da pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado – e a natureza está no art. 1º –<br />
é merecedora <strong>de</strong> aplauso: Paranaeducação.<br />
No mais, com a <strong>de</strong>vida vênia, o que estipulado nessa lei conflita com o<br />
sistema constitucional. Versa sobre serviço público essencial que a Carta Fe<strong>de</strong>ral,<br />
pedagogicamente, principalmente no tocante ao ensino fundamental, revela como<br />
<strong>de</strong>ver do Estado, implicando, então, mesclagem nefasta. Nada surge sem uma<br />
causa! Tem-se, no caso, que público e privado foram mesclados. Com isso, tudo<br />
passa à administração <strong>de</strong> uma pessoa apontada em lei como <strong>de</strong> direito privado.<br />
A <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> recursos públicos orçamentários será gerida por essa pessoa<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado quanto, repito, a serviço público essencial, que gera<br />
um direito público subjetivo. Haverá a gerência <strong>de</strong>sses recursos sem as cautelas<br />
próprias geralmente observadas quando se faz em jogo a coisa pública. Surge,<br />
por exemplo, que essa empresa, relativamente às contratações, não estará submetida<br />
– muito embora li<strong>de</strong> com dinheiro público – à Lei <strong>de</strong> Licitações. A lei prevê<br />
expressamente que o po<strong>de</strong>r público – conforme já ressaltei – <strong>de</strong>stinará dotações<br />
orçamentárias a essa pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, permitindo-se à diretoria<br />
executiva estabelecer os critérios <strong>de</strong> compra, em licitação simplificada que não<br />
está <strong>de</strong>finida.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Se V. Exa. me permite, ela também admite fixar<br />
as condições <strong>de</strong> remuneração e <strong>de</strong> repasse <strong>de</strong> receitas financeiras da entida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual seria o objetivo? Vislumbro-o oculto,<br />
implícito, <strong>de</strong> driblar as exigências normativas próprias à atuação da administração<br />
pública. Hoje se tem, em área geográfica limitada – o Estado do Paraná –, a<br />
transferência praticamente linear <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> pública para o setor privado. Amanhã<br />
isso ocorrerá, no campo sensível da Educação, em outros Estados, quem sabe<br />
alcançando os <strong>de</strong>mais serviços públicos essenciais.
R.T.J. — <strong>204</strong> 571<br />
Peço vênia para enten<strong>de</strong>r que o Estado existe e <strong>de</strong>ve continuar a existir.<br />
Não po<strong>de</strong> haver, pela vonta<strong>de</strong> dos representantes do povo – os <strong>de</strong>putados, na área<br />
estadual –, o <strong>de</strong>slocamento versado na lei em exame quando se trata <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />
precípua.<br />
Acompanho o Ministro Carlos Ayres Britto e concluo – porque, por exemplo,<br />
sem o repasse <strong>de</strong> recursos orçamentários, essa entida<strong>de</strong> não subsiste – pela<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> total da lei.<br />
O mais interessante é que se cria uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado e se<br />
estabelece, na lei, um conselho <strong>de</strong> administração integrado por agentes públicos:<br />
o Secretário <strong>de</strong> Estado da Educação, o Secretário <strong>de</strong> Estado da Fazenda, o Secretário<br />
<strong>de</strong> Estado do Planejamento e Coor<strong>de</strong>nação-Geral, o Secretário <strong>de</strong> Estado da<br />
Administração e Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Estadual <strong>de</strong> Educação.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por isso mesmo me indago se a diferença<br />
entre esse ser piran<strong>de</strong>lliano que estamos a examinar, embora em relação às<br />
organizações sociais – que enten<strong>de</strong>mos constitucional –, não estará exatamente<br />
nesse absoluto controle estatal.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Procura-se uma flexibilização.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exatamente. Ele está muito aquém das<br />
organizações sociais.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aliás, o Advogado-Geral da União substituto<br />
<strong>de</strong> então lembrou bem o Decreto 371/91, que instituiu a Associação das Pioneiras<br />
Sociais, que, na área da saú<strong>de</strong>, tinha o mesmo mo<strong>de</strong>lo da instituição na educação.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A diferença é que, aí, o controle estatal<br />
é mais direto.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exato.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Sim, porque as autorida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>finidoras <strong>de</strong> políticas públicas estão aqui.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É mais direto. Havia a autorização para receber<br />
verbas públicas; podia contratar sob o regime <strong>de</strong> consolidação; recebia o dinheiro<br />
<strong>de</strong> outros órgãos e entida<strong>de</strong>s governamentais, etc.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Com dotação orçamentária obrigatória.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. E mais: a lei, inclusive, prevê o<br />
controle da instituição tanto pela Assembléia Legislativa quanto pelo Tribunal<br />
<strong>de</strong> Contas.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Con<strong>de</strong>namos por ser privada uma instituição<br />
que, na verda<strong>de</strong>, só tem o caráter privado no art. 1º.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas com a dispensa da licitação, com o afastamento<br />
<strong>de</strong> exigências próprias à administração pública. Esse é o objeto da norma.<br />
Perdoem-me, mas isso é um drible. Não se quer a submissão às regras rígidas do<br />
sistema público.
572<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Quanto mais leio, mais me espanto. Trago<br />
aqui o inciso I do art. 3º:<br />
Art. 3º (...)<br />
I – gerir os recursos <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>de</strong>stinados ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação,<br />
em consonância com as diretrizes programáticas do Governo do Estado.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Em última análise, preten<strong>de</strong>-se privatizar o<br />
próprio Estado.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não. Essa questão foi objeto <strong>de</strong> restrição<br />
no meu voto.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Votamos nos termos do voto do Ministro<br />
Joaquim Barbosa.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Qual a restrição, Excelência?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Restrição no sentido <strong>de</strong> que só po<strong>de</strong>rá gerir<br />
os recursos especificamente alocados a ele – não é todo e qualquer recurso –,<br />
segundo as diretrizes fixadas pelo po<strong>de</strong>r público. Ou seja, apenas executará as<br />
diretrizes.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Também me manifesto no<br />
sentido do voto do Ministro Joaquim Barbosa. Na verda<strong>de</strong>, o eminente Relator,<br />
Ministro Maurício Corrêa, julgava totalmente improce<strong>de</strong>nte a ação.<br />
Este é um caso até curioso. O Ministro Peluso lembrava há pouco que,<br />
antes <strong>de</strong> o Tribunal <strong>de</strong>finir em sentido outro essa jurisprudência, o Relator apresentava<br />
o entendimento <strong>de</strong> que a Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em<br />
Educação “não <strong>de</strong>tém legitimida<strong>de</strong> ativa ad causam, visto que integrada, na forma<br />
<strong>de</strong> seu estatuto (art. 3º – fl. 51), por sindicatos e associações <strong>de</strong> classe, e não por<br />
fe<strong>de</strong>rações”.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essa preliminar foi <strong>de</strong>cidida em 12 <strong>de</strong> abril.<br />
Em 18 <strong>de</strong> agosto, com o voto <strong>de</strong> V. Exa., na ADI 3.153, o Tribunal, textualmente<br />
– está, inclusive, na ementa –, mudou a jurisprudência. Creio que agora<br />
não po<strong>de</strong>ríamos ratificar o acolhimento <strong>de</strong>ssa preliminar, porque criaríamos uma<br />
incerteza. Como o julgamento ainda não terminou, po<strong>de</strong>ríamos rever a questão,<br />
para ajustar a postura superveniente da Corte.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): No caso, porém, haveria o<br />
voto <strong>de</strong> outros.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: São muitos?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Aqueles que não votaram.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há ações diretas <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
arquivadas, não conhecidas, etc.
R.T.J. — <strong>204</strong> 573<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Neste caso, apenas o Relator, Ministro<br />
Maurício Corrêa, havia votado.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Essa questão foi votada.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exato.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, mas para os fins <strong>de</strong> não conhecer.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Está precluso.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Então, é melhor não.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E as que só tinham uma associação <strong>de</strong><br />
associações e por isso não foram conhecidas? Elas po<strong>de</strong>riam reviver agora?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pelo menos que o Relator não dê muita atenção<br />
a isso!<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Po<strong>de</strong>-se não enfatizar a questão,<br />
até porque a matéria já está superada, ou <strong>de</strong>ixar em obter dictum.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>ixar especificado na ementa.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Só uma lembrança: o Ministro<br />
Joaquim Barbosa acabará como Relator, quanto à legitimida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Legitimida<strong>de</strong> da Confe<strong>de</strong>ração.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Porque, <strong>de</strong>pois, o Tribunal<br />
evoluiu para enten<strong>de</strong>r que essa composição não comprometia a legitimida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas na ementa, po<strong>de</strong>ria consignarse<br />
que a Requerente foi julgada ilegítima na conformida<strong>de</strong> da jurisprudência<br />
então dominante.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Basta especificar a data em que tomada<br />
a <strong>de</strong>cisão.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Também encaminho o meu<br />
voto no sentido da manifestação do Ministro Joaquim Barbosa, inclusive no que<br />
diz respeito ao art. 19, § 3º, na linha da lembrança suscitada aqui pela Ministra<br />
Cármen Lúcia.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 1.864/PR — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Relator para o<br />
acórdão: Ministro Joaquim Barbosa. Requerentes: Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos<br />
Trabalhadores em Educação – CNTE (Advogados: Juliana Alvarenga da Cunha<br />
e outros) e Partido dos Trabalhadores – PT (Advogados: Luiz Alberto dos Santos<br />
e outros). Requeridos: Governador do Estado do Paraná (Advogada: Márcia Dieguez<br />
Leuzinger) e Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.<br />
Decisão: Renovado o pedido <strong>de</strong> vista do Ministro Joaquim Barbosa, justificadamente,<br />
nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 2003. Presidência, em exercício, do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presi<strong>de</strong>nte.<br />
Plenário, 2-6-04.
574<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improce<strong>de</strong>nte a ação direta em<br />
relação às disposições impugnadas, exceto quanto ao art. 3º, inciso I; ao art. 11,<br />
incisos IV e VII; e ao art. 19, § 3º, todos da Lei 11.970/97 do Estado do Paraná,<br />
vencidos os Ministros Maurício Corrêa (Relator), que a julgava totalmente<br />
improce<strong>de</strong>nte, e os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que a julgavam totalmente<br />
proce<strong>de</strong>nte. Votou o Presi<strong>de</strong>nte. Lavrará o acórdão o Ministro Joaquim<br />
Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello, Eros Grau e,<br />
neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte). Presidiu o julgamento o<br />
Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Vice-Presi<strong>de</strong>nte).<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />
Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />
Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da<br />
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 575<br />
MEDIDA CAUTELAR NA<br />
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.923 — DF<br />
Relator: O Sr. Ministro Ilmar Galvão<br />
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Eros Grau (art. 38, IV, b, do RI<strong>STF</strong>)<br />
Requerentes: Partido dos Trabalhadores – PT e Partido Democrático<br />
Trabalhista – PDT — Requeridos: Presi<strong>de</strong>nte da República e Congresso Nacional<br />
Medida cautelar em ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Lei 9.637, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998. Qualificação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como<br />
organizações sociais. Inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666, <strong>de</strong> 21<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, com a redação conferida pela Lei 9.648, <strong>de</strong> 27<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998. Dispensa <strong>de</strong> licitação. Alegação <strong>de</strong> afronta ao<br />
disposto nos arts. 5º; 22; 23; 37; 40; 49; 70; 71; 74, § 1º e 2º; 129;<br />
169, § 1º; 175, caput; 194; 196; 197; 199, § 1º; 205; 206; 208, § 1º<br />
e § 2º; 211, § 1º; 213; 215, caput; 216; 218, § 1º, § 2º, § 3º e § 5º;<br />
225, § 1º; e 209. In<strong>de</strong>ferimento da medida cautelar em razão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scaracterização do periculum in mora.<br />
1. Organizações sociais – pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado,<br />
sem fins lucrativos, direcionadas ao exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
referentes a ensino, pesquisa científica, <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura<br />
e saú<strong>de</strong>.<br />
2. Afastamento, no caso, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida cautelar, do exame<br />
das razões atinentes ao fumus boni iuris. O periculum in mora<br />
não resulta no caso caracterizado, seja mercê do transcurso do<br />
tempo – os atos normativos impugnados foram publicados em<br />
1998 –, seja porque, no exame do mérito, po<strong>de</strong>r-se-á modular<br />
efeitos do que vier a ser <strong>de</strong>cidido, inclusive com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
sentença aditiva.<br />
3. Circunstâncias que não justificariam a concessão do pedido<br />
liminar.<br />
4. Medida cautelar in<strong>de</strong>ferida.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria <strong>de</strong><br />
votos, in<strong>de</strong>ferir a cautelar.<br />
Brasília, 1º <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Eros Grau, Relator para o acórdão.
576<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Ação que tem por objeto a Lei 9.637, <strong>de</strong> 15-<br />
5-98, e o inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666, <strong>de</strong> 21-6-93, com a redação dada<br />
pela Lei 9.648, <strong>de</strong> 27-5-98, que prevêem e regulam a qualificação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> direito privado como organizações sociais.<br />
Sustentam os Autores, em resumo, que as normas contidas nos textos impugnados<br />
outro objetivo não tiveram senão possibilitar a transferência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>senvolvidas por autarquias e fundações <strong>de</strong> direito público dirigidas ao ensino,<br />
à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, à proteção e preservação<br />
do meio ambiente, à cultura e à saú<strong>de</strong>, para entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado,<br />
<strong>de</strong>nominadas “organizações sociais”, figura inédita no direito brasileiro, com<br />
formato <strong>de</strong> “entida<strong>de</strong> pública não estatal”, mas mantidas com recursos públicos;<br />
processando-se a transferência mediante a extinção da entida<strong>de</strong> pública e a cessão<br />
<strong>de</strong> seu patrimônio, servidores e dotações orçamentárias à entida<strong>de</strong> privada,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> licitação; permanecendo, portanto, públicas<br />
no que convém, mas privadas no que interessa à maior flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestão.<br />
Após tecerem longas consi<strong>de</strong>rações em torno <strong>de</strong> cada dispositivo das leis<br />
indicadas, as quais serão apreciadas no voto <strong>de</strong>ste Relator, passam os Autores a<br />
sustentar que, em sendo imposto à administração pública, na qual se incluem as<br />
autarquias, as fundações instituídas pelo po<strong>de</strong>r público, as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia<br />
mista e as empresas públicas, pelo sistema jurídico-constitucional vigente,<br />
entre outras injunções, a fiscalização e controle <strong>de</strong> seus atos pelo Congresso Nacional<br />
(art. 49, X); a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional<br />
e patrimonial, também pelo Congresso e pelo sistema interno <strong>de</strong> cada Po<strong>de</strong>r (art.<br />
70); a elaboração <strong>de</strong> orçamento <strong>de</strong> receita e <strong>de</strong>spesa (art. 165, § 5º, I); a observância<br />
<strong>de</strong> limite <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas com pessoal (art. 169, § 1º); a realização <strong>de</strong> concurso<br />
público para admissão <strong>de</strong> pessoal (art. 37, II); e a aquisição <strong>de</strong> bens e serviços<br />
mediante licitação pública (art. 37, XXI); do mesmo modo, na medida em que<br />
uma organização social passa a atuar na prestação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s públicas, por via<br />
<strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão com o po<strong>de</strong>r público, e <strong>de</strong> forma vinculada ao Estado, tanto<br />
em razão da natureza da ativida<strong>de</strong> como em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua manutenção, controle<br />
e tutela, <strong>de</strong>verá submeter-se ela aos referidos princípios e preceitos constitucionais,<br />
os quais, na lição <strong>de</strong> Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, não visam apenas<br />
assegurar-lhes condições <strong>de</strong> eficiência, <strong>de</strong>stinando-se,<br />
“(...) também e sobretudo, a estabelecer as indispensáveis limitações que embarguem<br />
ação <strong>de</strong>satada ou <strong>de</strong>scomedida dos próprios governantes, para impedir que seja gravosa quer<br />
ao interesse público, que lhes assiste curar, quer às garantias pertinentes aos administrados<br />
em suas relações com o po<strong>de</strong>r público”. De resto, esta última é a própria razão inspiradora do<br />
Estado <strong>de</strong> Direito. Então, obviamente, não lhes basta travestir-se <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong> direito privado<br />
para esquivar-se das contenções armadas em favor do aludido propósito. Don<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sconhecer<br />
ou menoscabar estes vetores implicaria ofensa a diretrizes fundamentais do Texto Constitucional.<br />
Assim, não seria prestante interpretação que os postergasse. Segue-se que entida<strong>de</strong>s<br />
constituídas à sombra do Estado (como auxiliares suas na produção <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> coletiva) e<br />
que manejam recursos captados total ou majoritariamente <strong>de</strong> fontes públicas têm que estar submetidas<br />
a disposições cautelares, <strong>de</strong>fensivas tanto da lisura e proprieda<strong>de</strong> do dispêndio <strong>de</strong>stes
R.T.J. — <strong>204</strong> 577<br />
recursos, quanto dos direitos dos administrados a uma atuação impessoal e isonômica, quando<br />
das relações que com elas entretenham. Isto só é possível quando existam mecanismos <strong>de</strong> controle<br />
interno e externo, suscitados quer pelos órgãos públicos quer pelos próprios particulares,<br />
na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses individuais ou da Socieda<strong>de</strong>.<br />
Afirmam, ainda, que Jorge Miranda costuma chamar <strong>de</strong> frau<strong>de</strong> constitucional<br />
“a preterição dos limites materiais <strong>de</strong> primeiro grau, com observância apenas<br />
externa das regras constitucionais <strong>de</strong> competência e <strong>de</strong> forma”; e que, segundo<br />
Clémerson Merlin Clève, referida idéia, “embora vinculada em regra ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
reforma constitucional, é pensável também para a ativida<strong>de</strong> legislativa ordinária,<br />
quando o Estado, a pretexto <strong>de</strong> exercer uma competência, <strong>de</strong>svirtua um comando<br />
constitucional, amesquinha um direito fundamental, ignorando o núcleo material<br />
protegido pelo dispositivo que o contempla”.<br />
Concluem por afirmar que, no caso em tela, a pretexto <strong>de</strong> criar nova forma<br />
<strong>de</strong> gerenciamento dos serviços públicos nas áreas <strong>de</strong> ensino, saú<strong>de</strong>, cultura, pesquisa<br />
e <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e proteção ao meio ambiente, o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />
burlou, por meio <strong>de</strong> lei ordinária, os limites materiais e formais impostos<br />
em nossa or<strong>de</strong>m constitucional, <strong>de</strong>scaracterizado o texto constitucional em seu<br />
alicerce conceitual, configurando-se, portanto, em face <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira “mutação<br />
constitucional inconstitucional” que tenta submeter o exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res públicos<br />
a regime jurídico diverso daquele que lhe guarda a Constituição, pela via <strong>de</strong><br />
simples criação, ainda que disfarçada pelo adjetivo “qualificação”, <strong>de</strong> novo tipo<br />
jurídico não previsto no texto constitucional <strong>de</strong> 1988, não apenas frau<strong>de</strong> à Constituição,<br />
mas também <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r legislativo, que, na lição <strong>de</strong> Caio Tácito,<br />
“é vício especial <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> da lei pelo divórcio entre o en<strong>de</strong>reço<br />
real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço <strong>de</strong><br />
interesse incompatível com a sua legítima <strong>de</strong>stinação”.<br />
Ao pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> da Lei 9.637/98 (ou, alternativamente,<br />
dos seus arts. 1º a 7º, 10 a 15, 17, 20, 21 e 22), do art. 24, XXIV,<br />
da Lei 8.666/93 (redação do art. 1º da Lei 9.648/98) e, ainda, dos atos administrativos<br />
e <strong>de</strong> gestão praticados em <strong>de</strong>corrência dos dispositivos legais impugnados,<br />
ajuntaram os Autores requerimento <strong>de</strong> medida cautelar <strong>de</strong> suspensão imediata da<br />
eficácia dos dispositivos legais sob enfoque.<br />
Dada a complexida<strong>de</strong> da matéria, cuja exposição, pelos Autores, ocupou<br />
setenta laudas, foram requisitadas informações prévias, prestadas pela Presidência<br />
do Congresso Nacional (fls. 151/184) e pela Presidência da República (fls.<br />
186/237).<br />
Submeto, agora, o requerimento <strong>de</strong> cautelar à apreciação do Plenário.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ilmar Galvão (Relator): É do seguinte teor a Lei 9.637/98,<br />
cuja íntegra foi impugnada na inicial:
578<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Capítulo I<br />
Das Organizações Sociais<br />
Seção I<br />
Da Qualificação<br />
Art. 1º O Po<strong>de</strong>r Executivo po<strong>de</strong>rá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas<br />
<strong>de</strong> direito privado, sem fins lucrativos, cujas ativida<strong>de</strong>s sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa<br />
científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente,<br />
à cultura e à saú<strong>de</strong>, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.<br />
Art. 2º São requisitos específicos para que as entida<strong>de</strong>s privadas referidas no artigo<br />
anterior habilitem-se à qualificação como organização social:<br />
I – comprovar o registro <strong>de</strong> seu ato constitutivo, dispondo sobre:<br />
a) natureza social <strong>de</strong> seus objetivos relativos à respectiva área <strong>de</strong> atuação;<br />
b) finalida<strong>de</strong> não-lucrativa, com a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> investimento <strong>de</strong> seus exce<strong>de</strong>ntes<br />
financeiros no <strong>de</strong>senvolvimento das próprias ativida<strong>de</strong>s;<br />
c) previsão expressa <strong>de</strong> a entida<strong>de</strong> ter, como órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação superior e <strong>de</strong> direção,<br />
um conselho <strong>de</strong> administração e uma diretoria <strong>de</strong>finidos nos termos do estatuto, asseguradas<br />
àquele composição e atribuições normativas e <strong>de</strong> controle básicas previstas nesta Lei;<br />
d) previsão <strong>de</strong> participação, no órgão colegiado <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação superior, <strong>de</strong> representantes<br />
do Po<strong>de</strong>r Público e <strong>de</strong> membros da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> profissional e<br />
idoneida<strong>de</strong> moral;<br />
e) composição e atribuições da diretoria;<br />
f) obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios<br />
financeiros e do relatório <strong>de</strong> execução do contrato <strong>de</strong> gestão;<br />
g) no caso <strong>de</strong> associação civil, a aceitação <strong>de</strong> novos associados, na forma do estatuto;<br />
h) proibição <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> bens ou <strong>de</strong> parcela do patrimônio líquido em qualquer<br />
hipótese, inclusive em razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligamento, retirada ou falecimento <strong>de</strong> associado ou membro<br />
da entida<strong>de</strong>;<br />
i) previsão <strong>de</strong> incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe<br />
foram <strong>de</strong>stinados, bem como dos exce<strong>de</strong>ntes financeiros <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, em<br />
caso <strong>de</strong> extinção ou <strong>de</strong>squalificação, ao patrimônio <strong>de</strong> outra organização social qualificada<br />
no âmbito da União, da mesma área <strong>de</strong> atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados,<br />
do Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;<br />
II – haver aprovação, quanto à conveniência e oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua qualificação como<br />
organização social, do Ministro ou titular <strong>de</strong> órgão supervisor ou regulador da área <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>nte ao seu objeto social e do Ministro <strong>de</strong> Estado da Administração Fe<strong>de</strong>ral<br />
e Reforma do Estado.<br />
Seção II<br />
Do Conselho <strong>de</strong> Administração<br />
Art. 3º O conselho <strong>de</strong> administração <strong>de</strong>ve estar estruturado nos termos que dispuser o<br />
respectivo estatuto, observados, para os fins <strong>de</strong> atendimento dos requisitos <strong>de</strong> qualificação, os<br />
seguintes critérios básicos:<br />
I – ser composto por:<br />
a) 20 a 40% (vinte a quarenta por cento) <strong>de</strong> membros natos representantes do Po<strong>de</strong>r<br />
Público, <strong>de</strong>finidos pelo estatuto da entida<strong>de</strong>;<br />
b) 20 a 30% (vinte a trinta por cento) <strong>de</strong> membros natos representantes <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s da<br />
socieda<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>finidos pelo estatuto;<br />
c) até 10% (<strong>de</strong>z por cento), no caso <strong>de</strong> associação civil, <strong>de</strong> membros eleitos <strong>de</strong>ntre os<br />
membros ou os associados;<br />
d) 10 a 30% (<strong>de</strong>z a trinta por cento) <strong>de</strong> membros eleitos pelos <strong>de</strong>mais integrantes do<br />
conselho, <strong>de</strong>ntre pessoas <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> profissional e reconhecida idoneida<strong>de</strong> moral;<br />
e) até 10% (<strong>de</strong>z por cento) <strong>de</strong> membros indicados ou eleitos na forma estabelecida<br />
pelo estatuto;<br />
II – os membros eleitos ou indicados para compor o conselho <strong>de</strong>vem ter mandato <strong>de</strong><br />
quatro anos, admitida uma recondução;
R.T.J. — <strong>204</strong> 579<br />
III – os representantes <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s previstos nas alíneas “a” e “b” do inciso I <strong>de</strong>vem<br />
correspon<strong>de</strong>r a mais <strong>de</strong> 50% (cinqüenta por cento) do Conselho;<br />
IV – o primeiro mandato <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> dos membros eleitos ou indicados <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong> dois<br />
anos, segundo critérios estabelecidos no estatuto;<br />
V – o dirigente máximo da entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve participar das reuniões do conselho, sem<br />
direito a voto;<br />
VI – o Conselho <strong>de</strong>ve reunir-se ordinariamente, no mínimo, três vezes a cada ano e,<br />
extraordinariamente, a qualquer tempo;<br />
VII – os conselheiros não <strong>de</strong>vem receber remuneração pelos serviços que, nesta<br />
condição, prestarem à organização social, ressalvada a ajuda <strong>de</strong> custo por reunião da qual<br />
participem;<br />
VIII – os conselheiros eleitos ou indicados para integrar a diretoria da entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem<br />
renunciar ao assumirem funções executivas.<br />
Art. 4º Para os fins <strong>de</strong> atendimento dos requisitos <strong>de</strong> qualificação, <strong>de</strong>vem ser atribuições<br />
privativas do Conselho <strong>de</strong> Administração, <strong>de</strong>ntre outras:<br />
I – fixar o âmbito <strong>de</strong> atuação da entida<strong>de</strong>, para consecução do seu objeto;<br />
II – aprovar a proposta <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão da entida<strong>de</strong>;<br />
III – aprovar a proposta <strong>de</strong> orçamento da entida<strong>de</strong> e o programa <strong>de</strong> investimentos;<br />
IV – <strong>de</strong>signar e dispensar os membros da diretoria;<br />
V – fixar a remuneração dos membros da diretoria;<br />
VI – aprovar e dispor sobre a alteração dos estatutos e a extinção da entida<strong>de</strong> por maioria,<br />
no mínimo, <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus membros;<br />
VII – aprovar o regimento interno da entida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ve dispor, no mínimo, sobre a<br />
estrutura, forma <strong>de</strong> gerenciamento, os cargos e respectivas competências;<br />
VIII – aprovar por maioria, no mínimo, <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus membros, o regulamento<br />
próprio contendo os procedimentos que <strong>de</strong>ve adotar para a contratação <strong>de</strong> obras, serviços,<br />
compras e alienações e o plano <strong>de</strong> cargos, salários e benefícios dos empregados da entida<strong>de</strong>;<br />
IX – aprovar e encaminhar, ao órgão supervisor da execução do contrato <strong>de</strong> gestão, os<br />
relatórios gerenciais e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s da entida<strong>de</strong>, elaborados pela diretoria;<br />
X – fiscalizar o cumprimento das diretrizes e metas <strong>de</strong>finidas e aprovar os <strong>de</strong>monstrativos<br />
financeiros e contábeis e as contas anuais da entida<strong>de</strong>, com o auxílio <strong>de</strong> auditoria externa.<br />
Seção III<br />
Do Contrato <strong>de</strong> Gestão<br />
Art. 5º Para os efeitos <strong>de</strong>sta Lei, enten<strong>de</strong>-se por contrato <strong>de</strong> gestão o instrumento firmado<br />
entre o Po<strong>de</strong>r Público e a entida<strong>de</strong> qualificada como organização social, com vistas à<br />
formação <strong>de</strong> parceria entre as partes para fomento e execução <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s relativas às áreas<br />
relacionadas no art. 1º.<br />
Art. 6º O contrato <strong>de</strong> gestão, elaborado <strong>de</strong> comum acordo entre o órgão ou entida<strong>de</strong><br />
supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilida<strong>de</strong>s e obrigações<br />
do Po<strong>de</strong>r Público e da organização social.<br />
Parágrafo único. O contrato <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong>ve ser submetido, após aprovação pelo Conselho<br />
<strong>de</strong> Administração da entida<strong>de</strong>, ao Ministro <strong>de</strong> Estado ou autorida<strong>de</strong> supervisora da área<br />
correspon<strong>de</strong>nte à ativida<strong>de</strong> fomentada.<br />
Art. 7º Na elaboração do contrato <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong>vem ser observados os princípios da<br />
legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>, economicida<strong>de</strong> e, também, os seguintes<br />
preceitos:<br />
I – especificação do programa <strong>de</strong> trabalho proposto pela organização social, a estipulação<br />
das metas a serem atingidas e os respectivos prazos <strong>de</strong> execução, bem como previsão<br />
expressa dos critérios objetivos <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho a serem utilizados, mediante<br />
indicadores <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e produtivida<strong>de</strong>;<br />
II – a estipulação dos limites e critérios para <strong>de</strong>spesa com remuneração e vantagens <strong>de</strong><br />
qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais,<br />
no exercício <strong>de</strong> suas funções.<br />
Parágrafo único. Os Ministros <strong>de</strong> Estado ou autorida<strong>de</strong>s supervisoras da área <strong>de</strong><br />
atuação da entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>finir as <strong>de</strong>mais cláusulas dos contratos <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> que sejam<br />
signatários.
580<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Seção IV<br />
Da Execução e Fiscalização do Contrato <strong>de</strong> Gestão<br />
Art. 8º A execução do contrato <strong>de</strong> gestão celebrado por organização social será fiscalizada<br />
pelo órgão ou entida<strong>de</strong> supervisora da área <strong>de</strong> atuação correspon<strong>de</strong>nte à ativida<strong>de</strong><br />
fomentada.<br />
§ 1º A entida<strong>de</strong> qualificada apresentará ao órgão ou entida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Público supervisora<br />
signatária do contrato, ao término <strong>de</strong> cada exercício ou a qualquer momento, conforme<br />
recomen<strong>de</strong> o interesse público, relatório pertinente à execução do contrato <strong>de</strong> gestão, contendo<br />
comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado<br />
da prestação <strong>de</strong> contas correspon<strong>de</strong>nte ao exercício financeiro.<br />
§ 2º Os resultados atingidos com a execução do contrato <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong>vem ser analisados,<br />
periodicamente, por comissão <strong>de</strong> avaliação, indicada pela autorida<strong>de</strong> supervisora da área<br />
correspon<strong>de</strong>nte, composta por especialistas <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quada qualificação.<br />
§ 3º A comissão <strong>de</strong>ve encaminhar à autorida<strong>de</strong> supervisora relatório conclusivo sobre<br />
a avaliação procedida.<br />
Art. 9º Os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato <strong>de</strong> gestão, ao tomarem<br />
conhecimento <strong>de</strong> qualquer irregularida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong> na utilização <strong>de</strong> recurso ou bens<br />
<strong>de</strong> origem pública por organização social, <strong>de</strong>la darão ciência ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União,<br />
sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> solidária.<br />
Art. 10. Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, quando assim exigir a<br />
gravida<strong>de</strong> dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados <strong>de</strong> malversação <strong>de</strong> bens<br />
ou recursos <strong>de</strong> origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério<br />
Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entida<strong>de</strong> para que requeira ao juízo<br />
competente a <strong>de</strong>cretação da indisponibilida<strong>de</strong> dos bens da entida<strong>de</strong> e o seqüestro dos bens dos<br />
seus dirigentes, bem como <strong>de</strong> agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente<br />
ou causado dano ao patrimônio público.<br />
§ 1º O pedido <strong>de</strong> seqüestro será processado <strong>de</strong> acordo com o disposto nos arts. 822 e<br />
825 do Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />
§ 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio <strong>de</strong> bens,<br />
contas bancárias e aplicações mantidas pelo <strong>de</strong>mandado no País e no exterior, nos termos da<br />
lei e dos tratados internacionais.<br />
§ 3º Até o término da ação, o Po<strong>de</strong>r Público permanecerá como <strong>de</strong>positário e gestor<br />
dos bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s<br />
sociais da entida<strong>de</strong>.<br />
Seção V<br />
Do Fomento às Ativida<strong>de</strong>s Sociais<br />
Art. 11. As entida<strong>de</strong>s qualificadas como organizações sociais são <strong>de</strong>claradas como<br />
entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública, para todos os efeitos legais.<br />
Art. 12. Às organizações sociais po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>stinados recursos orçamentários e bens<br />
públicos necessários ao cumprimento do contrato <strong>de</strong> gestão.<br />
§ 1º São assegurados às organizações sociais os créditos previstos no orçamento e as<br />
respectivas liberações financeiras, <strong>de</strong> acordo com o cronograma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembolso previsto no<br />
contrato <strong>de</strong> gestão.<br />
§ 2º Po<strong>de</strong>rá ser adicionada aos créditos orçamentários <strong>de</strong>stinados ao custeio do contrato<br />
<strong>de</strong> gestão parcela <strong>de</strong> recursos para compensar <strong>de</strong>sligamento <strong>de</strong> servidor cedido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />
justificativa expressa da necessida<strong>de</strong> pela organização social.<br />
§ 3º Os bens <strong>de</strong> que trata este artigo serão <strong>de</strong>stinados às organizações sociais, dispensada<br />
licitação, mediante permissão <strong>de</strong> uso, consoante cláusula expressa do contrato <strong>de</strong> gestão.<br />
Art. 13. Os bens móveis públicos permitidos para uso po<strong>de</strong>rão ser permutados por<br />
outros <strong>de</strong> igual ou maior valor, condicionado a que os novos bens integrem o patrimônio da<br />
União.<br />
Parágrafo único. A permuta <strong>de</strong> que trata este artigo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> prévia avaliação do<br />
bem e expressa autorização do Po<strong>de</strong>r Público.<br />
Art. 14. É facultado ao Po<strong>de</strong>r Executivo a cessão especial <strong>de</strong> servidor para as organizações<br />
sociais, com ônus para a origem.
R.T.J. — <strong>204</strong> 581<br />
§ 1º Não será incorporada aos vencimentos ou à remuneração <strong>de</strong> origem do servidor<br />
cedido qualquer vantagem pecuniária que vier a ser paga pela organização social.<br />
§ 2º Não será permitido o pagamento <strong>de</strong> vantagem pecuniária permanente por organização<br />
social a servidor cedido com recursos provenientes do contrato <strong>de</strong> gestão, ressalvada<br />
a hipótese <strong>de</strong> adicional relativo ao exercício <strong>de</strong> função temporária <strong>de</strong> direção e assessoria.<br />
§ 3º O servidor cedido perceberá as vantagens do cargo a que fizer jus no órgão <strong>de</strong><br />
origem, quando ocupante <strong>de</strong> cargo <strong>de</strong> primeiro ou <strong>de</strong> segundo escalão na organização social.<br />
Art. 15. São extensíveis, no âmbito da União, os efeitos dos arts. 11 e 12, § 3º, para as<br />
entida<strong>de</strong>s qualificadas como organizações sociais pelos Estados, pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral e pelos<br />
Municípios, quando houver reciprocida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a legislação local não contrarie os preceitos<br />
<strong>de</strong>sta Lei e a legislação específica <strong>de</strong> âmbito fe<strong>de</strong>ral.<br />
Seção VI<br />
Da Desqualificação<br />
Art. 16. O Po<strong>de</strong>r Executivo po<strong>de</strong>rá proce<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>squalificação da entida<strong>de</strong> como organização<br />
social, quando constatado o <strong>de</strong>scumprimento das disposições contidas no contrato<br />
<strong>de</strong> gestão.<br />
§ 1º A <strong>de</strong>squalificação será precedida <strong>de</strong> processo administrativo, assegurado o direito<br />
<strong>de</strong> ampla <strong>de</strong>fesa, respon<strong>de</strong>ndo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente,<br />
pelos danos ou prejuízos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> sua ação ou omissão.<br />
§ 2º A <strong>de</strong>squalificação importará reversão dos bens permitidos e dos valores entregues<br />
à utilização da organização social, sem prejuízo <strong>de</strong> outras sanções cabíveis.<br />
Capítulo II<br />
Das Disposições Finais e Transitórias<br />
Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo <strong>de</strong> noventa dias contado<br />
da assinatura do contrato <strong>de</strong> gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará<br />
para a contratação <strong>de</strong> obras e serviços, bem como para compras com emprego <strong>de</strong> recursos<br />
provenientes do Po<strong>de</strong>r Público.<br />
Art. 18. A organização social que absorver ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral extinta no<br />
âmbito da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá consi<strong>de</strong>rar no contrato <strong>de</strong> gestão, quanto ao atendimento da<br />
comunida<strong>de</strong>, os princípios do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, expressos no art. 198 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral e no art. 7º da Lei nº 8.080, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1990.<br />
Art. 19. As entida<strong>de</strong>s que absorverem ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rádio e televisão educativa po<strong>de</strong>rão<br />
receber recursos e veicular publicida<strong>de</strong> institucional <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito público ou<br />
privado, a título <strong>de</strong> apoio cultural, admitindo-se o patrocínio <strong>de</strong> programas, eventos e projetos,<br />
vedada a veiculação remunerada <strong>de</strong> anúncios e outras práticas que configurem comercialização<br />
<strong>de</strong> seus intervalos.<br />
Art. 20. Será criado, mediante <strong>de</strong>creto do Po<strong>de</strong>r Executivo, o Programa Nacional <strong>de</strong><br />
Publicização – PNP, com o objetivo <strong>de</strong> estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação <strong>de</strong><br />
organizações sociais, a fim <strong>de</strong> assegurar a absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas por entida<strong>de</strong>s<br />
ou órgãos públicos da União, que atuem nas ativida<strong>de</strong>s referidas no art. 1º, por organizações<br />
sociais, qualificadas na forma <strong>de</strong>sta Lei, observadas as seguintes diretrizes:<br />
I – ênfase no atendimento do cidadão-cliente;<br />
II – ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados;<br />
III – controle social das ações <strong>de</strong> forma transparente.<br />
Art. 21. São extintos o Laboratório Nacional <strong>de</strong> Luz Síncroton, integrante da estrutura<br />
do Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e a Fundação<br />
Roquette Pinto, entida<strong>de</strong> vinculada à Presidência da República.<br />
§ 1º Competirá ao Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado supervisionar<br />
o processo <strong>de</strong> inventário do Laboratório Nacional <strong>de</strong> Luz Síncrotron, a cargo do Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, cabendo-lhe realizá-lo<br />
para a Fundação Roquette Pinto.<br />
§ 2º No curso do processo <strong>de</strong> inventário da Fundação Roquette Pinto e até a assinatura<br />
do contrato <strong>de</strong> gestão, a continuida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s sociais ficará sob a supervisão da Secretaria<br />
<strong>de</strong> Comunicação Social da Presidência da República.
582<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
§ 3º É o Po<strong>de</strong>r Executivo autorizado a qualificar como organizações sociais, nos termos<br />
<strong>de</strong>sta Lei, as pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado indicadas no Anexo I, bem assim a permitir a<br />
absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sempenhadas pelas entida<strong>de</strong>s extintas por este artigo.<br />
§ 4º Os processos judiciais em que a Fundação Roquette Pinto seja parte, ativa ou<br />
passivamente, serão transferidos para a União, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucessora, sendo representada<br />
pela Advocacia-Geral da União.<br />
Art. 22. As extinções e a absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e serviços por organizações sociais <strong>de</strong><br />
que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos:<br />
I – os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entida<strong>de</strong>s extintos<br />
terão garantidos todos os direitos e vantagens <strong>de</strong>correntes do respectivo cargo ou emprego<br />
e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entida<strong>de</strong>s indicados no Anexo II, sendo<br />
facultada aos órgãos e entida<strong>de</strong>s supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão do servidor,<br />
irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as<br />
correspon<strong>de</strong>ntes ativida<strong>de</strong>s, observados os §§ 1º e 2º do art. 14;<br />
II – a <strong>de</strong>sativação das unida<strong>de</strong>s extintas será realizada mediante inventário <strong>de</strong> seus bens<br />
imóveis e <strong>de</strong> seu acervo físico, documental e material, bem como dos contratos e convênios,<br />
com a adoção <strong>de</strong> providências dirigidas à manutenção e ao prosseguimento das ativida<strong>de</strong>s<br />
sociais a cargo <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s, nos termos da legislação aplicável em cada caso;<br />
III – os recursos e as receitas orçamentárias <strong>de</strong> qualquer natureza, <strong>de</strong>stinados às unida<strong>de</strong>s<br />
extintas, serão utilizados no processo <strong>de</strong> inventário e para a manutenção e o financiamento<br />
das ativida<strong>de</strong>s sociais até a assinatura do contrato <strong>de</strong> gestão;<br />
IV – quando necessário, parcela dos recursos orçamentários po<strong>de</strong>rá ser reprogramada<br />
mediante crédito especial a ser enviado ao Congresso Nacional, para o órgão ou entida<strong>de</strong><br />
supervisora dos contratos <strong>de</strong> gestão, para o fomento das ativida<strong>de</strong>s sociais, assegurada a liberação<br />
periódica do respectivo <strong>de</strong>sembolso financeiro para a organização social;<br />
V – encerrados os processos <strong>de</strong> inventário, os cargos efetivos vagos e os em comissão<br />
serão consi<strong>de</strong>rados extintos;<br />
VI – a organização social que tiver absorvido as atribuições das unida<strong>de</strong>s extintas po<strong>de</strong>rá<br />
adotar os símbolos <strong>de</strong>signativos <strong>de</strong>stes, seguidos da i<strong>de</strong>ntificação “OS”.<br />
§ 1º A absorção pelas organizações sociais das ativida<strong>de</strong>s das unida<strong>de</strong>s extintas efetivar-se-á<br />
mediante a celebração <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão, na forma dos arts. 6º e 7º.<br />
§ 2º Po<strong>de</strong>rá ser adicionada às dotações orçamentárias referidas no inciso IV parcela dos<br />
recursos <strong>de</strong>correntes da economia <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa incorrida pela União com os cargos e funções<br />
comissionados existentes nas unida<strong>de</strong>s extintas.<br />
Art. 23. É o Po<strong>de</strong>r Executivo autorizado a ce<strong>de</strong>r os bens e os servidores da Fundação<br />
Roquette Pinto no Estado do Maranhão ao Governo daquele Estado.<br />
Art. 24. São convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória 1.648-6,<br />
<strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
Art. 25. Esta Lei entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação.<br />
Por sua vez, foi a seguinte a nova redação dada ao inciso XXIV do art. 24<br />
da Lei 8.666/93 pelo art. 1º da Lei 9.648/98, também objeto do pedido <strong>de</strong>claratório<br />
<strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>:<br />
Art. 24. É dispensável a licitação:<br />
XXIV – para a celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços com as organizações<br />
sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas <strong>de</strong> governo, para ativida<strong>de</strong>s contempladas<br />
no contrato <strong>de</strong> gestão.<br />
Os dispositivos legais transcritos instituíram, entre nós, sob a <strong>de</strong>nominação<br />
<strong>de</strong> organizações sociais, um novo tipo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado, <strong>de</strong>stinada a<br />
atuar nas áreas do ensino, da pesquisa científica, do <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
da proteção e preservação do meio ambiente, da cultura e da saú<strong>de</strong>.
R.T.J. — <strong>204</strong> 583<br />
Sua qualificação como tal é feita pelo Governo, por meio <strong>de</strong> ato do Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo, mediante a comprovação <strong>de</strong> observância <strong>de</strong> requisitos minuciosamente<br />
especificados nos arts. 2º, 3º e 4º da lei transcrita.<br />
A ingerência governamental é justificada pela circunstância <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong><br />
entida<strong>de</strong>s vocacionadas à absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse público até aqui<br />
exercidas pelo Estado, seja por meio <strong>de</strong> seus órgãos, seja por via <strong>de</strong> entes da<br />
administração pública indireta.<br />
Daí a exigência, para sua qualificação jurídica, entre outras, <strong>de</strong> um conselho<br />
<strong>de</strong> administração com até quarenta por cento dos membros escolhidos pelo po<strong>de</strong>r<br />
público, com po<strong>de</strong>res para: aprovação da proposta <strong>de</strong> orçamento da entida<strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong> seu programa <strong>de</strong> investimentos; <strong>de</strong>signação e dispensa dos membros da diretoria;<br />
aprovação dos procedimentos a serem adotados para contratação <strong>de</strong> obras,<br />
serviços, compras e alienações, além do plano <strong>de</strong> cargos e salários e benefícios<br />
dos empregados da entida<strong>de</strong>; aprovação dos relatórios gerenciais e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />
elaborados pela diretoria; fiscalização do cumprimento das diretrizes e metas<br />
e aprovação dos <strong>de</strong>monstrativos financeiros e contábeis e das contas anuais da<br />
entida<strong>de</strong> (art. 4º e incisos).<br />
A formação da parceria com o po<strong>de</strong>r público dá-se por via <strong>de</strong> um contrato<br />
<strong>de</strong>nominado “<strong>de</strong> gestão”, celebrado entre as partes, com observância dos<br />
princípios da legalida<strong>de</strong>, da impessoalida<strong>de</strong>, da moralida<strong>de</strong>, da publicida<strong>de</strong> e da<br />
economicida<strong>de</strong>, no qual serão especificados o programa <strong>de</strong> trabalho, as metas<br />
a serem atingidas e os critérios objetivos <strong>de</strong> avaliação e <strong>de</strong>sempenho a serem<br />
utilizados; a estipulação dos limites <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa com remuneração e vantagens<br />
<strong>de</strong> qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados, além <strong>de</strong><br />
outras cláusulas que vierem a ser <strong>de</strong>finidas pelos Ministérios da área <strong>de</strong> atuação<br />
da entida<strong>de</strong> (arts. 5º a 7º).<br />
A<strong>de</strong>mais, prevê a lei (arts. 8º a 10) que a execução do contrato <strong>de</strong> gestão<br />
será fiscalizada pelo órgão ou entida<strong>de</strong> supervisora da área <strong>de</strong> atuação da ativida<strong>de</strong><br />
fomentada, que, ao término <strong>de</strong> cada exercício, apresentará relatório pertinente<br />
à execução do contrato, o qual será analisado por comissão <strong>de</strong> avaliação indicada<br />
pela autorida<strong>de</strong> supervisora da área correspon<strong>de</strong>nte, composta por especialistas<br />
<strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quada qualificação; cumprindo-lhe, ainda, dar ciência<br />
<strong>de</strong> qualquer irregularida<strong>de</strong> verificada na utilização <strong>de</strong> recursos públicos ao Tribunal<br />
<strong>de</strong> Contas da União e, se for o caso, ao Ministério Público.<br />
O <strong>de</strong>scumprimento do contrato <strong>de</strong> gestão po<strong>de</strong>rá acarretar a <strong>de</strong>squalificação<br />
da entida<strong>de</strong> como organização social (art. 16).<br />
Serão <strong>de</strong>claradas como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública,<br />
para todos os efeitos legais, po<strong>de</strong>ndo ser-lhes <strong>de</strong>stinados recursos orçamentários<br />
e os bens públicos necessários ao cumprimento do contrato <strong>de</strong> gestão, os quais,<br />
com autorização do po<strong>de</strong>r público, po<strong>de</strong>rão ser permutados por outros <strong>de</strong> igual<br />
valor, que passarão a integrar o patrimônio da União (arts. 11 e 12).<br />
Finalmente, às organizações sociais po<strong>de</strong>rão ser cedidos servidores públicos,<br />
com ônus para o po<strong>de</strong>r público (art. 14).
584<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O art. 2º da Lei 9.637/98 estabelece os requisitos a serem atendidos pela<br />
entida<strong>de</strong>, para fim <strong>de</strong> qualificação como organização social. Entre eles, está a<br />
comprovação do seu registro como pessoa jurídica. O art. 3º, I, c, <strong>de</strong> sua vez, fala<br />
em associados. Tais dados po<strong>de</strong>riam induzir à convicção <strong>de</strong> que se está diante <strong>de</strong><br />
uma associação <strong>de</strong> pessoas (universitas personarum).<br />
Tendo-se presente a distinção entre corporação e instituição (Enterría e<br />
Fernan<strong>de</strong>z, Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo, Ed. Rev. dos Tribunais, p. 320),<br />
consi<strong>de</strong>rada a primeira como uma entida<strong>de</strong> constituída <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> pessoas,<br />
na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> associados, seus organizadores, titulares dos interesses por<br />
ela objetivados, cuja vonta<strong>de</strong>, em última análise, integrará a vonta<strong>de</strong> própria do<br />
ente por meio <strong>de</strong> um processo representativo; e, a segunda, como criação <strong>de</strong> um<br />
fundador ou “instituidor”, que é quem propõe um fim a ser cumprido pelo ente<br />
criado, dispondo sobre os meios materiais e pessoais sujeitos à consecução <strong>de</strong>sse<br />
fim e <strong>de</strong>cidindo, com sua vonta<strong>de</strong>, a constituição dos órgãos próprios do ente e,<br />
portanto, por <strong>de</strong>rivação, aquele que constitui a própria vonta<strong>de</strong> do ente; tem-se<br />
que se está, no caso, diante da segunda espécie, dos entes institucionais, a cujo<br />
respeito a doutrina costuma falar, no ensinamento dos festejados publicistas,<br />
quando instituídos pelo Estado, em “organismos autônomos”, “administração<br />
institucional” ou “ente institucional” e que, entre nós, constituem entes da administração<br />
indireta.<br />
Ainda na lição dos autores citados (ibi<strong>de</strong>m), tais entes não se <strong>de</strong>scaracterizam,<br />
como tal, pela inserção, em sua estrutura orgânica, <strong>de</strong> representações <strong>de</strong><br />
pessoas interessadas que, mesmo sem adquirir a condição material <strong>de</strong> sócios ou<br />
membros, colaboram na gestão do ente mais como simples política <strong>de</strong> relações<br />
públicas do que como manifestação <strong>de</strong> entrega do serviço à socieda<strong>de</strong>. No caso<br />
sob exame, como já foi dito, essa inserção se dá não apenas na participação <strong>de</strong><br />
“membros ou associados” na composição do Conselho <strong>de</strong> Administração, mas<br />
também em sua eventual iniciativa <strong>de</strong> organizar a entida<strong>de</strong>, levando a registro os<br />
seus atos constitutivos, providência prévia à sua qualificação como organização<br />
social.<br />
Na verda<strong>de</strong>, por meio da “qualificação” que os habilita a cumprir o contrato<br />
<strong>de</strong> gestão, atua o Estado como verda<strong>de</strong>iro criador da organização, que nenhum<br />
outro objetivo terá senão servir como agente <strong>de</strong>scentralizador da administração,<br />
com a qual mantém uma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência constante e efetiva, não limitada<br />
à cooperação para produção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados resultados, mas <strong>de</strong>cisiva.<br />
O contrato <strong>de</strong> gestão, causa <strong>de</strong>terminante da instituição das organizações<br />
sociais, estabelece, como se viu, as atribuições e responsabilida<strong>de</strong>s do novo ente,<br />
o Ministério a que será adstrito, as bases gerais <strong>de</strong> sua organização, as funções<br />
dos órgãos <strong>de</strong> direção e os bens e meios econômicos que lhes serão atribuídos.<br />
Não passam, portanto, <strong>de</strong> simples instrumento técnico <strong>de</strong> que se utiliza o<br />
Estado para a gestão <strong>de</strong> seus próprios serviços; por ele criado, utilizado e, quando<br />
for o caso, extinto por via da <strong>de</strong>squalificação.<br />
Na or<strong>de</strong>m financeira e patrimonial, exercem simples po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> gestão e<br />
usufruto.
R.T.J. — <strong>204</strong> 585<br />
A sua extinção ou dissolução só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cidida pelo Estado. Não é,<br />
portanto, o árbitro <strong>de</strong> sua própria vida, do mesmo modo que não po<strong>de</strong> subtrair-se<br />
nem abdicar do <strong>de</strong>sempenho da função pública que lhe foi <strong>de</strong>stinada e que executa<br />
como função própria do Estado, <strong>de</strong>senvolvida por meio <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong><br />
ordinária <strong>de</strong> direito privado.<br />
Não apenas seu nascimento, repita-se, mas também a sua vida e a sua morte<br />
se acham na <strong>de</strong>pendência da vonta<strong>de</strong> do Estado, ao qual, por óbvio, permanecem<br />
íntima e indissoluvelmente ligadas, como os <strong>de</strong>mais entes da administração<br />
indireta, razão pela qual, nesse ponto, estão submetidas a princípios <strong>de</strong> direito<br />
público.<br />
Não significa, como fazem presumir, a transferência à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />
que o Estado havia assumido. A autonomia que <strong>de</strong>sfrutam, como pessoa jurídica,<br />
não passa <strong>de</strong> uma técnica <strong>de</strong> gestão, que permite ao Estado prestar serviços <strong>de</strong><br />
interesse público sem arcar com certas inconveniências, como as <strong>de</strong>correntes do<br />
regime estatutário <strong>de</strong> seus servidores.<br />
Representam, assim, mais do que simples entes <strong>de</strong> cooperação com o po<strong>de</strong>r<br />
público, como são consi<strong>de</strong>rados os chamados organismos sociais autônomos (Sesc,<br />
Sesi, Senac e Senai), possuindo todas as características <strong>de</strong> entes da administração<br />
indireta.<br />
Segundo as informações da Presidência da República, que, no ponto, se<br />
apóiam em lições <strong>de</strong> Paulo Eduardo Garrido Mo<strong>de</strong>sto, as entida<strong>de</strong>s da espécie<br />
não configuram um novo tipo <strong>de</strong> pessoa jurídica privada, nem entes criados por<br />
lei e encartados na estrutura da administração pública, mas pessoas estruturadas<br />
sob a forma <strong>de</strong> fundação privada ou associação sem fins lucrativos, não gozando<br />
<strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> direito público nem po<strong>de</strong>ndo ser consi<strong>de</strong>radas<br />
uma forma <strong>de</strong> privatização <strong>de</strong> entes públicos, uma vez que sua criação não<br />
implica uma transação <strong>de</strong> natureza econômica, mas uma finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza<br />
social, <strong>de</strong> interesse público, não po<strong>de</strong>ndo objetivar o lucro nem qualquer outro<br />
proveito <strong>de</strong> natureza empresarial, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>scritas como entes privados que<br />
colaboram com a administração, como já o eram as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong><br />
utilida<strong>de</strong> pública.<br />
Seja esse ou aquele o papel <strong>de</strong> tais entes, o certo é que se revela fora <strong>de</strong><br />
dúvida que não fere a Constituição, a um primeiro e breve exame, próprio da fase<br />
vestibular <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> ação, a lei ditada, não precipuamente para criar, mas<br />
para regular a qualificação <strong>de</strong> uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado como organização<br />
social, seja ela uma entida<strong>de</strong> da administração indireta do Estado ou, ao<br />
revés, simples entida<strong>de</strong> privada, <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública.<br />
Com efeito, o que o inciso XIX do art. 37 da CF/88 <strong>de</strong>clara ser vedada,<br />
sem lei específica, é a criação <strong>de</strong> autarquia ou a autorização para instituição <strong>de</strong><br />
empresa pública, <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista e <strong>de</strong> fundação, ou, a fortiori,<br />
a criação ou instituição <strong>de</strong> qualquer ente da administração indireta, entre os<br />
quais os organismos sociais autônomos (Sesi, Senai e Sesc), dos quais parecem<br />
aproximar-se as novéis organizações sociais.
586<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Aliás, a Lei 9.637/98, ora sob apreciação, constitui uma prova <strong>de</strong> que esse<br />
também é o entendimento do próprio legislador, posto que, conquanto editada com<br />
o objetivo <strong>de</strong> disciplinar essas entida<strong>de</strong>s, já no § 3º <strong>de</strong> seu art. 21, <strong>de</strong> forma específica,<br />
como exigido pela Constituição, autorizou, <strong>de</strong> pronto, o Po<strong>de</strong>r Executivo<br />
a “qualificar” duas organizações sociais, a “Associação Brasileira <strong>de</strong> Tecnologia<br />
<strong>de</strong> Luz Síncrotron – ABTLuS” e a “Associação <strong>de</strong> Comunicação Educativa Roquette<br />
Pinto – ACERP”.<br />
Uma coisa é <strong>de</strong>finir as organizações sociais, precisando os requisitos a<br />
serem cumpridos para o seu surgimento no mundo jurídico e alcance <strong>de</strong> seus objetivos,<br />
como fez a lei sob apreciação; ou, mesmo, como também <strong>de</strong>la resultou,<br />
qualificar organizações da espécie. Coisa diversa é saber se po<strong>de</strong>rão tais organizações<br />
absorver, indiscriminadamente, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituições por meio das<br />
quais vem o Estado prestando serviços públicos não privativos do po<strong>de</strong>r público,<br />
e se po<strong>de</strong>rão fazer do modo proposto.<br />
Inexiste relevância, portanto, na alegação <strong>de</strong> que se está diante <strong>de</strong> lei que se<br />
revela inconstitucional em todos os seus termos, como sustentado, em primeiro<br />
plano, na inicial, fazendo-se mister o exame <strong>de</strong> cada um dos dispositivos apontados<br />
como incompatíveis com a Carta da República, como subsidiariamente<br />
postulado na aludida peça.<br />
Nos dizeres dos Autores:<br />
a) O art. 1º revela-se incompatível com os arts. 196, 197 e 199, § 1º, da Constituição,<br />
ao exonerar o Estado do <strong>de</strong>ver que lhe cabe, prioritariamente, <strong>de</strong> prestar<br />
serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, transferindo-o para entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado, que somente<br />
po<strong>de</strong>riam ser integradas ao Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (Lei 8.080, art. 18) em caráter<br />
complementar, mediante contrato <strong>de</strong> direito público ou convênio.<br />
b) Contraria ele, ainda, os arts. 205, 206, 208, II, 209 e 213, todos da Carta<br />
<strong>de</strong> 88, tendo em vista que afasta a preferência constitucional pela prestação da<br />
educação sob o regime público, <strong>de</strong>mitindo, praticamente, o Estado do <strong>de</strong>ver fundamental<br />
<strong>de</strong> oferecer tais serviços, ao ampliar o sentido do disposto no art. 205,<br />
em contradição direta com o art. 213, que assegura distribuição exclusiva dos<br />
recursos públicos às escolas públicas, ressalvadas as escolas comunitárias, confessionais<br />
ou filantrópicas, espécies que não abrangem as organizações sociais.<br />
c) Ofendidos, por igual, pelo referido dispositivo, resultaram os arts. 23,<br />
215, 216, § 1º, 218 e 225 da CF, por haver incluído no programa a prestação <strong>de</strong><br />
serviços nas áreas da cultura, do meio ambiente, do <strong>de</strong>senvolvimento científico,<br />
da pesquisa e da capacitação tecnológica, bem como na preservação<br />
e restauração <strong>de</strong> processos ecológicos essenciais e na promoção do manejo<br />
ecológico das espécies e ecossistemas, com preservação da diversida<strong>de</strong> e<br />
integrida<strong>de</strong> do patrimônio genético do País, e proteção da fauna e da flora,<br />
competência que os referidos dispositivos legais atribuem ao Estado ou a instituições<br />
necessariamente públicas, sendo inadmissível a sua prestação por via<br />
exclusiva <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s privadas.
R.T.J. — <strong>204</strong> 587<br />
De acordo com as informações da Presidência do Congresso Nacional,<br />
as organizações sociais constituem uma das ações mais inovadoras e <strong>de</strong> maior<br />
relevância, no sentido <strong>de</strong> aprimorar o funcionamento do Estado, propiciando-lhe<br />
uma atuação eficiente e livre <strong>de</strong> vícios, inserindo-se a iniciativa no Plano Diretor<br />
da Reforma do Aparelho do Estado, que prevê a absorção pelas referidas entida<strong>de</strong>s,<br />
<strong>de</strong> natureza privada e sem fins lucrativos, dos serviços públicos sociais<br />
não-exclusivos, com eliminação das causas da <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> sua prestação por<br />
parte da máquina administrativa, como o notório mau uso do dinheiro público,<br />
as falhas <strong>de</strong> gestão, o agigantamento das ativida<strong>de</strong>s-meio em <strong>de</strong>trimento das<br />
ativida<strong>de</strong>s-fim, o empreguismo <strong>de</strong>snecessário, a burocratização excessiva, além<br />
da acomodação <strong>de</strong> servidores estáveis, em prejuízo da iniciativa e eficiência na<br />
produção <strong>de</strong> bens; no que concerne à assistência à saú<strong>de</strong> e à educação, tratase<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que a Constituição, nos arts. 197/9 e 213, permite que sejam<br />
prestadas por particulares, inexistindo no Texto Constitucional qualquer norma<br />
impeditiva <strong>de</strong> que o mesmo ocorra com a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente, a preservação<br />
cultural e o acesso à ciência, campos nos quais as chamadas organizações nãogovernamentais,<br />
como é notório, têm <strong>de</strong>monstrado uma participação por vezes<br />
mais eficaz que o próprio Estado.<br />
Assim, o legislador não estaria a violar a Carta da República tão-somente<br />
porque atua criativamente, gerando alternativas <strong>de</strong> gestão pública (como fez o<br />
Governo Fe<strong>de</strong>ral, ao instituir o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras<br />
Sociais, e o Governo do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, ao adotar o programa <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que<br />
aten<strong>de</strong> aos cidadãos em sua própria residência, mediante a contratação <strong>de</strong> médicos<br />
por entida<strong>de</strong> privada, sob o regime celetista), incentivando o controle social<br />
da administração pública, a gestão direta, pela comunida<strong>de</strong>, dos serviços sociais,<br />
a flexibilização da gestão dos controles e processos e o aumento da qualida<strong>de</strong> dos<br />
serviços <strong>de</strong>stinados ao usuário.<br />
Ao revés – continuam as informações –, as ditas normas se harmonizam<br />
perfeitamente com a Constituição, <strong>de</strong>vendo-se o ajuizamento da ação à circunstância<br />
<strong>de</strong> não terem sido suficientemente compreendidas.<br />
De examinarem-se os argumentos expendidos na inicial e nas informações.<br />
De ver-se, primeiramente, que os arts. 196 e 197 da CF se limitam a impor<br />
ao Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> garantir o direito <strong>de</strong> todos à saú<strong>de</strong>, mediante a implantação<br />
<strong>de</strong> “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco <strong>de</strong> doença e <strong>de</strong><br />
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua<br />
promoção, proteção e recuperação”.<br />
Não impõem ao Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestar assistência à saú<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong><br />
órgãos ou entida<strong>de</strong>s públicas, nem impe<strong>de</strong>m que o faça <strong>de</strong>sse modo; tampouco,<br />
eliminam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprir ele esse <strong>de</strong>ver, por meio <strong>de</strong> iniciativas como<br />
a consagrada na lei sob exame, seja por via <strong>de</strong> organizações sociais criadas e<br />
mantidas pelo po<strong>de</strong>r público para tal fim, ou, ainda, mediante a colaboração<br />
da iniciativa privada, prestada sob sua regulamentação, fiscalização e controle,<br />
como previsto no art. 199, caput e § 1º.
588<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Por isso, não se po<strong>de</strong> vislumbrar inconstitucionalida<strong>de</strong>, quanto à saú<strong>de</strong>, no<br />
art. 1º da lei sob apreciação.<br />
No que concerne à educação, é <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se que se trata <strong>de</strong> serviço cuja<br />
prestação tem o Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assegurar, <strong>de</strong> maneira obrigatória e gratuita,<br />
quanto ao ensino fundamental (art. 208, I), havendo, por igual, <strong>de</strong> ser gratuito, em<br />
qualquer hipótese, sempre que prestado por estabelecimento oficial (art. 206, IV).<br />
Dessa forma, se se consi<strong>de</strong>rar que as organizações sociais não integram a<br />
administração pública, ter-se-á <strong>de</strong> admitir que, por meio da instituição <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
da espécie, estaria escancarada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> privatização <strong>de</strong> toda a<br />
ativida<strong>de</strong> das instituições <strong>de</strong> ensino da União, dos Estados e dos Municípios e,<br />
conseqüentemente, sob risco <strong>de</strong> extinção, o direito, constitucional, ao ensino<br />
gratuito.<br />
Acontece, entretanto, como já exposto, que tais entes, por serem verda<strong>de</strong>iras<br />
criaturas do Estado, posto surgirem, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizações sociais,<br />
com o ato <strong>de</strong> seu reconhecimento, como tais, por este, que os mantém e controla,<br />
não passam <strong>de</strong> entes públicos, conquanto regidos pelo direito privado, razão pela<br />
qual, além <strong>de</strong> sujeitarem-se ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assegurar ensino fundamental obrigatório<br />
e gratuito, os seus estabelecimentos <strong>de</strong> ensino haverão <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rados<br />
oficiais, para fim da gratuida<strong>de</strong> prevista no art. 206, IV, bem como para beneficiarem-se<br />
<strong>de</strong> recursos públicos, nas formas do art. 213, ambos da Carta.<br />
Desse modo, nesse ponto, também não há vislumbrar incompatibilida<strong>de</strong><br />
do art. 1º da lei sob apreciação com as normas constitucionais invocadas, que<br />
não vedam ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>senvolvidas pelo Estado, por meio <strong>de</strong> pessoas<br />
jurídicas <strong>de</strong> direito privado.<br />
Os arts. 215 e 216 da CF/88, <strong>de</strong> sua vez, limitam-se a impor ao Estado o<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às<br />
fontes da cultura nacional; <strong>de</strong> apoiar e incentivar a valorização e a difusão das<br />
manifestações culturais; <strong>de</strong> promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro,<br />
constituído dos bens <strong>de</strong> natureza material e imaterial, portadores <strong>de</strong> referência<br />
à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da nossa socieda<strong>de</strong>;<br />
<strong>de</strong> estabelecer incentivos para a produção e o conhecimento <strong>de</strong> bens e<br />
valores culturais; e <strong>de</strong> punir os danos e ameaças ao patrimônio cultural.<br />
Em nenhum lance estabelecem os mencionados dispositivos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o<br />
Estado realizar essas ativida<strong>de</strong>s por meio <strong>de</strong> órgãos da administração direta, o<br />
que significa que po<strong>de</strong>rá fazê-lo por meio <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s para isso por ele constituídas,<br />
como são as organizações sociais.<br />
Afastada, também, por esse motivo, a alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
do art. 1º da Lei 9.637/98, em face dos referidos dispositivos da Carta <strong>de</strong> 1988.<br />
O mesmo cabe dizer quanto à pesquisa científica e ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnológico, conforme se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da norma do art. 218 da Constituição; e,<br />
ainda, quanto ao <strong>de</strong>ver, que incumbe ao po<strong>de</strong>r público, <strong>de</strong> preservar e restaurar<br />
os processos ecológicos essenciais; <strong>de</strong> prover o manejo ecológico das espécies e<br />
ecossistemas; <strong>de</strong> preservar a diversida<strong>de</strong> e a integrida<strong>de</strong> do patrimônio genético
R.T.J. — <strong>204</strong> 589<br />
do País; <strong>de</strong> fiscalizar as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>dicadas à pesquisa e manipulação <strong>de</strong> material<br />
genético; <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente<br />
protegidos; <strong>de</strong> exigir estudo prévio <strong>de</strong> impacto ambiental para instalação<br />
<strong>de</strong> obra ou ativida<strong>de</strong> potencialmente causadora <strong>de</strong> significativa <strong>de</strong>gradação do<br />
meio ambiente; enfim, <strong>de</strong> realizar todos os atos <strong>de</strong> proteção previstos no art. 225<br />
da Carta da República.<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, aliás, no art. 23, incumbe à competência comum da<br />
União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, portanto, ao Estado, por<br />
suas diversas manifestações, cuidar da saú<strong>de</strong>, proteger as obras e outros bens <strong>de</strong><br />
valor histórico, artístico e cultural, proporcionar os meios <strong>de</strong> acesso à cultura, à<br />
educação e à ciência, proteger o meio ambiente, as florestas, a fauna e a flora, não<br />
permitindo inferir-se do mencionado texto que o Estado não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenharse<br />
<strong>de</strong>sses encargos senão por meio dos agentes <strong>de</strong> sua administração direta, conquanto<br />
não seja menos certo que não po<strong>de</strong>rá confiar a execução <strong>de</strong> tais tarefas,<br />
por inteiro, à iniciativa privada.<br />
Pelas razões expostas, <strong>de</strong> ter-se por irrelevante a alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
do art. 1º da Lei 9.637/98.<br />
d) O art. 1º bem como os arts. 2º, 3º e 4º ofen<strong>de</strong>m, ainda, os arts. 5º, incisos<br />
XVII e XVIII; 22, XXVII; 23, I a IV; 37, caput e incisos II e XXI; 40, I e II e § 4º;<br />
49, X; 70; 71; II e III; 74; 129, § 1º; 169, § 1º; e 175, todos da Carta da República,<br />
por sugerirem uma parceria inexistente com a iniciativa privada, posto ocorrer,<br />
no caso, um processo induzido <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> entes públicos por entes privados,<br />
criados por encomenda para assumir funções próprias do Estado, com<br />
flagrante interferência estatal em seu funcionamento e com completa ausência<br />
<strong>de</strong> requisitos que possam impor a observância do princípio da impessoalida<strong>de</strong><br />
no processo <strong>de</strong> qualificação dos membros dos respectivos conselhos <strong>de</strong> administração,<br />
ao qual se atribui uma série <strong>de</strong> competências substitutivas das que eram<br />
exercidas pelo po<strong>de</strong>r público; inferindo-se <strong>de</strong> tudo a compreensão <strong>de</strong> que o objetivo<br />
principal do Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização e das organizações sociais é<br />
o <strong>de</strong> fraudar o regime jurídico ao qual se submete o Estado, configurando “manobra<br />
para <strong>de</strong>satar o exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res públicos das amarras do Direito Público”.<br />
Conforme já exposto, as organizações sociais configuram entida<strong>de</strong>s criadas,<br />
mantidas e controladas pelo Estado, porque <strong>de</strong>stinadas ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse público, <strong>de</strong>scritas no art. 23 da CF, que estão sendo ou<br />
<strong>de</strong>veriam vir a ser <strong>de</strong>senvolvidas por órgãos estatais.<br />
Daí não se po<strong>de</strong>r consi<strong>de</strong>rar indébita a interferência do Estado em seu funcionamento,<br />
não havendo razão, pois, para se falar em ofensa ao art. 5º, incisos<br />
XVII e XVIII, e ao art. 23, I a IV, da Constituição.<br />
As novéis entida<strong>de</strong>s terão seus objetivos traçados em contrato <strong>de</strong> gestão,<br />
elaborado com observância dos princípios previstos no art. 37, caput, e, sendo<br />
organizadas como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado, não estarão sujeitas à norma do<br />
inciso II do referido artigo, que só exige concurso para investidura em cargo ou<br />
emprego público.
590<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Os servidores das organizações sociais serão regidos pela CLT e filiados à<br />
Previdência Social, não se lhes aplicando as normas do art. 40, incisos I e II e § 4º,<br />
da Constituição.<br />
A lei em tela, conquanto estabeleça sistema <strong>de</strong> controle interno das contas<br />
das organizações sociais, não exclui (nem po<strong>de</strong>ria fazê-lo) o controle externo, a<br />
ser exercido pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União, por cuidar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stinadas a receber subvenção pública. Sem<br />
sentido, pois, a alegação <strong>de</strong> ofensa aos arts. 49, X; 70; 71, II e III; e 74 da CF.<br />
Em razão <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado, não estão as<br />
organizações sociais sujeitas à rigi<strong>de</strong>z orçamentária prevista no art. 169, § 1º,<br />
da CF.<br />
No que tange ao princípio da licitação, é <strong>de</strong> ver-se que, no concernente à<br />
cessão <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> bens públicos pelas organizações sociais, a dispensa <strong>de</strong> licitação<br />
se impõe como medida indispensável, posto não ser concebível o estabelecimento<br />
<strong>de</strong> concurso entre a entida<strong>de</strong> concebida e criada pelo Estado e entida<strong>de</strong>s<br />
outras não qualificadas para o objetivo colimado. Já no que toca a compras e à<br />
contratação <strong>de</strong> obras e serviços, prevê a lei, no art. 4º, VIII, a fixação <strong>de</strong> regras,<br />
no regulamento, para sua disciplina, sendo oportuno assinalar que o legislador<br />
ordinário foi autorizado a assim proce<strong>de</strong>r, no art. 37, XXI, da Constituição.<br />
e) Os arts. 4º, inciso VIII; 5º; 11; 12, § 3º; e 17 da Lei 9.637/98, e o art. 1º<br />
da Lei 9.648/98, ao alterar o art. 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/93, ofen<strong>de</strong>ram<br />
os arts. 22, XXVII; 37, XXI; e 175 da CF/88, por dispensarem <strong>de</strong> licitação a<br />
celebração do contrato <strong>de</strong> gestão e a utilização, pelas organizações sociais, <strong>de</strong><br />
bens públicos; e, ainda, ao autorizarem tais entida<strong>de</strong>s a editar normas próprias<br />
estabelecendo procedimentos <strong>de</strong> licitação, para compras e serviços.<br />
Manifestando-se sobre a dispensa <strong>de</strong> licitação para aquisição <strong>de</strong> bens e<br />
serviços, informaram a Presidência do Senado e a Presidência da República que,<br />
entre as finalida<strong>de</strong>s das “OS”, está a <strong>de</strong> dinamizar a atuação dos entes prestadores<br />
<strong>de</strong> serviços públicos, mediante sua absorção pelas referidas entida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> natureza<br />
privada e sem fins lucrativos, obtendo-se, com isso, qualida<strong>de</strong>s atinentes às<br />
empresas privadas, tais como um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> compras e contratação mais flexível<br />
e adaptável às peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada organização. Desse modo, a edição <strong>de</strong> norma<br />
própria, voltada a procedimentos <strong>de</strong> compra específicos para o atendimento<br />
das peculiarida<strong>de</strong>s das “OS”, não malfere a competência privativa da União para<br />
a edição <strong>de</strong> normas gerais <strong>de</strong> licitação, que se dirigem à administração pública e<br />
não a organizações não-governamentais e <strong>de</strong> caráter privado.<br />
Trata-se <strong>de</strong> argumentos que, como visto, corroboram o entendimento acima<br />
manifestado acerca da matéria.<br />
Quanto à pretendida licitação para fim <strong>de</strong> cessão <strong>de</strong> uso dos bens públicos<br />
pelas organizações sociais, é <strong>de</strong> ter-se por <strong>de</strong>scabida a exigência, na medida em<br />
que se consi<strong>de</strong>ra que se trata <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s criadas pelo po<strong>de</strong>r público justamente<br />
para absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão público, não havendo qualquer justificativa<br />
para que, nessas condições, instaure-se concurso entre elas e entida<strong>de</strong>s outras,<br />
não qualificadas para o mister.
R.T.J. — <strong>204</strong> 591<br />
A<strong>de</strong>mais, a Constituição, no art. 37, XXI, reserva ao legislador ordinário a<br />
especificação <strong>de</strong> hipóteses <strong>de</strong> dispensa <strong>de</strong> licitação na aquisição e alienação <strong>de</strong><br />
bens e serviços pela administração, circunstância que autoriza a ilação <strong>de</strong> que se<br />
está diante <strong>de</strong> casos da espécie.<br />
Improce<strong>de</strong>ntes, portanto, não apenas os dispositivos legais indicados acima,<br />
mas também o inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93, também apodado <strong>de</strong><br />
inconstitucional, que dispensa <strong>de</strong> licitação cessões da espécie, aliás, na forma<br />
prevista no inciso XXI do art. 37 da CF.<br />
f) Os arts. 4º, incisos V, VII e VIII, e 7º, inciso II, contrariam os arts. 37,<br />
caput, II e X, e, ainda, o art. 169 da mesma Carta, ao autorizarem o Conselho <strong>de</strong><br />
Administração das novéis entida<strong>de</strong>s a fixar a remuneração dos membros da<br />
diretoria e a dispor sobre o plano <strong>de</strong> cargos e salários e benefícios <strong>de</strong> seus<br />
empregados.<br />
Os dispositivos indicados cuidam da remuneração <strong>de</strong> pessoal das “OS”, já<br />
havendo sido anteriormente afastada a sua alegada ofensa aos textos constitucionais<br />
enumerados, os quais, como já dito, não se lhes aplicam, posto tratar-se <strong>de</strong><br />
entida<strong>de</strong>s que, conquanto qualificadas pelo Estado, se regem pelo direito privado.<br />
g) O inciso X do art. 4º malfere os arts. 70, 71 e 74 da Constituição, ao<br />
atribuir ao conselho <strong>de</strong> administração da entida<strong>de</strong> função própria do Tribunal <strong>de</strong><br />
Contas da União, qual seja, o controle <strong>de</strong> suas contas, tendo em vista a gestão<br />
<strong>de</strong> recursos públicos por ela realizada.<br />
Rebatendo a alegação, esclareceram as informações do Congresso Nacional<br />
que a lei estabelece o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas da verba pública recebida<br />
e a submissão da OS a controle interno e externo.<br />
No primeiro caso, tendo em vista: a) a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicação<br />
anual dos relatórios financeiros e do relatório <strong>de</strong> execução do contrato <strong>de</strong> gestão<br />
(alínea f, inciso I, art. 2º); b) a fiscalização, pelo órgão ou entida<strong>de</strong> supervisora da<br />
área <strong>de</strong> atuação correspon<strong>de</strong>nte à ativida<strong>de</strong> fomentada, à qual a entida<strong>de</strong> qualificada<br />
apresentará, ao término <strong>de</strong> cada exercício, relatório pertinente à execução<br />
do contrato <strong>de</strong> gestão, contendo comparativo específico das metas propostas com<br />
os resultados alcançados, acompanhado da prestação <strong>de</strong> contas correspon<strong>de</strong>nte<br />
ao exercício financeiro (art. 8º); c) a análise que, periodicamente, há <strong>de</strong> ser feita<br />
por comissão <strong>de</strong> avaliação indicada pela autorida<strong>de</strong> supervisora da área correspon<strong>de</strong>nte,<br />
composta por especialistas <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quada qualificação<br />
(art. 8º, § 2º e § 3º); d) quando exigir a gravida<strong>de</strong> dos fatos ou o interesse<br />
público, havendo indícios fundados <strong>de</strong> malversação <strong>de</strong> bens ou recursos <strong>de</strong> origem<br />
pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público,<br />
à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entida<strong>de</strong>, para que requeira<br />
ao Juízo competente a <strong>de</strong>cretação da indisponibilida<strong>de</strong> dos bens da entida<strong>de</strong> e o<br />
seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como <strong>de</strong> agente público ou terceiro,<br />
que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público<br />
(art. 10); e) a fiscalização que compete ao Conselho <strong>de</strong> Administração, ao qual<br />
incumbe, a final, aprovar os <strong>de</strong>monstrativos financeiros e contábeis e as contas<br />
anuais das entida<strong>de</strong>s, com o auxílio <strong>de</strong> auditoria externa (art. 4º, X).
592<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
E, no segundo (controle externo), tendo em vista a imposição, pela Constituição,<br />
do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, por<br />
tratar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> que recebe verba do erário, imposição essa que, obviamente,<br />
não se po<strong>de</strong> ter por afastada por não haver sido mencionada na lei sob apreciação.<br />
Nesse sentido, o entendimento que, acima, restou registrado sobre o assunto,<br />
não sobrando espaço para alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> dos dispositivos<br />
indicados.<br />
h) O art. 10 faz tábula rasa do art. 129 da Constituição, por <strong>de</strong>sconhecer<br />
as atribuições por ele conferidas ao Ministério Público para zelar pelo efetivo<br />
respeito aos direitos assegurados pela Constituição, notadamente os direitos fundamentais<br />
à saú<strong>de</strong>, educação e assistência social.<br />
De assinalar, entretanto, como lembrado nas informações da Presidência<br />
da República, que, relativamente às funções do Ministério Público, a lei não<br />
procurou afastá-la, posto que, sem excluir, por impossível, a atuação do órgão,<br />
prevista na Constituição, limitou-se a dirigir-se aos responsáveis pela fiscalização<br />
da execução do contrato <strong>de</strong> gestão, apontando a medida a ser tomada diante<br />
<strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s ou ilegalida<strong>de</strong>s na utilização dos bens <strong>de</strong> origem pública.<br />
i) O art. 14, § 1º, § 2º e § 3º, e o art. 22 malferem o art. 40, caput, incisos I,<br />
II e III, da Constituição, ao preverem a cessão <strong>de</strong> servidores públicos às organizações<br />
sociais, com ônus para o órgão <strong>de</strong> origem, os quais estarão subordinados<br />
a administradores <strong>de</strong> entes privados, po<strong>de</strong>ndo receber vantagens remuneratórias<br />
que não serão incorporadas à aposentadoria nem consi<strong>de</strong>radas para fim <strong>de</strong> parida<strong>de</strong><br />
do reajuste <strong>de</strong> vencimentos entre ativos e inativos e pensionistas.<br />
Observam, quanto a esse ponto, as informações do Congresso Nacional, <strong>de</strong><br />
que se trata, no caso, <strong>de</strong> entes privados, sujeitos, nesse ponto, a disciplina própria,<br />
não obstante <strong>de</strong>stinadas ao atendimento do interesse público.<br />
E que, a<strong>de</strong>mais, constitui cláusula obrigatória do contrato <strong>de</strong> gestão a que<br />
estabelece limites e critérios para <strong>de</strong>spesa com remuneração e vantagens <strong>de</strong><br />
qualquer natureza a serem pagas aos dirigentes e empregados das organizações<br />
sociais e aos servidores que lhes forem cedidos, cessão essa que não prejudicará<br />
os direitos previ<strong>de</strong>nciários ou direitos estatutários <strong>de</strong>sses servidores.<br />
Na verda<strong>de</strong>, como anteriormente já restou assentado, não se po<strong>de</strong> argüir <strong>de</strong><br />
inconstitucional a cessão <strong>de</strong> servidores a entes que se <strong>de</strong>dicam ao <strong>de</strong>sempenho<br />
<strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> interesse público, muito menos quando criados para o fim precípuo<br />
<strong>de</strong> absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> até então cumprida por órgão da administração direta.<br />
Concluindo, pelas razões expostas, meu voto in<strong>de</strong>fere a cautelar.<br />
VOTO<br />
(Sobre o art. 1º da Lei 9.637, <strong>de</strong> 15-5-98, quanto à saú<strong>de</strong>)<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, acompanho o eminente<br />
Relator com relação à prestação dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
O art. 197 da Constituição, apontado como padrão da argüida inconstitucionalida<strong>de</strong>,<br />
ao contrário, dispõe:
R.T.J. — <strong>204</strong> 593<br />
Art. 197. São <strong>de</strong> relevância pública as ações e serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, cabendo ao po<strong>de</strong>r<br />
público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, <strong>de</strong>vendo<br />
sua execução ser feita diretamente ou através <strong>de</strong> terceiros e, também, por pessoa física ou<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado.<br />
Conseqüentemente, não apenas não há, no <strong>de</strong>ver estatal para com a saú<strong>de</strong>,<br />
obrigação <strong>de</strong> prestação estatal direta, mas, ao contrário, há expressa previsão <strong>de</strong><br />
sua prestação mediante colaboração <strong>de</strong> particulares, embora sujeitos à legislação,<br />
à regulamentação, à fiscalização e ao controle estatais.<br />
VOTO<br />
(Sobre o art. 1º da Lei 9.637/99)<br />
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, coloco-me nos limites<br />
<strong>de</strong>finidos pelo voto do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence. Quer dizer, consi<strong>de</strong>ro<br />
essas entida<strong>de</strong>s no âmbito da saú<strong>de</strong> como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação com o po<strong>de</strong>r<br />
público. Enquanto qualificadas como organizações sociais, elas po<strong>de</strong>rão celebrar<br />
contratos <strong>de</strong> gestão e serviços relativos à saú<strong>de</strong> com o po<strong>de</strong>r público.<br />
VOTO<br />
(Sobre o art. 1º da Lei 9.637, <strong>de</strong> 15-5-98, quanto à saú<strong>de</strong>)<br />
O Sr. Ministro Moreira Alves: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, eu não preciso votar<br />
quanto ao restante <strong>de</strong>sse art. 1º. Já estou <strong>de</strong> acordo em que é constitucional.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 1.923-MC/DF — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Requerentes: Partido<br />
dos Trabalhadores – PT (Advogados: Alberto Moreira Rodrigues e outros)<br />
e Partido Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Ronaldo Jorge Araújo<br />
Vieira Júnior e outros). Requeridos: Presi<strong>de</strong>nte da República e Congresso Nacional.<br />
Decisão: Após o relatório, o julgamento foi adiado por indicação do Ministro<br />
Ilmar Galvão (Relator). Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso<br />
(Presi<strong>de</strong>nte). Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio (Vice-Presi<strong>de</strong>nte).<br />
Plenário, 24-6-99.<br />
Decisão: Prosseguindo no julgamento, e após o voto do Ministro Ilmar Galvão<br />
(Relator), in<strong>de</strong>ferindo o pedido <strong>de</strong> medida liminar, o julgamento foi suspenso<br />
em virtu<strong>de</strong> do pedido <strong>de</strong> vista formulado pelo Ministro Nelson Jobim. Ausente,<br />
justificadamente, o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello.<br />
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros<br />
Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda<br />
Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim.<br />
Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brin<strong>de</strong>iro.<br />
Brasília, 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1999 — Luiz Tomimatsu, Coor<strong>de</strong>nador.
594<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Nelson Jobim:<br />
1. A ação<br />
Trata-se <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> ajuizada pelo Partido dos<br />
Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em face da<br />
Lei 9.637, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, e o inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93.<br />
A primeira norma dispõe sobre a qualificação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como organizações,<br />
a criação do Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização, a extinção dos órgãos e<br />
entida<strong>de</strong>s que menciona e a absorção <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s por organizações sociais,<br />
e dá outras providências.<br />
O segundo dispositivo diz respeito à dispensa <strong>de</strong> licitação para a celebração<br />
<strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços com as organizações sociais.<br />
Os Autores sustentam que os dispositivos atacados afrontam:<br />
(I) Art. 5º, XVII e XVIII; (II) art. 22, XXVII; (III) art. 23, I, II, III, IV, VI,<br />
VII; (IV) art. 37, II, XXI; (V) art. 40, I, III, a a d e § 4º; (VI) art. 49, X; (VII) art.<br />
70; (VIII) art. 71, II, III; (IX) art. 74, I, II, III, IV, § 1º e § 2º; (X) art. 129, I, II,<br />
III; (XI) art. 169, § 1º, I, II; (XII) art. 175, caput; (XII) art. 194, caput e parágrafo<br />
único; (XIV) art. 196; (XV) art. 197; (XVI) art. 199, § 1º; (XVII) art. 205; (XIII)<br />
art. 206, III, IV, VI; (XIX) art. 208, I a VII, § 1º e § 2º; (XX) art. 211, § 1 º; (XXI)<br />
art. 213, I, II; (XXII) art. 215, caput; (XXIII) art. 216, I a V, e § 1º; (XXIV) art.<br />
218, § 1º, § 2º, § 3º, § 5º; (XXV) art. 225, § 1º, I, II, V e VII; e (XXVI) art. 209.<br />
2. Voto do Relator<br />
Ilmar in<strong>de</strong>feriu a liminar.<br />
Afastou todas as alegações <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> das normas impugnadas.<br />
Leio no voto <strong>de</strong> Ilmar o que interessa:<br />
Os dispositivos legais transcritos instituíram, entre nós, sob a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> organizações<br />
sociais, um novo tipo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado, <strong>de</strong>stinada a atuar nas áreas do<br />
ensino, da pesquisa científica, do <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, da proteção e preservação do<br />
meio ambiente, da cultura e da saú<strong>de</strong>.<br />
Sua qualificação como tal é feita pelo Governo, por meio <strong>de</strong> ato do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />
mediante a comprovação <strong>de</strong> observância <strong>de</strong> requisitos minuciosamente especificados nos arts.<br />
2°, 3° e 4° da lei transcrita.<br />
A ingerência governamental é justificada pela circunstância <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
vocacionadas à absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse público até aqui exercidas pelo Estado,<br />
seja por meio <strong>de</strong> seus órgãos, seja por via <strong>de</strong> entes da administração pública indireta.<br />
Daí a exigência, para sua qualificação jurídica, entre outras, <strong>de</strong> um conselho <strong>de</strong> administração<br />
com até quarenta por cento dos membros escolhidos pelo po<strong>de</strong>r público, com po<strong>de</strong>res para:<br />
aprovação da proposta do orçamento da entida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seu programa <strong>de</strong> investimentos; <strong>de</strong>signação<br />
e dispensa dos membros da diretoria; aprovação dos procedimentos a serem adotados para contratação<br />
<strong>de</strong> obras, serviços, compras e alienações, além do plano <strong>de</strong> cargos e salários e benefícios dos<br />
empregados da entida<strong>de</strong>; aprovação dos relatórios gerenciais e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> elaborados pela diretoria;<br />
fiscalização do cumprimento das diretrizes e metas e aprovação dos <strong>de</strong>monstrativos financeiros<br />
e contábeis e das contas anuais da entida<strong>de</strong> (art. 4º e incisos).
R.T.J. — <strong>204</strong> 595<br />
A formação da parceria com o po<strong>de</strong>r público dá-se por via <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong>nominado<br />
“<strong>de</strong> gestão” celebrado entre as partes, com observância dos princípios da legalida<strong>de</strong>, da impessoalida<strong>de</strong>,<br />
da moralida<strong>de</strong>, da publicida<strong>de</strong> e da economicida<strong>de</strong>, no qual serão especificados o<br />
programa <strong>de</strong> trabalho, as metas a serem atingidas e os critérios objetivos <strong>de</strong> avaliação e <strong>de</strong>sempenho<br />
a serem utilizados; a estipulação dos limites <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa com remuneração e vantagens <strong>de</strong><br />
qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados, além <strong>de</strong> outras cláusulas<br />
que vierem a ser <strong>de</strong>finidas pelos Ministérios da área <strong>de</strong> atuação da entida<strong>de</strong> (arts. 5º a 7º).<br />
A<strong>de</strong>mais, prevê a lei (arts. 8º a 10) que a execução do contrato <strong>de</strong> gestão será fiscalizada<br />
pelo órgão ou entida<strong>de</strong> supervisora da área <strong>de</strong> atuação da ativida<strong>de</strong> fomentada, que, ao<br />
término <strong>de</strong> cada exercício, apresentará relatório pertinente à execução do contrato, o qual será<br />
analisado por comissão <strong>de</strong> avaliação indicada pela autorida<strong>de</strong> supervisora da área correspon<strong>de</strong>nte,<br />
composta por especialistas <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quada qualificação; cumprindolhe,<br />
ainda, dar ciência <strong>de</strong> qualquer irregularida<strong>de</strong> verificada na utilização <strong>de</strong> recursos públicos<br />
ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União e, se for o caso, ao Ministério Público.<br />
O <strong>de</strong>scumprimento do contrato <strong>de</strong> gestão po<strong>de</strong>rá acarretar a <strong>de</strong>squalificação da entida<strong>de</strong><br />
como organização social (art. 16).<br />
Serão <strong>de</strong>claradas como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública, para todos os<br />
efeitos legais, po<strong>de</strong>ndo ser-lhes <strong>de</strong>stinados recursos orçamentários e os bens públicos necessários<br />
ao cumprimento do contrato <strong>de</strong> gestão, os quais, com autorização do po<strong>de</strong>r público,<br />
po<strong>de</strong>rão ser permutados por outros <strong>de</strong> igual valor, que passarão a integrar o patrimônio da<br />
União (arts. 11 e 12).<br />
Finalmente, às organizações sociais po<strong>de</strong>rão ser cedidos servidores públicos, com ônus<br />
para o po<strong>de</strong>r público (art. 14).<br />
O art. 2º da Lei 9.637/98 estabelece os requisitos a serem atendidos pela entida<strong>de</strong>, para<br />
fim <strong>de</strong> qualificação como organização social. Entre eles, está a comprovação do seu registro<br />
como pessoa jurídica. O art. 3º, I, c, <strong>de</strong> sua vez, fala em associados. Tais dados po<strong>de</strong>riam induzir<br />
à convicção <strong>de</strong> que se está diante <strong>de</strong> uma associação <strong>de</strong> pessoas (universitas personarum).<br />
Tendo-se presente a distinção entre corporação e instituição (Enterría e Fernan<strong>de</strong>z,<br />
Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo, Ed. Rev. dos Tribunais, p. 320), consi<strong>de</strong>rada a primeira<br />
como uma entida<strong>de</strong> constituída <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> pessoas, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> associados, seus<br />
organizadores, titulares dos interesses por ela objetivados, cuja vonta<strong>de</strong>, em última análise,<br />
integrará a vonta<strong>de</strong> própria do ente por meio <strong>de</strong> um processo representativo; e, a segunda,<br />
como criação <strong>de</strong> um fundador ou “instituidor”, que é quem propõe um fim a ser cumprido<br />
pelo ente criado, dispondo sobre os meios materiais e pessoais sujeitos à consecução <strong>de</strong>sse<br />
fim e <strong>de</strong>cidindo, com sua vonta<strong>de</strong>, a constituição dos órgãos próprios do ente e, portanto,<br />
por <strong>de</strong>rivação, aquele que constitui a própria vonta<strong>de</strong> do ente; tem-se que se está, no caso,<br />
diante da segunda espécie, dos entes institucionais, a cujo respeito a doutrina costuma falar,<br />
no ensinamento dos festejados publicistas, quando instituídos pelo Estado, em “organismos<br />
autônomos”, “administração institucional” ou “ente institucional” e que, entre nós constituem<br />
entes da administração indireta.<br />
Ainda na lição dos autores citados (ibi<strong>de</strong>m), tais entes não se <strong>de</strong>scaracterizam, como<br />
tal, pela inserção, em sua estrutura orgânica, <strong>de</strong> representações <strong>de</strong> pessoas interessadas que,<br />
mesmo sem adquirir a condição material <strong>de</strong> sócios ou membros, colaboram na gestão do ente<br />
mais como simples política <strong>de</strong> relações públicas do que como manifestação <strong>de</strong> entrega do<br />
serviço à socieda<strong>de</strong>. No caso sob exame, como já foi dito, essa inserção se dá não apenas na<br />
participação <strong>de</strong> “membros ou associados” na composição do Conselho <strong>de</strong> Administração, mas<br />
também em sua eventual iniciativa <strong>de</strong> organizar a entida<strong>de</strong>, levando a registro os seus atos<br />
constitutivos, providência prévia à sua qualificação como organização social.<br />
Na verda<strong>de</strong>, por meio da “qualificação” que os habilita a cumprir o contrato <strong>de</strong> gestão,<br />
atua o Estado como verda<strong>de</strong>iro criador da organização, que nenhum outro objetivo terá senão<br />
servir como agente <strong>de</strong>scentralizador da administração, com a qual mantém uma relação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pendência constante e efetiva, não limitada à cooperação para produção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />
resultados, mas <strong>de</strong>cisiva.<br />
O contrato <strong>de</strong> gestão, causa <strong>de</strong>terminante da instituição das organizações sociais, estabelece,<br />
como se viu, as atribuições e responsabilida<strong>de</strong>s do novo ente, o Ministério a que será<br />
adstrito, as bases gerais <strong>de</strong> sua organização, as funções dos órgãos <strong>de</strong> direção e os bens e meios<br />
econômicos que lhes serão atribuídos.
596<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Não passam, portanto, <strong>de</strong> simples instrumento técnico <strong>de</strong> que se utiliza o Estado para<br />
a gestão <strong>de</strong> seus próprios serviços; por ele criado, utilizado e, quando for o caso, extinto por<br />
via da <strong>de</strong>squalificação.<br />
Na or<strong>de</strong>m financeira e patrimonial, exercem simples po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> gestão e usufruto.<br />
A sua extinção ou dissolução só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cidida pelo Estado. Não é, portanto, o<br />
árbitro <strong>de</strong> sua própria vida, do mesmo modo que não po<strong>de</strong> subtrair-se nem abdicar do <strong>de</strong>sempenho<br />
da função pública que lhe foi <strong>de</strong>stinada e que executa como função própria do<br />
Estado, <strong>de</strong>senvolvida por meio <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> ordinária <strong>de</strong> direito privado. Não apenas<br />
seu nascimento, repita-se, mas também a sua vida e a sua morte se acham na <strong>de</strong>pendência da<br />
vonta<strong>de</strong> do Estado, ao qual, por óbvio, permanecem íntima e indissoluvelmente ligadas, como<br />
os <strong>de</strong>mais entes da administração indireta, razão pela qual, nesse ponto, estão submetidas a<br />
princípios <strong>de</strong> direito público.<br />
Não significa, como fazem presumir, a transferência à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que o Estado<br />
havia assumido. A autonomia que <strong>de</strong>sfrutam, como pessoa jurídica, não passa <strong>de</strong> uma técnica<br />
<strong>de</strong> gestão, que permite ao Estado prestar serviços <strong>de</strong> interesse público sem arcar com certas<br />
inconveniências, como as <strong>de</strong>correntes do regime estatutário <strong>de</strong> seus servidores.<br />
Representam, assim, mais do que simples entes <strong>de</strong> cooperação com o po<strong>de</strong>r público,<br />
como são consi<strong>de</strong>rados os chamados organismos sociais autônomos (Sesc, Sesi, Senac e Senai),<br />
possuindo todas as características <strong>de</strong> entes da administração indireta.<br />
Segundo as informações da Presidência da República, que, no ponto, se apóiam em<br />
lições <strong>de</strong> Paulo Eduardo Garrido Mo<strong>de</strong>sto, as entida<strong>de</strong>s da espécie não configuram um novo<br />
tipo <strong>de</strong> pessoa jurídica privada, nem entes criados por lei e encartados na estrutura da administração<br />
pública, mas pessoas estruturadas sob a forma <strong>de</strong> fundação privada ou associação<br />
sem fins lucrativos, não gozando <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> direito público nem<br />
po<strong>de</strong>ndo ser consi<strong>de</strong>radas uma forma <strong>de</strong> privatização <strong>de</strong> entes públicos, uma vez que sua criação<br />
não implica uma transação <strong>de</strong> natureza econômica, mas uma finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza social,<br />
<strong>de</strong> interesse público, não po<strong>de</strong>ndo objetivar o lucro nem qualquer outro proveito <strong>de</strong> natureza<br />
empresarial, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>scritas como entes privados que colaboram com a administração,<br />
como já o eram as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública.<br />
Seja esse ou aquele o papel <strong>de</strong> tais entes, o certo é que se revela fora <strong>de</strong> dúvida que não<br />
fere a Constituição, a um primeiro e breve exame, próprio da fase vestibular <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong><br />
ação, a lei ditada, não precipuamente para criar, mas para regular a qualificação <strong>de</strong> uma pessoa<br />
jurídica <strong>de</strong> direito privado como organização social, seja ela uma entida<strong>de</strong> da administração<br />
indireta do Estado ou, ao revés, simples entida<strong>de</strong> privada, <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública.<br />
Com efeito, o que o inciso XIX do art. 37 da CF/88 <strong>de</strong>clara ser vedada, sem lei específica,<br />
é a criação <strong>de</strong> autarquia ou a autorização para instituição <strong>de</strong> empresa pública, <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> economia mista e <strong>de</strong> fundação, ou, a fortiori, a criação ou instituição <strong>de</strong> qualquer ente da<br />
administração indireta, entre os quais os organismos sociais autônomos (Sesi, Senai e Sesc),<br />
dos quais parecem aproximar-se as novéis organizações sociais.<br />
Aliás, a Lei 9.637/98, ora sob apreciação, constitui uma prova <strong>de</strong> que esse também<br />
é o entendimento do próprio legislador, posto que, conquanto editada com o objetivo <strong>de</strong><br />
disciplinar essas entida<strong>de</strong>s, já no § 3º <strong>de</strong> seu art. 21, <strong>de</strong> forma específica, como exigido pela<br />
Constituição, autorizou, <strong>de</strong> pronto, o Po<strong>de</strong>r Executivo a “qualificar” duas organizações sociais,<br />
a “Associação Brasileira <strong>de</strong> Tecnologia <strong>de</strong> Luz Síncrotron (ABTLuS)” e a “Associação<br />
<strong>de</strong> Comunicação Educativa Roquette Pinto (ASCERP)”.<br />
Uma coisa é <strong>de</strong>finir as organizações sociais, precisando os requisitos a serem cumpridos<br />
para o seu surgimento no mundo jurídico e alcance <strong>de</strong> seus objetivos, como fez a lei sob<br />
apreciação; ou, mesmo, como também <strong>de</strong>la resultou, qualificar organizações da espécie. Coisa<br />
diversa é saber se po<strong>de</strong>rão tais organizações absorver, indiscriminadamente, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
instituições por meio das quais vem o Estado prestando serviços públicos não privativos do<br />
po<strong>de</strong>r público, e se po<strong>de</strong>rão fazer do modo proposto.<br />
Inexiste relevância, portanto, na alegação <strong>de</strong> que se está diante <strong>de</strong> lei que se revela<br />
inconstitucional em todos os seus termos, como sustentado, em primeiro plano, na inicial,<br />
fazendo-se mister o exame <strong>de</strong> cada um dos dispositivos apontados como incompatíveis com a<br />
Carta da República, como subsidiariamente postulado na aludida peça.<br />
Nos dizeres dos Autores:
R.T.J. — <strong>204</strong> 597<br />
a) O art. 1º revela-se incompatível com os arts. 196, 197 e 199, § 1º, da Constituição,<br />
ao exonerar o Estado do <strong>de</strong>ver que lhe cabe, prioritariamente, <strong>de</strong> prestar serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
transferindo-o para entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado, que somente po<strong>de</strong>riam ser integrados ao<br />
Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (Lei 8.080, art. 18) em caráter complementar, mediante contrato <strong>de</strong><br />
direito público ou convênio.<br />
b) Contraria ele, ainda, os arts. 205, 206, 208, II, 209 e 213, todos da Carta <strong>de</strong> 88, tendo<br />
em vista que afasta a preferência constitucional pela prestação da educação sob o regime<br />
público, <strong>de</strong>mitindo, praticamente, o Estado do <strong>de</strong>ver fundamental <strong>de</strong> oferecer tais serviços, ao<br />
ampliar o sentido do disposto no art. 205, em contradição direta com o art. 213, que assegura<br />
distribuição exclusiva dos recursos públicos às escolas públicas, ressalvadas as escolas comunitárias,<br />
confessionais ou filantrópicas, espécies que não abrangem as organizações sociais.<br />
c) Ofendidos, por igual, pelo referido dispositivo, resultaram os arts. 23, 215, 216,<br />
§ 1º, 218 e 225 da CF, por haver incluído no programa a prestação <strong>de</strong> serviços nas áreas da<br />
cultura, do meio ambiente, do <strong>de</strong>senvolvimento científico, da pesquisa e da capacitação<br />
tecnológica, bem como na preservação e restauração <strong>de</strong> processos ecológicos essenciais<br />
e na promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas, com preservação da<br />
diversida<strong>de</strong> e integrida<strong>de</strong> do patrimônio genético do País, e proteção da fauna e da flora,<br />
competência que os referidos dispositivos legais atribuem ao Estado ou a instituições necessariamente<br />
públicas, sendo inadmissível a sua prestação por via exclusiva <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
privadas.<br />
De acordo com as informações da Presidência do Congresso Nacional, as organizações<br />
sociais constituem uma das ações mais inovadoras e <strong>de</strong> maior relevância, no sentido <strong>de</strong> aprimorar<br />
o funcionamento do Estado, propiciando-lhe uma atuação eficiente e livre <strong>de</strong> vícios,<br />
inserindo-se a iniciativa no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que prevê a<br />
absorção pelas referidas entida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> natureza privada e sem fins lucrativos, dos serviços<br />
públicos sociais não-exclusivos, com eliminação das causas da <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> sua prestação<br />
por parte da máquina administrativa, como o notório mau uso do dinheiro público, as falhas <strong>de</strong><br />
gestão, o agigantamento das ativida<strong>de</strong>s-meio em <strong>de</strong>trimento das ativida<strong>de</strong>s-fim, o empreguismo<br />
<strong>de</strong>snecessário, a burocratização excessiva, além da acomodação <strong>de</strong> servidores estáveis, em<br />
prejuízo da iniciativa e eficiência na produção <strong>de</strong> bens; no que concerne à assistência à saú<strong>de</strong><br />
e à educação, trata-se <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que a Constituição, nos arts. 197/9 e 213, permite sejam<br />
prestadas por particulares, inexistindo no Texto Constitucional qualquer norma impeditiva <strong>de</strong><br />
que o mesmo ocorra com a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente, a preservação cultural e o acesso à ciência,<br />
campos nos quais as chamadas organizações não-governamentais, como é notório, têm<br />
<strong>de</strong>monstrado uma participação por vezes mais eficaz que o próprio Estado.<br />
Assim, o legislador não estaria a violar a Carta da República tão-somente porque atua<br />
criativamente, gerando alternativas <strong>de</strong> gestão pública (como fez o Governo Fe<strong>de</strong>ral, ao instituir<br />
o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, e o Governo do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral, ao adotar o programa <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que aten<strong>de</strong> aos cidadãos em sua própria residência,<br />
mediante a contratação <strong>de</strong> médicos por entida<strong>de</strong> privada, sob o regime celetista), incentivando<br />
o controle social da administração pública, a gestão direta, pela comunida<strong>de</strong>, dos serviços<br />
sociais, a flexibilização da gestão dos controles e processos e o aumento da qualida<strong>de</strong> dos<br />
serviços <strong>de</strong>stinados ao usuário.<br />
Ao revés – continuam as informações –, as ditas normas se harmonizam perfeitamente<br />
com a Constituição, <strong>de</strong>vendo-se o ajuizamento da ação à circunstância <strong>de</strong> não terem sido<br />
suficientemente compreendidas.<br />
De examinarem-se os argumentos expendidos na inicial e nas informações.<br />
De ver-se, primeiramente, que os arts. 196 e 197 da CF se limitam a impor ao Estado<br />
o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> garantir o direito <strong>de</strong> todos à saú<strong>de</strong>, mediante a implantação <strong>de</strong> “políticas sociais e<br />
econômicas que visem à redução do risco <strong>de</strong> doença e <strong>de</strong> outros agravos e ao acesso universal<br />
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.<br />
Não impõem ao Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestar assistência à saú<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> órgãos ou<br />
entida<strong>de</strong>s públicas, nem impe<strong>de</strong>m que o faça <strong>de</strong>sse modo; tampouco, eliminam a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cumprir ele esse <strong>de</strong>ver, por meio <strong>de</strong> iniciativas como a consagrada na lei sob exame, seja<br />
por via <strong>de</strong> organizações sociais criadas e mantidas pelo po<strong>de</strong>r público para tal fim, ou, ainda,<br />
mediante a colaboração da iniciativa privada, prestada sob sua regulamentação, fiscalização e<br />
controle, como previsto no art. 199, caput e § 1º.
598<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Por isso, não se po<strong>de</strong> vislumbrar inconstitucionalida<strong>de</strong>, quanto à saú<strong>de</strong>, no art. 1º da<br />
lei sob apreciação.<br />
No que concerne à educação, é <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se que se trata <strong>de</strong> serviço cuja prestação<br />
tem o Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assegurar, <strong>de</strong> maneira obrigatória e gratuita, quanto ao ensino fundamental<br />
(art. 208, I), havendo, por igual, <strong>de</strong> ser gratuito, em qualquer hipótese, sempre que<br />
prestado por estabelecimento oficial (art. 206, IV).<br />
Dessa forma, se se consi<strong>de</strong>rar que as organizações sociais não integram a administração<br />
pública, ter-se-á <strong>de</strong> admitir que, por meio da instituição <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s da espécie, estaria<br />
escancarada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> privatização <strong>de</strong> toda a ativida<strong>de</strong> das instituições <strong>de</strong> ensino da<br />
União, dos Estados e dos Municípios e, conseqüentemente, sob risco <strong>de</strong> extinção, o direito,<br />
constitucional, ao ensino gratuito.<br />
Acontece, entretanto, como já exposto, que tais entes, por serem verda<strong>de</strong>iras criaturas<br />
do Estado, posto surgirem, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizações sociais, com o ato <strong>de</strong> seu reconhecimento,<br />
como tais, por este, que os mantém e controla, não passam <strong>de</strong> entes públicos, conquanto<br />
regidos pelo direito privado, razão pela qual, além <strong>de</strong> sujeitarem-se ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assegurar<br />
ensino fundamental obrigatório e gratuito, os seus estabelecimentos <strong>de</strong> ensino haverão <strong>de</strong><br />
ser consi<strong>de</strong>rados oficiais, para fim da gratuida<strong>de</strong> prevista no art. 206, IV, bem como para<br />
beneficiarem-se <strong>de</strong> recursos públicos, nas formas do art. 213, ambos da Carta.<br />
Desse modo, nesse ponto, também não há vislumbrar incompatibilida<strong>de</strong> do art. 1º da lei<br />
sob apreciação com as normas constitucionais invocadas, que não vedam ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino<br />
<strong>de</strong>senvolvidas pelo Estado, por meio <strong>de</strong> pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado.<br />
Os arts. 215 e 216 da CF/88, <strong>de</strong> sua vez, limitam-se a impor ao Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> garantir<br />
a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional;<br />
<strong>de</strong> apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais; <strong>de</strong> promover e<br />
proteger o patrimônio cultural brasileiro, constituído dos bens <strong>de</strong> natureza material e imaterial,<br />
portadores <strong>de</strong> referência à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da<br />
nossa socieda<strong>de</strong>; <strong>de</strong> estabelecer incentivos para a produção e o conhecimento <strong>de</strong> bens e valores<br />
culturais; e <strong>de</strong> punir os danos e ameaças ao patrimônio cultural.<br />
Em nenhum lance estabelecem os mencionados dispositivos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o Estado realizar<br />
essas ativida<strong>de</strong>s por meio <strong>de</strong> órgãos da administração direta, o que significa que po<strong>de</strong>rá<br />
fazê-lo por meio <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s para isso por ele constituídas, como são as organizações sociais.<br />
Afastada, também, por esse motivo, a alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 1º da<br />
Lei 9.637/98, em face dos referidos dispositivos da Carta <strong>de</strong> 1988.<br />
O mesmo cabe dizer quanto à pesquisa científica e ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
conforme se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da norma do art. 218 da Constituição; e, ainda, quanto ao <strong>de</strong>ver, que<br />
incumbe ao po<strong>de</strong>r público, <strong>de</strong> preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais; <strong>de</strong> prover<br />
o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; <strong>de</strong> preservar a diversida<strong>de</strong> e a integrida<strong>de</strong><br />
do patrimônio genético do País; <strong>de</strong> fiscalizar as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>dicadas à pesquisa e manipulação<br />
<strong>de</strong> material genético; <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente<br />
protegidos; <strong>de</strong> exigir estudo prévio <strong>de</strong> impacto ambiental para instalação <strong>de</strong> obra ou ativida<strong>de</strong><br />
potencialmente causadora <strong>de</strong> significativa <strong>de</strong>gradação do meio ambiente; enfim, <strong>de</strong> realizar<br />
todos os atos <strong>de</strong> proteção previstos no art. 225 da Carta da República.<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, aliás, no art. 23, incumbe à competência comum da União, dos<br />
Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, portanto, ao Estado, por suas diversas manifestações,<br />
cuidar da saú<strong>de</strong>, proteger as obras e outros bens <strong>de</strong> valor histórico, artístico e cultural,<br />
proporcionar os meios <strong>de</strong> acesso à cultura, à educação e à ciência, proteger o meio ambiente,<br />
as florestas, a fauna e a flora, não permitindo inferir-se do mencionado texto que o Estado não<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar-se <strong>de</strong>sses encargos senão por meio dos agentes <strong>de</strong> sua administração direta,<br />
conquanto não seja menos certo que não po<strong>de</strong>rá confiar a execução <strong>de</strong> tais tarefas, por inteiro,<br />
à iniciativa privada.<br />
Pelas razões expostas, <strong>de</strong> ter-se por irrelevante a alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> do<br />
art. 1º da Lei 9.637/98.<br />
d) O art. 1º bem como os arts. 2º, 3º e 4º ofen<strong>de</strong>m, ainda, os arts. 5º, incisos XVII e<br />
XVIII; 22, XXVII; 23, I a IV; 37, caput e incisos II e XXI; 40, I e II e § 4º; 49, X; 70; 71, II e<br />
III; 74; 129, § 1º; 169, § 1º; e 175, todos da Carta da República, por sugerirem uma parceria
R.T.J. — <strong>204</strong> 599<br />
inexistente com a iniciativa privada, posto ocorrer, no caso, um processo induzido <strong>de</strong> substituição<br />
<strong>de</strong> entes públicos por entes privados, criados por encomenda para assumir funções<br />
próprias do Estado, com flagrante interferência estatal em seu funcionamento e com completa<br />
ausência <strong>de</strong> requisitos que possam impor a observância do princípio da impessoalida<strong>de</strong> no<br />
processo <strong>de</strong> qualificação dos membros dos respectivos conselhos <strong>de</strong> administração, ao qual<br />
se atribui uma série <strong>de</strong> competências substitutivas das que eram exercidas pelo po<strong>de</strong>r público;<br />
inferindo-se <strong>de</strong> tudo a compreensão <strong>de</strong> que o objetivo principal do Programa Nacional <strong>de</strong><br />
Publicização e das organizações sociais é o <strong>de</strong> fraudar o regime jurídico ao qual se submete o<br />
Estado, configurando “manobra para <strong>de</strong>satar o exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res públicos das amarras do<br />
Direito Público”.<br />
Conforme já exposto, as organizações sociais configuram entida<strong>de</strong>s criadas, mantidas e<br />
controladas pelo Estado, porque <strong>de</strong>stinadas ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse público,<br />
<strong>de</strong>scritas no art. 23 da CF, que estão sendo ou <strong>de</strong>veriam vir a ser <strong>de</strong>senvolvidas por órgãos<br />
estatais.<br />
Daí não se po<strong>de</strong>r consi<strong>de</strong>rar indébita a interferência do Estado em seu funcionamento,<br />
não havendo razão, pois, para se falar em ofensa ao art. 5°, incisos XVII e XVIII, e ao art. 23,<br />
I a IV, da Constituição.<br />
As novéis entida<strong>de</strong>s terão seus objetivos traçados em contrato <strong>de</strong> gestão, elaborado<br />
com observância dos princípios previstos no art. 37, caput, e, sendo organizadas como entida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> direito privado, não estarão sujeitas à norma do inciso II do referido artigo, que só exige<br />
concurso para investidura em cargo ou emprego público.<br />
Os servidores das organizações sociais serão regidos pela CLT e filiados à Previdência<br />
Social, não se lhes aplicando as normas do art. 40, incisos I e II e § 4°, da Constituição.<br />
A lei em tela, conquanto estabeleça sistema <strong>de</strong> controle interno das contas das organizações<br />
sociais, não exclui (nem po<strong>de</strong>ria fazê-lo) o controle externo, a ser exercido pelo Congresso<br />
Nacional, com o auxílio do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, por cuidar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>stinadas a receber subvenção pública. Sem sentido, pois, a alegação <strong>de</strong> ofensa aos arts. 49,<br />
X; 70; 71, II e III; e 74 da CF.<br />
Em razão <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado, não estão as organizações<br />
sociais sujeitas à rigi<strong>de</strong>z orçamentária prevista no art. 169, § 1°, da CF.<br />
No que tange ao princípio da licitação, é <strong>de</strong> ver-se que, no concernente à cessão <strong>de</strong> uso<br />
<strong>de</strong> bens públicos pelas organizações sociais, a dispensa <strong>de</strong> licitação se impõe como medida<br />
indispensável, posto não ser concebível o estabelecimento <strong>de</strong> concurso entre a entida<strong>de</strong> concebida<br />
e criada pelo Estado e entida<strong>de</strong>s outras não qualificadas para o objetivo colimado. Já no<br />
que toca a compras e à contratação <strong>de</strong> obras e serviços, prevê a Lei, no art. 4°, VIII, a fixação<br />
<strong>de</strong> regras, no regulamento, para sua disciplina, sendo oportuno assinalar que o legislador ordinário<br />
foi autorizado a assim proce<strong>de</strong>r, no art. 37, XXI, da Constituição.<br />
e) Os arts. 4°, inciso VIII; 5°; 11; 12, § 3°; e 17 da Lei 9.637/98 e o art. 1° da Lei<br />
9.648/98, ao alterar o art. 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/93, ofen<strong>de</strong>ram os arts. 22, XXVII;<br />
37, XXI; e 175 da CF/88, por dispensarem <strong>de</strong> licitação a celebração do contrato <strong>de</strong> gestão<br />
e a utilização, pelas organizações sociais, <strong>de</strong> bens públicos; e, ainda, ao autorizarem tais<br />
entida<strong>de</strong>s a editar normas próprias estabelecendo procedimentos <strong>de</strong> licitação, para compra<br />
e serviços.<br />
Manifestando-se sobre a dispensa <strong>de</strong> licitação para aquisição <strong>de</strong> bens e serviços,<br />
informaram a Presidência do Senado e a Presidência da República que, entre as finalida<strong>de</strong>s<br />
das “OS”, está a <strong>de</strong> dinamizar a atuação dos entes prestadores <strong>de</strong> serviços públicos, mediante<br />
sua absorção pelas referidas entida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> natureza privada e sem fins lucrativos, obtendo-se,<br />
com isso, qualida<strong>de</strong>s atinentes às empresas privadas, tais como um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> compras e<br />
contratação mais flexível e adaptável às peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada organização. Desse modo, a<br />
edição <strong>de</strong> norma própria, voltada a procedimentos <strong>de</strong> compra específicos para o atendimento<br />
das peculiarida<strong>de</strong>s das “OS” não malfere a competência privativa da União para a edição <strong>de</strong><br />
normas gerais <strong>de</strong> licitação, que se dirigem à administração pública e não a organizações nãogovernamentais<br />
e <strong>de</strong> caráter privado.<br />
Trata-se <strong>de</strong> argumentos que, como visto, corroboram o entendimento acima manifestado<br />
acerca da matéria.
600<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Quanto à pretendida licitação para fim <strong>de</strong> cessão <strong>de</strong> uso dos bens públicos pelas organizações<br />
sociais, é <strong>de</strong> ter-se por <strong>de</strong>scabida a exigência, na medida em que se consi<strong>de</strong>ra que se<br />
trata <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s criadas pelo po<strong>de</strong>r público justamente para absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão<br />
público, não havendo qualquer justificativa para que, nessas condições, se instaure concurso<br />
entre elas e entida<strong>de</strong>s outras, não qualificadas para o mister.<br />
A<strong>de</strong>mais, a Constituição, no art. 37, XXI, reserva ao legislador ordinário a especificação<br />
<strong>de</strong> hipóteses <strong>de</strong> dispensa <strong>de</strong> licitação na aquisição e alienação <strong>de</strong> bens e serviços pela<br />
administração, circunstância que autoriza a ilação <strong>de</strong> que se está diante <strong>de</strong> casos da espécie.<br />
Improce<strong>de</strong>ntes, portanto, não apenas os dispositivos legais indicados acima, mas também o<br />
inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93, também apodado <strong>de</strong> inconstitucional, que dispensa <strong>de</strong><br />
licitação cessões da espécie, aliás, na forma prevista no inciso XXI do art. 37 da CF.<br />
f) Os arts. 4°, incisos V, VII e VIII, e 7º, inciso II, contrariam os arts. 37, caput, II e X,<br />
e, ainda, o art. 169 da mesma Carta, ao autorizarem o Conselho <strong>de</strong> Administração das novéis entida<strong>de</strong>s<br />
a fixar a remuneração dos membros da diretoria e a dispor sobre o plano <strong>de</strong> cargos<br />
e salários e benefícios <strong>de</strong> seus empregados.<br />
Os dispositivos indicados cuidam da remuneração <strong>de</strong> pessoal das “OS”, já havendo sido<br />
anteriormente afastada a sua alegada ofensa aos textos constitucionais enumerados, os quais,<br />
como já dito, não se lhes aplicam, posto tratar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s que, conquanto qualificadas<br />
pelo Estado, se regem pelo direito privado.<br />
g) O inciso X do art. 4° malfere os arts. 70, 71 e 74 da Constituição, ao atribuir ao conselho<br />
<strong>de</strong> administração da entida<strong>de</strong> função própria do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, qual seja,<br />
o controle <strong>de</strong> suas contas, tendo em vista a gestão <strong>de</strong> recursos públicos por ela realizada.<br />
Rebatendo a alegação, esclareceram as informações do Congresso Nacional que a lei<br />
estabelece o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas da verba pública recebida e a submissão da OS a<br />
controle interno e externo.<br />
No primeiro caso, tendo em vista: a) a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicação anual dos relatórios<br />
financeiros e do relatório <strong>de</strong> execução do contrato <strong>de</strong> gestão (alínea f, inciso I, art. 2°); b) a<br />
fiscalização, pelo órgão ou entida<strong>de</strong> supervisora da área <strong>de</strong> atuação correspon<strong>de</strong>nte à ativida<strong>de</strong><br />
fomentada, à qual a entida<strong>de</strong> qualificada apresentará, ao término <strong>de</strong> cada exercício, relatório<br />
pertinente à execução do contrato <strong>de</strong> gestão, contendo comparativo específico das metas propostas<br />
com os resultados alcançados, acompanhado da prestação <strong>de</strong> contas correspon<strong>de</strong>nte ao<br />
exercício financeiro (art. 8°); c) a análise que, periodicamente, há <strong>de</strong> ser feita por comissão <strong>de</strong><br />
avaliação indicada pela autorida<strong>de</strong> supervisora da área correspon<strong>de</strong>nte, composta por especialistas<br />
<strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quada qualificação (art. 8º, § 2° e § 3°); d) quando exigir a<br />
gravida<strong>de</strong> dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados <strong>de</strong> malversação <strong>de</strong> bens<br />
ou recursos <strong>de</strong> origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério<br />
Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entida<strong>de</strong>, para que requeira ao<br />
Juízo competente a <strong>de</strong>cretação da indisponibilida<strong>de</strong> dos bens da entida<strong>de</strong> e o seqüestro dos<br />
bens dos seus dirigentes, bem como <strong>de</strong> agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido<br />
ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público (art. 10); e) a fiscalização que compete ao<br />
Conselho <strong>de</strong> Administração, ao qual incumbe, a final, aprovar os <strong>de</strong>monstrativos financeiros<br />
e contábeis e as contas anuais das entida<strong>de</strong>s, com o auxílio <strong>de</strong> auditoria externa (art. 4º, X).<br />
E, no segundo (controle externo), tendo em vista a imposição, pela Constituição, do<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, por tratar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> que<br />
recebe verba do erário, imposição essa que, obviamente, não se po<strong>de</strong> ter por afastada por não<br />
haver sido mencionada na lei sob apreciação.<br />
Nesse sentido, o entendimento que, acima, restou registrado sobre o assunto, não sobrando<br />
espaço para alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> dos dispositivos indicados.<br />
h) O art. 10 faz tábula rasa do art. 129 da Constituição, por <strong>de</strong>sconhecer as atribuições<br />
por ele conferidas ao Ministério Público para zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados<br />
pela Constituição, notadamente os direitos fundamentais à saú<strong>de</strong>, educação e assistência<br />
social.<br />
De assinalar, entretanto, como lembrado nas informações da Presidência da República,<br />
que, relativamente às funções do Ministério Público, a lei não procurou afastá-la, posto que,
R.T.J. — <strong>204</strong> 601<br />
sem excluir, por impossível, a atuação do órgão, prevista na Constituição, limitou-se a dirigirse<br />
aos responsáveis pela fiscalização da execução do contrato <strong>de</strong> gestão, apontando a medida a<br />
ser tomada diante <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s ou ilegalida<strong>de</strong>s na utilização dos bens <strong>de</strong> origem pública.<br />
i) O art. 14, § 1°, § 2° e § 3°, e o art. 22 malferem o art. 40, caput, incisos I, II e III,<br />
da Constituição, ao preverem a cessão <strong>de</strong> servidores públicos às organizações sociais, com<br />
ônus para o órgão <strong>de</strong> origem, os quais estarão subordinados a administradores <strong>de</strong> entes privados,<br />
po<strong>de</strong>ndo receber vantagens remuneratórias que não serão incorporadas à aposentadoria<br />
nem consi<strong>de</strong>radas para fim <strong>de</strong> parida<strong>de</strong> do reajuste <strong>de</strong> vencimentos entre ativos e inativos e<br />
pensionistas.<br />
Observam, quanto a esse ponto, as informações do Congresso Nacional, <strong>de</strong> que se trata,<br />
no caso, <strong>de</strong> entes privados, sujeitos, nesse ponto, a disciplina própria, não obstante <strong>de</strong>stinadas<br />
ao atendimento do interesse público.<br />
E que, a<strong>de</strong>mais, constitui cláusula obrigatória do contrato <strong>de</strong> gestão a que estabelece<br />
limites e critérios para <strong>de</strong>spesa com remuneração e vantagens <strong>de</strong> qualquer natureza a serem<br />
pagas aos dirigentes e empregados das organizações sociais e aos servidores (...).<br />
Pertence acompanhou o Relator com relação à saú<strong>de</strong>.<br />
Néri também seguiu o mesmo entendimento.<br />
Moreira acompanhou integralmente o Relator.<br />
Enten<strong>de</strong>u que não há restrição constitucional à lei nas diversas áreas que<br />
cita (ensino, pesquisa científica, <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, proteção do meio<br />
ambiente, cultura e saú<strong>de</strong>).<br />
3. Voto-vista<br />
Pedi vista para melhor exame.<br />
O objeto da presente ação (Lei 9.637/98 e inciso XXIV do art. 24 da Lei<br />
8.666/93) diz respeito às Organizações Sociais (OS), entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado,<br />
sem fins lucrativos, <strong>de</strong>stinadas a atuar nas áreas do ensino, da pesquisa científica,<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, da proteção e preservação do meio ambiente,<br />
da cultura e da saú<strong>de</strong>.<br />
O seu surgimento antece<strong>de</strong>u à chamada Reforma Administrativa (EC 19,<br />
<strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998).<br />
Nesse contexto, a Lei 9.637/98 criou as referidas entida<strong>de</strong>s com o objetivo<br />
<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> parceria entre o Estado e a socieda<strong>de</strong> na prestação <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> natureza social que não sejam exclusivos do Estado.<br />
A idéia era mo<strong>de</strong>rnizar a administração pública, criando instrumentos capazes<br />
<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r aos fins do Estado e aos interesses da socieda<strong>de</strong>.<br />
Daí a razão da EC 19/98 ter incluído o § 8º no art. 37 da CF.<br />
A partir daí possibilitou-se a ampliação da autonomia gerencial, orçamentária<br />
e financeira dos órgãos e entida<strong>de</strong>s da administração direta e indireta, a ser<br />
realizada mediante contrato, a ser firmado entres seus administradores e o po<strong>de</strong>r<br />
público.<br />
O voto <strong>de</strong> Ilmar afastou, <strong>de</strong> forma competente, todas as alegações <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
das normas atacadas.<br />
Dele não divirjo.
602<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Faço apenas duas breves colocações.<br />
Quanto à fiscalização dos contratos <strong>de</strong> gestão, esses <strong>de</strong>vem conter 1 :<br />
(a) forma como a autonomia será exercida;<br />
(b) metas a serem cumpridas pelo órgão ou entida<strong>de</strong> no prazo estabelecido<br />
no contrato;<br />
(c) controle <strong>de</strong> resultado.<br />
Uma vez celebrados tais contratos, haverá necessário aumento no controle<br />
do Estado sobre a organização contratada.<br />
E isso inclui o inafastável controle externo imposto pela própria Constituição.<br />
A fiscalização caberá ao próprio órgão ou entida<strong>de</strong> pública responsável<br />
pelo contrato.<br />
Caso verificado qualquer tipo <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong> na utilização<br />
<strong>de</strong> recursos ou bens <strong>de</strong> origem pública por organização social, o responsável dará<br />
ciência ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> solidária<br />
(art. 9º da lei).<br />
No tocante à restrição feita por Pertence (quanto à saú<strong>de</strong>), entendo, conforme<br />
Moreira, não haver imposição <strong>de</strong> monopólio em nenhuma das ativida<strong>de</strong>s<br />
citadas pela lei.<br />
Afastadas, portanto, quaisquer alegações <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Em razão do exposto, acompanho o Relator.<br />
In<strong>de</strong>firo a liminar.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 1.923-MC/DF — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Requerentes: Partido<br />
dos Trabalhadores – PT (Advogados: Alberto Moreira Rodrigues e outros)<br />
e Partido Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Ronaldo Jorge Araújo<br />
Vieira Júnior e outros). Requeridos: Presi<strong>de</strong>nte da República e Congresso Nacional.<br />
Decisão: Renovado o pedido <strong>de</strong> vista do Ministro Nelson Jobim, justificadamente,<br />
nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
2003. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.<br />
Decisão: Após o voto do Presi<strong>de</strong>nte, Ministro Nelson Jobim, que in<strong>de</strong>feria<br />
o pedido <strong>de</strong> liminar, acompanhando o Relator, pediu vista dos autos o Ministro<br />
Eros Grau. Não participa da votação o Ministro Carlos Britto, por suce<strong>de</strong>r ao<br />
Ministro Ilmar Galvão, Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso <strong>de</strong><br />
Mello e, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.<br />
1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 5. ed. São Paulo: Atlas<br />
Jurídica, 2005. p. 263.
R.T.J. — <strong>204</strong> 603<br />
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso,<br />
Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-<br />
Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido<br />
Democrático Trabalhista (PDT) propõem ação direta em que questionam a<br />
constitucionalida<strong>de</strong> da Lei 9.637, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, que dispõe sobre: (i) a<br />
qualificação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como organizações sociais; (ii) a criação do Programa<br />
Nacional <strong>de</strong> Publicização; (iii) a extinção dos órgãos e entida<strong>de</strong>s que ela, a lei,<br />
menciona; e (iv) a absorção <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s por organizações sociais. Questionam<br />
ainda a constitucionalida<strong>de</strong> do inciso XXIV1 do art. 24 da Lei 8.666/93 com<br />
a redação que lhe foi conferida pelo art. 1º da Lei 9.648, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
2. Relator do feito à época, o Ministro Ilmar Galvão in<strong>de</strong>feriu o pedido<br />
liminar, afirmando que os textos normativos impugnados não transferem a entida<strong>de</strong>s<br />
privadas a prestação <strong>de</strong> serviços públicos, mas apenas possibilitam que<br />
o Estado estabeleça parcerias com particulares visando a maior eficiência no<br />
<strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s relacionadas no art. 1º da Lei 9.637/98. O Ministro<br />
Moreira Alves acompanhou integralmente o Relator. Os Ministros Sepúlveda<br />
Pertence e Néri da Silveira acompanharam-no no tocante aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
3. O Ministro Nelson Jobim acompanhou o Relator, observando que a Lei<br />
9.637/98 criou as organizações sociais “com o objetivo <strong>de</strong> servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
parceria entre o Estado e a socieda<strong>de</strong> na prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> natureza social<br />
que não sejam exclusivos do Estado”, possibilitando “a ampliação da autonomia<br />
gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entida<strong>de</strong>s da administração<br />
direta e indireta”. Pedi vista dos autos para melhor exame.<br />
4. Os Requerentes questionam a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preceitos cuja<br />
vigência iniciou-se em 1998. Embora longo seja já o tempo <strong>de</strong> vigência dos<br />
preceitos impugnados, tamanha e <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m a sua inconstitucionalida<strong>de</strong>, como<br />
veremos a seguir, que a concessão da liminar se justifica. Inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
reiteradamente perniciosa e nociva, que torna corrente o periculum in mora.<br />
5. Sustentam que os textos normativos impugnados violam os seguintes<br />
preceitos da Constituição do Brasil: art. 5º, XVII e XVIII; art. 22, XXVII; art.<br />
23, I, II, III, IV, VI e VII; art. 37, II e XXI; art. 40, I, III, a a d e § 4º; art. 49, X;<br />
art. 70; art. 71, II, III; art. 74, I, II, III, IV, § 1º e § 2º; art. 129, I, II, III; art. 169,<br />
§ 1º, I, II; art. 175, caput; art. 194, caput e parágrafo único; art. 196; art. 197; art.<br />
1 “XXIV – para a celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços com as organizações sociais,<br />
qualificadas no âmbito das respectivas esferas <strong>de</strong> governo, para ativida<strong>de</strong>s contempladas no contrato<br />
<strong>de</strong> gestão.”
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199, § 1º; art. 205; art. 206, III, IV, VI; art. 208, I a VII, § 1º e § 2º; art. 211, § 1º;<br />
art. 213, I, II; art. 215, caput; art. 216, I a V e § 1º; art. 218, § 1º, § 2º, § 3º e § 5º; art.<br />
225, § 1º, I, II, V e VII; e art. 209.<br />
6. O art. 1º da Lei 9.637/98 autoriza o Po<strong>de</strong>r Executivo a “qualificar como<br />
organizações sociais pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado, sem fins lucrativos,<br />
cujas finalida<strong>de</strong>s sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à<br />
saú<strong>de</strong>”, atendidos os requisitos nessa mesma lei previstos.<br />
7. Educação e saú<strong>de</strong> consubstanciam serviço público, não obstante possam<br />
ser prestados pelo setor privado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> concessão ou permissão.<br />
As outras ativida<strong>de</strong>s – atinentes à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
à proteção e preservação do meio ambiente e à cultura – não constituem<br />
privilégio estatal, ainda que o Estado possa empreendê-las. Deva, em verda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>va empreendê-las, eis que – mercê do <strong>de</strong>ver-po<strong>de</strong>r que o vincula – o Estado<br />
po<strong>de</strong> tudo quanto <strong>de</strong>ve fazer; nada mais, nada além disso. Isso pretendo enfatizar:<br />
o Estado não po<strong>de</strong> mais do quanto <strong>de</strong>va fazer; por isso tenho afirmado que po<strong>de</strong><br />
tudo quanto <strong>de</strong>va fazer.<br />
8. Pois o que <strong>de</strong>sejo afirmar é que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer dos<br />
preceitos introduzidos no nosso or<strong>de</strong>namento jurídico pela Lei 9.637/98, agentes<br />
econômicos privados estavam já autorizados a, em nome próprio, explorar ativida<strong>de</strong>s<br />
relacionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saú<strong>de</strong>.<br />
9. Quanto ao ensino e à saú<strong>de</strong>, repito: consubstanciam serviços públicos.<br />
Tanto os serviços <strong>de</strong> educação quanto os atinentes à saú<strong>de</strong>, seja os prestados<br />
pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público<br />
não privativo, isto é, serviço público que po<strong>de</strong> ser prestado pelo setor privado<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> concessão, permissão ou autorização. São, porém, sem<br />
sombra <strong>de</strong> dúvida, serviço público. O art. 1992 e o art. 2093 da Constituição do<br />
Brasil afirmam que a assistência à saú<strong>de</strong> e o ensino são livres à iniciativa privada,<br />
isso significando que o setor privado po<strong>de</strong> prestar esses serviços públicos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
da outorga <strong>de</strong> concessão ou permissão pelo Estado. Reporto-me,<br />
neste passo, aos votos que proferi nas ADI 1.007 e 1.266. Daí por que, como observei,<br />
agentes econômicos do setor privado estavam já autorizados a, em nome<br />
próprio, explorar ativida<strong>de</strong>s relacionadas ao ensino e à saú<strong>de</strong>. Quanto às <strong>de</strong>mais<br />
ativida<strong>de</strong>s – relacionadas à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
à proteção e preservação do meio ambiente e à cultura –, são <strong>de</strong>ver do Estado,<br />
nos termos do disposto nos arts. 215, 218 e 225 da Constituição do Brasil. Mas o<br />
setor privado po<strong>de</strong> empreendê-las, <strong>de</strong> modo que a lei <strong>de</strong> que se cuida não inova,<br />
neste sentido, o or<strong>de</strong>namento.<br />
2 “Art. 199. A assistência à saú<strong>de</strong> é livre à iniciativa privada.”<br />
3 “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento<br />
das normas gerais <strong>de</strong> educação nacional; II – autorização e avaliação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Público.”
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10. São outras as inovações por ela trazidas. Quem prestigiasse a busca da<br />
intenção ou vonta<strong>de</strong> do legislador – método <strong>de</strong> interpretação que a nova hermenêutica<br />
<strong>de</strong>spreza4 – diria que essa lei, na crista do chamado neoliberalismo,<br />
instrumenta a redução do tamanho do Estado, na re<strong>de</strong>finição do seu papel. O<br />
legislador teria sido inspirado por uma “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforma do Estado”. Suce<strong>de</strong>,<br />
para azar dos que preten<strong>de</strong>m substituir o Estado pela socieda<strong>de</strong> civil (rectius,<br />
pelo mercado), que essa redução e essa re<strong>de</strong>finição são incompatíveis com a<br />
Constituição do Brasil, cujos arts. 1º, 3º e 170 permanecem íntegros, sem que<br />
nenhuma emenda nela introduzida os tenha afetado. E isso <strong>de</strong> tal sorte que a sua<br />
normativida<strong>de</strong> permanece voltada à construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> livre, justa e<br />
solidária; à garantia do <strong>de</strong>senvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e<br />
da marginalização, bem assim à redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e regionais;<br />
à promoção do bem <strong>de</strong> todos; à afirmação da soberania, da cidadania e do valor<br />
social do trabalho, bem assim do valor social da livre iniciativa; à realização da<br />
justiça social.<br />
11. Resta ver, <strong>de</strong>starte, quais as inovações efetivamente aportadas ao or<strong>de</strong>namento<br />
<strong>de</strong> direito positivo infraconstitucional brasileiro pela Lei 9.637/98.<br />
Em síntese, ela (i) <strong>de</strong>fine requisitos para que pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado,<br />
sem fins lucrativos, possam ser qualificadas como “organizações sociais” (arts.<br />
1º a 4º); (ii) trata do que chama <strong>de</strong> “contrato <strong>de</strong> gestão”, dispondo sobre a sua<br />
execução e fiscalização (arts. 5º a 10); (iii) dispõe sobre o “fomento às ativida<strong>de</strong>s<br />
sociais” (arts. 11 a 15); (iv) cuida da “<strong>de</strong>squalificação” das organizações sociais<br />
(art. 16); e (v) enuncia disposições finais e transitórias (arts. 17 a 25).<br />
12. Os quatro primeiros artigos prestam-se a i<strong>de</strong>ntificar as “organizações<br />
sociais”, pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado que celebrarão contratos <strong>de</strong> gestão<br />
com o “po<strong>de</strong>r público”. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão como o “instrumento<br />
firmado entre o po<strong>de</strong>r público e a entida<strong>de</strong> qualificada como organização social”<br />
causa espanto. Pois a <strong>de</strong> número 9.637 é uma lei que, sem sombra <strong>de</strong> dúvida,<br />
muito inova a ciência do direito: seu art. 5º <strong>de</strong>fine como contrato não o vínculo,<br />
mas seu instrumento... Seja como for, a celebração <strong>de</strong>sse contrato <strong>de</strong> gestão com<br />
o po<strong>de</strong>r público habilitará a organização social ao <strong>de</strong>sfrute <strong>de</strong> certas vantagens.<br />
Mais do que vantagens, favores <strong>de</strong>smedidos, visto que essa contratação não é<br />
antecedida <strong>de</strong> licitação.<br />
13. Uma das inovações ao or<strong>de</strong>namento jurídico aportada pela lei está em<br />
que às organizações sociais po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>stinados recursos orçamentários e<br />
bens públicos móveis e imóveis com dispensa <strong>de</strong> licitação (art. 12 e parágrafos).<br />
Para recebê-los, a organização social, como observa Celso Antonio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Mello5 , “não necessita <strong>de</strong>monstrar habilitação técnica ou econômico-financeira<br />
<strong>de</strong> qualquer espécie. Basta a concordância do Ministro da área (ou mesmo do<br />
titular do órgão que a supervisione) (...)”.<br />
4 Vi<strong>de</strong> meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros,<br />
2005. p. 120 et seq.<br />
5 Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 221-2.
606<br />
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14. Mas não é só. É facultada ainda ao Po<strong>de</strong>r Executivo a “cessão especial<br />
<strong>de</strong> servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem” (arts. 13 a 15).<br />
Uma coisa nunca vista. Direi neste passo apenas isso, além <strong>de</strong> me permitir a<br />
transcrição <strong>de</strong> pequeno trecho <strong>de</strong> Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello 6 :<br />
Enquanto para travar relações contratuais singelas (como um contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />
serviços ou <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> obras) o preten<strong>de</strong>nte é obrigado a minuciosas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong><br />
aptidão, inversamente, não se faz exigência <strong>de</strong> capital mínimo nem <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> qualquer<br />
suficiência técnica para que um interessado receba bens públicos, móveis ou imóveis,<br />
verbas públicas e servidores públicos custeados pelo Estado, consi<strong>de</strong>rando-se bastante para a<br />
realização <strong>de</strong> tal operação a simples aquiescência <strong>de</strong> dois Ministros <strong>de</strong> Estado ou, conforme<br />
o caso, <strong>de</strong> um Ministro e <strong>de</strong> um supervisor da área correspon<strong>de</strong>nte à ativida<strong>de</strong> exercida pela<br />
pessoa postulante ao qualificativo <strong>de</strong> “organização social”. Trata-se, pois, da outorga <strong>de</strong> uma<br />
discricionarieda<strong>de</strong> literalmente inconcebível, até mesmo escandalosa, por sua <strong>de</strong>smedida amplitu<strong>de</strong>,<br />
e que permitirá favorecimentos <strong>de</strong> toda a espécie.<br />
Há nisto uma inconstitucionalida<strong>de</strong> manifesta, pois se trata <strong>de</strong> postergar o princípio<br />
constitucional da licitação (art. 37, XXI) e, pois, o princípio constitucional da isonomia (art.<br />
5º), do qual a licitação é simples manifestação punctual, conquanto abrangente também <strong>de</strong><br />
outro propósito (a busca do melhor negócio).<br />
15. A circunstância <strong>de</strong> o art. 37, XXI, permitir seja excepcionada, nos casos<br />
previstos em lei, a exigência <strong>de</strong> licitação para a seleção dos que po<strong>de</strong>rão celebrar<br />
contratos com a administração, essa circunstância não libera o legislador para,<br />
discricionariamente, afastar o certame quando lhe aprouver. Permito-me tornar a<br />
dizer que não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços. Tenho insistido<br />
em que a interpretação do direito é interpretação do direito, não <strong>de</strong> textos isolados,<br />
<strong>de</strong>sprendidos do direito. Não se interpretam textos <strong>de</strong> direito, isoladamente,<br />
mas sim o direito – a Constituição – no seu todo7 . Por isso, embora a Constituição<br />
autorize o legislador a excepcionar a exigência da licitação, ele o fará, se e<br />
quando o fizer, sob as vinculações que a totalida<strong>de</strong> normativa que a Constituição<br />
é impõe, especialmente a vinculação pela igualda<strong>de</strong>.<br />
16. A concreção do princípio da igualda<strong>de</strong> reclama a prévia <strong>de</strong>terminação<br />
<strong>de</strong> quais sejam os iguais e quais os <strong>de</strong>siguais, até porque – e isso é repetido quase<br />
que automaticamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Platão e Aristóteles8 – a igualda<strong>de</strong> consiste em dar<br />
tratamento igual aos iguais e <strong>de</strong>sigual aos <strong>de</strong>siguais. Vale dizer: o direito <strong>de</strong>ve<br />
distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim <strong>de</strong> conferir tratamentos normativos<br />
diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais entre si. A questão<br />
que fica – crucial – está em sabermos, na dicção ainda <strong>de</strong> Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> Mello9 , “que espécie <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> veda e que tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> faculta a<br />
discriminação <strong>de</strong> situações e <strong>de</strong> pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos<br />
transfundidos no princípio constitucional da isonomia”.<br />
6 Ob. cit., p. 222.<br />
7 Meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros,<br />
2005. p. 127.<br />
8 Platão, Leis, VI 757; Aristóteles, Política, III, 9 (1280a) e Ética a Nicômano, v. 6 (1131a).<br />
9 O conteúdo jurídico do princípio da igualda<strong>de</strong>. São Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 1978. p. 15/16.
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17. Tudo se torna mais claro na medida em que consi<strong>de</strong>rarmos o quanto<br />
afirma Kelsen 10 :<br />
os homens (assim como as circunstâncias externas) apenas po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados<br />
como iguais, ou, por outras palavras, apenas há homens iguais (ou circunstâncias externas<br />
iguais), na medida em que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que <strong>de</strong> fato entre eles existem não sejam tomadas<br />
em consi<strong>de</strong>ração. Se não há que tomar em conta quaisquer <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sejam elas quais<br />
forem, todos são iguais e tudo é igual.<br />
18. E prossegue, adiante11 , observando que o princípio “postula não apenas<br />
um tratamento igual, mas também um tratamento <strong>de</strong>sigual. Por isso, tem <strong>de</strong> haver<br />
uma norma correspon<strong>de</strong>nte a este princípio que expressamente <strong>de</strong>fina certas qualida<strong>de</strong>s<br />
em relação às quais as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s hão <strong>de</strong> ser tidas em conta, a fim <strong>de</strong><br />
que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em relação às outras qualida<strong>de</strong>s possam permanecer irrelevantes,<br />
a fim <strong>de</strong> que possam haver <strong>de</strong> todo em todo, portanto, indivíduos ‘iguais’.<br />
‘Iguais’ são aqueles indivíduos que, em relação às qualida<strong>de</strong>s assim <strong>de</strong>terminadas,<br />
não são <strong>de</strong>siguais. E o po<strong>de</strong>rem, <strong>de</strong> todo em todo, existir indivíduos ‘iguais’<br />
é a conseqüência do fato <strong>de</strong> que, se não todas, pelo menos certas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
não são consi<strong>de</strong>radas” (grifo no original).<br />
19. Por isso mesmo a lei – como qualquer outro texto normativo – po<strong>de</strong>,<br />
sem violação do princípio da igualda<strong>de</strong>, distinguir situações, a fim <strong>de</strong> conferir a<br />
um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo,<br />
sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guar<strong>de</strong> compatibilida<strong>de</strong><br />
com o conteúdo do princípio. Procurando dar resposta à indagação<br />
a respeito <strong>de</strong> quais situações e pessoas po<strong>de</strong>m ser discriminadas sem quebra e<br />
agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia,<br />
a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão toma como fio condutor o<br />
seguinte:<br />
a máxima da igualda<strong>de</strong> é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento<br />
legal igual não seja possível encontrar uma razão a<strong>de</strong>quada, que surja da natureza da<br />
coisa ou que, <strong>de</strong> alguma forma, seja compreensível, isto é, quando a disposição tenha <strong>de</strong> ser<br />
qualificada <strong>de</strong> arbitrária 12 .<br />
20. Dir-se-á, pois, que uma discriminação será arbitrária quando “não<br />
seja possível encontrar, para a diferenciação legal, alguma razão a<strong>de</strong>quada<br />
que surja da natureza das coisas ou que, <strong>de</strong> alguma forma, seja concretamente<br />
compreensível” 13 .<br />
21. Pois exatamente isso se dá na hipótese da Lei 9.637/98: não há razão<br />
nenhuma a justificar a celebração <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão com as organizações<br />
sociais, bem assim a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> recursos orçamentários e <strong>de</strong> bens públicos<br />
10 Ob. cit., p. 67.<br />
11 I<strong>de</strong>m, p. 70/71.<br />
12 Cf. ALEXY, Robert. Theorie <strong>de</strong>r Grundrechte, Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1986, p. 366.<br />
13 I<strong>de</strong>m, p. 370.
608<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
móveis e imóveis a elas, tudo com dispensa <strong>de</strong> licitação. Mais grave ainda a<br />
afrontosa agressão ao princípio da licitação quando se consi<strong>de</strong>re que é facultada<br />
ao Po<strong>de</strong>r Executivo a “cessão especial <strong>de</strong> servidor para as organizações sociais,<br />
com ônus para a origem”. Inconstitucionalida<strong>de</strong> chapada, como diria o Ministro<br />
Pertence, inconstitucionalida<strong>de</strong> que se manifesta também no preceito veiculado<br />
pelo inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93, com a redação que lhe foi conferida<br />
pelo art. 1º da Lei 9.648, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
22. Mas não apenas esses preceitos – o art. 1º da Lei 9.648/98 e os arts. 11<br />
a 15 da Lei 9.637/98 – são inconstitucionais. Também o são o art. 5º – na medida<br />
em que coloca sob um in<strong>de</strong>finido e difuso regime <strong>de</strong> “parceria” o cumprimento<br />
<strong>de</strong> função (= <strong>de</strong>ver-po<strong>de</strong>r) do Estado – e o art. 20, que prevê a criação <strong>de</strong> um<br />
“Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização (PNP)”, cujo objetivo, bem ao contrário<br />
do que o nome (com sarcasmo?) preten<strong>de</strong>ria indicar, é a privatização <strong>de</strong> funções<br />
estatais. Dessas funções não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir o Estado sem agressão ao disposto<br />
nos arts. 1º, 3º, 215, 218 e 225 da Constituição do Brasil.<br />
23. Os preceitos veiculados pelos arts. 1º a 4º, 7º a 11 e 16 a 19 tornam-se<br />
inócuos na medida em que venham a ser liminarmente suspensos os efeitos dos<br />
artigos cuja inconstitucionalida<strong>de</strong> parece incontestável. O art. 6º estabelece que<br />
o contrato <strong>de</strong> gestão será “elaborado <strong>de</strong> comum acordo entre o órgão ou entida<strong>de</strong><br />
supervisora e a organização social” – incorporando ao direito a afirmação (pasmem!)<br />
<strong>de</strong> que o contrato, apesar <strong>de</strong> ser um “instrumento”, é um acordo <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s...<br />
E estabelece, em seqüência, que o contrato discriminará as atribuições,<br />
responsabilida<strong>de</strong>s e obrigações das partes...<br />
24. Quanto ao disposto nos arts. 21 a 23, tenho-os à primeira vista como dotados<br />
<strong>de</strong> efeitos concretos, o que inviabilizaria a sua apreciação em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle<br />
concentrado <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Examinarei essa matéria posteriormente,<br />
quando cuidarmos do mérito da presente ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Assim, divergindo dos que me antece<strong>de</strong>ram, com as vênias <strong>de</strong> estilo, concedo<br />
a liminar para suspen<strong>de</strong>r os efeitos do disposto no art. 1º da Lei 9.648, <strong>de</strong> 27<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, e nos arts. 5º, 11 a 15 e 20 da Lei 9.637/98.<br />
EXPLICAÇÃO<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Apenas rememoro aos Colegas<br />
que, com relação a alguns <strong>de</strong>sses dispositivos, especificamente o art. 1º, já se pronunciaram<br />
alguns dos Ministros aposentados. O Ministro Sepúlveda Pertence, na<br />
assentada anterior, 5-8-99, manifestou-se da seguinte forma:<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte, acompanho o eminente Relator com relação à prestação dos serviços<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
O art. 197 da Constituição, apontado como padrão da argüida inconstitucionalida<strong>de</strong>,<br />
ao contrário, dispõe:<br />
“Art. 197. São <strong>de</strong> relevância pública as ações e serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, cabendo ao<br />
po<strong>de</strong>r público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,<br />
<strong>de</strong>vendo sua execução ser feita diretamente ou através <strong>de</strong> terceiros e, também,<br />
por pessoa física ou jurídica <strong>de</strong> direito privado.”
R.T.J. — <strong>204</strong> 609<br />
Conseqüentemente, não apenas não há, no <strong>de</strong>ver estatal para com a saú<strong>de</strong>, obrigação<br />
<strong>de</strong> prestação estatal direta, mas, ao contrário, a expressa previsão <strong>de</strong> sua prestação mediante<br />
colaboração <strong>de</strong> particulares, embora sujeitos à legislação, à regulamentação, à fiscalização e<br />
aos controles estatais.<br />
Foi essa a manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence naquela ocasião.<br />
Ainda quanto à saú<strong>de</strong>, manifestou-se o Ministro Moreira Alves:<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte, eu não preciso votar quanto ao restante <strong>de</strong>sse art. 1º. Já estou <strong>de</strong><br />
acordo em que é constitucional.<br />
O Ministro Néri da Silveira, também com relação ao art. 1º da Lei 9.637,<br />
disse o seguinte:<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte. Coloco-me nos limites <strong>de</strong>finidos pelo voto do Sr. Ministro Sepúlveda<br />
Pertence. Quer dizer, consi<strong>de</strong>ro essas entida<strong>de</strong>s no âmbito da saú<strong>de</strong> como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação<br />
com o po<strong>de</strong>r público. Enquanto qualificadas como organizações sociais, elas po<strong>de</strong>rão<br />
celebrar contratos <strong>de</strong> gestão e serviços relativos à saú<strong>de</strong> com o po<strong>de</strong>r público.<br />
As manifestações dos Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira não po<strong>de</strong>m<br />
ser alteradas, mas o Ministro Sepúlveda Pertence po<strong>de</strong>rá, eventualmente,<br />
retroce<strong>de</strong>r.<br />
Esses votos já lançados precisam ser consi<strong>de</strong>rados.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, gostaria <strong>de</strong> dizer<br />
a V. Exa. e aos eminentes Pares que compartilho, em gran<strong>de</strong> medida, das<br />
preocupações exaradas pelo eminente Ministro Eros Grau.<br />
Em tese, entendo, também, que esta lei incorpora alguns mecanismos que<br />
se prestam a escamotear, a fugir do regime <strong>de</strong> direito público que rege a prestação<br />
<strong>de</strong> serviços públicos por parte do Estado.<br />
Entretanto, estamos em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> cautelar, e trata-se <strong>de</strong> uma lei editada em<br />
1998, que está em pleno vigor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> maio daquele ano. Várias entida<strong>de</strong>s e organizações<br />
sociais já foram criadas e já estão prestando serviços. Imagino que o<br />
periculum in mora para a concessão da cautelar, em certo sentido, inverte-se e<br />
milita em favor <strong>de</strong>sses entes já constituídos.<br />
Contudo, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, penso que, talvez, pudéssemos conce<strong>de</strong>r a<br />
cautelar – e eu votaria nesse sentido – para consi<strong>de</strong>rar inconstitucional o art. 24,<br />
inciso XXIV, da Lei 8.666, Lei <strong>de</strong> Licitações – alterada nesse ponto pela Lei<br />
9.648 –, cujo texto, que favorece essas entida<strong>de</strong>s, é o seguinte:<br />
Art. 24. (...)<br />
XXIV – para a celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços com as organizações<br />
sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas <strong>de</strong> governo, para ativida<strong>de</strong>s contempladas<br />
no contrato <strong>de</strong> gestão.<br />
Então, dispensa-se a licitação.
610<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Pelo meu voto, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, a partir <strong>de</strong> agora, eu consi<strong>de</strong>raria inconstitucional<br />
esse dispositivo, e essas entida<strong>de</strong>s, em que pese o fato <strong>de</strong> continuarem<br />
provisoriamente prestando serviços até o julgamento do mérito <strong>de</strong>sta ação<br />
direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, estariam obrigadas a licitar, daqui para frente,<br />
quando fossem prestar serviços para a administração pública.<br />
Defiro em parte essa cautelar apenas para suspen<strong>de</strong>r o art. 24, inciso XXIV,<br />
da Lei 8.666, alterado pela Lei 9.648.<br />
É como voto por ora.<br />
EXPLICAÇÃO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Fico sempre impressionado com<br />
uma expressão usada pelo eminente Ministro Marco Aurélio que diz o seguinte:<br />
não po<strong>de</strong>mos pressupor o teratológico. Imagino que existem organizações sociais<br />
instituídas legalmente, que funcionem e prestem serviços regularmente, e que<br />
<strong>de</strong>vem estar prestando serviços há muitos anos.<br />
Se o Ministério Público está fiscalizando, isso é auspicioso, realmente,<br />
porque há, então, controle, fiscalização.<br />
Temo que, a essa altura – transcorridos quase nove anos da existência da<br />
lei –, se a <strong>de</strong>clararmos inconstitucional, tais entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> prestar serviço.<br />
A solução que eu estaria propondo, no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>clararmos inconstitucional<br />
o artigo que dispensa a licitação, mitigaria, e muito, os malefícios <strong>de</strong>ssas<br />
organizações, porque exigir-se-á, então, licitação pública, confronto <strong>de</strong> valores<br />
com outras entida<strong>de</strong>s, etc. Seria uma solução, talvez, provisória.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A dispensa da licitação é para contratar<br />
com a administração, não para adquirir, para contratar serviços ou compras<br />
próprias.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mas a licitação inclui serviços, obras.<br />
Eu lembraria que a cautelar, por si só, já tem um efeito ex nunc, então, os<br />
contratos atualmente existentes não seriam atingidos.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, está em votação toda<br />
a liminar?<br />
Não voto com relação ao art. 1º.<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): V. Exa. não vota em relação ao<br />
art. 1º?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Em relação ao art. 1º meu antecessor já<br />
votou, mas acompanho o voto do Ministro Eros Grau em relação ao restante, com<br />
as achegas do Ministro Ricardo Lewandowski em relação ao art. 24 da Lei 8.666.<br />
Acompanho a divergência inaugurada pelo Ministro Eros Grau.
R.T.J. — <strong>204</strong> 611<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 1.923-MC/DF — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Requerentes: Partido<br />
dos Trabalhadores – PT (Advogados: Alberto Moreira Rodrigues e outros)<br />
e Partido Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Ronaldo Jorge Araújo<br />
Vieira Júnior e outros). Requeridos: Presi<strong>de</strong>nte da República e Congresso Nacional.<br />
Decisão: Após o voto-vista do Ministro Eros Grau, <strong>de</strong>ferindo a cautelar<br />
para suspen<strong>de</strong>r a eficácia do art. 1º da Lei 9.648/98 e dos arts. 5º, 11 a 15 e 20<br />
da Lei 9.637/98, no que foi acompanhado pelo Ministro Joaquim Barbosa, e do<br />
voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que <strong>de</strong>feria a cautelar somente em relação<br />
ao art. 24, inciso XXIV, da Lei 9.648/98, pediu vista dos autos o Ministro<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s. O Tribunal <strong>de</strong>liberou retificar proclamação <strong>de</strong> assentada anterior<br />
para constar o voto do Ministro Moreira Alves que, em relação ao art. 1º da Lei<br />
9.637/98, acompanhou integralmente o Relator, e os votos dos Ministros Sepúlveda<br />
Pertence e Néri da Silveira, que, quanto ao mesmo artigo, acompanhavam o<br />
Relator em relação à prestação dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Não participam da votação,<br />
em relação ao art. 1º da Lei 9.637/98, os Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar<br />
Men<strong>de</strong>s, por suce<strong>de</strong>rem aos Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira. Não<br />
votam a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Carlos Britto, por suce<strong>de</strong>rem aos<br />
Ministros Nelson Jobim e Ilmar Galvão. Presidência da Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence, Celso <strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar<br />
Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e<br />
Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e<br />
Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: A presente ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático<br />
Trabalhista (PDT), contra a Lei 9.637, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, e também contra<br />
o inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, com a redação<br />
conferida pela Lei 9.648, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
A Lei 9.637/98 dispõe sobre a qualificação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como organizações<br />
sociais, a criação do Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização, a extinção dos órgãos e<br />
entida<strong>de</strong>s que menciona e a absorção <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s por organizações sociais,<br />
e dá outras providências.<br />
O art. 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/93 trata da dispensa <strong>de</strong> licitação para<br />
a celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços com as organizações sociais<br />
qualificadas, no âmbito das respectivas esferas <strong>de</strong> governo, para ativida<strong>de</strong>s contempladas<br />
no contrato <strong>de</strong> gestão.
612<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Relator, Ministro Ilmar Galvão, votou pelo in<strong>de</strong>ferimento da medida<br />
cautelar, no que foi acompanhado pelo Ministro Nelson Jobim, em voto-vista.<br />
Também votaram pelo in<strong>de</strong>ferimento da liminar os Ministros Moreira Alves,<br />
Néri da Silveira e Sepúlveda Pertence, ainda que apenas em relação ao art. 1º da<br />
lei, quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado firmar contratos <strong>de</strong> gestão com as <strong>de</strong>nominadas<br />
organizações sociais para prestação <strong>de</strong> serviços públicos na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
O Ministro Eros Grau abriu a divergência. Em voto-vista proferido em 2 <strong>de</strong><br />
fevereiro <strong>de</strong>ste ano (2007), Eros Grau enten<strong>de</strong>u que a lei impugnada pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong><br />
“inconstitucionalida<strong>de</strong> chapada”, acentuando a violação à regra da licitação e ao<br />
princípio da igualda<strong>de</strong>. Está consignado, em seu voto, o seguinte:<br />
Os quatro primeiros artigos prestam-se a i<strong>de</strong>ntificar as “organizações sociais”, pessoas<br />
jurídicas <strong>de</strong> direito privado que celebrarão contratos <strong>de</strong> gestão com o “po<strong>de</strong>r público”. A <strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão como “instrumento firmado entre o po<strong>de</strong>r público e a entida<strong>de</strong><br />
qualificada como organização social” causa espanto. Pois a <strong>de</strong> número 9.637 é uma lei que<br />
sem sombra <strong>de</strong> dúvida muito inova a ciência do direito: seu art. 5º <strong>de</strong>fine como contrato não o<br />
vínculo, mas seu instrumento... Seja como for, a celebração <strong>de</strong>sse contrato <strong>de</strong> gestão com o po<strong>de</strong>r<br />
público habilitará a organização ao <strong>de</strong>sfrute <strong>de</strong> certas vantagens. Mais do que vantagens,<br />
favores <strong>de</strong>smedidos, visto que essa contratação não é antecedida <strong>de</strong> licitação.<br />
Uma das inovações ao or<strong>de</strong>namento jurídico aportada pela lei está em que às organizações<br />
sociais po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>stinados recursos orçamentários e bens públicos móveis e imóveis<br />
com dispensa <strong>de</strong> licitação (art. 12 e parágrafos). Para recebê-los, a organização social, como<br />
observa Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, “não necessita <strong>de</strong>monstrar habilitação técnica ou<br />
econômico-financeira <strong>de</strong> qualquer espécie. Basta a concordância do Ministro da área (ou mesmo<br />
do titular do órgão que a supervisione) (...)”.<br />
Mas não é só. É facultada ainda ao Po<strong>de</strong>r Executivo a “cessão especial <strong>de</strong> servidor<br />
para as organizações sociais, com ônus para a origem” (arts. 13 a 15). Uma coisa nunca vista.<br />
Prossegue o Ministro Eros Grau em seu voto:<br />
Dir-se-á, pois, que uma discriminação será arbitrária quando “não seja possível encontrar,<br />
para a diferenciação legal, alguma razão a<strong>de</strong>quada que surja da natureza das coisas ou<br />
que, <strong>de</strong> alguma forma, seja concretamente compreensível”.<br />
Pois exatamente isso se dá na hipótese da Lei 9.637/98: não há razão nenhuma a justificar<br />
a celebração <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão com as organizações sociais, bem assim a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong><br />
recursos orçamentários e <strong>de</strong> bens públicos móveis e imóveis a elas, tudo com dispensa <strong>de</strong> licitação.<br />
Mais grave ainda a afrontosa agressão ao princípio da licitação quando se consi<strong>de</strong>re que<br />
é facultada ao Po<strong>de</strong>r Executivo a “cessão especial <strong>de</strong> servidor para as organizações sociais,<br />
com ônus para a origem”. Inconstitucionalida<strong>de</strong> chapada, como diria o Ministro Pertence,<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> que se manifesta também no preceito veiculado pelo inciso XXIV do<br />
art. 24 da Lei 8.666/93 com a redação que lhe foi conferida pelo art. 1º da Lei 9.648, <strong>de</strong> 27<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
Mas não apenas esses preceitos – o art. 1º da Lei 9.648/98 e os arts. 11 a 15 da Lei 9.637/98 –<br />
são inconstitucionais. Também o são o art. 5º – na medida em que coloca sob um in<strong>de</strong>finido e difuso<br />
regime <strong>de</strong> “parceria” o cumprimento <strong>de</strong> função (= <strong>de</strong>ver-po<strong>de</strong>r) do Estado – e o art. 20, que prevê a<br />
criação <strong>de</strong> um “Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização (PNP)”, cujo objetivo, bem ao contrário do que<br />
o nome (com sarcasmo?) preten<strong>de</strong>ria indicar, é a privatização <strong>de</strong> funções estatais. Dessas funções<br />
não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir o Estado sem agressão ao disposto nos arts. 1º, 3º, 215, 218 e 225 da Constituição<br />
do Brasil.<br />
Eros Grau então concluiu pela concessão da liminar para suspen<strong>de</strong>r a<br />
vigência do art. 1º da Lei 9.648/98 e dos arts. 5º, 11 a 15 e 20 da Lei 9.637/98.
R.T.J. — <strong>204</strong> 613<br />
O Ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto <strong>de</strong> Eros Grau, com exceção<br />
dos fundamentos atinentes ao art. 1º da lei, objeto <strong>de</strong> voto <strong>de</strong> seu antecessor,<br />
o Ministro Moreira Alves.<br />
O Ministro Ricardo Lewandowski votou no sentido <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ferir a medida<br />
cautelar apenas em relação ao art. 1º da Lei 9.648/98.<br />
Pedi vista dos autos para analisar melhor o tema que, neste momento,<br />
circunscreve-se à medida cautelar. Ressalto que tal análise não abrange o art. 1º<br />
da Lei 9.637/98, objeto <strong>de</strong> voto proferido por meu antecessor, o Ministro Néri<br />
da Silveira.<br />
Passo a essa análise, mas não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lembrar, antes disso, que o<br />
julgamento <strong>de</strong>sta medida cautelar iniciou-se em 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999. Estamos,<br />
portanto, há exatos oito anos imersos nesse juízo que, há muito, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />
meramente cautelar. A <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> dos votos aqui proferidos o comprova.<br />
As normas questionadas datam do ano <strong>de</strong> 1998, estando em vigor, portanto,<br />
há quase <strong>de</strong>z anos. Estamos, como se vê, diante <strong>de</strong> um típico caso <strong>de</strong> periculum<br />
in mora inverso.<br />
A<strong>de</strong>mais, não consigo vislumbrar a presença das inconstitucionalida<strong>de</strong>s<br />
apontadas pelo Requerente, pois tenho em mente as razões que <strong>de</strong>monstrarei a<br />
seguir.<br />
I – As Organizações Sociais no contexto da Reforma do Estado no<br />
Brasil<br />
As Organizações Sociais inserem-se num contexto <strong>de</strong> Reforma do Estado<br />
brasileiro, iniciada na década <strong>de</strong> noventa e que ainda está sendo implementada.<br />
A Declaração <strong>de</strong> Madrid, aprovada em 14 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1998 pelo Conselho<br />
Diretor do Centro Latino-Americano <strong>de</strong> Administração para o Desenvolvimento<br />
(CLAD), composto pelas máximas autorida<strong>de</strong>s governamentais responsáveis<br />
pela mo<strong>de</strong>rnização da administração pública e da reforma do Estado em<br />
25 países membros, <strong>de</strong>screve o contexto em que se insere a reforma do Estado<br />
brasileiro, ou seja, a Reforma Gerencial dos Estados latino-americanos.<br />
A reforma do Estado, segundo essa <strong>de</strong>claração, tornou-se o tema central da<br />
agenda política mundial. Não se trata <strong>de</strong> uma resposta neoliberal à crise do Estado<br />
intervencionista; ou seja, a reforma não visa à redução drástica do tamanho<br />
do Estado e não prima pela predominância do mercado. Ao contrário, ela parte<br />
da constatação <strong>de</strong> que a solução para a crise do Estado não estaria no <strong>de</strong>smantelamento<br />
do aparelho estatal, mas em sua reconstrução. A Reforma Gerencial do<br />
Estado pressupõe uma modificação estrutural do aparelho estatal, não po<strong>de</strong>ndo<br />
ser confundida com mera implementação <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> gestão. Como<br />
consta da <strong>de</strong>claração, “trata-se <strong>de</strong> construir um Estado para enfrentar os novos<br />
<strong>de</strong>safios da socieda<strong>de</strong> pós-industrial, um Estado para o século XXI, que, além<br />
<strong>de</strong> garantir o cumprimento dos contratos econômicos, <strong>de</strong>ve ser forte o suficiente<br />
para assegurar os direitos sociais e a competitivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada país no cenário<br />
internacional. Busca-se, <strong>de</strong>sse modo, uma terceira via entre o laissez faire neoliberal<br />
e o antigo mo<strong>de</strong>lo social-burocrático <strong>de</strong> intervenção estatal”.
614<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A Reforma Gerencial do Estado não faz parte apenas da pauta políticoadministrativa<br />
brasileira, mas tem sido implementada em diversos países, principalmente<br />
no contexto latino-americano, com vistas a tornar a gestão pública mais<br />
ágil e flexível frente aos novos <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> complexa. Conforme<br />
a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Madrid, “o mo<strong>de</strong>lo gerencial – <strong>de</strong> Reforma do Estado – tem como<br />
inspiração as transformações organizacionais ocorridas no setor privado, as quais<br />
têm alterado a forma burocrática-piramidal <strong>de</strong> administração, flexibilizando a<br />
gestão, diminuindo os níveis hierárquicos e, por conseguinte, aumentando a autonomia<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão dos gerentes – daí o nome gerencial. Com estas mudanças,<br />
saiu-se <strong>de</strong> uma estrutura baseada em normas centralizadas para outra ancorada na<br />
responsabilização dos administradores, avaliados pelos resultados efetivamente<br />
produzidos. Este novo mo<strong>de</strong>lo busca respon<strong>de</strong>r mais rapidamente às gran<strong>de</strong>s mudanças<br />
ambientais que acontecem na economia e na socieda<strong>de</strong> contemporâneas.<br />
(...) Em suma [afirma a <strong>de</strong>claração] ‘o governo não po<strong>de</strong> ser uma empresa, mas<br />
po<strong>de</strong> se tornar mais empresarial’, isto é, po<strong>de</strong> ser mais ágil e flexível frente às<br />
gigantescas mudanças ambientais que atingem a todas as organizações”.<br />
No Brasil, a re<strong>de</strong>finição do papel do Estado e sua reconstrução têm importância<br />
<strong>de</strong>cisiva em razão <strong>de</strong> sua incapacida<strong>de</strong> para absorver e administrar com<br />
eficiência todo o imenso peso das <strong>de</strong>mandas que lhe são dirigidas, sobretudo na<br />
área social. O esgotamento do mo<strong>de</strong>lo estatal intervencionista, a patente ineficácia<br />
e ineficiência <strong>de</strong> uma administração pública burocrática baseada em um vetusto<br />
mo<strong>de</strong>lo weberiano, assim como a crise fiscal, todos observados em gran<strong>de</strong> escala<br />
na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> oitenta, tornaram imperiosa a reconstrução do<br />
Estado brasileiro nos mol<strong>de</strong>s já referidos <strong>de</strong> um Estado gerencial, capaz <strong>de</strong> resgatar<br />
sua autonomia financeira e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementar políticas públicas 1 .<br />
Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong>finição do papel do Estado, que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
ser agente interventor e produtor direto <strong>de</strong> bens e serviços, para se concentrar na<br />
função <strong>de</strong> promotor e regulador do <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social.<br />
Assim, a Reforma do Estado brasileiro envolveu, num primeiro momento<br />
ou numa primeira geração <strong>de</strong> reformas, alguns programas e metas, voltados primordialmente<br />
para o mercado, tais como a abertura comercial, o ajuste fiscal, a<br />
estabilização econômica, a reforma da previdência social e a privatização <strong>de</strong> empresas<br />
estatais, a criação <strong>de</strong> agências reguladoras, quase todas já implementadas,<br />
ainda que parcialmente, na década <strong>de</strong> noventa.<br />
Uma vez eliminado o perigo hiperinflacionário e efetivada a estabilização<br />
da economia, o <strong>de</strong>safio atual está na formulação e efetivação <strong>de</strong> políticas públicas<br />
voltadas para o social, primordialmente nas áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, moradia e educação.<br />
Constatada, no entanto, a incapacida<strong>de</strong> do aparato estatal para dar conta <strong>de</strong> todas<br />
as <strong>de</strong>mandas sociais, o foco passou a ser a Reforma do Aparelho do Estado 2 .<br />
1 Cf.: Presidência da República. Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Plano<br />
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, novembro <strong>de</strong> 1995.<br />
2 É preciso distinguir a reforma do Estado da reforma do aparelho do Estado. A reforma do Estado é<br />
um projeto mais amplo que diz respeito às várias áreas do governo e, ainda, ao conjunto da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira, enquanto a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada
R.T.J. — <strong>204</strong> 615<br />
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado 3 – elaborado pelo<br />
Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e da Reforma do Estado, do Governo do<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso (1995) – contém os programas e metas<br />
para uma reforma <strong>de</strong>stinada à transição <strong>de</strong> “um tipo <strong>de</strong> administração pública<br />
burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno,<br />
para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o<br />
atendimento do cidadão”.<br />
Dentre esses programas e metas, assume especial importância o programa<br />
<strong>de</strong> publicização, que constitui a “<strong>de</strong>scentralização para o setor público não-estatal<br />
da execução <strong>de</strong> serviços que não envolvem o exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado,<br />
mas <strong>de</strong>vem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços <strong>de</strong> educação,<br />
saú<strong>de</strong>, cultura e pesquisa científica”. Assim consta do Plano Diretor da Reforma<br />
do Aparelho do Estado:<br />
A reforma do Estado envolve múltiplos aspectos. O ajuste fiscal <strong>de</strong>volve ao Estado a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir e implementar políticas públicas. Através da liberalização comercial,<br />
o Estado abandona a estratégia protecionista da substituição <strong>de</strong> importações. O programa <strong>de</strong><br />
privatizações reflete a conscientização da gravida<strong>de</strong> da crise fiscal e da correlata limitação da<br />
capacida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong> promover poupança forçada através das empresas estatais. Através<br />
<strong>de</strong>sse programa transfere-se para o setor privado a tarefa da produção que, em princípio,<br />
este realiza <strong>de</strong> forma mais eficiente. Finalmente, através <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> publicização,<br />
transfere-se para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou nãoexclusivos<br />
<strong>de</strong> Estado, estabelecendo-se um sistema <strong>de</strong> parceria entre Estado e socieda<strong>de</strong> para<br />
seu financiamento e controle. Deste modo o Estado reduz seu papel <strong>de</strong> executor ou prestador<br />
direto <strong>de</strong> serviços, mantendo-se, entretanto, no papel <strong>de</strong> regulador e provedor ou promotor<br />
<strong>de</strong>stes, principalmente dos serviços sociais como educação e saú<strong>de</strong>, que são essenciais para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento, na medida em que envolvem investimento em capital humano; para a<br />
<strong>de</strong>mocracia, na medida em que promovem cidadãos; e para uma distribuição <strong>de</strong> renda mais<br />
justa, que o mercado é incapaz <strong>de</strong> garantir, dada a oferta muito superior à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mão <strong>de</strong><br />
obra não-especializada. Como promotor <strong>de</strong>sses serviços o Estado continuará a subsidiá-los,<br />
buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participação da socieda<strong>de</strong>.<br />
O programa <strong>de</strong> publicização, portanto, permite ao Estado compartilhar com<br />
a comunida<strong>de</strong>, as empresas e o Terceiro Setor a responsabilida<strong>de</strong> pela prestação<br />
<strong>de</strong> serviços públicos como os <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e educação. Trata-se, em outros termos,<br />
<strong>de</strong> uma parceria entre Estado e socieda<strong>de</strong> na consecução <strong>de</strong> objetivos <strong>de</strong> interesse<br />
público, com maior agilida<strong>de</strong>, eficiência.<br />
As Organizações Sociais correspon<strong>de</strong>m à implementação do Programa<br />
Nacional <strong>de</strong> Publicização (PNP) e, <strong>de</strong>ssa forma, constituem estratégia central da<br />
Reforma do Estado brasileiro.<br />
II – As Organizações Sociais no contexto do Programa Nacional <strong>de</strong><br />
Publicização (PNP) da Reforma do Aparelho do Estado: a transferência ao<br />
setor público não-estatal da prestação <strong>de</strong> serviços não-exclusivos do Estado<br />
para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania. Cf.: Presidência<br />
da República. Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma<br />
do Aparelho do Estado. Brasília, novembro <strong>de</strong> 1995.<br />
3 Presidência da República. Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Plano Diretor<br />
da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, novembro <strong>de</strong> 1995.
616<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Projeto das Organizações Sociais, no âmbito do Programa Nacional <strong>de</strong><br />
Publicização (PNP), foi traçado inicialmente pelo Plano Diretor da Reforma do<br />
Aparelho do Estado4 , que previu a elaboração <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> lei que permitisse<br />
“a ‘publicização’ dos serviços não-exclusivos do Estado, ou seja, sua transferência<br />
do setor estatal para o público não-estatal”.<br />
Assim, segundo o Plano Diretor, “o Projeto das Organizações Sociais tem<br />
como objetivo permitir a <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s no setor <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />
serviços não-exclusivos, nos quais não existe o exercício do Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado, a<br />
partir do pressuposto que esses serviços serão mais eficientemente realizados se,<br />
mantendo o financiamento do Estado, forem realizados pelo setor público nãoestatal”.<br />
Os contornos jurídicos das Organizações Sociais foram <strong>de</strong>limitados no<br />
referido Plano Diretor5 , da seguinte forma:<br />
Enten<strong>de</strong>-se por “organizações sociais” as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado que, por iniciativa<br />
do Po<strong>de</strong>r Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato <strong>de</strong> gestão<br />
com esse po<strong>de</strong>r, e assim ter direito à dotação orçamentária. As organizações sociais terão<br />
autonomia financeira e administrativa, respeitadas as condições <strong>de</strong>scritas em lei específica<br />
como, por exemplo, a forma <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> seus conselhos <strong>de</strong> administração, prevenindose,<br />
<strong>de</strong>ste modo, a privatização ou a feudalização <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s. Elas receberão recursos<br />
orçamentários, po<strong>de</strong>ndo obter outros ingressos através da prestação <strong>de</strong> serviços, doações,<br />
legados, financiamentos, etc. As entida<strong>de</strong>s que obtenham a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizações sociais<br />
gozarão <strong>de</strong> maior autonomia administrativa, e, em compensação, seus dirigentes terão maior<br />
responsabilida<strong>de</strong> pelo seu <strong>de</strong>stino. Por outro lado, busca-se através das organizações sociais<br />
uma maior participação social, na medida em que elas são objeto <strong>de</strong> um controle direto da<br />
socieda<strong>de</strong> através <strong>de</strong> seus conselhos <strong>de</strong> administração recrutado no nível da comunida<strong>de</strong> à<br />
qual a organização serve. Adicionalmente se busca uma maior parceria com a socieda<strong>de</strong>,<br />
que <strong>de</strong>verá financiar uma parte menor, mas significativa dos custos dos serviços prestados. A<br />
transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações sociais se dará <strong>de</strong> forma<br />
voluntária, a partir da iniciativa dos respectivos ministros, através <strong>de</strong> um Programa Nacional<br />
<strong>de</strong> Publicização. Terão priorida<strong>de</strong> os hospitais, as universida<strong>de</strong>s e escolas técnicas, os centros<br />
<strong>de</strong> pesquisa, as bibliotecas e os museus. A operacionalização do programa será feita por um<br />
Conselho Nacional <strong>de</strong> Publicização, <strong>de</strong> caráter ministerial.<br />
As Organizações Sociais, portanto, traduzem um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> parceria entre<br />
o Estado e a socieda<strong>de</strong> para a consecução <strong>de</strong> interesses públicos comuns, com<br />
ampla participação da comunida<strong>de</strong>. De produtor direto <strong>de</strong> bens e serviços públicos<br />
o Estado passa a constituir o fomentador das ativida<strong>de</strong>s publicizadas, exercendo,<br />
ainda, um controle estratégico <strong>de</strong> resultados <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s. O contrato<br />
<strong>de</strong> gestão constitui o instrumento <strong>de</strong> fixação e controle <strong>de</strong> metas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />
que assegurem a qualida<strong>de</strong> e a efetivida<strong>de</strong> dos serviços prestados à socieda<strong>de</strong>.<br />
A<strong>de</strong>mais, as Organizações Sociais po<strong>de</strong>m assimilar características <strong>de</strong> gestão<br />
“cada vez mais próximas das praticadas no setor privado, o que <strong>de</strong>verá representar,<br />
entre outras vantagens: a contratação <strong>de</strong> pessoal nas condições <strong>de</strong> mercado;<br />
4 Presidência da República. Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Plano Diretor<br />
da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, novembro <strong>de</strong> 1995, p. 60.<br />
5 Presidência da República. Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Plano Diretor<br />
da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, novembro <strong>de</strong> 1995, p. 60.
R.T.J. — <strong>204</strong> 617<br />
a adoção <strong>de</strong> normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilida<strong>de</strong> na<br />
execução do seu orçamento” 6 .<br />
Decorrente do projeto traçado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho<br />
do Estado (1995), o Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização (PNP) foi então criado<br />
pela Lei 9.637/98.<br />
III – A Lei das Organizações Sociais (Lei 9.637/98)<br />
A Lei 9.637, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, questionada na presente ação direta,<br />
cria o Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização e prescreve as normas para a qualificação<br />
<strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como organizações sociais.<br />
Em seu primeiro artigo, a referida lei dispõe que o “Po<strong>de</strong>r Executivo po<strong>de</strong>rá<br />
qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado, sem<br />
fins lucrativos, cujas ativida<strong>de</strong>s sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica,<br />
ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à<br />
cultura e à saú<strong>de</strong>”.<br />
A implementação <strong>de</strong> uma organização social pressupõe duas ações complementares:<br />
a) a publicização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s executadas por entida<strong>de</strong>s estatais,<br />
as quais serão extintas; e b) a absorção <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s por entida<strong>de</strong>s privadas,<br />
que serão qualificadas como organização social (OS), por meio <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong><br />
gestão 7 .<br />
III.1 – O processo <strong>de</strong> publicização<br />
A Lei 9.637/98, em seu art. 20, dispõe sobre a criação do Programa Nacional<br />
<strong>de</strong> Publicização (PNP), com o objetivo <strong>de</strong> estabelecer diretrizes e critérios<br />
para a qualificação <strong>de</strong> organizações sociais, a fim <strong>de</strong> assegurar a absorção <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas por entida<strong>de</strong>s ou órgãos públicos da União, que atuem<br />
nas ativida<strong>de</strong>s referidas em seu art. 1º, por organizações sociais, qualificadas na<br />
forma <strong>de</strong>sta Lei, observadas as seguintes diretrizes: I – ênfase no atendimento do<br />
cidadão-cliente; II – ênfase nos resultados qualitativos e quantitativos nos prazos<br />
pactuados; III – controle social das ações <strong>de</strong> forma transparente.<br />
Assim, a publicização se refere às ativida<strong>de</strong>s (não-exclusivas <strong>de</strong> Estado) e<br />
não às entida<strong>de</strong>s. No processo <strong>de</strong> publicização, <strong>de</strong>terminadas entida<strong>de</strong>s estatais<br />
são extintas e suas ativida<strong>de</strong>s são publicizadas, ou seja, são absorvidas por entida<strong>de</strong>s<br />
privadas qualificadas como OS, <strong>de</strong> acordo com os critérios especificados<br />
na lei e mediante contrato <strong>de</strong> gestão 8 .<br />
A própria Lei 9.637/98 tratou <strong>de</strong> extinguir entida<strong>de</strong>s estatais, autorizando<br />
o Po<strong>de</strong>r Executivo a qualificar como organizações sociais as pessoas jurídicas<br />
<strong>de</strong> direito privado indicadas em seu Anexo I, permitindo, ainda, a absorção das<br />
6 Cf.: Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Ca<strong>de</strong>rnos Mare. Organizações<br />
Sociais. 5. ed. Brasília, 1998. p. 13.<br />
7 Cf.: Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Ca<strong>de</strong>rnos Mare. Organizações<br />
Sociais. 5. ed. Brasília, 1998. p. 17.<br />
8 Cf.: Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Ca<strong>de</strong>rnos Mare. Organizações<br />
Sociais. 5. ed. Brasília, 1998. p. 17.
618<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sempenhadas pelas entida<strong>de</strong>s extintas por essas novas entida<strong>de</strong>s<br />
qualificadas como OS:<br />
Art. 21. São extintos o Laboratório Nacional <strong>de</strong> Luz Síncrotron, integrante da estrutura<br />
do Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e a Fundação<br />
Roquette Pinto, entida<strong>de</strong> vinculada à Presidência da República.<br />
§ 1º Competirá ao Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado supervisionar<br />
o processo <strong>de</strong> inventário do Laboratório Nacional <strong>de</strong> Luz Síncrotron, a cargo do Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, cabendo-lhe realizá-lo<br />
para a Fundação Roquette Pinto.<br />
§ 2º No curso do processo <strong>de</strong> inventário da Fundação Roquette Pinto e até a assinatura<br />
do contrato <strong>de</strong> gestão, a continuida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s sociais ficará sob a supervisão da Secretaria<br />
<strong>de</strong> Comunicação Social da Presidência da República.<br />
§ 3º É o Po<strong>de</strong>r Executivo autorizado a qualificar como organizações sociais, nos termos<br />
<strong>de</strong>sta Lei, as pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado indicadas no Anexo I, bem assim a permitir a<br />
absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sempenhadas pelas entida<strong>de</strong>s extintas por este artigo.<br />
§ 4º Os processos judiciais em que a Fundação Roquette Pinto seja parte, ativa ou<br />
passivamente, serão transferidos para a União, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucessora, sendo representada<br />
pela Advocacia-Geral da União.<br />
Anexo I<br />
(Lei 9.637, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998)<br />
Órgão e entida<strong>de</strong><br />
extintos<br />
Laboratório<br />
Nacional <strong>de</strong> Luz<br />
Síncrotron<br />
Fundação<br />
Roquette Pinto<br />
Entida<strong>de</strong> autorizada a<br />
ser qualificada<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong><br />
Tecnologia <strong>de</strong> Luz Síncrotron<br />
(ABTLus)<br />
Associação <strong>de</strong> Comunicação<br />
Educativa Roquette<br />
Pinto (ACERP)<br />
Registro cartorial<br />
Primeiro Ofício <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Títulos e<br />
Documentos da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campinas – SP,<br />
nº <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m 169367, averbado na inscrição<br />
nº 10.814, Livro A-36, Fl. 1.<br />
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Av.<br />
Pres. Roosevelt, 126, Rio <strong>de</strong> Janeiro/RJ,<br />
apontado sob o nº <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m 624205 do<br />
protocolo do Livro A nº 54, registrado sob<br />
o nº <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m 161374 do Livro A nº 39 do<br />
Registro Civil das Pessoas Jurídicas.<br />
A Lei 9.637/98 estabelece, ainda, que as extinções e a absorção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
e serviços por organizações sociais <strong>de</strong>vem observar os seguintes preceitos<br />
(art. 22):<br />
I – os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entida<strong>de</strong>s extintos<br />
terão garantidos todos os direitos e vantagens <strong>de</strong>correntes do respectivo cargo ou emprego<br />
e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entida<strong>de</strong>s indicados no Anexo II, sendo<br />
facultada aos órgãos e entida<strong>de</strong>s supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão <strong>de</strong> servidor,<br />
irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as<br />
correspon<strong>de</strong>ntes ativida<strong>de</strong>s, observados os §§ 1º e 2º do art. 14;<br />
II – a <strong>de</strong>sativação das unida<strong>de</strong>s extintas será realizada mediante inventário <strong>de</strong> seus bens<br />
imóveis e <strong>de</strong> seu acervo físico, documental e material, bem como dos contratos e convênios,<br />
com a adoção <strong>de</strong> providências dirigidas à manutenção e ao prosseguimento das ativida<strong>de</strong>s<br />
sociais a cargo <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s, nos termos da legislação aplicável em cada caso;<br />
III – os recursos e as receitas orçamentárias <strong>de</strong> qualquer natureza, <strong>de</strong>stinados às unida<strong>de</strong>s<br />
extintas, serão utilizados no processo <strong>de</strong> inventário e para a manutenção e o financiamento<br />
das ativida<strong>de</strong>s sociais até a assinatura do contrato <strong>de</strong> gestão;
R.T.J. — <strong>204</strong> 619<br />
IV – quando necessário, parcela dos recursos orçamentários po<strong>de</strong>rá ser reprogramada,<br />
mediante crédito especial a ser enviado ao Congresso Nacional, para o órgão ou entida<strong>de</strong><br />
supervisora dos contratos <strong>de</strong> gestão, para o fomento das ativida<strong>de</strong>s sociais, assegurada a liberação<br />
periódica do respectivo <strong>de</strong>sembolso financeiro para a organização social;<br />
V – encerrados os processos <strong>de</strong> inventário, os cargos efetivos vagos e os em comissão<br />
serão consi<strong>de</strong>rados extintos;<br />
VI – a organização social que tiver absorvido as atribuições das unida<strong>de</strong>s extintas po<strong>de</strong>rá<br />
adotar os símbolos <strong>de</strong>signativos <strong>de</strong>stes, seguidos da i<strong>de</strong>ntificação “OS”.<br />
Cabe ao Po<strong>de</strong>r Executivo qualificar pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado,<br />
sem fins lucrativos, como Organizações Sociais, para o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s dirigidas<br />
ao ensino, à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, à proteção<br />
e preservação do meio ambiente, à cultura e à saú<strong>de</strong>. O art. 2º da Lei 9.637/98<br />
estabelece os requisitos específicos para que as entida<strong>de</strong>s privadas habilitem-se à<br />
qualificação como organização social:<br />
I – comprovar o registro <strong>de</strong> seu ato constitutivo, dispondo sobre:<br />
a) natureza social <strong>de</strong> seus objetivos relativos à respectiva área <strong>de</strong> atuação;<br />
b) finalida<strong>de</strong> não-lucrativa, com a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> investimento <strong>de</strong> seus exce<strong>de</strong>ntes<br />
financeiros no <strong>de</strong>senvolvimento das próprias ativida<strong>de</strong>s;<br />
c) previsão expressa <strong>de</strong> a entida<strong>de</strong> ter, como órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação superior e <strong>de</strong> direção,<br />
um conselho <strong>de</strong> administração e uma diretoria <strong>de</strong>finidos nos termos do estatuto, asseguradas<br />
àquele composição e atribuições normativas e <strong>de</strong> controle básicas previstas nesta Lei;<br />
d) previsão <strong>de</strong> participação, no órgão colegiado <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação superior, <strong>de</strong> representantes<br />
do Po<strong>de</strong>r Público e <strong>de</strong> membros da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> profissional e<br />
idoneida<strong>de</strong> moral;<br />
e) composição e atribuições da diretoria;<br />
f) obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios<br />
financeiros e do relatório <strong>de</strong> execução do contrato <strong>de</strong> gestão;<br />
g) no caso <strong>de</strong> associação civil, a aceitação <strong>de</strong> novos associados, na forma do estatuto;<br />
h) proibição <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> bens ou <strong>de</strong> parcela do patrimônio líquido em qualquer<br />
hipótese, inclusive em razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligamento, retirada ou falecimento <strong>de</strong> associado ou membro<br />
da entida<strong>de</strong>;<br />
i) previsão <strong>de</strong> incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe<br />
foram <strong>de</strong>stinados, bem como dos exce<strong>de</strong>ntes financeiros <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, em<br />
caso <strong>de</strong> extinção ou <strong>de</strong>squalificação, ao patrimônio <strong>de</strong> outra organização social qualificada<br />
no âmbito da União, da mesma área <strong>de</strong> atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados,<br />
do Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;<br />
II – haver aprovação, quanto à conveniência e oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua qualificação como<br />
organização social, do Ministro ou titular <strong>de</strong> órgão supervisor ou regulador da área <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>nte ao seu objeto social e do Ministro <strong>de</strong> Estado da Administração Fe<strong>de</strong>ral<br />
e Reforma do Estado.<br />
Segundo a lei, as entida<strong>de</strong>s qualificadas como organizações sociais são<br />
<strong>de</strong>claradas como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública, para todos os<br />
efeitos legais (art. 11).<br />
De acordo com o art. 22, § 1º, a absorção, pelas organizações sociais, das<br />
ativida<strong>de</strong>s das entida<strong>de</strong>s extintas efetivar-se-á mediante celebração <strong>de</strong> contrato<br />
<strong>de</strong> gestão.
620<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
III.2 – O contrato <strong>de</strong> gestão<br />
No conceito estabelecido pela Lei 9.637/98 (art. 5º), o contrato <strong>de</strong> gestão é<br />
o instrumento firmado entre o po<strong>de</strong>r público (por intermédio <strong>de</strong> seus Ministérios)<br />
e a entida<strong>de</strong> qualificada como organização social, com vistas à formação <strong>de</strong> parceria<br />
entre as partes para fomento e execução <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s publicizadas.<br />
O contrato <strong>de</strong> gestão, <strong>de</strong>ssa forma, discriminará as atribuições, responsabilida<strong>de</strong>s<br />
e obrigações do po<strong>de</strong>r público e da organização social (art. 6º).<br />
A principal função do contrato <strong>de</strong> gestão é a fixação <strong>de</strong> metas, assim como<br />
a <strong>de</strong>finição dos mecanismos <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e controle <strong>de</strong> resultados<br />
das ativida<strong>de</strong>s da organização social. Assim, <strong>de</strong>verá o contrato <strong>de</strong> gestão conter:<br />
I – especificação do programa <strong>de</strong> trabalho proposto pela organização social, a<br />
estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos <strong>de</strong> execução,<br />
bem como previsão expressa dos critérios objetivos <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />
a serem utilizados, mediante indicadores <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e produtivida<strong>de</strong>; II – a<br />
estipulação dos limites e critérios para <strong>de</strong>spesa com remuneração e vantagens <strong>de</strong><br />
qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações<br />
sociais, no exercício <strong>de</strong> suas funções (art. 7º).<br />
Assim, dispõe a lei que a organização social apresentará ao órgão ou entida<strong>de</strong><br />
do po<strong>de</strong>r público, supervisora signatária do contrato, ao término <strong>de</strong> cada<br />
exercício ou a qualquer momento, conforme recomen<strong>de</strong> o interesse público,<br />
relatório pertinente à execução do contrato <strong>de</strong> gestão, contendo comparativo<br />
específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado da<br />
prestação <strong>de</strong> contas correspon<strong>de</strong>nte ao exercício financeiro (art. 8º, § 1º). Os resultados<br />
atingidos com a execução do contrato <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong>vem ser analisados,<br />
periodicamente, por comissão <strong>de</strong> avaliação, indicada pela autorida<strong>de</strong> supervisora<br />
da área correspon<strong>de</strong>nte, composta por especialistas <strong>de</strong> notória capacida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quada<br />
qualificação (art. 8º, § 2º).<br />
Dispõe a lei, ainda, que às organizações sociais po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>stinados<br />
recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato<br />
<strong>de</strong> gestão.<br />
Quanto aos mecanismos <strong>de</strong> controle sobre a utilização <strong>de</strong>sses recursos e<br />
bens públicos pela organização social, a lei prescreve o seguinte:<br />
Art. 9º Os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato <strong>de</strong> gestão, ao tomarem<br />
conhecimento <strong>de</strong> qualquer irregularida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong> na utilização <strong>de</strong> recursos ou bens<br />
<strong>de</strong> origem pública por organização social, <strong>de</strong>la darão ciência ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União,<br />
sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> solidária.<br />
Art. 10. Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, quando assim exigir a<br />
gravida<strong>de</strong> dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados <strong>de</strong> malversação <strong>de</strong> bens<br />
ou recursos <strong>de</strong> origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério<br />
Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entida<strong>de</strong> para que requeira ao juízo<br />
competente a <strong>de</strong>cretação da indisponibilida<strong>de</strong> dos bens da entida<strong>de</strong> e o seqüestro dos bens dos<br />
seus dirigentes, bem como <strong>de</strong> agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente<br />
ou causado dano ao patrimônio público.<br />
§ 1º O pedido <strong>de</strong> seqüestro será processado <strong>de</strong> acordo com o disposto nos arts. 822 e<br />
825 do Código <strong>de</strong> Processo Civil.
R.T.J. — <strong>204</strong> 621<br />
§ 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio <strong>de</strong> bens,<br />
contas bancárias e aplicações mantidas pelo <strong>de</strong>mandado no País e no exterior, nos termos da<br />
lei e dos tratados internacionais.<br />
§ 3º Até o término da ação, o Po<strong>de</strong>r Público permanecerá como <strong>de</strong>positário e gestor<br />
dos bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s<br />
sociais da entida<strong>de</strong>.<br />
Como se vê, a lei, ao contrário do que afirmam os Requerentes, submete<br />
as organizações sociais a amplos mecanismos <strong>de</strong> controle interno e externo,<br />
este exercido pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas. A<strong>de</strong>mais, não subtrai, como alegam os<br />
Requerentes, qualquer função constitucional atribuída ao Ministério Público; ao<br />
contrário, a redação do art. 10 é clara ao prever que, havendo indícios fundados <strong>de</strong><br />
malversação <strong>de</strong> bens ou recursos <strong>de</strong> origem pública, os responsáveis pela fiscalização<br />
<strong>de</strong>verão representar ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União<br />
ou à Procuradoria da entida<strong>de</strong> para que requeiram ao Juízo competente a <strong>de</strong>cretação<br />
da indisponibilida<strong>de</strong> dos bens da entida<strong>de</strong> e o seqüestro dos bens dos seus<br />
dirigentes, bem como <strong>de</strong> agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido<br />
ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.<br />
Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar, outrossim, na hipótese <strong>de</strong> enriquecimento ilícito ou<br />
outros atos que impliquem danos ao erário e violação a princípios da administração<br />
pública, a responsabilização político-administrativa dos executores do contrato<br />
<strong>de</strong> gestão, com base na Lei <strong>de</strong> Improbida<strong>de</strong> Administrativa (Lei 8.429/92).<br />
A lei também prevê que o Po<strong>de</strong>r Executivo po<strong>de</strong>rá proce<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>squalificação<br />
da entida<strong>de</strong> como organização social, quando constatado o <strong>de</strong>scumprimento<br />
das disposições contidas no contrato <strong>de</strong> gestão (art. 16). A <strong>de</strong>squalificação importará<br />
reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização<br />
social, sem prejuízo <strong>de</strong> outras sanções cabíveis (art. 16, § 2º).<br />
A<strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>ve-se enfatizar que o contrato <strong>de</strong> gestão constitui um instrumento<br />
<strong>de</strong> fixação e controle <strong>de</strong> metas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho na prestação dos serviços.<br />
E, assim sendo, baseia-se em regras mais flexíveis quanto aos atos e processos,<br />
dando ênfase ao controle dos resultados. Por isso, compras e alienações submetem-se<br />
a outros procedimentos que não os <strong>de</strong> licitação com base na Lei 8.666/93,<br />
voltada para as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito público. Lembre-se, nesse ponto, que a própria<br />
Constituição autoriza a lei a criar exceções à regra da licitação (art. 37, inciso<br />
XXI). Nesse sentido, por exemplo, a Petrobras, por ser empresa pública que<br />
realiza ativida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> risco, num âmbito <strong>de</strong> competição com outras empresas<br />
privadas do setor, não se submete à Lei 8.666/93, mas a um Regulamento<br />
<strong>de</strong> Procedimento Licitatório Simplificado aprovado pelo Decreto 2.745/98, do<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República, o qual possui lastro legal no art. 67 da Lei 9.478/97.<br />
Não vislumbro, portanto, qualquer das inconstitucionalida<strong>de</strong>s apontadas<br />
pelos Requerentes.<br />
IV – A implementação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Organizações Sociais pelos Estados-membros<br />
Des<strong>de</strong> o advento da Lei 9.637/98, que estabelece o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organizações<br />
sociais a ser adotado no plano fe<strong>de</strong>ral, diversos Estados da Fe<strong>de</strong>ração implementaram<br />
seus próprios sistemas <strong>de</strong> gestão pública por meio <strong>de</strong> organizações sociais.
622<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
No Estado <strong>de</strong> São Paulo, por exemplo, foi editado o Decreto 43.493, <strong>de</strong> 29<br />
<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998, que dispõe sobre a qualificação das organizações sociais da<br />
área da cultura. É sabido que, hoje, o Museu da Pinacoteca <strong>de</strong> São Paulo funciona<br />
segundo o sistema das organizações sociais, mediante contrato <strong>de</strong> gestão firmado<br />
com a Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura. Há notícia também <strong>de</strong> que, atualmente, seguem<br />
esse mo<strong>de</strong>lo o Memorial da Imigração, o Conservatório Musical <strong>de</strong> Tatuí,<br />
o MIS, o Museu <strong>de</strong> Arte Sacra, o Museu da Casa Brasileira e o Paço das Artes.<br />
Também no Estado <strong>de</strong> São Paulo, a Lei Complementar 846, <strong>de</strong> 1998, regulamentou<br />
a parceria do Estado com entida<strong>de</strong>s filantrópicas, qualificadas como<br />
Organizações Sociais, para prestação <strong>de</strong> serviços na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mediante<br />
contrato <strong>de</strong> gestão firmado com a Secretaria <strong>de</strong> Estado da Saú<strong>de</strong>. Até o ano <strong>de</strong><br />
2005, já existiam 16 (<strong>de</strong>zesseis) serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sob contrato <strong>de</strong> gestão, abrangendo<br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> internação, <strong>de</strong> atendimento ambulatorial, <strong>de</strong> atendimento<br />
<strong>de</strong> urgência e emergência, e a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio diagnóstico e<br />
terapêutico para pacientes externos aos hospitais. Entre os anos <strong>de</strong> 1999 e 2003,<br />
o número <strong>de</strong> internações cresceu significativamente, <strong>de</strong> 29.167 para 166.399 (número<br />
<strong>de</strong> saídas); assim também o volume <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> ambulatorial, <strong>de</strong> 225.291<br />
para 1.110.547 (número <strong>de</strong> consultas); e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urgência/emergência,<br />
<strong>de</strong> 1.001.773 para 1.459.793 (número <strong>de</strong> pessoas atendidas) 9 ; o que comprova o<br />
sucesso <strong>de</strong>sse novo sistema <strong>de</strong> gestão.<br />
Em Goiás, a Lei 15.503, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, dispõe sobre a qualificação<br />
<strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como organizações sociais.<br />
Em Minas Gerais, tem-se conhecimento do programa “Choque <strong>de</strong> Gestão<br />
Pública”, implementado pelo atual governo, o qual possui como uma <strong>de</strong> suas<br />
principais metas a publicização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e serviços não-exclusivos do Estado,<br />
que ficarão a cargo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s privadas qualificadas como organizações<br />
sociais.<br />
Em Santa Catarina, a Lei 12.929, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004, instituiu o<br />
Programa Estadual <strong>de</strong> Incentivo às Organizações Sociais, regulamentado pelo<br />
Decreto 3.294, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005.<br />
Na Bahia, instituiu-se o Programa Estadual <strong>de</strong> Organizações Sociais, por<br />
meio da Lei 8.647, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2003, regulamentada pelo Decreto 8.890,<br />
<strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
Cito também as leis <strong>de</strong> Sergipe (Lei 5.217/03), <strong>de</strong> Pernambuco (Lei<br />
11.743/00), do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Lei 2.415/99), <strong>de</strong> Espírito Santo (Lei Complementar<br />
158/99).<br />
V – A experiência da Associação das Pioneiras Sociais (APS) – A Re<strong>de</strong><br />
Sarah <strong>de</strong> Hospitais do Aparelho Locomotor<br />
Além da vasta legislação estadual atualmente existente sobre o tema das<br />
organizações sociais, o que comprova a larga aceitação e o sucesso <strong>de</strong>sse novo<br />
9 Cf.: GOMES, Márcio Cida<strong>de</strong>. Organizações Sociais: A experiência da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Saú<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo. In: Levy & Drago (Orgs.). Gestão Pública no Brasil Contemporâneo. São Paulo:<br />
FUNDAP. p. 164-84.
R.T.J. — <strong>204</strong> 623<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> serviços públicos, talvez um dos argumentos mais contun<strong>de</strong>ntes<br />
para afastar a alegada necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> medida cautelar nesta<br />
ação esteja na exemplar experiência da Associação das Pioneiras Sociais (APS),<br />
instituição gestora da Re<strong>de</strong> Sarah <strong>de</strong> Hospitais do Aparelho Locomotor.<br />
Como todos sabem, a Re<strong>de</strong> Sarah <strong>de</strong> Hospitais localizados nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Brasília, Salvador, São Luís e Belo Horizonte tem prestado serviços à população,<br />
na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do aparelho locomotor, <strong>de</strong> incomensurável valia. É <strong>de</strong> conhecimento<br />
geral que, hoje, a Re<strong>de</strong> Sarah <strong>de</strong> Hospitais constitui um exemplo, e uma<br />
referência nacional e internacional, <strong>de</strong> administração mo<strong>de</strong>rna e eficiente <strong>de</strong><br />
serviços públicos na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, prestados à população <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>mocrática<br />
e transparente.<br />
A Associação das Pioneiras Sociais (APS) foi instituída, como Serviço<br />
Social Autônomo, <strong>de</strong> interesse coletivo e <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, pela Lei 8.246, <strong>de</strong><br />
1991, com o objetivo <strong>de</strong> prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos<br />
os níveis da população e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s educacionais e <strong>de</strong> pesquisa no<br />
campo da saú<strong>de</strong>, em cooperação com o po<strong>de</strong>r público (art. 1º).<br />
Como ressalta Sabo Paes 10 , a referida lei teve expresso propósito <strong>de</strong> testar<br />
um mo<strong>de</strong>lo novo <strong>de</strong> organização da assistência médico-hospitalar. Para tanto,<br />
utilizou-se, como parâmetro e referência, a experiência da Fundação das Pioneiras<br />
Sociais, fundação <strong>de</strong> direito privado, instituída em 1960, sediada no Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e mantida pelo po<strong>de</strong>r público para o atendimento à saú<strong>de</strong>. A lei extinguiu<br />
a Fundação das Pioneiras Sociais, cujo patrimônio foi incorporado ao da União<br />
pelo Ministério da Saú<strong>de</strong> e logo posto à administração do então criado Serviço<br />
Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais.<br />
O contrato <strong>de</strong> gestão foi assinado no final do ano <strong>de</strong> 1991 entre os Ministérios<br />
da Saú<strong>de</strong>, Fazenda e Administração Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> um lado, e a Associação<br />
das Pioneiras Sociais (APS), <strong>de</strong> outro. Des<strong>de</strong> então, como ressalta Sabo Paes 11 , a<br />
APS tem perseguido com <strong>de</strong>terminação a implantação <strong>de</strong> elevados padrões éticos<br />
<strong>de</strong> comportamento funcional e administrativo instituídos pela Lei 8.246/91, <strong>de</strong><br />
acordo com as <strong>de</strong>cisões do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União. A APS tem conseguido<br />
implementar as metas operacionais explicitadas no contrato <strong>de</strong> gestão após todos<br />
esses anos <strong>de</strong> existência.<br />
Assim, como afirma Sabo Paes, “o caráter autônomo da gestão <strong>de</strong>sse serviço<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que oferece a todas as camadas da população a assistência médica<br />
gratuita e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, fez da APS a primeira instituição pública não estatal<br />
brasileira atuando como uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> hospitais públicos que prestam serviços <strong>de</strong><br />
ortopedia e <strong>de</strong> reabilitação por meio <strong>de</strong> quatro unida<strong>de</strong>s hospitalares localizadas<br />
em Brasília, Salvador, São Luís e Belo Horizonte, e tem o seu programa <strong>de</strong> trabalho<br />
plurianual calcado nos seguintes objetivos gerais: 1) prestar serviço médico<br />
10 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social: Aspectos jurídicos, administrativos,<br />
contábeis e tributários. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 88.<br />
11 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social: Aspectos jurídicos, administrativos,<br />
contábeis e tributários. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 91-92.
624<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
qualificado e público na área da medicina do aparelho locomotor; 2) formar<br />
recursos humanos e promover a produção <strong>de</strong> conhecimento científico; 3) gerar<br />
informações nas áreas <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>miologia, gestão hospitalar, controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> custos dos serviços prestados; 4) exercer ação educacional e preventiva<br />
visando à redução das causas das patologias atendidas pela Re<strong>de</strong>; 5) construir e<br />
implantar novas unida<strong>de</strong>s hospitalares, expandindo o mo<strong>de</strong>lo gerencial e os serviços<br />
da Re<strong>de</strong> para outras regiões do país; e <strong>de</strong>senvolver tecnologia nas áreas <strong>de</strong><br />
construção hospitalar, <strong>de</strong> equipamentos hospitalares e <strong>de</strong> reabilitação” 12 .<br />
O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão estabelecido pela lei impugnada – Lei<br />
9.637/98 – baseou-se amplamente nesse sistema <strong>de</strong> gestão instituído pela<br />
Lei 8.246/91.<br />
VI – Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Enfim, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão pública por meio <strong>de</strong> organizações sociais, instituído<br />
pela Lei 9.637/98, tem sido implementado ao longo <strong>de</strong> todo o País e as<br />
experiências bem <strong>de</strong>monstram que a reforma da administração pública no Brasil<br />
tem avançado numa perspectiva promissora. Após uma história <strong>de</strong> burocracias,<br />
<strong>de</strong> ênfases nos atos e nos processos – que, reconheça-se, ainda não foi totalmente<br />
superada –, a administração pública no Brasil a<strong>de</strong>ntrou o século XXI com vistas<br />
aos resultados, à eficiência e, acima <strong>de</strong> tudo, à satisfação do cidadão.<br />
A Lei 9.637/98 institui um programa <strong>de</strong> publicização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e serviços<br />
não exclusivos do Estado – como o ensino, a pesquisa científica, o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnológico, a proteção e preservação do meio ambiente, a cultura e<br />
a saú<strong>de</strong> –, transferindo-os para a gestão <strong>de</strong>sburocratizada a cargo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> caráter privado e, portanto, submetendo-os a um regime mais flexível, mais<br />
dinâmico, enfim, mais eficiente.<br />
Esse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> administração gerencial realizado por entida<strong>de</strong>s públicas,<br />
ainda que não-estatais, está voltado mais para o alcance <strong>de</strong> metas do que<br />
para a estrita observância <strong>de</strong> procedimentos. A busca da eficiência dos resultados,<br />
por meio da flexibilização <strong>de</strong> procedimentos, justifica a implementação <strong>de</strong> um<br />
regime todo especial, regido por regras que respon<strong>de</strong>m a racionalida<strong>de</strong>s próprias<br />
do direito público e do direito privado.<br />
O fato é que o Direito Administrativo tem passado por câmbios substanciais<br />
e a mudança <strong>de</strong> paradigmas não tem sido compreendida por muitas pessoas.<br />
Hoje, não há mais como compreen<strong>de</strong>r esse ramo do direito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a perspectiva<br />
<strong>de</strong> uma rígida dicotomia entre o público e o privado. O Estado tem se valido<br />
cada vez mais <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> gestão inovadores, muitas vezes baseados em<br />
princípios próprios do direito privado.<br />
Nesse sentido, extraio das lições <strong>de</strong> Günther Teubner as premissas para<br />
se analisar o direito a partir <strong>de</strong> novos enfoques superadores da velha dicotomia<br />
público/privado:<br />
12 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social: Aspectos jurídicos, administrativos,<br />
contábeis e tributários. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 92-93.
R.T.J. — <strong>204</strong> 625<br />
Não gostaria <strong>de</strong> sugerir apenas a rejeição da separação entre setor público e privado<br />
como uma simplificação grosseira <strong>de</strong>mais da atual estrutura social, mas também proporia o<br />
abandono <strong>de</strong> todas as idéias <strong>de</strong> uma fusão <strong>de</strong> aspectos públicos e privados. Ao invés disso, a<br />
simples dicotomia público/privado significa que as ativida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m mais<br />
ser analisadas com ajuda <strong>de</strong> uma única classificação binária; ao contrário, a atual fragmentação<br />
da socieda<strong>de</strong> numa multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> setores sociais exige uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectivas<br />
<strong>de</strong> auto<strong>de</strong>scrição. Analogamente, o singelo dualismo Estado/socieda<strong>de</strong>, refletido na<br />
divisão do direito em público e privado, <strong>de</strong>ve ser substituído por uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> setores<br />
sociais reproduzindo-se, por sua vez, no direito. 13<br />
E, adiante, prossegue Teubner, agora tratando especificamente dos regimes<br />
<strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> serviços públicos para entida<strong>de</strong>s do âmbito privado:<br />
A própria onda <strong>de</strong> privatizações revela-se sob um aspecto completamente diferente, quando<br />
se abre mão da simples dicotomia público/privado em favor <strong>de</strong> uma policontextualida<strong>de</strong> mais<br />
sofisticada da socieda<strong>de</strong>, quando se reconhece que a autonomia privada única do indivíduo livre<br />
transforma-se nas diversas autonomias privadas <strong>de</strong> criações normativas espontâneas. Nesse sentido,<br />
privatização não se trata mais, como normalmente se enten<strong>de</strong>, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finir a fronteira entre o<br />
agir público e o privado, mas <strong>de</strong> alterar a autonomia <strong>de</strong> esferas sociais parciais por meio da substituição<br />
<strong>de</strong> seus mecanismos <strong>de</strong> acoplamento estrutural com outros sistemas sociais. Não se trata<br />
mais simplesmente <strong>de</strong> um processo em que ativida<strong>de</strong>s genuinamente políticas, antes dirigidas<br />
aos interesses públicos, transformam-se em transações <strong>de</strong> mercado economicamente voltadas<br />
ao lucro. Antes, o que se altera pela privatização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s sociais autônomas – pesquisa,<br />
educação ou saú<strong>de</strong>, por exemplo –, que apresentam seus próprios princípios <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> e<br />
normativida<strong>de</strong>, é o seu regime institucional. Em lugar <strong>de</strong> uma relação bipolar entre economia e<br />
política, <strong>de</strong>ve-se apresentar a privatização como uma relação triangular entre esses dois setores<br />
e o <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s sociais. Torna-se, assim, diretamente compreensível que a privatização leva,<br />
<strong>de</strong> fato, a uma impressionante liberação <strong>de</strong> todas as energias até então bloqueadas pelo antigo<br />
regime público. Paralelamente, no entanto, novos bloqueios <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados pelo novo regime<br />
tornam-se visíveis. Um antigo mismatch, um antigo <strong>de</strong>sequilíbrio entre ativida<strong>de</strong> e regime, é<br />
substituído por um novo mismatch.<br />
Nesse contexto é que se insere o instrumento do contrato <strong>de</strong> gestão firmado<br />
entre o po<strong>de</strong>r público e entida<strong>de</strong>s privadas, que passam a ser qualificadas como<br />
públicas, ainda que não-estatais, para a prestação <strong>de</strong> serviços públicos por meio<br />
<strong>de</strong> um regime especial em que se mesclam princípios <strong>de</strong> direito público e <strong>de</strong> direito<br />
privado.<br />
Sobre o instrumento do contrato <strong>de</strong> gestão, o Ministro Eros Grau assim se<br />
manifestou em seu voto:<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão como “instrumento firmado entre o po<strong>de</strong>r público e a<br />
entida<strong>de</strong> qualificada como organização social” causa espanto. Pois a <strong>de</strong> número 9.637 é uma<br />
lei que sem sombra <strong>de</strong> dúvida muito inova a ciência do direito: seu art. 5º <strong>de</strong>fine como contrato<br />
não o vínculo, mas seu instrumento (...)<br />
Nesse ponto, gostaria <strong>de</strong> lembrar, também com base nas lições <strong>de</strong> Günther<br />
Teubner, que a lei inova sim, mas inova em consonância com o direito privado<br />
mo<strong>de</strong>rno, no qual o contrato <strong>de</strong>ve ser compreendido não como uma relação entre<br />
pessoas, mas entre textos, entre discursos jurídicos, econômicos, tecnológicos,<br />
etc. Eis as palavras do mestre alemão:<br />
13 TEUBNER, Günther. Após a privatização: Conflitos <strong>de</strong> discurso no direito privado. In: Direito,<br />
sistema e policontextualida<strong>de</strong>. Trad. <strong>de</strong> Jürgen Volker Dittberner. Piracicaba: Unimep, 2005. p. 237.
626<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Quiçá <strong>de</strong>vêssemos ouvir o conselho do talvez maior especialista da reconstrução do<br />
direito privado, Jacques Derrida, que nos oferece a seguinte fórmula epigramática: “o laço da<br />
obrigação ou a relação <strong>de</strong> obrigação não existe entre aquele que dá e aquele que recebe, mas<br />
entre dois textos (entre dois “produtos” ou “criações”). Essas ipsissima verba são uma nova<br />
versão da teoria do contrato relacional (relational contracting), que enten<strong>de</strong> o contrato não<br />
mais como um mero consenso entre duas partes, mas sim como uma relação social complexa.<br />
De fato, gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a tese <strong>de</strong> que o direito contratual <strong>de</strong>ve ser reconstruído <strong>de</strong> forma<br />
relacional, mas não apenas no sentido comunitário, hoje predominante, da palavra, como uma<br />
relação cooperativa, simpática, calorosa <strong>de</strong> inter-humanismo no mercado, mas sim como uma<br />
relação fria e impessoal <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>. Gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um argumento estritamente<br />
antiindividualista, estritamente antieconômico para as muitas autonomias do direito<br />
privado, pelo qual o contrato não aparece mais como transação meramente econômica entre<br />
dois agentes, mas como espaço da compatibilida<strong>de</strong> entre vários projetos discursivos – entre<br />
dois mundos contratuais. Ao mesmo tempo, gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o argumento normativo<br />
<strong>de</strong> que os direitos <strong>de</strong> discursos que aparecem nesses contratos como meros fenômenos sociais,<br />
apenas <strong>de</strong> forma rudimentar e sem contornos fixos, necessitam <strong>de</strong> institucionalização jurídica.<br />
Dito <strong>de</strong> forma mais genérica: gostaria <strong>de</strong> colocar esses argumentos no contexto maior <strong>de</strong> um<br />
direito privado contemporâneo, que necessita <strong>de</strong> transformação em um direito constitucional<br />
<strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> regulação global. 14<br />
Esses são os novos pressupostos <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> um direito privado publicizado<br />
e constitucionalizado, e <strong>de</strong> um direito público submetido a racionalida<strong>de</strong>s próprias<br />
dos discursos do direito privado.<br />
Essas razões já me são suficientes para in<strong>de</strong>ferir a medida cautelar. Não<br />
vislumbro nenhuma das inconstitucionalida<strong>de</strong>s apontadas pelos Requerentes.<br />
Assim, não tenho dúvida <strong>de</strong> que, neste momento, o Tribunal não <strong>de</strong>ve adotar<br />
outra solução senão a <strong>de</strong> negar o pedido <strong>de</strong> medida liminar, para então requisitar<br />
informações <strong>de</strong>finitivas e, após, abrir vista dos autos ao Advogado-Geral<br />
da União e ao Procurador-Geral da República, para que se manifestem sobre o<br />
mérito da ação. Após o <strong>de</strong>vido trâmite procedimental, então po<strong>de</strong>remos discutir a<br />
fundo todas as questões nesta ação suscitadas.<br />
Relembro, por fim, que meu voto não abrange o art. 1º da Lei 9.637/98,<br />
objeto <strong>de</strong> voto proferido por meu antecessor, o Ministro Néri da Silveira.<br />
Assim sendo, voto pelo in<strong>de</strong>ferimento da medida cautelar nesta ação direta<br />
<strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
RETIFICAÇÃO<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, V. Exa. me permite? Votei,<br />
na última sessão, em que examinamos a matéria, pela concessão da liminar. Mas,<br />
após o voto do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, gostaria <strong>de</strong> fazer algumas consi<strong>de</strong>rações<br />
que me parecem importantes.<br />
Tenho insistido – disse isso mais <strong>de</strong> uma vez aqui, talvez <strong>de</strong> modo até<br />
impertinente – em que não se interpretam apenas os textos normativos, mas os<br />
textos e a realida<strong>de</strong>.<br />
14 TEUBNER, Günther. Mundos contratuais: O Direito na fragmentação <strong>de</strong> regimes <strong>de</strong> private governance.<br />
In: Direito, sistema e policontextualida<strong>de</strong>. Trad. <strong>de</strong> Jürgen Volker Dittberner. Piracicaba:<br />
Unimep, 2005. p. 271-272.
R.T.J. — <strong>204</strong> 627<br />
O Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s traz novos e substanciais dados da realida<strong>de</strong><br />
dos quais eu não tinha conhecimento quando votei. Aliás, só ao final do meu<br />
voto, o Ministro Sepúlveda Pertence fez uma observação, referindo-se à existência<br />
do Hospital Sarah. Eu não tinha conhecimento <strong>de</strong>sses dados da realida<strong>de</strong>,<br />
trazidos a partir daquele momento.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Eros, a excelência do Hospital<br />
Sarah Kubitschek antece<strong>de</strong>, em muito, ao instituto das organizações sociais.<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Eu sei disso.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não foi esse instituto que conferiu ao<br />
Hospital Sarah essa excelência.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Foi o mo<strong>de</strong>lo institucional adotado, <strong>de</strong><br />
1991; agora, o mo<strong>de</strong>lo institucional adotado na Fundação das Pioneiras Sociais<br />
data <strong>de</strong> 1960.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É uma fundação pública, pura e simples.<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: De qualquer modo, gostaria <strong>de</strong> insistir no seguinte:<br />
além <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong>, do Hospital Sarah, há inúmeras outras instituições <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>; há instituições – fiquei sabendo posteriormente –, no âmbito do Ministério<br />
da Ciência e Tecnologia, que são organizações sociais. Tomei conhecimento até<br />
<strong>de</strong> algumas coisas ditas com agressivida<strong>de</strong>, na imprensa, por um zoólogo ou físico...<br />
Mas não importa. Naquele momento em que votei talvez pu<strong>de</strong>sse me valer<br />
da velha expressão: “o que não está nos autos não está no mundo”. Mas a verda<strong>de</strong><br />
é que isso não po<strong>de</strong> ser tomado ao pé da letra e agora tenho conhecimento <strong>de</strong><br />
circunstâncias que estão no mundo da vida e <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas. Como já<br />
disse, nós não interpretamos apenas os textos, mas os textos e a realida<strong>de</strong>.<br />
Nenhum dos argumentos do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, em relação ao mérito,<br />
me convence. Nenhum <strong>de</strong>les. Continuo plenamente convicto <strong>de</strong> que uma série<br />
<strong>de</strong> preceitos da lei é afrontosa à or<strong>de</strong>m constitucional. Ao lado das instituições<br />
exemplares, no âmbito da saú<strong>de</strong> e da ciência e tecnologia, há situações escandalosas.<br />
Como, por exemplo, a <strong>de</strong> uma organização social no Distrito Fe<strong>de</strong>ral que,<br />
em oito anos, teria movimentado mais <strong>de</strong> três bilhões <strong>de</strong> reais.<br />
Em suma, essas circunstâncias, associadas à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nesse<br />
momento processual separarmos o joio do trigo, fazem-me reconsi<strong>de</strong>rar meu<br />
voto. Sem a<strong>de</strong>rir, <strong>de</strong> modo nenhum, a qualquer das razões <strong>de</strong> mérito do Ministro<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s – a que muito respeito –, eu diria que, na oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
examinarmos o mérito, po<strong>de</strong>remos pensar numa sentença aditiva para encontrar,<br />
efetivamente, o bom rumo. Então <strong>de</strong>cidiremos com a prudência que <strong>de</strong>ve nos caracterizar,<br />
a fronesis. Com a serenida<strong>de</strong> suficiente para não criarmos um impasse<br />
no que tange ao trigo.<br />
Nessas circunstâncias, reservando-me para o voto que <strong>de</strong>vo proferir no mérito,<br />
diante da força dos fatos e da realida<strong>de</strong>, reconsi<strong>de</strong>ro minha <strong>de</strong>cisão anterior<br />
para negar a liminar.
628<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EXPLICAÇÃO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Ministro Eros Grau, V. Exa. me permite<br />
apenas uma observação? No voto primitivo, V. Exa. não estaria julgando<br />
<strong>de</strong>finitivamente. São passados <strong>de</strong>z anos, realmente há fatos consumados. A eficácia<br />
seria a partir do momento, se majoritária a corrente, em que <strong>de</strong>ferida a medida<br />
acauteladora. Ou seja, projetada a apreciação no tempo, só teremos o agravamento<br />
da situação, com surgimento <strong>de</strong> novos casos e criação <strong>de</strong> novas organizações,<br />
complicando-se ainda mais o quadro.<br />
Por isso é que talvez, a esta altura, fosse interessante, realmente, pensarmos em<br />
in<strong>de</strong>ferir para estancar – e V. Exa. aponta como inconstitucionalida<strong>de</strong> manifesta – a<br />
prática <strong>de</strong> atos, <strong>de</strong>ixando para julgar em <strong>de</strong>finitivo com voto mais substancioso.<br />
Não acredito na repercussão ressaltada em voto pelo Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: A suspensão da cautelar da lei, hoje, com eficácia<br />
ex nunc, repercutiria diretamente sobre todos esses contratos hoje em vigor.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Po<strong>de</strong>ríamos acionar o art. 27.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Não dá para aplicar o art. 27 em relação à<br />
liminar, estamos exatamente em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> cautelar.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A liminar, normalmente, tem efeito a partir<br />
do momento em que é formalizada.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Cessaram os efeitos.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Mas para cessar o efeito da lei, e repercute<br />
nos contratos.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quanto ao surgimento <strong>de</strong> novas situações<br />
jurídicas, <strong>de</strong> novos contratos.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Tira toda a base jurídica.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: E tudo que for feito sob o pálio da lei.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Sob o pálio da lei, inclusive quanto ao<br />
contrato <strong>de</strong> gestão ex nunc.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, data venia, não vendo<br />
nenhuma inconstitucionalida<strong>de</strong> manifesta, in<strong>de</strong>firo a liminar.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, há, na Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />
princípio básico relativamente à administração pública – e diria que é a<br />
regra, consubstanciando exceção tudo que possa ser consi<strong>de</strong>rado fora das balizas<br />
próprias. Refiro-me ao inciso XXI do art. 37. Esse inciso contém cláusula compelindo<br />
a administração pública a contratar, mediante tratamento isonômico,
R.T.J. — <strong>204</strong> 629<br />
mediante igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições, todos os concorrentes, via instituto salutar, que<br />
é o da licitação.<br />
Então, a meu ver, nesse exame preliminar, sem comprometimento maior, levando<br />
em conta o julgamento em <strong>de</strong>finitivo, peca o primeiro dispositivo atacado no<br />
que incluiu mais uma forma <strong>de</strong> abandono do critério que apontei como salutar – o<br />
da licitação –, ou seja, o abandono do certame, tendo em vista o tratamento igualitário<br />
dos concorrentes, para a celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços com<br />
as organizações sociais. E esse abandono se faz <strong>de</strong> forma peremptória, respeitados<br />
os serviços ditos essenciais, porquanto a cargo, realmente, do po<strong>de</strong>r público, a<br />
cargo do Estado.<br />
Reconheço que a situação <strong>de</strong>sses serviços é das mais precárias – eles não<br />
aten<strong>de</strong>m aos anseios sociais –, mas eis o que prevê o art. 1º da Lei 9.637/98:<br />
Art. 1º O Po<strong>de</strong>r Executivo po<strong>de</strong>rá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas<br />
<strong>de</strong> direito privado, sem fins lucrativos, cujas ativida<strong>de</strong>s sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa<br />
científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente,<br />
à cultura e à saú<strong>de</strong>, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.<br />
Não temos, conjugando os dois dispositivos, a dispensa da licitação em<br />
razão <strong>de</strong> serviço, como é próprio, consi<strong>de</strong>rada a Lei 8.666/93. Há a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> contratação linear sem se observar, repito, o tratamento igualitário.<br />
Permito-me, <strong>de</strong> início, subscrever o voto inicialmente prolatado pelo Ministro<br />
Eros Grau.<br />
No art. 11, a lei preceitua:<br />
Art. 11. As entida<strong>de</strong>s qualificadas como organizações sociais são <strong>de</strong>claradas [portanto,<br />
aqui há um ato prospectivo concreto] como entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse social e utilida<strong>de</strong> pública,<br />
para todos os efeitos legais.<br />
Inclusive no campo tributário, claro.<br />
E prossegue:<br />
Art. 12. Às organizações sociais po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>stinados recursos orçamentários e bens<br />
públicos necessários ao cumprimento do contrato <strong>de</strong> gestão.<br />
Uma verda<strong>de</strong>ira substituição do po<strong>de</strong>r público, repito, sem a licitação.<br />
No art. 14 – e aí vou além na concessão da medida acauteladora –, está<br />
previsto:<br />
Art. 14. É facultado ao Po<strong>de</strong>r Executivo a cessão especial <strong>de</strong> servidor para as organizações<br />
sociais, com ônus para a origem.<br />
Viabiliza-se, portanto, a mão-<strong>de</strong>-obra nessa parceria que virá a ocorrer,<br />
reitero, sem a licitação.<br />
Defiro, portanto, a liminar, indo além do voto proferido pelo Ministro Eros<br />
Grau, também no tocante ao art. 14.
630<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Mas os Ministros Eros Grau e<br />
Joaquim Barbosa <strong>de</strong>feriam com relação aos arts. 11 a 15.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então acompanho também, no ponto,<br />
S. Exa. no voto primitivo.<br />
O art. 17 dispõe:<br />
Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo <strong>de</strong> noventa dias contado<br />
da assinatura do contrato <strong>de</strong> gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que<br />
adotará para a contratação <strong>de</strong> obras e serviços, bem como para compras com emprego <strong>de</strong><br />
recursos provenientes do Po<strong>de</strong>r Público.<br />
Obras e serviços seriam contratados pelo Estado, mediante licitação. No<br />
caso não se cogita <strong>de</strong> licitação, porque a organização social é uma pessoa jurídica<br />
<strong>de</strong> direito privado. Com a utilização <strong>de</strong> recursos públicos, operá-los-á<br />
sem licitação.<br />
Defiro o pleito <strong>de</strong> suspensão quanto ao art. 17. O art. 20 foi mencionado<br />
pelo Ministro Eros Grau, o voto primitivo <strong>de</strong> S. Exa. também resultou na suspensão<br />
<strong>de</strong>sse preceito. Subscrevo-o.<br />
Em síntese, reconhecendo que há talvez mais utilida<strong>de</strong> – e a opção da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> uma forma abrangente, foi pela homenagem à iniciativa<br />
privada – na prestação dos serviços pela iniciativa privada, tendo em<br />
conta a precarieda<strong>de</strong> dos serviços que são realizados pelo setor público, não<br />
vejo como, diante da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e neste exame preliminar, placitar<br />
as duas leis.<br />
Defiro a medida acauteladora, ressaltando que surgiram situações constituídas<br />
com a passagem do tempo e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a vinda à balha dos preceitos, mas a<br />
medida acauteladora não alcança essas situações em si.<br />
Suspendo a eficácia das leis – são duas – sem, no entanto, haver reflexo<br />
no que existe, hoje, no mundo jurídico, no Brasil, quanto ao funcionamento das<br />
organizações sociais já constituídas e que formalizaram atos – reconheço – à<br />
margem da Carta Fe<strong>de</strong>ral. Deixarei para examinar essa problemática no futuro,<br />
po<strong>de</strong>ndo, inclusive, acionar o art. 27 da lei <strong>de</strong> regência – atos. Suspendo os<br />
preceitos.<br />
É como voto.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, pelas anotações<br />
que tenho, limitara-me a in<strong>de</strong>ferir a liminar quanto à saú<strong>de</strong>. Porque havia fundamento,<br />
a meu ver, explícito nos arts. 196 e 197 da Constituição.<br />
Com a vênia dos votos coinci<strong>de</strong>ntes, o do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, pelo<br />
menos em termos <strong>de</strong> medida cautelar, convence-me a acompanhar o Relator, o<br />
Ministro Galvão, para in<strong>de</strong>ferir totalmente a liminar – matéria que o Tribunal<br />
po<strong>de</strong>rá enfrentar com maior cuidado no julgamento <strong>de</strong>finitivo.
R.T.J. — <strong>204</strong> 631<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Também eu, rogando vênia aos<br />
colegas que divergiram do eminente Relator, Ministro Ilmar Galvão, voto neste<br />
momento pelo in<strong>de</strong>ferimento da medida cautelar.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 1.923-MC/DF — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Relator para o<br />
acórdão: Ministro Eros Grau (art. 38, IV, b, do RI<strong>STF</strong>). Requerentes: Partido dos<br />
Trabalhadores – PT (Advogados: Alberto Moreira Rodrigues e outros) e Partido<br />
Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Carlos Roberto <strong>de</strong> Siqueira Castro<br />
e outro). Requeridos: Presi<strong>de</strong>nte da República e Congresso Nacional.<br />
Decisão: O Tribunal, por maioria <strong>de</strong> votos, in<strong>de</strong>feriu a cautelar, vencidos<br />
o Ministro Joaquim Barbosa, que <strong>de</strong>feria a cautelar para suspen<strong>de</strong>r a eficácia<br />
dos arts. 5º, 11 a 15 e 20 da Lei 9.637/98, e do inciso XXIV do art. 24 da Lei<br />
8.666/93, com a redação dada pelo art. 1º da Lei 9.648/98; o Ministro Marco<br />
Aurélio, que também <strong>de</strong>feria a cautelar para suspen<strong>de</strong>r os efeitos dos arts. 1º, 5º,<br />
11 a 15, 17 e 20 da Lei 9.637/98, bem como do inciso XXIV do art. 24 da Lei<br />
8.666/93, na redação do art. 1º da Lei 9.648/98; e o Ministro Ricardo Lewandowski,<br />
que <strong>de</strong>feria a cautelar somente com relação ao inciso XXIV do art. 24 da<br />
Lei 8.666/93, na redação do art. 1º da Lei 9.648/98. Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra<br />
Ellen Gracie. Reformulou o voto proferido anteriormente o Ministro Eros Grau,<br />
que lavrará o acórdão. Com relação ao art. 1º da Lei 9.637/98, os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira acompanhavam o Relator somente em relação<br />
à prestação dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Os Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar<br />
Men<strong>de</strong>s não votaram relativamente ao art. 1º da Lei 9.637/98 por suce<strong>de</strong>rem aos<br />
Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira, que já haviam votado quanto a esse<br />
artigo. Não participaram do julgamento a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro<br />
Carlos Britto por suce<strong>de</strong>rem, respectivamente, aos Ministros Nelson Jobim e<br />
Ilmar Galvão (Relator).<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence, Celso <strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar<br />
Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e<br />
Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e<br />
Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 1º <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
632<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO 2.411 — MT<br />
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s<br />
Autor: Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral<br />
Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m em inquérito. 1. Trata-se <strong>de</strong> questão <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m suscitada pela <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> senador da República, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
inquérito originário promovido pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral<br />
(MPF), para que o Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>)<br />
<strong>de</strong>fina a legitimida<strong>de</strong>, ou não, da instauração do inquérito e do<br />
indiciamento realizado diretamente pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral (PF).<br />
2. Apuração do envolvimento do parlamentar quanto à ocorrência<br />
das supostas práticas <strong>de</strong>lituosas sob investigação na <strong>de</strong>nominada<br />
“Operação Sanguessuga”. 3. Antes da intimação para<br />
prestar <strong>de</strong>poimento sobre os fatos objeto <strong>de</strong>ste inquérito, o Senador<br />
foi previamente indiciado por ato da autorida<strong>de</strong> policial<br />
encarregada do cumprimento da diligência. 4. Consi<strong>de</strong>rações<br />
doutrinárias e jurispru<strong>de</strong>nciais acerca do tema da instauração <strong>de</strong><br />
inquéritos em geral e dos inquéritos originários <strong>de</strong> competência<br />
do <strong>STF</strong>: i) a jurisprudência do <strong>STF</strong> é pacífica no sentido <strong>de</strong> que,<br />
nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal<br />
investigar, <strong>de</strong> ofício, o titular <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro; ii) qualquer<br />
pessoa que, na condição exclusiva <strong>de</strong> cidadão, apresente notitia<br />
criminis diretamente a este Tribunal é parte manifestamente ilegítima<br />
para a formulação <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> recebimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia<br />
para a apuração <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> ação penal pública incondicionada.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes: Inq 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, DJ<br />
<strong>de</strong> 27-10-83; Inq 1.793-AgR/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno,<br />
maioria, DJ <strong>de</strong> 14-6-02; Pet 1.104-AgR-ED/DF, Rel. Min. Sydney<br />
Sanches, Pleno, DJ <strong>de</strong> 23-5-03; Pet 1.954/DF, Rel. Min. Maurício<br />
Corrêa, Pleno, maioria, DJ <strong>de</strong> 1º-8-03; Pet 2.805-AgR/DF, Rel.<br />
Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ <strong>de</strong> 27-2-04; Pet 3.248/DF,<br />
Rel. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão monocrática, DJ <strong>de</strong> 23-11-04; Inq<br />
2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão monocrática, DJ <strong>de</strong><br />
13-3-06; e Pet 2.998-AgR/MG, Segunda Turma, unânime, DJ <strong>de</strong><br />
6-11-06; iii) diferenças entre a regra geral, o inquérito policial<br />
disciplinado no Código <strong>de</strong> Processo Penal e o inquérito originário<br />
<strong>de</strong> competência do <strong>STF</strong> regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo<br />
RI<strong>STF</strong>. A prerrogativa <strong>de</strong> foro é uma garantia voltada não exatamente<br />
para os interesses dos titulares <strong>de</strong> cargos relevantes, mas,<br />
sobretudo, para a própria regularida<strong>de</strong> das instituições em razão<br />
das ativida<strong>de</strong>s funcionais por eles <strong>de</strong>sempenhadas. Se a Constituição<br />
estabelece que os agentes políticos respon<strong>de</strong>m, por crime<br />
comum, perante o <strong>STF</strong> (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional<br />
plausível para que as ativida<strong>de</strong>s diretamente relacionadas
R.T.J. — <strong>204</strong> 633<br />
à supervisão judicial (abertura <strong>de</strong> procedimento investigatório)<br />
sejam retiradas do controle judicial do <strong>STF</strong>. A iniciativa do procedimento<br />
investigatório <strong>de</strong>ve ser confiada ao MPF, contando com<br />
a supervisão do Ministro Relator do <strong>STF</strong>. 5. A Polícia Fe<strong>de</strong>ral não<br />
está autorizada a abrir <strong>de</strong> ofício inquérito policial para apurar a<br />
conduta <strong>de</strong> parlamentares fe<strong>de</strong>rais ou do próprio Presi<strong>de</strong>nte da<br />
República (no caso do <strong>STF</strong>). No exercício <strong>de</strong> competência penal<br />
originária do <strong>STF</strong> (CF, art. 102, I, b, c/c Lei 8.038/90, art. 2º, e<br />
RI<strong>STF</strong>, arts. 230 a 234), a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supervisão judicial <strong>de</strong>ve<br />
ser constitucionalmente <strong>de</strong>sempenhada durante toda a tramitação<br />
das investigações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a abertura dos procedimentos investigatórios<br />
até o eventual oferecimento, ou não, <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia pelo<br />
dominus litis. 6. Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m resolvida no sentido <strong>de</strong> anular<br />
o ato formal <strong>de</strong> indiciamento promovido pela autorida<strong>de</strong> policial<br />
em face do parlamentar investigado.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria <strong>de</strong><br />
votos, resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, anular o indiciamento, nos termos do voto<br />
do Relator.<br />
Brasília, 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007 — Gilmar Men<strong>de</strong>s, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Trata-se <strong>de</strong> questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m suscitada pela<br />
<strong>de</strong>fesa do investigado Magno Pereira Malta, Senador da República, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> inquérito<br />
originário promovido pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral (MPF). Nestes autos,<br />
apura-se o envolvimento do referido parlamentar quanto à ocorrência das supostas<br />
práticas <strong>de</strong>lituosas sob investigação na <strong>de</strong>nominada “Operação Sanguessuga”.<br />
Em <strong>de</strong>spacho datado <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006, aten<strong>de</strong>ndo a solicitação <strong>de</strong><br />
abertura <strong>de</strong> procedimento investigatório formulado pelo Procurador-Geral da República,<br />
Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza, <strong>de</strong>terminei a instauração <strong>de</strong><br />
inquérito originário nos termos do art. 102, I, b, da CF, com o objetivo <strong>de</strong> apurar a<br />
ocorrência, ou não, das supostas práticas criminosas que eventualmente venham<br />
a ser imputadas ao ora investigado (fl. 30).<br />
Na petição 66.217, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007 (fls. 110-125), a <strong>de</strong>fesa suscitou<br />
questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m nos seguintes termos:<br />
(...) com efeito, salta aos olhos que cabe tão somente ao Procurador-Geral da República<br />
a prerrogativa <strong>de</strong> postular ou não o indiciamento <strong>de</strong> parlamentar fe<strong>de</strong>ral.<br />
(...) O Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral está <strong>de</strong>liberando acerca do po<strong>de</strong>r da autorida<strong>de</strong><br />
policial fe<strong>de</strong>ral em indiciar ou não parlamentar, ou qualquer autorida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>tenha<br />
foro por prerrogativa <strong>de</strong> função junto a esta Corte Suprema.
634<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
(...) o ora peticionário vem, respeitosamente, à presença <strong>de</strong> V. Exa. Requerer:<br />
a) que seja <strong>de</strong>clarada a nulida<strong>de</strong> do indiciamento formal realizado pela autorida<strong>de</strong> policial<br />
por violação ao art. 129, I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988; e b) em atenção ao princípio<br />
da eventualida<strong>de</strong>, acaso assim não entenda V. Exa., que seja <strong>de</strong>terminada a suspensão dos<br />
efeitos do indiciamento realizado até o julgamento <strong>de</strong> mérito da Pet 3.825.<br />
(Fls. 115-125.)<br />
Em <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007 (fl. 108), consi<strong>de</strong>rada a relevância<br />
que a questão assume com relação à instauração e tramitação <strong>de</strong> inquéritos que<br />
envolvam autorida<strong>de</strong>s dotadas do foro por prerrogativa <strong>de</strong> função, <strong>de</strong>terminei<br />
manifestação do Parquet Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Em parecer <strong>de</strong> fls. 127-130, o Procurador-Geral da República, Dr. Antonio<br />
Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza, assim resumiu o objeto da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
a ser ora apreciada:<br />
1. O Senador Magno Pereira Malta informa que, intimado para prestar <strong>de</strong>poimento<br />
sobre os fatos objeto do presente inquérito, conforme <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> V. Exa. que <strong>de</strong>feriu pedido<br />
do PGR, foi surpreendido com o seu prévio indiciamento por ato da autorida<strong>de</strong> policial encarregada<br />
do cumprimento da diligência. Argumenta que o comportamento da referida autorida<strong>de</strong><br />
é ilegítimo, porque quando se trata <strong>de</strong> procedimento investigatório (Inquérito) submetido ao<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o pedido <strong>de</strong> indiciamento <strong>de</strong>ve ser formulado pelo Procurador-<br />
Geral da República, razão pela qual postula seja <strong>de</strong>clarada a nulida<strong>de</strong> do indiciamento formal<br />
ou, alternativamente, seja <strong>de</strong>terminada a suspensão dos efeitos do indiciamento realizado, até<br />
o julgamento do mérito da Petição nº 3825, que trata do tema.<br />
2. Na hipótese, diante <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> convicção apontando para o eventual cometimento<br />
<strong>de</strong> crimes por parte <strong>de</strong> parlamentar fe<strong>de</strong>ral, solicitei ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a<br />
abertura <strong>de</strong> inquérito, vale dizer, do procedimento previsto no art. 55, inciso XIV do RI<strong>STF</strong>,<br />
que é o a<strong>de</strong>quado para apuração <strong>de</strong> infração penal imputável a pessoa que tem foro perante<br />
essa Corte Suprema. Não se formulou, porque incabível, pedido <strong>de</strong> instauração <strong>de</strong> inquérito<br />
policial.<br />
3. O Regimento Interno <strong>de</strong>sse Tribunal tem plena sintonia com o que dispõe a Lei nº<br />
8.038/90, que instituiu normas procedimentais para os processos que especifica, perante o<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. O artigo 2º da referida Lei estabelece<br />
que “o relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará<br />
segundo o disposto neste capítulo e no Código <strong>de</strong> Processo Penal, no que for aplicável e no<br />
Regimento Interno do Tribunal”.<br />
4. O texto normativo fala em juiz da instrução, o que po<strong>de</strong>ria conduzir a uma estrita,<br />
mas certamente equivocada, compreensão <strong>de</strong> que o Ministro-Relator, na ação penal originária,<br />
só assumiria funções procedimentais no momento processual, e não na fase investigatória. –<br />
(fl. 127).<br />
5. Mas tal interpretação restritiva não encontra apoio no texto legal, tanto que o parágrafo<br />
1º da Lei 8.038/90 é expresso ao conferir ao Relator atribuição para <strong>de</strong>ferir diligências<br />
complementares.<br />
6. O foro por prerrogativa <strong>de</strong> função tem sua justificativa na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar<br />
garantias aos titulares <strong>de</strong> certos e <strong>de</strong>terminados cargos, cuja importância é <strong>de</strong>finida na<br />
Constituição, para que possam exercer em plenitu<strong>de</strong> as atribuições que lhe são cometidas. O<br />
elemento <strong>de</strong> referência para o estabelecimento da garantia não é a pessoa que o titulariza em<br />
<strong>de</strong>terminado momento, mas sim o plexo <strong>de</strong> atribuições do cargo.<br />
7. Permitir que o procedimento <strong>de</strong> investigação predisposto à colheita <strong>de</strong> elementos<br />
probatórios, que suportarão eventual imputação penal contra titular <strong>de</strong> cargo a que se assegura<br />
foro especial, possa ser aberto ou conduzido por autorida<strong>de</strong> policial que integra o Departamento<br />
<strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, e é órgão integrante da estrutura administrativa do Ministério da<br />
Justiça, certamente enfraquece a garantia que a Constituição consagra.
R.T.J. — <strong>204</strong> 635<br />
8. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a iniciativa e a condução do procedimento investigatório,<br />
em tais casos, seja confiada ao Procurador-Geral da República, que é titular <strong>de</strong> cargo a que a<br />
Constituição prevê forma <strong>de</strong> investidura especial e mandato, além <strong>de</strong> procedimento qualificado<br />
para <strong>de</strong>stituição, a que se atribui, também, in<strong>de</strong>pendência funcional, com a supervisão do<br />
Ministro-Relator <strong>de</strong>ssa Corte.<br />
(Fls. 127/129.)<br />
Nesse particular, a relevância para o levantamento <strong>de</strong>sta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
resi<strong>de</strong> na apreciação <strong>de</strong> que, conforme bem salientou a Procuradoria-Geral da<br />
República, no item 12 <strong>de</strong> sua manifestação: “Ao se aceitar que a autorida<strong>de</strong> policial,<br />
a seu juízo, possa realizar o indiciamento <strong>de</strong> pessoa com foro perante essa<br />
Corte Suprema, ter-se-ia que admitir que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral também está autorizada<br />
a abrir <strong>de</strong> ofício inquérito policial para apurar a conduta <strong>de</strong> parlamentares<br />
fe<strong>de</strong>rais ou do próprio Presi<strong>de</strong>nte da República” (fl. 129).<br />
Por fim, submeto à análise do Plenário <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a<br />
referida questão suscitada para conferir, nos estritos termos do inciso III do art.<br />
21 do RI<strong>STF</strong>, “o bom andamento dos processos” que tramitam neste Tribunal sob<br />
minha relatoria e que dizem respeito às investigações da <strong>de</strong>nominada “Operação<br />
Sanguessuga”, a saber: Inq 2.318, Inq 2.340, Inq 2.346, Inq 2.347, Inq 2.359, Inq<br />
2.362, Inq 2.405, Inq 2.409, Inq 2.411, Inq 2.415 e Inq 2.417.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Submeto, inicialmente, a apreciação<br />
<strong>de</strong>sta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ao Plenário, por consi<strong>de</strong>rar a relevância da <strong>de</strong>finição<br />
da competência no que diz respeito à instauração e à tramitação <strong>de</strong> inquéritos<br />
originários que envolvam aquelas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> foro por prerrogativa<br />
<strong>de</strong> função perante este Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />
De acordo com o art. 102, I, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, compete ao <strong>STF</strong> processar<br />
e julgar, originariamente, o Presi<strong>de</strong>nte da República, o Vice-Presi<strong>de</strong>nte, os<br />
membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral<br />
da República. No âmbito do Regimento Interno <strong>de</strong>sta Corte, a disciplina sobre<br />
o processamento e julgamento dos feitos autuados sob a classe “inquérito” está<br />
especificada nos arts. 55, XIV; 56, V; e 231 do RI<strong>STF</strong>.<br />
Eis o teor dos fundamentos apresentados pelo Procurador-Geral da República,<br />
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza, acerca da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
suscitada:<br />
9. O Ministro Relator que supervisiona o procedimento investigatório perante o Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, atua na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> juiz garante, ou seja, ele acompanha o trabalho <strong>de</strong><br />
apuração para evitar ilegalida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre a realização <strong>de</strong> diligências que necessitam <strong>de</strong><br />
prévia autorização judicial (afastamento <strong>de</strong> sigilo bancário, busca e apreensão entre outras).<br />
Esta é a compreensão que ressai do acórdão <strong>de</strong>ssa Corte proferido na Reclamação n° 2349/TO.<br />
10. Portanto, ao que penso, a interação procedimental em inquérito originário, procedimento<br />
que dá concretu<strong>de</strong> na fase pré -processual à garantia do foro por prerrogativa <strong>de</strong><br />
função, dá-se diretamente entre o Procurador-Geral da República e o Ministro-Relator do<br />
inquérito.
636<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
11. A tarefa policial é estritamente operacional nos inquéritos originários: a polícia, no<br />
<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> tarefas operacionais, e o Ministério Público, titular da ação penal, <strong>de</strong>vem atuar<br />
cooperativamente na etapa preparatória ao ajuizamento, ou não, da ação penal, mas quando<br />
essa fase preparatória é formalizada em inquérito, este tramita procedimentalmente no Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, e não na Delegacia <strong>de</strong> Polícia.<br />
12. Ao se aceitar que a autorida<strong>de</strong> policial, a seu juízo, possa realizar o indiciamento <strong>de</strong><br />
pessoa com foro perante essa Corte Suprema, ter-se-ia que admitir que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral também<br />
está autorizada a abrir <strong>de</strong> ofício inquérito policial para apurar a conduta <strong>de</strong> parlamentares<br />
fe<strong>de</strong>rais ou do próprio Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
13. Em outra oportunida<strong>de</strong> (Petição nº 3825) já me manifestei expressamente sobre a<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> policial <strong>de</strong> indiciar pessoa com prerrogativa <strong>de</strong> foro no Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em face da norma inscrita no art. 102, I, “b”, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Tal ato há <strong>de</strong> ser solicitado pelo Procurador-Geral da República.<br />
14. No caso, portanto, cabia à autorida<strong>de</strong> policial praticar tão-somente os atos <strong>de</strong>terminados<br />
pelo Ministro-relator; e i<strong>de</strong>ntificar e colher o <strong>de</strong>poimento das pessoas citadas nos<br />
interrogatórios. É que não formulei pedido <strong>de</strong> indiciamento do parlamentar e tal providência<br />
também não foi <strong>de</strong>terminada por Vossa Excelência. A<strong>de</strong>mais, no momento, o ato praticado não<br />
tem qualquer utilida<strong>de</strong> para a investigação.<br />
Diante <strong>de</strong> tais razões, manifesto-me no sentido <strong>de</strong> que seja <strong>de</strong>terminado o <strong>de</strong>sfazimento<br />
do ato <strong>de</strong> indiciamento, recomendando-se à autorida<strong>de</strong> policial o cumprimento estrito da <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> Vossa Excelência quanto às diligências <strong>de</strong>feridas.<br />
(Fls. 128/129.)<br />
Para a análise <strong>de</strong>ssa questão, torna-se necessário apresentar algumas consi<strong>de</strong>rações<br />
doutrinárias e jurispru<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong>ste <strong>STF</strong> acerca do tema da instauração<br />
<strong>de</strong> inquéritos em geral e dos inquéritos originários <strong>de</strong> sua própria competência.<br />
Com relação à instauração do inquérito nos crimes <strong>de</strong> ação pública em<br />
geral, Fernando da Costa Tourinho Filho afirma que:<br />
Nesses crimes, o inquérito também po<strong>de</strong> ser iniciado mercê <strong>de</strong> um ofício requisitório<br />
do Juiz ou do Promotor <strong>de</strong> Justiça, ou até mesmo mediante requerimento do ofendido ou <strong>de</strong><br />
quem tenha qualida<strong>de</strong> para representá-lo.<br />
(Código <strong>de</strong> Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1,<br />
p. 37.)<br />
Para o caso <strong>de</strong> inquéritos policiais em geral, Jacinto Nelson <strong>de</strong> Miranda<br />
Coutinho, por sua vez, posiciona-se no mesmo sentido ao aduzir que:<br />
(...) basta a notícia [criminis] chegar ao órgão, o qual po<strong>de</strong>rá, inclusive, acompanhar<br />
diretamente os atos do IP. Nestes casos, MP e órgão jurisdicional po<strong>de</strong>rão requisitar a instauração<br />
do IP. E o problema que agora se põe toca com a exegese da expressão. Para a nossa<br />
doutrina, a autorida<strong>de</strong> policial, aqui, não teria po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisional. É <strong>de</strong> toda evidência que, recebendo<br />
requisição dos órgãos da Justiça, para abertura <strong>de</strong> um inquérito, à autorida<strong>de</strong> policial<br />
cumpre dar-lhe imediata satisfação, sem se justificar qualquer dúvida, pois à polícia não cabe<br />
discutir <strong>de</strong>terminações judiciárias. No caso <strong>de</strong> recusa, o juiz provi<strong>de</strong>nciará, com energia, no<br />
sentido <strong>de</strong> ser obe<strong>de</strong>cido, e a insistência da autorida<strong>de</strong> policial po<strong>de</strong>rá dar o resultado <strong>de</strong> ser<br />
apurada a sua responsabilida<strong>de</strong> funcional.<br />
(Estudos Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel. São Paulo:<br />
<strong>Revista</strong> dos Tribunais, 1992. p. 163-177.)<br />
A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é pacífica no sentido <strong>de</strong> que,<br />
nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, <strong>de</strong><br />
ofício, o titular <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro.
R.T.J. — <strong>204</strong> 637<br />
Nesse particular, é válido transcrever as seguintes consi<strong>de</strong>rações constantes<br />
do voto do Ministro Sepúlveda Pertence na Pet 2.805-AgR/DF (Rel. Min. Nelson<br />
Jobim, Plenário, DJ <strong>de</strong> 27-2-04):<br />
Admito que, se, em função da sua ativida<strong>de</strong> jurisdicional, tem conhecimento <strong>de</strong> uma suspeita<br />
<strong>de</strong> crime, o Juiz requisite o inquérito policial. Não que se provoque a autorida<strong>de</strong> judiciária<br />
para requisitar inquérito policial (...)<br />
Proponho como preliminar que o Tribunal feche essa porta, que só serve a explorações.<br />
Não há por que, em plena capital da República, com um imenso prédio da Polícia Fe<strong>de</strong>ral,<br />
outro da Secretaria <strong>de</strong> Segurança, do Ministério Público – com um portentoso prédio –, que<br />
isso venha primeiro para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (...)<br />
Preliminarmente, entendo que não cabe a esta Corte <strong>de</strong>terminar a instauração<br />
<strong>de</strong> inquéritos originários requeridos diretamente por cidadãos. Nesse<br />
particular, reputo válida a citação <strong>de</strong> trecho da <strong>de</strong>cisão por mim proferida no Inq<br />
2.285/DF:<br />
Não cabe a esta Corte “<strong>de</strong>terminar” a instauração <strong>de</strong> inquérito policial para apuração<br />
<strong>de</strong> crime <strong>de</strong> ação pública incondicionada, ressalvados aqueles praticados no âmbito da própria<br />
Corte e que possam dizer respeito ao exercício <strong>de</strong> sua própria competência, constitucional ou<br />
legal (RI<strong>STF</strong>, art. 8º, inciso IV).<br />
Aliás, o próprio § 3º do art. 5º do Código <strong>de</strong> Processo Penal, invocado pelo Autor <strong>de</strong>ste<br />
procedimento como fundamento jurídico <strong>de</strong> sua pretensão, diz expressamente que a comunicação<br />
<strong>de</strong> crime <strong>de</strong> ação pública far-se-á à “autorida<strong>de</strong> policial”.<br />
Anote-se, outrossim, que, conforme assentado pelo Pleno da Corte na Pet 2.805-AgR<br />
(Rel. Min. Nelson Jobim), a intervenção <strong>de</strong>sta Corte é especialmente <strong>de</strong>scabida quando a<br />
mesma notícia crime foi (ou po<strong>de</strong> ser) diretamente encaminhada ao Ministério Público, tendo<br />
“a apresentação da mesma neste Tribunal a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causar repercussão (...) eleitoral”.<br />
Por essas razões, não conheço do pleito e nego-lhe seguimento (RI<strong>STF</strong>, art. 21, § 1º).<br />
Conseqüentemente, <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> aplicar ao caso o art. 40 do CPP, inclusive por não se tratar <strong>de</strong><br />
conhecimento eventual ou fortuito <strong>de</strong> fato potencialmente criminoso, mas sim <strong>de</strong> representação<br />
direta manifestamente impertinente.<br />
(Inq 2.285/DF, <strong>de</strong> minha relatoria, <strong>de</strong>cisão monocrática <strong>de</strong> 3-3-06, DJ <strong>de</strong><br />
13-3-06.)<br />
Naquele caso, tratava-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia apresentada por cidadão comum que,<br />
<strong>de</strong> modo ilegítimo, requereu diretamente a esta Corte a instauração <strong>de</strong> inquérito<br />
contra parlamentar fe<strong>de</strong>ral para a apuração <strong>de</strong> suposto crime <strong>de</strong> ação penal pública<br />
incondicionada.<br />
Em consonância com a jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, qualquer pessoa que,<br />
na condição exclusiva <strong>de</strong> cidadão, apresente notitia criminis diretamente a este<br />
Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> recebimento<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia para a apuração <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> ação pública incondicionada.<br />
Esse é o caso que, ao menos em tese, incidiria quanto aos <strong>de</strong>litos que eventualmente<br />
venham, ou não, a ser imputados aos parlamentares sob investigação<br />
nos inúmeros inquéritos em tramitação perante este <strong>STF</strong> no que concerne à <strong>de</strong>nominada<br />
“Operação Sanguessuga”.<br />
Nesse sentido, cito os seguintes prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Corte:<br />
Ilegitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parte. Ação penal pública incondicionada. Crime <strong>de</strong> prevaricação.<br />
Tratando-se <strong>de</strong> ação pública incondicionada, em que titular o Ministério Público, falece legiti-
638<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
mida<strong>de</strong> ao Impetrante para a propositura da ação. Manifestação do Exmo. Senhor Procurador<br />
no sentido do arquivamento. Inquérito arquivado.<br />
(Inq 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Tribunal Pleno, julgado em 21-9-83,<br />
DJ <strong>de</strong> 27-10-83.)<br />
Ação penal. Queixa-crime em que figura como querelante <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral. Incompetência<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o processamento e julgamento da ação penal. Competência<br />
configurada somente na hipótese <strong>de</strong> o parlamentar figurar na ação penal na qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> réu (art. 102, I, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral). Agravo regimental contra <strong>de</strong>cisão que negou<br />
seguimento à queixa-crime. Inaplicabilida<strong>de</strong> do disposto no art. 108, § 1º, do CPP à hipótese<br />
vertente, pois não se trata <strong>de</strong> exceção <strong>de</strong> incompetência, mas <strong>de</strong> ajuizamento equivocado da<br />
queixa-crime perante esta Suprema Corte, falha que não po<strong>de</strong> ser suprida ex officio por esta<br />
Casa. Quanto ao pedido <strong>de</strong> que seja <strong>de</strong>clarada a suspensão do prazo prescricional a partir da<br />
distribuição da queixa-crime, voltando a correr a partir da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>ste agravo, também não<br />
po<strong>de</strong> ser acolhido, tendo em vista que o oferecimento <strong>de</strong> queixa-crime perante Juízo incompetente<br />
não constitui causa suspensiva da prescrição. Agravo regimental improvido.<br />
(Inq 1.793-AgR/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, julgado em<br />
2-5-02, DJ <strong>de</strong> 14-6-02.)<br />
Denúncia popular. Sujeito passivo: ministro <strong>de</strong> Estado. Crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Ilegitimida<strong>de</strong> ativa ad causam. Recebimento da peça inicial como notitia criminis. Encaminhamento<br />
ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral.<br />
1. O processo <strong>de</strong> impeachment dos ministros <strong>de</strong> Estado, por crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
autônomos, não-conexos com infrações da mesma natureza do Presi<strong>de</strong>nte da República, ostenta<br />
caráter jurisdicional, <strong>de</strong>vendo ser instruído e julgado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Inaplicabilida<strong>de</strong><br />
do disposto nos arts. 51, I, e 52, I, da Carta <strong>de</strong> 1988 e no art. 14 da Lei 1.079/50,<br />
dado que é prescindível autorização política da Câmara dos Deputados para a sua instauração.<br />
2. Prevalência, na espécie, da natureza criminal <strong>de</strong>sses processos, cuja apuração judicial<br />
está sujeita à ação penal pública da competência exclusiva do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral<br />
(CF, art. 129, I). Ilegitimida<strong>de</strong> ativa ad causam dos cidadãos em geral, a eles remanescendo a<br />
faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> noticiar os fatos ao Parquet.<br />
3. Entendimento fixado pelo Tribunal na vigência da Constituição pretérita (MS<br />
20.422, Rezek, DJ <strong>de</strong> 29-6-84). Ausência <strong>de</strong> alteração substancial no texto ora vigente. Manutenção<br />
do posicionamento jurispru<strong>de</strong>ncial anteriormente consagrado.<br />
4. Denúncia não admitida. Recebimento da petição como notitia criminis, com posterior<br />
remessa ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral.<br />
(Pet 1.954/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, julgada em<br />
11-9-02, DJ <strong>de</strong> 1º-8-03.)<br />
Agravo regimental em petição. Contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços advocatícios. Quebra<br />
<strong>de</strong> sigilo bancário, fiscal e telefônico. Matérias jornalísticas. Duplicida<strong>de</strong> da notícia-crime.<br />
1. O contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços advocatícios foi objeto <strong>de</strong> exame da <strong>de</strong>cisão agravada.<br />
É equivocada a alegação do Agravante <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão agravada não apreciou a existência<br />
do contrato e seu conteúdo.<br />
Os honorários e a forma <strong>de</strong> pagamento contratados não po<strong>de</strong>m ser apontados como<br />
ilegais, a ponto <strong>de</strong> permitirem que se instaure uma ação penal.<br />
O pagamento das parcelas avençadas no referido contrato nada mais é do que uma<br />
obrigação da parte contratante.<br />
2. Para autorizar-se a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, medida excepcional,<br />
é necessário que haja indícios suficientes da prática <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito.<br />
A pretensão do Agravante se ampara em meras matérias jornalísticas, não suficientes<br />
para caracterizarem-se como indícios.<br />
O que ele preten<strong>de</strong> é a <strong>de</strong>vassa da vida do Senhor Deputado Fe<strong>de</strong>ral, para fins políticos.<br />
É necessário que a acusação tenha plausibilida<strong>de</strong> e verossimilhança para ensejar a<br />
quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico.
R.T.J. — <strong>204</strong> 639<br />
3. Declaração constante <strong>de</strong> matéria jornalística não po<strong>de</strong> ser acolhida como fundamento<br />
para a instauração <strong>de</strong> um procedimento criminal.<br />
4. A matéria jornalística publicada foi encaminhada ao Ministério Público.<br />
A apresentação da mesma neste Tribunal tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causar repercussão na<br />
campanha eleitoral, o que não é admissível.<br />
Agravo provido e pedido não conhecido.<br />
(Pet 2.805-AgR/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, julgado em<br />
13-11-02, DJ <strong>de</strong> 27-2-04.)<br />
Direito constitucional, penal e processual penal. Denúncia perante o <strong>STF</strong>, apresentada<br />
por cidadãos, contra ministro <strong>de</strong> Estado, por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. Ilegitimida<strong>de</strong> ativa<br />
dos <strong>de</strong>nunciantes. Embargos <strong>de</strong>claratórios.<br />
1. Como salientado no acórdão embargado, em se tratando <strong>de</strong> ação penal pública, é do<br />
Ministério Público – e não <strong>de</strong> particulares – a legitimida<strong>de</strong> ativa para <strong>de</strong>núncia por crime <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> (arts. 129, I, e 102, I, c, da CF).<br />
2. Acolhida integralmente a manifestação do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, e não havendo<br />
qualquer omissão a ser suprida, nem contradição ou obscurida<strong>de</strong> a serem sanadas, os<br />
embargos são rejeitados, pois o julgado enfrentou e dirimiu todas as questões suscitadas. 3.<br />
Embargos rejeitados.<br />
(Pet 1.104-AgR-ED/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado<br />
em 23-4-03, DJ <strong>de</strong> 23-5-03.)<br />
1. O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral promoveu diligências junto à Receita Fe<strong>de</strong>ral, à Controladoria-Geral<br />
da União e a autorida<strong>de</strong>s americanas (fl. 4) e obteve documentação (fls. 7/21) que<br />
noticia ter um <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral remetido ao exterior, através <strong>de</strong> Contas CCC-5, no período <strong>de</strong><br />
1999/2002, a vultosa importância <strong>de</strong> cento e noventa e sete milhões, novecentos e um mil, duzentos<br />
e cinqüenta e um reais e oitenta centavos. O expressivo numerário, segundo o Ministério<br />
Público Fe<strong>de</strong>ral, precisa ser investigado no tocante à sua origem e regularida<strong>de</strong>. Principalmente<br />
é preciso saber se a vultosa importância foi <strong>de</strong>clarada à Receita Fe<strong>de</strong>ral nas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong><br />
imposto <strong>de</strong> renda. A documentação obtida pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>u origem a procedimento<br />
administrativo que foi autuado na Procuradoria-Geral da República. E, com base nesse<br />
procedimento, o Procurador-Geral da República requereu, na petição <strong>de</strong> fls. 2/3, o seguinte:<br />
“Ante o exposto, requer o Ministério Público a autuação <strong>de</strong>ste procedimento<br />
como inquérito penal originário, com o indiciamento do Deputado Fe<strong>de</strong>ral Ronaldo<br />
Cezar Coelho, pelo cometimento, em tese, <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> sonegação fiscal.<br />
6. Solicita, ainda, que seja realizada a quebra do sigilo fiscal do ora indiciado<br />
referentes aos anos-base <strong>de</strong> 1999 a 2002.”<br />
(Fl. 3.)<br />
2. Entre as funções institucionais que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral outorgou ao Ministério<br />
Público, está a <strong>de</strong> requisitar a instauração <strong>de</strong> inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> prévia autorização ou permissão jurisdicional. Basta o Ministério Público<br />
Fe<strong>de</strong>ral requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes. Mas não a esta Corte Suprema.<br />
Por ela po<strong>de</strong>m tramitar, entre outras <strong>de</strong>mandas, ação penal contra os membros da Câmara<br />
dos Deputados e do Senado, mas não inquéritos policiais. Esses tramitam perante os órgãos<br />
da Polícia Fe<strong>de</strong>ral. Eventuais diligências, requeridas no contexto <strong>de</strong> uma investigação contra<br />
membros do Congresso Nacional, po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem, sim, ser requeridas perante esta Corte, que<br />
é o juiz natural dos parlamentares fe<strong>de</strong>rais, como é o caso da quebra do sigilo fiscal. Mas o<br />
inquérito tramita perante aqueles órgãos policiais e não perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Não parece razoável admitir que um Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conduza, perante<br />
a Corte, um inquérito policial que po<strong>de</strong>rá se transformar em ação penal, <strong>de</strong> sua relatoria.<br />
Não há confundir investigação, <strong>de</strong> natureza penal, quando envolvido um parlamentar,<br />
com aquela que envolve um membro do Po<strong>de</strong>r Judiciário. No caso <strong>de</strong>ste último, havendo<br />
indícios da prática <strong>de</strong> crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente,<br />
a fim <strong>de</strong> que se prossiga a investigação. É o que <strong>de</strong>termina o art. 33, parágrafo único, da
640<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Loman. Mas, quando se trata <strong>de</strong> parlamentar fe<strong>de</strong>ral, a investigação prossegue perante a autorida<strong>de</strong><br />
policial fe<strong>de</strong>ral. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Disso<br />
resulta que não po<strong>de</strong> ser atendido o pedido <strong>de</strong> instauração <strong>de</strong> inquérito policial originário<br />
perante esta Corte. E, por via <strong>de</strong> conseqüência, a solicitação <strong>de</strong> indiciamento do parlamentar,<br />
ato privativo da autorida<strong>de</strong> policial. Resta a quebra do sigilo fiscal. Mas essa quebra <strong>de</strong>verá<br />
ser requerida no âmbito do inquérito policial que o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral preten<strong>de</strong> seja<br />
instaurado. Nesse inquérito, disciplinado no CPP, po<strong>de</strong>rá o parlamentar justificar a regularida<strong>de</strong><br />
da remessa do numerário, ou até mesmo impugnar a idoneida<strong>de</strong> da documentação apresentada.<br />
De qualquer sorte, não há, ainda, qualquer comprovação <strong>de</strong> que o parlamentar tenha se<br />
recusado a apresentar suas <strong>de</strong>clarações do imposto <strong>de</strong> renda.<br />
3. Diante do exposto, <strong>de</strong>termino sejam os autos <strong>de</strong>volvidos à Procuradoria-Geral da<br />
República para as providências que enten<strong>de</strong>r cabíveis.<br />
(Pet 3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão monocrática <strong>de</strong> 28-10-04,<br />
DJ <strong>de</strong> 23-11-04.)<br />
Não cabe a esta Corte “<strong>de</strong>terminar” a instauração <strong>de</strong> inquérito policial para apuração<br />
<strong>de</strong> crime <strong>de</strong> ação pública incondicionada, ressalvados aqueles praticados no âmbito da própria<br />
Corte e que possam dizer respeito ao exercício <strong>de</strong> sua própria competência, constitucional ou<br />
legal (RI<strong>STF</strong>, art. 8º, inciso IV).<br />
Aliás, o próprio § 3º do art. 5º do Código <strong>de</strong> Processo Penal, invocado pelo Autor <strong>de</strong>ste<br />
procedimento como fundamento jurídico <strong>de</strong> sua pretensão, diz expressamente que a comunicação<br />
<strong>de</strong> crime <strong>de</strong> ação pública far-se-á à “autorida<strong>de</strong> policial”.<br />
Anote-se, outrossim, que, conforme assentado pelo Pleno da Corte na Pet 2.805-AgR<br />
(Rel. Min. Nelson Jobim), a intervenção <strong>de</strong>sta Corte é especialmente <strong>de</strong>scabida quando a mesma<br />
notícia crime foi (ou po<strong>de</strong> ser) diretamente encaminhada ao Ministério Público, tendo “a apresentação<br />
da mesma neste Tribunal a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causar repercussão (...) eleitoral”.<br />
Por essas razões, não conheço do pleito e nego-lhe seguimento (RI<strong>STF</strong>, art. 21, § 1º).<br />
Conseqüentemente, <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> aplicar ao caso o art. 40 do CPP, inclusive por não se tratar <strong>de</strong><br />
conhecimento eventual ou fortuito <strong>de</strong> fato potencialmente criminoso, mas sim <strong>de</strong> representação<br />
direta manifestamente impertinente.<br />
(Inq 2.285/DF, <strong>de</strong> minha relatoria, <strong>de</strong>cisão monocrática <strong>de</strong> 3-3-06, DJ <strong>de</strong><br />
13-3-06.)<br />
Agravo regimental em petição. 1. Suposta existência <strong>de</strong> crimes contra a administração<br />
pública e contra a administração da Justiça. 2. Crimes contra a administração pública e contra<br />
a administração da Justiça são passíveis <strong>de</strong> apuração por meio <strong>de</strong> ação penal pública incondicionada,<br />
porquanto inci<strong>de</strong>, na espécie, a norma geral consagrada no art. 100, caput, do Código<br />
Penal (“A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a <strong>de</strong>clara privativa do<br />
ofendido”). 3. O Ministério Público é parte legítima para propor a ação penal incondicionada,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem tenha formulado representação para fins criminais perante o Parquet.<br />
Ilegitimida<strong>de</strong> ativa do Requerente. Prece<strong>de</strong>ntes: Inq 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno,<br />
unânime, DJ <strong>de</strong> 27-10-83, e Pet 1.104-ED-AgR/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, unânime,<br />
DJ <strong>de</strong> 23-5-03. 4. Ainda que superada essa questão preliminar, não proce<strong>de</strong> o pedido<br />
formulado pelo Requerente, porque o próprio Procurador-Geral da República reconheceu a<br />
falta <strong>de</strong> plausibilida<strong>de</strong> e a necessida<strong>de</strong> da apuração dos fatos imputados na representação do<br />
Requerente. 5. Negado provimento ao agravo regimental.<br />
(Pet 2.998-AgR/MG, <strong>de</strong> minha relatoria, Segunda Turma, unânime, julgado<br />
em 26-9-06, DJ <strong>de</strong> 6-11-06.)<br />
Penso que, neste ponto, valeria o esforço no sentido <strong>de</strong> diferençar as regras<br />
e procedimentos aplicáveis ao inquérito policial em geral, tal como previsto nos<br />
arts. 4º a 23 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, daquele inquérito originário, <strong>de</strong> competência<br />
originária do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a ser processado nos termos do<br />
art. 102, I, b, da CF e do regramento do RI<strong>STF</strong> (arts. 230 a 234).
R.T.J. — <strong>204</strong> 641<br />
O referido dispositivo constitucional assegura a <strong>de</strong>terminadas autorida<strong>de</strong>s<br />
a prerrogativa <strong>de</strong> foro para a investigação, a apreciação e o julgamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
eventualmente por elas cometidos nessa condição. Trata-se, em nosso sistema<br />
constitucional, <strong>de</strong> uma garantia voltada não exatamente para os interesses dos<br />
titulares <strong>de</strong> cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularida<strong>de</strong> das<br />
instituições em razão das ativida<strong>de</strong>s funcionais por eles <strong>de</strong>sempenhadas.<br />
Como já lembrado em assentadas anteriores, cabe, aqui, a lição <strong>de</strong> Hely Lopes,<br />
no sentido <strong>de</strong> que tais prerrogativas têm por escopo garantir o livre exercício<br />
da função do agente político. Percebeu o ilustre administrativista, sobretudo, a<br />
peculiarida<strong>de</strong> da situação dos que governam e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m – os chamados agentes<br />
políticos –, em comparação àqueles que apenas administram e executam encargos<br />
técnicos e profissionais. Nas palavras <strong>de</strong> Hely:<br />
Realmente, a situação dos que governam e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m é bem diversa da dos que simplesmente<br />
administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam <strong>de</strong> ampla liberda<strong>de</strong><br />
funcional e maior resguardo para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções. As prerrogativas que se conce<strong>de</strong>m<br />
aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno<br />
exercício <strong>de</strong> suas altas e complexas funções governamentais e <strong>de</strong>cisórias. Sem essas prerrogativas<br />
funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção e <strong>de</strong>cisão,<br />
ante o temor <strong>de</strong> responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que<br />
ficam sujeitos os funcionários profissionalizados.<br />
(Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.<br />
Cit., p. 78.)<br />
Não é outro o ethos da prerrogativa <strong>de</strong> foro entre nós, conforme se extrai<br />
da lição <strong>de</strong> Victor Nunes:<br />
A jurisdição especial, como prerrogativa <strong>de</strong> certas funções públicas, é, realmente, instituída<br />
não no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu<br />
bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência que resulta da<br />
certeza <strong>de</strong> que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialida<strong>de</strong>.<br />
Presume o legislador que os tribunais <strong>de</strong> maior categoria tenham mais isenção para<br />
julgar os ocupantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas funções públicas, por sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir, seja à<br />
eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida<br />
in<strong>de</strong>pendência do tribunal <strong>de</strong> superior hierarquia bilateral, garantia contra e a favor do acusado.<br />
(Grifo nosso.)<br />
No mesmo sentido, forte na lição <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Marques, é o entendimento<br />
do eminente Márcio Bonilha, Desembargador aposentado do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
do Estado <strong>de</strong> São Paulo, em artigo <strong>de</strong> 2002, verbis:<br />
No mundo jurídico, a precisão conceitual constitui exigência essencial in<strong>de</strong>clinável,<br />
para evitar distorções e equívocos na interpretação e valoração <strong>de</strong> fatos e normas. Esse requisito<br />
hermenêutico é lembrado a propósito da controvérsia instaurada sobre a jurisdição<br />
competente, em relação ao julgamento <strong>de</strong> infrações relativas à improbida<strong>de</strong> administrativa, no<br />
tocante a certos agentes públicos.<br />
Des<strong>de</strong> logo se assinala que prerrogativa <strong>de</strong> foro não se confun<strong>de</strong> com foro privilegiado,<br />
pois a prerrogativa <strong>de</strong> função é distinta <strong>de</strong> privilégio <strong>de</strong> pessoa. A imprecisão terminológica<br />
po<strong>de</strong> gerar na opinião pública uma falsa idéia <strong>de</strong> favorecimento pessoal, no tratamento da<br />
matéria, em relação a certas autorida<strong>de</strong>s, na aferição da responsabilida<strong>de</strong> funcional, pondo em<br />
dúvida a igualda<strong>de</strong> na distribuição da justiça.
642<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>) processar e julgar, originariamente, nas<br />
infrações penais comuns, o presi<strong>de</strong>nte da República e os <strong>de</strong>mais integrantes dos órgãos <strong>de</strong><br />
cúpula dos Po<strong>de</strong>res e, nas infrações penais comuns e nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, outras<br />
altas autorida<strong>de</strong>s nacionais.<br />
A instituição da prerrogativa <strong>de</strong> foro, relativamente a esses agentes, não traduz favorecimento<br />
pessoal, pois contempla as exigências <strong>de</strong> garantia constitucional pertinentes aos<br />
respectivos cargos e funções, pela relevância que representam nos Po<strong>de</strong>res correspon<strong>de</strong>ntes e<br />
nos escalões hierárquicos, cuja dignida<strong>de</strong> funcional cumpre resguardar.<br />
Assim é, no interesse nacional, pouco importando as inferências no plano político e o<br />
subjetivismo <strong>de</strong> opiniões contrárias.<br />
Bem por isso, a discussão sobre o tema <strong>de</strong>ve ser travada à luz objetiva dos princípios e<br />
normas constitucionais, sem especulações i<strong>de</strong>ológicas, muito menos as infundadas suspeitas<br />
<strong>de</strong> solução personalista.<br />
O foro especial, que <strong>de</strong>corre da prerrogativa da função, é instituído para melhor permitir<br />
o livre <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> certas ativida<strong>de</strong>s públicas. É garantia da função, que não po<strong>de</strong><br />
ficar à mercê <strong>de</strong> paixões locais. Não é honraria pessoal nem representa privilégio. É proteção<br />
que nasce com o exercício do cargo ou função, pelo reconhecimento da elevada hierarquia<br />
funcional e dos po<strong>de</strong>res que emanam <strong>de</strong> seu exercício, visando à segurança e à isenção na<br />
distribuição da justiça. Resguarda-se <strong>de</strong>ssa forma o prestígio das instituições.<br />
No Direito brasileiro, vigoram os princípios do juiz natural e da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos<br />
perante a lei, sendo proibido o juízo ou tribunal <strong>de</strong> exceção, mas são legítimos os foros por<br />
prerrogativa <strong>de</strong> função.<br />
Segundo Fre<strong>de</strong>rico Marques, “é errôneo o entendimento” <strong>de</strong> que “os casos <strong>de</strong> competência<br />
originária dos tribunais superiores para o processo e julgamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />
pessoas constituem exceções <strong>de</strong> direito estrito, porque a competência ratione personae dos<br />
tribunais superiores não constitui foro privilegiado, nem se regula pelos preceitos pertinentes<br />
aos juízos especiais. Não mais existe o foro privilegiado, como o disse o <strong>de</strong>sembargador<br />
Márcio Munhoz, e sim competência <strong>de</strong>stinada a melhor amparar o exercício <strong>de</strong> certas funções<br />
públicas. Não se trata <strong>de</strong> privilégio <strong>de</strong> foro, porque a competência, no caso, não se estabelece<br />
por amor dos indivíduos, e sim em razão do caráter, cargo ou funções que eles exercem”.<br />
(Prerrogativa <strong>de</strong> foro. O Estado <strong>de</strong> São Paulo, 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002.)<br />
A <strong>de</strong>cisão judicial que <strong>de</strong>termina abertura <strong>de</strong> inquéritos originários para<br />
a apuração <strong>de</strong> condutas eventualmente imputadas a autorida<strong>de</strong>s dotadas <strong>de</strong><br />
prerrogativa <strong>de</strong> foro perante esta Corte há <strong>de</strong> ser entendida <strong>de</strong> maneira a evitar<br />
a interpretação <strong>de</strong> que as competências constitucionais dos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />
– em especial a <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral – estariam <strong>de</strong>finidas em<br />
numerus clausus. A pretensa <strong>de</strong>corrência imediata <strong>de</strong> tais argumentos é a suposta<br />
exigência <strong>de</strong> norma constitucional para a disciplina específica do tema.<br />
Para justificar o afastamento <strong>de</strong>ssa tese, basta-me afirmar que aqueles que,<br />
hoje, labutam com o mínimo <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cência em torno do direito constitucional<br />
sabem que, a toda hora, estamos a fazer colmatação <strong>de</strong> lacunas constitucionais.<br />
Há muito a jurisprudência <strong>de</strong>ste <strong>STF</strong> admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extensão ou<br />
ampliação <strong>de</strong> sua competência expressa quando esta resulte implícita no próprio<br />
sistema constitucional. Nesse sentido, o prece<strong>de</strong>nte da relatoria do eminente e<br />
saudoso Ministro Luiz Gallotti, nos autos da Denúncia 103, julgada em 5 <strong>de</strong> setembro<br />
<strong>de</strong> 1951.<br />
Na Rcl 2.138/DF, <strong>de</strong> relatoria do Ministro Nelson Jobim, cujo julgamento<br />
foi realizado em 13-6-07, iniciou-se no Plenário a discussão sobre a competência<br />
plena e exclusiva do <strong>STF</strong> para processar e julgar, nas infrações penais comuns e
R.T.J. — <strong>204</strong> 643<br />
nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, os Ministros <strong>de</strong> Estado, conforme a hipótese do<br />
art. 102, I, c, da Constituição. Do voto <strong>de</strong> Nelson Jobim, <strong>de</strong>staco:<br />
Não impressiona o argumento concernente à competência estrita ou da inextensibilida<strong>de</strong><br />
da competência <strong>de</strong>ste Tribunal ou <strong>de</strong> outros Tribunais Fe<strong>de</strong>rais para conhecer <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminadas ações.<br />
A interpretação extensiva do texto constitucional, também em matéria <strong>de</strong> competência,<br />
tem sido uma constante na jurisprudência do <strong>STF</strong> e do Judiciário nacional em geral.<br />
(...)<br />
Recentemente, o <strong>STF</strong> reconheceu a sua competência para processar todo mandado <strong>de</strong><br />
segurança, qualquer que fosse a autorida<strong>de</strong> coatora, impetrado por quem teve a sua extradição<br />
<strong>de</strong>ferida pelo Tribunal (Rcl 2.069, Velloso, sessão <strong>de</strong> 27-6-03).<br />
(Voto proferido pelo Ministro Nelson Jobim.)<br />
Após o voto do Relator, Ministro Nelson Jobim, o Pleno do <strong>STF</strong> julgou<br />
proce<strong>de</strong>nte a reclamação, conforme noticia o Informativo <strong>STF</strong> 471:<br />
Iniciado o julgamento <strong>de</strong> reclamação na qual se alega ter havido a usurpação da competência<br />
originária do <strong>STF</strong> para o julgamento <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> cometido por Ministro<br />
<strong>de</strong> Estado (CF, art. 102, I, c), por juiz fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> primeira instância, em razão <strong>de</strong> ter julgado<br />
proce<strong>de</strong>nte ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa contra o então Ministro Chefe da Secretaria <strong>de</strong><br />
Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria,<br />
assentou a ilegitimida<strong>de</strong> da Procuradora da República, autora da ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, e da<br />
Associação Nacional do Ministério Público para, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interessados, impugnarem a<br />
reclamação porquanto o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é representado<br />
pelo Procurador-Geral da República. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, que reconheciam a qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> interessada à Procuradora da República nos termos do art. 159 do RI<strong>STF</strong>, por enten<strong>de</strong>rem<br />
que os Procuradores da República que subscrevem a petição inicial qualificam-se como órgãos<br />
agentes e não como fiscais da lei, não havendo i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> posição processual na causa com o<br />
Procurador-Geral da República (RI<strong>STF</strong>, art. 159: “Qualquer interessado po<strong>de</strong>rá impugnar o pedido<br />
do reclamante.”). Em seguida, o Ministro Nelson Jobim, Relator, fazendo a distinção entre<br />
os regimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o previsto<br />
no art. 37, § 4º, e regulado pela Lei 8.429/92, e o regime <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> fixado<br />
no art. 102, I, letra c, e disciplinado pela Lei 1.079/50, votou pela procedência do pedido formulado<br />
na reclamação por enten<strong>de</strong>r que os agentes políticos, por estarem regidos por normas<br />
especiais <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, não respon<strong>de</strong>m por improbida<strong>de</strong> administrativa com base na Lei<br />
8.429/92, mas apenas por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> em ação que somente po<strong>de</strong> ser proposta<br />
perante o <strong>STF</strong> nos termos do art. 102, I, c, da CF (“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente:<br />
(...) c) nas infrações penais comuns e nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, os Ministros<br />
<strong>de</strong> Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto<br />
no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União e os<br />
chefes <strong>de</strong> missão diplomática <strong>de</strong> caráter permanente;”). Em síntese, o Ministro Nelson Jobim<br />
proferiu voto no sentido <strong>de</strong> julgar proce<strong>de</strong>nte a reclamação para assentar a competência do <strong>STF</strong><br />
e <strong>de</strong>clarar extinto o processo em curso na 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, que<br />
gerou a reclamação, no que foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Men<strong>de</strong>s, Ellen Gracie,<br />
Maurício Corrêa e Ilmar Galvão. Após, o julgamento foi adiado em virtu<strong>de</strong> do pedido <strong>de</strong> vista<br />
do Ministro Carlos Velloso. Rcl 2.138/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, 20-11-02.<br />
(Informativo <strong>STF</strong> 291.)<br />
Retomado julgamento <strong>de</strong> reclamação na qual se alega usurpação da competência<br />
originária do <strong>STF</strong> para o julgamento <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> cometido por ministro <strong>de</strong><br />
Estado (CF, art. 102, I, c) – v. Informativo 291. Na espécie, o Reclamante insurge-se contra<br />
sentença proferida por juiz fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> primeira instância que, julgando proce<strong>de</strong>nte pedido<br />
formulado em ação civil pública por improbida<strong>de</strong> administrativa, con<strong>de</strong>nara o então Ministro
644<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Chefe da Secretaria <strong>de</strong> Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalida<strong>de</strong>s<br />
do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtu<strong>de</strong> da solicitação e utilização<br />
in<strong>de</strong>vidas <strong>de</strong> aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB), bem como da fruição <strong>de</strong> Hotel <strong>de</strong><br />
Trânsito da Aeronáutica. Abrindo divergência, o Ministro Carlos Velloso, em voto-vista, julgou<br />
improce<strong>de</strong>nte a reclamação por consi<strong>de</strong>rar que, no caso, a competência é do Juízo fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> 1º grau. Enten<strong>de</strong>ndo que os agentes políticos respon<strong>de</strong>m pelos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao<br />
que não estiver tipificado como crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, e estiver <strong>de</strong>finido como ato <strong>de</strong><br />
improbida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem respon<strong>de</strong>r na forma da lei própria, qual seja, a Lei 8.429/92, aplicável a<br />
qualquer agente público, concluiu que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92,<br />
invocadas na ação civil pública, não se enquadram como crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finido<br />
na Lei 1.079/50. Após o voto do Ministro Cezar Peluso, que acompanhava o voto do Ministro<br />
Nelson Jobim, Relator, pediu vista dos autos o Ministro Joaquim Barbosa. Rcl 2.138/DF,<br />
Rel. Min. Nelson Jobim, 14-12-05.<br />
(Informativo <strong>STF</strong> 413.)<br />
Retomado julgamento <strong>de</strong> reclamação na qual se alega usurpação da competência originária<br />
do <strong>STF</strong> para o julgamento <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> cometido por ministro <strong>de</strong> Estado<br />
(CF, art. 102, I, c) – v. Informativos 291 e 413. Na espécie, o Reclamante insurge-se contra<br />
sentença proferida por juiz fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> primeira instância que, julgando proce<strong>de</strong>nte pedido<br />
formulado em ação civil pública por improbida<strong>de</strong> administrativa, con<strong>de</strong>nara o então Ministro<br />
Chefe da Secretaria <strong>de</strong> Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalida<strong>de</strong>s do<br />
art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtu<strong>de</strong> da solicitação e utilização in<strong>de</strong>vidas<br />
<strong>de</strong> aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB), bem como da fruição <strong>de</strong> Hotel <strong>de</strong> Trânsito da<br />
Aeronáutica. Inicialmente, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral suscitou preliminar <strong>de</strong> não-conhecimento,<br />
apontando a incompetência superveniente do Supremo para a apreciação da matéria em<br />
razão <strong>de</strong> ter ocorrido, <strong>de</strong>pois do início do julgamento da reclamação, a cessação do exercício da<br />
função pública pelo interessado e o reconhecimento, na ADI 2.797/DF (DJU <strong>de</strong> 19-12-06), da<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> dos § 1º e § 2º do art. 84 do CPP, com a redação dada pela Lei 10.628/02.<br />
Após os votos da Ministra Cármen Lúcia, do Ministro Joaquim Barbosa – que também suscitava<br />
preliminar no sentido da perda do objeto da reclamação em face da cessação da investidura<br />
funcional motivadora da prerrogativa <strong>de</strong> foro –, do Ministro Ricardo Lewandowski e do Ministro<br />
Carlos Britto, todos acolhendo a preliminar argüida pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, pediu<br />
vista o Ministro Eros Grau. Rcl 2.138/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, 1º-3-07.<br />
(Informativo <strong>STF</strong> 457.)<br />
O Tribunal concluiu julgamento <strong>de</strong> reclamação proposta pela União contra o Juiz<br />
Fe<strong>de</strong>ral Substituto da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e contra o Relator da<br />
apelação interposta perante o TRF da 1ª Região, na qual se alegava usurpação da competência<br />
originária do <strong>STF</strong> para o julgamento <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> cometido por ministro<br />
<strong>de</strong> Estado (CF, art. 102, I, c) – v. Informativos 291, 413 e 457. Na espécie, o Juízo fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> 1ª instância julgara proce<strong>de</strong>nte pedido formulado em ação civil pública por improbida<strong>de</strong><br />
administrativa e con<strong>de</strong>nara o então Ministro Chefe da Secretaria <strong>de</strong> Assuntos Estratégicos da<br />
Presidência da República nas penalida<strong>de</strong>s do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF,<br />
em virtu<strong>de</strong> da solicitação e utilização in<strong>de</strong>vidas <strong>de</strong> aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB),<br />
bem como da fruição <strong>de</strong> Hotel <strong>de</strong> Trânsito da Aeronáutica. Rcl 2.138/DF, Rel. orig. Min. Nelson<br />
Jobim, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, 13-6-07.<br />
(Informativo <strong>STF</strong> 471.)<br />
Consi<strong>de</strong>rando o entendimento conferido pelo Pleno nesse prece<strong>de</strong>nte, assevero<br />
que, antes <strong>de</strong> se cogitar <strong>de</strong> uma interpretação restritiva ou ampliativa, compete<br />
ao intérprete constitucional verificar se, mediante fórmulas pretensamente
R.T.J. — <strong>204</strong> 645<br />
alternativas, não se está a violar a própria <strong>de</strong>cisão fundamental do constituinte ou,<br />
na afirmação <strong>de</strong> Pertence, “Se nossa função é realizar a Constituição e nela a largueza<br />
do campo do foro prerrogativo <strong>de</strong> função mal permite caracterizá-lo como<br />
excepcional, nem cabe restringi-lo nem cabe negar-lhe a expansão sistemática<br />
necessária a dar efetivida<strong>de</strong> às inspirações da Lei Fundamental” (voto proferido<br />
por Sepúlveda Pertence no Inq 687-QO/SP, Rel. Sydney Sanches, DJ <strong>de</strong> 9-11-01).<br />
Sobre essa questão, diz Canotilho:<br />
A força normativa da Constituição é incompatível com a existência <strong>de</strong> competências<br />
não escritas salvo nos casos <strong>de</strong> a própria Constituição autorizar o legislador a alargar o leque <strong>de</strong><br />
competências normativo-constitucionalmente especificado. No plano metódico, <strong>de</strong>ve também<br />
afastar-se a invocação <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>res implícitos”, <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>res resultantes” ou <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>res inerentes”<br />
como formas autônomas <strong>de</strong> competência. É admissível, porém, uma complementação <strong>de</strong><br />
competências constitucionais através do manejo <strong>de</strong> instrumentos metódicos <strong>de</strong> interpretação<br />
(sobretudo <strong>de</strong> interpretação sistemática ou teleológica). Por esta via, chegar-se-á a duas hipóteses<br />
<strong>de</strong> competência complementares implícitas: (1) competências implícitas complementares,<br />
enquadráveis no programa normativo-constitucional <strong>de</strong> uma competência explícita e justificáveis<br />
porque não se trata tanto <strong>de</strong> alargar competências mas <strong>de</strong> aprofundar competências (ex.:<br />
quem tem competência para tomar uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>ve, em princípio, ter competência para a<br />
preparação e formação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão); (2) competências implícitas complementares, necessárias<br />
para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática e analógica <strong>de</strong><br />
preceitos constitucionais.<br />
(CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.<br />
5. ed. Coimbra: Almedina, p. 543.)<br />
De igual modo, no que se refere às “competências implícitas” do <strong>STF</strong>,<br />
adotou-se a interpretação extensiva ou compreensiva do texto constitucional, em<br />
diversas hipóteses:<br />
a) Mandado <strong>de</strong> segurança contra ato <strong>de</strong> comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes: MS 23.619/DF, Rel. Octavio Gallotti, Plenário, DJ <strong>de</strong> 7-12-00;<br />
MS 23.851/DF, MS 23.868/DF e MS 23.964/DF, Rel. Celso <strong>de</strong> Mello, Plenário,<br />
DJ <strong>de</strong> 21-6-02;<br />
b) Habeas corpus contra a Interpol, em face do recebimento <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong><br />
prisão expedido por magistrado estrangeiro, tendo em vista a competência do<br />
<strong>STF</strong> para processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado<br />
estrangeiro (art. 102, I, g, CF). Prece<strong>de</strong>ntes: HC 80.923/SC, Rel. Néri da Silveira,<br />
Plenário, DJ <strong>de</strong> 21-6-02; HC 82.686/RS, Rel. Sepúlveda Pertence, Plenário,<br />
DJ <strong>de</strong> 28-3-03; e HC 82.677/PR, por mim relatado, Plenário, DJ <strong>de</strong> 13-6-03;<br />
c) Mandado <strong>de</strong> segurança contra atos que tenham relação com o pedido<br />
<strong>de</strong> extradição (art. 102, I, g, CF). A propósito, Rcl 2.069/DF, Rel. Carlos<br />
Velloso, Plenário, DJ <strong>de</strong> 1º-8-03; e Rcl 2.040/DF, Plenário, DJ <strong>de</strong> 27-6-03;<br />
d) No julgamento do MS 24.099-AgR/DF, Rel. Maurício Corrêa, Plenário,<br />
DJ <strong>de</strong> 2-8-02, firmou-se o entendimento <strong>de</strong> que a competência do <strong>STF</strong> para<br />
julgar mandado <strong>de</strong> segurança contra atos da Mesa da Câmara dos Deputados<br />
(art. 102, I, d, 2ª parte) alcança os atos individuais praticados por<br />
parlamentar que profere <strong>de</strong>cisão em nome <strong>de</strong>sta;
646<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
e) O Tribunal, ao examinar o HC 78.897-QO/RJ, Plenário, em sessão <strong>de</strong><br />
9-6-99, Rel. Nelson Jobim, “enten<strong>de</strong>u que o <strong>STF</strong> é competente para examinar<br />
pedido <strong>de</strong> habeas corpus contra acórdão do STJ que in<strong>de</strong>feriu recurso<br />
ordinário <strong>de</strong> habeas corpus. Consi<strong>de</strong>rou-se que o <strong>STF</strong> é a última instância<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir do cidadão, po<strong>de</strong>ndo qualquer <strong>de</strong>cisão do<br />
STJ, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que configurado o constrangimento ilegal, ser levada ao <strong>STF</strong>”<br />
(Informativo <strong>STF</strong> 152.)<br />
Vejam, portanto, numa Constituição tão <strong>de</strong>talhada como a nossa, que não há<br />
como não fazer essa interpretação compreensiva do texto constitucional. Resulta<br />
impossível não se fazer esse tipo <strong>de</strong> compreensão com relação à competência<br />
para aquilo que o Ministro Sepúlveda Pertence <strong>de</strong>nomina como ativida<strong>de</strong> constitucional<br />
<strong>de</strong> “supervisão judicial (e nada mais do que isso) do Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral” (voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence na Rcl 2.349/TO,<br />
DJ <strong>de</strong> 5-8-05).<br />
Nosso sistema constitucional não repudia, por conseguinte, a idéia <strong>de</strong><br />
competências implícitas complementares, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que necessárias para colmatar<br />
lacunas constitucionais evi<strong>de</strong>ntes. Parece-me que este argumento está fortemente<br />
consolidado. Por isso consi<strong>de</strong>ro incorreta e contrária à jurisprudência pacífica a<br />
afirmação segundo a qual a competência <strong>de</strong>sta Corte há <strong>de</strong> ser interpretada <strong>de</strong><br />
forma restritiva.<br />
Para o caso específico da apreciação das questões inci<strong>de</strong>ntes nos inquéritos<br />
originários, invoco o prece<strong>de</strong>nte firmado no julgamento da Rcl 2.349/TO, Relator<br />
para o acórdão Ministro Cezar Peluso, Relator originário o Ministro Carlos Velloso<br />
(DJ <strong>de</strong> 5-8-05). Nesse julgado, o Plenário, por maioria, asseverou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
garantia da competência do <strong>STF</strong> para, nos termos do art. 102, I, b, fazer incidir o<br />
foro por prerrogativa <strong>de</strong> função com relação a parlamentares sempre que intimados<br />
com o objetivo <strong>de</strong> esclarecerem imputação, ao menos em tese, criminosa, na condição<br />
<strong>de</strong> investigado e/ou testemunha. Eis o teor da ementa <strong>de</strong>sse julgado:<br />
Ementa: Competência. Parlamentar. Senador. Inquérito policial. Imputação <strong>de</strong> crime<br />
por indiciado. Intimação para comparecer como testemunha. Convocação com caráter <strong>de</strong> ato<br />
<strong>de</strong> investigação. Inquérito já remetido a juízo. Competência do <strong>STF</strong>. Compete ao Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral supervisionar inquérito policial em que senador tenha sido intimado para<br />
esclarecer imputação <strong>de</strong> crime que lhe fez indiciado.<br />
(Rcl 2.349/TO, Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, Rel. originário Min. Carlos<br />
Velloso, Plenário, por maioria, DJ <strong>de</strong> 5-8-05.)<br />
Em outras palavras, se a Constituição estabelece que os agentes políticos<br />
respon<strong>de</strong>m, por crime comum, perante esta Corte (CF, art. 102, I, b), não há<br />
razão constitucional plausível para que as ativida<strong>de</strong>s diretamente relacionadas à<br />
“supervisão judicial” (como é o caso da abertura <strong>de</strong> procedimento investigatório,<br />
por exemplo) sejam retiradas do controle judicial do <strong>STF</strong>.<br />
Fixadas essas premissas, observa-se que é justamente por isso que está consagrada,<br />
em nosso sistema constitucional, a instituição da prerrogativa <strong>de</strong> foro.<br />
Além <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>stinada a evitar o que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>finido como uma tática <strong>de</strong><br />
guerrilha – nada republicana, diga-se – perante os vários juízos <strong>de</strong> primeiro grau,
R.T.J. — <strong>204</strong> 647<br />
tal prerrogativa funcional serve para que os dirigentes das principais instituições<br />
públicas sejam julgados perante órgão colegiado – dotado <strong>de</strong> maior in<strong>de</strong>pendência,<br />
pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visões e <strong>de</strong> inequívoca serieda<strong>de</strong>.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma questão intimamente impregnada por elementos constitucionais<br />
que <strong>de</strong>vem nortear políticas públicas criminais <strong>de</strong>stinadas a esses agentes.<br />
Daí o porquê da urgência da discussão das atribuições e competências no<br />
caso <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> supostos crimes cometidos por pessoas <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong><br />
prerrogativa <strong>de</strong> foro em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> inquérito originário perante este <strong>STF</strong>.<br />
Portanto, há <strong>de</strong> se fazer a <strong>de</strong>vida distinção entre os inquéritos originários,<br />
a cargo e competência <strong>de</strong>sta Corte (CF, art. 102), e aqueloutros <strong>de</strong> natureza tipicamente<br />
policial, os quais se regulam inteiramente pela legislação processual<br />
penal brasileira.<br />
Sobre esse aspecto, assim manifestou-se o Procurador-Geral em seu parecer:<br />
6. O foro por prerrogativa <strong>de</strong> função tem sua justificativa na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar<br />
garantias aos titulares <strong>de</strong> certos e <strong>de</strong>terminados cargos, cuja importância é <strong>de</strong>finida na<br />
Constituição, para que possam exercer em plenitu<strong>de</strong> as atribuições que lhe são cometidas. O<br />
elemento <strong>de</strong> referência para o estabelecimento da garantia não é a pessoa que o titulariza em<br />
<strong>de</strong>terminado momento, mas sim o plexo <strong>de</strong> atribuições do cargo.<br />
7. Permitir que o procedimento <strong>de</strong> investigação predisposto à colheita <strong>de</strong> elementos<br />
probatórios, que suportarão eventual imputação penal contra titular <strong>de</strong> cargo a que se assegura<br />
foro especial, possa ser aberto por autorida<strong>de</strong> policial que integra o Departamento <strong>de</strong> Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral, e é órgão integrante da estrutura administrativa do Ministério da Justiça, certamente<br />
enfraquece a garantia que a Constituição consagra.<br />
(Fl. 128.)<br />
O <strong>de</strong>spacho que admite o pedido diretamente apresentado pelo Procurador-<br />
Geral da República correspon<strong>de</strong> a ato judicial <strong>de</strong> natureza administrativa que<br />
imputa <strong>de</strong>terminação procedimental <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> inquérito no âmbito <strong>de</strong>sta<br />
Corte, o qual <strong>de</strong>ve ser aqui autuado e numerado nos termos dos arts. 55, XIV; 56,<br />
V; e 231 do RI<strong>STF</strong>.<br />
A urgência <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ve-se à exigência constitucional <strong>de</strong> evitar<br />
eventuais excessos por parte da Polícia Judiciária no sentido <strong>de</strong> se vislumbrar –<br />
conforme no excerto do ofício acima transcrito –, inclusive, e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
do controle jurisdicional <strong>de</strong>ste Tribunal, a pretensão jurídica <strong>de</strong> instauração, ex<br />
officio, dos referidos inquéritos originários.<br />
Assim, a discussão acerca <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> não é uma mera formulação<br />
hipotética. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição das competências constitucionais dos<br />
relatores <strong>de</strong>sta Suprema Corte nos inquéritos originários.<br />
Segundo a manifestação do Procurador-Geral da República, a iniciativa<br />
do procedimento investigatório <strong>de</strong>ve ser confiada ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral,<br />
contando com a supervisão do Ministro Relator <strong>de</strong>ssa Corte.<br />
Nesse contexto, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral não estaria autorizada a abrir <strong>de</strong> ofício<br />
inquérito policial para apurar a conduta <strong>de</strong> parlamentares fe<strong>de</strong>rais ou do próprio<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República (no caso do <strong>STF</strong>).
648<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Diante do exposto e na linha dos prece<strong>de</strong>ntes arrolados, voto no sentido<br />
<strong>de</strong> que a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ora apreciada seja resolvida nos seguintes termos:<br />
no exercício <strong>de</strong> competência penal originária do <strong>STF</strong> (CF, art. 102, I, b, c/c Lei<br />
8.038/90, art. 2º), a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supervisão judicial <strong>de</strong>ve ser constitucionalmente<br />
<strong>de</strong>sempenhada durante toda a tramitação das investigações (isto é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a abertura<br />
dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>núncia pelo dominus litis).<br />
Nestes termos, na linha do parecer da Procuradoria-Geral da República,<br />
voto no sentido <strong>de</strong> que a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m seja resolvida para anular o ato formal<br />
<strong>de</strong> indiciamento promovido pela autorida<strong>de</strong> policial em face do parlamentar<br />
investigado.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eminente Relator, o parecer da Procuradoria-Geral<br />
da República é no sentido <strong>de</strong> conferir competência privativa<br />
exclusiva para investigar os crimes em que estejam envolvidas aquelas pessoas<br />
que têm prerrogativa <strong>de</strong> foro. Nós temos em tramitação nesta Suprema Corte<br />
várias ações diretas <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> – eu mesmo tenho algumas que<br />
estou ainda analisando – que dizem respeito ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigação do Ministério<br />
Público. Se nesta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m caminharmos no sentido que, a meu<br />
ver, V. Exa. está apontando, já estaremos <strong>de</strong>finindo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, salvo melhor<br />
juízo, que, em se tratando <strong>de</strong> pessoas que tenham prerrogativa <strong>de</strong> função, apenas<br />
o Ministério Público po<strong>de</strong> <strong>de</strong>flagrar investigação criminal. Quer dizer, estamos<br />
atribuindo apenas ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral essa possibilida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Estou a dizer que a investigação<br />
se dará nos termos da Lei 8.038 e do Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />
provocado pelo Ministério Público, sob a supervisão do Ministro Relator.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se a Polícia Fe<strong>de</strong>ral eventualmente<br />
receber uma notitia criminis, po<strong>de</strong> requerer diretamente ao Relator?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Po<strong>de</strong>rá encaminhar ao Ministério<br />
Público.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sim, o Ministério Público é o dono<br />
dos litis da ação penal. Mas também terá competência exclusiva para <strong>de</strong>flagrar<br />
investigação criminal?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Do contrário, o próprio <strong>de</strong>legado<br />
faria a investigação.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não. Mas ele terá <strong>de</strong> pedir licença<br />
ao Relator.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Relator po<strong>de</strong> ouvir o Ministério Público<br />
e mandar instaurar. A pergunta é se a autorida<strong>de</strong> policial po<strong>de</strong> fazer isso ou se<br />
ela tem <strong>de</strong> consultar primeiro o Procurador-Geral e este requerer a abertura do<br />
inquérito.
R.T.J. — <strong>204</strong> 649<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Se quiser e se o julgar conveniente<br />
e oportuno.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): A mim me parece que <strong>de</strong>veria<br />
encaminhar ao Ministério Público.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque, aí, estaremos restabelecendo, no<br />
inquérito, o que havia quanto à representação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> – o monopólio.<br />
Uma coisa é a autorida<strong>de</strong> policial instaurar um inquérito e investigar; algo<br />
diverso é ter-se o comparecimento, por <strong>de</strong>terminação da autorida<strong>de</strong> policial, do<br />
parlamentar para prestar <strong>de</strong>poimento. Aí sim, existe ato <strong>de</strong> constrição que terá <strong>de</strong><br />
passar pelo crivo do Supremo.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): São várias questões. A questão <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m colocada aqui foi o indiciamento feito pela própria autorida<strong>de</strong> policial a<br />
partir <strong>de</strong> uma investigação solicitada pelo Ministério Público. Essa foi a questão<br />
colocada e, obviamente, eu a estou resolvendo no sentido da anulação da <strong>de</strong>cisão<br />
quanto ao indiciamento.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Até esse ponto eu caminharia com V. Exa.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): A outra questão, que inclusive<br />
tem argumentos aqui nesse sentido, é a <strong>de</strong> a própria Polícia Fe<strong>de</strong>ral abrir inquérito<br />
quanto a <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro. Essa seria a alternativa que vem<br />
sendo advogada inclusive pela própria polícia. Se nós <strong>de</strong>ferirmos isso, estaremos<br />
criando um procedimento paralelo àquele da Lei 8.038.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Nesse aspecto eu concordo com<br />
V. Exa. também, não po<strong>de</strong> haver essa iniciativa da Polícia Fe<strong>de</strong>ral. Mas eu não<br />
excluiria, em tese, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a Polícia Fe<strong>de</strong>ral receber uma notitia criminis,<br />
nos termos do art. 5º, § 3º, do Código <strong>de</strong> Processo Penal, e pedir ao Relator<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a continuida<strong>de</strong> das investigações, e o Relator terá a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir o Ministério Público.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Isso po<strong>de</strong>ria ocorrer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o<br />
Procurador-Geral se manifestasse nesse sentido.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É importante essa questão suscitada pelo<br />
Ministro Ricardo Lewandowski, porque po<strong>de</strong> surgir a seguinte questão: suponhamos<br />
que a autorida<strong>de</strong> policial se dirija ao Ministro Relator solicitando a abertura<br />
<strong>de</strong> inquérito; o Ministro Relator ouve o Procurador-Geral da República, que diz<br />
não ser caso <strong>de</strong> iniciar investigação nenhuma. Eis aí um problema. Como resolver?<br />
O Relator po<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a abertura do inquérito?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Eu entendo que não.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Entendo que sim, ou então o art. 5º do Código<br />
<strong>de</strong> Processo Penal é inconstitucional. Uma coisa é o ato <strong>de</strong> constrição contra<br />
parlamentar, algo diverso é uma simples investigação aberta pela autorida<strong>de</strong><br />
policial. A partir do momento em que haja a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se formalizar um ato<br />
<strong>de</strong> constrição, aí, sim, <strong>de</strong>ve haver a autorização do Supremo. Agora, enten<strong>de</strong>rmos<br />
que, envolvida a prerrogativa <strong>de</strong> foro, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter alguém <strong>de</strong>tentor
650<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
<strong>de</strong>ssa prerrogativa, há primazia do Ministério Público, estabeleceremos tratamento<br />
diferenciado que não <strong>de</strong>corre da prerrogativa <strong>de</strong> foro. A prerrogativa é<br />
para ser processado e julgado.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Na verda<strong>de</strong>, este inquérito tramita<br />
no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral basicamente por provocação do Procurador-Geral<br />
da República.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas nós submeteremos as investigações<br />
à discricionarieda<strong>de</strong> exclusiva do Ministério Público.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Essa é uma praxe que já encontrei aqui no<br />
Supremo, mas não tem que ser necessariamente assim.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Essa é a questão posta.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nesse caso, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da resposta que a Corte<br />
dê à questão posta, teríamos o seguinte: abre-se inquérito, se há autorização do<br />
Ministério Público, se não, não se abre, a <strong>de</strong>speito da prisão em flagrante!<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Acredito que se po<strong>de</strong> evoluir até<br />
nesse sentido, quer dizer, a Corte po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>terminar a abertura do inquérito, o<br />
que não se po<strong>de</strong> admitir, a meu ver, em qualquer hipótese, é a abertura <strong>de</strong> inquérito<br />
por parte da autorida<strong>de</strong> policial sem autorização da Corte.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por que não, Excelência?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Quanto a isso, parece que estamos todos <strong>de</strong> acordo.<br />
Perdoem-me, se interpreto mal, mas, pelo que entendi, não foi essa a questão<br />
suscitada pelo Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Absolutamente não.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: A questão suscitada por ele é específica quanto<br />
à necessida<strong>de</strong>, ou não, <strong>de</strong> o Ministério Público opinar favoravelmente para que o<br />
Relator <strong>de</strong>termine a abertura do inquérito. Isto é, se a <strong>de</strong>cisão do Relator fica absolutamente<br />
condicionada a um pronunciamento favorável do Ministério Público.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Nós estaríamos <strong>de</strong>ixando exclusivamente<br />
nas mãos do Ministério Público.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Essa é hoje a praxe da Lei 8.038<br />
e também das normas do nosso Regimento. Mas, a meu ver, a questão é bastante<br />
relevante e po<strong>de</strong>mos assentar nesse sentido. Agora, a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m suscitada<br />
pelo próprio Senador Magno Malta diz respeito, neste caso, ao indiciamento que<br />
era feito e com o argumento <strong>de</strong> que a Polícia sempre po<strong>de</strong>rá abrir o inquérito,<br />
levando, obviamente – isso é fácil <strong>de</strong> ver –, a um quadro <strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong>sorganização<br />
e esvaziamento da própria idéia <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, Senhores Ministros,<br />
tenho a sensação <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>compor os temas postos. Pelo que pu<strong>de</strong>
R.T.J. — <strong>204</strong> 651<br />
verificar, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s traz uma questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m concreta no tocante<br />
a um <strong>de</strong>terminado inquérito que tem um senador como investigado, e está<br />
respon<strong>de</strong>ndo a essa questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> anular o inquérito porque<br />
houve invasão.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não, só o indiciamento. O inquérito<br />
foi aberto <strong>de</strong> forma regular.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Anular o indiciamento porque feito em<br />
<strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> com os termos da Lei 8.038 e do nosso Regimento Interno.<br />
Tenho a sensação <strong>de</strong> que a Corte quanto a isso não discrepa, existe uma convergência<br />
<strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> haver esse indiciamento sem que seja seguida a tramitação<br />
regular prevista na Lei e no Regimento.<br />
Respondo, quanto a essa questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, afirmativamente, nos termos<br />
postos pelo Ministro Relator. Se tivermos <strong>de</strong> avançar, haveria algumas consi<strong>de</strong>rações<br />
na linha formulada pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso<br />
e Celso <strong>de</strong> Mello. Eu não chegaria ao extremo da prisão em flagrante porque teria<br />
uma circunstância muito peculiar a superar a disciplina que po<strong>de</strong>ríamos estabelecer<br />
no julgamento <strong>de</strong>sta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
A meu ver, o que se quer vedar é que, moto próprio, voluntariamente, a<br />
Polícia Fe<strong>de</strong>ral abra investigação contra aquele que <strong>de</strong>tém foro por prerrogativa<br />
<strong>de</strong> função, matéria que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ixada ao alvedrio <strong>de</strong> um órgão vinculado<br />
ao Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />
Mas neste caso, se passássemos ao exame <strong>de</strong>ssa matéria, e não me parece<br />
ser a situação aqui, porque estamos respon<strong>de</strong>ndo apenas a uma questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m,<br />
<strong>de</strong>veríamos alargar a nossa perspectiva no sentido <strong>de</strong> autorizar a Polícia a solicitar<br />
ao Ministro da Corte, que <strong>de</strong>tém a jurisdição por prerrogativa <strong>de</strong> função, que<br />
estabelecesse o início do processo investigatório. Dessa maneira, preservar-se-ia<br />
o princípio da prerrogativa <strong>de</strong> função cujo valor, bom ou mau, não está em jogo<br />
neste momento. Existe apenas a constatação da existência da prerrogativa <strong>de</strong><br />
função, e o que se iria examinar, ultrapassando a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, seria saber se<br />
é possível concentrar tudo no Ministério Público ou se possível, também, <strong>de</strong>ixar<br />
a Polícia Fe<strong>de</strong>ral, surpreen<strong>de</strong>ndo ao próprio Ministro da Corte encarregado, <strong>de</strong>terminar<br />
a abertura do inquérito.<br />
Só para concluir, respondo a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m na linha do Ministro Relator.<br />
Quanto à parte posterior, se fosse julgada, encaminharia no sentido antes<br />
indicado.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Na verda<strong>de</strong>, a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
diz respeito ao próprio indiciamento, que foi objeto também <strong>de</strong> uma outra<br />
discussão no caso da Pet 3.825, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, o qual<br />
enten<strong>de</strong>u que a autorida<strong>de</strong> policial po<strong>de</strong>ria efetuar o indiciamento, no caso o<br />
Senador Mercadante.<br />
Portanto, estou trazendo esta questão tendo em vista a Corte estar completa.<br />
Como esta questão está associada a outras práticas aqui referidas, especialmente<br />
a da abertura <strong>de</strong> investigação pela própria autorida<strong>de</strong> policial, isto é um dado
652<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
inevitável, a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m tem <strong>de</strong> ser respondida no sentido <strong>de</strong> caber ao<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, exclusivamente, a supervisão e, portanto, <strong>de</strong>terminar<br />
essa abertura, ainda que isso tenha implicações no cenário das competências da<br />
Corte, como bem notou o Ministro Ricardo Lewandowski. E a prática tem caminhado<br />
nesse sentido.<br />
A questão que se suscita – não tenho nada contra essa possibilida<strong>de</strong>, embora<br />
eu a vislumbre quase que como acadêmica – é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Procurador-<br />
Geral repudiar a abertura <strong>de</strong> um inquérito, dizer que ele não <strong>de</strong>ve ser aberto, porque<br />
aí obviamente teremos aquele quadro colocado em razão das competências<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral quando o Procurador-Geral pe<strong>de</strong> o arquivamento<br />
<strong>de</strong> qualquer inquérito.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Mas, nesse caso que estamos aventando,<br />
estaríamos preservando a competência da Corte, ou seja, estabeleceríamos que<br />
a Corte <strong>de</strong>flagraria o processo, apenas, como pon<strong>de</strong>raram os Ministros Ricardo<br />
Lewandowski, Cezar Peluso e Celso <strong>de</strong> Mello, abriríamos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
que isso não ficasse exclusivamente na nascente do Ministério Público, que ele<br />
pu<strong>de</strong>sse também ter origem na Polícia Fe<strong>de</strong>ral, que se limitaria a requerer a autorização<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, quando fosse ele o competente para a<br />
abertura do inquérito, ou seja, para <strong>de</strong>flagrar a abertura do inquérito.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Na Polícia Fe<strong>de</strong>ral ou em qualquer<br />
autorida<strong>de</strong> policial, obviamente.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Em síntese, a meu ver, queremos evitar<br />
aqui que, ao alvedrio <strong>de</strong> um órgão executivo, possam ser abertos múltiplos inquéritos<br />
contra autorida<strong>de</strong>s subordinadas à prerrogativa <strong>de</strong> função. Se admitirmos<br />
isso, estaremos inviabilizando, por via indireta, a existência do próprio foro por<br />
prerrogativa <strong>de</strong> função.<br />
Então, a meu sentir, a resposta estaria confinada, primeiro, à questão <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m, e eu a respon<strong>de</strong>ria afirmativamente, e, se ultrapassada a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
e fôssemos mais adiante, eu me filiaria ao entendimento manifestado pelos Ministros<br />
Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso <strong>de</strong> Mello que, pelo que verifico,<br />
não encontra obstáculo no brilhantíssimo voto do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, ainda que não tenha maior<br />
repercussão o que disse o eminente Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s em seu brilhante<br />
voto, não me estou vinculando absolutamente a nada do que diz respeito ao tema<br />
relativo à prerrogativa <strong>de</strong> foro, e, como acaba <strong>de</strong> dizer o Ministro Menezes Direito,<br />
estamos falando em face do art. 102, inciso I, alínea b. Então, não estamos discutindo<br />
isso, para que fique claro.<br />
Quanto à questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, também acompanho o Ministro, mas com a<br />
conseqüência <strong>de</strong> que ao Relator, no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, fica, portanto,<br />
garantida a atribuição para, se for o caso, remeter ao Ministério Público e, se
R.T.J. — <strong>204</strong> 653<br />
enten<strong>de</strong>r conveniente, atuar <strong>de</strong> acordo com as suas atribuições e não vinculado<br />
ao procedimento, ao pronunciamento do Ministério Público.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, o meu voto<br />
também concorda, integralmente, com a solução dada à questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pelo<br />
eminente Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, em seu brilhante voto.<br />
No caso, também anulo o indiciamento porque não houve a anuência do<br />
Relator, Ministro <strong>de</strong>sta Corte, mas também, ultrapassada essa questão, entendo<br />
que a abertura da investigação, data venia, não po<strong>de</strong> ficar ao alvedrio exclusivo<br />
do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>vendo-se admitir também que a investigação<br />
penal possa ser <strong>de</strong>flagrada por outros agentes, outros órgãos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que com<br />
autorização do Ministro Relator.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, também acompanho o Relator<br />
nos termos precisos das observações do Ministro Carlos Alberto Direito.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, entendo que a <strong>de</strong>cisão<br />
do Ministro Relator <strong>de</strong>terminando a abertura <strong>de</strong> inquérito não fica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />
efetivamente <strong>de</strong> manifestação favorável do Procurador-Geral da República.<br />
Caso ocorra uma abertura <strong>de</strong> inquérito à revelia do Procurador-Geral, entendo<br />
que ele tem uma arma formidável à sua disposição, que é pura e simplesmente<br />
pedir o arquivamento do inquérito, pedido esse ao qual a Corte não po<strong>de</strong>rá se opor.<br />
Quanto ao ato <strong>de</strong> indiciamento, entendo tratar-se <strong>de</strong> ato <strong>de</strong> natureza vinculada<br />
e não discricionária. Tão logo surjam indícios <strong>de</strong> que um agente <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong><br />
prerrogativa <strong>de</strong> foro seja o possível autor <strong>de</strong> uma conduta criminosa, o indiciamento<br />
é conseqüência natural e automática, é ato <strong>de</strong> natureza legal, vinculada e<br />
não discricionária.<br />
Com essas consi<strong>de</strong>rações, peço vênia para divergir quanto à questão precisa<br />
colocada, não anulando o indiciamento, no caso.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, salvo engano, na Pet 3.825,<br />
o Ministro Sepúlveda Pertence fez do indiciamento no inquérito policial um divisor<br />
<strong>de</strong> águas, um marco temporal, dizendo que a autorida<strong>de</strong> policial po<strong>de</strong>, sim,<br />
indiciar o investigado naquele sentido <strong>de</strong> formalmente torná-lo suspeito, porém,<br />
a partir <strong>de</strong>sse indiciamento é que fica na obrigação <strong>de</strong> encaminhar o procedi-
654<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
mento ao tribunal competente para processar e julgar eventual ação penal contra<br />
o indiciado. Nesse caso, não haveria anulação do indiciamento; haveria apenas<br />
a obrigação <strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> policial indiciadora encaminhar o pré-processo ao<br />
tribunal competente.<br />
É como voto.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, estou <strong>de</strong> pleno acordo<br />
com o eminente Relator. Em primeiro lugar, quanto à premissa <strong>de</strong> que a competência<br />
implícita <strong>de</strong>sta Corte é supervisionar a abertura e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
inquérito policial <strong>de</strong> pessoas sujeitas à prerrogativa <strong>de</strong> função perante esta Corte,<br />
e, como conseqüência, também acompanho o Relator, assentando que a autorida<strong>de</strong><br />
policial não po<strong>de</strong> iniciar inquérito sem a autorização do Ministro Relator.<br />
Segundo, também assento que a autorida<strong>de</strong> policial, no inquérito já aberto<br />
e sob a supervisão do Relator – que é a única hipótese possível –, tampouco po<strong>de</strong><br />
indiciar quem quer que seja sujeito à prerrogativa <strong>de</strong> função, sem a autorização<br />
prévia do Relator.<br />
Em relação à outra questão – parece-me que não é, data venia, uma questão<br />
puramente acadêmica, porque evi<strong>de</strong>ntemente não é o caso do nosso eminente<br />
Procurador-Geral, nem daquele anterior, sob o qual tivemos a honra <strong>de</strong> trabalhar<br />
–, imagino uma hipótese absurda, mas que está no campo das possibilida<strong>de</strong>s:<br />
que um Procurador-Geral, ainda havendo elementos fortíssimos para início <strong>de</strong><br />
investigação policial, não concor<strong>de</strong> com a abertura do inquérito. A meu ver, nesse<br />
caso, o Relator tem po<strong>de</strong>res, porque qualquer juiz <strong>de</strong> direito o tem, <strong>de</strong> mandar abrir<br />
o inquérito policial. Se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terminado o inquérito, o Procurador-Geral,<br />
diante <strong>de</strong> todos os elementos colhidos, enten<strong>de</strong> que não há crime e pe<strong>de</strong> o arquivamento,<br />
é responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le. Mas isso parece que não está como objeto<br />
específico da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Então, fica como obiter dictum. Também quero,<br />
a respeito, marcar uma posição, porque, como já estamos no campo dos motivos<br />
<strong>de</strong>terminantes, vinculantes, é perigoso que se tire daí conclusão inversa daquilo<br />
que, suponho, <strong>de</strong>va ser a resposta a essa questão.<br />
Por isso, acompanho inteiramente o Relator.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, eu me questiono: o que é um<br />
indiciamento? Falava-se muito em indiciamento quando o envolvido <strong>de</strong>via<br />
comparecer à <strong>de</strong>legacia policial para tocar piano, para se colher a i<strong>de</strong>ntificação<br />
datiloscópica. Por isso é que se cogitava <strong>de</strong> indiciamento. Hoje em dia, com o<br />
registro geral, já não há mais o instituto com a abrangência e com a constrição<br />
que revelou no passado.<br />
Defrontamo-nos com a notícia <strong>de</strong> uma operação – Operação Sanguessuga.<br />
Será que para implementar uma operação e investigar, a autorida<strong>de</strong> policial, seja
R.T.J. — <strong>204</strong> 655<br />
da Polícia Fe<strong>de</strong>ral ou da Polícia Civil comum, está compelida a requerer ao futuro<br />
titular da ação penal, ao Ministério Público, autorização para tanto? Não, não<br />
po<strong>de</strong>mos manietar a polícia. Se cabe presumir alguma coisa, <strong>de</strong>vemos presumir<br />
procedimento harmônico com os ditames legais. Não vamos raciocinar aqui com<br />
o absurdo, com a extravagância, mesmo porque as polícias, bem ou mal, numa<br />
quadra dificílima, vêm prestando um serviço efetivo à socieda<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Desculpe, a discussão não está<br />
nesse plano. Po<strong>de</strong>mos até levar para esse plano e eu chegaria a conclusões diversas<br />
também em relação a isso.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. é um crítico ácido da polícia!<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Há dados que são preocupantes.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, em todo segmento.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Só estamos discutindo a questão<br />
do plano emblemático constitucional. Mas, se fosse para fazer consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong><br />
índole política, eu também po<strong>de</strong>ria fazer.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não estou fazendo consi<strong>de</strong>rações políticas.<br />
Estou a pronunciar-me como Juiz da Corte e com a liberda<strong>de</strong> que esta ca<strong>de</strong>ira<br />
me dá.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Com a mesma liberda<strong>de</strong> que eu<br />
também tenho.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, se V. Exa. não concorda...<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): E estou manifestando publicamente.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, é ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> V. Exa., que respeito,<br />
como espero que V. Exa. respeite o meu.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Respeito, e estou dizendo isso.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas não me venha com insinuações.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não estou fazendo insinuação; só<br />
estou a dizer que essa discussão é no plano político, e no plano político também<br />
há que fazer a consi<strong>de</strong>ração.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, acabou <strong>de</strong> me atribuir a assunção <strong>de</strong><br />
uma postura política. Não estou aqui a adotar postura política.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): É uma consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> índole<br />
política, sim.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (inserido ante o<br />
cancelamento do aparte por S. Exa.), ainda não votei, não sei se continuo com a<br />
palavra ou se minha palavra foi cortada pelo Vice-Presi<strong>de</strong>nte da Corte.<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): V. Exa. tem a palavra.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não, eu não cortei, é apenas um<br />
<strong>de</strong>bate que V. Exa. suscitou.
656<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas ouça então o que tenho a dizer.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Eu ouvi V. Exa. com a maior atenção,<br />
mas V. Exa. ouça o aparte.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, mas sem retrucar, sem insinuar que<br />
estou marchando para o campo político.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não, não falei sobre campo político.<br />
V. Exa. se enganou. Eu disse que essas consi<strong>de</strong>rações são <strong>de</strong> índole política.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sou um arauto das instituições pátrias. E aí<br />
incluo a polícia, gênero.<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Ministro Marco Aurélio, ouvimos<br />
V. Exa.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, o que temos? A notícia <strong>de</strong> uma operação.<br />
E questionei-me: estaria a polícia manietada, sujeita a autorização para<br />
empreen<strong>de</strong>r diligências, rotulando-as, <strong>de</strong>sta ou daquela forma – pouco importa<br />
aqui a nomenclatura –, como Operação Sanguessuga? A resposta para mim é<br />
<strong>de</strong>senganadamente negativa. A Polícia Fe<strong>de</strong>ral e a Polícia Civil <strong>de</strong>vem atuar no<br />
campo investigativo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer autorização.<br />
Sobre o inquérito, vem-nos <strong>de</strong> um Código vetusto, o Código <strong>de</strong> Processo<br />
Penal, que po<strong>de</strong> ser instaurado por diversas formas <strong>de</strong> provocação. E só conheço<br />
um inquérito nesse campo: o inquérito policial. De ofício – ser instaurado <strong>de</strong><br />
ofício pressupõe autorização? Não, sob pena <strong>de</strong> agasalhar-se a incoerência. Não<br />
pressupõe, por maior envergadura que possua esta ou aquela autorida<strong>de</strong>, como é<br />
o caso do Procurador-Geral da República.<br />
O art. 5º cogita da instauração <strong>de</strong> ofício – e só po<strong>de</strong> ser, no tocante ao inquérito<br />
policial, pela polícia –, da instauração por provocação da autorida<strong>de</strong> judiciária<br />
e também por provocação <strong>de</strong> integrante do Ministério Público. Em relação a<br />
este, não há especificida<strong>de</strong>, não há a previsão <strong>de</strong> praticamente uma primazia – do<br />
Procurador-Geral.<br />
A prerrogativa <strong>de</strong> foro – ouvi alguém ler o dispositivo constitucional – referese<br />
a processar e julgar. Na fase <strong>de</strong> inquérito, não existe processo e sim autos a revelarem<br />
investigação. Costumo emprestar a preceitos que revelem a prerrogativa<br />
<strong>de</strong> foro – e vejam que não estou aqui no campo político – interpretação estrita.<br />
É o que se contém no dispositivo que a prevê. Não vejo – inclusive porque vivo<br />
em uma República, em que <strong>de</strong>ve, tanto quanto possível, prevalecer o tratamento<br />
igualitário – esse instituto com muita simpatia, mas estou compelido a observar –<br />
como todos nós, em geral – a Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Ela ainda assim prevalece.<br />
Não tive notícia, por exemplo, do que se apresentou na Rcl 2.349-4/TO,<br />
da existência <strong>de</strong> ato <strong>de</strong> constrição dirigido ao parlamentar. Não tenho notícias<br />
<strong>de</strong> que o parlamentar haveria sido convocado, intimado, pela autorida<strong>de</strong> policial<br />
para prestar <strong>de</strong>poimento.<br />
Ao votar na Rcl 2.349-4/TO, indaguei se o então Deputado Fe<strong>de</strong>ral – e era<br />
o Deputado Ja<strong>de</strong>r Fontenelle Barbalho – apenas fora convocado para <strong>de</strong>por como
R.T.J. — <strong>204</strong> 657<br />
testemunha, fora intimado para ser ouvido como testemunha. Consignei que não,<br />
que contra ele existia uma verda<strong>de</strong>ira notitia criminis e compareceria não na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> testemunha, mas como envolvido no próprio inquérito.<br />
Mas há mais. Nós nos <strong>de</strong>frontamos, pelo menos recebi uma papeleta que<br />
revela essa autuação, com um inquérito. Se o inquérito está autuado no Supremo,<br />
ele corre no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Ele já se encontra aqui, sob uma relatoria,<br />
a relatoria proficiente do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s.<br />
Como, então, cogitar do afastamento do cenário jurídico <strong>de</strong>sse inquérito? A<br />
partir da visão segundo a qual po<strong>de</strong>ria estar envolvido um senador da República?<br />
Mas esta é a causa <strong>de</strong> haver o inquérito no próprio Supremo.<br />
Esses aspectos me conduzem a não perceber o alcance da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
no que se preconiza que simplesmente se fulmine o inquérito resultante <strong>de</strong>ssa<br />
operação com sugestiva <strong>de</strong>signação: Operação Sanguessuga. Não compreendi<br />
qual é a causa da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, já que qualquer ato <strong>de</strong> constrição, presente a<br />
jurisprudência do Supremo, terá <strong>de</strong> passar necessariamente pelo crivo <strong>de</strong>ste, do<br />
Relator.<br />
Busca-se, na questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, e não foi suscitada pelo Ministério Público –<br />
vou fazer justiça a S. Exa. o Procurador-Geral da República –, foi suscitada pela<br />
<strong>de</strong>fesa, que simplesmente se <strong>de</strong>clare insubsistente o que se contém nesses autos<br />
<strong>de</strong> inquérito. O passo, para mim, é <strong>de</strong>masiadamente largo e não o dou, sob pena<br />
<strong>de</strong> grassar o sentimento <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>.<br />
Se houvesse – e, aí, eu teria uma incongruência, porque já está o inquérito<br />
aqui – a notícia <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> constrição praticado pela autorida<strong>de</strong> policial contra<br />
um parlamentar, não teria a menor dúvida em reafirmar o voto que proferi na<br />
Rcl 2.349-4/TO. Mas a situação é totalmente diferente. O que se registra, o que<br />
se aponta como causa <strong>de</strong> pedir da <strong>de</strong>fesa é que, diante da possibilida<strong>de</strong> – até<br />
mesmo a possibilida<strong>de</strong> – <strong>de</strong> ter-se, em certo inquérito ou em certa operação –<br />
até mesmo numa operação –, o envolvimento <strong>de</strong> parlamentar, todos os atos<br />
praticados antes do crivo do Supremo, sem que haja constrição, consi<strong>de</strong>rado o<br />
próprio parlamentar, mostram-se insubsistentes. O nosso or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
agasalha essa óptica? A meu ver, não.<br />
Não sei qual será a conclusão da Corte: arquivamento do inquérito, colocação<br />
la<strong>de</strong>ira abaixo do que levantado, sem se cogitar, <strong>de</strong> início, do envolvimento<br />
do Senador que apresentou a <strong>de</strong>fesa, do que levantado nessa Operação Sanguessuga?<br />
A própria quadra, numa visão leiga, não é propícia a isso.<br />
Não sei qual é o ato, não sei o que estou a julgar. Qual é o objeto do pedido?<br />
É dar o dito pelo não dito?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Na prática se impedirá a investigação, que<br />
se prossiga o inquérito.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, não, só o indiciamento.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Quanto à anulação do indiciamento.
658<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o que é o indiciamento? Será que a autorida<strong>de</strong><br />
policial preten<strong>de</strong>u, numa extravagância, fichar o Senador? Não, porque<br />
a lei dispensa essa formalida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, dispensa colocar o <strong>de</strong>do, mas o registro fica.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): O inquérito está aberto para investigar<br />
o Senador.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O nome do Senador po<strong>de</strong> haver surgido com<br />
a investigação e talvez esse fato tenha implicado o <strong>de</strong>slocamento dos autos do<br />
inquérito para o Supremo. Os autos hoje estão aqui.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Exatamente. É só o indiciamento<br />
que está em jogo.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Esse ato po<strong>de</strong>rá ser perfeitamente<br />
repetido sem prejuízo nenhum.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É até <strong>de</strong>snecessário para efeito da <strong>de</strong>núncia.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas qual foi o indiciamento? A simples<br />
menção <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria estar envolvido o Senador?<br />
Essa menção, essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar envolvido o Senador, motivou o<br />
<strong>de</strong>slocamento dos autos para cá. Que ato <strong>de</strong> constrição foi formalizado contra o<br />
Senador? Ainda não percebi qual foi. A alusão por algum cidadão ouvido <strong>de</strong> que<br />
haveria o envolvimento do Senador? O levantamento, mediante gravação – teria<br />
<strong>de</strong> ser autorizada pelo Judiciário –, <strong>de</strong> interceptação telefônica em que se mencionou<br />
o Senador? Mas, diante <strong>de</strong>ssa menção, repito, é que houve o <strong>de</strong>slocamento<br />
dos autos do inquérito para o Supremo, e agora estão em ótimas mãos, sob os<br />
cuidados do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s. Não cabe fulminar o inquérito, voltar à<br />
estaca zero.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): É apenas o indiciamento. O que<br />
se está a discutir aqui é tão-somente o ato <strong>de</strong> indiciamento.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual é o indiciamento, Excelência? Digame,<br />
o que consubstancia indiciamento?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Tal como discutimos na Pet 3.825,<br />
o caso Mercadante.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: É o ato formal <strong>de</strong> colocar o investigado como<br />
suspeito.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É a simples referência, por uma pessoa ouvida<br />
ou em conversa telefônica, a um parlamentar? Isso é indiciamento?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, é o registro.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não. Estou a supor indiciamento como o ato<br />
formal da autorida<strong>de</strong> policial <strong>de</strong> colocar um investigado na condição <strong>de</strong> suspeito.<br />
Estou trabalhando nessa categoria.
R.T.J. — <strong>204</strong> 659<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esse registro me faz lembrar o Livro dos Culpados.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O suspeito já era suspeito.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, o investigado não.<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Qual é o livro?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Rol dos Culpados, que nunca vi.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nunca foi lido.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Inclusive, conversava sobre isso e me disseram<br />
que era um livro geralmente muito bonito, muito bem enca<strong>de</strong>rnado, no<br />
qual se lançava, quando não havia computador, o nome do culpado. Hoje em dia<br />
culpado é aquele con<strong>de</strong>nado por sentença irrecorrível.<br />
Estou até um pouco assustado quanto ao <strong>de</strong>sfecho da apreciação <strong>de</strong>sta<br />
questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Gostaria <strong>de</strong> ouvir do Relator a conclusão do voto <strong>de</strong> S. Exa.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Votei exatamente no sentido da<br />
anulação do indiciamento.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o que é o indiciamento? Menção a um<br />
senador, a um <strong>de</strong>putado? Nos dias atuais, isso é comum em investigações.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não é menção, não. Ao ser ouvido<br />
perante a Polícia Fe<strong>de</strong>ral, a Polícia <strong>de</strong>terminou o seu indiciamento. Só para<br />
informação <strong>de</strong> V. Exa., o inquérito foi aberto no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob<br />
a minha relatoria, a pedido do eminente Procurador-Geral da República. Não se<br />
trata <strong>de</strong> processo que ficou a viajar ou <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma escuta telefônica. Não.<br />
Houve uma providência formal perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Como foi<br />
<strong>de</strong>legada à Polícia Fe<strong>de</strong>ral a oitiva do Senador, quando da oitiva, a própria Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu pelo indiciamento. Essa é a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o que é o indiciamento? Qual é o aspecto<br />
formal que revela o indiciamento?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É o registro.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Registro on<strong>de</strong>?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: A conseqüência é a mesma que existe quando<br />
pen<strong>de</strong> uma ação penal.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Registro mediante simples referência?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É o mero registro <strong>de</strong> que existe contra alguém<br />
um inquérito policial ou uma ação penal, e isso é suficiente a configurar constrangimento<br />
ilegal em certas situações.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Há uma gradação lógica entre investigado<br />
e indiciado.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, não levo às últimas conseqüências<br />
a prerrogativa <strong>de</strong> foro. Não levo, mesmo porque não sei qual será a
660<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
providência. Se surgiu como possível envolvido o nome <strong>de</strong> um parlamentar, foi<br />
justamente por isso que se pediu que o inquérito fosse autuado no Supremo – e<br />
ele está a correr no Supremo.<br />
Não creio que a autorida<strong>de</strong> policial cogite <strong>de</strong> um rol <strong>de</strong> indiciados – esse<br />
vocábulo enigmático, pelo menos para mim; até aqui enigmático.<br />
Peço vênia, primeiro, para dizer que não entendi bem a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu sempre trabalhei com esta gradação lógica:<br />
prejulgado, indiciado, <strong>de</strong>nunciado e con<strong>de</strong>nado.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E segundo, para simplesmente concluir que<br />
não há o que resolver em termos <strong>de</strong> questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Devem prosseguir as<br />
investigações para que os fatos sejam esclarecidos, em prol do próprio Senador,<br />
consi<strong>de</strong>rados atos <strong>de</strong> constrangimento, sob a direção do Relator.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Senhora Presi<strong>de</strong>nte, na verda<strong>de</strong>, o<br />
inquérito prossegue normalmente o curso.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, caso se entenda que indiciamento –<br />
isso traz conseqüências sérias – é a simples referência ao nome do Senador e<br />
se <strong>de</strong>termine que se apague o nome <strong>de</strong> S. Exa. <strong>de</strong> peças do inquérito, penso não<br />
caber essa providência. Seria um privilégio e, como privilégio, algo odioso. Teríamos<br />
<strong>de</strong> baixar até mesmo os autos do inquérito ao Juízo, pois não haveria mais<br />
o móvel do curso no Supremo.<br />
Ministro Joaquim Barbosa, como votou V. Exa.?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Na mesma linha <strong>de</strong> V. Exa.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas ainda não sei como estou votando!<br />
Gostaria <strong>de</strong> conhecer a conclusão <strong>de</strong> V. Exa.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se anula ou não anula o indiciamento.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não anulo.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o que é o indiciamento? Gostaria que<br />
me respon<strong>de</strong>ssem o que é o indiciamento.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, se o indiciamento, em termos jurídicos,<br />
não é nada, se o indiciamento é ato inútil, então não precisa fazer-se. Se<br />
o indiciamento é ato sem nenhuma conseqüência jurídica, não precisa fazer-se.<br />
Por que a autorida<strong>de</strong> policial opera formalmente o indiciamento? Por falta do que<br />
fazer? Não, porque há alguma conseqüência.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Gostaria que alguém me respon<strong>de</strong>sse: o que<br />
é o indiciamento? Em que implica o indiciamento?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): O que a polícia diz é que, com<br />
isso, a pessoa está na condição <strong>de</strong> suspeito. Essa é a forma geral que se tira.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ela é i<strong>de</strong>ntificada formalmente.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Isso aí, Ministro, é uma visão leiga.
R.T.J. — <strong>204</strong> 661<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: E a gravida<strong>de</strong> não está neste caso, que não<br />
conheço, mas, sim, em uma possibilida<strong>de</strong>, que o Tribunal tem <strong>de</strong> atalhar, <strong>de</strong> haver<br />
indiciamento sem fundamento algum. Esse é um problema sério.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o que é o indiciamento? É visar-se a<br />
oitiva <strong>de</strong> alguém?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se concluirmos que não há, no caso, como<br />
“subsistir” o indiciamento do Senador, qual será a conseqüência? Permanecerá<br />
o inquérito aqui?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim. Esse ato po<strong>de</strong>rá ser repetido.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para quê?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Para que prossigam as investigações.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Só há atração para ter-se o curso do inquérito<br />
no Supremo quando, <strong>de</strong> alguma forma, há o envolvimento – não vou falar em<br />
indiciamento, pois, para mim, indiciamento existiu no passado, não existe mais –<br />
<strong>de</strong> um parlamentar.<br />
Agora – torno a frisar –, para qualquer ato <strong>de</strong> constrição relativamente a<br />
um parlamentar, o Relator <strong>de</strong>ve autorizar. É o caso da convocação e intimação do<br />
parlamentar para prestar <strong>de</strong>poimento. Quase sempre isso ocorre ante a provocação<br />
do Ministério Público.<br />
Não posso, como está na papeleta, cogitar <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> do Ministério<br />
Público para provocar investigação que, <strong>de</strong> algum modo, possa vir a envolver<br />
parlamentar, sob pena <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 5º do Código<br />
<strong>de</strong> Processo Penal, relativamente à instauração <strong>de</strong> ofício do inquérito, que,<br />
sendo policial, somente cabe à autorida<strong>de</strong> policial instaurá-lo <strong>de</strong> ofício.<br />
Voto nestes termos: que prossiga este inquérito e que haja a elucidação dos<br />
fatos.<br />
EXPLICAÇÃO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, quero só pon<strong>de</strong>rar à Corte<br />
algumas coisas que têm importância <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática.<br />
O indiciamento não é apenas um registro puramente formal, sem nenhuma<br />
conseqüência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática. Ele tem, além <strong>de</strong>sses aspectos simbólicos, que<br />
já são gravosos à condição cívica das pessoas – são importantes na vida social e<br />
são consi<strong>de</strong>rados relevantes pela or<strong>de</strong>m penal –, algumas conseqüências <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
prática importantes, sobretudo em relação ao direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Por quê? Porque<br />
quem se sabe, por um ato formal, posto na condição <strong>de</strong> indiciado, sabe que aquela<br />
investigação ten<strong>de</strong> a recolher provas sobre a possível prática <strong>de</strong> crime. Então,<br />
ele po<strong>de</strong> tomar atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong> até trazer para a autorida<strong>de</strong> policial – que<br />
não tem, necessariamente, <strong>de</strong> fazer um relatório incriminador, mas tem <strong>de</strong> apurar<br />
se existe ou não crime – elementos que levem a autorida<strong>de</strong> policial a mudar
662<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
os rumos da investigação e chegar à conclusão final <strong>de</strong> que realmente não teria<br />
acontecido nada. Noutras palavras, é instrumento até <strong>de</strong> orientação pessoal no<br />
exercício da liberda<strong>de</strong>, isto é, a partir do momento em que o cidadão recebe da<br />
autorida<strong>de</strong> policial o ato formal <strong>de</strong> que se tornou um indiciado, sabe que está<br />
numa condição em que a sua <strong>de</strong>fesa tem <strong>de</strong> começar a ser preparada, ou ele tem<br />
<strong>de</strong> começar a fornecer à autorida<strong>de</strong> policial elementos que o tirem <strong>de</strong>ssa condição,<br />
para que, amanhã ou <strong>de</strong>pois, não venha a sofrer uma ação penal. É, pois, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
importância do ponto <strong>de</strong> vista do comportamento das pessoas e, portanto, toca<br />
na esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />
DEBATE<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O meu voto é um pouco diferente. Entendo,<br />
da mesma forma que o Ministro Sepúlveda Pertence, que esse indiciamento<br />
opera como divisor <strong>de</strong> águas ou marco temporal, a partir daí o feito tem <strong>de</strong> ser<br />
remetido.<br />
O Ministro Joaquim Barbosa não caminharia nesse sentido?<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Meu voto é absolutamente na mesma<br />
linha do voto <strong>de</strong> V. Exa., só que, como sempre, eu profiro votos curtos.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, apenas<br />
um esclarecimento, eu queria enten<strong>de</strong>r o brilhante voto <strong>de</strong> V. Exa., que concluiu<br />
dizendo, salvo melhor juízo, que a autorida<strong>de</strong> policial po<strong>de</strong> abrir, ex officio, inquérito<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer autorização.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mesmo em se tratando <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong><br />
que tem prerrogativa <strong>de</strong> foro?<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas, curiosamente, quando se trata<br />
do Ministério Público, nessas condições, o Ministério Público pe<strong>de</strong> autorização<br />
ao Ministro Relator para abertura do inquérito – nós teríamos um certo <strong>de</strong>scompasso.<br />
Quer dizer, a autorida<strong>de</strong> policial abre inquérito, sem pedir licença.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sim, mas solicita e requer.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Mas o Ministro Ricardo Lewandowski<br />
está dizendo que teria <strong>de</strong> pedir em primeiro grau.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Ministério Público, por conseqüência, po<strong>de</strong><br />
pedir diretamente à autorida<strong>de</strong> policial a abertura <strong>de</strong> inquérito, sem passar pelo<br />
Supremo.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente isso que estou dizendo.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não, mas então nós seríamos “bye<br />
passados”.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, não quero discutir, só quero saber o ponto<br />
<strong>de</strong> vista <strong>de</strong> V. Exa.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Contra legem, contra a Lei 8.038.
R.T.J. — <strong>204</strong> 663<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas indago, apenas para meu esclarecimento<br />
pessoal, eminente Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, esta perplexida<strong>de</strong>: antes<br />
da abertura do inquérito, quando se trata da polícia, ela abre ex officio, e o Ministério<br />
Público precisa pedir autorização para o Relator?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Mas o que concordamos, na linha<br />
do que o Ministro Ricardo Lewandowski provocou, é que a polícia possa, eventualmente,<br />
pedir a um Relator que <strong>de</strong>termine a instauração do inquérito. V. Exa.<br />
está indo além para dizer que se po<strong>de</strong> fazer a instauração em primeiro grau.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Também acho que não.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O indiciamento é um ato vinculado e não<br />
discricionário.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Até aí, aberto o inquérito, sim, mas<br />
é que estou na fase pré-inquérito.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, quero dizer que voto<br />
assim por enten<strong>de</strong>r que a base jurídico-positiva para a polícia abrir inquéritos,<br />
sponte sua, é o art. 144 da Constituição.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Função <strong>de</strong> Polícia Judiciária.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Quando é que o inquérito vem para o Supremo?<br />
Esse é o problema. Agora, essa tese significa, na prática, que a autorida<strong>de</strong><br />
policial po<strong>de</strong> abrir inquérito e remeter os autos para o Supremo, quando achar<br />
que <strong>de</strong>va.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por que não?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, imagine a seguinte hipótese: a autorida<strong>de</strong><br />
policial abre inquérito sem autorização do Supremo, sem conhecimento<br />
do Supremo, e sem conhecimento até da Procuradoria, abre inquérito contra<br />
qualquer pessoa <strong>de</strong>tentora da prerrogativa, faz todas as diligências possíveis e<br />
imagináveis em trinta dias, por achar que tinha <strong>de</strong> fazer, e, concluído o inquérito,<br />
entrega em juízo, aqui no Supremo. Nós aí vamos supervisionar o quê, Ministro?<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas o constrangimento já foi praticado.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A minha preocupação é uma certa<br />
<strong>de</strong>sisonomia com relação ao Ministério Público.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: E a segurança pública é <strong>de</strong>ver do Estado. Está<br />
no art. 144 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O Ministério Público po<strong>de</strong> mais, Ministro<br />
Celso <strong>de</strong> Mello, simplesmente pedir o arquivamento.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, se a pendência <strong>de</strong> inquérito policial<br />
fosse um fato penalmente irrelevante, os tribunais não trancavam inquérito<br />
penal por falta <strong>de</strong> justa causa. Se inquérito não tem nenhuma importância, não<br />
tem sentido essa jurisprudência mais do que velha que manda trancar inquérito<br />
policial quando não há justa causa.
664<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas é potencialmente causador <strong>de</strong><br />
constrangimentos sérios.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas não se po<strong>de</strong> bloquear a visão investigativa<br />
do Estado.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Bloquear o quê, Ministro? A autorida<strong>de</strong> policial<br />
diz que há elementos para iniciar o inquérito.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> abrir inquérito <strong>de</strong>cola do art. 144<br />
da Constituição. É <strong>de</strong>ver do Estado investigar criminalmente – está correto.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas ninguém está negando isso.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Então não precisa <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> quem<br />
quer que seja. Agora, quanto ao Ministério Público, ele po<strong>de</strong> requisitar a abertura<br />
<strong>de</strong> inquérito; não é requerer, é mais do que isso, é requisitar abertura <strong>de</strong> inquérito<br />
policial.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
Inq 2.411-QO/MT — Relator: Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s. Autor: Ministério<br />
Público Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, resolveu<br />
a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> anular o indiciamento, vencidos os Ministros<br />
Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso <strong>de</strong> Mello. Presidiu o julgamento<br />
a Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim<br />
Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.<br />
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 665<br />
RECLAMAÇÃO 2.828 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto<br />
Reclamante: Estado <strong>de</strong> São Paulo — Reclamado: Tribunal <strong>de</strong> Justiça do<br />
Estado <strong>de</strong> São Paulo — Interessado: Espólio <strong>de</strong> Noemia Rodrigues Motta<br />
Constitucional. Reclamação. Deferimento <strong>de</strong> seqüestro <strong>de</strong><br />
verbas públicas com fundamento no § 2º do art. 100 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Alegado <strong>de</strong>srespeito à <strong>de</strong>cisão tomada pelo<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral na ADI 1.098. Tese que não merece<br />
acolhimento, uma vez que a seqüestração foi <strong>de</strong>cretada com fundamento<br />
no § 2º do art. 100 da Constituição, ante a verificação<br />
<strong>de</strong> que a Fazenda estadual havia quebrado a or<strong>de</strong>m cronológica<br />
<strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> precatórios. Por outro lado, ainda que possível<br />
antever alguma semelhança entre o objeto da causa e a questão<br />
<strong>de</strong>batida na ADI 1.098, resta incontroverso que a <strong>de</strong>cisão reclamada<br />
preservou os índices utilizados na liquidação <strong>de</strong> sentença,<br />
apenas substituindo-os no caso <strong>de</strong> extinção dos anteriores.<br />
Reclamação julgada improce<strong>de</strong>nte.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson<br />
Jobim, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, julgar improce<strong>de</strong>nte a reclamação e prejudicado o agravo,<br />
nos termos do voto do Relator.<br />
Brasília, 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se <strong>de</strong> reclamação, manejada contra<br />
a <strong>de</strong>cisão proferida pelo Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo. Tribunal<br />
esse que <strong>de</strong>feriu o seqüestro <strong>de</strong> R$ 152.373.286,13 (cento e cinqüenta e dois milhões,<br />
trezentos e setenta e três mil, duzentos e oitenta e seis reais e treze centavos).<br />
2. O Reclamante sustenta que o fundamento utilizado pelo Reclamado<br />
para <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> seqüestro foi a “suposta preterição <strong>de</strong> eventual saldo<br />
existente no precatório colhido pela disciplina do art. 33 do ADCT, em razão do<br />
<strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> 1/10 efetuado em precatórios colhidos pelo novel parcelamento do<br />
artigo 78, acrescido ao ADCT pela Emenda Constitucional no 30/2000, após o<br />
Estado <strong>de</strong> São Paulo já ter efetivado os <strong>de</strong>pósitos previstos na anterior moratória”.<br />
Diz que a <strong>de</strong>cisão ora impugnada viola a autorida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>cisório proferido<br />
no julgamento da ADI 1.098, porquanto a referida Corte incluiu índices e valores<br />
que se afastam dos critérios adotados pela coisa julgada, imiscuindo-se, assim,
666<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
na competência própria do Juízo <strong>de</strong> execução. Aduz que a inclusão <strong>de</strong> valores no<br />
Precatório EP 4573/85, referindo a erros materiais ou aritméticos, torna o <strong>de</strong>ferimento<br />
do seqüestro atentatório ao interesse público, susceptível, a<strong>de</strong>mais, <strong>de</strong><br />
causar grave e irreparável lesão à or<strong>de</strong>m e à economia públicas.<br />
3. Dando continuida<strong>de</strong> à tarefa <strong>de</strong> resumir o objeto da causa, anoto que <strong>de</strong>feri<br />
o provimento acautelatório requestado. E o fiz para <strong>de</strong>terminar a suspensão<br />
dos efeitos do <strong>de</strong>cisum guerreado, até o julgamento <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong>sta reclamatória.<br />
O que suscitou a imediata irresignação do Interessado, consubstanciada no agravo<br />
regimental <strong>de</strong> fls. 140/149.<br />
4. A seu turno, o Reclamado prestou as informações solicitadas e a douta<br />
Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela improcedência da reclamação.<br />
Este o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Concluído o relatório, passo<br />
ao voto.<br />
7. Começo por anotar que, no julgamento da ADI 1.098, esta Suprema<br />
Corte examinou a valida<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong> alguns dispositivos do Regimento<br />
Interno do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo. Ao fazê-lo, <strong>de</strong>clarou constitucional<br />
a requisição <strong>de</strong> complementação dos <strong>de</strong>pósitos insuficientemente feitos pela<br />
Fazenda Pública. Para tanto, enten<strong>de</strong>u a nossa Casa <strong>de</strong> Justiça que tal requisição<br />
<strong>de</strong>ve originar-se <strong>de</strong> diferenças resultantes apenas <strong>de</strong> erros materiais ou aritméticos,<br />
bem como <strong>de</strong> inexatidões dos cálculos dos precatórios. O que não po<strong>de</strong> é dizer<br />
respeito ao critério adotado para a elaboração do cálculo ou a índices <strong>de</strong> atualização<br />
diversos dos que foram atualizados em primeira instância, salvo na hipótese<br />
<strong>de</strong> substituição, por força <strong>de</strong> lei, do índice aplicado.<br />
8. Pois bem, observo que a seqüestração foi <strong>de</strong>cretada com fundamento no<br />
§ 2º do art. 100 da Carta-cidadã, porquanto o Presi<strong>de</strong>nte da Corte paulista constatou<br />
que a Fazenda estadual havia quebrado a or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> pagamento<br />
<strong>de</strong> precatórios. Eis os fundamentos da <strong>de</strong>cisão reclamada (fls. 69/71):<br />
(...)<br />
No mérito, conforme <strong>de</strong>cidido pelo E. Plenário, a cuja orientação ora se ren<strong>de</strong>, possível<br />
a confrontação para efeito <strong>de</strong> preterição <strong>de</strong> um crédito submetido ao art. 33 do Ato das Disposições<br />
Transitórias com outro sujeito à Emenda Constitucional n o 30/2000.<br />
Isto se fez para assentar existente precedência obrigatória no atendimento do crédito<br />
objeto do primeiro parcelamento constitucional (artigo 33 do ADCT).<br />
(...)<br />
No caso em tela, constata-se que os créditos paradigmas receberam pagamentos antes<br />
que se tivesse completado pagamento das parcelas do crédito dos requerentes, oriundas da<br />
moratória instituídas pelo artigo 33 do ADCT.<br />
Ante o exposto, <strong>de</strong>fere-se o presente pedido <strong>de</strong> seqüestro.
R.T.J. — <strong>204</strong> 667<br />
9. Vê-se, então, que o objeto da ADI 1.098 não guarda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com o caso<br />
dos autos. Isso porque, neste caso, o seqüestro <strong>de</strong> verbas públicas somente foi <strong>de</strong>ferido<br />
ante a empírica verificação da quebra da or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> pagamento<br />
<strong>de</strong> precatórios. E essa particularizada situação, repise-se, não foi discutida pelo<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no bojo da aludida ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
10. Por outro giro, ainda que se possa entrever alguma semelhança entre o<br />
objeto <strong>de</strong>sta reclamatória e a questão <strong>de</strong>batida na ADI 1.098, cumpre rechaçar a<br />
tese <strong>de</strong> que o ato adversado <strong>de</strong>srespeita a <strong>de</strong>cisão tomada na pré-falada ação direta.<br />
Tese essa fundada na alegação <strong>de</strong> que o Tribunal paulista, por intermédio do seu<br />
Departamento <strong>de</strong> Precatórios, “incluiu índices e valores que se afastam dos critérios<br />
adotados pela coisa julgada”.<br />
11. Com efeito, da leitura das informações prestadas pelo Reclamado, o que<br />
se tem é que “o cálculo foi elaborado com a utilização dos mesmos índices aplicados<br />
na conta levada a efeito em primeira instância, sendo que a substituição<br />
apenas se <strong>de</strong>u em razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação legal. E mais, a aplicação dos índices<br />
14,36% e 21,87% sobre o quantum in<strong>de</strong>nizatório, referente à correção monetária<br />
relativa a fevereiro <strong>de</strong> 1986 e fevereiro <strong>de</strong> 1991, <strong>de</strong>u-se por <strong>de</strong>terminação do<br />
E. Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça ao conhecer do Recurso Especial no 35.689-0 interposto<br />
pela Reclamante, a Fazenda do Estado <strong>de</strong> São Paulo”. Inexiste, portanto,<br />
o noticiado <strong>de</strong>srespeito à <strong>de</strong>cisão tomada na ADI 1.098, porquanto o ato guerreado<br />
preservou os índices utilizados na liquidação <strong>de</strong> sentença, substituindo-os por<br />
novos in<strong>de</strong>xadores oficiais, apenas no caso <strong>de</strong> extinção dos anteriores.<br />
12. Com esses fundamentos, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, voto pela improcedência<br />
da reclamação e pela prejudicialida<strong>de</strong> do agravo regimental interposto contra a<br />
<strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>feriu a cautela.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, apenas duas palavras,<br />
sob o ângulo da a<strong>de</strong>quação da reclamação.<br />
No caso, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não restringe essa medida excepcional às<br />
<strong>de</strong>cisões judiciais. Os pronunciamentos do Supremo hão <strong>de</strong> ser respeitados não só<br />
pelo Judiciário como também pelas autorida<strong>de</strong>s administrativas. A alegada inobservância<br />
teria partido, justamente, do Tribunal que editara o diploma analisado,<br />
à luz da Carta <strong>de</strong> 1988, quando do julgamento da ADI 1.098-1/SP.<br />
No mais, acompanho S. Exa. Descabe assentar que estaria sendo olvidado<br />
o acórdão proferido quando do julgamento da ADI 1.098-1/SP, no que a Corte <strong>de</strong><br />
origem proclamou a preterição. E o fez com base na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se satisfazerem<br />
os créditos alcançados pelo art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,<br />
antes <strong>de</strong> se ter o atendimento do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais<br />
Transitórias, introduzido pela Emenda Constitucional 30/00. À época – como<br />
tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consignar –, quando julgamos a ADI 1.098-1/SP, não estava<br />
em vigor a Emenda 30/00. Com isso, cessa tudo.
668<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EXTRATO DA ATA<br />
Rcl 2.828/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Reclamante: Estado <strong>de</strong><br />
São Paulo (Advogados: PGE/SP – Elival da Silva Ramos e outros). Reclamado:<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo. Interessado: Espólio <strong>de</strong> Noemia<br />
Rodrigues Motta (Advogado: Marcello Augusto Lazzarini).<br />
Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, julgou improce<strong>de</strong>nte a reclamação<br />
e prejudicado o agravo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presi<strong>de</strong>nte, Ministro<br />
Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro<br />
Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sepúlveda Pertence, Celso <strong>de</strong> Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie,<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.<br />
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 669<br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA<br />
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.582 — PI<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Embargantes: Assembléia Legislativa do Estado do Piauí e Sindicato dos<br />
Policiais Civis e Penitenciários e Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania<br />
do Estado do Piauí — Embargados: Confe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Trabalhadores<br />
Policiais Civis – COBRAPOL e Governador do Estado do Piauí<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Procedência total. Declaração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> do<br />
dispositivo legal.<br />
1. Carece <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> recursal quem não é parte na ação<br />
direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, mesmo quando, eventualmente,<br />
tenha sido admitido como amicus curiae.<br />
2. Enten<strong>de</strong>ndo o colegiado haver fundamentos suficientes<br />
para <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong>, não há como, em embargos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, reformar o julgado para simplesmente dar interpretação<br />
conforme, na linha da pretensão da Embargante.<br />
3. Eventual reforma do acórdão embargado na via dos<br />
<strong>de</strong>claratórios somente é possível quando presente algum <strong>de</strong>feito<br />
material, elencado no art. 535 do Código <strong>de</strong> Processo Civil, cuja<br />
solução obrigue ao reexame do tema.<br />
4. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração do Sindicato dos Policiais Civis e<br />
Penitenciários e Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania<br />
do Estado do Piauí não conhecidos e <strong>de</strong>claratórios da Assembléia<br />
Legislativa do Estado do Piauí rejeitados.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, não conhecer dos embargos do Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários<br />
e Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Estado do Piauí<br />
e rejeitar os da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, nos termos do voto<br />
do Relator.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ministro Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração opostos pela Assembléia<br />
Legislativa do Estado do Piauí (fls. 141 a 144/fax e 157 a 160/original)<br />
e pelo Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários e Servidores da Secretaria
670<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
<strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Estado do Piauí (fls. 149 a 151/fax e 164 a 166/original)<br />
ao acórdão <strong>de</strong> fls. 129 a 138, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, assim<br />
ementado:<br />
1. Concurso público: reputa-se ofensiva ao art. 37, II, CF, toda modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão<br />
<strong>de</strong> cargo <strong>de</strong> uma carreira ao <strong>de</strong> outra, a exemplo do “aproveitamento” <strong>de</strong> que cogita a norma<br />
impugnada.<br />
2. O caso é diverso daqueles em que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral abrandou o entendimento<br />
inicial <strong>de</strong> que o aproveitamento <strong>de</strong> servidores <strong>de</strong> cargos extintos em outro cargo feriria<br />
a exigência <strong>de</strong> prévia aprovação em concurso público, para aceitar essa forma <strong>de</strong> investidura<br />
nas hipóteses em que as atribuições do cargo recém-criado fossem similares àquelas do cargo<br />
extinto (v.g., ADI 2.335, Gilmar, DJ <strong>de</strong> 19-12-03; ADI 1.591, Gallotti, DJ <strong>de</strong> 30-6-00).<br />
3. As expressões impugnadas não especificam os cargos originários dos servidores do<br />
quadro do Estado aproveitados, bastando, para tanto, que estejam lotados em distrito policial<br />
e que exerçam a função <strong>de</strong> motorista policial.<br />
4. A indistinção – na norma impugnada – das várias hipóteses que estariam abrangidas<br />
evi<strong>de</strong>ncia tentativa <strong>de</strong> burla ao princípio da prévia aprovação em concurso público, nos termos<br />
da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal.<br />
(Fl. 137.)<br />
Alega a primeira Embargante, Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, que:<br />
O controle concentrado <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> foi provocado por ação movida pela<br />
Confe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Trabalhadores Policiais Civis, tendo como requerido, além do<br />
Governador do Estado do Piauí, a ora embargante.<br />
O acórdão embargado julgou proce<strong>de</strong>nte a ADI, com os seguintes fundamentos:<br />
1. a norma impugnada versa sobre “aproveitamento”, sendo ofensiva à regra do<br />
concurso público estatuída no art. 37, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;<br />
2. tal “aproveitamento” seria possível, tornando-se aceitável essa forma <strong>de</strong> investidura<br />
“nas hipóteses em que as atribuições do cargo recém-criado fossem similares<br />
àquelas do cargo extinto”;<br />
3. a norma impugnada não especifica os cargos originários dos servidores aproveitados,<br />
bastando que estejam lotados em distrito policial e que exerçam a função <strong>de</strong><br />
motorista policial;<br />
4. a burla ao princípio da prévia aprovação em concurso público estaria presente<br />
“na indistinção – na norma impugnada – das várias hipóteses que estariam abrangidas”.<br />
A razão central da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, portanto, está na compreensão<br />
<strong>de</strong> que a norma questionada estaria a possibilitar a abrangência <strong>de</strong> beneficiários a todos os<br />
servidores do Estado.<br />
Entretanto, a própria fundamentação da <strong>de</strong>cisão embargada assevera que são beneficiários<br />
apenas os servidores lotados em distrito policial e que estejam exercendo a função <strong>de</strong><br />
motorista policial.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma contradição em termos. O motorista policial acompanha o agente em<br />
toda e qualquer diligência, inclusive tendo que possuir preparo suficiente para as operações.<br />
São absolutamente similares as funções, suprindo o critério exigido pelo acórdão embargado<br />
para tornar possível o aproveitamento como forma <strong>de</strong> investidura.<br />
A norma não possibilita o indistinto benefício a todos os servidores do Estado. A documentação<br />
anexa evi<strong>de</strong>ncia que todos os beneficiados pelo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>corrente da lei, “pertence<br />
ao quadro <strong>de</strong> pessoal da Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Piauí, exercem o<br />
cargo <strong>de</strong> Agente <strong>de</strong> Polícia Civil, nos diversos distritos policiais”.<br />
O julgamento proce<strong>de</strong>nte da ADI não torna claro se os efeitos da <strong>de</strong>cisão serão sentidos<br />
também por estes servidores, que são do quadro policial, exercendo funções policiais civis.<br />
É dizer, a fundamentação da Ação se encontra dirigida a proibir o benefício <strong>de</strong> servidores<br />
<strong>de</strong> outros órgãos, mas não torna claro se terá ou não incidência sobre a situação dos<br />
servidores que já se encontram lotados na Secretaria <strong>de</strong> Segurança, em função similar ao cargo<br />
ao qual foi aproveitado.
R.T.J. — <strong>204</strong> 671<br />
Do exposto, requer sejam conhecidos e providos os presentes embargos <strong>de</strong>claratórios,<br />
reconhecendo-se a contradição e a omissão apontados, <strong>de</strong> tal modo a esclarecer que a<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> não atinge os servidores lotados na própria Secretaria<br />
<strong>de</strong> Segurança do Estado, exercendo funções similares aos do aproveitamento, constantes da<br />
relação em anexo.<br />
(Fls. 157 a 159.)<br />
O segundo Embargante, Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários e<br />
Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Estado do Piauí, em petição<br />
recursal muito próxima da apresentada pela primeira Embargante, sustenta:<br />
O acórdão embargado julgou proce<strong>de</strong>nte a ADI, com os seguintes fundamentos:<br />
1. a norma impugnada versa sobre “aproveitamento”, sendo ofensiva à regra do<br />
concurso público estatuída no art. 37, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;<br />
2. tal “aproveitamento” seria possível, tornando-se aceitável essa forma <strong>de</strong> investidura<br />
“nas hipóteses em que as atribuições do cargo recém-criado fossem similares<br />
àquelas do cargo extinto”;<br />
3. a norma impugnada não especifica os cargos originários dos servidores aproveitados,<br />
bastando que estejam lotados em distrito policial e que exerçam a função <strong>de</strong><br />
motorista policial;<br />
4. a burla ao princípio da prévia aprovação em concurso público estaria presente<br />
“na indistinção – na norma impugnada – das várias hipóteses que estariam abrangidas”.<br />
A razão central da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, portanto, está na compreensão<br />
<strong>de</strong> que a norma questionada estaria a possibilitar a abrangência <strong>de</strong> beneficiários a todos os<br />
servidores do Estado.<br />
Entretanto, a própria fundamentação da <strong>de</strong>cisão embargada assevera que são beneficiários<br />
apenas os servidores lotados em distrito policial e que estejam exercendo a função <strong>de</strong><br />
motorista policial.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma contradição em termos. O motorista policial acompanha o agente em<br />
toda e qualquer diligência, inclusive tendo que possuir preparo suficiente para as operações.<br />
São absolutamente similares as funções, suprindo o critério exigido pelo acórdão embargado<br />
para tornar possível o aproveitamento como forma <strong>de</strong> investidura.<br />
O julgamento proce<strong>de</strong>nte da ADI não torna claro se os efeitos da <strong>de</strong>cisão serão sentidos<br />
também por estes servidores, que são do quadro policial, exercendo funções policiais civis.<br />
É dizer, a fundamentação da Ação se encontra dirigida a proibir o benefício <strong>de</strong> servidores<br />
<strong>de</strong> outros órgãos, mas não torna claro se terá ou não incidência sobre a situação dos<br />
servidores que já se encontram lotados na Secretaria <strong>de</strong> Segurança, em função similar ao cargo<br />
ao qual foi aproveitado.<br />
Do exposto, requer sejam conhecidos e providos os presentes embargos <strong>de</strong>claratórios,<br />
reconhecendo-se a contradição e a omissão apontados, <strong>de</strong> tal modo a esclarecer que a<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> não atinge os servidores lotados na própria Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança do Estado, exercendo funções similares aos do aproveitamento.<br />
(Fls. 164 a 166.)<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): A presente ação direta foi julgada<br />
proce<strong>de</strong>nte neste Plenário, em 1º-8-07, “para <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
da expressão ‘servidores do quadro do estado lotado em Distrito Policial na função<br />
<strong>de</strong> motorista policial’, contida no caput do art. 7º da Lei Complementar 37,<br />
<strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2004, do Estado do Piauí” (fls. 137/138).
672<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Preliminarmente, não se po<strong>de</strong> conhecer dos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração opostos<br />
pelo Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários e Servidores da Secretaria<br />
<strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Estado do Piauí, que não é parte no feito, nem mesmo<br />
tendo ingressado como amicus curiae. Sobre este Embargante, o Ministro Sepúlveda<br />
Pertence, em <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 27-6-07 (fl. 127), publicada no DJ <strong>de</strong> 15-8-07 (fl.<br />
140), assim <strong>de</strong>cidiu:<br />
Pet. CPI-<strong>STF</strong> 99892/07<br />
Pet. CPI-<strong>STF</strong> 99678/07 (fac-símile)<br />
Despacho: O Sindicato dos Policiais Civis Penitenciários e Servidores da Secretaria <strong>de</strong><br />
Justiça e da Cidadania do Estado do Piauí (SINDIPOLJUSPI) requer a juntada <strong>de</strong> pro curação<br />
e substabelecimento e pe<strong>de</strong> vista dos autos, “para possibilitar a <strong>de</strong>fesa oral contrária ao julgamento<br />
proce<strong>de</strong>nte da ação”.<br />
In<strong>de</strong>firo a juntada <strong>de</strong> procuração e substabelecimento: a natureza objetiva da ação direta<br />
impe<strong>de</strong> a intervenção <strong>de</strong> terceiros (art. 7º, LADI); não se trata, por outro lado, <strong>de</strong> pedido<br />
<strong>de</strong> admissão como amicus curiae, que, aliás, não seria <strong>de</strong>ferido, visto que o Sindicato estaria<br />
abrangido pela Cobrapol, Requerente da ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Por isso – e também por já estar a ação direta pautada para julgamento (DJ <strong>de</strong> 22-6-07,<br />
pauta 22/07) – in<strong>de</strong>firo o pedido <strong>de</strong> vista.<br />
Ao arquivo.<br />
(Fl. 127.)<br />
Além disso, nem mesmo o amicus curiae tem legitimida<strong>de</strong> recursal. A ação<br />
direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> compõe o sistema <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong><br />
constitucionalida<strong>de</strong>, no qual sobressai a natureza abstrata, <strong>de</strong> caráter objetivo, da<br />
prestação jurisdicional, não havendo, nestes termos, falar em direitos subjetivos a<br />
serem tutelados, ou, tampouco, em contraditório em sentido estrito. Isso significa<br />
dizer que a figura do amicus curiae, cuja participação é prevista na legislação<br />
<strong>de</strong> regência, não configura uma verda<strong>de</strong>ira intervenção <strong>de</strong> terceiros no sentido<br />
extraído das regras gerais do sistema processual civil.<br />
Concretamente, dispõem o caput e o § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99 que:<br />
Art. 7º Não se admitirá intervenção <strong>de</strong> terceiros no processo <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
§ 1º (Vetado.)<br />
§ 2º O relator, consi<strong>de</strong>rando a relevância da matéria e a representativida<strong>de</strong> dos postulantes,<br />
po<strong>de</strong>rá, por <strong>de</strong>spacho irrecorrível, admitir, observado o prazo firmado no parágrafo<br />
anterior, a manifestação <strong>de</strong> outros órgãos ou entida<strong>de</strong>s.<br />
As normas reproduzidas acima, como se po<strong>de</strong> observar, apenas admitem<br />
que o Relator ouça outros órgãos ou entida<strong>de</strong>s, diante da representativida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stes e da relevância da matéria. Efetivamente, não permitem a interposição<br />
<strong>de</strong> recursos pelo amicus curiae. Essa orientação se justifica porque a atuação <strong>de</strong><br />
outros órgãos ou entida<strong>de</strong>s, obediente à ratio legis, <strong>de</strong>ve se dar com o propósito<br />
exclusivo <strong>de</strong> trazer elementos importantes para o julgamento da argüição, não <strong>de</strong><br />
proporcionar o contraditório.<br />
Outra não é a orientação <strong>de</strong>sta Corte no tocante à ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>:
R.T.J. — <strong>204</strong> 673<br />
Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> (ADI). Amicus curiae. Recurso. Legitimida<strong>de</strong> ou<br />
legitimação recursal. Inexistência. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração não conhecidos. Interpretação do<br />
art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99. Amicus curiae não tem legitimida<strong>de</strong> para recorrer <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />
proferidas em ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, salvo da que o não admita como tal no<br />
processo.<br />
(ADI 3.105-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ <strong>de</strong> 23-2-07.)<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Legitimida<strong>de</strong> recursal limitada às partes. Não-cabimento<br />
<strong>de</strong> recurso interposto por amici curiae. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração opostos pelo Procurador-<br />
Geral da República conhecidos. Alegação <strong>de</strong> contradição. Alteração da ementa do julgado.<br />
Restrição. Embargos providos.<br />
1. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração opostos pelo Procurador-Geral da República, pelo Instituto<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Política e Direito do Consumidor (BRASILCON) e pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong><br />
Defesa do Consumidor (IDEC). As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amici curiae.<br />
2. Entida<strong>de</strong>s que participam na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amicus curiae dos processos objetivos<br />
<strong>de</strong> controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> não possuem legitimida<strong>de</strong> para recorrer, ainda que aportem<br />
aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo<br />
sentido.<br />
3. Não-conhecimento dos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração interpostos pelo Brasilcon e pelo I<strong>de</strong>c.<br />
4. Embargos opostos pelo Procurador-Geral da República. Contradição entre a parte<br />
dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os <strong>de</strong>mais que compõem o<br />
acórdão.<br />
5. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento<br />
da ADI 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, <strong>de</strong>la excluídos enunciados em<br />
relação aos quais não há consenso:<br />
Art. 3º, § 2º, do CDC. Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor. Art. 5º, XXXII, da<br />
CB/88. Art. 170, V, da CB/88. Instituições financeiras. Sujeição <strong>de</strong>las ao Código <strong>de</strong><br />
Defesa do Consumidor. Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> julgada improce<strong>de</strong>nte.<br />
1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas<br />
veiculadas pelo Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor. 2. “Consumidor”, para os efeitos<br />
do Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como<br />
<strong>de</strong>stinatário final, ativida<strong>de</strong> bancária, financeira e <strong>de</strong> crédito. 3. Ação direta julgada<br />
improce<strong>de</strong>nte.<br />
(ADI 2.591-ED, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 13-4-07.)<br />
Ora, se nem mesmo o amicus curiae po<strong>de</strong> recorrer, menos ainda pessoa<br />
física ou jurídica estranha ao feito.<br />
Quanto aos embargos <strong>de</strong>claratórios da Assembléia Legislativa do Estado<br />
do Piauí, <strong>de</strong>ve ser rejeitado. Pe<strong>de</strong> a Embargante que sejam sanadas contradição<br />
e omissão, “<strong>de</strong> tal modo a esclarecer que a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
não atinge os servidores lotados na própria Secretaria <strong>de</strong> Segurança do Estado,<br />
exercendo funções similares aos do aproveitamento, constantes da relação em<br />
anexo” (fl. 159) aos embargos. Não há dúvida <strong>de</strong> que a pretensão da Embargante<br />
se resume no sentido <strong>de</strong> modificar o julgamento da ação, que julgou inconstitucional<br />
o dispositivo para bani-lo do mundo jurídico. Quer que seja dada uma<br />
interpretação conforme ao dispositivo.<br />
Ocorre que a inconstitucionalida<strong>de</strong> está assentada, justamente, no fato <strong>de</strong> que<br />
“as expressões impugnadas não especificam os cargos originários dos servidores<br />
do quadro do Estado aproveitados, bastando, para tanto, que estejam lotados em
674<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
distrito policial e que exerçam a função <strong>de</strong> motorista policial” (fl. 134). Esta<br />
circunstância evi<strong>de</strong>ncia, segundo o acórdão embargado, a “tentativa <strong>de</strong> burla ao<br />
princípio da prévia aprovação em concurso público, nos termos da jurisprudência<br />
pacífica do Tribunal” (fls. 134/135).<br />
Enten<strong>de</strong>ndo o colegiado haver fundamentos suficientes para <strong>de</strong>clarar a<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong>, não há como, em embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, reformar o<br />
julgado para, simplesmente, dar interpretação conforme, na linha da pretensão<br />
da Embargante.<br />
Sobre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conferir, meramente, efeito modificativo aos<br />
embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, ausente qualquer <strong>de</strong>feito material no acórdão embargado,<br />
trago os seguintes prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ste Tribunal Superior:<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo regimental no mandado <strong>de</strong> segurança. Revisão<br />
geral anual dos servidores públicos. Art. 37, inciso X, da Constituição da República. Descabimento<br />
da via mandamental para supressão da omissão legislativa. Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discussão, nesta via processual, dos índices adotados pela legislação reguladora da matéria.<br />
1. Os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração não servem para provocar a reforma da <strong>de</strong>cisão embargada,<br />
salvo nas hipóteses previstas no art. 535 e incisos I e II do Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />
2. Mera reiteração dos argumentos da inicial.<br />
3. Mérito em harmonia com a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />
4. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração rejeitados.<br />
(MS 24.765-AgR-ED/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ<br />
<strong>de</strong> 19-10-07.)<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração em habeas corpus. Obscurida<strong>de</strong>, contradição e omissão.<br />
Inocorrência. Rejeição.<br />
Vícios <strong>de</strong> obscurida<strong>de</strong>, contradição e omissão inexistentes. Não cabem embargos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>claração opostos com o nítido propósito <strong>de</strong> obter novo julgamento das questões <strong>de</strong>cididas<br />
no acórdão embargado.<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração rejeitados.<br />
(HC 87.341-ED/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 16-3-07.)<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no recurso ordinário em habeas corpus. Direito penal. Constrangimento<br />
ilegal não caracterizado. Habeas corpus <strong>de</strong>negado. Obscurida<strong>de</strong>, omissão ou<br />
contradição: ausência. Reexame da causa: impossibilida<strong>de</strong>. Embargos <strong>de</strong>sprovidos.<br />
1. Ausência <strong>de</strong> obscurida<strong>de</strong>, omissão ou contradição a ser sanada pelos embargos<br />
<strong>de</strong>claratórios.<br />
2. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral firmou entendimento no sentido <strong>de</strong> que são incabíveis<br />
os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração quando – “a pretexto <strong>de</strong> esclarecer uma inexistente situação <strong>de</strong><br />
obscurida<strong>de</strong>, omissão ou contradição – vem a utilizá-los com o objetivo <strong>de</strong> infringir o julgado<br />
e <strong>de</strong>, assim, viabilizar um in<strong>de</strong>vido reexame da causa” (RTJ 191/694-695).<br />
3. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração aos quais se nega provimento.<br />
(RHC 87.212-ED/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ <strong>de</strong><br />
15-6-07.)<br />
1. Recurso. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Caráter infringente. Inadmissibilida<strong>de</strong>.<br />
Omissão, contradição ou obscurida<strong>de</strong>. Inexistência. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração rejeitados.<br />
Não se admitem embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão em que não há omissão, contradição nem<br />
obscurida<strong>de</strong>.<br />
2. Recurso. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Caráter meramente protelatório. Litigância<br />
<strong>de</strong> má-fé. Imposição <strong>de</strong> multa. Aplicação do art. 538, parágrafo único, c/c os arts. 14, II
R.T.J. — <strong>204</strong> 675<br />
e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong>claratórios manifestamente<br />
protelatórios, <strong>de</strong>ve o Tribunal con<strong>de</strong>nar o embargante a pagar multa ao embargado.<br />
(AI 558.987/PI, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ <strong>de</strong> 31-8-07.)<br />
Eventual reforma do acórdão embargado na via dos <strong>de</strong>claratórios somente é<br />
possível quando presente algum <strong>de</strong>feito material, elencado no art. 535 do Código<br />
<strong>de</strong> Processo Civil, cuja solução obrigue ao reexame do tema. Na hipótese concreta,<br />
entretanto, nem mesmo foi apontado e <strong>de</strong>monstrado efetivo vício por omissão,<br />
obscurida<strong>de</strong> ou contradição pela Embargante, havendo simples irresignação no<br />
tocante ao que foi <strong>de</strong>cidido neste Plenário.<br />
Ante o exposto, não conheço dos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração do Sindicato dos<br />
Policiais Civis e Penitenciários e Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania<br />
do Estado do Piauí e rejeito os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração da Assembléia Legislativa<br />
do Estado do Piauí.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 3.582-ED/PI — Relator: Ministro Menezes Direito. Embargantes:<br />
Assembléia Legislativa do Estado do Piauí e Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários<br />
e Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Estado do Piauí<br />
(Advogados: Marcus Vinicius Furtado Coelho e outros). Embargados: Confe<strong>de</strong>ração<br />
Brasileira <strong>de</strong> Trabalhadores Policiais Civis – COBRAPOL (Advogados:<br />
Roque Telles Ferreira e outros) e Governador do Estado do Piauí.<br />
Decisão: Por unanimida<strong>de</strong> e nos termos do voto do Relator, o Tribunal<br />
não conheceu dos embargos do Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários e<br />
Servidores da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Estado do Piauí e rejeitou os<br />
da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí. Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen<br />
Gracie. Ausentes, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa e, justificadamente, os<br />
Ministros Celso <strong>de</strong> Mello e Eros Grau.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski,<br />
Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr.<br />
Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
676<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.583 — PR<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia<br />
Legislativa do Estado do Paraná<br />
Licitação pública. Concorrência. Aquisição <strong>de</strong> bens. Veículos<br />
para uso oficial. Exigência <strong>de</strong> que sejam produzidos no<br />
Estado-membro. Condição compulsória <strong>de</strong> acesso. Art. 1º da Lei<br />
12.<strong>204</strong>/98, do Estado do Paraná, com a redação da Lei 13.571/02.<br />
Discriminação arbitrária. Violação ao princípio da isonomia ou<br />
da igualda<strong>de</strong>. Ofensa ao art. 19, III, da vigente Constituição da<br />
República. Inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarada. Ação direta julgada,<br />
em parte, proce<strong>de</strong>nte. Prece<strong>de</strong>ntes do Supremo. É inconstitucional<br />
a lei estadual que estabeleça como condição <strong>de</strong> acesso a licitação<br />
pública, para aquisição <strong>de</strong> bens ou serviços, que a empresa<br />
licitante tenha a fábrica ou se<strong>de</strong> no Estado-membro.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, julgar parcialmente proce<strong>de</strong>nte a ação direta, nos termos do voto do<br />
Relator. Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen Gracie. Ausentes, justificadamente, o<br />
Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, o Ministro Joaquim Barbosa (licenciado) e, neste julgamento,<br />
o Ministro Marco Aurélio.<br />
Brasília, 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
proposta pelo Exmo. Procurador-Geral da República, tendo por objeto<br />
expressões constantes do art. 1º e parágrafo único da Lei 12.<strong>204</strong>, <strong>de</strong> 6-7-98, do<br />
Estado do Paraná, com a redação dada pela Lei 13.571, <strong>de</strong> 22-5-02, cujo teor é<br />
o seguinte:<br />
Art. 1º Qualquer aquisição ou substituição <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s automotivas para uso oficial po<strong>de</strong>rá<br />
ser realizada por veículos movidos a combustíveis renováveis, ou por veículos movidos<br />
a combustíveis <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo, produzidos no Estado do Paraná.<br />
Parágrafo único. O prazo para substituição integral da frota oficial <strong>de</strong> veículos leves<br />
por veículos movidos a combustíveis renováveis e <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo produzidos no<br />
Estado do Paraná é <strong>de</strong> 5 (cinco) anos.<br />
(Grifos da inicial.)<br />
Alega, em síntese, o Autor que as expressões grifadas afrontam o disposto no<br />
art. 37, XXI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, por corporificarem critérios não pertinentes
R.T.J. — <strong>204</strong> 677<br />
às “exigências <strong>de</strong> qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do<br />
cumprimento das obrigações”. O condicionamento da participação em licitações<br />
<strong>de</strong>stinadas à aquisição ou à troca <strong>de</strong> veículos oficiais aos critérios ali mencionados<br />
(veículos movidos a combustíveis <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo, fabricados no Paraná)<br />
não <strong>de</strong>correria <strong>de</strong> exigências técnicas e econômicas indispensáveis à garantia<br />
do adimplemento das obrigações contratuais. As locuções ofen<strong>de</strong>riam, com isso,<br />
a igualda<strong>de</strong>, a concorrência isonômica e o interesse público. Argumenta, por fim,<br />
que a finalida<strong>de</strong> da lei seria a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais,<br />
e que a redação dada pela Lei 13.571/02 teria criado reserva inconstitucional <strong>de</strong><br />
mercado, ferindo o princípio da isonomia. Don<strong>de</strong>, pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
da parte final do art. 1º e da expressão “e <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo<br />
produzidos no Estado do Paraná”, constante do seu parágrafo único.<br />
O Requerido prestou informações, manifestando-se pela improcedência da<br />
ação, por enten<strong>de</strong>r que se trataria <strong>de</strong> legislação assecuratória do interesse público<br />
envolvido na realização <strong>de</strong> licitações e na proteção ambiental. Após fazer referência<br />
aos objetivos ambientais da lei original e à inclusão dos combustíveis <strong>de</strong>rivados<br />
<strong>de</strong> petróleo, concluiu que os dispositivos impugnados “jamais expurgaram<br />
a exigência <strong>de</strong> processo licitatório”, sendo <strong>de</strong> todo compatíveis com a or<strong>de</strong>m<br />
constitucional.<br />
A Advocacia-Geral da União opinou pela inconstitucionalida<strong>de</strong> das expressões,<br />
porque as correspon<strong>de</strong>ntes exigências importariam restrição ao caráter<br />
competitivo das licitações públicas, além <strong>de</strong> discriminar produtores <strong>de</strong> outros<br />
Estados, violando, pois, o princípio da igualda<strong>de</strong>.<br />
A Procuradoria-Geral da República foi <strong>de</strong> igual parecer.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. É, em parte, proce<strong>de</strong>nte a ação.<br />
Parece-me evi<strong>de</strong>nte que o objeto da pretensão envolve duas questões normativas<br />
algo diversas. A expressão “<strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo produzidos no Estado<br />
do Paraná”, constante <strong>de</strong> ambos os textos impugnados, <strong>de</strong>compõe-se em dois<br />
conteúdos semânticos distintos, que, dada sua autonomia, não po<strong>de</strong>m reduzidos<br />
a um significado unitário para efeito <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> compatibilida<strong>de</strong> com a Constituição<br />
da República. É preciso discernir.<br />
A locução “<strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo” diz, no enunciado <strong>de</strong> ambos os textos,<br />
respeito claro a um dos tipos dos combustíveis que po<strong>de</strong>m mover os veículos e,<br />
como tal, integra juízo normativo sobre critério <strong>de</strong> aquisição que, passível <strong>de</strong> ser<br />
eleito pelo legislador, não contraria nenhuma cláusula constitucional.<br />
É que cabe <strong>de</strong>ntro da discricionarieda<strong>de</strong> da administração, expressa em<br />
termos normativos, enquanto <strong>de</strong>ver jurídico <strong>de</strong> escolha do meio mais curial para<br />
satisfação do interesse público, optar, na <strong>de</strong>finição da frota oficial, pela aquisição<br />
<strong>de</strong> veículos movidos por combustíveis renováveis ou por combustíveis <strong>de</strong>rivados
678<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
do petróleo, se a previsão <strong>de</strong>stas alternativas lhe parece a forma mais a<strong>de</strong>quada<br />
para <strong>de</strong>cidir em concreto, à luz <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações perceptíveis, que resistem à crítica<br />
dos limites dogmáticos e constitucionais do exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolha.<br />
Nenhum princípio nem regra alguma do or<strong>de</strong>namento jurídico impe<strong>de</strong>m que,<br />
por disposição <strong>de</strong> lei, a administração estadual, disciplinando as licitações, pre<strong>de</strong>termine<br />
as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> combustíveis que, segundo conveniências<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica ou doutra natureza, <strong>de</strong>vam orientar-lhe a aquisição dos<br />
veículos automotores. Trata-se, como se vê logo, da <strong>de</strong>finição do próprio objeto<br />
das licitações, a qual se encontra na esfera jurídica <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da administração<br />
pública, a cujo juízo, formulado por via legislativa, nada opôs o Autor, e em cujo<br />
mérito não se <strong>de</strong>scobre vício invalidante.<br />
É, antes, <strong>de</strong> ressaltar que o objetivo da redação original da Lei 12.<strong>204</strong>/98,<br />
o qual subsiste como uma das rationes legis, é a preservação do meio ambiente,<br />
<strong>de</strong> cuja tutela também se ocupa a Constituição em vários cânones, sem obrigar,<br />
todavia, a administração pública a adquirir apenas veículos movidos por fontes<br />
energéticas renováveis, cuja escolha po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> lícita <strong>de</strong>cisão política do<br />
Estado-membro. A amplitu<strong>de</strong> normativa do objeto da licitação, enquanto passa a<br />
permitir também a aquisição <strong>de</strong> veículos movidos por combustíveis <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong><br />
petróleo, tais como gasolina e óleo diesel, reverencia o princípio da concorrência,<br />
imanente a qualquer processo licitatório, e dá alternativa à administração.<br />
Não encontro inconstitucionalida<strong>de</strong> nesse passo.<br />
2. Não, porém, no segundo.<br />
A expressão <strong>de</strong> sentido autônomo “produzidos no Estado do Paraná”, essa<br />
alu<strong>de</strong> à unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração na qual <strong>de</strong>va o veículo ser montado, como cláusula<br />
compulsória das licitações. E nisso tem manifesta razão o Autor.<br />
Privar fabricantes <strong>de</strong> veículos automotores <strong>de</strong> participarem <strong>de</strong> licitações<br />
pelo só fato <strong>de</strong> manter unida<strong>de</strong>s industriais noutro Estado significa ruidosa discriminação,<br />
atentatória à específica regra constitucional <strong>de</strong> isonomia.<br />
Não se i<strong>de</strong>ntifica, na restrição normativa, nenhum critério técnico nem econômico<br />
capaz <strong>de</strong> qualificar a exigência como necessária à garantia <strong>de</strong> cumprimento<br />
das obrigações; o quesito do local <strong>de</strong> produção é <strong>de</strong> todo em todo irrelevante<br />
para fins <strong>de</strong> habilitação e julgamento em licitação <strong>de</strong> veículos. Seu único alcance<br />
está em apertar o universo dos concorrentes potenciais, favorecendo, sem nenhuma<br />
razão lógico-jurídica, os que tenham, no Estado do Paraná, a se<strong>de</strong> industrial,<br />
em dano secundário, mas não menos relevante no caso, das empresas que, ainda<br />
quando a tenham alhures, possam oferecer iguais veículos em condições mais<br />
vantajosas, as quais evitariam o grave dano primário a que a fórmula expõe a administração<br />
e os interesses públicos, <strong>de</strong>cisivos na hipótese.<br />
A justificativa mesma do projeto que resultou na atual redação da Lei<br />
12.<strong>204</strong>/98 põe logo à calva essa distorção do escopo normativo, sob a qual mal se<br />
disfarça <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Os móveis <strong>de</strong>clarados da alteração da lei, a par da ampliação<br />
legítima do objeto das licitações para que abrangessem veículos movidos por<br />
combustíveis <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo, foram incentivo à produção industrial paranaense,<br />
aumento da arrecadação tributária e sua reversão à população local (fl. 40).
R.T.J. — <strong>204</strong> 679<br />
Ora, escusaria advertir que se não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>svirtuar o instituto da licitação para<br />
o converter em instrumento <strong>de</strong> incentivo vinculado à política industrial, fiscal<br />
ou social do Estado-membro. Sua finalida<strong>de</strong> constitucional é outra, como se vê<br />
nítido ao art. 37, XXI.<br />
Mas, não obstante <strong>de</strong>la extraiam alguns conceituados doutrinadores, em linha<br />
reta, a mesma conseqüência jurídica, 1 não é essa, a meu aviso, a norma constitucional<br />
insultada, porque nela, <strong>de</strong> modo direto e específico, se prevê e protege<br />
apenas a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições entre todos os concorrentes, não a proibição <strong>de</strong><br />
discriminação entre pessoas, físicas ou jurídicas, que, sem discrime arbitrário ou<br />
ilegítimo, po<strong>de</strong>riam sê-lo. A regra hostilizada está no art. 19, III, da Constituição<br />
da República, que, como óbvia particularização do princípio geral da isonomia, 2<br />
veda à União, aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios criar distinções<br />
entre brasileiros ou preferências entre si. A expressão institui grosseira preferência<br />
em favor do Paraná, contra os <strong>de</strong>mais Estados-membros, distinguindo, para<br />
efeito <strong>de</strong> acesso às licitações, entre empresas da mesma categoria – que, como<br />
pessoas jurídicas, entram na classe das pessoas que, sob abrigo da norma constitucional,<br />
não po<strong>de</strong>m ser discriminadas – em razão da se<strong>de</strong> ou origem, que não<br />
constitui fator legítimo <strong>de</strong> disparida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento, sobretudo em tema a que<br />
são inerentes o caráter competitivo e o princípio da universalida<strong>de</strong>:<br />
Há competição, pressuposto da licitação, quando o universo dos possíveis licitantes<br />
não estiver previamente circunscrito, <strong>de</strong> sorte que <strong>de</strong>le não se exclua algum ou alguns<br />
licitantes potenciais. Por isso, impõe-se que a competição, <strong>de</strong> que ora se trata, pressuposto da<br />
licitação, seja <strong>de</strong>senrolada <strong>de</strong> modo que reste assegurada a igualda<strong>de</strong> (isonomia) <strong>de</strong> todos<br />
quantos pretendam acesso às contratações da Administração. 3<br />
O disposto no art. 19, II, da vigente Constituição, que <strong>de</strong>ita raízes nas Constituições<br />
<strong>de</strong> 1934 (art. 17, I), <strong>de</strong> 1937 (art. 32, a) e <strong>de</strong> 1946 (art. 31, I), tem por<br />
fonte próxima o art. 9º, I, da Carta anterior, perante a qual salientava a doutrina:<br />
As preferências que o art. 9, I, veda, e, pois, faz nulas, são todas as que, direta ou indiretamente,<br />
criarem vantagens aos filhos <strong>de</strong> um Estado-membro em relação aos filhos <strong>de</strong> outro<br />
Estado-membro, bem como entre um Estado-membro e outro ou outros, ou, ainda, entre os<br />
Municípios <strong>de</strong> um Estado-membro e os <strong>de</strong> outro ou do mesmo Estado-membro. 4<br />
1 Assim, v.g., MELLO, Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo. 17. ed. São<br />
Paulo: Malheiros. p. 491, n. 10; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed.<br />
São Paulo: Atlas, 2001. p. 295, n. 9.3.1.<br />
2 MEDAUAR, O<strong>de</strong>te. Direito Administrativo Mo<strong>de</strong>rno. 5. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 217; BULOS,<br />
Uadi Lammêgo. Constituição Fe<strong>de</strong>ral Anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 518.<br />
3 GRAU, Eros. A Licitação e os Princípios do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 15. Sobre o<br />
caráter competitivo, que não po<strong>de</strong> sofrer embaraços por conta <strong>de</strong> cláusulas ou condições, sobretudo<br />
em razão da naturalida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong> ou domicílio dos licitantes, é peremptória a Lei fe<strong>de</strong>ral 8.666, <strong>de</strong> 21<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, como se vê, em especial, aos arts. 3º, § 1º, I, 25 e 90. E o velho princípio da universalida<strong>de</strong>,<br />
que aí está previsto no art. 22, § 1º, em relação à modalida<strong>de</strong> mais ampla e importante da<br />
concorrência, aplica-se a fortiori a todas as outras, garantindo-lhes o acesso <strong>de</strong> qualquer interessado<br />
que cumpra os requisitos legítimos <strong>de</strong> qualificação.<br />
4 MIRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1967. São Paulo: RT, 1967. t. II. p. 182, n. 3.
680<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
E, apreciando, na vigência do art. 9º, I, casos idênticos, esta Corte <strong>de</strong>u pela<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas semelhantes, assentando, no primeiro <strong>de</strong>les,<br />
estas razões atuais e irrespondíveis:<br />
Como se vê, em todos esses dispositivos, há uma discriminação com relação ao acesso<br />
e habilitação <strong>de</strong> empresas às licitações para aquisição <strong>de</strong> obras e serviços pelo Estado, segundo<br />
as empresas estejam ou não sediadas no Estado.<br />
Ora, esse critério <strong>de</strong> distinguir pela origem, naturalida<strong>de</strong> ou se<strong>de</strong> não tem legitimida<strong>de</strong><br />
para justificar a <strong>de</strong>sigualação <strong>de</strong> empresas que concorram com outras em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> categoria,<br />
condições e preço. Isso atentaria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo contra o princípio da isonomia, como está<br />
garantido no art. 153, § 1º, da Constituição, e tem <strong>de</strong>sdobramento específico em outros pontos<br />
do texto maior, como aqueles que dizem respeito à organização fe<strong>de</strong>rativa e seus reflexos em<br />
campos normativos diversos.<br />
Cuido seja correto <strong>de</strong>nunciar a invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses dispositivos estaduais à luz do art.<br />
9º, I, da Constituição, on<strong>de</strong> se dispõe especificamente sobre a vedação à criação <strong>de</strong> distinções<br />
entre brasileiros, por qualquer das unida<strong>de</strong>s componentes da Fe<strong>de</strong>ração, estabelecendo preferências<br />
<strong>de</strong> umas contra as outras. Não é permitido ao próprio ente que edita a norma ou pratica<br />
o ato discriminatório irrogar-se preferência sobre os <strong>de</strong>mais, ainda que aos <strong>de</strong>mais trate igualmente<br />
com exclusão <strong>de</strong> si, sem razão, obviamente, o argumento do governo do Estado que vê<br />
aí ressalvado o padrão <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> reclamado pela Lei Maior. A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser objetiva<br />
e geral, não po<strong>de</strong>ndo o Estado distinguir os brasileiros que sejam seus naturais, nem preferir,<br />
no acesso à licitação <strong>de</strong> serviços e obras públicas, empresas que se sediem nele, em <strong>de</strong>trimento<br />
do princípio <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> que inspira o regime da livre competição, da economia <strong>de</strong> mercado<br />
e, conseqüentemente, a geral acessibilida<strong>de</strong> dos procedimentos licitatórios.<br />
Estou, portanto, que a discriminação constante <strong>de</strong>ssas normas estaduais não resiste ao<br />
confronto com o art. 9º, I, da Constituição, que há <strong>de</strong> ser interpretado com a amplitu<strong>de</strong> que<br />
advém do seu sentido teleológico e <strong>de</strong> sua correlação com o princípio da isonomia e com o tratamento<br />
<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e harmonia que <strong>de</strong>ve presidir os vínculos fe<strong>de</strong>rais, on<strong>de</strong> as autonomias<br />
se compõem sobre a unida<strong>de</strong> da nação.<br />
Quando a Constituição se refere a brasileiros, entenda-se compreendidos no conceito<br />
não apenas as pessoas físicas como as pessoas jurídicas, pois também – estas – estão ao<br />
amparo das garantias constitucionais para garantir a esfera <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s e finalida<strong>de</strong>s<br />
específicas.<br />
(Do voto do Relator, Min. Rafael Mayer, na Rp 1.103, RTJ 103/933.)<br />
Tal é a jurisprudência invariável da Corte (cf. Rp 1.147, Rel. Min. Rafael<br />
Mayer, DJ <strong>de</strong> 22-4-83; Rp 1.201, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 120/21-30; Rp<br />
1.258, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 115/84-88; Rp 1.185, RTJ 111/930-935;<br />
Rp 1.308, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ <strong>de</strong> 25-11-88. Em caso análogo, cf.<br />
Rp 1.177, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ <strong>de</strong> 22-8-86), que, suposto formada e<br />
consolidada sob o pálio da Constituição prece<strong>de</strong>nte, 5 <strong>de</strong> todo se acomoda ao art.<br />
19, III, da atual Constituição da República.<br />
3. Ante o exposto, julgo, em parte, proce<strong>de</strong>nte a ação, para <strong>de</strong>clarar inconstitucional<br />
a expressão “produzidos no Estado do Paraná”, constante do art.<br />
1º, caput e parágrafo único, da Lei 12.<strong>204</strong>, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998, do Estado do<br />
Paraná, com a redação introduzida pela Lei 13.571, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002.<br />
5 Hely Lopes Meirelles atribui, expressamente, a essa orientação jurispru<strong>de</strong>ncial a norma inscrita no<br />
art. 3º, § 1º, II, do Estatuto das Licitações (Decreto-Lei 2.300, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1986), que vedava,<br />
no ato <strong>de</strong> convocação, condição que importasse preferência ou distinção baseada na naturalida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong><br />
ou domicílio dos licitantes (Licitações e Contrato Administrativo. 8. ed. São Paulo: RT, 1988. p. 25,<br />
nota 6). Tal norma foi incorporada pela atual lei <strong>de</strong> regência (art. 3º, § 1º, I, da Lei 8.666/93. Cf., a<br />
respeito, a nota n. 3 <strong>de</strong>ste voto).
R.T.J. — <strong>204</strong> 681<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 3.583/PR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Procurador-<br />
Geral da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.<br />
Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, julgou parcialmente proce<strong>de</strong>nte a<br />
ação direta, nos termos do voto do Relator. Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen<br />
Gracie. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello, Joaquim Barbosa<br />
(licenciado) e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros<br />
Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski,<br />
Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da<br />
República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />
Brasília, 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
682<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.614 — PR<br />
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s<br />
Relatora para o acórdão: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />
Requerente: Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil — Requerido:<br />
Governador do Estado do Paraná — Interessada: Associação dos Delegados<br />
<strong>de</strong> Polícia do Estado do Paraná – ADEPOL<br />
Constitucional. Administrativo. Decreto 1.557/03 do Estado<br />
do Paraná, que atribui a subtenentes ou sargentos combatentes<br />
o atendimento nas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia, nos Municípios que não<br />
dispõem <strong>de</strong> servidor <strong>de</strong> carreira para o <strong>de</strong>sempenho das funções<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia. Desvio <strong>de</strong> função. Ofensa ao art. 144,<br />
caput, incisos IV e V e § 4º e § 5º, da Constituição da República.<br />
Ação direta julgada proce<strong>de</strong>nte.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria,<br />
julgar proce<strong>de</strong>nte a ação direta, vencido parcialmente o Ministro Relator, que a<br />
julgava proce<strong>de</strong>nte em parte. Votou a Presi<strong>de</strong>nte. Ausentes, justificadamente, os<br />
Ministros Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Cármen Lúcia, Relatora para o acórdão.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Trata-se <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
proposta pelo Conselho Nacional da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil<br />
(OAB) em face do Decreto 1.557, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2003, do Estado do Paraná.<br />
Tal <strong>de</strong>creto, em síntese, autoriza e disciplina a atuação <strong>de</strong> subtenentes e sargentos<br />
da Polícia Militar daquele Estado no <strong>de</strong>sempenho do “atendimento nas <strong>de</strong>legacias<br />
<strong>de</strong> Polícia” nos Municípios que não contarem com servidor <strong>de</strong> carreira para<br />
o <strong>de</strong>sempenho das funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia (art. 1º).<br />
Nessa atuação, os referidos policiais militares <strong>de</strong>veriam elaborar “termo<br />
circunstanciado”, a ser encaminhado com os respectivos documentos informativos<br />
“à Delegacia <strong>de</strong> Polícia da se<strong>de</strong> da Comarca”, e estariam integralmente<br />
sujeitos à fiscalização e controle “do Delegado <strong>de</strong> Polícia da se<strong>de</strong> da Comarca”<br />
(art. 5º), sem prejuízo a que se mantivessem sujeitos às normas em vigor na corporação<br />
(art. 6º).<br />
Sustenta a Or<strong>de</strong>m, preliminarmente, com amparo na ADI 1.590-MC/SP,<br />
o cabimento da ação direta contra <strong>de</strong>creto autônomo (não regulamentar), assim<br />
consi<strong>de</strong>rado como aquele que inova o or<strong>de</strong>namento jurídico direta e exclusivamente<br />
preten<strong>de</strong>ndo fundamentar-se na Constituição.
R.T.J. — <strong>204</strong> 683<br />
No mérito, alega a ofensa ao art. 144, caput, incisos IV e V e § 4º e § 5º, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, porque o pretendido “atendimento” nas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia<br />
se caracterizaria como exercício <strong>de</strong> funções exclusivas da Polícia Civil (polícia judiciária<br />
e apuração <strong>de</strong> infrações penais), que inclusive exigem formação jurídica<br />
para a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong>sempenho (discernimento sobre a tipicida<strong>de</strong> penal).<br />
Aduz, ainda, que, conquanto a impugnação seja mais diretamente levantada<br />
contra os arts. 1º e 5º do referido <strong>de</strong>creto estadual, a íntima e indissociável<br />
conexão dos <strong>de</strong>mais dispositivos a estas normas arrasta a totalida<strong>de</strong> do ato ao<br />
enfoque da constitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Outrossim, os policiais militares estariam impedidos <strong>de</strong> lavrarem termos<br />
circunstanciados, “por se tratarem <strong>de</strong> atos ten<strong>de</strong>ntes a <strong>de</strong>finir a prática <strong>de</strong> crimes”,<br />
razão pela qual se “inserem na competência da polícia judiciária, cujas funções<br />
não são da polícia militar” (fl. 6).<br />
Em informações prestadas às fls. 22/27, o Governador do Estado do Paraná<br />
sustenta a constitucionalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>creto, ao argumento <strong>de</strong> que não se preten<strong>de</strong><br />
a substituição <strong>de</strong> <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> carreira por subtenentes ou sargentos da Polícia<br />
Militar, tratando-se <strong>de</strong> solução provisória, em nome <strong>de</strong> imperativos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública.<br />
Afirma que concursos públicos vêm sendo realizados sem, contudo, serem<br />
preenchidas todas as vagas, o que <strong>de</strong>manda a manutenção do <strong>de</strong>creto, sob pena<br />
<strong>de</strong> se promover “inadmissível lacuna funcional em diversos <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />
polícia civil do Estado” (fl. 24).<br />
O Advogado-Geral da União manifestou-se às fls. 33/48 pela parcial procedência<br />
do pedido, para que fosse <strong>de</strong>clarada a inconstitucionalida<strong>de</strong> apenas do art.<br />
7º do Decreto 1.557/03 (“Os Policiais Militares, <strong>de</strong>signados para ativida<strong>de</strong> prevista<br />
neste <strong>de</strong>creto, perceberão a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> representação, prevista na letra d do<br />
artigo 26, na forma estipulada pelo artigo 27, ambos da Lei n o 6.417, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> julho<br />
<strong>de</strong> 1973, mensalmente, em valor igual ao soldo da graduação que possuírem”).<br />
O parecer do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral (fls. 50/55), da lavra do Procurador-Geral,<br />
Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza, segue entendimento<br />
similar ao do Advogado-Geral da União, manifestando-se pela parcial procedência<br />
do pedido para que seja <strong>de</strong>clarada a inconstitucionalida<strong>de</strong> exclusivamente do<br />
art. 7º do <strong>de</strong>creto estadual impugnado.<br />
Em consi<strong>de</strong>ração ao articulado pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria-Geral<br />
da República em torno do art. 7º do <strong>de</strong>creto estadual impugnado,<br />
instei o Requerido a nova manifestação sobre o ponto (fl. 59), vindo aos autos a<br />
informação adicional <strong>de</strong> fls. 63/69.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Tal como relatado, discute-se na<br />
presente ação direta a constitucionalida<strong>de</strong> do Decreto 1.557/03, do Governador<br />
do Estado do Paraná, em face do art. 144, caput, incisos IV e V e § 4º e § 5º, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O referido <strong>de</strong>creto autoriza e disciplina a atuação <strong>de</strong> sub-
684<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
tenentes e sargentos da Polícia Militar do Estado do Paraná no atendimento nas<br />
<strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> Polícia Civil em Municípios que não contem com servidores <strong>de</strong><br />
carreira para o <strong>de</strong>sempenho das funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia.<br />
Preliminarmente, evi<strong>de</strong>ncia-se o cabimento da presente ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
contra o Decreto 1.557/03. Este Tribunal já consolidou entendimento<br />
no sentido <strong>de</strong> ser cabível o controle concentrado <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong><br />
em face <strong>de</strong> norma sem qualquer conteúdo regulamentar, inovadora do or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico e que possua como fundamento imediato a própria Constituição,<br />
como o <strong>de</strong>creto autônomo no caso em apreço. Tal entendimento consolida-se na<br />
jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte conforme se verifica nos seguintes julgados:<br />
Ementa: I – Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>: objeto. Tem-se objeto idôneo<br />
à ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> quando o <strong>de</strong>creto impugnado não é <strong>de</strong> caráter<br />
regulamentar <strong>de</strong> lei, mas constitui ato normativo que preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>rivar o seu conteúdo<br />
diretamente da Constituição.<br />
(ADI 1.590/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 15-8-97.)<br />
(...) O Decreto 2.736, <strong>de</strong> 5-12-96, o Regulamento do ICMS, no Estado do Paraná, ao<br />
menos nesses pontos, não é meramente regulamentar, pois, no campo referido, <strong>de</strong>sfruta<br />
<strong>de</strong> certa autonomia, uma vez observadas as normas constitucionais e complementares.<br />
(...) Em situações como essa, o Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ainda que<br />
sem enfrentar, expressamente, a questão, tem, implicitamente, admitido a propositura <strong>de</strong><br />
ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, para impugnação <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
Admissão da ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. Também no caso presente.<br />
(ADI 2.155/PR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ <strong>de</strong> 18-6-01.)<br />
O Tribunal, por maioria, <strong>de</strong>u provimento a agravo regimental interposto contra <strong>de</strong>cisão do<br />
Ministro Marco Aurélio, Relator, que negara seguimento a pedido <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o Decreto 25.723/99, do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, que regulamenta a exploração <strong>de</strong> loterias <strong>de</strong> bingo pela Loteria do<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (LOTERJ), por consi<strong>de</strong>rar que o <strong>de</strong>creto impugnado seria mero ato<br />
regulamentar da Lei 2.055/93 <strong>de</strong>sse Estado – que, em seu art. 9º, autorizou a Loterj a distribuir<br />
prêmios relativos ao “sorteio <strong>de</strong> bingo” –, não se submetendo, por isso, a controle concentrado<br />
<strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Enten<strong>de</strong>u-se que o <strong>de</strong>creto em questão é norma autônoma em relação<br />
à Lei 2.055/93, dotada <strong>de</strong> natureza geral e abstrata, sujeitando-se, portanto, à análise<br />
<strong>de</strong> sua constitucionalida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> ação direta. Vencido o Ministro Marco Aurélio,<br />
Relator, que negava provimento ao recurso, mantendo o entendimento esposado.<br />
(ADI 2.950-AgR/RJ, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 6-10-04, Informativo<br />
<strong>STF</strong> 364.)<br />
No mérito não se verifica oposição entre o teor do Decreto 1.557/03 do<br />
Estado do Paraná e os dispositivos constitucionais suscitados como parâmetro <strong>de</strong><br />
controle, quais sejam:<br />
Art. 144. A segurança pública, <strong>de</strong>ver do Estado, direito e responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, é<br />
exercida para a preservação da or<strong>de</strong>m pública e da incolumida<strong>de</strong> das pessoas e do patrimônio,<br />
através dos seguintes órgãos:<br />
(...)<br />
IV – polícias civis;<br />
V – polícias militares e corpos <strong>de</strong> bombeiros militares.<br />
(...)
R.T.J. — <strong>204</strong> 685<br />
§ 4º às polícias civis, dirigidas por <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> carreira, incumbem, ressalvada<br />
a competência da União, as funções <strong>de</strong> polícia judiciária e a apuração <strong>de</strong> infrações<br />
penais, exceto as militares.<br />
§ 5º às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da or<strong>de</strong>m<br />
pública; aos corpos <strong>de</strong> bombeiros militares, além das atribuições <strong>de</strong>finidas em lei, incumbe a<br />
execução <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa civil.<br />
O Decreto 1.557/03 trata da atuação <strong>de</strong> subtenentes e sargentos da Polícia<br />
Militar do Estado do Paraná no atendimento nas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> Polícia Civil frente<br />
a uma circunstância extraordinária e temporária.<br />
O “atendimento nas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> Polícia” (art. 1º do Decreto 1.557/03),<br />
atribuído pelo <strong>de</strong>creto estadual – nas condições que fixa – a <strong>de</strong>terminados membros<br />
da Polícia Militar, especialmente quando articulado com a obrigação <strong>de</strong> elaboração<br />
<strong>de</strong> “termo circunstanciado” a ser encaminhado “à Delegacia <strong>de</strong> Polícia<br />
da se<strong>de</strong> da Comarca” (art. 5º), não caracteriza per se o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
constitucionalmente próprias da Polícia Civil (“funções <strong>de</strong> polícia judiciária e a<br />
apuração <strong>de</strong> infrações penais”).<br />
É que tais atribuições não substituem – pragmaticamente – e nem preten<strong>de</strong>m<br />
substituir – normativamente – aquelas constitucionalmente <strong>de</strong>signadas<br />
à Polícia Civil, que continua sendo a exclusiva responsável pela apuração das<br />
infrações penais.<br />
O simples registro <strong>de</strong> notícias sobre um crime, que, no caso específico, se<br />
operacionaliza mediante a elaboração <strong>de</strong> “termo circunstanciado”, não comprova<br />
sua ocorrência, cabendo à Polícia Civil a investigação sobre o fato. Tal atribuição<br />
não foi usurpada pelo Decreto 1.557/03, que <strong>de</strong>terminou expressamente em seu<br />
art. 5º a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> envio dos documentos, nesta condição e sem nenhuma<br />
outra qualificação jurídica, à <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia da se<strong>de</strong> da Comarca.<br />
O que se verifica, in casu, é que, ao contrário do entendimento manifestado<br />
pelo Requerente, o Decreto 1.557/03 não <strong>de</strong>lega competência constitucional da<br />
Polícia Civil à Polícia Militar. Ao contrário, submete os atos realizados pelos<br />
policiais militares no <strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento à autorida<strong>de</strong><br />
final da <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia da se<strong>de</strong> da Comarca (art. 5º, parágrafo único), on<strong>de</strong><br />
efetivamente se <strong>de</strong>senrolarão as funções <strong>de</strong> “investigação” e “inquisição” (no<br />
mesmo sentido, sobre serem tais funções as que caracterizam a singularida<strong>de</strong><br />
constitucional das funções próprias da Polícia Civil, ADI 1.570, Rel. Min.<br />
Maurício Corrêa, DJ <strong>de</strong> 22-10-04, RTJ 192-3/838).<br />
Também não existe afronta ao <strong>de</strong>cidido por esta Corte na ADI 2.427-MC<br />
(Rel. Min. Nelson Jobim, DJ <strong>de</strong> 8-8-03), porque na norma em exame, como já<br />
acima assinalado, não se trata nem <strong>de</strong> conferir o exercício da função <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado<br />
<strong>de</strong> polícia a substituto comissionado, nem tampouco <strong>de</strong> conferi-la permanentemente<br />
a pessoa sem a correspon<strong>de</strong>nte qualificação funcional. Os policiais militares<br />
referidos pela norma estadual, exclusivamente subtenentes e sargentos, não se<br />
tornam – temporária ou <strong>de</strong>finitivamente – <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia, e nem exercem<br />
funções que lhes sejam próprias: efetivamente se limitam a aten<strong>de</strong>r os reclamos
686<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
imediatos da população naquelas localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong>, transitoriamente, não seja<br />
possível a instalação <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada estrutura policial civil, mas a partir daí não lhes<br />
cabe qualquer função subseqüente inerente à ativida<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong> polícia<br />
judiciária.<br />
Resta analisar o <strong>de</strong>staque <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> assinalado pela Advocacia-Geral<br />
da União e pela Procuradoria-Geral da República relativamente ao art.<br />
7º do <strong>de</strong>creto estadual em foco, que prevê o seguinte:<br />
Os Policiais Militares, <strong>de</strong>signados para ativida<strong>de</strong> prevista neste <strong>de</strong>creto, perceberão a<br />
in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> representação, prevista na letra d do artigo 26, na forma estipulada pelo artigo<br />
27, ambos da Lei nº 6.417, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1973, mensalmente, em valor igual ao soldo da<br />
graduação que possuírem.<br />
O Requerido, nas informações adicionais <strong>de</strong> fls. 63/69, afirma, em síntese,<br />
que a controvérsia é impertinente a esta ação – em face dos limites objetivos<br />
<strong>de</strong>scritos na petição inicial –, que a medida se justifica como necessária à nova<br />
atribuição incumbida aos policiais militares – qualquer alternativa administrativa<br />
seria mais dispendiosa –, que os recursos a este custeio têm previsão na lei <strong>de</strong> diretrizes<br />
orçamentárias, na lei orçamentária anual e respeita os limites globais <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spesas aplicáveis ao Estado – em síntese, a sua previsão não afronta qualquer<br />
exigência financeira constitucional – e, por fim, que não há qualquer aumento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spesa originalmente imposto por ato normativo executivo, porque a referida<br />
in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> representação já tem previsão legal, a hipótese se enquadra nesta<br />
previsão e a própria lei <strong>de</strong> regência incumbe ao Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>cidir sobre as<br />
suas situações específicas <strong>de</strong> incidência.<br />
Neste tema cabe, preliminarmente, esclarecer que a impugnação ao Decreto<br />
estadual 1.557/03 abrange, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a petição inicial <strong>de</strong>sta ação direta, a totalida<strong>de</strong><br />
da norma (“seja <strong>de</strong>clarada a inconstitucionalida<strong>de</strong> da íntegra do Decreto<br />
1557” – fl. 8, <strong>de</strong>staque no original).<br />
Outrossim, apesar <strong>de</strong> contextualmente interessantes, são juridicamente irrelevantes<br />
as consi<strong>de</strong>rações em torno da plausibilida<strong>de</strong> administrativa da medida<br />
e <strong>de</strong> sua compatibilida<strong>de</strong> in abstracto com a disciplina financeira constitucional,<br />
porque a impugnação que lhe está dirigida fundamenta-se no art. 84, VI, a, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, aplicável analogicamente à espécie.<br />
A concessão da in<strong>de</strong>nização a que se refere o aludido dispositivo do <strong>de</strong>creto<br />
impõe aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas para a administração pública, o que é vedado ser empreendido<br />
por meio <strong>de</strong> simples <strong>de</strong>creto autônomo em face do disposto no art. 84,<br />
VI, a, da Carta Magna.<br />
Assim, o disposto no art. 7º do Decreto 1.557/03 extrapola a competência<br />
legislativa extraordinária prevista no art. 84 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Nota-se,<br />
no caso, a usurpação <strong>de</strong> competência do Po<strong>de</strong>r Legislativo. Nesse sentido, este<br />
Tribunal já se manifestou pela preservação da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, conforme<br />
o julgado na ADI 2.075-MC (Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 27-6-03), assim<br />
ementado:
R.T.J. — <strong>204</strong> 687<br />
Ementa: Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> – Remuneração, subsídios, pensões e<br />
proventos dos servidores públicos, ativos e inativos, do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro – Fixação<br />
<strong>de</strong> teto remuneratório mediante ato do Po<strong>de</strong>r Executivo local (Decreto estadual 25.168/99) –<br />
Inadmissibilida<strong>de</strong> – Postulado constitucional da reserva <strong>de</strong> lei em sentido formal – Estipulação<br />
<strong>de</strong> teto remuneratório que também importou em <strong>de</strong>cesso pecuniário – Ofensa à garantia<br />
constitucional da irredutibilida<strong>de</strong> do estipêndio funcional (CF, art. 37, XV) – Medida cautelar<br />
<strong>de</strong>ferida. Remuneração dos agentes públicos e postulado da reserva legal.<br />
– O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao<br />
postulado constitucional da reserva absoluta <strong>de</strong> lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção<br />
<strong>de</strong> outros atos estatais revestidos <strong>de</strong> menor positivida<strong>de</strong> jurídica, emanados <strong>de</strong> fontes<br />
normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito <strong>de</strong> atuação<br />
do Po<strong>de</strong>r Legislativo, notadamente quando se tratar <strong>de</strong> imposições restritivas ou <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong><br />
limitações quantitativas ao estipêndio <strong>de</strong>vido aos agentes públicos em geral.<br />
– O princípio constitucional da reserva <strong>de</strong> lei formal traduz limitação ao exercício das<br />
ativida<strong>de</strong>s administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva <strong>de</strong> lei – analisada sob tal<br />
perspectiva – constitui postulado revestido <strong>de</strong> função exclu<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> caráter negativo,<br />
pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário,<br />
<strong>de</strong> órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se<br />
em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na<br />
autorida<strong>de</strong> da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos<br />
comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />
em tema regido pelo postulado da reserva <strong>de</strong> lei, atuar na anômala (e inconstitucional)<br />
condição <strong>de</strong> legislador, para, em assim agindo, proce<strong>de</strong>r à imposição <strong>de</strong> seus próprios<br />
critérios, afastando, <strong>de</strong>sse modo, os fatores que, no âmbito <strong>de</strong> nosso sistema constitucional,<br />
só po<strong>de</strong>m ser legitimamente <strong>de</strong>finidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o<br />
Po<strong>de</strong>r Executivo passaria a <strong>de</strong>sempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha<br />
(a <strong>de</strong> legislador), usurpando, <strong>de</strong>sse modo, no contexto <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />
essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evi<strong>de</strong>nte transgressão<br />
ao princípio constitucional <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res.<br />
Portanto, verifica-se a inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 7º do Decreto 1.557/03,<br />
que acarreta aumento <strong>de</strong> gastos para a administração pública, afrontando a competência<br />
excepcional <strong>de</strong> legislar pelo Executivo, prevista no art. 84, inciso VI,<br />
alínea a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e, conseqüentemente, a separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />
disposta no art. 2º da Carta Magna.<br />
E não se diga, como afirmado pelo Requerido nas suas informações adicionais<br />
sobre a matéria, que tal “in<strong>de</strong>nização” teria suporte nos arts. 26 e 47 da<br />
Lei estadual 6.417/73, porque a in<strong>de</strong>nização disciplinada nesta norma é aquela<br />
<strong>de</strong>stinada a ressarcir o servidor em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> prejuízo excepcional, incorrido ou<br />
iminente, no exercício da sua ativida<strong>de</strong> funcional, tanto que está “isenta <strong>de</strong> qualquer<br />
tributação” (art. 26, caput).<br />
Precisamente pelas razões conducentes ao reconhecimento da constitucionalida<strong>de</strong><br />
do cerne do <strong>de</strong>creto estadual fustigado, que reconhecem como passível<br />
<strong>de</strong> submissão às ativida<strong>de</strong>s constitucionalmente ordinárias da polícia militar<br />
aquelas <strong>de</strong>scritas no diploma, não se po<strong>de</strong> admitir como simples execução administrativa<br />
<strong>de</strong> norma legal preor<strong>de</strong>nada situação manifestamente discrepante com<br />
seu conteúdo.<br />
Ante o exposto, julgo parcialmente proce<strong>de</strong>nte o pedido, para <strong>de</strong>clarar a<br />
inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 7º do Decreto 1.557/03 do Governador do Estado<br />
do Paraná.
688<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, no caso específico, tenho<br />
dúvidas.<br />
Peço vênia ao Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s pela circunstância <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> toda<br />
sorte, estaríamos <strong>de</strong>terminando o exercício da função por pessoas que não integram<br />
a carreira. Não é isso, Ministro Relator?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Na verda<strong>de</strong>, não é isso o que o <strong>de</strong>creto<br />
afirma, mas diz o seguinte:<br />
Art. 1º Nos municípios em que o Departamento <strong>de</strong> Polícia Civil não contar com servidor<br />
<strong>de</strong> carreira para o <strong>de</strong>sempenho das funções <strong>de</strong> Delegado <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> carreira, o atendimento nas<br />
<strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> Polícia será realizado por Subtenente ou Sargento da Polícia Militar.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Então, era o exercício da função sem ocupa ção<br />
<strong>de</strong> cargo?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Sem ocupação <strong>de</strong> cargo. Essa é a<br />
questão.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Teríamos, aqui, na verda<strong>de</strong>, um <strong>de</strong>svio <strong>de</strong><br />
função, embora <strong>de</strong>terminado por uma circunstância específica. Por isso que, nesta<br />
parte, V. Exa. não aceita a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): É isso. Depois, o art. 5º diz o<br />
seguinte:<br />
Art. 5º Os Policiais Militares <strong>de</strong>signados na forma <strong>de</strong>ste Decreto elaborarão Termo<br />
Circunstanciado, encaminhando os respectivos documentos à Delegacia <strong>de</strong> Polícia da se<strong>de</strong> da<br />
Comarca.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: A questão que me parece complicada é a<br />
transferência das funções para pessoas que não integram o cargo e que têm funções<br />
muito específicas.<br />
V. Exa., então, está, apesar disso, colmatando para não permitir que não haja<br />
esvaziamento das funções.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Na verda<strong>de</strong>, não sei qual é a situação<br />
– se fosse o caso <strong>de</strong> nós, eventualmente, baixarmos em diligência para sabermos<br />
qual a realida<strong>de</strong> institucional do Estado do Paraná –, mas em alguns outros Estados,<br />
eu saberia, até por ciência própria, que não há policiais civis em número razoável<br />
para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>manda em todos os Municípios. O que o <strong>de</strong>creto faz aqui é meramente<br />
– como eu disse –, baseado na idéia <strong>de</strong> um pensamento possibilista e <strong>de</strong> um<br />
pensamento <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, tentar dar regra a uma situação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>. É tãosomente<br />
isso. O policial não se torna <strong>de</strong>legado, não exerce as funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado;<br />
ele apenas lavra um termo circunstanciado e manda para o <strong>de</strong>legado da Comarca.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, sabe qual é a minha<br />
preocupação que gostaria <strong>de</strong> manifestar? É que esse tipo <strong>de</strong> dispositivo acabe se<br />
tornando permanente, ainda mais consi<strong>de</strong>rando o Estado <strong>de</strong> origem. Na realida<strong>de</strong>,
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quando ele <strong>de</strong>termina a ocupação, mesmo que transitória, que não está na lei – não<br />
havendo, na localida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>legado –, não é nem transitório nem <strong>de</strong> caráter excepcional,<br />
pois não tem <strong>de</strong>legado. Por que não se faz o concurso? Não se faz o concurso<br />
porque a autorida<strong>de</strong> executiva não quer. Então, a meu sentir, o risco que corremos –<br />
pelo menos na minha avaliação –, se <strong>de</strong>ixarmos passar esse tipo <strong>de</strong> alteração por<br />
via legal, é transformar realmente essa situação em permanente, fato impossível do<br />
ponto <strong>de</strong> vista legal.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro Menezes Direito, tenho medo <strong>de</strong><br />
que o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> função, algo inaceitável no sistema administrativo, esteja sendo<br />
legitimado.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Permito-me acrescentar às pon<strong>de</strong>rações<br />
do Ministro Direito que o art. 1º diz que estes servidores – subtenentes ou<br />
sargentos da Polícia Militar – irão <strong>de</strong>sempenhar funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia.<br />
Vão praticar atos típicos, próprios do <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia. E isso, data venia, se me<br />
afigura claramente inconstitucional.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não diz isso. O atendimento nas<br />
<strong>de</strong>legacias, na verda<strong>de</strong>, será realizado por subtenente ou sargento.<br />
O art. 5º diz mais:<br />
Os Policiais Militares <strong>de</strong>signados na forma <strong>de</strong>ste Decreto elaborarão Termo Circunstanciado,<br />
encaminhando os respectivos documentos à Delegacia <strong>de</strong> Polícia da se<strong>de</strong> da Comarca.<br />
Portanto, é o <strong>de</strong>legado da se<strong>de</strong> da Comarca que supervisiona – estou falando<br />
em tese.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eminente Ministro, <strong>de</strong>sculpe, a menos<br />
que eu esteja com o texto errado.<br />
Aqui, o art. 1º diz o seguinte:<br />
Nos municípios em que o Departamento <strong>de</strong> Polícia Civil não contar com servidor <strong>de</strong><br />
carreira para o <strong>de</strong>sempenho das funções <strong>de</strong> Delegado <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> carreira, o atendimento nas<br />
<strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> Polícia será realizado por Subtenente ou Sargento da Polícia Militar.<br />
Parece-me que aí se sugere que os subtenentes e os sargentos <strong>de</strong>sempenharão<br />
as funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Não, não diz isso, tanto que estou<br />
lendo o art. 5º:<br />
Os Policiais Militares <strong>de</strong>signados na forma <strong>de</strong>ste Decreto elaborarão Termo Circunstanciado,<br />
encaminhando os respectivos documentos à Delegacia <strong>de</strong> Polícia da se<strong>de</strong> da Comarca.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Dentre outros atos, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r,<br />
data venia.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): E o parágrafo único diz:<br />
Os atos realizados pelos Policiais Militares no <strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento<br />
nas <strong>de</strong>legacias ficarão sujeitos à fiscalização e controle do Delegado <strong>de</strong> Polícia na se<strong>de</strong><br />
da Comarca.
690<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
É isso que está dito no <strong>de</strong>creto. O que parece – e não sei qual é a situação<br />
efetiva do Estado do Paraná, mas, certamente, na rica terra da Ministra Cármen<br />
Lúcia, com oitocentos Municípios.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Oitocentos e cinqüenta e três.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Portanto, nós teríamos a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>, pelo menos, oitocentos e cinqüenta e três <strong>de</strong>legados. Claro que mais por<br />
conta da dimensão <strong>de</strong> vários Municípios.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O problema grave é que, antes da lavratura<br />
do termo circunstanciado, o policial militar tem <strong>de</strong> fazer um juízo jurídico <strong>de</strong><br />
avaliação dos fatos que lhe são expostos. É isso o mais importante do caso, não a<br />
ativida<strong>de</strong> material <strong>de</strong> lavratura. É que, quanto a esse tal <strong>de</strong> termo circunstanciado<br />
a que se refere o art. 5º, das duas uma: ou não é ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária, ou<br />
é ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária. Se não é ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária, é aquilo<br />
que qualquer PM, em qualquer lugar do País, faz. Há uma ocorrência, é chamado,<br />
vai lá, toma nota e leva o caso para a <strong>de</strong>legacia. Ora, para isso não precisa lei. Isso<br />
faz parte das competências <strong>de</strong> sargento e <strong>de</strong> qualquer praça da Polícia Militar.<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Mas o que se mostra grave, aí, são as conseqüências<br />
jurídicas que <strong>de</strong>correm, exatamente, da elaboração do termo circunstanciado<br />
<strong>de</strong> ocorrência.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É exatamente <strong>de</strong>ssa avaliação jurídica. Isso<br />
que é o grave.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): A questão que se coloca aqui,<br />
evi<strong>de</strong>ntemente, seria muito fácil assumir a postura <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
do <strong>de</strong>creto. É extremamente fácil, basta dizer que isso não aten<strong>de</strong> ao disposto<br />
no art. 144. É facílimo. Agora, o que não se po<strong>de</strong> ignorar – e eu não sei qual é a<br />
situação exata do Paraná – é que como fica, e tanto que o <strong>de</strong>creto foi redigido <strong>de</strong><br />
forma cuidadosa, quem é responsável por uma <strong>de</strong>legacia que não tem <strong>de</strong>legado?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Normalmente é o escrivão. Ou essa <strong>de</strong>legacia<br />
está fechada, ou há outros funcionários.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nada impe<strong>de</strong> que, não existindo uma <strong>de</strong>legacia<br />
policial, haja um posto da Polícia Militar.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Eu estava dizendo, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, realmente,<br />
pedindo vênia ao Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s e, apesar <strong>de</strong> reconhecer todas<br />
as dificulda<strong>de</strong>s – posso falar <strong>de</strong> cátedra –, <strong>de</strong> conhecer comarcas em Municípios<br />
nos quais não há <strong>de</strong>legado, penso que a solução <strong>de</strong> tirar <strong>de</strong> outro quadro que tem<br />
funções específicas, traçadas na Constituição, gera essa conseqüência, a que o<br />
Ministro Menezes Direito acaba <strong>de</strong> referir, ou seja, acomodam-se as coisas <strong>de</strong><br />
tal forma que se permite que nunca venha a ter mesmo, porque já há alguém que<br />
<strong>de</strong>sempenha essas funções, em agravo à Constituição.<br />
Razão pela qual eu vou pedir vênia, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, ao Sr. Ministro<br />
Relator, preocupadíssima com o caso, eu que já fui vítima <strong>de</strong> uma situação
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exatamente como essa, porque não havia <strong>de</strong>legado na cida<strong>de</strong>, mas, realmente, não<br />
posso segui-lo neste caso.<br />
Dou pela procedência da ação. Na outra parte, não tenho dúvida alguma.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, só para fazer uma observação.<br />
Veja bem, a disciplina do art. 144, § 4º, é expressa, dá atribuição <strong>de</strong> polícia<br />
judiciária à polícia civil. Nós estamos no Estado do Paraná, essa disciplina<br />
tem mais <strong>de</strong> vinte anos, nasce com a Constituição <strong>de</strong> 1988, e não há razão alguma<br />
para que não tenha sido aberto concurso público para o cargo <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado. Quer<br />
dizer, se não há <strong>de</strong>legado, não se po<strong>de</strong> indicar o substituto que não tenha a mesma<br />
qualida<strong>de</strong>, porque, nesses casos em que não há, o escrivão <strong>de</strong> polícia respon<strong>de</strong>.<br />
Como disse o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, pelo menos também na minha<br />
compreensão, há conseqüências jurídicas severíssimas pelo preenchimento <strong>de</strong><br />
um termo <strong>de</strong> ocorrência por uma pessoa que não tenha nenhuma formação para<br />
isso. Quem já militou na advocacia criminal, nas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia, sabe<br />
muito bem o que ocorre com o termo <strong>de</strong> ocorrência mal formulado, mal redigido,<br />
mal i<strong>de</strong>ntificado, mal tipificada a circunstância que causou o termo <strong>de</strong> ocorrência.<br />
A meu sentir, o <strong>de</strong>creto, como está posto, viola claramente o § 4º do art.<br />
144 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, porque nós estamos autorizando que, por via regulamentar,<br />
se institua um substituto para exercer a função <strong>de</strong> polícia judiciária,<br />
mesmo que se transfira a responsabilida<strong>de</strong> final para o <strong>de</strong>legado da Comarca mais<br />
próxima. Isso, pelo contrário, é uma abertura, a meu ver, <strong>de</strong> exceção gravíssima<br />
na própria disciplina constitucional.<br />
Senhora Presi<strong>de</strong>nte, voto no sentido da procedência.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, também eu<br />
voto pela procedência total da ação, embora seja louvável a intenção do <strong>de</strong>creto<br />
no sentido <strong>de</strong> resolver, na prática, a carência <strong>de</strong> <strong>de</strong>legados no Estado do Paraná.<br />
Parece-me que ele está atribuindo a função <strong>de</strong> polícia judiciária aos policiais militares<br />
<strong>de</strong> forma absolutamente vedada pelo art. 144, § 4º e § 5º, da Constituição.<br />
Portanto, com a <strong>de</strong>vida vênia do eminente Relator, eu julgo totalmente<br />
proce<strong>de</strong>nte a ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, eu também vou pedir vênia<br />
ao eminente Relator, em primeiro lugar para dizer que esta ação não escapa a<br />
um dilema: este <strong>de</strong>creto ou trata <strong>de</strong> funções e competências <strong>de</strong> polícia judiciária,<br />
ou não trata. Se não trata <strong>de</strong> funções e competência <strong>de</strong> polícia judiciária, é inútil.<br />
Não necessitaria <strong>de</strong> haver <strong>de</strong>creto algum, porque o pressuposto é que se tratasse
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R.T.J. — <strong>204</strong><br />
<strong>de</strong> função e competência específica da polícia militar, e, para isso, não precisa<br />
<strong>de</strong>creto especial para dizê-lo. Se o <strong>de</strong>creto se preocupou em disciplinar essa<br />
matéria, é porque parte da premissa <strong>de</strong> que, em se tratando <strong>de</strong> função própria <strong>de</strong><br />
polícia judiciária, é preciso que a matéria seja regulamentada.<br />
Ora, esse <strong>de</strong>creto tem dois discursos: o latente e o patente. O patente é o <strong>de</strong><br />
que os sargentos não vão fazer nada, só lavrar termo circunstanciado. O latente é<br />
<strong>de</strong> que eles, na verda<strong>de</strong>, ficam investidos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res próprios <strong>de</strong> polícia judiciária<br />
e daí <strong>de</strong>corre uma série <strong>de</strong> conseqüências, entre as quais abusos que, com base nesse<br />
<strong>de</strong>creto, po<strong>de</strong>m ser eventualmente praticados por sargentos da Polícia Militar.<br />
Tanto assim que o <strong>de</strong>creto se preocupa em habilitar os sargentos. Há previsão <strong>de</strong><br />
curso. É como se fosse um curso breve, reduzindo a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito a um<br />
curso breve. Está aqui:<br />
Art. 4º Os Policiais Militares <strong>de</strong>signados na forma <strong>de</strong>ste Decreto serão submetidos<br />
a curso que os habilite ao <strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s que exercerão, a ser promovido pelo<br />
Departamento <strong>de</strong> Polícia Civil.<br />
Isto é, a Polícia Civil é que vai ensinar os sargentos a <strong>de</strong>sempenhar funções<br />
próprias da Polícia Civil.<br />
O pressuposto é esse. Não se trata, pura e simplesmente, <strong>de</strong> reconhecer a<br />
prática <strong>de</strong> atos próprios da competência da Polícia Militar.<br />
Em segundo lugar, o disposto no art. 5º não po<strong>de</strong> ser compreendido como<br />
mera formalização do atendimento <strong>de</strong> ocorrências da responsabilida<strong>de</strong> não apenas<br />
<strong>de</strong> sargento, mas <strong>de</strong> qualquer praça que atenda a ocorrências. É fazer por escrito<br />
um relato do que aconteceu e remeter para o <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia. Isso, sim, é o que<br />
eles po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem fazer.<br />
Agora, se há toda uma preocupação em regulamentar esse termo circunstanciado<br />
é porque, ocupando o lugar físico, pois o art. 1º se refere ao lugar físico<br />
e também ao lugar jurídico <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, isto é, do titular constitucional<br />
da competência <strong>de</strong> polícia judiciária, é que eles irão proce<strong>de</strong>r a esse juízo jurídico<br />
grave <strong>de</strong> um termo circunstanciado. Por isso, o art. 1º dispõe que serão atendidos<br />
na <strong>de</strong>legacia. Po<strong>de</strong>ria ter previsto que, on<strong>de</strong> não houvesse <strong>de</strong>legacia, as ocorrências<br />
policiais po<strong>de</strong>riam ser atendidas no posto da Polícia Militar. Não, mas estatui<br />
que sejam atendidos na <strong>de</strong>legacia. Não é por uma mera questão <strong>de</strong> lugar físico,<br />
mas porque a <strong>de</strong>legacia é o lugar simbólico do exercício da competência <strong>de</strong> polícia<br />
judiciária.<br />
Na verda<strong>de</strong>, eles estão sendo, pelo <strong>de</strong>creto, travestidos em agentes que têm<br />
competência para o exercício <strong>de</strong> polícia judiciária.<br />
À luz da Constituição – o eminente Relator também reconhece – não há<br />
dúvida nenhuma, é simples reconhecer-lhe a incompatibilida<strong>de</strong> com o alcance do<br />
<strong>de</strong>creto entendido como discurso latente.<br />
De modo que, também, peço vênia ao eminente Relator, e julgo totalmente<br />
proce<strong>de</strong>nte a ação.
R.T.J. — <strong>204</strong> 693<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, tivemos um bloqueio triplo,<br />
consi<strong>de</strong>rado o voto do Relator e a bancada que está à esquerda <strong>de</strong> V. Exa., isso<br />
quando V. Exa. indagou se havia divergência.<br />
Não resta a menor dúvida <strong>de</strong> que tivemos uma disciplina mediante <strong>de</strong>creto<br />
a versar sobre o exercício das atribuições <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, que a Constituição<br />
quer na chefia das polícias, na direção das Polícias Civis, como implementada<br />
por <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> carreira, consi<strong>de</strong>rada integrante da Polícia Militar. E<br />
diria que, na prática, a convivência já não é muito harmoniosa. O que se dirá caso<br />
admitida a mesclagem prevista nesse <strong>de</strong>creto?<br />
Tem-se, no art. 144 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, balizas rígidas e existentes há<br />
bastante tempo sobre as atribuições das Polícias Civis e Militares. No caso da<br />
Polícia Militar, está previsto que cabe a ela a polícia ostensiva e a preservação da<br />
or<strong>de</strong>m, mas não a direção <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia.<br />
Cogita-se aqui – por isso não po<strong>de</strong>mos nem imaginar a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
progressiva, com a passagem do tempo – <strong>de</strong> uma das principais unida<strong>de</strong>s<br />
da Fe<strong>de</strong>ração, em termos <strong>de</strong> avanço administrativo, consi<strong>de</strong>rada a estruturação.<br />
Peço vênia ao Relator para me filiar à divergência, julgando totalmente<br />
proce<strong>de</strong>nte o pedido, mesmo porque o <strong>de</strong>creto é comandado pelo art. 1º, no qual<br />
anunciada a disciplina da ativida<strong>de</strong> a ser <strong>de</strong>senvolvida, fazendo o policial militar<br />
as vezes do policial civil, <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> carreira.<br />
VOTO<br />
(Confirmação)<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Senhora Presi<strong>de</strong>nte, só gostaria<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar, tal como já o fiz quando do meu voto, que, mais uma vez, diferentemente<br />
do que foi consi<strong>de</strong>rado em algumas das manifestações, que o <strong>de</strong>creto<br />
não conferiu as funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia a esses agentes policiais. Isso é<br />
evi<strong>de</strong>nte. Nas próprias razões do Estado do Paraná – são velhas, já estão muito<br />
provavelmente <strong>de</strong>satualizadas –, diz que, diante <strong>de</strong> concurso público realizado<br />
sem que houvesse candidatos suficientes para ocupar as vagas, lançou-se mão<br />
<strong>de</strong>sse estratagema, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que houvesse essa disciplina, e o próprio<br />
Conselho da Polícia Civil, Conselho Superior, recomendou a abertura <strong>de</strong> novo<br />
concurso público.<br />
Então, a rigor, não há essa subtração da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia ou<br />
a usurpação, a meu ver. Por outro lado, a própria expressão “termo circunstanciado”<br />
remete, como agora <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, à Lei 9.099,<br />
que, na verda<strong>de</strong>, não é função primacial da autorida<strong>de</strong> policial civil. A doutrina<br />
registra que essa é uma função que po<strong>de</strong> ser exercida por qualquer autorida<strong>de</strong><br />
policial.<br />
Reitero a posição por mim iniciada. Penso que, ortodoxamente, o tema não<br />
po<strong>de</strong>ria ser tratado. O i<strong>de</strong>al é que haja <strong>de</strong>legados em todos os Municípios. Toda-
694<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
via, o que temos, aqui, é uma regra <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>. Tão-somente isso e foi essa<br />
a minha leitura em relação a esse tema. Imagino que Brasil afora, nos cinco mil<br />
Municípios, haja uma lacuna enorme nas <strong>de</strong>legacias, talvez nem escrivão nem<br />
<strong>de</strong>legados. Fico a imaginar quem po<strong>de</strong>rá eventualmente exercer essas funções.<br />
Recentemente julgamos, na Turma, um caso passado no Pará, na capital<br />
Belém, em que se falava <strong>de</strong> um “funcionário” especial da <strong>de</strong>legacia, porque se dizia<br />
ser alguém que prestava serviço à polícia sem ter função nenhuma; chamavam<br />
<strong>de</strong> alma. É um agente policial especial porque não tem funções. Isso na capital<br />
do Estado do Pará.<br />
Portanto, estamos, realmente, em searas bastante peculiares. Por isso entendo<br />
que, baseado nesse pensamento possibilista e <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>creto, tendo<br />
em vista esse caráter excepcional e temporário, é constitucional.<br />
Reitero meu voto.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte): Peço vênia ao eminente Relator<br />
para seguir na linha da maioria e julgar proce<strong>de</strong>nte a ação direita <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Creio que as duas polícias, civil e militar, têm atribuições, funções muito<br />
específicas e próprias, perfeitamente <strong>de</strong>limitadas e que não se po<strong>de</strong>m confundir.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
ADI 3.614/PR — Relator: Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s. Relatora para o acórdão:<br />
Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos Advogados<br />
do Brasil (Advogado: Marcelo Mello Martins). Requerido: Governador do<br />
Estado do Paraná. Interessada: Associação dos Delegados <strong>de</strong> Polícia do Estado<br />
do Paraná – ADEPOL (Advogado: Wladimir Sérgio Reale).<br />
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou proce<strong>de</strong>nte a ação direta, vencido<br />
parcialmente o Ministro Relator, que a julgava proce<strong>de</strong>nte em parte. Votou a<br />
Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão a Ministra Cármen Lúcia.<br />
Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros<br />
Grau. Falou pelo amicus curiae o Dr. Wladimir Sérgio Reale.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski,<br />
Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto<br />
Monteiro Gurgel Santos.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 695<br />
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.736 — DF<br />
Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />
Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski<br />
Recorrente: João Nepomuceno <strong>de</strong> Faria Pereira — Recorrida: União<br />
Recurso ordinário em mandado <strong>de</strong> segurança. Acórdão<br />
proferido pela Terceira Seção do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />
que <strong>de</strong>negou mandado <strong>de</strong> segurança impetrado contra ato do<br />
Ministro <strong>de</strong> Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão. Demissão<br />
do quadro <strong>de</strong> pessoal da extinta Superintendência para<br />
o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Utilização do cargo<br />
em proveito <strong>de</strong> outrem, proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sidiosa, ter conduta<br />
ímproba e provocar lesões aos cofres públicos.<br />
I – O acórdão recorrido faz referência expressa ao parecer<br />
da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento<br />
e Gestão e o adota como razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir. O processo<br />
administrativo é um continuum, integrado por provas materiais,<br />
<strong>de</strong>poimentos pessoais, manifestações técnicas e outras informações,<br />
nos quais se lastreia a <strong>de</strong>cisão final da autorida<strong>de</strong> competente<br />
para prolatá-la.<br />
II – Inocorrência <strong>de</strong> direito líquido e certo, que pressupõe<br />
fatos incontroversos apoiados em prova pré-constituída. Não se<br />
admite, pois, dilação probatória.<br />
III – Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
IV – Recurso improvido.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria<br />
<strong>de</strong> votos, negar provimento ao recurso em mandado <strong>de</strong> segurança; vencidos os<br />
Ministros Marco Aurélio, Relator e Presi<strong>de</strong>nte, e Carlos Britto.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator para o<br />
acórdão.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça não conheceu<br />
do mandado <strong>de</strong> segurança, consignando não ter sido <strong>de</strong>monstrada a ilegalida<strong>de</strong> do<br />
ato que implicou a <strong>de</strong>missão do Impetrante do cargo <strong>de</strong> engenheiro do quadro <strong>de</strong><br />
pessoal da extinta Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)<br />
(fls. 622 a 637).
696<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração que se seguiram foram <strong>de</strong>sprovidos pelo Colegiado<br />
(fls. 662 a 666).<br />
No recurso ordinário <strong>de</strong> fls. 670 a 685, o servidor alega ter o Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> analisar o pleito à luz do que previsto na Lei 8.112/90.<br />
Esclarece haver sido instaurado processo administrativo para apuração <strong>de</strong> possíveis<br />
irregularida<strong>de</strong>s em projetos incentivados pela Finam. A comissão concluíra<br />
ter o servidor agido <strong>de</strong> forma irregular, propondo a aplicação <strong>de</strong> pena <strong>de</strong> suspensão<br />
por trinta dias, nos termos do disposto no art. 116, incisos I e II, da Lei 8.112/90.<br />
Houve a apresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, na qual sustentada a ausência <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> ato<br />
ilícito. Finalizado o procedimento, os autos foram encaminhados ao Ministro <strong>de</strong><br />
Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, que <strong>de</strong>cidiu acolher o parecer da<br />
consultoria jurídica do Ministério, aplicando a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão ao Recorrente.<br />
Insiste o servidor na nulida<strong>de</strong> do processo administrativo disciplinar bem<br />
como do ato administrativo concernente à <strong>de</strong>missão – em relação ao último, por<br />
ofensa aos princípios da proporcionalida<strong>de</strong> e da razoabilida<strong>de</strong> – e afirma (fl. 673):<br />
1 – o impetrante surpreen<strong>de</strong>u-se com a <strong>de</strong>cisão do Sr. Ministro <strong>de</strong> Estado, uma vez que<br />
o mesmo não é competente para <strong>de</strong>mitir servidores públicos;<br />
2 – houve nulida<strong>de</strong> no termo <strong>de</strong> notificação inicial, vez que o mesmo não indica quais<br />
as acusações que o impetrante <strong>de</strong>veria se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r (sic);<br />
3 – a comissão processante proibiu acesso dos acusados e advogados a todos os <strong>de</strong>poimentos<br />
assim como proibiu estes <strong>de</strong> efetuarem perguntas a seus constituintes;<br />
4 – houve nulida<strong>de</strong> no termo <strong>de</strong> indiciamento, vez que houve um aumento no raio <strong>de</strong><br />
acusação (se assim po<strong>de</strong>mos chamar a notificação inicial), além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar as provas<br />
apresentadas nos autos;<br />
5 – o impetrante não foi notificado pessoalmente da <strong>de</strong>cisão;<br />
6 – não houve fundamentação na <strong>de</strong>cisão do Sr. Ministro sobre a pena aplicada;<br />
7 – não há acesso aos autos do processo, posto que se encontram em Brasília/DF fora<br />
da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> o impetrante e a mesma é lotada (sic);<br />
8 – falta <strong>de</strong> análise pelo Ministro e pela Comissão sobre a tese <strong>de</strong> prescrição levantada<br />
na <strong>de</strong>fesa no processo administrativo (fl. 34);<br />
9 – <strong>de</strong>ficiência na formação da comissão;<br />
10 – <strong>de</strong>srespeito ao princípio constitucional do acusado permanecer calado;<br />
11 – falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> para quesitos e assistente técnico em perícia realizada pela<br />
comissão.<br />
O Recorrente assevera que, se a consultoria jurídica do Ministério tivesse<br />
aceitado as conclusões da comissão processante, jamais po<strong>de</strong>ria sugerir a exacerbação<br />
da pena. Além disso, caso o Ministro enten<strong>de</strong>sse ina<strong>de</strong>quada a pena<br />
sugerida, <strong>de</strong>veria anular o processo administrativo. Ressalta que a regra geral é a<br />
autorida<strong>de</strong> adotar as conclusões da comissão técnica, cabendo-lhe fundamentar a<br />
<strong>de</strong>cisão em torno da adoção <strong>de</strong> pena diversa. No caso concreto, prossegue, “o ato<br />
da autorida<strong>de</strong> impetrada promoveu <strong>de</strong>strambelhada e ilegalmente o agravamento<br />
da pena imposta ao recorrente em afronta às provas colacionadas aos autos do<br />
procedimento disciplinar, às quais não levam a conclusão que o recorrente (sic)<br />
agiu <strong>de</strong> forma dolosa para valer-se do cargo, para lograr proveito para outrem,<br />
proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sidiosa, ter conduta ímproba e provocar lesão aos cofres<br />
públicos, sobretudo porque até a presente data, e mesmo com o auxílio da Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral, Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, Receita Fe<strong>de</strong>ral, Ministério da Fazenda,
R.T.J. — <strong>204</strong> 697<br />
Banco Central e MPF não há provas a dar suporte às faltas que a autorida<strong>de</strong> impetrada<br />
imputou ao recorrente!”<br />
Consi<strong>de</strong>ra ter a autorida<strong>de</strong> coatora agido <strong>de</strong> forma arbitrária, olvidando a<br />
norma do art. 128 da Lei 8.112/90. Além disso, aponta que a perícia sobre a qual<br />
se funda o convencimento da comissão processante foi realizada mais <strong>de</strong> quinze<br />
dias <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>poimento do acusado e em <strong>de</strong>srespeito à norma do art. 156 da<br />
mesma lei, o que estaria a <strong>de</strong>monstrar a ilegalida<strong>de</strong> na condução do processo<br />
administrativo.<br />
O recurso foi admitido por meio da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fl. 704.<br />
A União apresentou as contra-razões <strong>de</strong> fls. 822 a 830, afirmando a ausência<br />
<strong>de</strong> direito líquido e certo a amparar o mandado <strong>de</strong> segurança e a regularida<strong>de</strong><br />
do processo administrativo disciplinar.<br />
À fl. 835, in<strong>de</strong>feri o pedido <strong>de</strong> tutela antecipada, consignando:<br />
Recurso em mandado <strong>de</strong> segurança – Demissão <strong>de</strong> servidor – Liminar – In<strong>de</strong>ferimento.<br />
1. O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça assentou o envolvimento, na espécie, <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> instrução probatória, proclamando o não-conhecimento do pedido formulado no mandado<br />
<strong>de</strong> segurança e a ressalva <strong>de</strong> abertura das vias ordinárias.<br />
2. No caso, não se tem como caminhar para o implemento <strong>de</strong> tutela antecipada, no<br />
que direcionada à reintegração do servidor. Há <strong>de</strong> se aguardar a manifestação do Ministério<br />
Público e o crivo <strong>de</strong> Colegiado <strong>de</strong>sta Corte.<br />
3. In<strong>de</strong>firo a tutela pretendida.<br />
4. Colha-se o parecer do Procurador-Geral da República.<br />
5. Publique-se.<br />
A Procuradoria-Geral da República, no parecer <strong>de</strong> fls. 841 a 847, preconiza<br />
o conhecimento e provimento do recurso. Eis a síntese da peça (fl. 841):<br />
Recurso ordinário em mandado <strong>de</strong> segurança – Servidor público – Processo administrativo<br />
disciplinar – Demissão – Agravamento <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong> – Discrepância entre a penalida<strong>de</strong><br />
aplicada por ministro <strong>de</strong> Estado e as conclusões da comissão disciplinar – Parecer pelo<br />
conhecimento e provimento do recurso.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição <strong>de</strong>ste recurso,<br />
foram observados os pressupostos gerais <strong>de</strong> recorribilida<strong>de</strong>. Os documentos <strong>de</strong> fls.<br />
51, 686 e 687 evi<strong>de</strong>nciam a regularida<strong>de</strong> da representação processual e do preparo.<br />
Quanto à oportunida<strong>de</strong>, a notícia do acórdão recorrido foi veiculada no Diário<br />
<strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004, segunda-feira (fl. 667), ocorrendo a manifestação do<br />
inconformismo em 2 <strong>de</strong> março imediato, terça-feira (fl. 670), no prazo assinado<br />
em lei. Conheço.<br />
Cumpre ter em mente que, embora na conclusão do julgamento haja sido<br />
lançada terminologia própria à ausência <strong>de</strong> exame do mérito da impetração – proclamou-se<br />
o não-conhecimento do mandado <strong>de</strong> segurança –, no acórdão proferido,
698<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
a leitura do voto do Relator e dos esclarecimentos que vieram após (fls. 622 e<br />
seguintes) revela haver sido apreciado o mérito do mandado <strong>de</strong> segurança. Assim,<br />
tem-se <strong>de</strong>volutivida<strong>de</strong> plena das matérias consi<strong>de</strong>radas as causas <strong>de</strong> pedir<br />
constantes da inicial.<br />
Passo então, sob essa óptica da abrangência, à análise das causas <strong>de</strong> pedir<br />
veiculadas neste mandado <strong>de</strong> segurança, or<strong>de</strong>nando-as presente o princípio da<br />
prejudicialida<strong>de</strong>.<br />
Da nulida<strong>de</strong> da notificação inicial – Falta <strong>de</strong> indicação das acusações.<br />
Preceitua o art. 161 da Lei 8.112/90 que, “tipificada a infração disciplinar,<br />
será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele<br />
impu tados e das respectivas provas”. O § 1º do artigo prevê a citação para apresentar<br />
<strong>de</strong>fesa escrita e assegura a vista do processo na repartição.<br />
Pois bem, conforme consta da inicial, à fl. 9, informou-se, por meio da notificação,<br />
o objeto do processo administrativo disciplinar – apurar os fatos contidos<br />
nos autos do Processo Sudam 59450/000454/2001-81 – e aludiu-se à circunstância<br />
<strong>de</strong> o Impetrante nele figurar como acusado. O ato <strong>de</strong> notificação que se encontra<br />
à fl. 56 englobou, então, os fatos apurados nesse processo, mencionando-se,<br />
mais, “irregularida<strong>de</strong>s nos procedimentos relacionados à apresentação, à aprovação,<br />
à liberação e à implementação dos projetos, com recursos do Finam, em<br />
favor das empresas Superfrigo Indústria e Comércio S.A. e Indústria e Comércio<br />
<strong>de</strong> Plásticos Marabá Ltda., bem como referentemente a outros processos ou fatos<br />
conexos” (fls. 57). Nota-se que, formalizada a ata concernente ao encerramento<br />
da instrução e indiciamento, consignou-se, <strong>de</strong> forma explícita, a imputação,<br />
contendo a peça item atinente à especificação dos fatos, à tipificação da infração,<br />
às provas da infração, presente parecer técnico <strong>de</strong> engenharia, e <strong>de</strong>terminou-se,<br />
então, à luz do disposto na Lei 8.112/90, a citação do indiciado.<br />
O que se percebe é que o Impetrante potencializa a notificação verificada<br />
em junho <strong>de</strong> 2001, para ciência inicial do processo administrativo (fl. 56), não<br />
levando em conta o fato superveniente – que veio à balha em 4 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
2001 –, mais específico e explícito quanto às imputações, ou seja, a conclusão<br />
da comissão constituída quanto ao indiciamento (fl. 68 a 71). Não proce<strong>de</strong> esta<br />
causa <strong>de</strong> pedir da impetração.<br />
Da nulida<strong>de</strong> do termo <strong>de</strong> indiciamento ante o aumento no raio <strong>de</strong> acusação.<br />
Também aqui não subsiste razão ao que articulado. Houve a notificação<br />
inicial para ciência da instauração do processo, seguindo-se o <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> encerramento<br />
da instrução e indiciamento, sítio próprio para <strong>de</strong>limitar-se a acusação,<br />
tanto assim que o Impetrante foi citado para, pessoalmente ou por procurador<br />
legalmente constituído, apresentar <strong>de</strong>fesa escrita, sendo-lhe assegurada vista do<br />
processo – fecho da peça à fl. 71.<br />
Concluo, então, pela improcedência da assertiva <strong>de</strong> que, na lavratura do<br />
termo <strong>de</strong> indiciamento, aumentou-se o raio <strong>de</strong> acusação presente na notificação<br />
primeira. Reitero: o que <strong>de</strong>u início à fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, a teor do disposto no art. 161,
R.T.J. — <strong>204</strong> 699<br />
§ 1º, da Lei 8.112/90, foi o termo <strong>de</strong> indiciamento, relativo à conclusão sobre o<br />
que levantado anteriormente.<br />
Dos <strong>de</strong>poimentos – Acesso do acusado e do advogado.<br />
Sob este ângulo, não logrou o Impetrante revelar a contrarieda<strong>de</strong> à Lei<br />
8.112/90. Dando ênfase a trecho do ofício <strong>de</strong> fl. 58, mais precisamente à notícia<br />
<strong>de</strong> que peticionantes e procuradores não teriam acesso aos <strong>de</strong>poimentos<br />
dos <strong>de</strong>mais acusados, <strong>de</strong>sprezou a alusão explícita aos arts. 150 e 159 da Lei<br />
8.112/90. Pelo primeiro, a comissão exerce as ativida<strong>de</strong>s com in<strong>de</strong>pendência e<br />
imparcialida<strong>de</strong>, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido<br />
pelo interesse da administração, tendo as reuniões e audiências caráter reservado.<br />
Do segundo preceito, referente à inquirição <strong>de</strong> testemunhas e interrogatório <strong>de</strong><br />
acusados, consta a previsão – comum aos processos em geral – <strong>de</strong>, havendo mais<br />
<strong>de</strong> um envolvido, serem interrogados separadamente, viabilizada a presença do<br />
procurador que, por intermédio do presi<strong>de</strong>nte da comissão, po<strong>de</strong> veicular perguntas.<br />
Em síntese, não cabe vislumbrar na disciplina contrarieda<strong>de</strong> ao direito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa, estando ausente a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito ao disposto no art. 159,<br />
§ 2º, da Lei 8.112/90. Improce<strong>de</strong> esta causa <strong>de</strong> pedir.<br />
Da competência para impor a penalida<strong>de</strong>.<br />
A Lei 8.112/90 é precisa ao revelar as autorida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m impor<br />
sanções aos servidores. Na distribuição, leva-se em conta o alcance da pena.<br />
Quanto à <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão e cassação <strong>de</strong> aposentadoria ou disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servidor<br />
vinculado ao respectivo Po<strong>de</strong>r, órgão ou entida<strong>de</strong>, preceitua o inciso I do<br />
art. 141 da lei que estão incumbidos <strong>de</strong> aplicá-la o Presi<strong>de</strong>nte da República, os<br />
Presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> cada Casa do Po<strong>de</strong>r Legislativo, conforme o caso, os Presi<strong>de</strong>ntes<br />
dos Tribunais Fe<strong>de</strong>rais e o Procurador-Geral da República. O mencionado artigo,<br />
bem como os <strong>de</strong>mais dispositivos que a integram, não prevê a <strong>de</strong>legação. Ora,<br />
o Decreto 3.035/99, <strong>de</strong>ssa forma, não regulamentou a citada lei e sim alterou,<br />
substancialmente, o que estabelecido no inciso I do art. 141 nela contido. Vale<br />
frisar – a espécie não encontra base no parágrafo único do art. 84 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, quando se po<strong>de</strong>ria enten<strong>de</strong>r a revelação pelo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> simples formalida<strong>de</strong><br />
a encerrar a <strong>de</strong>legação explícita. No parágrafo único do art. 84 da Carta da<br />
República, remete-se aos incisos VI, XII e XXV <strong>de</strong>le constantes, não havendo o<br />
envolvimento da <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> servidor público. A tanto não equivale a referência,<br />
no inciso VI, à organização e ao funcionamento da administração pública e à<br />
extinção <strong>de</strong> funções ou cargos públicos quando vagos. Proce<strong>de</strong> o que asseverado<br />
pelo Impetrante, sob pena <strong>de</strong> o Executivo substituir-se ao legislador, alterando<br />
o que disciplinado em lei, no sentido formal e material, algo impensável ante a<br />
organização própria ao sistema.<br />
Registro ainda que a <strong>de</strong>legação ocorrida mediante o <strong>de</strong>creto não se enquadra<br />
na Lei 9.784/99. Conforme o art. 11 <strong>de</strong>la constante, “a competência é<br />
irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como<br />
própria, salvo os casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação e avocação legalmente admitidos”. A Lei<br />
8.112/90 não versa a <strong>de</strong>legação. Mais do que isso, no art. 13 da Lei 9.784/99, há<br />
a proibição da <strong>de</strong>legação em se tratando <strong>de</strong> matérias <strong>de</strong> competência exclusiva do
700<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
órgão ou autorida<strong>de</strong>, até mesmo <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> recursos administrativos. É certo que<br />
o julgamento do processo administrativo se mostrou originário, presente a manifestação<br />
da comissão constituída para apurar a falta do servidor, mas não menos<br />
proce<strong>de</strong>nte é que, em termos <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>, o inciso I do art. 141 da Lei 8.112/90<br />
reserva a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão e cassação <strong>de</strong> aposentadoria ou <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong>, na<br />
hipótese <strong>de</strong> servidor do Executivo, ao Presi<strong>de</strong>nte da República. O preceito há <strong>de</strong><br />
ser tomado em sua globalida<strong>de</strong>, assentando-se, no caso, a existência <strong>de</strong> previsão<br />
específica a envolver não só o dignitário máximo do País como também os Presi<strong>de</strong>ntes<br />
das Casas do Po<strong>de</strong>r Legislativo, dos Tribunais Fe<strong>de</strong>rais e o Procurador-<br />
Geral da República. Qualquer <strong>de</strong>les não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spojar-se da responsabilida<strong>de</strong><br />
estabelecida, transferindo a outrem o que lhe cabe fazer. Esclareço que esta visão<br />
não é a do Tribunal. No julgamento do RMS 24.128-8/DF, assim ficou <strong>de</strong>cidido:<br />
1. Demissão: ocupante do cargo <strong>de</strong> Policial Rodoviário Fe<strong>de</strong>ral: processo administrativo<br />
disciplinar que se <strong>de</strong>senvolveu validamente, assegurados ao acusado o <strong>de</strong>vido processo<br />
legal, o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa.<br />
2. Presi<strong>de</strong>nte da República: competência para prover cargos públicos (CF, art. 84,<br />
XXV, primeira parte), que abrange a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprovê-los, a qual, portanto, é susceptível <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação<br />
a ministro <strong>de</strong> Estado (CF, art. 84, parágrafo único): valida<strong>de</strong> da portaria do Ministro<br />
<strong>de</strong> Estado que – à luz do Decreto 3.035/99, cuja constitucionalida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>clara – <strong>de</strong>mitiu o<br />
Recorrente.<br />
Na oportunida<strong>de</strong>, expressei-me:<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte, a Constituição <strong>de</strong> 1988 objetivou colocar um ponto final nas múltiplas<br />
<strong>de</strong>legações. Tanto assim que, mediante preceito inserido no capítulo transitório, teve-se<br />
à época que:<br />
Art. 25. Ficam revogados, a partir <strong>de</strong> cento e oitenta dias da promulgação da<br />
Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que<br />
atribuam ou <strong>de</strong>leguem a órgão do Po<strong>de</strong>r Executivo competência assinalada pela Constituição<br />
ao Congresso Nacional (...).<br />
Fez-se alusão especificamente ao Congresso.<br />
No caso <strong>de</strong>ste processo, houve uma <strong>de</strong>missão a bem do serviço público, implementada<br />
pelo chefe <strong>de</strong> certo ministério, pelo ministro <strong>de</strong> Estado da área. Aí se articula que essa possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>legação, mediante <strong>de</strong>creto, efetuada pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, não estaria<br />
compreendida na autorização do parágrafo único do art. 84 da Lei Fundamental.<br />
E notamos que o inciso referido nesse parágrafo único, a contemplar matéria que po<strong>de</strong><br />
ser objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação, alu<strong>de</strong> a provimento: prover e extinguir os cargos públicos fe<strong>de</strong>rais,<br />
na forma da lei.<br />
Encaro, Presi<strong>de</strong>nte, a <strong>de</strong>legação contemplada como a revelar uma exceção, tendo em<br />
conta a competência privativa do Presi<strong>de</strong>nte da República. Se se trata <strong>de</strong> um texto da Carta<br />
a encerrar exceção, <strong>de</strong>vo cingir-me às regras da hermenêutica, <strong>de</strong> aplicação do Direito, e<br />
interpretar esse preceito <strong>de</strong> forma estrita. Para mim, uma coisa é prover, uma coisa é preencher;<br />
outra coisa é chegar-se ao ato extremo, consi<strong>de</strong>rada a vida profissional <strong>de</strong> um servidor e<br />
sacramentar-se a <strong>de</strong>missão a bem do serviço público.<br />
É a leitura que faço da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, Presi<strong>de</strong>nte, e, por isso, peço vênia a<br />
V. Exa. para enten<strong>de</strong>r que, na alusão a provimento, não está contemplada a <strong>de</strong>missão a bem<br />
do serviço público.<br />
Da falta <strong>de</strong> fundamentação do ato atacado.<br />
Eis o ponto que veio a ser ressaltado pela Procuradoria-Geral da República<br />
ao citar o julgamento relativo ao RMS 24.561-5/DF, Relator para o acórdão o
R.T.J. — <strong>204</strong> 701<br />
Ministro Joaquim Barbosa, quando o Plenário chegou a entendimento resumido<br />
na seguinte ementa, publicada no Diário da Justiça <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004:<br />
Recurso ordinário em mandado <strong>de</strong> segurança. Servidor público fe<strong>de</strong>ral. Processo administrativo<br />
disciplinar. Agravamento <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>. Discrepância entre a penalida<strong>de</strong> aplicada<br />
por ministro <strong>de</strong> Estado e as conclusões da comissão disciplinar.<br />
Ato <strong>de</strong> ministro <strong>de</strong> Estado que aplica penalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão por noventa dias. Agravamento<br />
em relação à penalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> advertência indicada no relatório <strong>de</strong> comissão disciplinar.<br />
Fundamentação insuficiente. Leitura do art. 168 da Lei 8.112/90.<br />
O art. 168 da Lei 8.112/90 não obriga a autorida<strong>de</strong> competente a aplicar a penalida<strong>de</strong><br />
sugerida no relatório <strong>de</strong> comissão disciplinar, mas exige, para o agravamento <strong>de</strong>ssa pena, a <strong>de</strong>vida<br />
fundamentação. Nesse sentido, vencido o Ministro Relator, que dava parcial provimento<br />
ao recurso para restabelecer pena <strong>de</strong> advertência.<br />
Por maioria, recurso ordinário conhecido em parte, afastadas as <strong>de</strong>mais alegações <strong>de</strong><br />
nulida<strong>de</strong>, e, nessa parte, provido, para anular o ato impugnado, sem prejuízo <strong>de</strong> que outro venha<br />
a ser praticado com a <strong>de</strong>vida fundamentação.<br />
O art. 168 da Lei 8.112/90 é absolutamente claro:<br />
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas<br />
dos autos.<br />
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a<br />
autorida<strong>de</strong> julgadora po<strong>de</strong>rá, motivadamente, agravar a penalida<strong>de</strong> proposta, abrandá-la ou<br />
isentar o servidor <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Vale dizer que, observada a or<strong>de</strong>m natural das coisas, a autorida<strong>de</strong> julgadora<br />
sufraga o que consignado pela comissão constituída, evi<strong>de</strong>nciando exceção<br />
óptica diversa quer no sentido <strong>de</strong> agravar a penalida<strong>de</strong> proposta, quer visando a<br />
abrandá-la ou mesmo a isentar o servidor <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
No caso, a comissão, no tocante ao Impetrante, assim concluiu (fls. 578<br />
e 579):<br />
– Não exerceu com zelo e <strong>de</strong>dicação as atribuições do cargo, prescritas no art. 116,<br />
inciso I, da Lei nº 8.112/90.<br />
– Não observou as normas legais e regulamentares prescritas no art. 116, inciso III, da<br />
Lei nº 8.112/90.<br />
– Infringiu os itens I, III, XIV, letras “a”, “b”, “c”, “f”, “m”, “q”, “r”, do Código <strong>de</strong><br />
Ética Profissional do Servidor Público Civil, aprovado pelo Decreto nº 1.171/94.<br />
– Consi<strong>de</strong>rando que os fatos ora apurados não constituem aplicação <strong>de</strong> pena mais<br />
grave, alvitramos pela suspensão <strong>de</strong> 30 (trinta) dias, conforme art. 130 da Lei nº 8.112/90, isto<br />
é, respeitados os limites da autorida<strong>de</strong> julgadora <strong>de</strong> que trata o parágrafo único do art. 168 da<br />
Lei nº 8.112/90.<br />
Pois bem, a Portaria 107, do Ministro <strong>de</strong> Estado do Planejamento, Orçamento<br />
e Gestão, mostrou-se singela, nela se consignou apenas (fl. 54):<br />
Demitir João Nepomuceno <strong>de</strong> Faria Pereira, Matrícula SIAPE nº 1178717, Engenheiro,<br />
Classe C, Padrão III, do Quadro <strong>de</strong> Pessoal da extinta Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
da Amazônia – SUDAM, por valer-se do cargo para lograr proveito para outrem,<br />
proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sidiosa, ter conduta ímproba e provocar lesão aos cofres públicos,<br />
consistentes na elaboração do Laudo <strong>de</strong> Fiscalização nº <strong>204</strong>/97, on<strong>de</strong> atestou, com relação ao<br />
Projeto Superfrigo Indústria e Comércio S.A., a implantação total do projeto com relação ao<br />
item Máquinas e Equipamentos, quando o constatado pela perícia da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Mato<br />
Grosso era <strong>de</strong> apenas 16,72% (<strong>de</strong>zesseis vírgula setenta e dois por cento), bem como por não
702<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
ter proposto a suspensão do projeto conforme dispõe o art. 44, § 6º, da Resolução Sudam/<br />
Con<strong>de</strong>l nº 7.077/91, observando-se, em conseqüência, as disposições dos arts. 136, 137 e seu<br />
parágrafo único, da Lei nº 8.112/90.<br />
O ato surgiu simplesmente conclusivo, <strong>de</strong>le não constando a motivação<br />
que teria levado ao <strong>de</strong>sprezo do relatório da comissão disciplinar. A contrarieda<strong>de</strong><br />
ao art. 168 da Lei 8.112/90 é flagrante, conforme propugnado no parecer da<br />
Procuradoria-Geral da República.<br />
Da ciência do ato pelo Impetrante.<br />
Há aqui algo que se baseia no que seria a falta <strong>de</strong> ciência pessoal do ato.<br />
O próprio Impetrante admite que <strong>de</strong>le tomou conhecimento via veiculação no<br />
Diário Oficial. Em síntese, mesmo que não haja ocorrido a ciência pessoal, o Impetrante<br />
teve conhecimento do ato e manuseou, quase imediatamente, o mandado<br />
<strong>de</strong> segurança – a publicação aconteceu em 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002 e a impetração<br />
foi formalizada em 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2002. Improce<strong>de</strong> esta causa <strong>de</strong> pedir em termos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ferimento da or<strong>de</strong>m.<br />
Da falta <strong>de</strong> acesso aos autos do processo.<br />
Também aqui não há concretu<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> conduzir à insubsistência do que<br />
<strong>de</strong>cidido. Po<strong>de</strong> o Impetrante articular sobre a falta <strong>de</strong> fundamento do ato atacado,<br />
levando em consi<strong>de</strong>ração, logicamente, o que contido no processo administrativo.<br />
Na espécie, no entanto, o Impetrante não teve qualquer prejuízo com o fato<br />
<strong>de</strong> o processo encontrar-se em Brasília, cabendo consignar que cumpre o acompanhamento<br />
junto ao órgão que o <strong>de</strong>tenha.<br />
Provejo o recurso interposto para assentar a insubsistência do ato que implicou<br />
a <strong>de</strong>missão do Impetrante, com as conseqüências próprias, ou seja, a respectiva<br />
reintegração com o pagamento da remuneração alusiva ao período em que esteve<br />
afastado em <strong>de</strong>corrência do ato ora glosado. Com esta <strong>de</strong>cisão não fica obstaculizado<br />
o exame do relatório da comissão disciplinar pela autorida<strong>de</strong> competente.<br />
DEBATE<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Esse capítulo é absolutamente<br />
prejudicial. Se a Turma enten<strong>de</strong>r que há incompetência do Presi<strong>de</strong>nte da<br />
República, acabou.<br />
Apenas recordo o meu voto – creio que a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro<br />
Ricardo Lewandowski não participaram <strong>de</strong>ste julgamento; o Ministro Carlos<br />
Britto, sim –, que foi o seguinte:<br />
Resta analisar o ponto central do recurso, que é a inconstitucionalida<strong>de</strong> do Decreto<br />
3.035/99, que dispôs:<br />
Art. 1º Fica <strong>de</strong>legada competência aos Ministros <strong>de</strong> Estado e ao Advogado-Geral da<br />
União, vedada a sub<strong>de</strong>legação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Fe<strong>de</strong>ral<br />
direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as<br />
disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do<br />
órgão <strong>de</strong> assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:
R.T.J. — <strong>204</strong> 703<br />
I – julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalida<strong>de</strong>s, nas hipóteses<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão e cassação <strong>de</strong> aposentadoria ou disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servidores;<br />
II – exonerar <strong>de</strong> ofício os servidores ocupantes <strong>de</strong> cargos <strong>de</strong> provimento efetivo ou<br />
converter a exoneração em <strong>de</strong>missão;<br />
(...)<br />
O parágrafo único do art. 84 da Constituição dispõe que o Presi<strong>de</strong>nte da República<br />
po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV – primeira parte – aos<br />
Ministros <strong>de</strong> Estado.<br />
Alega-se que a competência <strong>de</strong> prover cargos públicos fe<strong>de</strong>rais (primeira parte do<br />
inciso XXV do art. 84 da CF) não abrangeria a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprovê-los.<br />
A argüição não proce<strong>de</strong>.<br />
A atribuição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprover os cargos públicos da estrutura do Po<strong>de</strong>r Executivo se<br />
contém implicitamente na atribuição presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> provê-los: do contrário, a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
menor hierarquia – ministro <strong>de</strong> Estado – “a quem se outorgasse a primeira” – a <strong>de</strong> prover –<br />
<strong>de</strong>teria o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer, com o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprovimento, os efeitos do provimento reservado<br />
ao chefe da Administração Fe<strong>de</strong>ral.<br />
O tema já foi enfrentado pela Primeira Turma no RMS 24.079, <strong>de</strong> 5-2-02, Relatora a<br />
em. Ministra Ellen Gracie (DJ <strong>de</strong> 13-3-02), no qual se <strong>de</strong>clarou válida a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> servidor<br />
por meio <strong>de</strong> portaria <strong>de</strong> ministro <strong>de</strong> Estado.<br />
Naquele caso, acentuara o parecer do Ministério Público:<br />
“Ora, a competência para prover cargo público, prevista na parte inicial do art.<br />
84, inciso XXV, da CF/88 <strong>de</strong>ve ser entendida em seu sentido amplo, <strong>de</strong> modo abranger<br />
também a <strong>de</strong>missão, sendo certo, por outro lado, que, a não ser assim, isto é, não sendo<br />
da competência privativa do Presi<strong>de</strong>nte da República o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão, nem mesmo<br />
seria possível apontá-la como in<strong>de</strong>legável, tendo em vista o disposto no Parágrafo<br />
Único do referido artigo da Carta Magna, o que, <strong>de</strong> qualquer sorte, levaria à conclusão<br />
no sentido da legitimida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>legação.”<br />
E prossegui:<br />
É válida a portaria do Ministro <strong>de</strong> Estado da Justiça (Portaria 1.039, <strong>de</strong> 23-11-00, DOU<br />
<strong>de</strong> 24-11-00) que – à luz do Decreto 3.035/99 – <strong>de</strong>mitiu o Recorrente do cargo <strong>de</strong> Policial<br />
Rodoviário Fe<strong>de</strong>ral.<br />
De tudo, nego provimento ao recurso (...)<br />
O Ministro Marco Aurélio dissentiu. Tivemos, então, o <strong>de</strong>bate acalorado,<br />
mas cordial, sobre se existia ou não, à compreensão do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprover cargos<br />
públicos, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação.<br />
(...) Caso contrário, não há como resolver o problema <strong>de</strong> atribuição. Se não é do Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República, <strong>de</strong> quem seria?<br />
Disse o Ministro Marco Aurélio:<br />
Não estou assentando que não caberia ao Presi<strong>de</strong>nte da República. Ao contrário. Se<br />
gloso a atuação do Ministro <strong>de</strong> Estado é porque uma autorida<strong>de</strong> superior <strong>de</strong>veria praticar esse<br />
ato. E aí é o Presi<strong>de</strong>nte da República, por coerência.<br />
Então, eu disse:<br />
Com base em que inciso do art. 84 da Constituição? No XXV?<br />
E continuamos nessa toada.
704<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Ministro Marco Aurélio, hoje, parte da lei, mas, se fosse necessária lei<br />
para atribuir ao Presi<strong>de</strong>nte da República o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprover, ainda assim, seria<br />
ela <strong>de</strong>legável, na base do parágrafo único do art. 84 da Constituição.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Presi<strong>de</strong>nte. Admito que a Lei<br />
8.112/90 atribui a ele, como ao Procurador-Geral da República, aos Presi<strong>de</strong>ntes<br />
dos Tribunais e das Casas Legislativas.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Sim, perfeito. A meu ver,<br />
apenas explicitando que já se encontrava na Constituição, são exatamente as<br />
autorida<strong>de</strong>s: o Presi<strong>de</strong>nte da República, os Presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ambas as Casas do<br />
Congresso Nacional, os Presi<strong>de</strong>ntes dos Tribunais Fe<strong>de</strong>rais e o Procurador-Geral<br />
da República que, dada autonomia administrativa ou in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r que<br />
dirigem, têm não só a competência <strong>de</strong> prover os cargos, como, em conseqüência,<br />
a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprovê-los nos termos da lei.<br />
Peço vênia, portanto, ao Ministro Marco Aurélio, para – o julgamento prosseguirá<br />
–, neste ponto, recusar o vício <strong>de</strong> incompetência, que, creio, <strong>de</strong>va ser <strong>de</strong>stacado.<br />
VOTO<br />
(Sobre questão prejudicial)<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, eu já até trabalhei muito<br />
com esta matéria nos dois pontos ressaltados pelo Ministro Marco Aurélio.<br />
Essa é uma discussão que tem se<strong>de</strong>, inclusive, wdoutrinária. Porém, o<br />
que se conclui, em geral, no âmbito da administração pública, e os dados que o<br />
Ministro Presi<strong>de</strong>nte enfatizou são dois pontos: primeiro, se não houvesse a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> competência <strong>de</strong>legada, neste caso, não teria como se fazer nessas<br />
comissões no âmbito do Ministério, porque, inclusive, os recursos previstos pela<br />
Lei 9.784 são todos <strong>de</strong> competência da autorida<strong>de</strong> superior para tomar a <strong>de</strong>cisão<br />
final – isso é feito sempre em todos os ministérios; o segundo ponto enfatizado<br />
é o que ressalta, exatamente, que a Constituição não se manifesta expressamente<br />
sobre o <strong>de</strong>sprovimento. Por isso, temos <strong>de</strong> interpretar como se contivesse naquela<br />
forma <strong>de</strong> provimento no qual ocorrerá o <strong>de</strong>sprovimento, ou seja, um novo provimento<br />
que, se for o caso, se fará mediante <strong>de</strong>legação.<br />
Também peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para acompanhar o voto<br />
<strong>de</strong> V. Exa.<br />
VOTO<br />
(Sobre questão prejudicial)<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, peço vênia ao<br />
Ministro Marco Aurélio, e aqui me valho do art. 84, inciso II, que diz:<br />
Art. 84. Compete privativamente ao Presi<strong>de</strong>nte da República:<br />
II – exercer, com o auxílio dos Ministros <strong>de</strong> Estado, a direção superior da administração<br />
fe<strong>de</strong>ral;
R.T.J. — <strong>204</strong> 705<br />
Administrar superiormente – se é assim que se po<strong>de</strong> dizer – a administração<br />
fe<strong>de</strong>ral significa não só prover, como <strong>de</strong>sprover, admitir e <strong>de</strong>mitir.<br />
Portanto, com todas as vênias, acompanho entendimento da Corte para<br />
admitir a <strong>de</strong>legação.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Mas há, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão<br />
do Plenário, a que me referi, MS 24.128, que V. Exa. já havia se referido, a ...<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E por mim, também, citada no<br />
voto, Presi<strong>de</strong>nte, por um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao prece<strong>de</strong>nte do Plenário. Transcrevi<br />
a ementa.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Claro, V. Exa. não só citou<br />
como leu a ementa. Há, <strong>de</strong>pois disso, <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sta Turma, da lavra do Ministro<br />
Carlos Britto.<br />
VOTO<br />
(Sobre questão prejudicial)<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, há <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sta Turma, da<br />
minha lavra, em que nós <strong>de</strong>cidimos que a competência para nomear incorpora a<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>snomear, ou, na linguagem da Constituição, a competência <strong>de</strong> prover incorpora,<br />
logicamente, a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprover.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): A gran<strong>de</strong> polêmica do<br />
início do governo Jânio Quadros, que envolvia outros problemas, porque se tratava<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> dirigentes autárquicos, mas o título da separata do parecer<br />
do meu saudoso professor Caio Mário, então Consultor-Geral da República, foi<br />
exatamente isto: o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir implícito no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> nomear.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem mais <strong>de</strong>longas, também entendo a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República fazer <strong>de</strong>legações do gênero. Portanto, fica<br />
superada a questão da incompetência.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presi<strong>de</strong>nte, posso prosseguir,<br />
porque a questão também é prejudicial?<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Esta também é uma prejudicial.<br />
Isso não foi precedido <strong>de</strong> parecer do Ministério?<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Foi, ele não compareceu.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Isso, também, me chamou atenção,<br />
eminente Relator. Havia um parecer da Consultoria Jurídica do Ministério.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não existe referência. Penso que<br />
<strong>de</strong>veria haver ato específico do Ministro subscrevendo o parecer.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É como se ele absorvesse o parecer, implicitamente.
706<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Imagino que o Ministro, nos seus<br />
<strong>de</strong>spachos, a mancheias, talvez, adote esse procedimento, ou seja, ele torna seu o<br />
parecer da Consultoria Jurídica.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Antes da <strong>de</strong>legação, quando<br />
a competência era do Presi<strong>de</strong>nte da República, essa seria uma sentença maior<br />
do que a do Tocantins. Simplesmente, o Presi<strong>de</strong>nte assinava, referindo-se ao processo<br />
tal, em que havia toda fundamentação da Consultoria-Geral da República.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ainda hoje é o que acaba acontecendo em algumas<br />
informações, por exemplo, subscrevo às informações preparadas e tal e motiva.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): A unipessoalida<strong>de</strong> do<br />
Po<strong>de</strong>r Executivo é uma gloriosa ficção.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Tenho convencimento a respeito<br />
da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o próprio ato reportar-se, haver remissão, no próprio ato, à<br />
peça técnica, a qual nem examinei, no caso, para ver se realmente é conclusiva<br />
quanto a uma pena mais grave do que aquela proposta pela comissão, a peça<br />
técnica da Procuradoria do Ministério. Simplesmente consi<strong>de</strong>rei a existência do<br />
ato, e por exigir a referência explícita à subscrição da peça técnica, concluo que<br />
não há a indispensável fundamentação.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Porque, na verda<strong>de</strong>, a motivação compõe o<br />
ato administrativo hoje. Todo ato administrativo tem <strong>de</strong> ser motivado, senão não<br />
há como fazer o controle.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Essa discussão, o Ministro<br />
Marco Aurélio, pela anotação que eu tinha <strong>de</strong> um caso.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Não há como fazer o controle <strong>de</strong> ato administrativo<br />
sem ter a motivação.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Sem dúvida. Agora, estou<br />
dizendo que essa motivação per relationen, explícita ou não, é difícil afirmar, até<br />
on<strong>de</strong> conheço a rotina da administração é o seguinte: vai esse parecer, o Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República ou o Ministro da Justiça aprova, o Ministro <strong>de</strong>legatário aprova e aí<br />
baixa o ato.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, mas o que o Ministro Marco Aurélio<br />
está chamando a atenção, Presi<strong>de</strong>nte, é que normalmente há uma referência, e,<br />
neste caso, o ato, tal como foi lido, aqui, arrola o porquê da apenação superior sem<br />
sequer haver referência à Consultoria.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Interessante, o que me impressiona é<br />
que os fatos imputados ao Impetrante, em tese, são muito graves, gravíssimos, e<br />
justamente em uma seara em que há muitos casos, aqui, sob a apreciação do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Então, os fatos são graves, há, no parecer do Ministério<br />
Público, uma referência <strong>de</strong> que o Ministro teria adotado o parecer da Consultoria<br />
Jurídica como fundamento <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão e, além disso, acresceu.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Agora, a Procuradoria, no<br />
Supremo, também é pelo provimento do recurso?
R.T.J. — <strong>204</strong> 707<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Pelo menos, registrei que o parecer<br />
é pelo <strong>de</strong>ferimento. Agora, então, tem-se peça que encerra uma incongruência.<br />
Ao mesmo tempo se diz que houve a remissão e se conclui pela ausência <strong>de</strong> fundamentação.<br />
Qual seria, então, o teor do parecer da Procuradoria, do Ministério<br />
e do setor jurídico do Ministério.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O que há, aqui, é uma referência que o Procurador<br />
faz à <strong>de</strong>cisão do Superior Tribunal:<br />
O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça não conheceu do mandado <strong>de</strong> segurança por enten<strong>de</strong>r<br />
ausente o direito líquido e certo (...). Concluiu, ainda, que, “no parecer da Consultoria Jurídica<br />
do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, há suficiente fundamentação para se<br />
aplicar a punição ao servidor”, ora recorrente, e que a autorida<strong>de</strong> adotou como seus os motivos<br />
expostos na referida manifestação, razão pela qual não carecia reproduzi-la. O e. Tribunal,<br />
entretanto, facultou à parte o uso das vias ordinárias.<br />
Então, o Superior Tribunal disse que, como há essa referência, o direito líquido<br />
e certo não está patenteado, restam as vias ordinárias para provar que aquilo<br />
que foi alegado, portanto, no ato, não seria suficiente. Penso que é isso.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa foi a fundamentação do Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça?<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim. O recurso é contra a <strong>de</strong>negação da<br />
or<strong>de</strong>m lá.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Sim, mas a Procuradoria-Geral,<br />
aqui, já não estou falando daquele parecer entusiasmado que teve<br />
até recurso extraordinário, mas do parecer, aqui, que foi pelo provimento do<br />
recurso.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Foi pelo conhecimento do recurso e pelo<br />
seu provimento, acatando, portanto, que não havia fundamentação. Mas ele<br />
encarece que apenas adotou, ou seja, a autorida<strong>de</strong> apenas adotou o parecer da<br />
Consultoria Jurídica do Ministério como fundamentação <strong>de</strong> seu julgamento, adotando<br />
os motivos expostos naquela manifestação.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse parecer está dito que “há suficiente<br />
fundamentação para se aplicar a punição ao servidor”.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Como ele mesmo reconhece. Mas a Procura<br />
doria da República, também, conclui, no final, isso.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Pela leitura do voto do eminente<br />
Relator, parece que o Ministro ainda acresceu outros fundamentos ao parecer da<br />
Consultoria.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Deve ser um resumo.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A premissa <strong>de</strong> meu voto é que a<br />
<strong>de</strong>cisão do Ministro teria que conter remissão à peça jurídica.
708<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Quando Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />
o <strong>de</strong>creto só faz remissões aos dispositivos. Agora, ele era precedido <strong>de</strong><br />
uma prova do Presi<strong>de</strong>nte da República no seu órgão <strong>de</strong> consultoria.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Esse parecer acabava integrando o próprio<br />
ato, que seria a exposição dos motivos.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não é incomum essa prática, aliás<br />
é generalizada. Às vezes se faz remissão a folhas tais, outras se adota o parecer,<br />
outras ainda acrescesse algo, porque o processo é um continuum, contém provas,<br />
dados, elementos que culminam numa <strong>de</strong>cisão administrativa, e toda <strong>de</strong>cisão administrativa<br />
se reporta às peças que integram os autos, assim como nas <strong>de</strong>cisões<br />
judiciais.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Pietro Virga diz que a <strong>de</strong>cisão é um ato central<br />
e conclusivo <strong>de</strong> todas as fases anteriores do processo. Tudo culmina com a <strong>de</strong>cisão,<br />
que absorve. Aí houve uma absorção expressa <strong>de</strong> fundamentação contida no<br />
parecer da Consultoria Jurídica.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Aqui não vale a idéia dos atos enca<strong>de</strong>ados.<br />
Na verda<strong>de</strong>, teríamos que admitir, então, que a motivação foi acolhida.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Esse parecer da Consultoria<br />
consta dos autos?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não sei, Presi<strong>de</strong>nte, teria que ver,<br />
porque, no voto, me contentei – não imaginando que o Tribunal viria a valorizar<br />
uma referência implícita – com os contornos do próprio ato. Estou pegando o<br />
processo justamente para ver.<br />
Nas informações prestadas ao Relator no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a<br />
Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento consignou que:<br />
A motivação da <strong>de</strong>missão, objeto da insurgência do Impetrante, consta da própria<br />
Portaria/MP nº 107 (DOU <strong>de</strong> 21/3/2002), sendo resultante dos elementos <strong>de</strong> convicção dos<br />
autos, tais como as provas coligidas e o parecer jurídico, exarado nos termos do art. 1º, inciso<br />
I, do Decreto nº 3.035, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1999. Registre-se que, in casu, a Portaria Ministerial,<br />
tal qual ocorreu na hipótese examinada no MS 7.279/DF acima citado, também encampou<br />
[teria encampado <strong>de</strong> forma implícita] as razões expostas no parecer da Consultoria Jurídica<br />
(Parecer/Conjur/VD/MP Nº 0195-3.9/2002), o qual, <strong>de</strong>vidamente fundamentado e motivado,<br />
sugeriu a aplicação da pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão, cópia em anexo, verbis: (...)<br />
E transcreve. Para aqueles que admitem a referência implícita.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, o ato <strong>de</strong>missório faz referência explicita,<br />
é isso?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Excelência, não coloque na<br />
boca do Relator o que ele não disse.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presi<strong>de</strong>nte): Não. O Relator leu, realmente<br />
não há referência. O que po<strong>de</strong> haver e é muito comum.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Nas informações prestadas ao Relator,<br />
Ministro Fontes <strong>de</strong> Alencar, afirmou-se que o ato se baseou nas manifestações.
R.T.J. — <strong>204</strong> 709<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Nas informações prestadas, não no ato <strong>de</strong>missório.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Cumpre <strong>de</strong>finir se há necessida<strong>de</strong><br />
ou não. Para mim, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> endosso.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou o ato <strong>de</strong>missório contém a fundamentação<br />
bastante, ou, no mínimo, tem <strong>de</strong> fazer referência a um parecer jurídico que contenha<br />
essa fundamentação.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RMS 25.736/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: João<br />
Nepomuceno <strong>de</strong> Faria Pereira (Advogados: Maria Virgínia Leite Maia e outros).<br />
Recorrida: União (Advogado: Advogado-Geral da União).<br />
Decisão: A Turma, por unanimida<strong>de</strong>, rejeitou os outros fundamentos da<br />
impetração, salvo o <strong>de</strong> incompetência do Ministro do Planejamento, no ponto,<br />
por maioria, vencido o Relator. Em seguida, após o voto do Relator, que igualmente<br />
dava provimento ao recurso por falta <strong>de</strong> motivação do ato coator, pediu<br />
vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski. Falou pelo Recorrente o Dr.<br />
Ângelo Carrascosa.<br />
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />
Marco Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.<br />
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira <strong>de</strong> Almeida.<br />
Brasília, 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se <strong>de</strong> recurso ordinário em<br />
mandado <strong>de</strong> segurança, interposto por João Nepomuceno <strong>de</strong> Faria Pereira, em<br />
face <strong>de</strong> acórdão proferido pela Terceira Seção do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
(fls. 621-637) que não conheceu do writ impetrado contra ato do Ministro <strong>de</strong><br />
Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, consubstanciado na Portaria 107,<br />
a qual <strong>de</strong>mitiu o Recorrente do quadro <strong>de</strong> pessoal da extinta Superintendência<br />
para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), por valer-se ele do cargo em<br />
proveito <strong>de</strong> outrem, proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sidiosa, ostentar conduta ímproba e<br />
provocar lesão aos cofres públicos.<br />
Sustenta, em suma, que o STJ <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> analisar o recurso à luz da Lei<br />
8.112/90, por enten<strong>de</strong>r que o exame da matéria envolvia a análise <strong>de</strong> prova.<br />
Alega, no entanto, que foi arrolado como “acusado” em processo administrativo<br />
instaurado para a apuração <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s em projetos incentivados<br />
pela Finam, e que a Comissão Processante, após listar os dispositivos legais por<br />
ele alegadamente transgredidos, sugeriu que lhe fosse aplicada a pena <strong>de</strong> suspensão<br />
por 30 (trinta) dias.
710<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Na seqüência, “os autos foram encaminhados ao Ministro do Estado do Planejamento,<br />
Orçamento e Gestão, que (...) <strong>de</strong>cidiu acolher o parecer da Consultoria<br />
Jurídica <strong>de</strong> seu Ministério (Parecer nº 0195-3.9/2002) e aplicou a pena expulsória<br />
ao recorrente” (grifos no original – fl. 672).<br />
Inconformado, impetrou mandado <strong>de</strong> segurança contra tal <strong>de</strong>cisão, alegando,<br />
em síntese, que:<br />
1 – o impetrante surpreen<strong>de</strong>u-se com a <strong>de</strong>cisão do Sr. Ministro <strong>de</strong> Estado, uma vez que<br />
o mesmo não é competente para <strong>de</strong>mitir servidores públicos;<br />
2 – houve nulida<strong>de</strong> no termo <strong>de</strong> notificação inicial, vez que o mesmo não indica quais<br />
as acusações que o impetrante <strong>de</strong>veria se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r;<br />
3 – a comissão processante proibiu acesso dos acusados e advogados a todos os <strong>de</strong>poimentos<br />
assim como proibiu estes <strong>de</strong> efetuarem perguntas a seus constituintes;<br />
4 – houve nulida<strong>de</strong> no termo <strong>de</strong> indiciamento, vez que houve um aumento no raio <strong>de</strong><br />
acusação (se assim po<strong>de</strong>mos chamar a notificação inicial), além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar as provas<br />
apresentadas nos autos;<br />
5 – o impetrante não foi notificado pessoalmente da <strong>de</strong>cisão;<br />
6 – não houve fundamentação na <strong>de</strong>cisão do Sr. Ministro sobre a pena aplicada;<br />
7 – não há acesso aos autos do processo, posto que se encontram em Brasília/DF fora<br />
da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> o impetrante e a mesma é lotada (sic);<br />
8 – falta <strong>de</strong> análise pelo Ministro e pela Comissão sobre a tese <strong>de</strong> prescrição levantada<br />
na <strong>de</strong>fesa do processo administrativo (fl. 34);<br />
9 – <strong>de</strong>ficiência na formação da comissão;<br />
10 – <strong>de</strong>srespeito ao princípio constitucional do acusado permanecer calado;<br />
11 – falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> para quesitos e assistente técnico em perícia realizada pela<br />
comissão.<br />
(Grifos no original – fl. 673.)<br />
Assevera, ainda, que não foi observado o princípio da proporcionalida<strong>de</strong><br />
na dosimetria da pena, conforme <strong>de</strong>termina a Lei 9.784/99, aduzindo que a autorida<strong>de</strong><br />
impetrada somente po<strong>de</strong>ria aplicar sanção mais severa do que a sugerida<br />
pela Comissão Processante caso o seu relatório contrariasse as provas dos autos,<br />
a teor do que dispõe o art. 168 da Lei 8.112/90.<br />
Pe<strong>de</strong>, ao final, sua reintegração ao cargo <strong>de</strong> engenheiro, que ocupava nos<br />
quadros da entida<strong>de</strong> que suce<strong>de</strong>u a extinta Sudam, bem assim o pagamento <strong>de</strong><br />
todos os salários <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento <strong>de</strong> sua exoneração até a data da <strong>de</strong>cisão judicial,<br />
com a incorporação das respectivas vantagens e <strong>de</strong>mais verbas cabíveis,<br />
tudo atualizado monetariamente (fl. 685).<br />
O recurso foi admitido pelo Vice-Presi<strong>de</strong>nte do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
(fl. 704).<br />
A União apresentou suas contra-razões (fls. 822-830), afirmando que, “ao<br />
contrário do que alega, não houve inobservância da razoabilida<strong>de</strong> e proporcionalida<strong>de</strong><br />
na aplicação da penalida<strong>de</strong> ao servidor”.<br />
Acrescenta, ainda, que o “ato <strong>de</strong>missório foi <strong>de</strong>vidamente fundamentado,<br />
porquanto baseado nos fatos e provas coligidos ao longo do PAD e reforçado<br />
pelo Parecer Jurídico emitido pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento,<br />
Orçamento e Gestão”.
R.T.J. — <strong>204</strong> 711<br />
Diz, mais, que as conclusões a que chegou o Ministro <strong>de</strong> Estado, “como<br />
consta na ementa da referida Portaria Ministerial, levou em conta ‘o Processo<br />
Administrativo Disciplinar nº 59430.000887/2001-16 e apensos e o Parecer/MP/<br />
Conjur/RBC/nº 0195-3.9/2002’.”<br />
E arremata, sublinhando que, “ao apor seu ‘aprovo’ (fl. 438) no parecer retro,<br />
o Exmo. Sr. Ministro <strong>de</strong> Estado fez também <strong>de</strong>le suas razões <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir”.<br />
Às fls. 841-847, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo conhecimento<br />
e provimento do recurso.<br />
Em sessão realizada em 17-4-07, Primeira Turma,<br />
por unanimida<strong>de</strong>, rejeitou os outros fundamentos da impetração, salvo o <strong>de</strong> incompetência<br />
do Ministro do Planejamento, no ponto, por maioria, vencido o Relator. Em seguida,<br />
após o voto do Relator, que igualmente dava provimento ao recurso por falta <strong>de</strong> motivação do<br />
ato coator, pedi vista dos autos.<br />
É o relatório.<br />
Este é o teor do ato atacado:<br />
O Ministro <strong>de</strong> Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, no uso <strong>de</strong> suas atribuições<br />
legais, consi<strong>de</strong>rando o disposto no art. 1º, inciso I, do Decreto nº 3.035, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1999,<br />
e <strong>de</strong> acordo com os arts. 117, incisos IX e XV, 132, incisos IV, X e XIII, da Lei 8.112, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1990, e tendo em vista o que consta do Processo Administrativo Disciplinar nº<br />
59430.000887/2001-16 e apensos e do Parecer/MP/Conjur/VD/nº 0195-3.9/2002, resolve:<br />
Nº 107 – Demitir João Nepomuceno <strong>de</strong> Faria Pereira, Matrícula Siape nº 1178717, Engenheiro,<br />
Classe C, Padrão III, do Quadro <strong>de</strong> Pessoal da extinta Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
da Amazônia – SUDAM, por valer-se do cargo para lograr proveito para outrem, proce<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sidiosa, ter conduta ímproba e provocar lesão aos cofres públicos, consistentes na<br />
elaboração do Laudo <strong>de</strong> Fiscalização nº <strong>204</strong>/97, on<strong>de</strong> atestou, com relação ao Projeto Superfrigo<br />
Indústria e Comércio S.A., a implantação total do projeto em relação ao item Máquinas e Equipamentos,<br />
quando o constatado pela perícia da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Mato Grosso era <strong>de</strong> apenas<br />
16,72% (<strong>de</strong>zesseis vírgula setenta e dois por cento), bem como por não ter proposto a suspensão<br />
do projeto conforme dispõe o art. 44, § 6º, da Resolução Sudam/Con<strong>de</strong>l nº 7.077/91, observandose,<br />
em conseqüência, as disposições dos art. 136, 137 e seu parágrafo único, da Lei 8.112, <strong>de</strong> 1990.<br />
(Sem grifos no original.)<br />
Por sua vez, o Parecer/MP/Conjur/VD/nº 0195-3.9/2002, a que se reporta o<br />
ato impugnado, apresenta a seguinte ementa (fl. 419):<br />
Processo administrativo disciplinar. Relatório contrário às provas dos autos. Agravamento<br />
<strong>de</strong> punição. Demissão. Conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União. Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM.<br />
À fl. 438, consta o seguinte <strong>de</strong>spacho subscrito pela autorida<strong>de</strong> havida<br />
como coatora, inserido no corpo do parecer elaborado pela Consultoria Jurídica<br />
daquele Ministério:<br />
Aprovo o presente parecer e acolho a fundamentação nele exposta como fundamentação<br />
do julgamento. Expeçam-se os atos inerentes, com as providências administrativas<br />
sugeridas.
712<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Em questão análoga, que tratava da motivação <strong>de</strong> ato <strong>de</strong>missório, esta Corte<br />
<strong>de</strong>cidiu, no julgamento do MS 25.518, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence,<br />
o seguinte:<br />
I – Presi<strong>de</strong>nte da República: competência para prover cargos públicos (CF, art. 84,<br />
XXV, primeira parte), que abrange a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprovê-los, a qual, portanto, é susceptível <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação<br />
a ministro <strong>de</strong> Estado (CF, art. 84, parágrafo único): valida<strong>de</strong> da portaria do Ministro<br />
<strong>de</strong> Estado que, no uso <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>legada, aplicou a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão ao Impetrante.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
II – Mandado <strong>de</strong> segurança: inviabilida<strong>de</strong> da apreciação dos fundamentos da <strong>de</strong>cisão<br />
que aplicou a pena administrativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão, pois oriunda <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> não submetida à<br />
competência do Supremo Tribunal (CF, art. 102, I, d): incidência da Súmula 510 (“Praticado<br />
o ato por autorida<strong>de</strong> no exercício <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>legada, contra ela cabe o mandado <strong>de</strong><br />
segurança ou a medida judicial”).<br />
III – Servidor público: <strong>de</strong>missão: motivação suficiente do ato administrativo.<br />
1. Nada impe<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> competente para a prática <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> motivá-lo<br />
mediante a remissão aos fundamentos <strong>de</strong> parecer ou relatório conclusivo elaborado por autorida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> menor hierarquia (AI 237.639-AgR, Primeira Turma, Pertence, DJ <strong>de</strong> 19-11-99).<br />
2. Indiferente que o parecer a que se remete a <strong>de</strong>cisão também se reporte a outro parecer:<br />
o que importa é que haja a motivação eficiente – na expressão <strong>de</strong> Baleeiro, controlável<br />
a posteriori.<br />
3. A<strong>de</strong>mais, no caso, há, no parecer utilizado pela autorida<strong>de</strong> coatora como razão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cidir, fundamento relativo à intempestivida<strong>de</strong> do recurso, suficiente para inviabilizá-lo, o<br />
que dispensa a apreciação das questões suscitadas pelo Impetrante.<br />
(Sublinhei.)<br />
Destaco, por oportuno, o seguinte trecho do voto do Relator no mencionado<br />
mandado <strong>de</strong> segurança:<br />
9. Ora, é pacífico que o ato administrativo – mormente o <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão – <strong>de</strong>ve ser motivado,<br />
a fim <strong>de</strong> possibilitar o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa do servidor <strong>de</strong>mitido pelos meios<br />
processuais cabíveis.<br />
10. Contudo, “nada impe<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> competente para a prática <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong><br />
motivá-lo mediante remissão aos fundamentos do parecer ou relatório conclusivo elaborado,<br />
(...), por autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> menor hierarquia” (AI 237.639-AgR, Primeira Turma, Sepúlveda<br />
Pertence, DJ <strong>de</strong> 19-11-99).<br />
11. Essa remissão, conhecida na doutrina como motivação não contextual 1 , não resulta<br />
em falta <strong>de</strong> motivação do ato administrativo.<br />
12. Nesse sentido, <strong>de</strong>staco do parecer elaborado por Moreira Alves, na função <strong>de</strong><br />
Procurador-Geral da República, em mandado <strong>de</strong> segurança da relatoria do saudoso Ministro<br />
Aliomar Baleeiro (MS 20.012, j. 11-12-74, RTJ 73/732), cujos fundamentos foram adotados<br />
como razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir:<br />
“A motivação visa a dar conhecimento ao particular dos motivos que levaram a<br />
autorida<strong>de</strong> a realizar o ato administrativo. Seria inadmissível sustentar que ela inexistiria<br />
pelo fato <strong>de</strong>, num <strong>de</strong>spacho, que se refira a um parecer motivado ou que se exare<br />
numa exposição <strong>de</strong> motivos (que como o nome mesmo indica é motivada), seu autor<br />
não repetir os motivos contidos no parecer ou na exposição. Sob essa alegação, chegarse-ia<br />
ao absurdo <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r que a <strong>de</strong>cisão consubstanciada num aprovo exarado<br />
numa proposta <strong>de</strong> providência administrativa, <strong>de</strong>vidamente motivada, seria nula se não<br />
repetisse todos os argumentos da proposta.”<br />
1 FRAGOLA, Umberto. Gli atti amministrativi. 2. ed. Napoli, 1964. p. 33/34: “La motivazione può<br />
essere contestuale o non contestuale, se contenuta in un altro atto a cui si fa riferimento.”
R.T.J. — <strong>204</strong> 713<br />
13. Concluiu o mestre Aliomar Baleeiro, mais adiante:<br />
“Logo, a falta <strong>de</strong> motivação expressa não é <strong>de</strong>feito se o motivo eficiente <strong>de</strong><br />
fato existe e po<strong>de</strong> ser controlado a posteriori. O importante, pois, é que exista <strong>de</strong> fato<br />
um motivo eficaz e suficiente, ainda que ele não seja manifestado, <strong>de</strong> começo, no ato.<br />
(...)<br />
A praxe do Brasil, em <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos, é que assim <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m concisamente os Presi<strong>de</strong>ntes<br />
da República, limitando-se, às vezes, a uma só palavra: ‘aprovo’, ‘<strong>de</strong>ferido’, etc.<br />
A situação é comparável à dos Acórdãos, que, por lei expressa, <strong>de</strong>vem ser<br />
fundamentados. Mas milhares <strong>de</strong>les se limitam a confirmar a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 1º grau ou<br />
mesmo reformá-la pelos fundamentos da Procuradoria-Geral da República, sem maior<br />
motivação.”<br />
14. Indiferente que o parecer a que se remete a <strong>de</strong>cisão também se reporte a outro parecer:<br />
o que importa é que haja a motivação eficiente – na expressão <strong>de</strong> Baleeiro –, controlável<br />
a posteriori.<br />
No caso sob exame, como se vê, o ato atacado faz referência expressa ao<br />
parecer da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e<br />
Gestão, adotando-o como razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />
Como tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observar, na sessão em que se iniciou o julgamento<br />
do presente recurso, o processo administrativo é um continuum, integrado por<br />
provas materiais, <strong>de</strong>poimentos pessoais, manifestações técnicas e outras informações,<br />
nos quais se lastreia a <strong>de</strong>cisão final da autorida<strong>de</strong> competente para prolatá-la.<br />
Não vejo, pois, qualquer irregularida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>missão do<br />
Recorrente, visto que a <strong>de</strong>cisão atacada levou em conta o parecer da Consultoria<br />
Jurídica que a recomendava, como também fez expressa menção aos fatos imputados<br />
ao Recorrente.<br />
Cumpre registrar, por oportuno, que, no RMS 24.537, sendo Relator o Ministro<br />
Carlos Velloso, em que se impugnava a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> outros servidores da<br />
Sudam, por ato da mesma autorida<strong>de</strong>, também sob a alegação da existência <strong>de</strong><br />
vícios no processo disciplinar instaurado para a apuração da prática <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong><br />
administrativa, a Segunda Turma <strong>de</strong>sta Corte <strong>de</strong>cidiu o seguinte:<br />
Constitucional. Administrativo. Servidor público: <strong>de</strong>missão.<br />
I – Demissão assentada em processo administrativo regular.<br />
II – Inocorrência <strong>de</strong> direito líquido e certo, que pressupõe fatos incontroversos apoiados<br />
em prova pré-constituída, não se admitindo dilação probatória.<br />
III – Recurso não provido.<br />
Destaco do voto do Ministro Relator o trecho abaixo:<br />
(...)<br />
Nesta Corte, oficiou a Procuradoria-Geral da República, parecer do ilustre Subprocurador-Geral,<br />
Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas, da seguinte forma:<br />
(...)<br />
“4. Quanto à suposta ausência <strong>de</strong> fundamentação do ato administrativo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>missão, além <strong>de</strong> a alegação se mostrar inconsistente quanto ao que consta das portarias<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão em si (v. peças <strong>de</strong> fls. 947, 948 e 949), o certo é que a autorida<strong>de</strong><br />
apontada como coatora também encampou os termos do Parecer/MP/Conjur/VPM/nº<br />
0136-3.3/2002, procedimento que encontra apoio na jurisprudência <strong>de</strong>sse Pretório<br />
(AI nº 237.639-5-AgR-SP, Rel. Exmo. Sr. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 19-11-99),
714<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
no sentido <strong>de</strong> que ‘nada impe<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> competente para a prática <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong><br />
motivá-lo mediante remissão aos fundamentos do parecer ou relatório conclusivo elaborado,<br />
como na espécie, por autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> menor hierarquia.”<br />
(...)<br />
Correto o parecer.<br />
A <strong>de</strong>missão dos Recorrentes assentou-se em processo administrativo regular e o ato<br />
<strong>de</strong>missório está <strong>de</strong>vidamente fundamentado, por isso que a autorida<strong>de</strong> reportou-se ao Parecer/<br />
MP/Conjur/VPM/nº 0136-3.3/2002, procedimento que, conforme bem registra o Ministério<br />
Público Fe<strong>de</strong>ral, encontra apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal: AI 237.639-AgR/SP,<br />
Relator o Ministro Sepúlveda Pertence.<br />
A questão, na verda<strong>de</strong>, não dispensa dilação probatória, pelo que não há falar em direito<br />
líquido e certo capaz <strong>de</strong> autorizar o <strong>de</strong>ferimento da segurança. Em caso semelhante, MS<br />
22.824/PA, por mim relatado, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal:<br />
“Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público: <strong>de</strong>missão.<br />
I – Demissão assentada em processo administrativo regular.<br />
II – Inocorrência <strong>de</strong> direito líquido e certo, que pressupõe fatos incontroversos<br />
apoiados em prova pré-constituída, não se admitindo dilação probatória.<br />
III – Mandado <strong>de</strong> segurança in<strong>de</strong>ferido.”<br />
(DJ <strong>de</strong> 28-5-99.)<br />
(...)<br />
Por todo o exposto, pelo meu voto, com as vênias <strong>de</strong> estilo, nego provimento<br />
ao recurso.<br />
ESCLARECIMENTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, apenas esclareço<br />
que – são vários os servidores da Sudam <strong>de</strong>mitidos por prática <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa<br />
– esse é um dos Recorrentes. No caso, o Ministro reportou-se, como<br />
eu já disse, a fatos, provas e <strong>de</strong>mais peças processuais para, então, fundamentar<br />
a sua <strong>de</strong>cisão. Data venia, tive entendimento diverso, no sentido <strong>de</strong> negar provimento<br />
ao recurso.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, o Ministro em causa, hierarca maior<br />
nesse processo administrativo, divergiu das conclusões da comissão do processo<br />
administrativo disciplinar, porém o fez fundamentadamente. Ele se remete a um<br />
parecer e adota como razões <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Então, o que enten<strong>de</strong> o voto <strong>de</strong> V. Exa.?<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Enten<strong>de</strong> que está fundamentada a<br />
<strong>de</strong>cisão administrativa. Há uma série <strong>de</strong> alegações.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, nesse caso, peço vênia a<br />
V. Exa. para acompanhar o voto do Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Já vai tempo que<br />
prolatei o voto e, na oportunida<strong>de</strong>, ressaltei que a Comissão propôs a suspensão<br />
<strong>de</strong> trinta dias e que o ato do Ministro <strong>de</strong> Estado do Planejamento, Orçamento e<br />
Gestão se mostrou apenas conclusivo ao consignar:
R.T.J. — <strong>204</strong> 715<br />
Demitir João Nepomuceno <strong>de</strong> Faria Pereira, Matrícula Siape nº 1178717, Engenheiro,<br />
Classe C, Padrão III, do Quadro <strong>de</strong> Pessoal da extinta Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
da Amazônia – SUDAM, por valer-se do cargo para lograr proveito para outrem, proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
forma <strong>de</strong>sidiosa, ter conduta ímproba e provocar lesão aos cofres públicos, consistentes na<br />
elaboração do Laudo <strong>de</strong> Fiscalização nº <strong>204</strong>/97, on<strong>de</strong> atestou, com relação ao Projeto Superfrigo<br />
Indústria e Comércio S.A., a implantação total do projeto com relação ao item Máquinas<br />
e Equipamentos, quando o constatado pela perícia da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Mato Grosso era <strong>de</strong><br />
apenas 16,72% (<strong>de</strong>zesseis vírgula setenta e dois por cento), bem como por não ter proposto<br />
a suspensão do projeto conforme dispõe o art. 44, § 6º, da Resolução Sudam/Con<strong>de</strong>l nº<br />
7.077/91, observando-se, em conseqüência, as disposições dos arts. 136, 137 e seu parágrafo<br />
único, da Lei nº 8.112/90.<br />
Então, asseverei – estou apenas esclarecendo por um <strong>de</strong>ver alusivo à função<br />
<strong>de</strong> relator, não para tentar convencer qualquer Colega – que o ato surgiu<br />
simplesmente conclusivo, <strong>de</strong>le não constando a motivação que teria levado ao<br />
<strong>de</strong>sprezo do relatório da comissão disciplinar. Fiz ver a flagrante contrarieda<strong>de</strong><br />
ao art. 168 da Lei 8.112/90, conforme propugnado no parecer da Procuradoria-<br />
Geral da República.<br />
A autorida<strong>de</strong> maior, ao <strong>de</strong>sprezar a proposta <strong>de</strong> punição formulada pela<br />
comissão disciplinar, <strong>de</strong>ve revelar, a teor do disposto no art. 168 da Lei 8.112/90,<br />
por que o faz.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> fato, estou acompanhando<br />
a leitura <strong>de</strong> V. Exa. e comprovo que o art. 168 está vazado nos seguintes<br />
termos:<br />
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às<br />
provas dos autos.<br />
Ou seja, há um vínculo lógico entre o julgamento e as conclusões do relatório,<br />
no sentido <strong>de</strong> que o julgamento ficará, como linha <strong>de</strong> princípio, como regra,<br />
preso ao relatório.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Estaria vinculado, Excelência. A não ser<br />
que ele se vincule a outro dado que seria a contrarieda<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Salvo quando contrário às provas dos autos. E<br />
o parágrafo único também me parece elucidativo.<br />
Art. 168. (...)<br />
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a<br />
autorida<strong>de</strong> julgadora po<strong>de</strong>rá, motivadamente, agravar a penalida<strong>de</strong> proposta, abrandá-la ou<br />
isentar o servidor <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Foi o caso.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Não, mas não motivou.<br />
Agravou sem dizer o porquê.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, eu digo agravamento, quanto à gravação?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Não, impôs a <strong>de</strong>missão,<br />
quando a proposta da comissão foi no sentido da suspensão. Demitiu<br />
o engenheiro. A premissa <strong>de</strong> meu voto – respeito o entendimento do Ministro
716<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Ricardo Lewandowski – penso que tem sintonia com o parágrafo. A autorida<strong>de</strong><br />
maior, para <strong>de</strong>sprezar o pronunciamento da comissão disciplinar, tem <strong>de</strong> motivar,<br />
tem <strong>de</strong> dizer por que o fez. Li o ato da autorida<strong>de</strong> maior e <strong>de</strong>le não consta qualquer<br />
motivação. Agora, não posso suplementar esse ato.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, data venia, lendo<br />
o mesmo ato, encontro fundamentação, porque, aqui, faz-se alusão ao fundamento<br />
legal, aos fatos.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Certamente, examinamos<br />
atos distintos, porque fiz questão <strong>de</strong> ler há pouco.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Pois é, mas não é isso. O Ministro<br />
<strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Planejamento e Gestão, tendo em vista o que consta do processo<br />
administrativo disciplinar e apensos e do parecer...<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Ministro Carlos Britto,<br />
não quer ficar com vista?<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Estou dizendo justamente que o processo<br />
administrativo é um continuum, quer dizer, o Ministro vai se reportando às<br />
folhas tais e tais, e, ao final, em um <strong>de</strong>spacho – <strong>de</strong>sculpe-me, eminente Ministro,<br />
é apenas para justificar, aqui, o meu ponto <strong>de</strong> vista, também – que me pareceu<br />
bastante alentado e reportando-se às peças, ao parecer da consultoria jurídica e<br />
dando a fundamentação legal, acaba por <strong>de</strong>mitir. E, inclusive, há esse aspecto interessante,<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>mais servidores da Sudam, em situação idêntica,<br />
tiveram o mesmo tratamento.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Excelência, isso é<br />
argumento metajurídico, porque eles não impetraram, não recorreram ao Judiciário.<br />
Não é o fato <strong>de</strong> eles haverem silenciado, <strong>de</strong> não terem vindo ao Judiciário,<br />
que levará a Turma ao in<strong>de</strong>ferimento da or<strong>de</strong>m. Por favor, Excelência, não faça<br />
injustiça ao Relator quanto ao tratamento igualitário.<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, não levo às últimas<br />
conseqüências o brocardo jurídico forma dat esse rei. Vejo o que existe nos<br />
autos, materialmente.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O que me impressiona, agora, na releitura que<br />
estamos fazendo do art. 168, cabeça e parágrafo, é que, <strong>de</strong> direito, o julgamento<br />
é um ato vinculado. Ele está vinculado ao relatório da comissão. Não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sbordar<br />
do quadro tracejado no relatório da comissão, salvo quando o relatório<br />
contrariar a prova dos autos. E o parágrafo único é um complemento lógico da<br />
cabeça do artigo para dizer o seguinte:<br />
Art. 168. (...)<br />
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a<br />
autorida<strong>de</strong> julgadora po<strong>de</strong>rá, motivadamente [e vêm as três situações] agravar a penalida<strong>de</strong><br />
proposta, abrandá-la ou isentar o servidor <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Mas não basta motivar. É preciso que a motivação se faça para <strong>de</strong>monstrar<br />
a contrarieda<strong>de</strong> da prova dos autos.
R.T.J. — <strong>204</strong> 717<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): V. Exa. não quer ficar<br />
com vista? Porque é a vida profissional <strong>de</strong> um engenheiro que estamos a <strong>de</strong>cidir.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Veja, a motivação não é livre, não é solta. É<br />
uma motivação que signifique a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> contrarieda<strong>de</strong> à prova dos autos.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte e Relator): Não é um juízo <strong>de</strong><br />
conveniência.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não. Não vou pedir vista, mas vou pedir vênia<br />
ao eminente Ministro Ricardo Lewandowski para acompanhar o voto <strong>de</strong> V. Exa.,<br />
no particular.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Peço vênia a V. Exa., Ministro Marco<br />
Aurélio, para acompanhar o voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Pela leitura<br />
que fiz, também entendo que está fundamentado <strong>de</strong> acordo com a disciplina<br />
legal.<br />
Acompanho S. Exa., negando provimento.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RMS 25.736/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:<br />
Ministro Ricardo Lewandowski. Recorrente: João Nepomuceno <strong>de</strong> Faria<br />
Pereira (Advogados: Maria Virgínia Leite Maia e outros). Recorrida: União (Advogado:<br />
Advogado-Geral da União).<br />
Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Primeira Turma, 15-5-07.<br />
Decisão: A Turma, por maioria <strong>de</strong> votos, negou provimento ao recurso em<br />
mandado <strong>de</strong> segurança; vencidos os Ministros Marco Aurélio, Presi<strong>de</strong>nte e Relator,<br />
e Carlos Britto. Relator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
718<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
MANDADO DE SEGURANÇA 25.871 — DF<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Impetrante: Nilo Lavigne <strong>de</strong> Lemos Filho — Impetrado: Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />
da União<br />
1. Mandado <strong>de</strong> segurança. Legitimida<strong>de</strong>. Passiva. Tribunal<br />
<strong>de</strong> Contas da União (TCU). Caracterização. Servidor público aposentado<br />
<strong>de</strong>sse órgão. Proventos. Pedido <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m para reajuste<br />
e pagamento. Verba <strong>de</strong>vida pelo Tribunal a que está vinculado<br />
o funcionário aposentado. Efeito jurídico eventual <strong>de</strong> sentença<br />
favorável que recai sobre o TCU. Aplicação do art. 185, § 1º, da<br />
Lei fe<strong>de</strong>ral 8.112/90. Preliminar repelida. O Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União é parte passiva legítima em mandado <strong>de</strong> segurança para obtenção<br />
<strong>de</strong> reajuste <strong>de</strong> proventos <strong>de</strong> servidor seu que se aposentou.<br />
2. Servidor público. Funcionário aposentado. Proventos.<br />
Reajuste ou reajustamento anual. Exercício <strong>de</strong> 2005. Índice. Falta<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição pelo TCU. Adoção do índice aplicado aos benefícios<br />
do RGPS. Direito líquido e certo ao reajuste. Mandado <strong>de</strong> segurança<br />
concedido para assegurá-lo. Aplicação do art. 40, § 8º, da CF,<br />
c/c art. 9º da Lei 9.717/98, e art. 65, parágrafo único, da Orientação<br />
Normativa 3 <strong>de</strong> 2004, do Ministério da Previdência Social.<br />
Inteligência do art. 15 da Lei 10.887/04. Servidor aposentado do<br />
Tribunal <strong>de</strong> Contas da União tem direito líquido e certo a reajuste<br />
dos proventos na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 5,405%, no exercício <strong>de</strong> 2005.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar<br />
Men<strong>de</strong>s, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
maioria <strong>de</strong> votos, conce<strong>de</strong>r a segurança, nos termos do voto do Relator, vencido<br />
o Ministro Marco Aurélio, que a <strong>de</strong>negava quanto à preliminar e ao mérito. Votou<br />
o Presi<strong>de</strong>nte. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie (Presi<strong>de</strong>nte), os<br />
Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, com pedido<br />
<strong>de</strong> liminar, impetrado por servidor público aposentado, contra ato omissivo<br />
do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, para compelir este a proce<strong>de</strong>r ao reajuste anual<br />
dos proventos, em 5,405% para o exercício <strong>de</strong> 2005, nos termos do § 8º do art. 40<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, art. 15 da Lei fe<strong>de</strong>ral 10.887/04, art. 65, caput e parágrafo
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único, da Orientação Normativa 3, do Ministério da Previdência Social, e, finalmente,<br />
do § 1º da Portaria MPS 822/05 e seu Anexo I (fls. 18/20).<br />
Nas informações (fls. 30/37), o TCU argúi, em preliminar, ilegitimida<strong>de</strong><br />
passiva ad causam, sob argumento <strong>de</strong> que o Impetrante não teria indicado a autorida<strong>de</strong><br />
administrativa responsável pelo pagamento do reajuste dos proventos. No<br />
mérito, alega inconstitucionalida<strong>de</strong> da ON 3, do Ministério da Previdência Social,<br />
pois a atualização dos proventos “ressente-se, para a sua efetiva aplicação,<br />
da <strong>de</strong>vida regulamentação por lei formal <strong>de</strong> iniciativa privativa do Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República, nos termos do § 8º, art. 40, c/c art. 61, § 1º, inciso II, alínea c, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral”.<br />
Em 28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2006, concedi a liminar (fls. 44/45).<br />
A Procuradoria-Geral da República é pela extinção do processo, sem julgamento<br />
<strong>de</strong> mérito.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente a preliminar.<br />
É que, nos precisos termos do art. 185, § 1º, da Lei fe<strong>de</strong>ral 8.112, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1990, “as aposentadorias e pensões serão concedidas e mantidas<br />
pelos órgãos e entida<strong>de</strong>s aos quais se encontram vinculados os servidores”. Ora,<br />
tendo sido o writ impetrado por servidor público aposentado do Tribunal <strong>de</strong><br />
Contas da União, é este o único <strong>de</strong>stinatário dos efeitos <strong>de</strong> eventual sentença favorável<br />
àquele e, como tal, responsável pelos pagamentos dos proventos, é parte<br />
passiva legítima ad causam.<br />
2. Proce<strong>de</strong>nte o pedido.<br />
O art. 40, § 8º, da CF, com a redação da Emenda Constitucional 41, <strong>de</strong><br />
19-12-03, preceitua:<br />
Art. 40. (...)<br />
§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente,<br />
o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.<br />
(Grifos nossos.)<br />
O art. 9º da Lei fe<strong>de</strong>ral 9.717, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, que dispõe<br />
sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios<br />
<strong>de</strong> previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, estatui:<br />
Art. 9º Compete à União, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência<br />
Social: I – a orientação, supervisão e o acompanhamento dos regimes próprios <strong>de</strong> previdência<br />
social dos servidores públicos e dos militares da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos<br />
Municípios, e dos Fundos a que se refere o art. 6º, para o fiel cumprimento dos dispositivos<br />
<strong>de</strong>sta Lei.<br />
(Grifos nossos.)
720<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Vê-se, pois, que tal norma <strong>de</strong>legou competência ao Ministério da Previdência<br />
Social, para o estabelecimento <strong>de</strong> regras gerais atinentes ao regime<br />
previ<strong>de</strong>nciário, sem nenhuma ofensa ao § 8º do art. 40 da Constituição da República,<br />
que alu<strong>de</strong> apenas a critérios legais <strong>de</strong> reajustamento, e não à competência<br />
para fixação <strong>de</strong> índices, e, muito menos, ao art. 61, § 1º, c, que em nada<br />
se enten<strong>de</strong> com reajuste <strong>de</strong> proventos.<br />
Já a Lei fe<strong>de</strong>ral 10.887, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004, regulamentando as disposições<br />
da Emenda Constitucional 41 e prescrevendo critério <strong>de</strong> reajuste, essa<br />
tão-só cuidou <strong>de</strong> prever, no art. 15, que os benefícios, como os do Autor, concedidos<br />
da forma do § 2º da emenda, “serão reajustados na mesma data em que<br />
se <strong>de</strong>r o reajuste dos benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social” (grifos<br />
nossos). Nada proveu a respeito dos índices.<br />
Autorizado pela Lei 9.717/98 e sem nenhuma contradição com a Lei<br />
10.887/04, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa<br />
3, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2004, que tratou <strong>de</strong> preencher tal lacuna, nos seguintes<br />
termos:<br />
Art. 65. Os benefícios <strong>de</strong> aposentadoria e pensão, <strong>de</strong> que tratam os arts. 47, 48, 49,<br />
50, 51, 54 e 55 serão reajustados para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, na<br />
mesma data em que se <strong>de</strong>r o reajuste dos benefícios do RGPS, <strong>de</strong> acordo com a variação do<br />
índice <strong>de</strong>finido em lei pelo ente fe<strong>de</strong>rativo.<br />
Parágrafo único. Na ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição do índice <strong>de</strong> reajustamento pelo ente,<br />
os benefícios serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do RGPS.<br />
(Grifos nossos.)<br />
Coube, ao <strong>de</strong>pois, à Portaria MPS 822, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005 (fls. 18/20),<br />
fixar o percentual aplicável a cada caso (art. 1º, § 1º, e Anexo I).<br />
Registre-se, aliás, que, no âmbito do Judiciário, os proventos e as pensões<br />
foram corrigidos, no exercício <strong>de</strong> 2005, com base em tais normas, como se<br />
extrai, exemplificativamente, do Processo 319.522/04, <strong>de</strong>ste Supremo, do Processo<br />
4.228/2004, do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, e do Processo Administrativo<br />
2005163229, do Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral.<br />
De modo que tem o Impetrante direito subjetivo, líquido e certo ao reajuste<br />
anual pleiteado, segundo o índice do Regime Geral da Previdência Social.<br />
3. Do exposto, concedo a segurança, para, confirmando a liminar, <strong>de</strong>terminar<br />
que o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União reajuste os proventos do Impetrante,<br />
nos exatos termos do pedido. Custas ex causa. Comunique-se à autorida<strong>de</strong><br />
impetrada.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, quanto à preliminar,<br />
não incumbe ao órgão <strong>de</strong> origem, ao órgão outrora tomador dos serviços, o<br />
reajuste <strong>de</strong> proventos da aposentadoria. O reajuste está a cargo, no caso <strong>de</strong> prestador<br />
<strong>de</strong> serviço, <strong>de</strong> aposentado do serviço público fe<strong>de</strong>ral, da própria União.
R.T.J. — <strong>204</strong> 721<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ssa matéria mostra-se importantíssima, em face do prece<strong>de</strong>nte<br />
que será firmado, modificando, inclusive, reiterados pronunciamentos<br />
do Tribunal. Fico a imaginar – se, realmente, houver esse prece<strong>de</strong>nte – o que<br />
teremos no Supremo e também em outros tribunais, sob o ângulo do reajuste<br />
<strong>de</strong> proventos, que <strong>de</strong>ve ser, consi<strong>de</strong>rado o tratamento igualitário, implementado<br />
mediante a mesma percentagem. Proce<strong>de</strong> a preliminar suscitada pelo Ministério<br />
Público, e o parecer remete a inúmeros pronunciamentos.<br />
Tem-se situação concreta – e não estou a atuar como consultor – em que o<br />
mandado <strong>de</strong> segurança haveria <strong>de</strong> ser impetrado contra a União e, então, logicamente,<br />
o Supremo não seria competente para julgá-lo. Como não é dado alterar a<br />
relação processual, a jurisprudência também indica essa óptica, acolho o parecer<br />
e <strong>de</strong>claro a extinção do processo sem apreciação do mérito.<br />
DEBATE<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhora Presi<strong>de</strong>nte, V. Exa. me permite?<br />
A preliminar envolve, pura e simplesmente, questão <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>, isto<br />
é, <strong>de</strong> saber quem <strong>de</strong>ve figurar no pólo passivo. Ora, quem <strong>de</strong>ve figurar no pólo<br />
passivo é quem suportará o pagamento <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>...<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É a União.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Não. Ele é funcionário do Tribunal<br />
<strong>de</strong> Contas.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, mas o órgão não suporta, quem suporta<br />
é a União, mesmo porque não po<strong>de</strong> haver iniciativa setorizada por órgão.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Como? Está aqui, Excelência. Tratase<br />
do art. 185, § 1º, da Lei 8.112. Isso é mérito. Isso é outra coisa.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, Excelência, não po<strong>de</strong> haver. Isso serve<br />
a robustecer a óptica do Ministério Público <strong>de</strong> que, no caso, foi mal dirigida a impetração.<br />
Amanhã, teremos impetração contra ato do Tribunal Superior do Trabalho,<br />
do Tribunal Superior Eleitoral, do Supremo, visando reajustar proventos.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): V. Exa. me permite? São duas questões<br />
distintas.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quando há a aposentadoria, cessa a relação<br />
jurídica... O Tribunal <strong>de</strong> Contas, neste caso, não atuou homologando a aposentadoria<br />
em si. Não é essa a hipótese, não se discute a aposentadoria. O que se<br />
discute é o reajuste dos proventos da aposentadoria.<br />
Indaga-se: é viável impetrar mandado <strong>de</strong> segurança contra o órgão no<br />
qual se prestaram serviços, contra o órgão no qual foi aposentado o servidor? A<br />
resposta, para mim, é <strong>de</strong>senganadamente negativa. Agora, se o Tribunal concluir<br />
<strong>de</strong> forma diversa, colocando em segundo plano o que até aqui assentado, muito<br />
bem. Vamos aguardar as conseqüências.
722<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): V. Exa. me permite? Explicarei mais<br />
uma vez: a preliminar envolve questão puramente processual: quem <strong>de</strong>ve figurar<br />
no pólo passivo como <strong>de</strong>stinatário dos efeitos da <strong>de</strong>cisão.<br />
Ora, nos termos do art.185, § 1º, da Lei 8.112:<br />
Art. 185. (...)<br />
§ 1º As aposentadorias e pensões serão concedidas e mantidas pelos órgãos ou entida<strong>de</strong>s<br />
aos quais se encontram vinculados os servidores, observado o disposto nos arts. 189 e 224.<br />
Se o servidor foi aposentado pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, como seu<br />
servidor, é o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União que lhe <strong>de</strong>ve conce<strong>de</strong>r e pagar as aposentadorias.<br />
Ora, se – e, aí, essa é outra questão –, no mérito, ele tiver razão, quem<br />
<strong>de</strong>verá suportar os efeitos <strong>de</strong>sse pagamento? Quem faz os pagamentos da aposentadoria?<br />
O Tribunal <strong>de</strong> Contas da União. Portanto, o Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União é que tem <strong>de</strong> estar no pólo passivo. Se ele tem, ou não, direito subjetivo a<br />
esse pagamento, porque isso <strong>de</strong>veria ser imposto por um critério da União etc.,<br />
é questão <strong>de</strong> mérito. A preliminar suscitada está em saber quem tem <strong>de</strong> estar no<br />
pólo passivo. Tem que estar no pólo passivo quem paga aposentadoria. Quem<br />
paga aposentadoria é o órgão a que pertence o Impetrante: o Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />
da União.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O Tribunal <strong>de</strong> Contas da União tem quadro<br />
próprio <strong>de</strong> pessoal e tem a característica <strong>de</strong> se vincular, diretamente, à União, sem<br />
passar por nenhum dos Po<strong>de</strong>res. Ele não faz parte, em rigor, <strong>de</strong> nenhum dos Três<br />
Po<strong>de</strong>res da República, da União, e vincula-se, diretamente, à figura do Estado, da<br />
União, sem essa mediação dos Po<strong>de</strong>res.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Assim como cada Tribunal. O Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça regulamentou a matéria e paga os proventos e aposentadorias<br />
<strong>de</strong> acordo. Estou citando, aqui, todos os processos. Man<strong>de</strong>i levantar todos<br />
os processos. Está tudo documentado.<br />
O Supremo manda pagar os proventos com tais reajustes. Está aqui o número<br />
dos processos: 319.522/2004, processo do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça;<br />
4.228/2004, Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral para todos os <strong>de</strong>mais servidores da<br />
Justiça Fe<strong>de</strong>ral; Processo Administrativo 2005.163.229. Todas as cópias estão<br />
aqui nos autos. Ora, nenhum <strong>de</strong>sses casos se recorre à União para coisa alguma.<br />
Então, não há lugar para a União no pólo passivo <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>manda.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não é pelo fato <strong>de</strong> o Tribunal <strong>de</strong> Contas carecer<br />
<strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> jurídica que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter quadro próprio <strong>de</strong> pessoal. A mesma<br />
coisa é o Ministério Público, por exemplo, que também é órgão, não é pessoa<br />
jurídica, tem seu quadro próprio <strong>de</strong> pessoal e é a fonte pagadora.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Nenhum Tribunal tem personalida<strong>de</strong><br />
jurídica!<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E o mandado <strong>de</strong> segurança, para efeito <strong>de</strong><br />
comparecer como impetrado, não exige isso.
R.T.J. — <strong>204</strong> 723<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): E, quanto a prerrogativas institucionais,<br />
já foi, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo do Ministro Victor Nunes, sob o título <strong>de</strong> “personalida<strong>de</strong><br />
judiciária”, reconhecida a legitimida<strong>de</strong> passiva do Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União, em mandado <strong>de</strong> segurança.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: A personalida<strong>de</strong>, aí, é judiciária.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Claro.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
MS 25.871/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Impetrante: Nilo Lavigne<br />
<strong>de</strong> Lemos Filho (Advogados: Reginaldo Vaz <strong>de</strong> Almeida e outros). Impetrado:<br />
Tribunal <strong>de</strong> Contas da União.<br />
Decisão: Após o voto do Relator, que rejeitava a preliminar <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong><br />
e concedia o mandado <strong>de</strong> segurança, e do voto do Ministro Marco Aurélio, que<br />
acatava a referida preliminar, pediu vista dos autos o Ministro Menezes Direito.<br />
Ausentes, justificadamente, o Ministro Eros Grau e, neste julgamento, o Ministro<br />
Celso <strong>de</strong> Mello. Presidência da Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim<br />
Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-<br />
Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 27 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Trata-se <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança impetrado<br />
pelo Recorrente contra ato do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União invocando, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />
o art. 77 do Estatuto do Idoso. Alega que se aposentou como servidor do Tribunal<br />
<strong>de</strong> Contas em julho <strong>de</strong> 2004, com fundamento no caput do art. 2º da Emenda Constitucional<br />
nº 41, <strong>de</strong> 2003, alcançando a forma <strong>de</strong> cálculo para os seus proventos.<br />
Esclarece na inicial que os seus proventos, “lamentavelmente, em razão da promulgação<br />
da Emenda Constitucional nº 41, <strong>de</strong> 2003, com base na qual foi concedida<br />
sua aposentadoria, não pu<strong>de</strong>ram correspon<strong>de</strong>r à sua remuneração da ativida<strong>de</strong>, com<br />
todas as parcelas discriminadas, nem mais são garantidos pelo princípio da parida<strong>de</strong><br />
entre ativos e inativos, como ocorria antes da reforma previ<strong>de</strong>nciária” (fl. 4). Pela<br />
regra nova, prossegue a inicial, “<strong>de</strong>vem-se consi<strong>de</strong>rar as maiores remunerações,<br />
atualizadas monetariamente, sobre as quais incidiram as contribuições do servidor,<br />
no número <strong>de</strong> meses correspon<strong>de</strong>nte a oitenta por cento do tempo total <strong>de</strong> contribuição;<br />
sendo que, quando o resultado da aplicação <strong>de</strong>sse percentual sobre o tempo<br />
total resultar em número fracionário, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>sprezar a parte fracionada e tomar<br />
apenas a parte inteira” (fls. 4/5). Com isso, diz ainda o Impetrante, “os proventos do<br />
Impetrante passaram a correspon<strong>de</strong>r a uma média aritmética das remunerações<br />
que serviram <strong>de</strong> base para as contribuições por ele recolhidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o mês <strong>de</strong>
724<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
julho <strong>de</strong> 1994 até a data <strong>de</strong> sua aposentadoria. Para o Impetrante, portanto,<br />
não importam mais as parcelas que percebia na ativida<strong>de</strong>, nem quantas,<br />
nem quais, mas tão-somente os valores com que contribuiu para a previdência<br />
social. A sua aposentadoria passou a representar um valor nominal apenas,<br />
sem qualquer discriminação <strong>de</strong> parcelas” (fl. 5). Houve, segundo o Impetrante,<br />
“significativa perda com a Emenda Constitucional nº 41. Além <strong>de</strong> não ter direito à<br />
parida<strong>de</strong> entre ativos e inativos, ainda teve seus proventos <strong>de</strong>finidos com base na<br />
média das contribuições recolhidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1994” (fl. 5). A<strong>de</strong>mais, afirma<br />
que “vem sofrendo gran<strong>de</strong> injustiça por parte da autorida<strong>de</strong> coatora, haja vista que<br />
a Lei nº 10.887/2004 <strong>de</strong>terminou o reajuste anual dos benefícios previ<strong>de</strong>nciários e,<br />
passado esse período <strong>de</strong> um ano, houve a omissão por parte do TCU em proce<strong>de</strong>r ao<br />
reajuste, sendo pago até a presente data o valor originário percebido” (fl. 5). Após<br />
mostrar que tem direito ao recebimento da atualização do valor <strong>de</strong> sua aposentadoria,<br />
assevera que “Tendo sido publicada a Portaria nº 157, que conce<strong>de</strong>u a aposentadoria<br />
ao Impetrante, no dia 01/07/2004, o percentual <strong>de</strong> correção a ser aplicado na<br />
atualização do benefício em questão, no ano <strong>de</strong> 2005, será <strong>de</strong> 5,405 (cinco inteiros e<br />
quatrocentos e cinco milésimos, conforme art. 1º, § 1º da Portaria nº 822/05” (fl. 9).<br />
Pe<strong>de</strong>, então, a segurança para que seja sua aposentadoria reajustada no mesmo índice<br />
e na mesma data utilizados adotados para o Regime Geral da Previdência Social.<br />
O eminente Relator, Ministro Cezar Peluso, requisitou informações, que<br />
chegaram com alegação preliminar <strong>de</strong> ilegitimida<strong>de</strong> do Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União e com afirmação <strong>de</strong> inexistência <strong>de</strong> direito líquido e certo ao reajustamento<br />
dos proventos, “uma vez que a matéria em questão ressente-se, para a sua efetiva<br />
aplicação, da <strong>de</strong>vida regulamentação por lei formal <strong>de</strong> iniciativa privativa do<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República, nos termos do § 8º do art. 40 c/c o art. 61, § 1º, inciso<br />
II, alínea c, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral” (fl. 30).<br />
A medida liminar foi <strong>de</strong>ferida para que o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União “reajuste<br />
imediatamente os proventos do Impetrante, tal e qual pleiteado, até o julgamento<br />
final <strong>de</strong>sta causa” (fl. 45).<br />
O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral opinou pela extinção do processo sem julgamento<br />
<strong>de</strong> mérito consi<strong>de</strong>rando que não foi indicada a autorida<strong>de</strong> administrativa<br />
responsável pelo pagamento do reajuste pretendido. Segundo o Dr. Roberto<br />
Monteiro Gurgel Santos, a “especificação, na espécie, seria da maior importância,<br />
visto que o <strong>STF</strong> não tem competência para julgar mandados <strong>de</strong> segurança<br />
impetrados contra atos <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong> vinculada ao TCU, mas, apenas,<br />
daquelas cujos atos representem a manifestação do próprio órgão” (fl. 54).<br />
O ilustre Relator enten<strong>de</strong>u “Inconsistente a preliminar”, porquanto, “nos precisos<br />
termos do art. 185, § 1º, da Lei fe<strong>de</strong>ral 8.112, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1990, ‘as<br />
aposentadorias e pensões serão concedidas e mantidas pelos órgãos e entida<strong>de</strong>s aos<br />
quais se encontram vinculados os servidores’. Ora, tendo sido o writ impetrado por<br />
servidor público aposentado do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, é este o único <strong>de</strong>stinatário<br />
dos efeitos <strong>de</strong> eventual sentença favorável àquele e, como tal, responsável<br />
pelos pagamentos dos proventos, é parte passiva legítima ad causam”.
R.T.J. — <strong>204</strong> 725<br />
O eminente Ministro Marco Aurélio, porém, divergiu enten<strong>de</strong>ndo que o<br />
mandado <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>veria ter sido impetrado contra a União “e, aí, logicamente,<br />
o Supremo não seria competente”.<br />
Trata-se <strong>de</strong> ato omissivo, ou seja, a negativa do Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />
União em proce<strong>de</strong>r ao reajustamento anual dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria do<br />
Impetrante.<br />
A preliminar argüida nas informações no sentido <strong>de</strong> que houve <strong>de</strong>feito<br />
quanto à indicação da autorida<strong>de</strong> coatora, na minha avaliação, não tem substância.<br />
É que, no meu enten<strong>de</strong>r, no caso, a autorida<strong>de</strong> coatora é o próprio Tribunal<br />
<strong>de</strong> Contas da União, subordinado o mandado <strong>de</strong> segurança impetrado contra ato<br />
<strong>de</strong>le emanado, comissivo ou omissivo, ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nos termos<br />
do art. 102, I, d, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Não se trata, portanto, <strong>de</strong> erro na<br />
i<strong>de</strong>ntificação da autorida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rando que, <strong>de</strong> fato, a pretensão do Impetrante<br />
dirige-se contra a omissão do órgão colegiado em adotar as providências necessárias<br />
ao reajustamento <strong>de</strong> seus proventos <strong>de</strong> acordo com a legislação especial <strong>de</strong><br />
regência. Anote-se que a jurisprudência da Corte admite a impetração simplesmente<br />
contra o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, nem sequer exigindo que se faça<br />
a distinção entre o Presi<strong>de</strong>nte daquela Corte ou os Presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> suas Câmaras<br />
(por todos, o MS 23.596, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 18-5-01; MS<br />
26.381-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 10-8-07).<br />
Por outro lado, não creio que esteja <strong>de</strong>slocada a impetração dirigida<br />
contra ato omissivo do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União. É que não po<strong>de</strong>ria o Impetrante<br />
apresentar seu pleito contra a União, na medida em que a legislação<br />
que disciplina os servidores públicos, a Lei 8.112, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1990,<br />
expressamente <strong>de</strong>termina, no § 10 do art. 185, que “as aposentadorias e pensões<br />
serão concedidas e mantidas pelos órgãos e entida<strong>de</strong>s aos quais se encontram<br />
vinculados os servidores”. Como bem assinalou o Ministro Peluso, “tendo sido o<br />
writ impetrado por servidor público aposentado do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União,<br />
é este o único <strong>de</strong>stinatário dos efeitos <strong>de</strong> eventual sentença favorável àquele e,<br />
como tal, responsável pelos pagamentos dos proventos, é parte passiva legítima<br />
ad causam”.<br />
No mérito, o pedido feito é <strong>de</strong> confirmação da liminar “a fim <strong>de</strong> que seja<br />
concedida a segurança, reconhecendo-se o direito do Impetrante ao reajuste<br />
anual <strong>de</strong> seus proventos <strong>de</strong> aposentadoria na mesma data e índice utilizados pelo<br />
Regime Geral da Previdência Social, salvo se outro for estipulado pela União<br />
para o regime próprio dos servidores públicos” (fl. 13).<br />
A Constituição <strong>de</strong> 1988 assegurou o reajustamento dos benefícios para<br />
preservar o valor real (art. 40, § 8º, com a redação da EC 41/03). A <strong>de</strong>finição do<br />
índice para tal reajuste está nos critérios que serão estabelecidos em lei, segundo<br />
o comando da regra constitucional. Veja-se que a Lei 10.887/04 prescreve que<br />
o reajuste <strong>de</strong>ve ser na mesma data em que se <strong>de</strong>r o reajuste dos benefícios do<br />
regime geral <strong>de</strong> previdência social. Isso veio com a orientação normativa do
726<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Ministério da Previdência Social que estabeleceu o reajuste <strong>de</strong> acordo com a<br />
variação do índice <strong>de</strong>finido em lei pelo ente fe<strong>de</strong>rativo e na ausência <strong>de</strong>ste pelo<br />
mesmo índice aplicado ao reajuste dos benefícios do Regime Geral <strong>de</strong> Previdência<br />
Social.<br />
Vale lembrar que o art. 37, X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece a obrigatorieda<strong>de</strong><br />
da “revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção <strong>de</strong><br />
índices” tanto para a remuneração dos servidores públicos quanto para o subsídio<br />
<strong>de</strong> que trata o § 4º do art. 39.<br />
Destarte, tem o Impetrante o direito líquido e certo reclamado, como bem<br />
alinhavou o Ministro Peluso.<br />
Concedo a or<strong>de</strong>m nos termos do pedido.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, quanto à questão <strong>de</strong> fundo,<br />
<strong>de</strong> fato essa preservação do valor real dos proventos da aposentadoria é um artigo<br />
<strong>de</strong> fé da Constituição brasileira <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong> modo a integrar o próprio regime<br />
jurídico dos proventos da aposentação. Ou seja, englobadamente, o direito à aposentação<br />
com essa cláusula constitucional <strong>de</strong> garantia da preservação do valor<br />
real no tempo.<br />
De maneira que eu acompanho, também, o Ministro Cezar Peluso, com a<br />
<strong>de</strong>vida vênia <strong>de</strong> entendimento contrário.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, superada a preliminar,<br />
coloco certa perplexida<strong>de</strong> e o faço consi<strong>de</strong>rado o tratamento que se tem quanto<br />
ao pessoal da ativa e o que se passará a ter quanto ao pessoal da inativa.<br />
Sabemos não haver um apego maior <strong>de</strong> quem <strong>de</strong> direito à Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, no que prevê que os vencimentos <strong>de</strong>vem ter o po<strong>de</strong>r aquisitivo reposto<br />
periodicamente, ano a ano.<br />
Já sustentei neste Plenário que, ante os termos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a<br />
forma expressa, clara da previsão, não há necessida<strong>de</strong> sequer <strong>de</strong> lei estabelecendo<br />
o percentual <strong>de</strong> reposição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se admita, no cenário nacional, a existência<br />
<strong>de</strong> índice oficial a revelar a inflação.<br />
Nos últimos anos, tivemos o que po<strong>de</strong>ria apontar – utilizando expressão<br />
do Ministro Cezar Peluso – como uma falta <strong>de</strong> escrúpulo quanto à observância<br />
da lei, ou mesmo uma hipocrisia quanto ao fim buscado pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />
que é a real reposição do po<strong>de</strong>r aquisitivo dos vencimentos, isso para que<br />
eles continuem comprando o que compravam anteriormente quando da última<br />
<strong>de</strong>limitação.<br />
Ora, se enten<strong>de</strong>rmos que os proventos dos servidores públicos po<strong>de</strong>m ser<br />
reajustados automaticamente, tomando-se <strong>de</strong> empréstimo o que observado quanto<br />
aos benefícios daqueles que estão inseridos no regime geral <strong>de</strong> Previdência
R.T.J. — <strong>204</strong> 727<br />
Social, o aposentado terá uma condição mais relevante, uma condição mais favorecida<br />
do que aqueles que continuam em ativida<strong>de</strong>. Isso o nosso sistema – penso –<br />
não agasalha. Ou seja, há o achatamento dos vencimentos, mas há a reposição do<br />
po<strong>de</strong>r aquisitivo dos proventos. Existirá um tratamento diferenciado que, a meu<br />
ver, não se coaduna com o que previsto na Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Uma coisa é ter-se<br />
a extensão <strong>de</strong> benefícios concedidos ao pessoal da ativa aos inativos. É porque<br />
estou num cargo que é teto e ficaria submetido a esse mesmo teto, senão seria<br />
mesmo tentado a me aposentar para que os meus proventos, então, passassem a<br />
ser reajustados, o que não vem ocorrendo com os vencimentos.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Não, é textual, Ministro.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há lei em tal sentido?<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): É claro, Lei 10.887, art. 15:<br />
Art. 15. Os proventos <strong>de</strong> aposentadoria e as pensões <strong>de</strong> que tratam os arts. 1º e 2º <strong>de</strong>sta<br />
Lei serão reajustados na mesma data em que se <strong>de</strong>r o reajuste dos benefícios do regime geral<br />
<strong>de</strong> previdência social.<br />
Ela é textual, Ministro.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ela concretizou o § 4º do art. 40.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Hoje, § 8º.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Hoje, § 8º.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vamos admitir que essa norma ordinária<br />
tem uma envergadura maior do que a própria norma constitucional quanto ao<br />
pessoal da ativa? O Plenário, contra o meu voto, já assentou que, relativamente<br />
ao pessoal da ativa, indispensável é lei, que, ano a ano, disponha sobre a reposição<br />
do po<strong>de</strong>r aquisitivo dos vencimentos. Quanto aos proventos, é possível outra<br />
disciplina?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): Em relação ao § 4º, que, agora,<br />
§ 8º, creio que há uma jurisprudência bastante tranqüila no sentido <strong>de</strong> que, afora<br />
aqueles casos <strong>de</strong> peculiarida<strong>de</strong>s.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: De esten<strong>de</strong>r benefícios.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): De que se trata <strong>de</strong> remuneração<br />
propriamente dita, não é?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O pessoal da ativa passará a torcer por uma<br />
emenda constitucional para inverter a or<strong>de</strong>m das coisas. Extensão a eles do que<br />
concedido aos inativos!<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Presi<strong>de</strong>nte): É que isso tem um histórico.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Benefício do pessoal inativo ser estendido<br />
ao pessoal da ativa.<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte, peço vênia aos que enten<strong>de</strong>m <strong>de</strong> forma diversa – apenas<br />
para não tomar mais o tempo do Plenário – e in<strong>de</strong>firo a or<strong>de</strong>m.
728<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EXTRATO DA ATA<br />
MS 25.871/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Impetrante: Nilo Lavigne<br />
<strong>de</strong> Lemos Filho (Advogados: Reginaldo Vaz <strong>de</strong> Almeida e outros). Impetrado:<br />
Tribunal <strong>de</strong> Contas da União.<br />
Decisão: O Tribunal, por maioria, conce<strong>de</strong>u a segurança, nos termos do voto<br />
do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que a <strong>de</strong>negava quanto à preliminar<br />
e ao mérito. Votou o Presi<strong>de</strong>nte. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie<br />
(Presi<strong>de</strong>nte), os Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Cármen<br />
Lúcia. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Vice-Presi<strong>de</strong>nte).<br />
Presidência do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Vice-Presi<strong>de</strong>nte). Presentes à<br />
sessão os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />
Eros Grau e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando<br />
Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 729<br />
HABEAS CORPUS 71.247 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello<br />
Paciente e Impetrante: Dorival Pires Magalhães — Coator: Tribunal <strong>de</strong><br />
Alçada Criminal do Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />
Habeas corpus – Crime contra a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral –<br />
Con<strong>de</strong>nação emanada da Justiça local – Incompetência absoluta<br />
– Invalidação do procedimento penal – Pedido <strong>de</strong>ferido.<br />
Os <strong>de</strong>litos cometidos contra o patrimônio da Caixa Econômica<br />
Fe<strong>de</strong>ral – que é empresa pública da União – submetem-se<br />
à competência penal da Justiça Fe<strong>de</strong>ral comum ou ordinária.<br />
Trata-se <strong>de</strong> competência estabelecida ratione personae pela Constituição<br />
da República. O Po<strong>de</strong>r Judiciário do Estado-membro,<br />
em conseqüência, é absolutamente incompetente para processar<br />
e julgar crime <strong>de</strong> roubo praticado contra a Caixa Econômica<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Moreira<br />
Alves, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator.<br />
Brasília, 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1994 — Celso <strong>de</strong> Mello, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: A douta Procuradoria-Geral da República,<br />
em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral, Dr. HAROLDO<br />
FERRAZ DA NÓBREGA, assim resumiu a presente impetração (fl. 110):<br />
Cuida-se <strong>de</strong> “habeas corpus” em causa própria requerido por Dorival Pires Magalhães,<br />
o qual não se conforma com a sua con<strong>de</strong>nação a 6 anos <strong>de</strong> reclusão e 13 dias-multa<br />
por infração ao art. 157, § 2º, I do Código Penal.<br />
A singela petição inicial pe<strong>de</strong> o “habeas corpus”, inclusive liminarmente, ao argumento<br />
<strong>de</strong> que o paciente (em causa própria) fora<br />
“con<strong>de</strong>nado ao total arrepio da lei, com evi<strong>de</strong>nte abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, por autorida<strong>de</strong><br />
incompetente, e, em <strong>de</strong>sacordo ao princípio imperativo constante no regramento<br />
da inteligência do dispositivo constitucional artigo 5º, LIII e LXVIII (autos,<br />
fls. 02).”<br />
(Grifei.)<br />
Prestadas as informações pelo órgão ora apontado como coator (fls.<br />
41/108), opinou o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral pelo in<strong>de</strong>ferimento do pedido, em<br />
parecer assim ementado (fl. 110):
730<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
“Habeas Corpus”. In<strong>de</strong>ferimento. Assalto a empregado <strong>de</strong> firma particular, no<br />
serviço <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> malotes à Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral. Consumação do assalto, antes<br />
que o malote tivesse passado à posse da Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral. Competência da Justiça<br />
Estadual.<br />
(Grifei.)<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (Relator): A presente impetração objetiva<br />
a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do v. acórdão emanado do Po<strong>de</strong>r Judiciário local, em<br />
face da absoluta incompetência da Justiça estadual para processar e julgar <strong>de</strong>litos<br />
praticados contra a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, consi<strong>de</strong>rado o que dispõe o<br />
art. 109, IV, da Constituição.<br />
Entendo assistir razão ao ora Paciente, eis que o crime <strong>de</strong> roubo supostamente<br />
por ele praticado teve por vítima a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, o que induz,<br />
necessariamente, pelo fato <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> empresa pública da União, a competência<br />
penal da Justiça Fe<strong>de</strong>ral comum, nos termos do que prescreve o art. 109,<br />
IV, da Constituição da República.<br />
Com efeito, os elementos produzidos nestes autos evi<strong>de</strong>nciam – ao contrário<br />
do entendimento adotado pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral – que o <strong>de</strong>lito<br />
em causa foi cometido contra o patrimônio da Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral,<br />
eis que – como se po<strong>de</strong> verificar da própria <strong>de</strong>núncia oferecida pelo Ministério<br />
Público local (fl. 43), do auto <strong>de</strong> prisão em flagrante lavrado pela autorida<strong>de</strong> policial<br />
(fls. 45 e 49), da sentença proferida pelo magistrado <strong>de</strong> primeiro grau (fls.<br />
23/24) e do acórdão ora impugnado (fls. 103/107-104) – o Paciente teria subtraído,<br />
mediante grave ameaça ao empregado da Transportadora Bel Mar Ltda.,<br />
que transportava malotes para a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, um <strong>de</strong>sses malotes.<br />
Desse modo, e por se tratar <strong>de</strong> crime que causa lesão ao patrimônio <strong>de</strong><br />
empresa pública fe<strong>de</strong>ral, como o é a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, instaura-se,<br />
por efeito do que <strong>de</strong>termina a própria Constituição (art. 109, IV), a competência<br />
penal da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, que se reveste <strong>de</strong> caráter absoluto.<br />
Cabe assinalar que a jurisprudência <strong>de</strong>sta Suprema Corte orienta-se nesse<br />
sentido:<br />
Os <strong>de</strong>litos cometidos contra o patrimônio da Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral – que é empresa<br />
pública da União – submetem-se à competência penal da Justiça Fe<strong>de</strong>ral comum ou<br />
ordinária. Trata-se <strong>de</strong> competência estabelecida “ratione personae” pela Constituição da<br />
República. É, pois, incompetente a Justiça do Estado-membro para processar e julgar crime<br />
<strong>de</strong> roubo cometido contra a Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral (...).<br />
(RTJ 140/151, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />
A Carta Política, ao <strong>de</strong>finir a competência penal da Justiça Fe<strong>de</strong>ral comum, incluiu<br />
nas suas atribuições jurisdicionais, <strong>de</strong>ntre outras hipóteses, os <strong>de</strong>litos cometidos contra bens,<br />
serviços e interesses das empresas públicas fe<strong>de</strong>rais. A Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, que é<br />
ente revestido <strong>de</strong> paraestatalida<strong>de</strong>, subsume-se, em função <strong>de</strong> explícita <strong>de</strong>finição legal (DL<br />
759/69), à noção <strong>de</strong> empresa pública da União. Incompetente, assim, “ratione personae”,
R.T.J. — <strong>204</strong> 731<br />
a Justiça do Estado-membro para processar e julgar crime <strong>de</strong> roubo cometido contra a Caixa<br />
Econômica Fe<strong>de</strong>ral. Disso resulta a nulida<strong>de</strong> absoluta da persecução penal instaurada<br />
contra o Paciente, a partir da <strong>de</strong>núncia, inclusive, oferecida pelo Ministério Público local.<br />
(HC 68.020/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />
Sendo assim, e pelas razões expostas, <strong>de</strong>firo o pedido <strong>de</strong> “habeas corpus”,<br />
para <strong>de</strong>clarar a nulida<strong>de</strong> absoluta do processo penal instaurado contra o ora<br />
Paciente, a partir da <strong>de</strong>núncia, inclusive, oferecida pelo Ministério Público<br />
estadual, sem prejuízo do ajuizamento <strong>de</strong> nova ação penal, perante órgão<br />
competente da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>terminando, em conseqüência, a expedição<br />
<strong>de</strong> alvará <strong>de</strong> soltura em favor do Impetrante, se por al não estiver preso.<br />
É o meu voto.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 71.247/SP — Relator: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Paciente e Impetrante:<br />
Dorival Pires Magalhães. Coator: Tribunal <strong>de</strong> Alçada Criminal do Estado <strong>de</strong> São<br />
Paulo.<br />
Decisão: A Turma <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator. Unânime.<br />
Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso <strong>de</strong> Mello e Ilmar Galvão. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Geraldo Brin<strong>de</strong>iro.<br />
Brasília, 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.
732<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
HABEAS CORPUS 74.309 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello<br />
Paciente e Impetrante: Ailton Pereira dos Reis — Coator: Tribunal <strong>de</strong> Alçada<br />
Criminal do Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />
Habeas corpus – Revisão criminal ajuizada pelo próprio<br />
con<strong>de</strong>nado – Cognoscibilida<strong>de</strong> – Capacida<strong>de</strong> postulatória outorgada<br />
pelo art. 623 do CPP – Pedido <strong>de</strong>ferido.<br />
– O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao interpretar o art. 133 da<br />
Constituição da República, reconheceu a indispensabilida<strong>de</strong> da<br />
intervenção do advogado como princípio <strong>de</strong> índole institucional,<br />
cujo valor, no entanto, não é absoluto em si mesmo, mas condicionado,<br />
em seu alcance e conteúdo, pelos limites impostos pela lei,<br />
consoante estabelecido pela própria Carta Política. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
– O art. 623 do CPP – que confere capacida<strong>de</strong> postulatória<br />
ao próprio con<strong>de</strong>nado para formular o pedido revisional – foi<br />
objeto <strong>de</strong> recepção pela nova or<strong>de</strong>m constitucional, legitimando,<br />
em conseqüência, a iniciativa do próprio sentenciado, que po<strong>de</strong><br />
ajuizar, ele mesmo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> representação por<br />
advogado, a ação <strong>de</strong> revisão criminal. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Moreira<br />
Alves, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator.<br />
Brasília, 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996 — Celso <strong>de</strong> Mello, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, em parecer<br />
da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. MARDEM<br />
COSTA PINTO, assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 98/100):<br />
Trata-se <strong>de</strong> “Habeas Corpus” impetrado por Ailton Pereira Reis, em seu próprio benefício,<br />
alegando que está sendo vítima <strong>de</strong> constrangimento ilegal pelo fato <strong>de</strong> o Tribunal <strong>de</strong><br />
Alçada Criminal do Estado <strong>de</strong> São Paulo não ter conhecido seu pedido <strong>de</strong> revisão criminal,<br />
ao fundamento <strong>de</strong> que o novo Estatuto da OAB não mais admite que o próprio con<strong>de</strong>nado<br />
assine o pedido, exigindo assistência <strong>de</strong> advogado.<br />
Preten<strong>de</strong> a concessão da or<strong>de</strong>m para anular o aresto censurado e <strong>de</strong>terminar ao<br />
Tribunal apontado como coator que conheça e julgue a revisão criminal como enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
direito.<br />
O presente “Habeas Corpus” <strong>de</strong>ve ser conhecido e <strong>de</strong>ferido.
R.T.J. — <strong>204</strong> 733<br />
É que o novo estatuto da OAB não alterou o quadro anterior que permitia ao próprio<br />
réu assinar pedido <strong>de</strong> revisão criminal, na forma do art. 623 do CPP, que não foi revogado<br />
pela Lei 8.906/94, tese que se afina com o que vem <strong>de</strong>cidindo o Excelso Pretório, como se vê<br />
das ementas a seguir transcritas:<br />
“REVISÃO CRIMINAL – REQUERIMENTO – LEGITIMIDADE. A revisão<br />
criminal po<strong>de</strong> ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado<br />
e, na hipótese do falecimento do primeiro, pelo cônjuge, ascen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte ou<br />
irmão – artigo 623 do Código <strong>de</strong> Processo Penal. A formalização do pedido por procurador<br />
pressupõe a inscrição <strong>de</strong>ste na Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil e a outorga<br />
dos indispensáveis po<strong>de</strong>res mediante instrumento <strong>de</strong> mandato – habilitação. Verificado<br />
que o procurador encontra-se com a inscrição na Or<strong>de</strong>m suspensa, cumpre concluir<br />
pela irregularida<strong>de</strong> da representação processual.”(HC 70.903-6/MG – Rel. Min.<br />
Marco Aurélio – DJ 07/10/94 – p. 26.824.)<br />
“EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. REVI-<br />
SÃO CRIMINAL: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO RÉU. PRESCINDIBILI-<br />
DADE DO ADVOGADO.<br />
I – Continua em vigor o art. 623 do C.P.P., que possibilita ao próprio réu o<br />
ajuizamento <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> revisão criminal, regra que não foi atingida pelo art. 1º, I,<br />
da Lei 8.906, <strong>de</strong> 04/07/94 (Estatuto da Advocacia). Prece<strong>de</strong>nte do <strong>STF</strong>: HC 72.981-SP.<br />
II – H.C. <strong>de</strong>ferido para, afastada a preliminar <strong>de</strong> não conhecimento da Revisão<br />
n o 275.919/0, pelo Egrégio Segundo Grupo <strong>de</strong> Câmaras do Tacrim/SP, por falta <strong>de</strong><br />
legitimida<strong>de</strong> postulatória do peticionário, prossiga no julgamento da revisão, como<br />
enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> direito.” (HC 73.355-7/SP – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ <strong>de</strong> 29.03.96 –<br />
p. 9.347.)<br />
Pelo exposto, somos pelo conhecimento e concessão da or<strong>de</strong>m para anular o acórdão<br />
impugnado e <strong>de</strong>terminar ao Tribunal “a quo” que conheça da revisão ajuizada pelo<br />
impetrante-paciente e a julgue como enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> direito.<br />
(Grifei.)<br />
O Tribunal ora apontado como coator prestou as informações que lhe<br />
foram solicitadas às fls. 18/96.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (Relator): Trata-se <strong>de</strong> “habeas corpus”<br />
impetrado, em causa própria, por Ailton Pereira dos Reis, que foi con<strong>de</strong>nado<br />
à pena <strong>de</strong> cinco (5) anos e quatro (4) meses <strong>de</strong> reclusão, e multa, pela prática do<br />
<strong>de</strong>lito tipificado no art. 157, § 2º, II, do Código Penal.<br />
O acórdão que o Tribunal apontado como coator proferiu em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> apelação<br />
criminal transitou em julgado (fl. 96). O ora Impetrante, então, ajuizou a<br />
pertinente ação <strong>de</strong> revisão criminal, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser conhecida, por ausência<br />
<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> postulatória.<br />
Postula, o ora Impetrante/Paciente, a nulida<strong>de</strong> do acórdão proferido em<br />
se<strong>de</strong> revisional pelo Tribunal apontado como coator, sustentando dispor, ele próprio,<br />
<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> postulatória, consi<strong>de</strong>rada a regra inscrita no art. 623 do CPP.<br />
A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> pedido revisional subscrito pelo próprio<br />
interessado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong> advogado, já foi objeto<br />
<strong>de</strong> apreciação por esta Corte.
734<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Com efeito, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao interpretar o art. 133 da<br />
Constituição da República, reconheceu a indispensabilida<strong>de</strong> da intervenção do<br />
advogado como princípio <strong>de</strong> índole institucional, cujo valor, no entanto, não<br />
é absoluto em si mesmo, mas condicionado, em seu alcance e conteúdo, pelos<br />
limites impostos pela lei, consoante estabelecido pela própria Carta Política<br />
(RTJ 146/49-50, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 67.390/PR, Rel. Min.<br />
MOREIRA ALVES).<br />
Operou-se, nesse tema, a constitucionalização <strong>de</strong> um princípio já anteriormente<br />
consagrado na legislação ordinária, sem que se houvesse alterado,<br />
no entanto, o seu significado ou o sentido <strong>de</strong> seu conteúdo intrínseco.<br />
Registrou-se, apenas, uma diferença qualitativa, <strong>de</strong> grau, entre o princípio<br />
da essencialida<strong>de</strong> da advocacia, anteriormente consagrado em lei, e o postulado<br />
da imprescindibilida<strong>de</strong> do advogado, agora proclamado em se<strong>de</strong> constitucional.<br />
O sentido, porém, que resulta <strong>de</strong>sse postulado, é o mesmo e, por isso,<br />
os efeitos jurídicos <strong>de</strong> sua aplicação, nas situações em que inci<strong>de</strong>, são idênticos.<br />
A constitucionalização <strong>de</strong>sse princípio não modificou a sua noção, não<br />
ampliou o seu alcance, nem tornou compulsória a intervenção do advogado em<br />
todos os processos.<br />
É certo que a presença do advogado, no processo, constitui fator inequívoco<br />
<strong>de</strong> observância e respeito às liberda<strong>de</strong>s públicas e aos direitos constitucionalmente<br />
assegurados às pessoas. É ele instrumento po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> concretização<br />
das garantias instituídas pela or<strong>de</strong>m jurídica. O processo, assinalam ENRIQUE<br />
VESCOVI e EDUARDO VAZ FERREIRA, representa, em sua expressão formal,<br />
a garantia das garantias. Daí a importância irrecusável do advogado,<br />
cuja presença dá concreção ao direito <strong>de</strong> ação e ao direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, que <strong>de</strong>rivam,<br />
como postulados inafastáveis que são, do princípio assecuratório do acesso<br />
ao Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
O eminente advogado paulista, WALTER CENEVIVA, Diretor do Instituto<br />
dos Advogados <strong>de</strong> São Paulo, em obra recente sobre a nova Constituição<br />
do Brasil (“Direito Constitucional Brasileiro”, p. 221, 1989, Saraiva), fez pon<strong>de</strong>rações<br />
importantes a propósito do tema, não obstante ele próprio também<br />
reconheça a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a lei <strong>de</strong>ferir a qualquer pessoa, em casos excepcionais,<br />
a capacida<strong>de</strong> postulatória, <strong>de</strong> que o advogado, ordinariamente, é o titular,<br />
<strong>de</strong>ntre outros operadores do Direito. São <strong>de</strong>sse ilustre Autor as observações que<br />
transcrevo, “in extenso”:<br />
Ao lado da Magistratura e do Ministério Público, a Advocacia, enquanto instituição,<br />
foi erigida, pelo seu profissional, o advogado, em elemento indispensável à administração da<br />
justiça (art. 133). É o reconhecimento constitucional <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social.<br />
O art. 133 afirma o lado profissional da ativida<strong>de</strong> do advogado, enquanto trabalho<br />
que tem em mira, como um <strong>de</strong> seus fins, a obtenção <strong>de</strong> um resultado financeiro, um ganho.<br />
Afirma, porém, a indispensabilida<strong>de</strong> do trabalho advocatício no que <strong>de</strong>nomina administração<br />
da Justiça, ou seja, em todos os procedimentos que envolvam a máquina estatal judicial ou<br />
administrativa, nos seus diversos segmentos. Ato ou manifestação do advogado, vinculado ao<br />
exercício profissional, não é restringível por ação <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong>.
R.T.J. — <strong>204</strong> 735<br />
O advogado é o porta-voz da socieda<strong>de</strong>, perante a máquina do Estado. Ninguém po<strong>de</strong><br />
requerer em juízo a não ser através <strong>de</strong> advogado, salvo umas poucas exceções, como as da<br />
Justiça do Trabalho (em que raramente o processo tem <strong>de</strong>senvolvimento sem a participação<br />
advocatícia) e do “habeas corpus”. Quem fala ou escreve pelas pessoas envolvidas nos processos<br />
é, principalmente, o seu advogado.<br />
(Grifei.)<br />
Legítima, pois, a outorga, por lei, ao próprio sentenciado, do “jus postulandi”,<br />
na hipótese <strong>de</strong> revisão criminal, ainda que se trate <strong>de</strong> situação excepcional.<br />
Desse modo, o art. 623 do CPP – que confere capacida<strong>de</strong> postulatória ao<br />
próprio con<strong>de</strong>nado para formular o pedido revisional – foi objeto <strong>de</strong> recepção<br />
pela nova or<strong>de</strong>m constitucional, legitimando, em conseqüência, a iniciativa<br />
do próprio sentenciado, que po<strong>de</strong> ajuizar, ele mesmo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />
representação por advogado, a ação <strong>de</strong> revisão criminal.<br />
O Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, apreciando esse mesmo tema,<br />
firmou entendimento, no sentido <strong>de</strong>ste voto, em <strong>de</strong>cisão consubstanciada em<br />
acórdão assim ementado:<br />
A presença do advogado no processo constitui fator inequívoco <strong>de</strong> observância e<br />
respeito às liberda<strong>de</strong>s públicas e aos direitos constitucionalmente assegurados às pessoas. É<br />
ele instrumento po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> concretização das garantias instituídas pela or<strong>de</strong>m jurídica. O<br />
processo representa, em sua expressão formal, a garantia instrumental das garantias. Daí,<br />
a importância irrecusável do advogado no dar concreção ao direito <strong>de</strong> ação e ao direito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa, que <strong>de</strong>rivam, como postulados inafastáveis que são, do princípio assecuratório do<br />
acesso ao Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
A indispensabilida<strong>de</strong> da intervenção do advogado traduz princípio <strong>de</strong> índole constitucional,<br />
cujo valor político-jurídico, no entanto, não é absoluto em si mesmo. Esse postulado –<br />
inscrito no art. 133 da nova Constituição do Brasil – acha-se condicionado, em seu alcance<br />
e conteúdo, pelos limites impostos pela lei, consoante estabelecido pelo próprio or<strong>de</strong>namento<br />
constitucional.<br />
Com o advento da Lei Fundamental, operou-se, nesse tema, a constitucionalização<br />
<strong>de</strong> um princípio já anteriormente consagrado na legislação ordinária, sem a correspon<strong>de</strong>nte<br />
alteração do significado ou do sentido <strong>de</strong> seu conteúdo intrínseco.<br />
Registrou-se, apenas, uma diferença qualitativa entre o princípio da essencialida<strong>de</strong><br />
da advocacia, anteriormente consagrado em lei, e o princípio da imprescindibilida<strong>de</strong> do<br />
advogado, agora proclamado em se<strong>de</strong> constitucional, on<strong>de</strong> intensificou-se a <strong>de</strong>fesa contra a<br />
hipótese <strong>de</strong> sua revogação mediante simples <strong>de</strong>liberação legislativa. A constitucionalização<br />
<strong>de</strong>sse princípio não modificou a sua noção, não ampliou o seu alcance e nem tornou compulsória<br />
a intervenção do advogado em todos os processos. Legítima, pois, a outorga, por lei,<br />
em hipóteses excepcionais, do “jus postulandi” a qualquer pessoa, como já ocorre na ação<br />
penal <strong>de</strong> “habeas corpus”, ou ao próprio con<strong>de</strong>nado – sem referir outros – como se verifica<br />
na ação <strong>de</strong> revisão criminal.<br />
(RTJ 146/49, Rel. p/ o ac. Min. CELSO DE MELLO.)<br />
Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo o parecer da douta<br />
Procuradoria-Geral da República, <strong>de</strong>firo o pedido <strong>de</strong> “habeas corpus”.<br />
É o meu voto.
736<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 74.309/SP — Relator: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Paciente e Impetrante:<br />
Ailton Pereira dos Reis. Coator: Tribunal <strong>de</strong> Alçada Criminal do Estado <strong>de</strong> São<br />
Paulo.<br />
Decisão: A Turma <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator. Unânime.<br />
Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros<br />
Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Celso <strong>de</strong> Mello e Ilmar Galvão. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Wagner Natal Batista.<br />
Brasília, 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 737<br />
HABEAS CORPUS 83.926 — RJ<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Paciente: Damião Pedrosa Vicente — Impetrantes: Juliana Cabral e Cláudio<br />
Costa — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Ação penal. Crime contra relações <strong>de</strong> consumo. Pena. Previsão<br />
alternativa <strong>de</strong> multa. Suspensão condicional do processo.<br />
Admissibilida<strong>de</strong>. Recusa <strong>de</strong> proposta pelo Ministério Público.<br />
Constrangimento ilegal caracterizado. Habeas corpus concedido<br />
para que o Ministério Público examine os <strong>de</strong>mais requisitos da<br />
medida. Interpretação do art. 89 da Lei 9.099/95. Quando para<br />
o crime seja prevista, alternativamente, pena <strong>de</strong> multa, que é<br />
menos gravosa do que qualquer pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> ou<br />
restritiva <strong>de</strong> direito, tem-se por satisfeito um dos requisitos legais<br />
para a suspensão condicional do processo.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus e esten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> ofício, a<br />
or<strong>de</strong>m ao Co-réu, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. Cláudio<br />
Costa. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> habeas corpus impetrado em<br />
favor <strong>de</strong> Damião Pedrosa Vicente contra acórdão proferido pela Quinta Turma do<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que lhe <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m nos autos do HC 24.158.<br />
O Paciente foi <strong>de</strong>nunciado, juntamente com José Hercílio Cabral, pela<br />
prática do <strong>de</strong>lito previsto no art. 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90, porque teria, na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerente geral da filial Vila da Penha <strong>de</strong> Casas Sendas, exposto à<br />
venda mercadorias em condições impróprias ao consumo.<br />
Recebida a <strong>de</strong>núncia, a <strong>de</strong>fesa do Paciente requereu que fosse analisada,<br />
pelo representante do Ministério Público, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão condicional<br />
do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, porque ao <strong>de</strong>lito imputado<br />
é cominada, alternativamente à pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, pena <strong>de</strong> multa.<br />
O representante do Ministério Público, todavia, reputou inaplicável a suspensão<br />
condicional do processo, e o juiz, acatando tal entendimento, <strong>de</strong>signou<br />
data para o interrogatório do Paciente.<br />
A <strong>de</strong>fesa impetrou, então, habeas corpus ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A or<strong>de</strong>m foi parcialmente concedida, nos seguintes termos:
738<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Habeas corpus – Paciente con<strong>de</strong>nado por infração aos arts. 7º, IX da Lei nº 8.137 <strong>de</strong><br />
27/12/1990.<br />
Os impetrantes requerem a concessão da Or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a formulação<br />
<strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> suspensão condicional do processo.<br />
Procurador <strong>de</strong> Justiça opinou pela <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m.<br />
Concessão <strong>de</strong> Liminar.<br />
Concessão parcial da Or<strong>de</strong>m, por unanimida<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstituir o Juízo monocrático<br />
que recebera a <strong>de</strong>núncia, aplicando-se in casu o que preceitua o art. 28 do CPP, com<br />
remessa dos autos a consi<strong>de</strong>ração do Exmo. Sr. Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça.<br />
(fls. 223-228.)<br />
A Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça, entretanto, insistiu no não-oferecimento<br />
da proposta <strong>de</strong> transação penal ou <strong>de</strong> suspensão condicional do processo (fls.<br />
302-314), e este retomou seu curso.<br />
A <strong>de</strong>fesa impetrou novo habeas corpus, agora perante o Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça, para aplicação imediata do rito sumaríssimo ao feito, com a conseqüente<br />
formulação <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> transação penal, ou, alternativamente, <strong>de</strong><br />
suspensão condicional do processo.<br />
O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>negou-lhe a or<strong>de</strong>m, nos termos <strong>de</strong>sta<br />
ementa:<br />
Penal e processual penal – Exposição à venda <strong>de</strong> produtos impróprios para consumo<br />
(art. 7º da Lei 8.137/90) – Suspensão condicional do processo – Advento da Lei 10.259/01 –<br />
Modificação – Inocorrência – Delito não consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> menor potencial ofensivo – Rito da<br />
Lei 10.259/01 inaplicável.<br />
– O art. 89 da Lei 9.099/95 não foi alterado pela Lei 10.259/01, restando este aplicável,<br />
somente, às infrações penais com pena mínima cominada igual ou inferior a 01 ano.<br />
– De outro lado, o <strong>de</strong>lito em questão não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como <strong>de</strong> menor potencial<br />
ofensivo, porquanto a pena máxima cominada é <strong>de</strong> 05 anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção (ex vi art. 2º,<br />
parágrafo único da Lei 10.259/01).<br />
– Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada, cassando-se a liminar concedida.<br />
(fl. 261.)<br />
Neste habeas corpus, os Impetrantes requerem concessão da or<strong>de</strong>m tão-só<br />
para que “seja reconhecida a aplicabilida<strong>de</strong> da suspensão condicional do processo<br />
(art. 89 da Lei nº 9.099/95) ao <strong>de</strong>lito tipificado no art. 7º, inc. XI, da Lei<br />
nº 8.137/90”. Pleiteiam liminar que <strong>de</strong>termine suspensão do processo da Ação<br />
Penal 2002.01.022343-8, em trâmite perante a 25ª Vara Criminal do Foro da<br />
Comarca do Rio <strong>de</strong> Janeiro/RJ, o que foi <strong>de</strong>ferido (fls. 26-28).<br />
A Procuradoria-Geral da República, que inicialmente pugnara pelo <strong>de</strong>ferimento<br />
parcial, <strong>de</strong>pois retificou o parecer, opinando pela concessão da or<strong>de</strong>m (fls.<br />
318-325), verbis:<br />
3. Como se vê, o Promotor <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>sprezando a alegação da cominação alternativa<br />
da pena <strong>de</strong> multa, manifestou-se contrário à suspensão condicional do processo. O Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, embora não aceitando a tese da infração <strong>de</strong> menor<br />
potencial ofensivo, para efeitos da transação e da transferência da competência para o Juizado<br />
Especial Criminal, <strong>de</strong>terminou a remessa do processo ao Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, por<br />
aplicação analógica do art. 28 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, para fins <strong>de</strong> exame da proposta<br />
<strong>de</strong> suspensão condicional do processo.
R.T.J. — <strong>204</strong> 739<br />
4. A Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça, entretanto, argumentando que o mínimo cominado<br />
para a pena privativa da liberda<strong>de</strong> é <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong> reclusão, afastou a hipótese da suspensão<br />
condicional do processo.<br />
5. A impetração, no que lhe assiste razão, insiste na tese do cabimento da suspensão<br />
condicional do processo. Com efeito, para os <strong>de</strong>litos do art. 7º da Lei 8.137/90 são cominadas<br />
penas alternativas <strong>de</strong> reclusão, <strong>de</strong> 2 a 5 anos, ou <strong>de</strong> multa. Tais as circunstâncias, bem <strong>de</strong>monstra<br />
a esmerada petição que, para fins <strong>de</strong> aplicação do art. 89 da Lei 9.099/95, a pena mínima a<br />
ser consi<strong>de</strong>rada é a <strong>de</strong> multa que, em tese, po<strong>de</strong> ser a única a ser aplicada.<br />
(...)<br />
6. Tal o quadro, resulta caracterizado o constrangimento ilegal <strong>de</strong>corrente do ato do<br />
Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça que, incorretamente, afirmou a impossibilida<strong>de</strong> jurídica da suspensão<br />
condicional do processo.<br />
7. Isso posto, retificando a manifestação anterior, opino pelo <strong>de</strong>ferimento da or<strong>de</strong>m,<br />
com extensão <strong>de</strong> ofício ao co-réu, para que, reconhecida em tese a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão<br />
condicional do processo, cuja proposta foi in<strong>de</strong>vidamente recusada, gerando ameaça à<br />
liberda<strong>de</strong> do paciente, retornem os autos ao Ministério Público estadual para manifestação<br />
fundamentada do Promotor <strong>de</strong> Justiça sobre a oportunida<strong>de</strong> ou não da proposta <strong>de</strong> suspensão<br />
do processo.<br />
(fls. 323-325.)<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Para a suspensão condicional<br />
do processo, a Lei 9.099/95 exige que a infração imputada ao réu tenha mínima<br />
cominada igual ou inferior a 1 (um) ano.<br />
Entendo que entra no âmbito <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> da suspensão condicional<br />
a imputação <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito que comine pena <strong>de</strong> multa <strong>de</strong> forma alternativa à privativa<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, ainda que esta tenha limite mínimo superior a 1 (um) ano.<br />
Nesses casos, a pena mínima cominada, parece-me óbvio, é a <strong>de</strong> multa, em<br />
tudo e por tudo, menor em escala e menos gravosa do que qualquer pena privativa<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> ou restritiva <strong>de</strong> direito. É o que se tira ao art. 32 do Código<br />
Penal, on<strong>de</strong> as penas privativas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, restritivas <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> multa são<br />
capituladas na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>crescente <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong>.<br />
Por isso, se prevista, alternativamente, pena <strong>de</strong> multa, tem-se por satisfeito<br />
um dos requisitos legais para admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão condicional do processo.<br />
É o que convém ao caso.<br />
A <strong>de</strong>núncia oferecida contra o Paciente e seu Co-réu, José Hercílio Cabral,<br />
imputa-lhes a prática do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>scrito no art. 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90,<br />
assim tipificado:<br />
Art. 7º Constitui crime contra as relações <strong>de</strong> consumo:<br />
(...)<br />
IX – ven<strong>de</strong>r, ter em <strong>de</strong>pósito para ven<strong>de</strong>r ou expor à venda ou, <strong>de</strong> qualquer forma,<br />
entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo.<br />
Pena – <strong>de</strong>tenção, <strong>de</strong> 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.<br />
(Grifos nossos.)
740<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Não discuto a <strong>de</strong>sproporcionalida<strong>de</strong> entre as penas cominadas e as condutas<br />
previstas no art. 7º da Lei 8.137/90.<br />
O fato é que, contemplada, <strong>de</strong> forma alternativa, a aplicação exclusiva da<br />
pena <strong>de</strong> multa, abre-se ao acusado a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão condicional do<br />
processo. É, aliás, o que sustentam os i<strong>de</strong>alizadores da lei:<br />
Nas hipóteses em que penas diversas vêm cominadas alternativamente (prisão mínima<br />
acima <strong>de</strong> um ano ou multa, ad exemplum, arts. 4º, 5º e 7º da Lei 8.137/90), nos parece muito<br />
evi<strong>de</strong>nte o cabimento da suspensão do processo, pela seguinte razão: a pena mínima cominada<br />
é a <strong>de</strong> multa. Se a lei (art. 89) autoriza a suspensão condicional do processo em caso <strong>de</strong> pena<br />
privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> mínima até um ano, a fortiori, conclui-se que, quando a pena mínima<br />
cominada é a multa, também cabe tal instituto. Pouco importa que a multa seja, no caso, alternativa.<br />
Se o legislador previu tal pena como alternativa possível é porque, no seu enten<strong>de</strong>r, o<br />
<strong>de</strong>lito não é daqueles que necessariamente <strong>de</strong>vam ser punidos com pena <strong>de</strong> prisão. Se, para os<br />
efeitos <strong>de</strong> prevenção geral, contentou-se a lei, em nível <strong>de</strong> cominação abstrata, com a multa alternativa,<br />
é porque, conforme seu entendimento, não se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> alta reprovabilida<strong>de</strong>.<br />
Sendo assim, entra no amplo espectro da sua nova política criminal <strong>de</strong> priorizar a ressocialização<br />
do infrator por outras vias, que não a prisional. Na essência da suspensão condicional,<br />
a<strong>de</strong>mais, outros interesses estão presentes: reparação da vítima, <strong>de</strong>sburocratização da Justiça<br />
etc. Para os crimes <strong>de</strong> média gravida<strong>de</strong> (e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse conceito entram evi<strong>de</strong>ntemente os<br />
<strong>de</strong>litos punidos em abstrato com pena – alternativa – <strong>de</strong> prisão ou multa) a resposta estatal<br />
a<strong>de</strong>quada é a <strong>de</strong> que acaba <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita. 1<br />
2. Ante o exposto, concedo a or<strong>de</strong>m, para que o representante do Ministério<br />
Público estadual estime se o Paciente bem como o Co-réu José Hercílio Cabral<br />
preenchem ou não os <strong>de</strong>mais requisitos necessários à suspensão condicional do<br />
processo, formulando-lhes proposta, se for o caso. A or<strong>de</strong>m é <strong>de</strong> ofício estendida<br />
ao Co-réu.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 83.926/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Damião Pedrosa<br />
Vicente. Impetrantes: Juliana Cabral e Cláudio Costa. Coator: Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus<br />
e esten<strong>de</strong>u, <strong>de</strong> ofício, a or<strong>de</strong>m ao Co-réu, nos termos do voto do Relator. Falou,<br />
pelo Paciente, o Dr. Cláudio Costa. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />
o Ministro Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />
o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha<br />
Campos.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
1 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance;<br />
GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais. 4. ed. São Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais,<br />
2002. p. 255-256.
R.T.J. — <strong>204</strong> 741<br />
HABEAS CORPUS 84.555 — RJ<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Pacientes: Juliana Voicu e Fernando Olinto Henriques Fernan<strong>de</strong>s — Impetrantes:<br />
Fernando Augusto Fernan<strong>de</strong>s e outros — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça<br />
Ação penal. Crime tributário ou crime contra a or<strong>de</strong>m tributária.<br />
Art. 1º da Lei 8.137/90. Delito material. Tributo. Apuração<br />
em inquérito policial. Procedimento fiscal abortado. Reconhecimento<br />
administrativo da extinção do crédito tributário em<br />
razão <strong>de</strong> consumação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência. Impossibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong><br />
lançamento do crédito tributário. Falta irremediável <strong>de</strong> elemento<br />
normativo do tipo. Crime que se não tipificou. Trancamento do<br />
inquérito ou procedimento investigatório. Habeas corpus concedido<br />
para esse fim. Não se tipificando crime tributário sem o lançamento<br />
fiscal <strong>de</strong>finitivo, não se justifica abertura ou continuação <strong>de</strong><br />
inquérito policial, nem <strong>de</strong> qualquer procedimento investigatório<br />
do Ministério Público, quando a autorida<strong>de</strong> administrativa haja<br />
<strong>de</strong>clarado extinto o crédito tributário em razão da consumação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cadência.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto do<br />
Relator. Falou, pelos Pacientes, o Dr. Ricardo Sidi. Ausente, justificadamente,<br />
neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Trata-se <strong>de</strong> habeas corpus impetrado<br />
em favor <strong>de</strong> Juliana Voicu e Fernando Olinto Henriques Fernan<strong>de</strong>s, contra<br />
acórdão proferido pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça nos autos do HC 25.749,<br />
assim ementado:<br />
Habeas corpus. O habeas corpus, instrumento vocacionado a assegurar o direito <strong>de</strong> ir e<br />
vir, é imprestável para obter a <strong>de</strong>claração da ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> prova carreada aos autos <strong>de</strong> processo<br />
cível. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(Fl. 425.)<br />
Narram os Impetrantes que os Pacientes eram sócios majoritários da “Busi ness<br />
and Legal Center Ltda. (BLC)”, mas, em junho <strong>de</strong> 1997, excluíram da socieda<strong>de</strong> o<br />
sócio Jarbas Barsanti. Este teria, então, proposto ação <strong>de</strong> dissolução e liquidação <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>.
742<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Nela, Jarbas Barsanti fez juntar aos autos, após a sentença que o <strong>de</strong>sfavorecia,<br />
extratos bancários da ora Paciente Juliana Voicu (fls. 120-121), os quais<br />
motivaram a expedição <strong>de</strong> ofícios, <strong>de</strong>terminada pelo Desembargador Relator do<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ao Ministério Público estadual<br />
e aos órgãos tributários, para apuração da possível prática <strong>de</strong> crimes contra a<br />
or<strong>de</strong>m tributária (fl. 107).<br />
Em razão <strong>de</strong> tais ofícios, foram instaurados dois procedimentos: (i) Inquérito<br />
Policial 81/2004, na Delegacia <strong>de</strong> Prevenção e Repressão a Crimes Fazendários<br />
da Superintendência Regional do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro (fls. 20-94), para a apuração da suposta prática do <strong>de</strong>lito previsto no<br />
art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, e no qual foi <strong>de</strong>terminada também quebra <strong>de</strong><br />
sigilo bancário dos ora Pacientes (fls. 64-66); (ii) “procedimento investigatório”<br />
<strong>de</strong>senvolvido na Primeira Central <strong>de</strong> Inquéritos, da Segunda Promotoria <strong>de</strong> Investigação<br />
Penal, no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
e <strong>de</strong>signado “Peça <strong>de</strong> Informação nº MP 15.066/03 – 2ª PIP” (fl. 97).<br />
Ainda no âmbito cível, os ora Pacientes, em agravo regimental, requereram<br />
o <strong>de</strong>sentranhamento daqueles documentos sigilosos, mas o recurso não foi provido<br />
pela 12ª Câmara Cível do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(fls. 100-103).<br />
Impetraram, então, habeas corpus ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, argüindo<br />
ilegalida<strong>de</strong> das duas investigações, fundadas em prova ilícita: extratos <strong>de</strong> contacorrente<br />
pessoal da Paciente, sem autorização judicial. O Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, todavia, <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m, conforme mencionado acima.<br />
Neste pedido <strong>de</strong> writ, os Impetrantes requereram a concessão <strong>de</strong> liminar,<br />
para sustar o andamento dos procedimentos e, ao final, o trancamento <strong>de</strong> todos os<br />
procedimentos criminais gerados pelo ofício que teria consi<strong>de</strong>rado prova ilícita.<br />
Quando ainda conclusos os autos para apreciação do pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
os Impetrantes noticiaram que a Receita Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou estar extinto o crédito<br />
referente aos anos <strong>de</strong> 1996 e 1997 (objeto das investigações), em razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência,<br />
“não cabendo mais qualquer análise que resulte em interesse fiscal” por<br />
parte daquela Delegacia (fl. 407).<br />
Concedi liminar e <strong>de</strong>terminei o sobrestamento do Inquérito Policial 81/2004<br />
da Delegacia <strong>de</strong> Prevenção e Repressão a Crimes Fazendários da Superintendência<br />
Regional do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro bem como<br />
do “procedimento investigatório” instaurado no âmbito do Ministério Público do<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong>signado “Peça <strong>de</strong> Informação nº MP 15.066/03 – 2ª<br />
PIP”, tudo até o julgamento final <strong>de</strong>ste habeas corpus (fls. 408-410).<br />
A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão da or<strong>de</strong>m, verbis:<br />
9. Razão assiste aos impetrantes. É que, pela hermenêutica extraída do artigo 5º, inciso<br />
LVI da Carta Constitucional, verifica-se a inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se instaurar processo criminal<br />
com base em provas ilícitas, como é o caso sob exame.<br />
(...)<br />
11. Assim, proce<strong>de</strong>nte o pleito <strong>de</strong> trancamento dos procedimentos criminais, a saber: a)<br />
Inquérito Policial 081/2004 – Delefaz/SR/DPF/RJ e b) Peça <strong>de</strong> Informação nº MP 15.066/03-<br />
2ª PIP, em curso no Ministério Público do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, não pelos fundamentos
R.T.J. — <strong>204</strong> 743<br />
constantes da inicial – referentes à ilicitu<strong>de</strong> da prova carreada aos autos – e sim pela ocorrência<br />
do instituto da <strong>de</strong>cadência, (fl. 407) que impe<strong>de</strong> a continuida<strong>de</strong> das investigações, haja<br />
vista ser o lançamento tributário condição indispensável para a configuração do <strong>de</strong>lito em<br />
questão, prejudicadas as <strong>de</strong>mais alegações.<br />
12. Dessa forma, opina o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral pelo conhecimento e concessão<br />
da presente or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
(fls. 459-460.)<br />
Informam, ainda, os Impetrantes que o Inquérito Policial 81/2004 – Delefaz/<br />
SR/DPF/RJ foi trancado em razão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m concedida nos autos do HC 37.418,<br />
pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em acórdão assim ementado:<br />
Habeas corpus. Trancamento <strong>de</strong> inquérito policial. Juiz como autorida<strong>de</strong> coatora.<br />
Possibilida<strong>de</strong>. Trancamento <strong>de</strong> inquérito policial. Prova ilícita. Única prova. Inocorrência.<br />
Decadência do crédito tributário. Ocorrência. Atipicida<strong>de</strong>.<br />
1. Juiz que in<strong>de</strong>fere pedido <strong>de</strong> trancamento <strong>de</strong> inquérito policial po<strong>de</strong> ser apontado<br />
como autorida<strong>de</strong> coatora, no lugar no Procurador que requisita a sua instauração. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
2. É possível a instauração <strong>de</strong> inquérito policial se há outros elementos que apontem<br />
para a prática <strong>de</strong> crime, além da prova obtida por meio ilícito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esta não seja valorada.<br />
3. Crédito tributário prescrito não po<strong>de</strong> dar ensejo à instauração <strong>de</strong> inquérito policial<br />
para apurar crime contra a or<strong>de</strong>m tributária, pois é patente a atipicida<strong>de</strong> da conduta.<br />
4. Or<strong>de</strong>m concedida para trancar o inquérito policial diante da flagrante atipicida<strong>de</strong> da<br />
conduta imputada aos Pacientes.<br />
(fl. 470.)<br />
Insistem os Impetrantes no pedido <strong>de</strong> concessão da or<strong>de</strong>m, para trancamento<br />
do Inquérito Policial 005-3.404/2005 – 5º DP (Peça <strong>de</strong> Informação MP<br />
15.066/2003) (fls. 468-469).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O trancamento <strong>de</strong> inquérito policial<br />
é medida extrema, admissível diante <strong>de</strong> manifesta e cabal ilegalida<strong>de</strong>, que é<br />
o que se vê aqui.<br />
Ainda que abstraída a argumentação principal em que se baseia a impetração<br />
– investigação baseada em prova ilícita, porque violadora da intimida<strong>de</strong> da<br />
Paciente –, outros fundamentos jurídicos <strong>de</strong>svelam, prima facie, ilegalida<strong>de</strong> das<br />
investigações em curso contra os Pacientes.<br />
2. Com efeito, o Plenário <strong>de</strong>sta Corte, com largo voto vencedor por mim<br />
<strong>de</strong>clarado, <strong>de</strong>cidiu, no julgamento do HC 81.611 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence),<br />
que os <strong>de</strong>litos tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90 são <strong>de</strong> natureza material,<br />
consumando-se apenas com a efetiva ocorrência do resultado, qual seja, a supressão<br />
ou redução <strong>de</strong> tributo <strong>de</strong>vido, o que somente po<strong>de</strong> caracterizar-se com o lançamento<br />
<strong>de</strong>finitivo do crédito tributário:<br />
I – Crime material contra a or<strong>de</strong>m tributária (Lei 8.137/90, art. 1º): lançamento do<br />
tributo pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do processo administrativo: falta <strong>de</strong> justa causa para a<br />
ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela<br />
falta do lançamento <strong>de</strong>finitivo. 1. Embora não condicionada a <strong>de</strong>núncia à representação da
744<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
autorida<strong>de</strong> fiscal (ADI 1.571-MC), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime<br />
tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 – que é material ou <strong>de</strong> resultado –, enquanto não haja<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do processo administrativo <strong>de</strong> lançamento, quer se consi<strong>de</strong>re o lançamento<br />
<strong>de</strong>finitivo uma condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ou um elemento normativo <strong>de</strong> tipo. 2. Por<br />
outro lado, admitida por lei a extinção da punibilida<strong>de</strong> do crime pela satisfação do tributo <strong>de</strong>vido,<br />
antes do recebimento da <strong>de</strong>núncia (Lei 9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais<br />
eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraiam<br />
do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão<br />
do lançamento provisório, ao qual se <strong>de</strong>vesse submeter para fugir ao estigma e às agruras <strong>de</strong><br />
toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte,<br />
o processo administrativo suspen<strong>de</strong> o curso da prescrição da ação penal por crime contra a<br />
or<strong>de</strong>m tributária que <strong>de</strong>penda do lançamento <strong>de</strong>finitivo.<br />
(HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 13-5-05.)<br />
Carece, por conseqüência, <strong>de</strong> justa causa, inquérito policial <strong>de</strong>stinado a<br />
apurar ilícito penal tributário, enquanto o crédito tributário não estiver <strong>de</strong>vidamente<br />
lançado pela autorida<strong>de</strong> administrativa:<br />
Habeas corpus – Crimes contra a or<strong>de</strong>m tributária (Lei 8.137/90, art. 1º) – Crédito<br />
tributário ainda não constituído <strong>de</strong>finitivamente – Procedimento administrativo-fiscal ainda<br />
em curso quando oferecida a <strong>de</strong>núncia – Ajuizamento prematuro da ação penal – Impossibilida<strong>de</strong><br />
– Ausência <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong> penal – Reconhecimento da configuração <strong>de</strong> conduta típica<br />
somente possível após a <strong>de</strong>finitiva constituição do crédito tributário – Inviabilida<strong>de</strong> da instauração<br />
da persecução penal, mesmo em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> inquérito policial, enquanto a constituição<br />
do crédito tributário não se revestir <strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> – Ausência <strong>de</strong> justa causa para a persecutio<br />
criminis se instaurado inquérito policial ou ajuizada ação penal antes <strong>de</strong> encerrado,<br />
em caráter <strong>de</strong>finitivo, o procedimento administrativo-fiscal – Ocorrência, em tal situação, <strong>de</strong><br />
injusto constrangimento, porque <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong> penal a conduta objeto <strong>de</strong> investigação<br />
pelo po<strong>de</strong>r público – Conseqüente impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prosseguimento dos atos persecutórios<br />
– Invalidação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem, por ausência <strong>de</strong> fato típico, do procedimento judicial<br />
ou extrajudicial <strong>de</strong> persecução penal – Prece<strong>de</strong>ntes do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral – Habeas<br />
corpus <strong>de</strong>ferido. – Enquanto o crédito tributário não se constituir, <strong>de</strong>finitivamente, em se<strong>de</strong><br />
administrativa, não se terá por caracterizado, no plano da tipicida<strong>de</strong> penal, o crime contra a<br />
or<strong>de</strong>m tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei 8.137/90. É que, até então, não havendo<br />
sido ainda reconhecida a exigibilida<strong>de</strong> do crédito tributário (an <strong>de</strong>beatur) e <strong>de</strong>terminado o<br />
respectivo valor (quantum <strong>de</strong>beatur), estar-se-á diante <strong>de</strong> conduta absolutamente <strong>de</strong>svestida<br />
<strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong> penal. – A instauração <strong>de</strong> persecução penal, <strong>de</strong>sse modo, nos crimes contra a<br />
or<strong>de</strong>m tributária <strong>de</strong>finidos no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se legitimará, mesmo em se<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> investigação policial, após a <strong>de</strong>finitiva constituição do crédito tributário, pois, antes que tal<br />
ocorra, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes. – Se o Ministério Público, no entanto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da “representação<br />
fiscal para fins penais” a que se refere o art. 83 da Lei 9.430/96, dispuser, por outros meios, <strong>de</strong><br />
elementos que lhe permitam comprovar a <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> da constituição do crédito tributário,<br />
po<strong>de</strong>rá, então, <strong>de</strong> modo legítimo, fazer instaurar os pertinentes atos <strong>de</strong> persecução penal por<br />
<strong>de</strong>litos contra a or<strong>de</strong>m tributária. – A questão do início da prescrição penal nos <strong>de</strong>litos contra<br />
a or<strong>de</strong>m tributária. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
(HC 85.329, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 15-12-06.)<br />
Inquérito – Crime tributário – Tributo – Processo administrativo – Inexigibilida<strong>de</strong>.<br />
Em curso processo administrativo visando a elucidar existência <strong>de</strong> obrigação tributária, <strong>de</strong>scabe<br />
formalizar-se inquérito policial, normal embrião <strong>de</strong> ação que não se mostra passível <strong>de</strong> ser<br />
ajuizada – Prece<strong>de</strong>ntes: RHC 83.717-4/ES e HC 84.105-8/SP, ambos por mim relatados perante<br />
a Primeira Turma e cujos acórdãos restaram publicados, respectivamente, no Diário da<br />
Justiça <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004 e <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2004.<br />
(HC 88.994, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ <strong>de</strong> 19-12-06. No mesmo sentido,<br />
cf. HC 83.353, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ <strong>de</strong> 16-12-05; HC 84.105,<br />
Rel. Min. Marco Aurélio, DJ <strong>de</strong> 13-8-04.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 745<br />
3. Para a configuração do <strong>de</strong>lito, <strong>de</strong>ve-se apurar se o tributo é ou não <strong>de</strong>vido.<br />
O art. 1º da Lei 8.137/90 fala expressamente em suprimir ou reduzir tributo, <strong>de</strong><br />
sorte que o lançamento <strong>de</strong>finitivo caracteriza elemento normativo do tipo, à míngua<br />
do qual a conduta do agente é atípica.<br />
Don<strong>de</strong> a ação incriminada no art. 1º da Lei 8.137/90 só po<strong>de</strong> ser supressão<br />
ou redução do crédito tributário <strong>de</strong>vido, ou seja, <strong>de</strong>finitivamente constituído,<br />
líquido, certo e exigível, nos termos <strong>de</strong> lançamento <strong>de</strong>finitivo.<br />
Assim, porque elementar do tipo o lançamento tributário, a <strong>de</strong>cadência<br />
impe<strong>de</strong> a configuração do <strong>de</strong>lito:<br />
Se o tipo penal tributário toma como elemento normativo o termo tributo, que só se<br />
configura como objeto <strong>de</strong> uma relação jurídico-tributária convertida em linguagem jurídica<br />
competente (lançamento), e tendo sido a conversão fulminada pela <strong>de</strong>cadência, é inviável a<br />
configuração do tipo penal tributário por ausência <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus elementos. 1<br />
4. Ante o exposto, concedo a or<strong>de</strong>m, para <strong>de</strong>terminar o trancamento do<br />
“procedimento investigatório” instaurado no âmbito do Ministério Público<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong>signado como “Peça <strong>de</strong> Informação nº MP<br />
15.066/ 03 – 2ª PIP”.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 84.555/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Juliana Voicu<br />
e Fernando Olinto Henriques Fernan<strong>de</strong>s. Impetrantes: Fernando Augusto Fernan<strong>de</strong>s<br />
e outros. Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus,<br />
nos termos do voto do Relator. Falou, pelos Pacientes, o Dr. Ricardo Sidi. Ausente,<br />
justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />
o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha<br />
Campos.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
1 PAULA JUNIOR, Aldo <strong>de</strong>; ESTELLITA, Heloisa. Efeitos da <strong>de</strong>cadência do crédito nos crimes<br />
contra a or<strong>de</strong>m tributária. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ELALI, André; SANT’ANNA, Carlos<br />
Soares (Coords.). Direito penal tributário. São Paulo: MP, 2005. p. 26.
746<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
HABEAS CORPUS 87.071 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Paciente: Orlando Marques dos Santos — Impetrantes: Alberto Zacharias<br />
Toron e outros — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
1. Ação penal. Sentença. Con<strong>de</strong>nação. Fundamentação sucinta.<br />
Matéria reapreciada, em profundida<strong>de</strong>, no acórdão do recurso<br />
da <strong>de</strong>fesa. Nulida<strong>de</strong> inexistente. Preliminar rejeitada. Não há<br />
nulida<strong>de</strong> em sentença <strong>de</strong> fundamentação sucinta a respeito da<br />
existência <strong>de</strong> fatos cuja prova foi reapreciada, em profundida<strong>de</strong>,<br />
pelo acórdão sobre o recurso da <strong>de</strong>fesa.<br />
2. Sentença penal. Pena. Fixação. Desrespeito ao critério<br />
previsto no art. 68 do CP. Consi<strong>de</strong>ração da reincidência na penabase.<br />
Vício corrigido pelo acórdão da apelação. Pena reduzida.<br />
Nulida<strong>de</strong> inexistente. Se o acórdão da apelação da <strong>de</strong>fesa reduz<br />
a pena fixada erradamente pela sentença, não há nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />
por proclamar.<br />
3. Ação penal. Prova. Delito que <strong>de</strong>ixa vestígio. Exames do<br />
corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito. Realização. Requerimento <strong>de</strong> perícia. In<strong>de</strong>ferimento.<br />
Desnecessida<strong>de</strong> da prova. Fato já <strong>de</strong>monstrado. Inexistência<br />
<strong>de</strong> cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Habeas corpus <strong>de</strong>negado. Não<br />
se caracteriza cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa no in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> prova<br />
<strong>de</strong>snecessária sobre fato já provado.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, in<strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. Alberto Zacharias Toron e, pelo Ministério<br />
Público Fe<strong>de</strong>ral, o Dr. Mário José Gisi.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> habeas corpus impetrado em favor<br />
<strong>de</strong> Orlando Marques dos Santos, contra acórdão proferido pela Quinta Turma<br />
do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que, ao julgar o HC 39.898, com o mesmo objeto<br />
<strong>de</strong>ste, <strong>de</strong>negou-lhe a or<strong>de</strong>m.<br />
O Paciente foi processado perante a 3ª Vara Criminal da Comarca <strong>de</strong> São<br />
Caetano do Sul/SP e con<strong>de</strong>nado, pela prática dos <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecentes,<br />
associação para o tráfico e porte ilegal <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> uso proibido, às penas,
R.T.J. — <strong>204</strong> 747<br />
respectivamente, <strong>de</strong> 15 (quinze), 10 (<strong>de</strong>z) e 4 (quatro) anos <strong>de</strong> reclusão, além do<br />
pagamento <strong>de</strong> 1.080 (um mil e oitenta) dias-multa. Quanto aos crimes da Lei <strong>de</strong><br />
Tóxicos, foi-lhe <strong>de</strong>terminado cumprimento integral da pena em regime fechado.<br />
Tendo apelado a <strong>de</strong>fesa e a acusação, a sentença foi reformada para se reduzir<br />
o quantum da pena aplicada, <strong>de</strong>terminar-se o cumprimento das penas restritivas<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> em regime inicialmente fechado e <strong>de</strong>clarar o perdimento dos produtos<br />
usados nas práticas <strong>de</strong>lituosas.<br />
As <strong>de</strong>mais teses da <strong>de</strong>fesa, todavia, não foram sufragadas. Sustentavam os<br />
Impetrantes que a <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória, proferida pelo Juízo <strong>de</strong> Primeiro Grau,<br />
seria nula, por não ostentar fundamentação válida, bem como por ter fixado pena<br />
sem respeito ao critério trifásico, previsto no art. 68 do Código Penal. Alegavam,<br />
ainda, que a <strong>de</strong>fesa teria sido cerceada, em razão do in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> perícia<br />
grafotécnica <strong>de</strong> documentos apreendidos.<br />
O extinto Tribunal <strong>de</strong> Alçada Criminal do Estado <strong>de</strong> São Paulo afastou a<br />
preliminar <strong>de</strong> “nulida<strong>de</strong> da sentença por falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição relativa ao envolvimento<br />
<strong>de</strong> cada acusado com a organização criminosa mencionada na <strong>de</strong>núncia”,<br />
por enten<strong>de</strong>r que a fundamentação, posto sucinta, é válida, não havendo necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> a sentença analisar todas as teses <strong>de</strong>fensivas. Igualmente, enten<strong>de</strong>u <strong>de</strong>scabida<br />
a argüição <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão por falta <strong>de</strong> fundamentação na dosagem<br />
das penas. E, quanto à alegada nulida<strong>de</strong> por inexistência <strong>de</strong> exame grafotécnico,<br />
enten<strong>de</strong>u que o pedido <strong>de</strong> perícia era inconsistente, porque formulado apenas em<br />
alegações finais.<br />
A <strong>de</strong>fesa, então, opôs embargos <strong>de</strong>claratórios, ten<strong>de</strong>ntes a sanar omissão<br />
(fls. 99-104). Foram rejeitados (fls. 105-109).<br />
Impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, requerendo<br />
fosse anulada a sentença por <strong>de</strong>ficiência na fundamentação, <strong>de</strong>sobediência ao<br />
critério trifásico na dosimetria da pena e não realização da perícia. O Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>cidiu em acórdão assim ementado e tido como configurador<br />
<strong>de</strong> constrangimento ilegal:<br />
Criminal. HC. Tráfico <strong>de</strong> entorpecentes. Associação para o tráfico. Porte ilegal <strong>de</strong><br />
arma <strong>de</strong> fogo. Nulida<strong>de</strong>s. Deficiência <strong>de</strong> fundamentação da sentença. Desobediência ao<br />
critério trifásico. Não-realização <strong>de</strong> perícia em documentos. Inocorrência. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
I – Alegação <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da sentença, proferida <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>ficientemente fundamentada<br />
e em <strong>de</strong>srespeito ao critério trifásico do art. 68 do CP, além <strong>de</strong> se basear em documentos<br />
apreendidos, não submetidos à perícia.<br />
II – A não reprodução, no corpo da sentença, do teor dos <strong>de</strong>poimentos e documentos<br />
constantes dos autos, não invalida, por si só, o <strong>de</strong>creto, se, apesar <strong>de</strong> sucinto, expressa motivação<br />
suficiente para a con<strong>de</strong>nação do réu, confirmada pelo Tribunal a quo, <strong>de</strong> forma exaustiva.<br />
III – A análise do teor dos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> testemunhas, bem como <strong>de</strong> outros elementos<br />
<strong>de</strong> provas contidas na ação penal, com o objetivo <strong>de</strong> refutar a con<strong>de</strong>nação do paciente, não se<br />
faz possível na via eleita, pois o writ não se presta para a cognição aprofundada do material<br />
probatório.<br />
IV – Tendo a Corte <strong>de</strong> Alçada reformado a sentença con<strong>de</strong>natória, quanto à dosimetria<br />
da pena, consi<strong>de</strong>rando errônea a apreciação da reincidência do paciente para efeito <strong>de</strong> fixação<br />
da pena-base, reduzindo, em conseqüência, a reprimenda imposta, torna-se <strong>de</strong>scabida a insurgência<br />
contra o ato reformulado.
748<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
V – A autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escritos em documentos particulares <strong>de</strong>ve ser verificada durante<br />
a instrução processual, não havendo nulida<strong>de</strong> na falta <strong>de</strong> realização da perícia, requerida,<br />
implicitamente, somente quando do oferecimento das alegações finais.<br />
VI – Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(HC 39.898, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ <strong>de</strong> 27-6-05.)<br />
Neste habeas corpus, a <strong>de</strong>fesa reproduz as alegações da impetração ao Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça, sustentando, em suma, nulida<strong>de</strong> da sentença por falta<br />
<strong>de</strong> fundamentação, inobservância do critério trifásico e nulida<strong>de</strong> absoluta por<br />
<strong>de</strong>negação <strong>de</strong> perícia nos documentos que, alega, serviram <strong>de</strong> base à con<strong>de</strong>nação.<br />
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo in<strong>de</strong>ferimento do pedido<br />
(fls. 152-159).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Analiso cada um dos argumentos<br />
da impetração, separadamente.<br />
2. O primeiro, que argúi nulida<strong>de</strong> da sentença por falta <strong>de</strong> fundamentação,<br />
não colhe.<br />
Tenho que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> primeiro grau até po<strong>de</strong>ria, em tese, ser tida por nula,<br />
à conta <strong>de</strong> motivação aparente, e não sucinta, como bem a reconheceu o extinto<br />
Tribunal <strong>de</strong> Alçada Criminal do Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Mas o certo é que o recurso <strong>de</strong> apelação, interposto pela <strong>de</strong>fesa, não se limitou<br />
a averbar tal nulida<strong>de</strong>, agora ressuscitada, mas <strong>de</strong>volveu ao tribunal estadual<br />
o exame do mérito mesmo da causa. Colho do acórdão ali proferido:<br />
Quanto ao mérito, mesmo superadas todas as inúmeras preliminares, acredita inexistir<br />
prova idônea para a sua con<strong>de</strong>nação. Inicialmente, questiona o motivo pelo qual os policiais<br />
fe<strong>de</strong>rais foram aon<strong>de</strong> estava preso. Afirma que as explicações dadas por esses agentes <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>,<br />
em pretório, nada esclarecem sobre o assunto. Por outro lado, ressalva que, após tentativa<br />
frustrada <strong>de</strong> extorqui-lo, passou a sofrer vários processos criminais, nos quais restou absolvido<br />
ou impronunciado. Imagina que está sendo processado por vingança. Examinando a prova dos<br />
autos, observa que a sua única fonte são os relatórios policiais. Põe em dúvida se os números dos<br />
relatórios realmente estavam em seus documentos. A<strong>de</strong>mais, como afirmam que os documentos<br />
aludidos <strong>de</strong>stinassem ao tráfico ilícito? Concluindo, enten<strong>de</strong> que não se partiu <strong>de</strong> indícios para<br />
chegar ao autor do crime e, sim, elegeu-se um autor para, ao <strong>de</strong>pois, juntarem os indícios.<br />
Passa, então, a mencionar jurisprudência sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prova segura para a con<strong>de</strong>nação.<br />
Pe<strong>de</strong>, no caso <strong>de</strong> ser admitida a sua associação para cometer crimes da Lei <strong>de</strong> Tóxicos,<br />
subsidiariamente, sua absolvição nos crimes <strong>de</strong> tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecente e <strong>de</strong> porte <strong>de</strong><br />
arma sem autorização, visto que se encontrava preso em Goiânia. Ainda subsidiariamente,<br />
quer a diminuição da penas impostas, posto que é falsa a idéia <strong>de</strong> que o tráfico <strong>de</strong> entorpecentes<br />
dá origem aos males que assolam o país. Daí por que a simples gravida<strong>de</strong> do crime não<br />
leva a uma obrigatória exasperação das penas e imposição <strong>de</strong> regime carcerário mais gravoso<br />
(fls. 1748/1749).<br />
(fls. 61-62.)<br />
Ora, somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> afastadas as preliminares é que o acórdão entrou a<br />
tecer consi<strong>de</strong>rações sobre a prova colhida e, então, resolvendo a questão que lhe
R.T.J. — <strong>204</strong> 749<br />
foi posta, exaustivamente fundamentou a con<strong>de</strong>nação do Paciente, transcrevendo<br />
trechos dos <strong>de</strong>poimentos das testemunhas (fls. 78-86), como consta, aliás, também<br />
da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> voto em separado.<br />
De modo que o tribunal não supriu falta <strong>de</strong> fundamentação da sentença,<br />
mas, isto sim, repudiando a preliminar, analisou em profundida<strong>de</strong> a questão <strong>de</strong><br />
mérito que lhe foi <strong>de</strong>volvida, fazendo-o, pois, <strong>de</strong> forma plenamente fundamentada.<br />
3. Alega ainda a <strong>de</strong>fesa que o magistrado não fundamentou a fixação da<br />
pena e <strong>de</strong>srespeitou o critério trifásico previsto no art. 68 do Código Penal, porque<br />
promoveu o aumento com base apenas na gravida<strong>de</strong> genérica dos <strong>de</strong>litos.<br />
Consta, <strong>de</strong> fato, da <strong>de</strong>cisão monocrática que “as circunstâncias do art. 59 do<br />
Código Penal, já se consi<strong>de</strong>rando as reincidências dos réus Orlando e Wan<strong>de</strong>rley<br />
(fls. 581 e 583), são ‘in totum’ <strong>de</strong>sfavoráveis aos réus, pois se trata <strong>de</strong> organização<br />
criminosa que sobrevive às custas da <strong>de</strong>sgraça dos seres humanos, levando<br />
estes ao vício mortal, <strong>de</strong>struindo-se famílias e famílias (...), o que redunda na<br />
conclusão <strong>de</strong> que os réus têm personalida<strong>de</strong> hostil e violenta, com ‘animus’ <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>struição dos seres humanos, o que os leva a serem consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> extrema<br />
periculosida<strong>de</strong>, mormente em se consi<strong>de</strong>rando todos os bens <strong>de</strong> altíssimo valor<br />
e a expressiva quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga apreendidos, pelo que o Estado, como resposta<br />
penal, <strong>de</strong>ve aplicar a pena máxima (...), sendo, ‘ipso facto’, a pena-base <strong>de</strong><br />
todos os réus fixada em quinze (15) anos <strong>de</strong> reclusão e trezentos e sessenta (360)<br />
dias-multa no crime do artigo 12 da Lei <strong>de</strong> Tóxicos; <strong>de</strong>z (10) anos <strong>de</strong> reclusão<br />
e trezentos e sessenta dias-multa no crime do art. 10 § 2º, da Lei <strong>de</strong> Armas; (...)<br />
As penas indigitadas permanecem <strong>de</strong>finitivas como tais, à míngua <strong>de</strong> causa modificadora,<br />
pois já consi<strong>de</strong>rei as reincidências dos réus Orlando e Wan<strong>de</strong>rley na<br />
primeira fase <strong>de</strong> fixação da pena (Pena-base)”.<br />
Sustenta a <strong>de</strong>fesa que houve violação ao art. 68 do Código Penal, porque<br />
o Juízo levou em consi<strong>de</strong>ração, para fixação da própria pena-base, que <strong>de</strong>veria<br />
ser norteada pelos critérios do art. 59 do Código Penal, uma circunstância legal,<br />
a reincidência (art. 61, inciso I, do Código Penal). O Tribunal reduziu as penas,<br />
mas, alega a <strong>de</strong>fesa, não especificou todas as fases do cálculo para chegar ao<br />
novo montante, razão por que teria incorrido no mesmo vício da <strong>de</strong>cisão que<br />
substituiu.<br />
Não assiste, porém, razão aos Impetrantes. A reincidência foi afastada<br />
como critério <strong>de</strong>terminante da fixação da pena-base, e o total da pena também<br />
acabou reduzido, como se colhe do acórdão:<br />
Em se cuidando <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecente, nem mesmo a primarieda<strong>de</strong> leva a fixação<br />
das penas nos seus mínimos legais. (...) Daí a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não se consi<strong>de</strong>rar a reincidência<br />
do acusado Orlando na dosimetria, como fez o juiz singular (fls. 145/146).<br />
4. Por fim, a <strong>de</strong>fesa alega que, na sentença con<strong>de</strong>natória, “faz-se menção a<br />
‘documentos e agendas’ que seriam indicativos da ligação entre todos os réus<br />
numa organização voltada para fins <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecentes”. Tendo requerido<br />
realização <strong>de</strong> perícia grafotécnica dos documentos apreendidos, o que lhe
750<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
foi in<strong>de</strong>ferido, requer seja anulada a sentença con<strong>de</strong>natória por conseqüente<br />
cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />
É certo que os <strong>de</strong>litos cuja prática <strong>de</strong>ixa vestígio requerem, para comprovação,<br />
exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito. Realizados a contento todos os outros exames<br />
do corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, o que se preten<strong>de</strong>, aqui, é a realização doutro, que ateste se<br />
a grafia dos documentos é do punho do Paciente. Mas tal prova seria irrelevante<br />
para <strong>de</strong>monstração do liame da associação para o tráfico, a qual, a<strong>de</strong>mais, foi<br />
comprovada, segundo a <strong>de</strong>cisão do extinto Tacrim/SP, por outros tantos indícios.<br />
5. De tudo, <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 87.071/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Orlando Marques<br />
dos Santos. Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e outros. Coator: Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus,<br />
nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. Alberto Zacharias<br />
Toron e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Dr. Mário José Gisi.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />
Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 751<br />
HABEAS CORPUS 87.926 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Pacientes: Paulo Francisco da Costa Aguiar Toschi e Sérgio Antônio<br />
Bertussi — Impetrantes: Arnaldo Malheiros Filho e outros — Coator: Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Ação penal. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público.<br />
Sustentações orais. Inversão na or<strong>de</strong>m. Inadmissibilida<strong>de</strong>.<br />
Sustentação oral da <strong>de</strong>fesa após a do representante do Ministério<br />
Público. Provimento ao recurso. Con<strong>de</strong>nação do réu. Ofensa às<br />
regras do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa, elementares do <strong>de</strong>vido<br />
processo legal. Nulida<strong>de</strong> reconhecida. Habeas corpus concedido.<br />
Prece<strong>de</strong>nte. Inteligência do art. 5º, LIV e LV, da CF, do art. 610,<br />
parágrafo único, do CPP e do art. 143, § 2º, do Regimento Interno<br />
do TRF da 3ª Região. No processo criminal, a sustentação oral<br />
do representante do Ministério Público, sobretudo quando seja<br />
recorrente único, <strong>de</strong>ve sempre prece<strong>de</strong>r à da <strong>de</strong>fesa, sob pena <strong>de</strong><br />
nulida<strong>de</strong> do julgamento.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos e nos termos do voto do Relator, conce<strong>de</strong>r a or<strong>de</strong>m em favor do Paciente<br />
Sérgio Antônio Bertussi e julgar prejudicado o pedido quanto ao Paciente Paulo<br />
Francisco da Costa Aguiar Toschi, por <strong>de</strong>curso do prazo prescricional. Ausente,<br />
licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pelos Pacientes, o Dr. Arnaldo<br />
Malheiros e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Procurador-Geral da República,<br />
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> habeas corpus impetrado em<br />
favor <strong>de</strong> Paulo Francisco da Costa Aguiar Toschi e Sérgio Antônio Bertussi, contra<br />
<strong>de</strong>cisão proferida pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que, por maioria <strong>de</strong> votos,<br />
<strong>de</strong>negou-lhes a or<strong>de</strong>m nos autos do HC 41.667, nos seguintes termos:<br />
Habeas corpus. Processual penal. Crimes contra o sistema financeiro. Denúncia rejeitada.<br />
Recurso em sentido estrito. Provimento. Sustentação oral perante o Tribunal. Or<strong>de</strong>m.<br />
Art. 610, parágrafo único, e art. 618, ambos do CPP. Órgão ministerial, na função precípua<br />
<strong>de</strong> custus legis (sic) fala por último. Ausência <strong>de</strong> ofensa à ampla <strong>de</strong>fesa e ao contraditório.<br />
Prejuízo in<strong>de</strong>monstrado.<br />
1. A or<strong>de</strong>m estabelecida pela lei processual para a sustentação oral em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso<br />
em sentido estrito, diferentemente do que estatui o art. 500 do CPP, <strong>de</strong>ixa o representante do<br />
Ministério Público por último. Inteligência dos arts. 610, parágrafo único, e 618, do CPP.
752<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
2. De um lado, resta claro o papel <strong>de</strong> parte do órgão ministerial que recorre, como no<br />
caso, buscando o recebimento da <strong>de</strong>núncia; <strong>de</strong> outro lado, o representante do Parquet que<br />
atua em segundo grau e nas instâncias extraordinárias exerce o papel precípuo <strong>de</strong> custus legis<br />
(sic). E, inclusive, não está ele vinculado às razões recursais, po<strong>de</strong>ndo tranqüilamente, por<br />
ocasião do julgamento, opinar em sentido diverso, em favor do réu. É o que acontece também<br />
neste Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em que o Regimento Interno dispõe no seu art. 159, § 2º,<br />
que, nessa condição <strong>de</strong> fiscal da lei, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral “fala após o recorrente e o<br />
recorrido”.<br />
3. Ainda que assim não fosse, “ne pas <strong>de</strong> nulitté sans grief”, ou seja, não há nulida<strong>de</strong><br />
sem prejuízo (art. 563, CPP), que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>monstrado. O simples fato <strong>de</strong> ter sido dado provimento<br />
ao recurso ministerial não implica, necessariamente, ter havido prejuízo à <strong>de</strong>fesa. É<br />
evi<strong>de</strong>nte que a <strong>de</strong>cisão lhe foi <strong>de</strong>sfavorável, mas o prejuízo a ser <strong>de</strong>monstrado para a nulificação<br />
do ato <strong>de</strong>ve estar ligado aos fundamentos utilizados como razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, ou quaisquer<br />
outras circunstâncias que, sem ter podido reagir a <strong>de</strong>fesa, foram <strong>de</strong>cisivas no resultado.<br />
Seria o caso, por exemplo, <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar o réu que sua <strong>de</strong>fesa ficou prejudicada porque<br />
tal ou qual argumento <strong>de</strong>duzido pela acusação não pô<strong>de</strong> ser, na oportunida<strong>de</strong>, contraditado. Se<br />
não houve qualquer relevância na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> apresentação dos respectivos argumentos, tendo<br />
sido todos contrapostos, não há falar em ofensa ao contraditório ou à ampla <strong>de</strong>fesa. Cumpre<br />
<strong>de</strong>stacar, nesse ponto, que a impetração se limitou a argüir a nulida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>monstrar efetivo<br />
prejuízo. Prece<strong>de</strong>nte.<br />
4. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(fls. 37-58.)<br />
Os Pacientes estavam sendo processados perante a 1a Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal<br />
da Subseção Judiciária <strong>de</strong> São Paulo, pela prática do <strong>de</strong>lito previsto no art.<br />
10 da Lei 7.492/86, em razão <strong>de</strong> o Banco Mercantil Finasa S.A. – instituição<br />
financeira <strong>de</strong> que são diretores responsáveis, respectivamente, pela área contábil/<br />
auditoria e pela carteira <strong>de</strong> crédito imobiliário – ter, segundo narra a <strong>de</strong>núncia,<br />
promovido a baixa <strong>de</strong> 987 e, <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> 797 contratos <strong>de</strong> financiamento, sem<br />
efetivo ingresso dos respectivos recursos na instituição.<br />
O Juízo <strong>de</strong> 1º grau rejeitou a <strong>de</strong>núncia por enten<strong>de</strong>r que a imputação implicava<br />
atribuição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> unicamente objetiva.<br />
O Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi provido<br />
pelo Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 3ª Região, dando início, então, ao processocrime<br />
registrado sob o número 2001.61.81.005478-9, ora em trâmite na 6ª Vara<br />
Criminal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo, especializada em crimes contra sistema nacional<br />
e lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
Alegam os Impetrantes que o julgamento do recurso em sentido estrito,<br />
pelo Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 3ª Região, é absolutamente nulo, uma vez<br />
que, na sessão, o patrono dos Pacientes foi instado a proferir sustentação oral<br />
antes do Procurador-Geral.<br />
Segundo narra a inicial, “tratando-se, porém, <strong>de</strong> recurso da Acusação, o<br />
primeiro impetrante levantou questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, pedindo que o recorrente sustentasse<br />
oralmente suas razões antes do procurador dos recorridos”.<br />
A questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m foi, contudo, rejeitada por unanimida<strong>de</strong>, sob o argumento<br />
<strong>de</strong> que o Ministério Público, em segundo grau, funciona apenas como<br />
custos legis:
R.T.J. — <strong>204</strong> 753<br />
A Turma, à unanimida<strong>de</strong>, rejeitou a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m suscitada pela <strong>de</strong>fesa no sentido<br />
<strong>de</strong> que o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral se manifestasse previamente à sua sustentação oral, ao<br />
argumento <strong>de</strong> que não se confun<strong>de</strong>m os papéis do Ministério Público ora como recorrente,<br />
ora como custos legis e, na presente situação, o Procurador Regional da República atua como<br />
custos legis. No mérito, a Turma, à unanimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>u provimento ao recurso para receber a<br />
<strong>de</strong>núncia oferecida em face <strong>de</strong> Paulo Francisco da Costa Aguiar Toschi e <strong>de</strong> Sérgio Antônio<br />
Bertussi, nos termos do voto do(a) relator(a).<br />
Foi, então, impetrado habeas corpus perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />
que, como visto, <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m, por maioria <strong>de</strong> votos.<br />
Contra tal <strong>de</strong>cisão volta-se o presente pedido <strong>de</strong> writ, no qual os Impetrantes,<br />
em síntese, sustentam que o Ministério Público é órgão uno e indivisível,<br />
sendo impróprio invocar-se a figura <strong>de</strong> custos legis para justificar a imposição,<br />
feita à <strong>de</strong>fesa dos Pacientes, <strong>de</strong> que proce<strong>de</strong>sse à sustentação oral antes do representante<br />
do Ministério Público. Alegam, pois, ofensa à garantia constitucional do<br />
contraditório, que pressupõe o direito <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa falar por último, notadamente<br />
nos recursos exclusivos da acusação, como ocorre no caso.<br />
A Procuradoria-Geral da República opinou pela <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m (fls.<br />
62-66), verbis:<br />
7. Como se vê, não merece prosperar a impetração.<br />
8. Primeiro, a manifestação oral do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, feita quando do<br />
julgamento do recurso em sentido estrito, não se encontra nos autos, <strong>de</strong> modo a falar que a<br />
sustentação tenha influenciado no julgamento do referido recurso, que recebeu a <strong>de</strong>núncia.<br />
Assim, não há prejuízo, a justificar a anulação do julgamento. Não havendo prejuízo, não há<br />
falar em nulida<strong>de</strong>. A<strong>de</strong>mais, trata-se <strong>de</strong> questiúncula, no caso, <strong>de</strong> menor importância, que não<br />
teve qualquer influência no julgamento.<br />
9. Assim, mesmo corretos os argumentos dos impetrantes, só para argumentar, haveria<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existir prejuízo, como mencionado. Prejuízo este <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> novos<br />
argumentos do parquet, quando do julgamento, que tenham servido <strong>de</strong> base para os <strong>de</strong>sembargadores<br />
fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong>cidirem. Isso não ocorreu. Desse modo, não estando aqui transcritos<br />
os argumentos apresentados, nem evi<strong>de</strong>nciados que foram eles, em 2ª. Instância, que <strong>de</strong>ram<br />
origem à <strong>de</strong>cisão hostilizada, não há porque anular o julgado – ne pas <strong>de</strong> nullité sans grief.<br />
10. Segundo, não há ofensa ao contraditório, porque não houve qualquer relevância<br />
na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> apresentação dos respectivos argumentos, como menciona a ilustre Ministra do<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (fl. 49). Ainda: “cumpre <strong>de</strong>stacar, nesse ponto, que a impetração<br />
se limitou a argüir a nulida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>monstrar efetivo prejuízo.” – grifos do original (fl. 49).<br />
11. Por igual, são relevantes os argumentos da r. Ministra Relatora, que, com espeque<br />
no art. 618 do C. P. Penal, salienta serem os regimentos internos dos Tribunais complementares<br />
à norma processual, quanto aos processos e julgamentos <strong>de</strong> recursos e apelações. Diz, no<br />
ponto, verbis (fl. 48):<br />
“Note-se que a or<strong>de</strong>m estabelecida pela lei processual para a sustentação oral<br />
em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso em sentido estrito, diferentemente do que estatui o art. 500 do CPP,<br />
<strong>de</strong>ixa o representante do Ministério Público por último.<br />
De um lado, resta claro o papel <strong>de</strong> parte do órgão ministerial que recorre, como<br />
no caso, buscando o recebimento da <strong>de</strong>núncia; <strong>de</strong> outro lado, o representante do Parquet<br />
que atua em segundo grau e nas instâncias extraordinárias exerce o papel precípuo<br />
<strong>de</strong> custus legis (sic). É bom lembrar, inclusive, que não está ele vinculado às razões<br />
recursais, po<strong>de</strong>ndo tranqüilamente, por ocasião do julgamento, opinar em sentido diverso,<br />
em favor do réu. É o que acontece também neste Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />
em que o Regimento Interno dispõe no art. 159, § 2º, que, nessa condição <strong>de</strong> fiscal da<br />
lei, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral ‘fala após o recorrente e o recorrido’. Ao que consta,<br />
no mesmo sentido é o Regimento Interno do TRF da 3ª Região”.
754<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
12. Terceiro, como reconhecido pelo Tribunal dito coator, o Ministério Público, em 2ª<br />
Instância atua como fiscal da lei, quando a ação não é <strong>de</strong> competência originária. E, portanto,<br />
como custos legis po<strong>de</strong> ele, inclusive, manifestar-se contra a própria ação, como muitas vezes<br />
acontece. Em 2ª Instância, o membro do parquet não é obrigado a manter a pretensão posta<br />
pelo seu colega <strong>de</strong> 1 ª Instância. Por isso, corretas as palavras do Ministro Félix Fischer (fl. 51):<br />
“Se ele não fosse custos legis, seria <strong>de</strong>claradamente inconstitucional a manifestação<br />
feita por escrito por órgão que atua em segundo grau ou então aqui também. É<br />
que haveria uma intervenção a mais, em frontal quebra do contraditório. Com o custos<br />
legis não há qualquer irregularida<strong>de</strong>.<br />
A existência <strong>de</strong> um parecer no nosso sistema, que inegavelmente é híbrido –<br />
dificilmente tem alguma correlação com outros sistemas – temos uma intervenção a mais<br />
que só é possível se o Ministério Público for consi<strong>de</strong>rado, nesses casos, como sendo<br />
fiscal da lei.<br />
Penso que, sendo fiscal da lei, obrigá-lo, a não ser nas hipóteses em que a lei<br />
assim o exija, a atuar conforme o recurso seja do Ministério Público ou da <strong>de</strong>fesa, não<br />
tem sentido porque, afinal <strong>de</strong> contas, ele é o fiscal da lei em segundo grau. E é assim<br />
também aqui. Só <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser fiscal da lei quando o Ministério Público atua junto aos<br />
Tribunais na competência originária.<br />
É, repito, um sistema híbrido, mas se enten<strong>de</strong>rmos que não é assim, teremos <strong>de</strong><br />
pensar que o parecer não po<strong>de</strong> existir, pois seria uma intervenção a mais, que a <strong>de</strong>fesa<br />
não possui”.<br />
13. Quarto, se a Constituição (art. 96, item I, letra a, da Constituição) <strong>de</strong>fere aos Tribunais<br />
elaborar as normas <strong>de</strong> processo e <strong>de</strong>ferir as garantias das partes, não havendo norma<br />
processual em sentido contrário no Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 3 ª Região, <strong>de</strong>ve prevalecer,<br />
como no caso, a norma geral que estabelece que o custos legis fala, na sessão, após o(s) advogado(s)<br />
das partes.<br />
14. Por estas breves razões, manifesta-se a Procuradoria-Geral da República pelo<br />
in<strong>de</strong>ferimento do writ.<br />
(fls. 64-66.)<br />
Concedi liminar (fls. 98-101), <strong>de</strong>terminando a suspensão do processocrime<br />
movido contra os Pacientes, até o julgamento final <strong>de</strong>ste pedido.<br />
Iniciado o julgamento em 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006, o Ministro Joaquim<br />
Barbosa pediu vista dos autos.<br />
Retomado o julgamento, em 13 <strong>de</strong> novembro p.p., a Segunda Turma, acolhendo<br />
proposta do Ministro Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>liberou submeter o julgamento<br />
da presente causa ao Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Neste ínterim, o Juízo da 6ª Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal, especializada em crimes<br />
contra o sistema financeiro nacional e em lavagem <strong>de</strong> dinheiro, informou que foi<br />
<strong>de</strong>clarada extinta a punibilida<strong>de</strong> dos fatos imputados ao Paciente Paulo Francisco<br />
da Costa Aguiar, com fundamento nos arts. 107, inciso IV, 109, inciso III, e 115<br />
do Código Penal e no art. 61 do Código <strong>de</strong> Processo Penal (fls. 130-136).<br />
A <strong>de</strong>fesa reiterou os termos da impetração, porque a ação penal prossegue<br />
em relação ao outro Paciente, Sérgio Antônio Bertussi (fl. 143).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A questão última <strong>de</strong>sta causa está<br />
em saber se, em sessão <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recurso exclusivo da acusação, po<strong>de</strong> o
R.T.J. — <strong>204</strong> 755<br />
representante do Ministério Público manifestar-se somente <strong>de</strong>pois da sustentação<br />
oral da <strong>de</strong>fesa.<br />
Penso que não.<br />
2. Ainda que invoque a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> custos legis, o representante do Ministério<br />
Público <strong>de</strong>ve sempre pronunciar-se, na sessão <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recurso,<br />
antes da sustentação oral da <strong>de</strong>fesa.<br />
As partes têm direito à estrita observância do procedimento tipificado na<br />
lei, como concretização do princípio do <strong>de</strong>vido processo legal, a cujo âmbito pertencem<br />
as garantias específicas do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa (art. 5º, LIV e<br />
LV, da Constituição da República).<br />
O exercício do contraditório <strong>de</strong>ve, assim, permear todo o processo, garantindo<br />
sempre, como ônus, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestações oportunas e eficazes<br />
da <strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong> arrazoar e contra-arrazoar recursos, até a <strong>de</strong> se fazer ouvir<br />
no próprio julgamento <strong>de</strong>stes.<br />
Em recurso em sentido estrito, interposto contra <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> rejeição da<br />
<strong>de</strong>núncia, o <strong>de</strong>nunciado que, como é óbvio, ainda não foi citado, <strong>de</strong>ve ter<br />
assegurado o exercício do ônus <strong>de</strong> se manifestar nos autos, pois seu interesse<br />
primordial resi<strong>de</strong> em não ser réu, ou seja, em não lhe ser instaurada ação penal.<br />
Foi tal entendimento que levou esta Casa a editar a Súmula 707, a qual enuncia<br />
que “constitui nulida<strong>de</strong> a falta <strong>de</strong> intimação do <strong>de</strong>nunciado para oferecer contrarazões<br />
ao recurso interposto da rejeição da <strong>de</strong>núncia, não a suprindo a nomeação<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor dativo”.<br />
Estou em que fere, igualmente, as garantias da <strong>de</strong>fesa todo expediente<br />
que impeça o acusado <strong>de</strong>, por meio do <strong>de</strong>fensor, usar da palavra por último, em<br />
sustentação oral, sobretudo nos casos <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recurso exclusivo da<br />
acusa ção. Invocar, para negá-la, a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> custos legis do Ministério Público<br />
perante os tribunais, em se<strong>de</strong> recursal, parece-me caracterizar um <strong>de</strong>sses artifícios<br />
lingüísticos que ten<strong>de</strong>m a fraudar as garantias essenciais a sistema penal<br />
verda<strong>de</strong>iramente acusatório ou <strong>de</strong> partes.<br />
Em excelente estudo sobre o tema, o ex-Procurador-Geral do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />
Rogério Schietti anota:<br />
É, pois, superficial e simplista a distinção entre Ministério Público agente (parte) e<br />
Ministério Público consulente (fiscal), eis que, na ação penal con<strong>de</strong>natória, por mais que uma<br />
<strong>de</strong>ssas funções se esconda por trás da roupagem verbal ou escrita da manifestação do membro<br />
do Parquet, estará ela presente. 1<br />
De fato, na ação penal <strong>de</strong> iniciativa pública, condicionada ou não, o Ministério<br />
Público é parte, se não em sentido material – porque o po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
acusar e punir não é <strong>de</strong>le, mas do Estado 2 –, é-o, ao menos formalmente, parte<br />
acusadora:<br />
1 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias processuais nos recursos criminais. São Paulo: Atlas,<br />
2002. p. 94-95.<br />
2 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. São<br />
Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2005, p. 146-159; MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério<br />
Público. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 259.
756<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Ministério Público atua no pólo ativo <strong>de</strong> toda ação penal por ele iniciada, formulando<br />
a acusação, recolhendo provas e promovendo a ação penal rumo à obtenção <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão<br />
judicial. Logo, não é <strong>de</strong> negar-se-lhe a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “parte” na relação processual penal. (...) O<br />
Ministério Público, por conseguinte, é uma parte diferenciada, sui generis, e em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />
peculiarida<strong>de</strong> em seu modo <strong>de</strong> agir diz-se que o Ministério Público é “parte formal”, “parte<br />
instrumental”, ou mesmo, paradoxalmente, “parte imparcial”. 3<br />
Desse modo, entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério<br />
Público no campo recursal, em processo-crime: não há excogitar que, em primeira<br />
instância, seu representante atue apenas como parte formal e, em grau <strong>de</strong><br />
recurso – que, frise-se, constitui mera fase do mesmo processo –, dispa-se <strong>de</strong>ssa<br />
função para entrar a agir como simples fiscal da lei.<br />
Órgão uno e indivisível, na dicção do art. 127, § 1º, da Constituição da<br />
República, não há como admitir que o Ministério Público opere tão-só como<br />
custos legis no curso <strong>de</strong> processo em que, em fase diversa, já tenha funcionado,<br />
mediante outro órgão, como encarregado da acusação, sob pena <strong>de</strong> violentar a<br />
própria sintaxe acusatória do processo penal. O conteúdo da opinião legal, <strong>de</strong><br />
fundo, exposto no parecer ou na sustentação oral, é <strong>de</strong> pouco relevo neste tema.<br />
Ou seja, ainda que, no mérito, o Ministério Público postule a absolvição do<br />
acusado, continua sempre órgão incumbido da acusação e não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> agir ou <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r agir como parte que é. Conclusão diversa levaria à concepção <strong>de</strong> processo<br />
<strong>de</strong> parte única, o acusado, o que parece absurdo diante <strong>de</strong> um sistema garantista,<br />
acusatório, agônico, marcado pela garantia <strong>de</strong> contraditorieda<strong>de</strong>. 4<br />
Permitir, pois, que o representante do Ministério Público promova sustentação<br />
oral <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>fesa, ainda mais no caso <strong>de</strong> ser ele o recorrente, comprometeria<br />
o pleno exercício do contraditório, que pressupõe o direito <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa<br />
falar por último, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, querendo, reagir à opinião do Parquet. Afinal,<br />
na lição velha e clássica <strong>de</strong> Joaquim Canuto Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida, contraditório<br />
é a “ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contrariálos”,<br />
5 ou seja, or<strong>de</strong>m que implica possibilida<strong>de</strong> estrutural <strong>de</strong> realizar ações lingüísticas<br />
ou reais <strong>de</strong> contradição, a título <strong>de</strong> reação regrada a ações da outra parte.<br />
Visando, pois, a dar-lhe plena eficácia, pugna a doutrina pelo reconhecimento<br />
e garantia do direito ou po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> o acusado falar por último, notadamente<br />
nas sessões <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recursos interpostos apenas pela acusação:<br />
Po<strong>de</strong>ndo ser a manifestação do Ministério Público, como parte ou fiscal da lei, “carga<br />
contra o réu”, já que em tese po<strong>de</strong> se colocar ao lado do colega acusador <strong>de</strong> primeira instância,<br />
é evi<strong>de</strong>nte, por força do contraditório, da garantia do <strong>de</strong>vido processo legal e do princípio da<br />
ampla <strong>de</strong>fesa, que não po<strong>de</strong> ser a última. (...) A inversão processual consagrada pela intelecção<br />
que prestigia a manifestação do Procurador (<strong>de</strong> Justiça ou da República) por último, ocasiona<br />
um sério prejuízo ao recorrido, que não po<strong>de</strong> se manifestar repelindo os argumentos eventualmente<br />
incriminadores ou mesmo para ampliar e melhor trabalhar os que lhe forem favoráveis.<br />
3 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. cit., p. 80-81.<br />
4 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. cit., p. 89.<br />
5 Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 1973, p. 82. Grifei.
R.T.J. — <strong>204</strong> 757<br />
Nessa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias, torna-se irrefutável a conclusão <strong>de</strong> que, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, o<br />
representante do Ministério Público em segunda instância não po<strong>de</strong> se manifestar por último<br />
quando o órgão recorrente for seu colega <strong>de</strong> primeira instância.6<br />
O acusado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua posição contingencial (recorrente ou recorrido)<br />
durante o processamento do recurso, <strong>de</strong>ve ter sempre assegurada a palavra por último, ou, ao<br />
menos, após a intervenção oral do acusador, enquanto exteriorização concreta do princípio<br />
do favor <strong>de</strong>fensionis. Isso porque, consi<strong>de</strong>rando-se a ação penal em sua inteireza, e não apenas<br />
em suas fases procedimentais estanques, o acusado estará sempre na posição <strong>de</strong>fensiva,<br />
rebatendo a imputação que lhe foi en<strong>de</strong>reçada pelo órgão <strong>de</strong> acusação, já que, sendo uma a<br />
relação processual penal, o conflito entre o direito <strong>de</strong> punir do Estado e o direito à liberda<strong>de</strong> do<br />
acusado permanece íntegro no segundo grau <strong>de</strong> jurisdição. (...) Ainda que, portanto, o acusado<br />
venha a ser o autor do recurso, continuará sendo ele o réu da ação penal, com todo o interesse<br />
em perseverar na tentativa <strong>de</strong> expor suas razões fático-jurídicas e <strong>de</strong> mostrar ao tribunal ad<br />
quem o <strong>de</strong>sacerto da tese acusatória e da sentença que lhe foi <strong>de</strong>sfavorável. 7<br />
Comungo da idéia <strong>de</strong> que, no julgamento <strong>de</strong> recursos exclusivos da acusação,<br />
o princípio do contraditório assegura o uso da palavra ao acusado, por intermédio<br />
do <strong>de</strong>fensor, sempre <strong>de</strong>pois da intervenção oral do Ministério Público que oficie<br />
no tribunal:<br />
Mesmo que, gratia argumentandi, se adote o entendimento <strong>de</strong> que o Ministério Público<br />
não exerce qualquer função acusatória no juízo <strong>de</strong> segundo grau (...) ou mesmo quando se<br />
trate <strong>de</strong> ação penal privada (on<strong>de</strong> o Parquet é, aí sim, apenas fiscal da lei), o tribunal <strong>de</strong>verá<br />
conce<strong>de</strong>r a palavra à <strong>de</strong>fesa após a sustentação oral do Parquet. 8<br />
O direito <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa falar por último <strong>de</strong>corre, aliás, do próprio sistema<br />
normativo como se vê, sem esforço, a diversos preceitos do Código <strong>de</strong> Processo<br />
Penal. As testemunhas da acusação são ouvidas antes das arroladas pela <strong>de</strong>fesa<br />
(art. 396, caput). É conferida vista dos autos ao Ministério Público e, só <strong>de</strong>pois,<br />
à <strong>de</strong>fesa, para requerer diligências complementares (art. 499), bem como para<br />
apresentação <strong>de</strong> alegações finais (art. 500, incisos I e III). A <strong>de</strong>fesa manifesta-se<br />
<strong>de</strong>pois do Ministério Público ainda quando funcione este apenas como custos<br />
legis, o que ocorre nas ações penais <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> natureza con<strong>de</strong>natória,<br />
<strong>de</strong> iniciativa privada: <strong>de</strong>termina o art. 500, § 2º, que o Ministério Público, nesses<br />
casos, tenha vista dos autos <strong>de</strong>pois do querelante – e, portanto, antes do querelado.<br />
O próprio RI<strong>STF</strong>, no art. 132, § 5º, tem previsão análoga à do art. 500, § 2º, do<br />
CPP. Neste ponto, aliás, andou bem o Regimento Interno do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
<strong>de</strong> São Paulo, ao prever, no art. 470, inciso VI, que, nas ações penais em que houver<br />
recurso do Ministério Público, falará em primeiro lugar o seu representante<br />
em segunda instância.<br />
Daí a inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação estrita ou dita literal do art. 610,<br />
parágrafo único, do Código <strong>de</strong> Processo Penal, no sentido <strong>de</strong> que o Ministério<br />
Público po<strong>de</strong>ria, na sessão <strong>de</strong> julgamento relativo a recurso, fazer sustentação<br />
oral após a <strong>de</strong>fesa, ainda quando se trate <strong>de</strong> recurso interposto pela própria acusação.<br />
6 TORON, Alberto Zacharias. O contraditório nos Tribunais e o Ministério Público. In: Estudos em<br />
homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2003. p. 99-100.<br />
7 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. e loc. cit.<br />
8 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. cit., p. 192-193.
758<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Na verda<strong>de</strong>, leitura atenta do art. 610, parágrafo único, não induz sequer à<br />
conclusão <strong>de</strong> que, nele, teria o Código estabelecido alguma or<strong>de</strong>m invariável <strong>de</strong><br />
manifestação, pois é regra que contém mera referência à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Ministério<br />
Público manifestar-se, don<strong>de</strong> a pressuposição, esta, sim, <strong>de</strong> toda a lógica<br />
e coerência com os princípios, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>va fazê-lo, quando menos, segundo a<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>corrente da sua posição processual perante o recurso, senão oriunda da<br />
sua contraposição teórica à condição do réu.<br />
De igual modo merece releitura constitucional o disposto no § 2º do art.<br />
143 do Regimento Interno do Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 3ª Região, que dispõe<br />
que o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral fará uso da palavra após o recorrente (que, no<br />
caso dos autos, é ele próprio, por meio do órgão <strong>de</strong> primeiro grau) e o recorrido.<br />
3. A<strong>de</strong>mais, é claro, aqui, o prejuízo da inversão na or<strong>de</strong>m das sustentações<br />
orais:<br />
O parecer (ou qualquer nome que se dê à manifestação escrita ou oral do Parquet),<br />
mesmo <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> roupagem acusatória, po<strong>de</strong>, como já ressaltado linhas atrás, ser <strong>de</strong>terminante<br />
do resultado <strong>de</strong>sfavorável do julgamento em relação ao acusado, o que legitima este, por<br />
conseguinte, a merecer a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercitar o contraditório. 9<br />
O fato <strong>de</strong> ter sido dado provimento ao recurso do Ministério Público indica,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo e com clareza, gravame suficiente ao reconhecimento da nulida<strong>de</strong>,<br />
embora não se negue que <strong>de</strong>fesa eficiente – aquela que, em tese, garantiria resultado<br />
absolutório ou, <strong>de</strong> outra forma, favorável ao acusado – não se confun<strong>de</strong> com<br />
<strong>de</strong>fesa efetiva, esta, sim, exigível à vista da garantia constitucional.<br />
Quando, porém, se impõe ao réu que promova sustentação oral antes da<br />
intervenção do representante do Ministério Público, sobretudo no caso <strong>de</strong> ser<br />
este o recorrente, cria-se manifesta restrição à <strong>de</strong>fesa, com afronta ao art. 5º, LV,<br />
da Constituição da República, o que conduz à nulida<strong>de</strong> do julgamento. A <strong>de</strong>fesa<br />
aí já não é plena, como <strong>de</strong>ve sê-lo, e, por sustentar a invali<strong>de</strong>z, prejuízo virtual<br />
bastaria, porque é, a rigor, impossível sua <strong>de</strong>monstração em ato, como tem a<br />
Corte reconhecido:<br />
1. Defesa: <strong>de</strong>fensoria pública: ausência <strong>de</strong> intimação pessoal da pauta <strong>de</strong> julgamento do<br />
recurso em sentido estrito: nulida<strong>de</strong> absoluta: prece<strong>de</strong>ntes. 2. Sustentação oral frustrada pela<br />
ausência <strong>de</strong> intimação da pauta <strong>de</strong> julgamento: <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> prejuízo: prova impossível<br />
(v.g., HC 69.142, Primeira Turma, 11-2-92, Pertence, RTJ 140/926). Frustrado o direito da<br />
parte à sustentação oral, nulo o julgamento, não cabendo reclamar, a título <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração<br />
<strong>de</strong> prejuízo, a prova impossível <strong>de</strong> que, se utilizada aquela oportunida<strong>de</strong> legal <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, outra<br />
teria sido a <strong>de</strong>cisão do recurso.<br />
(RHC 85.443, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 13-5-05. No mesmo<br />
sentido, cf. HC 83.835, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 26-8-05.)<br />
Senhora Presi<strong>de</strong>nte, quero fazer, aqui, um a<strong>de</strong>ndo a meu voto escrito, para<br />
insistir nesse ponto, que merece consi<strong>de</strong>ração particular.<br />
9 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. cit., p. 193.
R.T.J. — <strong>204</strong> 759<br />
Alegou-se – e, em casos análogos, alega-se sempre – não ter sido <strong>de</strong>monstrado<br />
o prejuízo da <strong>de</strong>fesa. Mas o dano, esse resulta do teor mesmo do julgamento<br />
contrário ao réu e, como tal, é certo e induvidoso. Tenho relevado este<br />
fato intransponível. O prejuízo da <strong>de</strong>fesa, em casos semelhantes, é sempre certo.<br />
Presumida é apenas a relação jurídico-causal entre o vício do processo e o teor<br />
gravoso do julgamento. E tal relação não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> presumir-se ante a impossibilida<strong>de</strong><br />
absoluta <strong>de</strong> se atribuir o resultado injurioso ao réu a causa jurídica<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
Só se po<strong>de</strong>ria, <strong>de</strong>veras, afastar, quando menos, esse nexo entre o <strong>de</strong>feito<br />
processual e a certeza do prejuízo da <strong>de</strong>fesa, se o resultado concreto do julgamento,<br />
caso em que qualquer recurso seria absolutamente anódino e infrutífero, lhe<br />
tivesse sido favorável. Todas as vezes em que, sob argüição <strong>de</strong> vício processual<br />
na sessão <strong>de</strong> julgamento ou na <strong>de</strong>cisão, a <strong>de</strong>fesa sair <strong>de</strong> algum modo prejudicada,<br />
não é lícito opor argumentação baseada na hipótese <strong>de</strong> que, fosse outro o procedimento<br />
adotado, segundo a lei, o resultado teria sido o mesmo. É simplesmente<br />
impossível saber como se comportariam os julgadores, ou o prolator da <strong>de</strong>cisão,<br />
se houvera sido observada a or<strong>de</strong>m legal do processo garantido pela Constituição!<br />
Noutras palavras, não há como nem por on<strong>de</strong> argumentar com o fato <strong>de</strong><br />
que a <strong>de</strong>fesa não seria capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar outro prejuízo, senão com resultado<br />
danoso do caso concreto, porque não se po<strong>de</strong> predizer, ou melhor, não se po<strong>de</strong><br />
adivinhar que, se tivesse sido outra a or<strong>de</strong>m observada, o resultado do julgamento<br />
teria sido o mesmo.<br />
Por isso, esta Corte, não poucas vezes, aludiu à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o réu<br />
provar prejuízo, que eu nem diria mais concreto, porque não há nada mais concreto<br />
que ato <strong>de</strong> todo em todo contrário aos interesses da <strong>de</strong>fesa, como é o juízo<br />
con<strong>de</strong>natório.<br />
A mim me parece, <strong>de</strong>ssarte, que tal objeção, aliás acolhida no acórdão ora<br />
impugnado, não tem, com o <strong>de</strong>vido respeito, consistência alguma, porque parte <strong>de</strong><br />
lucubração, qual seja, a <strong>de</strong> que, eventualmente, o mesmo resultado seria obtido,<br />
se a <strong>de</strong>fesa, no caso, por exemplo, se tivesse manifestado <strong>de</strong>pois do representante<br />
do Ministério Público. Não sabemos se o seria. Po<strong>de</strong>mos até imaginar que, se<br />
se repetir o julgamento, o resultado da causa será o mesmo. Mas isso fora puro<br />
exercício <strong>de</strong> imaginação, que nada tem a ver com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resguardar<br />
a or<strong>de</strong>m do justo processo da lei (due process of law), garantido como direito<br />
fundamental pela Constituição da República. Até porque, do outro modo, se<br />
introduz este princípio incomentável: a or<strong>de</strong>m legal do processo po<strong>de</strong> ser sempre<br />
violada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o resultado seja esse ou aquele! Isto é, outorga-se ao arbítrio<br />
do julgador, ao arbítrio <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>ve controlar a legalida<strong>de</strong> e a justiça do processo,<br />
o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir se <strong>de</strong>ve, ou não, observar a Constituição da República,<br />
secundum eventum litis!<br />
A or<strong>de</strong>m estrita <strong>de</strong> ações na particular estrutura dialética do processo penal –<br />
primeiro acusação, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>fesa – é imperativa e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do teor do parecer<br />
do órgão acusatório, que também vela pela correta aplicação da lei.
760<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Nesse sentido, é lapidar acórdão <strong>de</strong> lavra do Ministro Xavier <strong>de</strong> Albuquerque,<br />
cuja ementa reza:<br />
Julgamento <strong>de</strong> apelações criminais. Inversão na or<strong>de</strong>m das sustentações orais, das<br />
quais a da acusação suce<strong>de</strong>u à da <strong>de</strong>fesa. Inobservância dos princípios constitucionais <strong>de</strong> ampla<br />
<strong>de</strong>fesa e contrarieda<strong>de</strong> no processo penal. Nulida<strong>de</strong> reconhecida. Recurso extraordinário<br />
conhecido e provido.<br />
(RE 91.661, Rel. Min. Xavier <strong>de</strong> Albuquerque, DJ <strong>de</strong> 14-12-79.)<br />
No voto do Relator, lê-se:<br />
Penso que a prerrogativa <strong>de</strong> falar por último constitui, para a <strong>de</strong>fesa, manifestação<br />
natural da amplitu<strong>de</strong> com que a Constituição a garante, do mesmo passo que traduz aplicação<br />
do princípio, também constitucional, da contrarieda<strong>de</strong> no processo criminal.<br />
E abro mais um parêntese, para notar que, se, por especulação, enten<strong>de</strong>rmos<br />
que eventual repetição do julgamento terá ou teria, no caso, por conseqüência<br />
o mesmo resultado, em razão dos dados constantes dos autos – que não<br />
examino, nem me parece estaria autorizado a fazê-lo aqui –, então é razão a mais<br />
por que se repita, agora <strong>de</strong> acordo com a Constituição!<br />
4. Diante do exposto, nos termos do art. 659 do Código <strong>de</strong> Processo Penal,<br />
julgo prejudicado o pedido em relação ao Paciente Paulo Francisco da Costa<br />
Aguiar Toschi, pela extinção da punibilida<strong>de</strong> dos fatos a ele imputados, em razão<br />
da prescrição (fls. 130-136).<br />
E concedo a or<strong>de</strong>m em favor <strong>de</strong> Sérgio Antônio Bertussi, para anular o<br />
julgamento do Recurso em Sentido Estrito 2001.61.81.005478-9, do Tribunal<br />
Regional Fe<strong>de</strong>ral da 3ª Região, proce<strong>de</strong>ndo-se a novo julgamento, observado o<br />
direito <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa do Paciente, se pretenda proce<strong>de</strong>r à sustentação oral, somente<br />
fazê-lo <strong>de</strong>pois do representante do Ministério Público.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 87.926/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Paulo Francisco<br />
da Costa Aguiar Toschi e Sérgio Antônio Bertussi. Impetrantes: Arnaldo<br />
Malheiros Filho e outros. Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: Depois do voto do Ministro Relator <strong>de</strong>ferindo o pedido <strong>de</strong> habeas<br />
corpus, o julgamento foi suspenso em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> vista formulado pelo<br />
eminente Ministro Joaquim Barbosa. Falou, pelos Pacientes, o Dr. Arnaldo Malheiros<br />
Filho e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Dr. Mário José Gisi. Ausente,<br />
justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />
o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />
Brasília, 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 761<br />
PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO<br />
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, a controvérsia retratada<br />
nestes autos se resume ao seguinte: a questão <strong>de</strong>sta causa está em saber se, em<br />
sessão <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recurso exclusivo da acusação, po<strong>de</strong> o representante do<br />
Ministério Público manifestar-se somente <strong>de</strong>pois da sustentação oral da <strong>de</strong>fesa.<br />
Eu, hoje, refletindo – antes <strong>de</strong> vir para este julgamento – sobre eventuais<br />
conseqüências da <strong>de</strong>cisão que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>correr, pensei, talvez, em sugerir ao eminente<br />
Relator e aos Colegas a submissão do presente caso ao Plenário.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 87.926/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Paulo Francisco<br />
da Costa Aguiar Toschi e Sérgio Antônio Bertussi. Impetrantes: Arnaldo<br />
Malheiros Filho e outros. Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, acolhendo proposta do Ministro<br />
Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>liberou submeter ao Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />
o julgamento da presente causa. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o<br />
Ministro Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />
Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />
Brasília, 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, estamos, como <strong>de</strong>stacado<br />
pela sustentação oral e pelo Relator, diante <strong>de</strong> um recurso estrito, em<br />
sentido estrito, manifestado pelo Ministério Público. E a sustentação do Tribunal<br />
<strong>de</strong> origem é baseada no art. 610, parágrafo único, do Código <strong>de</strong> Processo Penal.<br />
Todavia, ao meu sentir, a interpretação que lhe é dada não po<strong>de</strong> ser outra que não<br />
aquela acolhida pelo sistema penal brasileiro, que é a <strong>de</strong> a acusação falar antes<br />
da <strong>de</strong>fesa.<br />
Nesse caso, em se tratando <strong>de</strong> recurso em sentido estrito, a intervenção do<br />
Ministério Público não po<strong>de</strong> ser distinta entre o seu papel acusador e o seu papel<br />
<strong>de</strong> simplesmente custos legis, porque, na realida<strong>de</strong>, ele fala como peça integrante<br />
do processo penal e, mais do que isso, como sustentador, em tese, do recurso que<br />
foi apresentado pelo próprio Ministério Público.<br />
No meu enten<strong>de</strong>r, portanto, a interpretação consentânea com o sistema<br />
jurídico penal brasileiro, <strong>de</strong> acordo com o sistema constitucional, é a <strong>de</strong> que a<br />
acusação fala sempre antes da <strong>de</strong>fesa.<br />
Nesse sentido, acompanho também o voto do Relator, reconhecendo a prescrição<br />
como feita no que se refere ao Paciente Paulo Francisco da Costa Aguiar.
762<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, também louvo o brilhante<br />
voto do Ministro Relator.<br />
Ministro Cezar Peluso, o que me chamou a atenção, neste caso, é que não<br />
há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contradita da <strong>de</strong>fesa, sendo exatamente o que a Constituição<br />
assegura. O contraditório é isso: po<strong>de</strong>r contraditar o que lhe é imputado. Se ela<br />
fala <strong>de</strong>pois, não há como contraditá-la e, por isso, está esvaziado e afrontado o<br />
contraditório.<br />
Quanto ao prejuízo – V. Exa. o realçou também neste voto –, o Ministro<br />
Xavier <strong>de</strong> Albuquerque – sob outro sistema, evi<strong>de</strong>ntemente – afirma que é presumido.<br />
Diz textualmente: para mim, ao contrário, tal prejuízo <strong>de</strong>ve presumir-se.<br />
Tenho para mim que essa presunção, neste estado constitucional <strong>de</strong>mocrático<br />
fundado na Constituição <strong>de</strong> 1988, teria dois momentos que po<strong>de</strong>ríamos apurar<br />
como juízes. O primeiro é o da insegurança jurídica, uma vez que a pauta constitucional<br />
fixada pelo <strong>de</strong>vido processo legal não foi observada. Então, realmente,<br />
há uma presunção constitucional <strong>de</strong> segurança pela observância do que é fixado<br />
na or<strong>de</strong>m processual, aqui rompida.<br />
O segundo prejuízo é pela ausência da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r daquilo<br />
que seja eventualmente alertado.<br />
Portanto, na or<strong>de</strong>m exatamente do que foi posto no brilhante voto do Ministro<br />
Cezar Peluso, acompanho o Relator.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Ministra, quando se fala em prejuízo<br />
presumido, na verda<strong>de</strong> usa-se uma figura <strong>de</strong> retórica, porque o prejuízo é<br />
certo. O que é presumida é só a ligação lógico-jurídica causal entre o vício e o<br />
resultado. Isso não po<strong>de</strong> ser afastado. Mas o prejuízo é certíssimo, na medida em<br />
que o resultado foi absolutamente contrário ao interesse do acusado, o <strong>de</strong> ver a<br />
<strong>de</strong>núncia rejeitada.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É certo. Tanto que há inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
no comportamento.<br />
Eu o citei, aqui, porque usa a expressão. Naquele caso do HC 91.610, havia<br />
alegação <strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong>ria presumir o que teria sido presumido. É um pouco<br />
do que se contém no próprio parecer do Ministério Público, no caso em que<br />
V. Exa. é Relator.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Do ponto <strong>de</strong> vista lógico, o único<br />
raciocínio possível seria a acusação provar que, adivinhando o que a <strong>de</strong>fesa<br />
sustentaria nesse caso, e ainda que o fizesse e só pu<strong>de</strong>sse fazer isso, o resultado<br />
seria o mesmo!<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Acompanho integralmente o<br />
Relator.
R.T.J. — <strong>204</strong> 763<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, inicialmente<br />
também louvo o brilhante voto do eminente Relator, o qual acompanho integralmente.<br />
Entendo que é um marco importante para a consolidação do Estado<br />
Democrático <strong>de</strong> Direito em que vivemos.<br />
Acompanho S. Exa. por três motivos fundamentalmente. Em primeiro<br />
lugar, como foi dito da tribuna, não é possível cindir o Ministério Público, que é<br />
uno, como nós sabemos, sobretudo em se tratando <strong>de</strong> recursos interpostos pelo<br />
Parquet. Não é possível, nos recursos, dividir o Parquet em dois. De um lado,<br />
consi<strong>de</strong>rá-lo como dominus litis e, <strong>de</strong> outro, como custos legis.<br />
Em segundo lugar, verifico que o princípio do contraditório é absolutamente<br />
fundamental. E sem o contraditório não há que falar-se em <strong>de</strong>vido processo<br />
legal, principalmente no que toca o seu aspecto substantivo, que é matizado exatamente<br />
pelos princípios da razoabilida<strong>de</strong> e da proporcionalida<strong>de</strong>.<br />
Em terceiro lugar, eu diria que estava propenso a afirmar que o prejuízo é<br />
presumido ou implícito porque não po<strong>de</strong> ser comprovado. Mas, com a intervenção<br />
final do eminente Relator, prefiro assentar, com todas as letras, que, na verda<strong>de</strong>,<br />
o prejuízo é efetivo, porque a intervenção da <strong>de</strong>fesa a posteriori, ou seja, a<br />
intervenção da <strong>de</strong>fesa em primeiro lugar e <strong>de</strong>pois rebatendo o Ministério Público,<br />
claro que fica configurado aí o prejuízo.<br />
Portanto, por essas razões, acompanho integralmente o voto do eminente<br />
Relator.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, já foi dito mais do que o<br />
essencial.<br />
Eu tentava lembrar-me <strong>de</strong> um prece<strong>de</strong>nte. Tenho a nítida impressão <strong>de</strong> que<br />
já o discutimos. Eu teria participado <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate que girava em torno exatamente<br />
<strong>de</strong>ssa questão. Mas não consegui localizá-lo.<br />
De qualquer modo, há uma lembrança a esse RE 91.661. Mencionaria,<br />
também, o fato <strong>de</strong> que contraditório supõe um ponto <strong>de</strong> partida, um ponto <strong>de</strong> referência.<br />
Seria verda<strong>de</strong>iramente impossível alguém se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma acusação<br />
<strong>de</strong>sconhecida.<br />
De modo que, para mim, aqui, não se trata nem mesmo <strong>de</strong> aplicar alguma<br />
regra <strong>de</strong> direito, mas a própria lógica.<br />
Acompanho, sem mais ensanchas, o voto do eminente Ministro Cezar<br />
Peluso.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, eu também acompanho<br />
o eminente Relator, que tão bem se houve na confecção do seu voto. Mas me
764<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
permito lembrar que essa dicotomia do Ministério Público enquanto parte processual<br />
e custos legis <strong>de</strong>corre da Constituição diretamente, seja no plano das<br />
finalida<strong>de</strong>s do Ministério Público, seja no plano do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções<br />
institucionais.<br />
A Constituição prevê no art.127:<br />
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional<br />
do Estado [aí vêm as três finalida<strong>de</strong>s do Ministério Público], incumbindo-lhe a <strong>de</strong>fesa da<br />
or<strong>de</strong>m jurídica (...) [e aqui é evi<strong>de</strong>nte que o papel do Ministério Público é <strong>de</strong> custos legis.]<br />
Eu até diria, hoje em dia, que custos legis é uma expressão ultrapassada:<br />
<strong>de</strong>fesa da lei, <strong>de</strong>fesa da legalida<strong>de</strong>. O Ministério Público <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> toda a or<strong>de</strong>m<br />
jurídica, não só a lei; por exemplo, vela pela impessoalida<strong>de</strong>, pelo princípio da<br />
publicida<strong>de</strong>, pelo princípio da moralida<strong>de</strong>, pelo princípio <strong>de</strong> eficiência, não só<br />
pelo princípio da legalida<strong>de</strong>. Então, melhor seria chamar o Ministério Público<br />
<strong>de</strong> custas iuris ou juris. Ele é um <strong>de</strong>fensor, custodiador <strong>de</strong> toda a or<strong>de</strong>m jurídica.<br />
Está assim na Constituição, “incumbindo-lhe a <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m jurídica” – em<br />
seguida –, “do regime <strong>de</strong>mocrático” – e, por último – “e dos interesses sociais e<br />
individuais indisponíveis.”<br />
E, aqui, o Ministério Público, nessa última parte, atua como parte proces sual.<br />
Ainda que se chame <strong>de</strong> parte processual instrumental, parte processual formal,<br />
parte processual imparcial, ainda que se diga assim, mas o fato é que o Ministério<br />
Público, à luz <strong>de</strong>sse art.127, atua binariamente ou dualmente, uma vez que tanto<br />
opera como custodiador do Direito em geral como autor <strong>de</strong>ssa ou daquela ação.<br />
No plano da lista ou da nominata das funções institucionais do Ministério<br />
Público, a Constituição faz <strong>de</strong> novo a dicotomia, indica essa dualida<strong>de</strong> básica;<br />
por exemplo, são funções institucionais do Ministério Público, art. 129, inciso I:<br />
Art.129 (...)<br />
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;<br />
Ação penal pública incondicionada, na forma da lei; Ministério Público<br />
enquanto autor, dominus litis, parte processual. Mas vêm outras:<br />
II – zelar pelo efetivo respeito dos po<strong>de</strong>res públicos e dos serviços <strong>de</strong> relevância pública<br />
aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua<br />
garantia; (...)<br />
Parece-me um papel nitidamente <strong>de</strong> custos iuris, assim como outras funções<br />
institucionais, como, por exemplo, a <strong>de</strong> exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong><br />
policial. É uma nítida atuação <strong>de</strong> custos iuris do Ministério Público essa a<br />
<strong>de</strong> exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.<br />
O inciso IX do art. 129 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê:<br />
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compatíveis com sua<br />
finalida<strong>de</strong>, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />
públicas.
R.T.J. — <strong>204</strong> 765<br />
Ou seja, aquelas três finalida<strong>de</strong>s, a sinalizar, também, para mim, que o Ministério<br />
Público atuará no plano <strong>de</strong> custodiador <strong>de</strong> toda a or<strong>de</strong>m jurídica. Certo<br />
que o Ministério Público, mesmo atuando como parte processual, é parte sui<br />
generis. Sui generis até no nome dos seus cargos. Nos Estados, o Ministério Público<br />
se estrutura em dois cargos básicos: promotores <strong>de</strong> Justiça e procuradores<br />
<strong>de</strong> Justiça. Ou seja, essa parte processual imparcial, aparentemente contraditória,<br />
<strong>de</strong>correria <strong>de</strong>sse compromisso do Ministério Público com a Justiça, a Justiça lhe<br />
emprestando o nome, procurador-geral <strong>de</strong> Justiça, promotor <strong>de</strong> Justiça. Daí por<br />
que foi bem lembrado da tribuna – Dr. Malheiros lembrou bem –, o Ministério<br />
Público po<strong>de</strong> pedir absolvição do réu, a <strong>de</strong>sclassificação do crime, po<strong>de</strong> indicar<br />
atenuantes, impetrar habeas corpus. Aliás, o Ministério Público, quando atua<br />
penalmente, o faz em nome da socieda<strong>de</strong>. É curioso. Nunca se diz o Estado<br />
mediante o Ministério Público. A socieda<strong>de</strong> ou então a Justiça pública vem <strong>de</strong>nunciar<br />
fulano <strong>de</strong> tal, é interessante como o Ministério Público tem esse vínculo<br />
operacional orgânico, visceral com a imparcialida<strong>de</strong>. Ele não po<strong>de</strong>, jamais, ser<br />
confundido com um raivoso órgão <strong>de</strong> acusação. O Ministério Público não tem<br />
compromisso com essa acrítica ou raivosa acusação.<br />
Agora, em matéria penal, o Ministério Público não po<strong>de</strong> atuar binariamente<br />
como acusador e como custas iuris; os papéis não po<strong>de</strong>m ser confundidos, porque<br />
as zonas <strong>de</strong> uma e <strong>de</strong> outra atuação são por <strong>de</strong>mais tênues, imprecisas, vagas,<br />
e, portanto, perigosas.<br />
Não se sabe quando o Ministério Público atua como órgão <strong>de</strong> acusação e<br />
como órgão custeador <strong>de</strong> todo o or<strong>de</strong>namento jurídico. A pon<strong>de</strong>ração jurídica,<br />
que se há <strong>de</strong> fazer aqui, a hermenêutica da pon<strong>de</strong>ração só po<strong>de</strong> ser resolvida em<br />
favor da liberda<strong>de</strong>. Liberda<strong>de</strong> individual, servida pelo <strong>de</strong>vido processo legal. O<br />
<strong>de</strong>vido processo legal <strong>de</strong> que fala o eminente Ministro Cezar Peluso, a serviço,<br />
especificamente <strong>de</strong>sse valor fundamental, <strong>de</strong>sse protoprincípio da liberda<strong>de</strong> individual.<br />
E essa pon<strong>de</strong>ração hermenêutica em prol da liberda<strong>de</strong>, no fundo – disse<br />
bem o Ministro Eros Grau –, resgata a lógica elementar das coisas. A <strong>de</strong>fesa tem<br />
<strong>de</strong> falar por último, senão não é <strong>de</strong>fesa. A <strong>de</strong>fesa pressupõe um ataque. Quem<br />
ataca tem precedência lógica na or<strong>de</strong>m dos acontecimentos, na or<strong>de</strong>m da conduta.<br />
Só se fala <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa em função do ataque; só se fala <strong>de</strong> reação em função <strong>de</strong><br />
ação; só se fala <strong>de</strong> contrabater em função <strong>de</strong> uma agressão; alguém bate e alguém<br />
vai contrabater, vai reagir. Então, é elementar, em processo penal, que o órgão <strong>de</strong><br />
acusação fale primeiro e os advogados <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa falem por último.<br />
O Ministro Eros Grau resgatou, para mim, essa or<strong>de</strong>m elementar das<br />
coisas. Na Literatura apren<strong>de</strong>mos muito, como também na Filosofia, a fazer as<br />
lições <strong>de</strong> casa a partir da lógica elementar das coisas, a partir do significado das<br />
palavras.<br />
Não só acompanho o voto do eminente Relator como louvo o seu primoroso<br />
voto. Disse bem o Ministro Marco Aurélio, que sinaliza, aqui, um marco na<br />
vida <strong>de</strong>sta nossa Casa <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>stino.
766<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, também acompanho o<br />
voto do eminente Relator.<br />
Tenho me perguntado sobre qual <strong>de</strong>ve ser o etos da atuação <strong>de</strong> uma Corte<br />
como o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em um país como o nosso. A pergunta não é<br />
certamente muito simples e <strong>de</strong>verá ser respondida <strong>de</strong> forma parcial. Parece-me<br />
inequívoco que, entre esses <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ratos, a razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sta Corte há <strong>de</strong> estar<br />
certamente na proteção dos direitos e garantias individuais e não apenas no seu<br />
aspecto formal.<br />
A Constituição <strong>de</strong> 1988, como já <strong>de</strong>stacado, ampliou significativamente o<br />
direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, o direito do contraditório em várias passagens do texto constitucional,<br />
a partir do art. 5º, incisos LIV e LV; falamos aqui até numa concorrência<br />
<strong>de</strong> direitos fundamentais. E, na verda<strong>de</strong>, é o texto constitucional que mais <strong>de</strong>u<br />
atenção a esses direitos e garantias <strong>de</strong> caráter processual. Meta<strong>de</strong>, praticamente,<br />
do elenco dos direitos e garantias fundamentais constantes do art. 5º diz respeito<br />
exatamente a esses direitos <strong>de</strong> caráter processual, ou processual penal, ou garantias<br />
básicas do processo penal.<br />
Há muito vem a doutrina – tenho <strong>de</strong>stacado – enfatizando que o direito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa não se resume a um simples direito <strong>de</strong> manifestação no processo. Efetivamente,<br />
o que o constituinte preten<strong>de</strong> assegurar – esse já era o pensamento <strong>de</strong><br />
Pontes – é uma pretensão à tutela jurídica. Observe-se que não se cuida, sequer,<br />
<strong>de</strong> uma inovação doutrinária ou jurispru<strong>de</strong>ncial. Já o clássico João Barbalho, nos<br />
seus comentários à Constituição <strong>de</strong> 1891, asseverava:<br />
Com a plena <strong>de</strong>fesa são incompatíveis, e, portanto, inteiramente, inadmissíveis, os<br />
processos secretos, inquisitoriais, as <strong>de</strong>vassas, a queixa ou o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> inimigo capital,<br />
o julgamento <strong>de</strong> crimes inafiançáveis na ausência do acusado ou tendo-se dado a produção<br />
das testemunhas <strong>de</strong> acusação sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>núncia, o juramento do réu, o interrogatório <strong>de</strong>le sob coação <strong>de</strong> qualquer natureza,<br />
por perguntas sugestivas ou capciosas. (Constituição Fe<strong>de</strong>ral Brasileira – Comentários, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, 1902, p. 323.)<br />
Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando<br />
o chamado Anspruch auf rechtliches Gehör (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão,<br />
assinala o Bun<strong>de</strong>sverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito <strong>de</strong><br />
manifestação e o direito <strong>de</strong> informação sobre o objeto do processo, mas também o direito<br />
<strong>de</strong> ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido <strong>de</strong> julgar (Cf. Decisão da<br />
Corte Constitucional alemã – BVerfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, também, Pieroth<br />
e Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Hei<strong>de</strong>lberg, 1988, p. 281; Battis, Ulrich, Gusy,<br />
Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3ª edição, Hei<strong>de</strong>lberg, 1991, p. 363-364).<br />
Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que correspon<strong>de</strong> exatamente<br />
à garantia consagrada no art. 5º LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:<br />
1) direito <strong>de</strong> informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar<br />
à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos <strong>de</strong>le constantes;<br />
2) direito <strong>de</strong> manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>nte a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos<br />
constantes do processo;
R.T.J. — <strong>204</strong> 767<br />
3) direito <strong>de</strong> ver seus argumentos consi<strong>de</strong>rados (Recht auf Berücksichtigung), que exige<br />
do julgador capacida<strong>de</strong>, apreensão e isenção <strong>de</strong> ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft)<br />
para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e Schlink, Grundrechte-Staatsrecht<br />
II, Hei<strong>de</strong>lberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy, Einführung in das Staatsrecht, Hei<strong>de</strong>lberg, 1991, p.<br />
363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103,<br />
vol. IV, nº 85-99).<br />
Sobre o direito <strong>de</strong> ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf<br />
Berücksichtigung), que correspon<strong>de</strong>, obviamente, ao <strong>de</strong>ver do juiz ou da Administração <strong>de</strong> a<br />
eles conferir atenção (Beachtenspflicht), po<strong>de</strong>-se afirmar que envolve não só o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> tomar<br />
conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar, séria e <strong>de</strong>tidamente, as<br />
razões apresentadas (Erwägungspflicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-<br />
Kommentar, Art. 103, vol. IV, nº 97).<br />
Quando essa questão se coloca aqui – e isso já o <strong>de</strong>monstrou cabalmente o<br />
eminente Relator e os votos que o seguiram –, nós temos exatamente a manifestação<br />
do direito ao contraditório e à ampla <strong>de</strong>fesa nessa última versão, direito <strong>de</strong> ver<br />
os seus argumentos consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, na or<strong>de</strong>m a<strong>de</strong>quada, tendo em<br />
vista, inclusive, a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> armas que supõem o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa.<br />
Com essas brevíssimas consi<strong>de</strong>rações, acompanho e louvo o magnífico<br />
voto do eminente Relator.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, em processo penal, é norma<br />
básica, sob o ângulo da fala, o pronunciamento da <strong>de</strong>fesa após o da acusação. A<br />
razão <strong>de</strong> ser, não bastasse a sabedoria popular quanto ao riso, mostra-se única: a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa refutar o que veiculado pelo Estado acusador.<br />
O que houve na espécie? O julgamento <strong>de</strong> um recurso interposto pelo<br />
Ministério Público. E, então – a partir <strong>de</strong> dualida<strong>de</strong> que, a meu ver, não po<strong>de</strong><br />
prevalecer, consi<strong>de</strong>rados os valores envolvidos, ante a regra básica a que me referi,<br />
ou seja, a atuação do Ministério Público, do órgão do Ministério Público, do<br />
integrante do Ministério Público, como parte ou como fiscal da lei –, chegou-se<br />
à conclusão, na assentada, <strong>de</strong> que aquele que já teria inclusive uma posição mais<br />
favorável, porque sentado à direita da Presi<strong>de</strong>nte ou do Presi<strong>de</strong>nte da sessão,<br />
po<strong>de</strong>ria falar por último. E viria a falar, até mesmo presente a indivisibilida<strong>de</strong> do<br />
Ministério Público, não em prol das contra-razões ao recurso interposto, mas a<br />
favor da prevalência das razões veiculadas nesse recurso, visando à reforma do<br />
que <strong>de</strong>cidido na origem no que fora favorável à acusação.<br />
A meu ver, houve inversão contrária a princípio – repito – básico do processo<br />
penal, do <strong>de</strong>vido processo legal, que é o princípio segundo o qual a <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>de</strong>ve falar por último. E, sob o ângulo do prejuízo sofrido, nada melhor para<br />
<strong>de</strong>monstrá-lo do que o provimento do próprio recurso, reformando-se o que <strong>de</strong>cidido<br />
pelo Juízo no que favorável ao acusado.<br />
Acompanho o Relator no voto prolatado, conce<strong>de</strong>ndo a or<strong>de</strong>m para, a partir<br />
do <strong>de</strong>sfazimento do acórdão proferido pela Corte <strong>de</strong> origem, vir a ocorrer novo
768<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
julgamento do recurso em sentido estrito, ouvindo-se, em primeiro lugar, o Ministério<br />
Público, sem potencializar a feição que ele tem, e normalmente tem, em<br />
prol da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fiscal da lei.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 87.926/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Paulo Francisco<br />
da Costa Aguiar Toschi e Sérgio Antônio Bertussi. Impetrantes: Arnaldo<br />
Malheiros Filho e outros. Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong> e nos termos do voto do Relator,<br />
conce<strong>de</strong>u a or<strong>de</strong>m em favor do Paciente Sérgio Antônio Bertusssi e julgou prejudicado<br />
o pedido quanto ao Paciente Paulo Francisco da Costa Aguiar Toschi, por<br />
<strong>de</strong>curso do prazo prescricional. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />
Falaram, pelos Pacientes, o Dr. Arnaldo Malheiros e, pelo Ministério Público<br />
Fe<strong>de</strong>ral, o Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva<br />
<strong>de</strong> Souza. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau,<br />
Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da<br />
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 769<br />
HABEAS CORPUS 90.471 — PA<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Paciente: Arlindo Costa Salazar Neto — Impetrante: Jorge Luiz da Silva<br />
Gama — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Ação penal. Prisão preventiva. Decreto fundado na periculosida<strong>de</strong><br />
presumida do acusado. Inadmissibilida<strong>de</strong>. Razão que<br />
não autoriza a prisão cautelar. Ofensa à presunção constitucional<br />
<strong>de</strong> inocência. Constrangimento ilegal caracterizado. Aplicação do<br />
art. 5º, inciso LVII, da CF. Prece<strong>de</strong>ntes. É ilegal o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> prisão<br />
preventiva que se funda na periculosida<strong>de</strong> presumida do réu.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> habeas corpus impetrado em<br />
favor <strong>de</strong> Arlindo Costa Salazar Neto, contra <strong>de</strong>cisão proferida pela Quinta Turma<br />
do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que lhe <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m nos autos do HC<br />
59.635.<br />
O Paciente foi preso em flagrante <strong>de</strong>lito, em 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005, e<br />
<strong>de</strong>nunciado pela prática do <strong>de</strong>lito previsto no art. 157, § 2º, I e II, do Código<br />
Penal, perante a Vara Única do Foro da Comarca <strong>de</strong> Tailândia/PA. Requereu a<br />
concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória, mas o pedido lhe foi <strong>de</strong>negado (fls. 40-41).<br />
Contra a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> primeiro grau, a <strong>de</strong>fesa impetrou habeas corpus (fls.<br />
23-34), mas o Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do Pará <strong>de</strong>negou-lhe a or<strong>de</strong>m (fl. 42).<br />
Impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (fls. 23-36), mas<br />
a or<strong>de</strong>m lhe foi igualmente <strong>de</strong>negada, em acórdão assim ementado (fls. 43-45):<br />
Habeas corpus. Processual penal. Crime <strong>de</strong> roubo qualificado. Prisão em flagrante<br />
<strong>de</strong>lito. Pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória in<strong>de</strong>ferido. Necessida<strong>de</strong> da manutenção da custódia<br />
cautelar. Preservação da or<strong>de</strong>m pública. Modus operandi. Excesso <strong>de</strong> prazo. Feito complexo.<br />
Pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> testemunhas e réus, com <strong>de</strong>fensores diversos. Princípio da razoabilida<strong>de</strong>.<br />
1. A manutenção da custódia cautelar do Paciente está <strong>de</strong>vidamente justificada em sua<br />
periculosida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstrada pelo modus operandi utilizado para a prática dos crimes, e pela reiteração<br />
em crimes contra o patrimônio, evi<strong>de</strong>nciando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a or<strong>de</strong>m pública.<br />
2. Em se tratando <strong>de</strong> feito complexo, com várias testemunhas e réus, com <strong>de</strong>fensores<br />
distintos, é razoável o atraso no <strong>de</strong>senvolvimento do processo, em razão das peculiarida<strong>de</strong>s<br />
do caso.
770<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
3. Prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ssa Corte Superior.<br />
4. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(Fl. 43.)<br />
Neste pedido <strong>de</strong> writ, o Impetrante alega ausência dos requisitos autorizadores<br />
da prisão preventiva, bem como falta <strong>de</strong> fundamentação da <strong>de</strong>cisão que a<br />
<strong>de</strong>cretou. Sustenta, ainda, inexistência <strong>de</strong> reiteração criminosa, bem como configuração<br />
<strong>de</strong> excesso <strong>de</strong> prazo na formação da culpa.<br />
A <strong>de</strong>fesa requereu concessão <strong>de</strong> liminar (fl. 20), mas o pedido foi in<strong>de</strong>ferido<br />
pela Ministra Presi<strong>de</strong>nte (fls. 53-55).<br />
Vieram aos autos informações prestadas pelo Juízo da Vara Única do Foro<br />
da Comarca <strong>de</strong> Tailândia/PA (fls. 66-68) e pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do<br />
Pará (fls. 75-77).<br />
A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m (fls.<br />
80-83):<br />
8. Como se vê, não há a indicação <strong>de</strong> fatos concretos, a embasar a prisão processual. E<br />
a jurisprudência citada, periculosida<strong>de</strong> do agente – sem outros elementos – não é <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a<br />
justificar a custódia na forma do art. 312, do CPP.<br />
9. De outro lado, há a questão da fuga que, por si só, no meu enten<strong>de</strong>r, é apta a justificar<br />
a prisão, para a garantia da aplicação da lei penal, quando ela se dá tão logo ocorrida a<br />
prática do crime ou para fugir da prisão preventiva. Acontece, entretanto, que, em se enten<strong>de</strong>ndo<br />
que a custódia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando <strong>de</strong>negada, é ilegal, porque sem fundamentação – e isso<br />
ocorreu em 25.1.2006 – manter a prisão do paciente por fato posterior – a fuga ocorrida em<br />
30.10.2006, quando o paciente já teria “cumprido” quase 10 meses <strong>de</strong> prisão ilegal – soa, <strong>de</strong><br />
outro lado, incongruente. De fato, se a prisão, ocorrida em 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005, tinha sua<br />
justificativa no flagrante, a partir <strong>de</strong> 25.01.2006 passou a ter por fundamento as razões expostas<br />
pelo Juiz. Enten<strong>de</strong>ndo ser estas insuficientes, há ilegalida<strong>de</strong>, como no caso. E, finalmente,<br />
a fuga a posteriori, no caso, não po<strong>de</strong> servir para justiçar a prisão, se esta antes não estava<br />
justificada ou fundamentada.<br />
10. Assim, o parecer é pela concessão da or<strong>de</strong>m.<br />
(Fls. 82-83.)<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão ao Impetrante.<br />
A prisão processual é medida extrema, que implica sacrifício à liberda<strong>de</strong><br />
individual, e <strong>de</strong>ve, portanto, or<strong>de</strong>nar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo,<br />
da sua função meramente instrumental, enquanto ten<strong>de</strong> a garantir a eficácia<br />
<strong>de</strong> eventual provimento <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> caráter con<strong>de</strong>natório, bem como perante a<br />
garantia constitucional da proibição <strong>de</strong> juízo precário <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vendo<br />
fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r às hipóteses<br />
legais (fattispecie abstratas) que a autorizem.<br />
Daí já ter notado este Tribunal:<br />
A prisão preventiva enquanto medida <strong>de</strong> natureza cautelar não tem por finalida<strong>de</strong><br />
punir, antecipadamente, o indiciado ou o réu.
R.T.J. — <strong>204</strong> 771<br />
– A prisão preventiva não po<strong>de</strong> – e não <strong>de</strong>ve – ser utilizada, pelo po<strong>de</strong>r público, como<br />
instrumento <strong>de</strong> punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do <strong>de</strong>lito, pois, no sistema<br />
jurídico brasileiro, fundado em bases <strong>de</strong>mocráticas, prevalece o princípio da liberda<strong>de</strong>,<br />
incompatível com punições sem processo e inconciliável com con<strong>de</strong>nações sem <strong>de</strong>fesa prévia.<br />
A prisão preventiva – que não <strong>de</strong>ve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir<br />
punição àquele que sofre a sua <strong>de</strong>cretação, mas <strong>de</strong>stina-se, consi<strong>de</strong>rada a função cautelar que<br />
lhe é inerente, a atuar em benefício da ativida<strong>de</strong> estatal <strong>de</strong>senvolvida no processo penal.<br />
(HC 79.857, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 4-5-01.)<br />
Por isso, tal como toda medida excepcional que implica constrangimento à<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir, <strong>de</strong>ve necessariamente ser cautelar, para po<strong>de</strong>r coexistir com<br />
o chamado princípio da presunção <strong>de</strong> inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII,<br />
da Constituição da República.<br />
2. Como já afirmado, o Paciente foi preso em flagrante <strong>de</strong>lito em 17 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 2005. A <strong>de</strong>fesa requereu concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória, mas o<br />
pedido lhe foi <strong>de</strong>negado pelo Juízo, que, no ato, converteu o título da custódia em<br />
prisão preventiva (fls. 40-41):<br />
Inicialmente, cumpre vincar, que em que pese à alegação do ora requerente que afirmou,<br />
em seu pedido, respon<strong>de</strong>r pelo crime <strong>de</strong> furto qualificado (art. 155, § 4º, I e IV, do CP), este,<br />
em verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong> a processo crime pela prática do fato típico previsto no art. 157, § 2º,<br />
I e II do Código Penal, ou seja roubo qualificado pelo emprego <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo e mediante<br />
concurso <strong>de</strong> agentes, cuja pena abstrata cominada é <strong>de</strong> 4 (quatro) a 10 (<strong>de</strong>z) anos, acrescido<br />
<strong>de</strong> um terço até a meta<strong>de</strong> e multa, portanto, é acusado <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável gravida<strong>de</strong> e,<br />
conseqüentemente, punido com maior pujança pelo estatuto penal.<br />
Os fatos narrados na <strong>de</strong>núncia apontam para dois assaltos ocorridos em continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litiva, após minuciosa preparação para execução, com a locação <strong>de</strong> duas motos, divisão das<br />
“tarefas” entre os acusados e execução mediante o emprego <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> foto, o que <strong>de</strong>nota, por<br />
ora, a periculosida<strong>de</strong> dos agentes, não só pelo meio <strong>de</strong> intimidação usado (arma <strong>de</strong> fogo) como<br />
também pela forma organizada que prepararam e executaram os crimes, <strong>de</strong>monstrando não se<br />
tratar <strong>de</strong> amadores. O STJ assim já <strong>de</strong>cidiu “A periculosida<strong>de</strong> do réu, evi<strong>de</strong>nciada pelas circunstâncias<br />
em que o crime foi cometido, basta, por si só, para embasar a custódia cautelar, no<br />
resguardo da or<strong>de</strong>m pública e mesmo por conveniência da instrução criminal” (JSTJ 8/154).<br />
Logo existindo motivo autorizador para prisão preventiva (para garantia da or<strong>de</strong>m<br />
pública), <strong>de</strong>ve subsistir a prisão processual, como bem afirmou o representante do Ministério<br />
Público.<br />
Por tudo o que foi exposto, e com fulcro no art. 312 do CPP, acolho a tese ministerial<br />
e in<strong>de</strong>firo o pedido.<br />
(Fls. 40-41.)<br />
A segregação provisória do Paciente funda-se, pois, unicamente na sua suposta<br />
periculosida<strong>de</strong>, que foi consi<strong>de</strong>rada para garantir a or<strong>de</strong>m pública.<br />
Não é causa legal para <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> prisão preventiva.<br />
3. Nem a dita periculosida<strong>de</strong> do agente, nem a referência ao modus operandi<br />
do <strong>de</strong>lito que lhe é atribuído são causas <strong>de</strong> prisão preventiva, a qual se<br />
preor<strong>de</strong>na à tutela do processo penal, e não à imposição <strong>de</strong> gravames a certa<br />
classe <strong>de</strong> autores.<br />
Além <strong>de</strong> não ser hipótese legal da custódia cautelar, a idéia <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong><br />
presumida do acusado, invocada pela <strong>de</strong>cisão do Juízo, hostiliza a proibição<br />
<strong>de</strong> prévia consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> (art. 5º, LVII, da Constituição da República),<br />
razão por que esta Corte tem reiteradamente <strong>de</strong>cidido:
772<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Ação penal. Prisão preventiva. Decreto fundado na periculosida<strong>de</strong> presumida do<br />
acusado. Inadmissibilida<strong>de</strong>. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Ofensa à presunção<br />
constitucional <strong>de</strong> inocência. Constrangimento ilegal caracterizado. Aplicação do art. 5º, inciso<br />
LVII, da CF. Prece<strong>de</strong>nte. É ilegal o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> prisão preventiva que se funda na periculosida<strong>de</strong><br />
presumida do Réu.<br />
(HC 86.371, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ <strong>de</strong> 9-6-06.) No mesmo sentido,<br />
cf. HC 89.501, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 16-3-07.<br />
4. Observe-se que, na primeira <strong>de</strong>cisão, não há menção à fuga do Paciente, a<br />
qual, conforme se colhe das informações prestadas pelo Juízo (fls. 66-68), ter-se-ia<br />
dado em 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2006, quando o Paciente já estava preso provisoriamente.<br />
Ora, este fato superveniente não convalida a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>spida <strong>de</strong> fundamentação<br />
autorizadora da prisão cautelar:<br />
I – Prisão preventiva: fuga posterior à <strong>de</strong>cretação: irrelevância. 1. É <strong>de</strong> total irrelevância<br />
para a manutenção da prisão preventiva a fuga e conseqüente revelia do paciente, após o<br />
<strong>de</strong>creto da prisão cautelar, cuja valida<strong>de</strong> contesta em juízo: agri<strong>de</strong> à garantia da tutela jurisdicional<br />
exigir-se que, para po<strong>de</strong>r questionar a valida<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sua prisão, houvesse o cidadão<br />
<strong>de</strong> submeter-se previamente à efetivação <strong>de</strong>la: prece<strong>de</strong>ntes do <strong>STF</strong>. II – Prisão preventiva:<br />
gravida<strong>de</strong> do crime. 2. Não po<strong>de</strong>ndo a prisão preventiva constituir antecipação da pena, não<br />
basta a legitimá-la o apelo à gravida<strong>de</strong> do tipo ou, em concreto, do fato criminoso: prece<strong>de</strong>ntes<br />
do <strong>STF</strong>. III – Prisão preventiva: fundamento alheio à situação do paciente. 3. Acusado o<br />
paciente <strong>de</strong> ser o mandante do homicídio, não lhe serve <strong>de</strong> fundamento à prisão preventiva a<br />
alusão a ameaças <strong>de</strong> familiares <strong>de</strong> um co-réu a <strong>de</strong>terminada testemunha <strong>de</strong> vista da execução<br />
material do fato criminoso, cujo <strong>de</strong>poimento, assim, não po<strong>de</strong> prejudicar o primeiro.<br />
(HC 82.903, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 1º-8-03.) No mesmo<br />
sentido, cf. HC 85.519, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 17-3-06.<br />
5. Ante o exposto, concedo a or<strong>de</strong>m, para que o Paciente responda em<br />
liberda<strong>de</strong> ao processo.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 90.471/PA — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Arlindo Costa<br />
Salazar Neto. Impetrante: Jorge Luiz da Silva Gama. Coator: Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus,<br />
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />
o Ministro Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />
o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha<br />
Campos.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 773<br />
HABEAS CORPUS 90.709 — DF<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Paciente: Antônio Muniz dos Santos — Impetrante: Defensoria Pública da<br />
União — Coatores: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios<br />
Ação penal. Defensor público. Defensoria pública. Assistência<br />
judiciária. Sentença con<strong>de</strong>natória confirmada em grau<br />
<strong>de</strong> apelação. Intimação pessoal do procurador. Não-realização.<br />
Nulida<strong>de</strong> processual reconhecida. Ofensa ao art. 5º, § 5º, da Lei<br />
1.060/50, ao art. 128, I, da Lei Complementar 80/94 e ao art. 370,<br />
§ 4º, do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Prece<strong>de</strong>ntes. Nulida<strong>de</strong>, porém,<br />
prejudicada. Habeas corpus concedido para extinção da punibilida<strong>de</strong>,<br />
por prescrição. É nulo o processo penal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a intimação<br />
do réu que não se fez na pessoa do <strong>de</strong>fensor público que o assiste<br />
na causa.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong><br />
Mello, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, conce<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> ofício, o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos<br />
do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros<br />
Grau.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se <strong>de</strong> habeas corpus, impetrado pela<br />
Defensoria Pública do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, em favor <strong>de</strong> Antônio Muniz dos Santos.<br />
Narra a Impetrante que o Paciente foi processado, perante a 1ª Vara Criminal<br />
da Circunscrição Judiciária <strong>de</strong> Taguatinga/DF, pela prática dos <strong>de</strong>litos previstos<br />
nos arts. 157, § 2º, I, e 329, ambos do Código Penal, e con<strong>de</strong>nado, apenas<br />
pela prática do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> roubo, à pena <strong>de</strong> 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses <strong>de</strong><br />
reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento <strong>de</strong> 13 (treze) dias-multa.<br />
O Centro <strong>de</strong> Assistência Judiciária da Procuradoria-Geral do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />
que patrocinava a <strong>de</strong>fesa do Paciente, apelou da con<strong>de</strong>nação. O Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
julgou a apelação improce<strong>de</strong>nte, mas isentou o Paciente do pagamento das custas,<br />
porque, assistido por <strong>de</strong>fensor público, não estaria obrigado a pagá-las.<br />
O Ministério Público apresentou, então, embargos <strong>de</strong>claratórios, que não<br />
foram providos, mas a Defensoria Pública não foi intimada pessoalmente <strong>de</strong> tal<br />
<strong>de</strong>cisão.
774<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Ministério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral interpôs, daí, recursos especial e<br />
extraordinário, que foram admitidos na origem.<br />
O recurso especial foi parcialmente conhecido pelo Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça e, na parte conhecida, provido, para cassar a isenção <strong>de</strong> custas <strong>de</strong>clarada<br />
no acórdão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios. A Defensoria<br />
Pública, todavia, mais uma vez, não foi intimada da data do julgamento do recurso,<br />
nem tampouco do teor da <strong>de</strong>cisão proferida pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Certificou-se o trânsito em julgado da <strong>de</strong>cisão e remeteu-se o recurso extraordinário<br />
a esta Corte. Julguei prejudicado o recurso extraordinário. A <strong>de</strong>cisão<br />
transitou em julgado em 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 e, em 16 <strong>de</strong> janeiro p.p., os autos<br />
do processo-crime baixaram à 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária <strong>de</strong><br />
Taguatinga/DF.<br />
Diante disso, a Impetrante requer a concessão da or<strong>de</strong>m, para <strong>de</strong>clarar nulo<br />
o processo-crime <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o julgamento da apelação, bem como todos os atos subseqüentes,<br />
porque não houve intimação pessoal do <strong>de</strong>fensor público que patrocinava<br />
a causa.<br />
Requisitei informações ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios,<br />
que informou o seguinte:<br />
Antônio Muniz dos Santos foi patrocinado, nos autos da APR 14.590/1994, por <strong>de</strong>fensor<br />
público. Todavia, a Defensoria Pública do Distrito Fe<strong>de</strong>ral não foi intimada pessoalmente<br />
ao ensejo da prolação dos acórdãos da apelação criminal e dos embargos <strong>de</strong>claratórios.<br />
(Fl. 225.)<br />
A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão da or<strong>de</strong>m (fls.<br />
234-236).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão à Impetrante.<br />
A informação prestada pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios<br />
é clara: a <strong>de</strong>fesa do Paciente, patrocinada pela Defensoria Pública, não foi<br />
intimada do julgamento da apelação nem tampouco dos recursos subseqüentes.<br />
Ora, o art. 128, inciso I, da Lei Complementar 80/94, estatui que “são prerrogativas<br />
dos membros da Defensoria Pública do Estado, <strong>de</strong>ntre outras que a lei<br />
local estabelecer: I – receber intimação pessoal em qualquer processo ou grau <strong>de</strong><br />
jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos”. Igual regra já estava no<br />
art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 e, ainda, no art. 370, § 4º, do Código <strong>de</strong> Processo<br />
Penal.<br />
A Corte tem sempre, por razões intuitivas, relacionadas à necessida<strong>de</strong> da<br />
perfeição do ato <strong>de</strong> intimação e resguardo dos direitos da <strong>de</strong>fesa, dado por nulida<strong>de</strong><br />
do processo, quando o <strong>de</strong>fensor público não tenha sido intimado pessoalmente dos<br />
atos processuais:
R.T.J. — <strong>204</strong> 775<br />
Defensoria Pública: intimação pessoal: garantia que se esten<strong>de</strong> à intimação em qualquer<br />
instância, incluídas as <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
(HC 81.668, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 26-4-02.)<br />
Habeas corpus. Processo penal. Exigência <strong>de</strong> intimação pessoal <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor público.<br />
Acórdão anulado para que outro seja prolatado. Or<strong>de</strong>m parcialmente concedida. 1. Por força<br />
do art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, a ausência <strong>de</strong> intimação pessoal do <strong>de</strong>fensor público acarreta<br />
nulida<strong>de</strong> do acórdão prolatado. 2. Or<strong>de</strong>m parcialmente concedida, para que, após a regular<br />
intimação do <strong>de</strong>fensor público, proceda-se a novo julgamento.<br />
(HC 83.847, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ <strong>de</strong> 20-8-04.)<br />
Habeas corpus. Ação penal. Réu <strong>de</strong>fendido por Procurador do Estado no exercício da<br />
Assistência Judiciária. Ausência <strong>de</strong> intimação pessoal do <strong>de</strong>fensor público da sessão <strong>de</strong> julgamento<br />
do recurso em sentido estrito, bem como da respectiva <strong>de</strong>cisão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Ofensa ao disposto no art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50. Prece<strong>de</strong>ntes. Habeas corpus <strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 82.315, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong> 14-11-02.)<br />
Habeas corpus. Penal. Processual penal. Inclusão <strong>de</strong> recurso em pauta <strong>de</strong> julgamento.<br />
Publicação <strong>de</strong> acórdão. Defensor público. Procurador do Estado. Intimação pessoal. O Procurador<br />
do Estado, no exercício do múnus <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor público, <strong>de</strong>ve ser intimado pessoalmente<br />
<strong>de</strong> todos os atos do processo (Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º). Não é suficiente a intimação feita<br />
por publicação na imprensa oficial. No caso, não houve a intimação pessoal do Procurador do<br />
Estado da inclusão em pauta <strong>de</strong> julgamento do recurso especial por ele interposto. A falta <strong>de</strong><br />
intimação pessoal <strong>de</strong> algum ato do processo acarreta nulida<strong>de</strong>. É nulo o próprio julgamento do<br />
recurso especial e os atos <strong>de</strong>le <strong>de</strong>correntes. Inclusive o trânsito em julgado. Habeas <strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 81.342, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ <strong>de</strong> 31-5-02.)<br />
2. Ante o exposto, tenho por absolutamente nulos o julgamento, pelo Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, da apelação interposta pelo<br />
Paciente, bem como todos os atos processuais posteriores.<br />
3. Não há, porém, por que renová-los.<br />
A acusação não recorreu da sentença <strong>de</strong> primeiro grau. Requisitei ao Juízo<br />
da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária <strong>de</strong> Taguatinga/DF informações<br />
sobre a data do trânsito em julgado da sentença con<strong>de</strong>natória para a acusação<br />
(fl. 238), tendo aquele noticiado que a sentença, datada <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1994,<br />
transitou em julgado para a acusação em 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1994 (fls. 247-249).<br />
À vista, portanto, do disposto no art. 110, § 1º, do Código Penal, o prazo <strong>de</strong><br />
prescrição correu, sem interrupções, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a data da sentença <strong>de</strong> primeiro grau<br />
(fl. 238).<br />
Fixada, então, ali, a pena imposta ao paciente em 5 (cinco) anos e 4 (quatro)<br />
meses <strong>de</strong> reclusão e 13 (treze) dias-multa, consumou-se, 12 anos após (art.<br />
109, inciso III, do Código Penal), ou seja, em 2006, a prescrição punitiva, uma<br />
vez nulo o julgamento da apelação proferido pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, sem a prévia intimação do <strong>de</strong>fensor público, como<br />
já reconheci.<br />
4. Isso posto, concedo habeas corpus <strong>de</strong> ofício, para <strong>de</strong>clarar extinta a<br />
punibilida<strong>de</strong> do Paciente, em razão da prescrição.
776<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 90.709/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Antônio Muniz<br />
dos Santos. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coatores: Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça e Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, conce<strong>de</strong>u, <strong>de</strong> ofício, o pedido <strong>de</strong><br />
habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste<br />
julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente,<br />
o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha<br />
Campos.<br />
Brasília, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 777<br />
HABEAS CORPUS 91.018 — GO<br />
Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />
Pacientes: Rosanilton <strong>de</strong> Jesus Pedro Alves, José Carlos Bezerra Gomes,<br />
Aldo Gomes Lopes e Alberto Teixeira Santos — Impetrantes: Alessandro dos<br />
Santos Ajouz e outros — Coatora: Relatora do Habeas Corpus 78.547 do Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Habeas corpus – Alcance – Verbete 691 da Súmula do Supremo<br />
– Constituição Fe<strong>de</strong>ral – Compatibilização. O Verbete 691 da<br />
Súmula da Corte há <strong>de</strong> ser tomado em harmonia com a Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, não impedindo o Supremo <strong>de</strong> examinar situação<br />
jurídica a estampar, com o in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> medida acauteladora<br />
em habeas corpus, ilegalida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rado o direito <strong>de</strong> ir e vir.<br />
Prisão preventiva – Crime e conseqüências – Neutralida<strong>de</strong>.<br />
A prisão preventiva, sempre <strong>de</strong> caráter excepcional, porquanto<br />
mitiga o princípio da não-culpabilida<strong>de</strong>, tem <strong>de</strong> estar alicerçada<br />
no art. 312 do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Não a respaldam o crime<br />
praticado e as respectivas conseqüências.<br />
Prisão preventiva – Credibilida<strong>de</strong> do Judiciário e da polícia<br />
– Ina<strong>de</strong>quação. A preservação da credibilida<strong>de</strong> do Judiciário<br />
e da polícia não <strong>de</strong>ságua na custódia preventiva, <strong>de</strong>ve ocorrer, isso,<br />
sim, em estrita observância ao Direito posto.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Primeira Turma, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento<br />
e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos<br />
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto<br />
e a Ministra Cármen Lúcia.<br />
Brasília, 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007 — Marco Aurélio, Presi<strong>de</strong>nte e Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis como o Gabinete resumiu esta impetração:<br />
V. Exa., por meio da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fls. 33 e 34, in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> medida<br />
acauteladora, consignando:<br />
Habeas corpus – Liminar – Verbete 691 da Súmula do Supremo – Excepcionalida<strong>de</strong><br />
não verificada – In<strong>de</strong>ferimento.<br />
1. Com a peça primeira <strong>de</strong> fls. 2 a 23, os Impetrantes buscam <strong>de</strong>monstrar a insubsistência<br />
não só da prisão em flagrante dos Pacientes como também da con<strong>de</strong>nação<br />
imposta, presentes os crimes dos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06. Discorrendo sobre<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substância entorpecente encontrada com os Pacientes – trinta e dois<br />
gramas <strong>de</strong> maconha –, asseveram <strong>de</strong>sfundamentada a prisão, que, a esta altura, estaria<br />
a ganhar contornos <strong>de</strong> preventiva, isso consi<strong>de</strong>rada a instrução processual já concluída
778<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
e a preservação da or<strong>de</strong>m pública. Pleiteiam a concessão <strong>de</strong> medida acauteladora que<br />
implique a expedição <strong>de</strong> alvará <strong>de</strong> soltura, vindo-se, alfim, a confirmá-la.<br />
Acompanharam a inicial os documentos <strong>de</strong> fls. 24 a 29 e os constantes do<br />
apenso.<br />
2. Reitero o que tenho consignado quanto ao Verbete 691 da Súmula:<br />
O habeas corpus, <strong>de</strong> envergadura constitucional, não sofre qualquer<br />
peia. Desafia-o quadro a revelar constrangimento ilegal à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e<br />
vir do cidadão. Na pirâmi<strong>de</strong> das normas jurídicas, situa-se a Carta Fe<strong>de</strong>ral e<br />
assim há <strong>de</strong> ser observada. Conforme tenho proclamado, o Verbete 691 da<br />
Súmula <strong>de</strong>sta Corte não po<strong>de</strong> ser levado às últimas conseqüências. Nele está<br />
contemplada implicitamente a possibilida<strong>de</strong>, em situação excepcional, <strong>de</strong> se<br />
admitir a impetração contra ato que haja resultado no in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> medida<br />
acauteladora em idêntica medida – HC 84.014-1-AgR/MG, por mim relatado<br />
na Primeira Turma e cujo acórdão foi publicado no DJ <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004.<br />
É esse o enfoque que torna o citado verbete compatível com o Diploma Maior,<br />
não cabendo extremar o que nele se contém, a ponto <strong>de</strong> se obstaculizar o próprio<br />
acesso ao Judiciário, a órgão que se mostre, dados os patamares do Judiciário,<br />
em situação superior e passível <strong>de</strong> ser alcançado na seqüência da prática <strong>de</strong> atos<br />
judiciais para a preservação <strong>de</strong> certo direito.<br />
Atuando como porta-voz do Colegiado, somente entendo ser possível afastar<br />
o citado verbete em situações extravagantes. No caso, os Pacientes respon<strong>de</strong>ram ao<br />
processo revelador da ação penal sob a custódia do Estado, vindo à balha sentença em<br />
que con<strong>de</strong>nados pelos crimes <strong>de</strong> tráfico e <strong>de</strong> associação para o tráfico – respectivamente,<br />
arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06. A esta altura, encontram-se con<strong>de</strong>nados, havendo apelação<br />
pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> exame pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Goiás. A leitura da inicial <strong>de</strong>monstra<br />
que não prosperou a tentativa <strong>de</strong> reverter o quadro cerceador da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir mediante<br />
habeas impetrado na citada Corte. A relatora não conce<strong>de</strong>u a liminar. O mesmo<br />
ocorreu no âmbito do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, on<strong>de</strong> a apreciação do Habeas Corpus<br />
78.547/GO ainda não chegou ao final. Não se faz presente excepcionalida<strong>de</strong> maior a<br />
ditar a queima <strong>de</strong> etapas.<br />
3. In<strong>de</strong>firo a medida acauteladora.<br />
4. Colham o parecer da Procuradoria-Geral da República.<br />
5. Publiquem.<br />
Os Pacientes interpuseram agravo regimental, também in<strong>de</strong>ferido, conforme <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> fls. 44 e 45:<br />
Habeas corpus – Liminar – Sucessivas impetrações – Verbete 691 da Súmula<br />
do Supremo – In<strong>de</strong>ferimento – Pleito <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração – Agravo regimental.<br />
1. Mediante a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fls. 33 e 34, in<strong>de</strong>feri a liminar consignando não revelar o<br />
quadro exceção a ditar a atuação do relator, com afastamento do Verbete 691 da Súmula<br />
do Supremo. Fiz ver a sucessivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impetrações – no Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Goiás,<br />
no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e no Supremo – bem como a circunstância <strong>de</strong> os Pacientes<br />
haverem sido presos em flagrante e con<strong>de</strong>nados pelos crimes <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecentes<br />
e <strong>de</strong> associação para tal fim – arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06.<br />
Os Pacientes pleiteiam a reconsi<strong>de</strong>ração do ato, articulando com o disposto no<br />
art. 59 da mencionada lei e, ante o envolvimento do crime do art. 35 nela previsto –<br />
associação para o tráfico ilícito <strong>de</strong> drogas –, com a falta <strong>de</strong> enquadramento da espécie<br />
no art. 312 do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Em face do princípio da eventualida<strong>de</strong>,<br />
requerem a submissão do agravo à Turma.<br />
2. Reporto-me ao que registrei no ato formalizado. O caso não enseja reconsi<strong>de</strong>ração,<br />
presentes os prece<strong>de</strong>ntes do Colegiado sobre o alcance do Verbete 691 da Súmula.<br />
Atuando como porta-voz da Turma, não teria, mesmo que convencido da configuração<br />
<strong>de</strong> constrangimento ilegal, nesta fase precária e efêmera, como sobrepor o entendimento<br />
individual ao da maioria.<br />
Quanto ao agravo, atentem os Pacientes para os reiterados pronunciamentos<br />
<strong>de</strong>sta Corte. São no sentido da inadmissibilida<strong>de</strong> do citado recurso em que pese o envolvimento<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão interlocutória. A submissão do processo ao Colegiado somente<br />
ocasionará perda <strong>de</strong> tempo, vindo a ser assentado o não-conhecimento do recurso, óptica<br />
em relação à qual guardo reservas.
R.T.J. — <strong>204</strong> 779<br />
3. In<strong>de</strong>firo o pedido <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração e nego seguimento ao agravo.<br />
4. Colham, como <strong>de</strong>terminado à fl. 34, o parecer da Procuradoria-Geral da República.<br />
5. Publiquem.<br />
A Procuradoria-Geral da República, no parecer <strong>de</strong> fls. 47 a 52, opina pela concessão<br />
parcial da or<strong>de</strong>m. A argumentação do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral está sintetizada na seguinte<br />
ementa:<br />
Habeas corpus substitutivo <strong>de</strong> recurso ordinário. Crime hediondo. Tráfico<br />
ilícito <strong>de</strong> entorpecentes. Prisão em flagrante. In<strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
provisória. Art. 44, Lei 11.343/06. Presunção <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> da conduta afastada<br />
in casu. Exceção. Súmula 691/<strong>STF</strong>.<br />
– O art. 44 da Lei 11.343/06, em consonância com o art. 5º, XLIII, da CF/88,<br />
preceitua expressamente o óbice à liberda<strong>de</strong> provisória. Norma especial face à lei dos<br />
crimes hediondos.<br />
– Nos crimes <strong>de</strong> tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes, a gravida<strong>de</strong> da conduta perpetrada<br />
é pressuposto estabelecido pela lei, <strong>de</strong> forma que se presume a necessida<strong>de</strong> da<br />
custódia para garantia da or<strong>de</strong>m pública.<br />
– No caso, resta afastada tal presunção, dada a pequena quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga<br />
apreendida com os pacientes.<br />
– Trancamento da ação penal, vinculada à <strong>de</strong>sclassificação da conduta, que<br />
exige aprofundado exame <strong>de</strong> provas. Impossibilida<strong>de</strong> na via estreita do mandamus.<br />
– Parecer pela concessão parcial da or<strong>de</strong>m.<br />
Assim se manifestou o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, por enten<strong>de</strong>r que, diante da quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> substância entorpecente apreendida – 35 gramas –, era passível a tipificação dos fatos<br />
como tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes. No entanto, imprópria a via do habeas para proce<strong>de</strong>r à<br />
<strong>de</strong>sclassificação do crime, por <strong>de</strong>mandar exame aprofundado <strong>de</strong> provas. Opinou pelo conhecimento<br />
da or<strong>de</strong>m, por vislumbrar a existência <strong>de</strong> motivação para excepcionar a observância<br />
do Verbete 691 da Súmula do Supremo e pugnou pelo <strong>de</strong>ferimento parcial do pedido, para<br />
assegurar aos Pacientes o direito <strong>de</strong> aguardar em liberda<strong>de</strong> o julgamento das apelações interpostas<br />
(fl. 52).<br />
Registro que os Pacientes foram presos em flagrante em 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, por<br />
tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e associação para o tráfico – arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06.<br />
Consoante informação colhida no sítio do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Goiás, o Juiz <strong>de</strong><br />
Direito da Comarca <strong>de</strong> Niquelândia/GO proferiu sentença con<strong>de</strong>natória, em 21 <strong>de</strong> fevereiro<br />
<strong>de</strong> 2007, nos seguintes termos:<br />
Ante o exposto, julgo proce<strong>de</strong>nte a pretensão punitiva estatal para con<strong>de</strong>nar os<br />
acusados Rosanilton <strong>de</strong> Jesus Pedro Alves, brasileiro, solteiro, nascido em 6-8-1980,<br />
natural <strong>de</strong> Alto Paraíso, GO, filho <strong>de</strong> Eusebio Pedro Alves e <strong>de</strong> Vi<strong>de</strong>lina Santana do Carmo;<br />
Jose Carlos Bezerra Gomes, brasileiro, solteiro, serralheiro, nascido em 1-9-1982,<br />
natural <strong>de</strong> Barreiras, BA, filho <strong>de</strong> José Gomes e <strong>de</strong> Maria Bezerra Gomes; Aldo Gomes<br />
Lopes, brasileiro, solteiro, prestador <strong>de</strong> serviços gerais, nascido em 5-1-1986, natural<br />
<strong>de</strong> Colinas do Sul, filho <strong>de</strong> Antonio Lopes da Silva e <strong>de</strong> Josefa Gomes da Silva e Alberto<br />
Teixeira Santos, brasileiro, solteiro, torneiro mecânico, nascido em 11-4-1976, natural<br />
<strong>de</strong> Goianésia, GO, filho <strong>de</strong> João Teixeira <strong>de</strong> Brito e <strong>de</strong> Osmarina Teixeira Santos; como<br />
incursos nas sansões previstas nos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/06.<br />
Réu Rosanilton <strong>de</strong> Jesus Pedro Alves, do crime do art. 33, caput, Lei 11.343/06.<br />
Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 6 (seis) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo pena <strong>de</strong> multa<br />
em 600 (seiscentos) dias-multa. Do crime do art. 35 da Lei 11.343/06. Tenho que o<br />
acusado <strong>de</strong>ve ser apenado um pouco acima do mínimo legal cominado e fixo-lhe a<br />
pena-base em 3 (três) anos e 6 (seis) meses <strong>de</strong> reclusão e multa. Da pena <strong>de</strong>finitiva.<br />
Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 3 (três) anos e 6 (seis) meses <strong>de</strong> reclusão e multa.<br />
Aplicável ao caso a regra do concurso material (art. 69 do CP), em face dos <strong>de</strong>sígnios<br />
autônomos do agente, na prática dos crimes, o que implica na aplicação cumulativa<br />
das penas privativas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, totalizadas em 9 (nove) anos e 6 (seis) meses <strong>de</strong> reclusão<br />
e multa <strong>de</strong> 1/30 do salário mínimo, vigente ao tempo do fato, cada.<br />
Réu José Carlos Bezerra Gomes, do crime do art. 33, caput, da Lei 11.343/06.<br />
Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 5 (cinco) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Do crime do artigo 35<br />
da Lei 11.343/06. Tenho que o acusado po<strong>de</strong> ser apenado no mínimo legal cominado
780<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
e fixo-lhe a pena em 3 (três) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Da pena <strong>de</strong>finitiva. Fixo, pois,<br />
a pena <strong>de</strong>finitiva em 3 (três) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo a pena <strong>de</strong> multa em 700<br />
(setecentos) dias-multa, sendo o dia-multa fixado no mínimo legal (1/30 do salário,<br />
vigente ao tempo do fato, cada), atendida a situação econômica do réu, nos termos do<br />
art. 35 da Lei 11.343/06. Con<strong>de</strong>no-o, ainda, em custas processuais (art. 804 do CPP).<br />
Da totalização das penas. Aplicável ao caso a regra do concurso material (art. 69 do<br />
CP), em face dos <strong>de</strong>sígnios autônomos do agente, na prática dos crimes, o que implica<br />
na aplicação cumulativa das penas privativas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, totalizadas em 8 (oito)<br />
anos <strong>de</strong> reclusão e multa <strong>de</strong> 1.200 (mil e duzentos) dias-multas <strong>de</strong> 1/30 do salário<br />
mínimo, vigente ao tempo do fato, cada.<br />
Réu Aldo Gomes. Tenho que o acusado po<strong>de</strong> ser apenado no mínimo legal cominado<br />
e fixo-lhe a pena-base em 5 (cinco) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Pena <strong>de</strong>finitiva.<br />
Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 5 (cinco) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo a pena <strong>de</strong><br />
multa em 500 (quinhentos) dias-multa, sendo o dia-multa fixado no mínimo legal (1/30<br />
do salário mínimo, vigente ao tempo do fato, cada), atendida a situação econômica do<br />
réu, nos termos do art. 33 da Lei 11.343/06. Do crime do artigo 35 da Lei 11.343/06.<br />
Tenho que o acusado po<strong>de</strong> ser apenado no mínimo legal cominado e fixo-lhe a pena-base<br />
em 3 (três) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 3 (três) anos <strong>de</strong><br />
reclusão. Pena <strong>de</strong> multa. Fixo a pena <strong>de</strong> multa em 700 (setecentos) dias-multa, sendo o<br />
dia-multa fixado no mínimo legal (1/30 do salário mínimo, vigente ao tempo do fato,<br />
cada), atendida a situação econômica do réu, nos termos do art. 35 da Lei 11.343/06.<br />
Con<strong>de</strong>no-o ainda a custas processuais, art. 804 do CPP. Da totalização das penas.<br />
Aplicável ao caso a regra do concurso material (art. 69 do CP), em face dos <strong>de</strong>sígnios<br />
autônomos do agente, na prática dos crimes, o que implica na aplicação cumulativa<br />
das penas privativas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, totalizadas em 8 (oito) anos <strong>de</strong> reclusão e multa<br />
<strong>de</strong> 1200 (mil e duzentos) dias-multa <strong>de</strong> 1/30 do salário mínimo, vigente ao tempo do<br />
fato, cada.<br />
Réu Alberto Teixeira Santos. Do crime do art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Tenho<br />
que o acusado po<strong>de</strong> ser apenado no mínimo legal cominado e fixo-lhe a pena-base<br />
em 5 (cinco) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 5 (cinco) anos<br />
<strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo a pena <strong>de</strong> multa em 500 (quinhentos) dias-multa, sendo o<br />
dia-multa fixado no mínimo legal (1/30 do salário mínimo, vigente ao tempo do fato,<br />
cada), atendida a situação econômica do réu, nos termos do art. 33 da Lei 11.343/06.<br />
Do crime do art. 35 da Lei 11.343/06. Tenho que o acusado po<strong>de</strong> ser apenado no mínimo<br />
legal cominado e fixo-lhe a pena-base em 3 (três) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Da<br />
pena <strong>de</strong>finitiva. Fixo, pois, a pena <strong>de</strong>finitiva em 3 (três) anos <strong>de</strong> reclusão e multa. Fixo<br />
a pena <strong>de</strong> multa em 700 (setecentos) dias-multa sendo o dia-multa fixado no mínimo<br />
legal (1/30 do salário mínimo, vigente ao tempo do fato, cada), atendida a situação<br />
econômica do réu, nos termos do art. 35 da Lei 11.343/06. Da totalização das penas.<br />
Aplicável ao caso a regra do concurso material (art. 69 do CP), em face dos <strong>de</strong>sígnios<br />
autônomos do agente, na prática dos crimes, o que implica na aplicação cumulativa<br />
das penas privativas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, totalizadas em 8 (oito) anos <strong>de</strong> reclusão e multa <strong>de</strong><br />
1200 (mil e duzentos) dias-multa <strong>de</strong> 1/30 do salário mínimo, vigente ao tempo do fato,<br />
cada. (...)<br />
Os réus interpuseram recurso <strong>de</strong> apelação, distribuído para a Primeira Câmara Criminal,<br />
ainda pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> apreciação. O Habeas Corpus 28.524-4/217, impetrado perante o Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça (fl. 27), ainda não foi examinado. O habeas formalizado no Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça – o <strong>de</strong> número 78.547/STJ, distribuído à Ministra Laurita Vaz – foi julgado em 29 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 2007, sendo in<strong>de</strong>ferida a or<strong>de</strong>m, conforme relatório <strong>de</strong> tramitação processual anexo.<br />
Em 24 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007, lancei visto no processo, liberando-o para ser<br />
julgado na Turma a partir <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> outubro seguinte, isso objetivando a ciência<br />
dos Impetrantes.<br />
É o relatório.
R.T.J. — <strong>204</strong> 781<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Até aqui, não há título judicial<br />
transitado em julgado e, portanto, passível <strong>de</strong> execução, consi<strong>de</strong>rada a pena<br />
imposta. Estão pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> apreciação apelações protocoladas pela <strong>de</strong>fesa dos<br />
Pacientes. Então, o que persiste é o ato mediante o qual <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser relaxada a<br />
prisão. Suplantada ficou a fase <strong>de</strong> prisão preventiva. O Juízo, ao manter a custódia,<br />
simplesmente assentou: “Acolho o parecer ministerial (sic) e in<strong>de</strong>firo o pedido<br />
retro” (processo apenso). Então, fundamentou-se o ato in<strong>de</strong>feritório do pedido <strong>de</strong><br />
concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> no que contido na promoção do Ministério Público. Após<br />
serem narrados os fatos envolvidos na espécie, pronunciou-se o Fiscal da Lei no<br />
sentido do in<strong>de</strong>ferimento da liberda<strong>de</strong>, presente o seguinte:<br />
Convém ressaltar que o crime <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas é o que mais incomoda a socieda<strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rna pelas conseqüências nefastas que as drogas trazem aos usuários e seus familiares,<br />
além do que a forma como o grupo agia causou gran<strong>de</strong> repercussão naquela comunida<strong>de</strong> e,<br />
nestas circunstâncias, a liberda<strong>de</strong> do requerente po<strong>de</strong>ria vir a comprometer seriamente a credibilida<strong>de</strong><br />
do Judiciário e Polícia locais, trazendo, assim, sérios riscos <strong>de</strong> intranqüilida<strong>de</strong> social.<br />
Ora, o que consignado para manter a custódia não se harmoniza com o disposto<br />
no art. 312 do Código <strong>de</strong> Processo Penal.<br />
Quanto ao crime e respectivas conseqüências, há <strong>de</strong> se aguardar, em termos<br />
<strong>de</strong> punição, o trânsito em julgado do <strong>de</strong>creto con<strong>de</strong>natório. Também não se po<strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rar a repercussão do crime na comunida<strong>de</strong>, e sim algum aspecto, sob o<br />
ângulo das circunstâncias judiciais, a ser levado em conta na dosimetria da pena.<br />
Por último, tem-se o aventado comprometimento da credibilida<strong>de</strong> do Judiciário<br />
e da Polícia local. A visão não condiz com o que previsto no arcabouço<br />
normativo. A credibilida<strong>de</strong> do Judiciário e da Polícia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da irrestrita observância<br />
à or<strong>de</strong>m jurídica e não <strong>de</strong> rigor <strong>de</strong>la discrepante.<br />
Como <strong>de</strong>scabe, na via do habeas corpus, suplementar o ato formalizado,<br />
o quadro apresenta excepcionalida<strong>de</strong> a conduzir o Colegiado ao afastamento<br />
do Verbete 691 da Súmula da Corte, segundo o qual “não compete ao Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conhecer <strong>de</strong> habeas corpus impetrado contra <strong>de</strong>cisão do relator<br />
que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, in<strong>de</strong>fere a liminar”.<br />
O que se nota, nos dias atuais, é um círculo vicioso, consi<strong>de</strong>radas impetrações<br />
sucessivas, tendo presente o in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> liminar. Valho-me do que<br />
tenho consignado sobre a necessária compatibilização do citado verbete com a<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral:<br />
O habeas corpus, <strong>de</strong> envergadura constitucional, não sofre qualquer peia. Desafia-o<br />
quadro a revelar constrangimento ilegal à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir do cidadão. Na pirâmi<strong>de</strong> das normas<br />
jurídicas, situa-se a Carta Fe<strong>de</strong>ral e assim há <strong>de</strong> ser observada. Conforme tenho proclamado,<br />
o Verbete 691 da Súmula <strong>de</strong>sta Corte não po<strong>de</strong> ser levado às últimas conseqüências. Nele está<br />
contemplada implicitamente a possibilida<strong>de</strong>, em situação excepcional, <strong>de</strong> se admitir a impetração<br />
contra ato que haja resultado no in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> medida acauteladora em idêntica<br />
medida – HC 84.014-1-AgR/MG, por mim relatado na Primeira Turma e cujo acórdão foi publicado<br />
no DJ <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004. É esse o enfoque que torna o citado verbete compatível
782<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
com o Diploma Maior, não cabendo extremar o que nele se contém, a ponto <strong>de</strong> se obstaculizar<br />
o próprio acesso ao Judiciário, a órgão que se mostre, dados os patamares do Judiciário, em<br />
situação superior e passível <strong>de</strong> ser alcançado na seqüência da prática <strong>de</strong> atos judiciais para a<br />
preservação <strong>de</strong> certo direito.<br />
Concedo a or<strong>de</strong>m para relaxar a prisão dos Pacientes.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, estou verificando aqui<br />
que a acusação feita ao Paciente é <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecentes. No caso, a apreensão<br />
<strong>de</strong>veu-se a 32 gramas <strong>de</strong> maconha.<br />
Também a narrativa que V. Exa. fez do relatório mostra que a fundamentação<br />
do <strong>de</strong>creto prisional está completamente baldia, nos termos do art. 312 do Código<br />
<strong>de</strong> Processo Penal. Então, parece-me que este caso, seguindo a orientação predominante<br />
da Turma, é no sentido <strong>de</strong> absorver a Súmula 691 por não se configurar<br />
gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal modo que imponha a sua obediência, ou seja, está caracterizada<br />
uma excepcionalida<strong>de</strong> suficiente para afastar a aplicação da Súmula 691.<br />
Embora V. Exa. saiba que guardo muitas reservas com relação ao afastamento<br />
da Súmula 691, curvo-me sempre à orientação dominante da Corte, para<br />
afastar o óbice, ainda que, neste caso particular, excepcionalmente.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, também acompanho<br />
V. Exa., ante as circunstâncias presentes no caso.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 91.018/GO — Relator: Ministro Marco Aurélio. Pacientes: Rosanilton<br />
<strong>de</strong> Jesus Pedro Alves, José Carlos Bezerra Gomes, Aldo Gomes Lopes e Alberto<br />
Teixeira Santos. Impetrantes: Alessandro dos Santos Ajouz e outros. Coatora:<br />
Relatora do Habeas Corpus 78.547 do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, nos termos do voto<br />
do Relator. Unânime. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto e a Ministra<br />
Cármen Lúcia.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />
Carlos Britto e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr.<br />
Rodrigo Janot.<br />
Brasília, 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 783<br />
HABEAS CORPUS 91.158 — PR<br />
Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />
Paciente: Nelson Luis Pereira Corbett — Impetrantes: Claudio José Langroiva<br />
Pereira e outros — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Crimes<br />
contra o sistema financeiro e lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Alegação <strong>de</strong><br />
inépcia da <strong>de</strong>núncia, ilegalida<strong>de</strong> dos procedimentos investigatórios<br />
e falta <strong>de</strong> justa causa. Trancamento. Reexame do conjunto<br />
probatório existente nos autos da ação penal: impossibilida<strong>de</strong>.<br />
Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
1. Inviável, nos limites do habeas corpus, a apreciação das<br />
alegações dos Impetrantes, no sentido <strong>de</strong> que a) o Juízo da Segunda<br />
Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR seria incompetente<br />
para processar e julgar a ação penal; b) a <strong>de</strong>núncia seria inepta;<br />
c) não haveria justa causa para a ação penal; e d) os procedimentos<br />
<strong>de</strong> investigação seriam inconstitucionais e ilegais, em razão <strong>de</strong><br />
que essas questões <strong>de</strong>mandariam exame profundo do conjunto<br />
probatório existente nos autos da ação penal, ainda em formação.<br />
2. A alegada inépcia da <strong>de</strong>núncia e a falta <strong>de</strong> justa causa, assertivas<br />
jurídicas apresentadas pelos Impetrantes, não infirmam<br />
a inquestionável valida<strong>de</strong> do ato impugnado.<br />
3. Não se po<strong>de</strong> trancar a ação penal, quando <strong>de</strong>scritos, na<br />
<strong>de</strong>núncia, comportamentos típicos, ou seja, quando factíveis e<br />
manifestos os indícios <strong>de</strong> autoria e materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litivas. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
4. O exame da alegada inocência do Paciente não se coaduna<br />
com a via processual eleita, sendo essa análise reservada aos<br />
processos <strong>de</strong> conhecimento, nos quais a dilação probatória tem<br />
espaço garantido, na forma constitucionalmente assegurada.<br />
5. Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Marco<br />
Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus. Falaram, pelo Paciente, o Dr.<br />
Marcelo Erbella e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Subprocurador-Geral da<br />
República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.
784<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
RELATÓRIO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Habeas corpus, com pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado por Claudio José Langroiva Pereira e outros em favor <strong>de</strong> Nelson Luis<br />
Pereira Corbett contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
que, em 13-2-07, <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m no Habeas Corpus 57.991, Rel. Min. Paulo<br />
Medina.<br />
2. Tem-se, nos autos, que o Paciente, juntamente com outros três Co-réus,<br />
foi <strong>de</strong>nunciado pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral por pretensa prática dos crimes<br />
previstos nos arts. 4º, 16 e 22, parágrafo único, c/c o art. 1º, parágrafo único, incisos<br />
I e II, da Lei 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro) e o art. 1º, incisos VI e<br />
VII, c/c o 1º, § 1º, inciso II, e com o art. 1º, § 2º, inciso II, e com o art. 1º, § 4º, da<br />
Lei 9.613/98 (lavagem <strong>de</strong> dinheiro), em concurso material e na forma continuada<br />
(fls. 30-63).<br />
Em 8 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2006, a <strong>de</strong>núncia foi recebida pelo Juízo da Segunda<br />
Vara Criminal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Curitiba/PR (Processo 2005.70.00.034011-0), tendo<br />
ele, naquela oportunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>signado data para o interrogatório e <strong>de</strong>terminado a<br />
quebra dos sigilos bancário e fiscal dos <strong>de</strong>nunciados (fls. 67-70).<br />
3. Informam os Impetrantes que, buscando o trancamento da ação penal e<br />
a suspensão dos procedimentos <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> sigilo e do bloqueio <strong>de</strong> bens, impetraram<br />
habeas corpus no Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 4ª Região e no Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça, tendo sido a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada em ambos os tribunais.<br />
Reiteram os fundamentos dos habeas corpus anteriormente impetrados,<br />
asseverando, em síntese, a) a incompetência do Juízo da Segunda Vara Fe<strong>de</strong>ral<br />
Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR para processar e julgar a ação penal, pois os supostos<br />
<strong>de</strong>litos praticados pelo Paciente “não guardam qualquer relação com aqueles investigados<br />
no caso Banestado (...), objeto <strong>de</strong> investigações que tramitam no Juízo<br />
paranaense” (fls. 6-7); b) a inépcia da <strong>de</strong>núncia (fls. 11-14); c) a falta <strong>de</strong> justa<br />
causa para a ação penal (fls. 15-22); e d) a inconstitucionalida<strong>de</strong> e a ilegalida<strong>de</strong><br />
dos procedimentos <strong>de</strong> investigação (fls. 23-25).<br />
Requerem o <strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> liminar para “(suspen<strong>de</strong>r) o andamento da<br />
ação penal, em relação ao Paciente, até final julgamento do writ” (fl. 28 – grifos<br />
no original) e, ao final, concedida a or<strong>de</strong>m “a fim <strong>de</strong> que seja <strong>de</strong>terminado o<br />
trancamento da ação penal instaurada contra o paciente perante a 2ª. Vara<br />
Criminal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Curitiba/PR, processo <strong>de</strong> autos 2006.70.00.023444-1”<br />
(fl. 29 – grifos no original).<br />
4. Em 30 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007, in<strong>de</strong>feri a liminar, por não estar <strong>de</strong>monstrada a<br />
presença do bom direito ou <strong>de</strong> condições plausíveis e apuráveis <strong>de</strong> plano, solicitei<br />
informações ao Juízo da Segunda Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR e ao<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, dando vista à Procuradoria-Geral da República na<br />
seqüência (fls. 144-148).
R.T.J. — <strong>204</strong> 785<br />
Determinei, ainda, que os Impetrantes provi<strong>de</strong>nciassem a tradução dos<br />
documentos <strong>de</strong> fls. 122-140 e esclarecessem o número da ação penal objeto <strong>de</strong><br />
questionamento neste habeas, por haver diferença entre o número referido no documento<br />
<strong>de</strong> fl. 66 e o indicado à fl. 29 da inicial.<br />
5. Em 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007, os Impetrantes juntaram aos autos a tradução juramentada<br />
dos documentos <strong>de</strong> fls. 122-140 (fls. 157-170) e esclareceram “que a divergência<br />
<strong>de</strong> numeração referida no <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fls. Se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que do processo<br />
originário (autos <strong>de</strong> número 2005.70.00.034011-1 – fl. 29) fora <strong>de</strong>smembrado o<br />
envolvendo o paciente, recebendo o número 2006.70.00.023444-1” (fls. 155-156).<br />
6. As informações foram prestadas pelo Juízo da Segunda Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal<br />
<strong>de</strong> Curitiba/PR em 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007 e recebidas neste Supremo Tribunal<br />
no dia 17 do mesmo mês (fls. 182-185), tendo encaminhado os documentos <strong>de</strong><br />
fls. 186-288.<br />
Segundo aquele Juízo, a Ação Penal 2006.70.00.023444-1 “encontra-se em<br />
fase <strong>de</strong> oitiva das testemunhas indicadas pela Defesa <strong>de</strong> Nelson Corbett” (fl. 185).<br />
7. Em 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007, os Impetrantes requereram “a juntada aos autos<br />
dos laudos <strong>de</strong> exame econômico-financeiro 615/2005-INC (doc. 1) e 761/05-INC<br />
(doc. 2), produzidos pelo Instituto Nacional <strong>de</strong> Criminalística do Departamento<br />
da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, a pedido dos Procuradores da República Januário Paludo e<br />
Vladimir Aras, os quais,” segundo alegam, “confirmam as alegações lançadas na<br />
inicial, <strong>de</strong> que o Paciente nunca movimentou a conta objeto do processo em que<br />
configurou a coação ilegal” (fls. 291-292).<br />
8. As informações foram prestadas pela autorida<strong>de</strong> coatora, Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça, em 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007 e recebidas neste Supremo Tribunal no dia<br />
6 do mesmo mês (fl. 312), tendo encaminhado os documentos <strong>de</strong> fls. 313-336.<br />
9. A Procuradoria-Geral da República opinou “pela <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m”<br />
(fls. 340-348).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Conforme relatado, a presente<br />
ação tem como objetivo precípuo o trancamento da ação penal instaurada contra<br />
o Paciente, <strong>de</strong>nunciado pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral por pretensa prática dos<br />
crimes previstos nos arts. 4º, 16 e 22, parágrafo único, c/c o art. 1º, parágrafo<br />
único, incisos I e II, da Lei 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro) e o art.<br />
1º, incisos VI e VII, c/c o 1º, § 1º, inciso II, e com o art. 1º, § 2º, inciso II, e com<br />
o art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (lavagem <strong>de</strong> dinheiro), em concurso material e na<br />
forma continuada (fls. 30-63).<br />
2. Os fundamentos fáticos e jurídicos expostos pelos Impetrantes não afastam<br />
o que <strong>de</strong>cidido pela Sexta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>cisão<br />
ora questionada.
786<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
3. Nas sucessivas ações <strong>de</strong> habeas corpus impetradas no Tribunal Regional<br />
Fe<strong>de</strong>ral da 4ª Região, no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e, por último, agora, neste<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, os Impetrantes buscam o reconhecimento da falta<br />
<strong>de</strong> justa causa para o prosseguimento da ação penal contra o Paciente, em curso<br />
perante a Segunda Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR.<br />
A <strong>de</strong>cisão da Sexta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, nos autos do<br />
Habeas Corpus 57.991, Relator o Ministro Paulo Medina, é a seguinte:<br />
Penal. Processo penal. Habeas corpus. Crimes contra o sistema financeiro nacional.<br />
Conta corrente aberta em nome <strong>de</strong> offshore no Merchant´s Bank em Nova Iorque. Evasão<br />
<strong>de</strong> divisas. Competência. Conexão instrumental. Caso Banestado. Aplicação do art. 88 do<br />
CPP. Impossibilida<strong>de</strong>. Denúncia. Inépcia. Não ocorrência. Individualização das condutas.<br />
Despacho <strong>de</strong> recebimento da peça acusatória. Fundamentação suficiente. Procedimentos <strong>de</strong><br />
investigação. Ministério Público. Legitimida<strong>de</strong>. Denúncia embasada em documentos coligidos<br />
pela polícia norte-americana. Legalida<strong>de</strong>.<br />
1. Não se aplica a regra insculpida no art. 88 do Código <strong>de</strong> Processo Penal quando presentes<br />
elementos justificadores da conexida<strong>de</strong> instrumental, prevista no art. 76, inciso III, do<br />
Código <strong>de</strong> Processo Penal, eis que as provas carreadas nos autos po<strong>de</strong>rão influir no conjunto<br />
probatório do caso Banestado.<br />
2. Não há que se falar em inépcia da <strong>de</strong>núncia, pois há exposição clara e objetiva dos<br />
fatos <strong>de</strong>lituosos imputados ao Paciente, com a <strong>de</strong>scrição suficiente <strong>de</strong> sua participação na<br />
suposta organização criminosa.<br />
3. A alegação <strong>de</strong> carência <strong>de</strong> provas <strong>de</strong> autoria não po<strong>de</strong> ser analisada na via estreita do<br />
writ posto que, para tanto, se faz necessário revolvimento fático probatório, o que é vedado<br />
por meio <strong>de</strong>ste remédio constitucional.<br />
4. A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> recebimento da peça acusatória, em razão <strong>de</strong> sua natureza interlocutória<br />
simples carece <strong>de</strong> fundamentação aprofundada, sob pena <strong>de</strong> pré-julgamento e, conseqüente,<br />
nulida<strong>de</strong> absoluta.<br />
5. Reconhece-se como função institucional do Ministério Público promover a ação<br />
penal pública – art. 129, inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral – e a realização <strong>de</strong> diligências para<br />
a colheita <strong>de</strong> elementos embasadores da <strong>de</strong>núncia, sendo-lhe vedado, contudo, a produção<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da prova, o que não ocorreu no caso vertente.<br />
6. Utilização, pelo parquet, <strong>de</strong> provas produzidas pela Polícia norte-americana, para<br />
fundamentar a inicial acusatória.<br />
7. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(Fls. 80-81.)<br />
4. Pelo que se tem nas razões apresentadas no acórdão do Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça ora questionado, não há embasamento jurídico a sustentar os argumentos<br />
expendidos pelos Impetrantes, para assegurar o êxito do seu pleito, pois não<br />
se constatam fundamentos suficientes para trancar o andamento da Ação Penal<br />
2006.70.00.023444-1, em trâmite na Justiça Fe<strong>de</strong>ral no Paraná.<br />
5. Sustentam os Impetrantes, inicialmente, ser incompetente o Juízo da Segunda<br />
Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR, para processar e julgar o Paciente,<br />
pois correta seria a competência do Juízo <strong>de</strong> São Paulo para processar e julgar o<br />
feito.<br />
Segundo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, os crimes supostamente praticados teriam como objeto<br />
conta bancária mantida no estrangeiro, o que implicaria concluir que a) a<br />
consumação dos supostos crimes ter-se-ia dado fora do território nacional e b) a<br />
competência seria do Juízo paulista, por força do art. 88 do Código <strong>de</strong> Processo
R.T.J. — <strong>204</strong> 787<br />
Penal (“No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente<br />
o juízo da Capital do Estado on<strong>de</strong> houver por último residido o acusado”).<br />
6. Contudo, a irresignação dos Impetrantes não afasta a viabilida<strong>de</strong> da ação<br />
penal, que <strong>de</strong>verá ter seu trâmite regular perante o Juízo da Segunda Vara Fe<strong>de</strong>ral<br />
Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR para que ali se conclua sobre o quanto alegado e que<br />
venha a ser, ou não, comprovado.<br />
No voto do Ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, informase<br />
que a <strong>de</strong>núncia foi oferecida àquela Vara em razão <strong>de</strong> possível conexão instrumental<br />
entre os casos Farswiss e Banestado, este último em trâmite perante<br />
aquele Juízo.<br />
Enten<strong>de</strong>u aquele Superior Tribunal, naquele momento – e na tímida via do<br />
habeas corpus –, ser processualmente temerário afastar a eventual conexida<strong>de</strong><br />
instrumental entre os crimes imputados ao Paciente e os imputados aos <strong>de</strong>mais<br />
Co-réus, porque “está o magistrado paranaense munido <strong>de</strong> todos os documentos<br />
coligidos pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral, em ambos os processos, suficientes a formar-lhe<br />
a convicção, o que lhe dá suporte mais consistente para avaliar a existência da<br />
conexão processual” (fls. 89-90).<br />
7. Ressaltou o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, no parecer da lavra do Subprocurador-Geral<br />
da República Dr. Edson Oliveira <strong>de</strong> Almeida, que:<br />
4. Conforme salientado pelo acórdão impugnado, e segundo reiterada jurisprudência<br />
<strong>de</strong>sse Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a incompetência ratione loci tem natureza relativa, precluindo<br />
se não argüida oportunamente. Mesmo quando caracterizada a incompetência territorial, os<br />
atos ordinatórios e probatórios praticados pelo juízo incompetente não são anuláveis. (HC<br />
nº 83.563/MS, Rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJU, 19.12.2003, p. 55; HC nº 76.394/PA,<br />
Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJU, 25.6.99, p. 3; HC nº 70.624/MG, Rel. Min. Carlos<br />
Velloso, 2ª Turma, DJU, 7.11.97, p. 57232).<br />
5. A regra geral da <strong>de</strong>terminação da competência pelo local da infração (art. 70), ou<br />
ainda <strong>de</strong> acordo com o domicílio do réu (art. 72), po<strong>de</strong> ser excepcionada, entre outras causas,<br />
pela conexão. Nos termos do art. 76, III do CPP, a competência será <strong>de</strong>terminada pela conexão<br />
quando a prova <strong>de</strong> uma infração ou <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong> suas circunstâncias elementares influir na<br />
prova <strong>de</strong> outra infração.<br />
6. De acordo com o asseverado pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral junto ao Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça “A <strong>de</strong>núncia oferecida contra o paciente <strong>de</strong>monstra igualmente como se<br />
iniciaram as investigações neste caso específico: ‘1. Os fatos narrados nesta <strong>de</strong>núncia foram<br />
apurados em diligências realizadas pela Força Tarefa CC-5, nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Nova Iorque/<br />
NY e Newark/NJ, para aprofundar investigações acerca das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> correntistas e excorrentistas<br />
da extinta agência do Banestado em Nova Iorque.’ (fl. 43) Nota-se, portanto, que<br />
se trata da mesma Força Tarefa que levou a efeito as investigações no caso Banestado e que,<br />
no presente caso, chegou à seguinte conclusão, após a obtenção das provas documentais em<br />
território estrangeiro: ‘3. Tais constatações tornam certo que a conta Farswiss foi utilizada<br />
pelos <strong>de</strong>nunciados como parte <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> compensação entre doleiros, conforme já<br />
mencionado. 4. Isto porque os valores que por ela transitaram, conforme <strong>de</strong>monstrando nos<br />
laudos periciais em análise, tiveram como origem ou <strong>de</strong>stino contas mantidas junto ao MTB<br />
Bank e ao próprio Merchants, bem como subcontas da Beacon Hill Service Corp. e mantidas<br />
por ex-correntistas do Banestado em Nova Iorque, revelando, mais uma vez, as intrincadas relações<br />
e conexões entre os esquemas Banestado, Merchants e Beacon Hill. 5. Citam-se, neste<br />
sentido, as contas Ônix Câmbios (ex-correntista do Banestado em Nova Iorque); Basileia Global<br />
e Rigler (Beacon Hill Service Corp.); Kiesser e Azteca (MTB Bank); e Milano, Florida,<br />
Pelican, Braza, Goldrate e Giangran<strong>de</strong> (Merchants Bank). 6. Além disso, foram constatadas
788<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
inúmeras transações envolvendo as contas Maquina Corp. e Lespan S.A., investigadas pela<br />
movimentação, remessa e manutenção ilegal <strong>de</strong> valores no exterior, bem como pessoas físicas<br />
e jurídicas domiciliadas no Brasil. (...) 10. O laudo nº 615/05, aponta Ônix Cambios como<br />
uma das principais or<strong>de</strong>nantes e beneficiárias dos recursos movimentados na conta corrente<br />
9006863, <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> da Farswiss Asset Management Ltd. Aquela já <strong>de</strong>nunciada pelo<br />
Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral no esquema <strong>de</strong> evasão conhecido como ‘escândalo CC-5’ e na<br />
Operação Farol da Colina (caso Beacon Hill).’ (fls. 264/271). Verifica-se, pois, que os <strong>de</strong>litos<br />
em questão guardam conexão entre si, uma vez que trazem elementos aptos a justificar a<br />
unida<strong>de</strong> processual, já que ‘os fatos investigados nesta ação penal com os do Banestado, cujas<br />
operações produzidas por ‘doleiros’ através da conta Farswiss vinculam-se com as contas dos<br />
Bancos Banestado e Merchants Bank of New York e a sub conta Beacon Hill Service Corporation,<br />
objeto <strong>de</strong> investigações que tramitam no Juízo Impetrado’ (fl. 267). Em realida<strong>de</strong>,<br />
o que se vê na hipótese é a presença <strong>de</strong> elementos que justificam conexida<strong>de</strong> instrumental,<br />
prevista no art. 76, inciso III, do CPP, uma vez que as provas carreadas nos presentes autos,<br />
no <strong>de</strong>correr das investigações, po<strong>de</strong>rão influir no conjunto probatório daquela relativa ao caso<br />
Banestado, também em curso no Juízo da Segunda Vara Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR. Assim, se<br />
as hipóteses <strong>de</strong> conexão constantes do art. 76 do CPP se encontram presentes, não há que se<br />
falar em aplicação da regra do art. 88 do CPP e, consequentemente, incompetência do Juízo<br />
da Segunda Vara Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR.”<br />
(Fls. 344-345.)<br />
8. Nesse ponto, mister é realçar que é durante a dilação probatória que<br />
todos os <strong>de</strong>mais elementos <strong>de</strong> provas serão apresentados sob o crivo do contraditório,<br />
<strong>de</strong>vendo sobre o que vier a ser produzido se manifestar – ou mesmo se<br />
insurgir – em sua <strong>de</strong>fesa o Paciente.<br />
9. Na presente ação, os Impetrantes trazem extenso arrazoado, numa<br />
tentativa <strong>de</strong> absolver o Paciente antes mesmo da instrução criminal, realçando<br />
outras questões extremamente controvertidas e <strong>de</strong> alta indagação, que <strong>de</strong>verão<br />
ser objeto <strong>de</strong> percuciente e acurada apuração na via ordinária da ação penal,<br />
sendo inviável sua apreciação no acanhado procedimento do habeas corpus, por<br />
<strong>de</strong>mandarem análise do conjunto probatório produzido em se<strong>de</strong> judicial própria.<br />
Por ora basta que, da leitura da peça acusatória, se possam vislumbrar todos<br />
os elementos indispensáveis à existência, em tese, <strong>de</strong> crime com autoria <strong>de</strong>finida,<br />
<strong>de</strong> modo a permitir o pleno exercício do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa do<br />
Paciente.<br />
A peça acusatória da ação penal bem <strong>de</strong>lineou os limites <strong>de</strong> atuação do<br />
Paciente nos fatos, em tese, tidos como criminosos, a serem apurados durante<br />
cuidadosa e rigorosa instrução criminal:<br />
(...) Assim, a investigação <strong>de</strong>nominada “Living Large”, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada pela US<br />
Customs – hoje órgão do DHS – <strong>de</strong>scobriu que havia cerca <strong>de</strong> trinta e nove contas no<br />
Merchants Bank of New York, todas <strong>de</strong> brasileiros, entre elas a Farswiss, aberta pelos<br />
<strong>de</strong>nunciados Marcos <strong>de</strong> Souza Barros e Carlos Alberto Botelho <strong>de</strong> Souza Barros, por<br />
intermédio <strong>de</strong> seus funcionários Ruy Ulhoa Cintra <strong>de</strong> Araújo e Ricardo <strong>de</strong> Barros Cor<strong>de</strong>iro<br />
(falecido), e posteriormente adquirida pelo <strong>de</strong>nunciado Nelson Luis Pereira Corbett, e<br />
que teria movimentação financeira suspeita. (...) Tais provas e indícios revelam que os<br />
ora <strong>de</strong>nunciados, em unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sígnios, com ânimo e consciência da prática <strong>de</strong>lituosa,<br />
cooperaram, cada um a seu modo, para a evasão <strong>de</strong> divisas nacionais, a manutenção <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pósitos não <strong>de</strong>clarados no exterior e para a lavagem <strong>de</strong> dinheiro, mediante inúmeras<br />
operações realizadas inicialmente por meio da conta Farswiss, como adiante se verá.<br />
(Fls. 33/34.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 789<br />
7. Posteriormente. mais precisamente a partir <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2002 (conforme documento<br />
<strong>de</strong> fl. 423, do Procedimento MPF referido), em virtu<strong>de</strong> da aquisição do offshore<br />
Farswiss Asset Management Ltd pelo <strong>de</strong>nunciado Nelson Luis Pereira Corbett, a conta em<br />
tela passou a ser por ele movimentada e controlada. As pessoas mencionadas realizaram<br />
operações ilícitas com divisas nacionais, diretamente ou por intermédio <strong>de</strong> outras contas<br />
clan<strong>de</strong>stinas no exterior.<br />
8. Isto se evi<strong>de</strong>ncia pela própria configuração da empresa titular da conta Farswiss:<br />
offshore com se<strong>de</strong> em paraíso fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas, constituída pelos <strong>de</strong>nunciados<br />
Marcos <strong>de</strong> Souza Barros e Carlos Alberto Botelho <strong>de</strong> Souza Barros, por meio <strong>de</strong> seus<br />
prepostos Ruy Ulhoa Cintra <strong>de</strong> Araujo e Ricardo <strong>de</strong> Barros Cor<strong>de</strong>iro, sendo posteriormente,<br />
como supramencionado, adquirida pelo <strong>de</strong>nunciado Nelson Luis Pereira Corbett, tudo com o só<br />
propósito <strong>de</strong> ocultar sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e suas ativida<strong>de</strong>s ilegais no mercado <strong>de</strong> câmbio, servindolhe<br />
<strong>de</strong> fachada.<br />
9. Assim, certo é que os <strong>de</strong>nunciados Marcos <strong>de</strong> Souza Barros, Carlos Alberto Botelho<br />
<strong>de</strong> Souza Barros, Ruy Ulhoa Cintra <strong>de</strong> Araújo e Nelson Luis Pereira Corbett, juntamente com<br />
o funcionário Ricardo <strong>de</strong> Barros Cor<strong>de</strong>iro (falecido), por intermédio da empresa Corretora<br />
Souza Barros Câmbio e Títulos S.A., operavam no exterior, no mercado <strong>de</strong> câmbio e no branqueamento<br />
<strong>de</strong> capitais, por meio da offshore Farswiss Asset Management Ltd., que mantinha<br />
conta no Merchants Bank em Nova Iorque.<br />
10. A ativida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>nunciados consistia principalmente em ven<strong>de</strong>r dólares para<br />
clientes brasileiros, no mercado paralelo, como parte <strong>de</strong> um ciclo <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro,<br />
que transitava pela conta dos <strong>de</strong>nunciados nos Estados Unidos, envolvendo inúmeras vezes<br />
valores oriundos <strong>de</strong> transferências originadas no Banestado <strong>de</strong> Nova Iorque e outros bancos<br />
norte-americanos, como o próprio Merchants e o MTB Bank. Após ingressar na conta controlada<br />
por Marcos <strong>de</strong> Souza Barros, Carlos Alberto Botelho <strong>de</strong> Souza Barros, Ruy Ulhoa Cintra<br />
<strong>de</strong> Araújo e, posteriormente por Nelson Luis Pereira Corbett, o dinheiro era repassado aos<br />
clientes brasileiros no exterior. quase sempre mediante wire transfers para contas indicadas<br />
pelos tomadores do serviço ilícito. Obviamente, essa ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> câmbio e remessa <strong>de</strong> valores<br />
<strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> uma alimentação constante <strong>de</strong> dólares na conta Farswiss, mediante novas transferências<br />
oriundas do próprio esquema Banestado ou do esquema Beacon Hill, algumas vezes<br />
com evasão direta do Brasil. A reciclagem <strong>de</strong>pendia também <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> compensação<br />
entre os vários doleiros, muitos <strong>de</strong>les com negócios no Banestado em Nova Iorque.<br />
(Fls. 37-38.)<br />
10. Inviável é a apreciação, neste habeas corpus, das alegações dos Impetrantes,<br />
no sentido <strong>de</strong> que a) o juízo da 2ª Vara Fe<strong>de</strong>ral Criminal <strong>de</strong> Curitiba/PR seria<br />
incompetente para processar e julgar a ação penal; b) a <strong>de</strong>núncia seria inepta;<br />
c) não haveria justa causa para a ação penal; e d) os procedimentos <strong>de</strong> investigação<br />
seriam inconstitucionais e ilegais.<br />
A análise <strong>de</strong>sses argumentos <strong>de</strong>mandaria exame profundo do conjunto<br />
probatório existente nos autos da própria ação penal, ainda em formação, o que é<br />
inviável nos retraídos limites da ação <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
E seria, a<strong>de</strong>mais, prematuro o trancamento da ação penal, pelos fundamentos,<br />
supramencionados, mormente e consi<strong>de</strong>rarmos que todos os <strong>de</strong>mais elementos <strong>de</strong><br />
convicção serão apresentados durante a instrução criminal, quando será, ou não,<br />
comprovada a veracida<strong>de</strong> das imputações formuladas pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Não é a presente ação o meio, nem se está no momento processual a<strong>de</strong>quado<br />
para tal questionamento, menos ainda para o estancamento da ação penal.<br />
11. Quanto às alegadas inépcia da <strong>de</strong>núncia e falta <strong>de</strong> justa causa, vê-se que<br />
as assertivas jurídicas apresentadas pelos Impetrantes não infirmam a inquestionável<br />
valida<strong>de</strong> do ato aqui impugnado.
790<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
É consabido que a <strong>de</strong>núncia é peça técnica, que <strong>de</strong>ve ser simples e objetiva,<br />
atribuindo a alguém a responsabilida<strong>de</strong> por um fato, tão-somente. A <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>ve<br />
conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”, com<br />
a<strong>de</strong>quada indicação da conduta ilícita imputada ao réu, <strong>de</strong> modo a propiciar-lhe o<br />
pleno exercício do direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa (art. 41 do Código <strong>de</strong> Processo Penal).<br />
Toda <strong>de</strong>núncia é uma proposta da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> um fato típico<br />
e antijurídico imputado a <strong>de</strong>terminada pessoa, sujeita à efetiva comprovação e<br />
contradita e, como assentado na jurisprudência, apenas <strong>de</strong>ve ser repelida quando<br />
não houver indícios da existência <strong>de</strong> crime ou, <strong>de</strong> início, seja possível reconhecer,<br />
indubitavelmente, a inocência do acusado ou, ainda, quando não houver, pelo<br />
menos, indícios <strong>de</strong> sua participação.<br />
Assim, <strong>de</strong>scritos, na <strong>de</strong>núncia, comportamentos típicos, ou seja, sendo<br />
factíveis e obviados os indícios <strong>de</strong> autoria e materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litivas, não se po<strong>de</strong><br />
trancar a ação penal.<br />
Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu a Primeira Turma <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal, em 18 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, no RHC 89.721, <strong>de</strong> minha relatoria, cuja ementa se <strong>de</strong>u nos<br />
termos seguintes:<br />
Recurso ordinário em habeas corpus. Crime eleitoral. Recebimento da <strong>de</strong>núncia.<br />
Alegação <strong>de</strong> inépcia da inicial acusatória, afronta ao princípio da presunção da inocência,<br />
ausência <strong>de</strong> fundamentação e falta <strong>de</strong> justa causa. Trancamento da ação penal. Habeas corpus<br />
<strong>de</strong>negado no Tribunal Superior Eleitoral. Decisão em perfeita consonância com a jurisprudência<br />
<strong>de</strong>ste Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Recurso <strong>de</strong>sprovido. 1. Não é inepta a <strong>de</strong>núncia que<br />
bem individualiza as condutas, expondo <strong>de</strong> forma pormenorizada o fato criminoso, preenchendo,<br />
assim, os requisitos do art. 41 do CPP. 2. Não se admite, na via acanhada do habeas corpus,<br />
a análise aprofundada <strong>de</strong> fatos e provas, a fim <strong>de</strong> se verificar a inocência dos Pacientes. 3. O<br />
trancamento da ação penal, em habeas corpus, apresenta-se como medida excepcional, que<br />
só <strong>de</strong>ve ser aplicada quando evi<strong>de</strong>nte a ausência <strong>de</strong> justa causa, o que não ocorre quando a<br />
<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>screve conduta que configura crime em tese. 4. Devidamente fundamentada, nos<br />
termos legalmente previstos e em consonância com o entendimento <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal<br />
sobre a matéria, a <strong>de</strong>cisão que recebeu a <strong>de</strong>núncia, <strong>de</strong>ve a ação penal ter seu curso normal.<br />
5. Recurso <strong>de</strong>sprovido.<br />
(DJ <strong>de</strong> 16-2-07.)<br />
No mesmo sentido: HC 84.776, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 28-10-04;<br />
HC 80.954, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ <strong>de</strong> 5-4-02; HC 81.517, Rel. Min.<br />
Maurício Corrêa, DJ <strong>de</strong> 14-6-02; e HC 82.393, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong><br />
22-8-03.<br />
12. Sobre a alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> e ilegalida<strong>de</strong> da prova que<br />
embasa a ação penal, porque obtida <strong>de</strong> “órgão estrangeiro” (fl. 25), não têm razão<br />
os Impetrantes.<br />
O Ministro Paulo Medina, Relator do habeas corpus no qual foi exarada<br />
a <strong>de</strong>cisão que agora se questiona, bem apreciou os fatos que ensejaram o oferecimento<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia contra o Paciente e os <strong>de</strong>mais acusados, <strong>de</strong>monstrando<br />
a legitimida<strong>de</strong> das provas colhidas e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apuração dos fatos nelas<br />
obtidos. Tem-se na <strong>de</strong>cisão da Sexta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, nos<br />
autos do Habeas Corpus 57.991:
R.T.J. — <strong>204</strong> 791<br />
In casu, vejo, pelos elementos trazidos aos autos, que os fatos narrados na <strong>de</strong>núncia<br />
foram apurados em diligências realizadas pela Força-Tarefa CC-5, nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Nova Iorque/NY<br />
e Newark/NJ, para aprofundar investigações acerca das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> correntistas e<br />
ex-correntistas da extinta agência do Benestado em Nova Iorque.<br />
Pela narrativa dos fatos feitos na <strong>de</strong>núncia, toda prova reunida pela força-tarefa foi colhida<br />
junto a autorida<strong>de</strong>s norte-americanas do Departamento <strong>de</strong> Segurança Interna, da Agência<br />
<strong>de</strong> Combate ao Narcotráfico da Procuradoria dos Estados Unidos para o Distrito <strong>de</strong> Nova Jersey<br />
e da Promotoria Distrital <strong>de</strong> Nova Iorque, e são elas que amparam toda a peça acusatória (fls.<br />
45/47) e que a mim, ao menos em juízo perfunctório, se afiguram lícitas.<br />
Segundo informações do Parquet Fe<strong>de</strong>ral, o material utilizado para embasar a <strong>de</strong>núncia<br />
foi colhido em três viagens da força-tarefa do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral aos Estados<br />
Unidos da América, em que se verificou a existência <strong>de</strong> investigações preliminares autônomas<br />
realizadas por promotores norte-americanos e utilizados pelo parquet para dispensar a instauração<br />
do inquérito policial.<br />
Significa, pois, que municiado com as provas importadas das investigações preliminares<br />
iniciadas pelos promotores norte-americanos, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral instaurou<br />
procedimento administrativo interno, para que outras provas garantissem sustento da peça<br />
acusatória.<br />
Isto é, coligir provas não é o mesmo que presidir à sua realização, como querem sustentar<br />
os Impetrantes.<br />
Caso o MPF tivesse encabeçado as investigações e, no âmbito interno, produzido ele<br />
mesmo todas as provas <strong>de</strong> sustentação da <strong>de</strong>núncia, aí sim haveria ilegalida<strong>de</strong> e inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
nos atos do parquet a serem sanadas pela via do habeas corpus, o que não ocorreu<br />
no caso em análise.<br />
(Fl. 98.)<br />
13. Dessarte, o exame da alegada inocência do Paciente, diante da hipótese<br />
<strong>de</strong> suposto constrangimento ilegal, não se coaduna com a via processual eleita,<br />
sendo tal análise reservada aos processos <strong>de</strong> conhecimento, nos quais a dilação<br />
probatória tem espaço garantido, na forma constitucionalmente assegurada.<br />
14. Pelo exposto, voto no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>negar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, também <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m.<br />
São três as alegações apresentadas pelo Impetrante: a primeira é <strong>de</strong> incompetência<br />
do Juízo; a segunda, <strong>de</strong> inépcia da inicial por falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição<br />
a<strong>de</strong>quada do crime; e a terceira, falta <strong>de</strong> justa causa, porque não haveria prova e<br />
<strong>de</strong>monstração efetiva do ato <strong>de</strong>litivo.<br />
A incompetência do Juiz foi muito bem respondida pela eminente Ministra<br />
Cármen Lúcia, como <strong>de</strong> resto todas as vezes em que S. Exa. assim o faz, com<br />
base na jurisprudência da Corte. Há diversos prece<strong>de</strong>ntes a indicarem que, neste<br />
caso, a incompetência é relativa e não foi argüida no momento a<strong>de</strong>quado. Não<br />
bastasse esse fundamento, a eminente Ministra Relatora agregou outro, o da conexida<strong>de</strong>,<br />
motivo suficiente para afastar a competência originária.<br />
Quanto à inépcia da inicial, ela me parece evi<strong>de</strong>nte. Conforme mostrou a<br />
Ministra Cármen Lúcia – e o acórdão do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>monstra<br />
isso –, ela contém a <strong>de</strong>scrição a<strong>de</strong>quada e mais do que suficiente.
792<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A falta <strong>de</strong> justa causa parece-me até uma contradictio in adjecto, porque<br />
os fatos <strong>de</strong>scritos estão sendo apurados, ou seja, existe um indício razoável para<br />
ser iniciada a ação penal. A <strong>de</strong>núncia foi recebida com lastro exatamente nesses<br />
fundamentos.<br />
Por outro lado, também conforme a Ministra Cármen Lúcia, o trancamento<br />
da ação penal é medida excepcional. Assim só se proce<strong>de</strong> quando realmente fica<br />
evi<strong>de</strong>nte seja a inépcia da inicial, seja a falta <strong>de</strong> justa causa. Não me parece o<br />
caso, em que se <strong>de</strong>monstra, claramente, que todos os fatos foram apurados com<br />
base na Força-Tarefa CC-5 e, também, vinculado à idéia <strong>de</strong> crime contra o sistema<br />
financeiro e <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. De resto, é matéria já conhecida por<br />
todos, apurada e divulgada amplamente.<br />
Denego a or<strong>de</strong>m.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, a minuciosa sustentação<br />
oral feita pelo eminente Advogado, da tribuna, revela o quão complexos<br />
são os fatos, os quais não po<strong>de</strong>m ser revolvidos em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus, como<br />
sabemos. Esse é um primeiro argumento que utilizo para <strong>de</strong>negar a or<strong>de</strong>m.<br />
Em segundo lugar, verifico também, na esteira do já apontado pela ilustre<br />
Ministra Cármen Lúcia e pelo nobre Ministro Carlos Alberto Direito, que a <strong>de</strong>núncia<br />
– e temos, aqui, um trecho substancial transcrito no parecer do Ministério<br />
Público – retrata os fatos amplamente, permitindo que o Paciente se <strong>de</strong>fenda.<br />
Portanto, estão preenchidos os requisitos do art. 41 do Código <strong>de</strong> Processo Penal.<br />
O último argumento é a questão da incompetência ratione loci do Juízo.<br />
Como já salientado não só no parecer do Ministério Público, como também<br />
pela Relatora e pelo eminente Ministro Carlos Alberto Direito, trata-se <strong>de</strong> uma<br />
nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caráter relativo que, segundo consta, não foi argüida no momento<br />
processual a<strong>de</strong>quado.<br />
Por essas razões, acompanho integralmente o voto da Relatora.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, quero consignar uma dupla<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dois protagonistas <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
Primeiro, o Advogado, que realmente se houve muito bem da tribuna e<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u o seu ponto <strong>de</strong> vista com brilho, clareza e vigor.<br />
O segundo registro afirmativo é do subscritor da peça <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia. A peça<br />
acusatória <strong>de</strong>screve bem os fatos e cumpre, assim, as exigências do art. 41 do<br />
CPP; individualiza razoavelmente as condutas.<br />
Desse modo, na linha do voto da eminente Relatora e dos eminentes Ministros<br />
que me prece<strong>de</strong>ram, também entendo que todas as três fundamentações da<br />
impetração foram enfrentadas e bem superadas pela eminente Relatora.
R.T.J. — <strong>204</strong> 793<br />
Em matéria <strong>de</strong> habeas corpus, sempre ponho a vista no inciso LXVIII do<br />
art. 5º da Constituição, a qual é muito clara:<br />
conce<strong>de</strong>r-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado <strong>de</strong> sofrer<br />
violência ou coação em sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;<br />
Então, quem impetra habeas corpus tem o ônus processual <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar<br />
primo oculi, <strong>de</strong> modo claro, sem nenhuma dilação probatória, a ilegalida<strong>de</strong> ou o<br />
abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. No caso, nenhuma das duas situações me parece comparecer em<br />
tudo que subjaz à impetração aqui julgada.<br />
De tal sorte que <strong>de</strong>nego o habeas corpus.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 91.158/PR — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: Nelson Luis<br />
Pereira Corbett. Impetrantes: Claudio José Langroiva Pereira e outros. Coator:<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus. Unânime. Falaram:<br />
pelo Paciente, o Dr. Marcelo Erbella e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Brás Lucas.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
794<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
HABEAS CORPUS 91.487 — RO<br />
Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />
Paciente: Evaldo <strong>de</strong> Araújo — Impetrantes: Fernanda Trajano <strong>de</strong> Cristo e<br />
outros — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Habeas corpus. Processual penal. Sentença con<strong>de</strong>natória<br />
fundamentada em <strong>de</strong>poimentos colhidos na fase judicial: ausência<br />
<strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>. Constrangimento ilegal ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r não<br />
configurados. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
1. A sentença con<strong>de</strong>natória está fundada em elementos concretos<br />
<strong>de</strong>vidamente comprovados nos autos, expondo <strong>de</strong> forma<br />
exaustiva todos os elementos <strong>de</strong> convicção que levaram à con<strong>de</strong>nação<br />
do Paciente, o que afasta a alegação <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> por não<br />
observância das regras <strong>de</strong> fundamentação.<br />
2. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral firmou entendimento no<br />
sentido <strong>de</strong> que não há irregularida<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong>, na fase judicial,<br />
os policiais que participaram das diligências serem ouvidos como<br />
testemunhas e <strong>de</strong> que a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga apreendida<br />
constitui motivação idônea para fixação da pena-base acima do<br />
mínimo legal.<br />
3. Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro<br />
Marco Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas,<br />
por maioria, in<strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, vencido o Ministro<br />
Ricardo Lewandowski. Falaram, pelo Paciente, a Dra. Fernanda Trajano <strong>de</strong><br />
Cristo e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Subprocurador-Geral da República<br />
Dr. Rodrigo Janot.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />
RELATÓRIO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Habeas corpus, sem pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado por Fernanda Trajano <strong>de</strong> Cristo e outros em favor <strong>de</strong> Evaldo <strong>de</strong> Araújo,<br />
em 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça, que, em 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2007, <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m no Habeas Corpus<br />
70.432, Relator o Ministro Felix Fischer.<br />
2. Tem-se, nos autos, que o Paciente foi con<strong>de</strong>nado, em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
1996, pelo Juízo Criminal da Comarca <strong>de</strong> Guajará-Mirim/RO, às penas <strong>de</strong> cinco
R.T.J. — <strong>204</strong> 795<br />
anos e quatro meses <strong>de</strong> reclusão, em regime fechado, e setenta dias-multa, pelos<br />
crimes <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecentes (art. 12, caput, da Lei 6.368/76) e associação<br />
eventual para o tráfico (art. 18, inciso III, da Lei 6.368/76), tendo sido negado a<br />
ele o direito <strong>de</strong> apelar em liberda<strong>de</strong> (fls. 196-218 – apenso 1).<br />
Contra a sentença con<strong>de</strong>natória, foi interposto recurso <strong>de</strong> apelação pelo<br />
Paciente perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Rondônia, que, em 3 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000 –<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> resolvido o Conflito <strong>de</strong> Competência 23.512 no Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça em favor do Tribunal <strong>de</strong> Justiça daquele Estado (fls. 440-444) –, negou<br />
provimento ao recurso da <strong>de</strong>fesa, mantendo a sentença penal con<strong>de</strong>natória (fls.<br />
254-403 – apenso 2).<br />
Pelos documentos apensados, tem-se notícia <strong>de</strong> que a) o Paciente foi preso<br />
em flagrante em 8-11-95 (fls. 21-28 – apenso 1), b) o Paciente empreen<strong>de</strong>u fuga<br />
da Ca<strong>de</strong>ia Pública <strong>de</strong> Guajará-Mirim/RO em 6-9-96 (fl. 269 – apenso 2), e c) o<br />
Juízo Criminal da Comarca <strong>de</strong> Guajará-Mirim/RO expediu mandado <strong>de</strong> prisão<br />
contra o Paciente (fl. 271 – apenso 2).<br />
3. Os Impetrantes informam, na inicial, que interpuseram revisão criminal<br />
no Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Rondônia e impetraram habeas corpus no Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça, não obtendo êxito em qualquer <strong>de</strong>les.<br />
O julgado proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
contra a qual se insurgem os Impetrantes nesta ação é o seguinte:<br />
Penal e processual penal. Habeas corpus. Art. 12, caput, da Lei 6.368/76 (Antiga Lei<br />
<strong>de</strong> Tóxicos). Ausência <strong>de</strong> provas para embasar o édito con<strong>de</strong>natório. Alegação que <strong>de</strong>manda,<br />
in casu, necessariamente, ampla dilação probatória. Impossibilida<strong>de</strong> na via eleita. Dosimetria<br />
da pena. Fixação da pena-base. Gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga apreendida.<br />
I – A alegação fundamentada em negativa <strong>de</strong> autoria por <strong>de</strong>ficiência no conjunto probatório<br />
para con<strong>de</strong>nação, enseja, no caso, necessariamente, reexame aprofundado <strong>de</strong> matéria<br />
fático-probatória, o que é vedado na via estreita do writ (Prece<strong>de</strong>ntes).<br />
II – Em nosso sistema, não há, <strong>de</strong> regra, vedação ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> policiais (Prece<strong>de</strong>ntes<br />
do STJ e do <strong>STF</strong>).<br />
III – A gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substância entorpecente apreendida é circunstância<br />
judicial que justifica o aumento da pena-base acima do mínimo legal (Prece<strong>de</strong>ntes do STJ e<br />
do <strong>STF</strong>).<br />
Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
(Fl. 478 – Apenso 2.)<br />
4. Asseveram os Impetrantes, basicamente, que a sentença con<strong>de</strong>natória,<br />
confirmada em grau <strong>de</strong> apelação, seria nula a) por ter-se baseado unicamente em<br />
<strong>de</strong>poimentos firmados durante o inquérito e em <strong>de</strong>poimentos prestados em juízo<br />
pelos policiais responsáveis pela prisão em flagrante, os quais teriam manipulado<br />
aquelas <strong>de</strong>clarações iniciais para a obtenção <strong>de</strong> eventual confissão; e b) por<br />
ter fixado a pena-base acima do mínimo legal previsto no art. 12, caput, da Lei<br />
6.368/76, sem fundamentação idônea para tanto.<br />
Requerem “a) seja reconhecida a nulida<strong>de</strong> do Acórdão con<strong>de</strong>natório (...)<br />
99.002384-2 proferido pela Câmara Especial Criminal do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong><br />
Rondônia, que corroborou sentença con<strong>de</strong>natória (processo 334/95 da Comarca
796<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
<strong>de</strong> Guajará-Mirim/RO) (...) b) a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do Acórdão 70.432 do<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o qual chancelou dosimetria da pena absolutamente<br />
nula operada no acórdão 99.00234-2” (fls. 16-17).<br />
5. Em 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007, <strong>de</strong>terminei a manifestação da Procuradoria-<br />
Geral da República (fl. 21), que opinou pela <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m (fls. 23-30).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Conforme relatado, os Impetrantes<br />
buscam, essencialmente, a anulação da sentença penal con<strong>de</strong>natória<br />
proferida pelo Juízo Criminal da Comarca <strong>de</strong> Guajará-Mirim/RO e, conseqüentemente,<br />
do respectivo acórdão, que negou provimento à apelação interposta<br />
pelo Paciente.<br />
2. Não se comprova, nos autos, a presença <strong>de</strong> constrangimento ilegal a ferir<br />
direito do Paciente nem ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r a ensejar a concessão da<br />
presente or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
3. Medidas idênticas como a que aqui se impetrou foram formuladas no<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Rondônia e no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, tendo esses<br />
órgãos, respectivamente, não conhecido da revisão criminal (fl. 460 – apenso 2)<br />
e <strong>de</strong>negado a or<strong>de</strong>m (fl. 477 – apenso 2).<br />
Na presente impetração, os Impetrantes repetem os fundamentos daquelas<br />
ações anteriormente intentadas.<br />
4. De se enfatizar o voto do Ministro Felix Fischer, da Quinta Turma do<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, nos autos do Habeas Corpus 70.432, ao <strong>de</strong>negar a<br />
or<strong>de</strong>m, nos termos seguintes:<br />
Busca-se, em primeiro lugar, a absolvição do paciente, tendo em vista que teria sido<br />
con<strong>de</strong>nado com base unicamente em provas colhidas na fase inquisitorial, sem as garantias da<br />
ampla <strong>de</strong>fesa e do contraditório.<br />
Para melhor análise da quaestio, veja-se, no tocante à autoria, o seguinte trecho da r.<br />
sentença con<strong>de</strong>natória:<br />
“A prisão dos acusados Oliveira, Evaldo e Agostinho, <strong>de</strong>u-se quando estavam<br />
juntos e verificavam a existência ou não <strong>de</strong> barreira policial na BR 425, isto é, quando<br />
passavam o pano, como dizem na gíria policial. Detidos, os acusados foram investigados<br />
e Oliveira acabou por confessar que realmente aguardavam o melhor momento<br />
para o transporte da droga, a qual estava escondida nas proximida<strong>de</strong>s do local <strong>de</strong>nominado<br />
Ribeirão.<br />
Dos autos emergem fatos comprovados, sem qualquer discussão pelas partes,<br />
quais sejam:<br />
1. A droga realmente, existia e em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>, ou seja: 36.220kg (trinta<br />
e seis quilos e duzentos e vinte gramas) <strong>de</strong> cocaína.<br />
2. A droga foi encontrada pelos policiais, após indicação do local pelo acusado<br />
Oliveira, sendo que a substância referida estava escondida no mato, nas proximida<strong>de</strong>s<br />
do Ribeirão.<br />
3. Os três acusados estavam juntos na noite da abordagem policial, na Ponte do<br />
Ribeirão, isto por volta da 01:00h da madrugada.
R.T.J. — <strong>204</strong> 797<br />
As circunstâncias acima são incontroversas, porquanto tanto o Ministério Público<br />
como o Defensor dos acusados nada alegaram em sentido contrário e as provas<br />
produzidas não exteriorizam probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acontecimento diverso.<br />
Os fatos <strong>de</strong>scritos já evi<strong>de</strong>nciam a existência <strong>de</strong> indícios da participação <strong>de</strong><br />
todos os acusados nos crimes imputados na <strong>de</strong>núncia e somados aos <strong>de</strong>mais elementos<br />
colhidos no inquérito e em juízo são suficientes para ensejar <strong>de</strong>creto con<strong>de</strong>natório.<br />
Os acusados, na fase extrajudicial, confessam <strong>de</strong>talhadamente a prática <strong>de</strong>lituosa<br />
e a participação <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les como proprietários da droga. (...)<br />
A princípio é <strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacar que os trabalhos na fase policial ocorreram <strong>de</strong> forma<br />
regular, não havendo qualquer notícia da existência <strong>de</strong> coação ou <strong>de</strong>svirtuamento das<br />
vonta<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>nunciados, <strong>de</strong> maneira que a confissão extrajudicial somada a outros<br />
elementos probatórios estabelecem certeza da participação dos acusados nos crimes e<br />
autorizam a con<strong>de</strong>nação.<br />
Os Agentes Policiais José Salvaterra <strong>de</strong> Lima e Wan<strong>de</strong>rley Fontinele Men<strong>de</strong>s,<br />
inquiridos em Juízo (fls. 85/91), confirmam as confissões extrajudiciais dos acusados e<br />
narram, sem qualquer contradição relevante, a dinâmica que culminou com a apreensão<br />
da substância entorpecente e a prisão dos acusados. (...)<br />
Indubitável que os <strong>de</strong>poimentos policiais assumem, no presente processo, valor<br />
relevante, porém não são isolados, como já <strong>de</strong>monstrado anteriormente. Assim, têm a<br />
mesma credibilida<strong>de</strong> que se reconhece na palavra <strong>de</strong> qualquer outro cidadão, principalmente<br />
quando coerentes, em consonância aos <strong>de</strong>mais elementos probatórios trazidos<br />
aos autos e ausente qualquer suspeita <strong>de</strong> terem agido <strong>de</strong> forma incorreta no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> seus trabalhos. (...)”<br />
(Fls. 210/223.)<br />
Constata-se, da leitura do excerto, que, para a formação do juízo <strong>de</strong> convicção acerca<br />
da autoria do <strong>de</strong>lito pelo paciente, valeu-se o r. <strong>de</strong>cisum <strong>de</strong>: a) <strong>de</strong>poimentos dos co-réus colhidos<br />
na fase policial; e b) prova testemunhal colhida na fase judicial (policiais que realizaram<br />
a prisão em flagrante).<br />
Observa-se, <strong>de</strong>starte, que, ao contrário do que alega a impetrante, a con<strong>de</strong>nação não<br />
teve por base unicamente provas colhidas na fase inquisitorial.<br />
Nesse diapasão, tendo em vista o estreito âmbito <strong>de</strong> análise e discussão permitido<br />
na presente via, é imperioso reconhecer que o juízo con<strong>de</strong>natório está satisfatoriamente<br />
fundamentado, fazendo menção direta às provas judiciais que serviram <strong>de</strong> base ao seu convencimento.<br />
Enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma contrária, para afastar a autoria do paciente, <strong>de</strong>mandaria<br />
necessariamente o exame aprofundado <strong>de</strong> matéria fático-probatória, o que é vedado em se<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> habeas corpus. (...)<br />
Da mesma forma não proce<strong>de</strong> a alegação <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>cisum, em razão do <strong>de</strong>poimento<br />
<strong>de</strong> policiais. A uma, porque não há tal vedação em nosso sistema. A duas, vez que<br />
tomados perante a autorida<strong>de</strong> judicial, em respeito às garantias inerentes ao contraditório e<br />
à ampla <strong>de</strong>fesa. A três, pois os impetrantes não revelaram qualquer elemento concreto que<br />
pu<strong>de</strong>sse afastar a idoneida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> tais servidores públicos. (...)<br />
Passo a apreciar o segundo tópico da impetração.<br />
O Juízo <strong>de</strong> 1º grau fixou a pena da seguinte forma, verbis:<br />
“B. Evaldo <strong>de</strong> Araújo.<br />
A imputabilida<strong>de</strong> do acusado é inquestionável, porquanto era exigível conduta<br />
<strong>de</strong> forma diversa, o que não ocorreu. É primário e não registra antece<strong>de</strong>ntes. A pena, da<br />
mesma forma, <strong>de</strong>ve ser aplicada acima do mínimo legal, pois não se trata <strong>de</strong> simples<br />
transportador, ao contrário, era o proprietário <strong>de</strong> razoável quantida<strong>de</strong> da droga apreendida<br />
(4kg). A prevenção geral também exige a aplicação <strong>de</strong> pena acima do mínimo,<br />
consi<strong>de</strong>rando que esta região é conhecida e reconhecida como corredor do tráfico <strong>de</strong><br />
entorpecentes. Fixo, portanto, a pena-base em 4 (quatro) anos <strong>de</strong> reclusão. Não existem<br />
circunstâncias atenuantes ou agravantes.<br />
Reconhecida a majorante do art. 18, III, aumento a pena do um terço (1/3), ou<br />
seja: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses.
798<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Assim, na ausência <strong>de</strong> qualquer outra causa modificadora, fica o acusado Evaldo<br />
<strong>de</strong> Araújo con<strong>de</strong>nado à pena <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses <strong>de</strong> reclusão<br />
e no pagamento <strong>de</strong> 70 (setenta) dias-multa, cada um no valor <strong>de</strong> R$ 5,00 (cinco reais),<br />
totalizando a quantia <strong>de</strong> R$350,00 (trezentos e cinqüenta reais).”<br />
(Fl. 227.)<br />
Dessa forma, constata-se, prima facie, que malgrado tenha a pena-base sido fixada<br />
em patamar superior ao mínimo, houve a <strong>de</strong>vida fundamentação. Vale ressaltar que a Lei <strong>de</strong><br />
Tóxicos visa impedir a disseminação <strong>de</strong> drogas e, consi<strong>de</strong>rando, primordialmente, a gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substância entorpecente apreendida, natural um maior juízo <strong>de</strong> censura.<br />
(Fls. 478-495 – Apenso 2.)<br />
5. Pelo que se tem nos autos e, mais ainda, nas razões apresentadas no acórdão<br />
do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, ora questionado, não se sustentam, juridicamente,<br />
os argumentos apresentados pelos Impetrantes, para <strong>de</strong>sfazer as <strong>de</strong>cisões<br />
<strong>de</strong> Primeiro e Segundo graus referentes à con<strong>de</strong>nação do Paciente.<br />
6. Conforme bem ressaltou a Procuradoria-Geral da República, em seu parecer,<br />
a sentença con<strong>de</strong>natória está fundada em elementos concretos <strong>de</strong>vidamente<br />
comprovados nos autos, expondo <strong>de</strong> forma exaustiva – 25 laudas – todos os elementos<br />
<strong>de</strong> convicção que levaram à con<strong>de</strong>nação do Paciente, o que afasta a alegação<br />
<strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, por não observância das regras <strong>de</strong> fundamentação.<br />
7. A<strong>de</strong>mais, este Supremo Tribunal manifestou-se sobre a matéria, tendo<br />
pacificado o entendimento <strong>de</strong> que não há irregularida<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> os policiais<br />
que participaram das diligências serem ouvidos como testemunhas e <strong>de</strong> que a<br />
gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga apreendida constitui motivação idônea para fixação<br />
da pena-base acima do mínimo legal.<br />
Nesse sentido, os prece<strong>de</strong>ntes seguintes:<br />
Ementa: Processual penal. Penal. Testemunha policial. Prova: exame. I – O Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral firmou o entendimento no sentido <strong>de</strong> que não há irregularida<strong>de</strong> no<br />
fato <strong>de</strong> o policial que participou das diligências ser ouvido como testemunha. A<strong>de</strong>mais, o só fato<br />
<strong>de</strong> a testemunha ser policial não revela suspeição ou impedimento. II – Não é admissível, no<br />
processo <strong>de</strong> habeas corpus, o exame aprofundado da prova. III – Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 76.557, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ <strong>de</strong> 2-2-01.)<br />
Ementa: I – Sentença con<strong>de</strong>natória: a existência <strong>de</strong> fundamentação é essencial à valida<strong>de</strong><br />
da sentença, mas a correção do exame nela contido do conjunto probatório é questão <strong>de</strong><br />
fato, a ser <strong>de</strong>cidida nas instâncias <strong>de</strong> mérito e não no processo <strong>de</strong> habeas corpus impetrado<br />
a pretexto <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> motivação. II – Sentença con<strong>de</strong>natória: critérios da individualização<br />
da pena: cuidando-se <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> entorpecentes, nem a gravida<strong>de</strong> do tipo nem a<br />
nocivida<strong>de</strong>, em tese, <strong>de</strong> suas conseqüências constitui motivação idônea para a exacerbação da<br />
pena-base, que, no entanto, po<strong>de</strong> ser justificada pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga posta à venda, não<br />
se prestando o habeas corpus à revisão do aumento conseqüente, salvo em casos <strong>de</strong> extrema<br />
e manifesta <strong>de</strong>sproporcionalida<strong>de</strong>.<br />
(RHC 82.369, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 8-11-02.)<br />
8. Pelo exposto, voto no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>negar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, com a eminente Relatora,<br />
que já fez a exposição a<strong>de</strong>quada da hipótese que está sob julgamento.
R.T.J. — <strong>204</strong> 799<br />
Na realida<strong>de</strong>, sublinho que o meu entendimento é radical no que concerne à<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se examinar, em habeas corpus, como preten<strong>de</strong> a Impetrante,<br />
a revisão da prova com base em negativa <strong>de</strong> autoria. O acórdão, objeto <strong>de</strong> exame<br />
nesta Turma, disse que não é possível ser feito pela via do habeas corpus.<br />
O eminente Doutor Subprocurador-Geral da República pôs a<strong>de</strong>quadamente<br />
a questão.<br />
No mais, pelo que pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir, a impetração – e a eminente Relatora foi<br />
extremamente clara nesta matéria – está calçada em dois fundamentos principais:<br />
o primeiro é <strong>de</strong> que teria sido feita a con<strong>de</strong>nação com base apenas em prova<br />
colhida durante o período inquisitorial; segundo, essa prova teria sido lastreada<br />
apenas no <strong>de</strong>poimento dos policiais. Como mostrou S. Exa., esta Turma, com a<br />
relatoria do Ministro Marco Aurélio, e não do Ministro Carlos Velloso, no HC<br />
76.557, já afastou a idéia do impedimento ou suspeição, no sentido <strong>de</strong> que é possível<br />
admitir-se a presença dos policiais, quando da prova colhida na instância<br />
ordinária.<br />
Por outro lado, salientou a Ministra Relatora, com muita proficiência e clarida<strong>de</strong>,<br />
que há prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ssa Turma no que se refere ao acúmulo <strong>de</strong>ssa prova<br />
do <strong>de</strong>poimento policial com outras. Esse prece<strong>de</strong>nte é do Ministro Carlos Britto,<br />
no HC 87.662, também julgado nesta Turma, e S. Exa. <strong>de</strong>staca especificamente<br />
esta perspectiva <strong>de</strong> que é possível, sim, colhimento do <strong>de</strong>poimento dos policiais,<br />
como já estava assentando o Ministro Marco Aurélio, ainda mais quando esses<br />
<strong>de</strong>poimentos são ajuntados àqueles outros prestados pelos próprios acusados.<br />
No caso, a Ministra Cármen Lúcia, reproduzindo o acórdão do Ministro<br />
Felix Fischer, disse a<strong>de</strong>quadamente que isso foi feito, apontando, inclusive, as<br />
contradições feitas no <strong>de</strong>poimento das próprias testemunhas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Isso, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
<strong>de</strong>ixa a <strong>de</strong>scoberto a pretensão quanto a essa parte.<br />
A Ministra Cármen Lúcia exauriu a matéria no tocante à dosimetria da<br />
pena, trazendo prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Corte no sentido <strong>de</strong> que, quando existe gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> drogas, aí, sim, é possível exacerbar até como forma <strong>de</strong> coibir a<br />
proliferação do tráfico.<br />
Sublinho que acompanho inteiramente o voto da eminente Ministra Cármen<br />
Lúcia e também <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, tanto a eminente<br />
Relatora quanto o eminente Ministro Menezes Direito exauriram a matéria.<br />
Também quero manifestar minhas reservas quanto ao revolvimento do<br />
conjunto fático probatório em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus. Mas, <strong>de</strong> qualquer maneira,<br />
fico confortado com a releitura do acervo probatório feito pela Ministra Cármen<br />
Lúcia, que me <strong>de</strong>ixa tranqüilo em relação aos fundamentos <strong>de</strong>sta con<strong>de</strong>nação.<br />
Vejo também que não há nenhuma nulida<strong>de</strong>, no que tange ao <strong>de</strong>poimento dos policiais.<br />
A minha experiência <strong>de</strong> sete anos no Tribunal <strong>de</strong> Alçada Criminal <strong>de</strong> São<br />
Paulo, em que julgávamos basicamente roubos e furtos, mostra que o <strong>de</strong>poimento<br />
<strong>de</strong> policiais é fundamental para a con<strong>de</strong>nação dos réus.
800<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
De outra parte, também, vejo que a <strong>de</strong>cisão está bem fundamentada. Apenas<br />
ouso divergir <strong>de</strong> S. Exa. num ponto, que é exatamente a dosimetria da pena.<br />
Vejo aqui na sentença que a pena foi exacerbada acima do mínimo sob o<br />
seguinte argumento:<br />
(...) não se trata <strong>de</strong> simples transportador, ao contrário, era o proprietário <strong>de</strong> razoável<br />
quantida<strong>de</strong> da droga apreendida (4kg).<br />
Aqui me parece que o fundamento, o argumento para exacerbar a pena<br />
acima do mínimo se confun<strong>de</strong> com a elementar do tipo, que, segundo o art. 12<br />
da lei em questão, diz:<br />
Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, ven<strong>de</strong>r,<br />
expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em <strong>de</strong>pósito, transportar,<br />
trazer consigo (...)<br />
Portanto, trata-se <strong>de</strong> uma pessoa que trazia consigo não uma gran<strong>de</strong> ou<br />
enorme quantida<strong>de</strong>, mas razoável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga apreendida.<br />
Também não vejo aqui, data venia, e não consta em lugar algum que se<br />
trata da pasta básica, como afirmado pela Procuradoria-Geral da República. Isso<br />
talvez pu<strong>de</strong>sse impressionar.<br />
O segundo critério apresenta caráter meramente geográfico:<br />
A prevenção geral também exige a aplicação <strong>de</strong> pena acima do mínimo, consi<strong>de</strong>rando<br />
que esta região é conhecida e reconhecida como corredor do tráfico <strong>de</strong> entorpecentes.<br />
Portanto, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, nesse aspecto, ouso divergir da eminente Relatora,<br />
para reduzir a pena-base ao mínimo legal, que é <strong>de</strong> três anos; mantenho as<br />
majorantes do art. 18, inciso III, que consigna o seguinte:<br />
Art. 18. As penas dos crimes <strong>de</strong>finidos nesta Lei serão aumentados <strong>de</strong> 1/3 (um terço)<br />
a 2/3 (dois terços):<br />
III – se qualquer <strong>de</strong>les <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> associação ou visar menores <strong>de</strong> 21 (vinte e um) anos<br />
ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernimento<br />
ou <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação.<br />
Então, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, meu voto é no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferir parcialmente a<br />
or<strong>de</strong>m, apenas para reduzir a pena-base ao mínimo legal.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, quero, <strong>de</strong> início, assim <strong>de</strong><br />
partida, louvar o ótimo <strong>de</strong>sempenho da Advogada que assomou à tribuna.<br />
Agora, vou perfilhar o entendimento, por inteiro, da Ministra Relatora, pedindo<br />
vênia ao Ministro Lewandowski, até porque tenho dificulda<strong>de</strong> em fazer um<br />
reexame do acerto da dosimetria da pena onze anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> proferida a sentença,<br />
com trânsito em julgado, e consi<strong>de</strong>rando a via processual contida do habeas<br />
corpus. Aliás, o habeas corpus é uma ação constitucional marcada por elementos
R.T.J. — <strong>204</strong> 801<br />
conceituais, digamos assim, contrapostos. De uma parte, ele é a mais urgente, a<br />
mais premente das ações constitucionais, em função do seu eminentíssimo objeto,<br />
que é a tutela da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção.<br />
De outra parte, também, por se constituir numa via processual <strong>de</strong> atalho,<br />
ou numa via processual per saltum, expressa, ele <strong>de</strong>manda uma pré-constituição<br />
robusta <strong>de</strong> provas para evi<strong>de</strong>nciar seja o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, seja a ilegalida<strong>de</strong>. No<br />
caso, o manejo do habeas corpus enfrenta duas dificulda<strong>de</strong>s marcantes: a primeira<br />
é que se tratou <strong>de</strong> prisão em flagrante, um tipo <strong>de</strong> custódia que tem na Constituição<br />
uma previsão expressa, clara. Segundo, porque negar, em habeas corpus,<br />
autoria, já ressaltou o Ministro Carlos Alberto Direito, também, <strong>de</strong> saída, sugere<br />
a ina<strong>de</strong>quação da via eleita.<br />
Por essas consi<strong>de</strong>rações, peço vênia ao Ministro Lewandowski, ressalto o<br />
ótimo trabalho da Advogada, e acompanho a Relatora integralmente.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Também acompanho a Relatora<br />
no voto proferido. Faço-o sob o ângulo da prova a apontar o envolvimento, na<br />
espécie, <strong>de</strong> flagrante e a ausência <strong>de</strong> articulação em torno <strong>de</strong> coação moral ou<br />
física para a confissão na fase inquisitorial. Mas abandonemos essa confissão.<br />
O que ocorreu em juízo? Houve os <strong>de</strong>poimentos dos policiais e os <strong>de</strong>poimentos,<br />
contraditórios, das testemunhas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Não existe vício a sanar.<br />
Quanto à dosimetria da pena, entre o mínimo <strong>de</strong> três e o máximo <strong>de</strong> quinze,<br />
fixou-se a pena-base em quatro anos. A meu ver, com a <strong>de</strong>vida vênia do Ministro Ricardo<br />
Lewandowski, o Juízo atentou para as circunstâncias do crime, para as conseqüências<br />
do crime, salientando a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> droga, os quatro quilos apreendidos.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Porque a pasta já é um refinamento, já é um<br />
requinte.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> estar a citada pasta<br />
compreendida no gênero droga. Em todos os sentidos, uma droga.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Exatamente isto, a dificulda<strong>de</strong>, como a<br />
Ministra Cármen Lúcia <strong>de</strong>stacou e o Dr. Procurador também, é que não se trata<br />
da cocaína, mas da pasta-base. Quatro quilos <strong>de</strong> pasta-base <strong>de</strong> cocaína é uma<br />
quantida<strong>de</strong> exacerbada.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): O Presi<strong>de</strong>nte está certíssimo<br />
quando diz: não sei muito bem o que é essa pasta, mas eu sei sempre que, porque<br />
foi enfatizado, ela permite a transformação <strong>de</strong>, a cada quatro quilos, pelo que me<br />
falaram, em trinta e dois.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: É uma agravante aí.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Depen<strong>de</strong>ndo também da pureza<br />
do produto final.<br />
Então, acompanho a Relatora no voto proferido.
802<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
ESCLARECIMENTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Senhor Presi<strong>de</strong>nte, se V. Exa. me<br />
permite, apenas para retificar, porque o Ministro Menezes Direito fez referência<br />
e pensei que tivesse citado errado, o HC 76.557 <strong>de</strong> fato é da relatoria <strong>de</strong> V. Exa.,<br />
porém o Redator para o acórdão foi o Ministro Carlos Velloso, razão pela qual eu<br />
citei um outro até <strong>de</strong> V. Exa., e, então, não sei exatamente a que V. Exa. fez referência.<br />
Estou adotando o que V. Exa. pon<strong>de</strong>rou até na Turma. Não faço a citação<br />
como Relator. Eu citei como Redator para o acórdão o Ministro Carlos Velloso,<br />
foi o que V. Exa. sempre pon<strong>de</strong>rou.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Isso <strong>de</strong>corre, com a <strong>de</strong>vida vênia,<br />
do <strong>de</strong>sapego ao sentido vernacular das palavras e também ao conteúdo dos institutos.<br />
Quando estive na Presidência, o Tribunal promoveu a modificação para<br />
adotar a dualida<strong>de</strong> – relator e redator para o acórdão –, mesmo porque aquele<br />
<strong>de</strong>signado para redigir está compelido a adotar o relatório <strong>de</strong> quem foi sorteado<br />
para relatar o caso. Depois, a Corte retroagiu e voltou à prática anterior. Havia, à<br />
época, sem dúvida alguma, disputa intelectual entre dois Ministros que ingressaram<br />
no Tribunal no mesmo dia.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Apenas para minha orientação: qual é a<br />
prática aqui?<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Eu sempre tomo o que consta<br />
da jurisprudência disponibilizada pelo próprio Tribunal. Então, colho <strong>de</strong> lá, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> vem, Relator: Ministro Marco Aurélio; Redator para o acórdão Ministro,<br />
neste caso, Ministro Carlos Velloso. Como estou citando o acórdão relatado por<br />
S. Exa., estou acompanhando sempre e, no meu...<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): O cabeçalho já vem pronto.<br />
Então, nada po<strong>de</strong>mos alterar, mas, quando assino após haver sido <strong>de</strong>signado para<br />
redigir, lanço a qualificação: redator para o acórdão.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: A distinção feita pelo Ministro Marco Aurélio<br />
parece-me <strong>de</strong> boa técnica.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Sim, porque o relatório é daquele<br />
que foi sorteado e que levou o primeiro voto.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Por isso é que nós citamos normalmente<br />
o nome do relator.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Pois é, com o <strong>de</strong>sprezo a parâmetros,<br />
surge a confusão.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Não, aqui V. Exa. verá que o<br />
Supremo coloca, na jurisprudência, sempre o nome, como neste caso, que copiei<br />
<strong>de</strong> lá, do cabeçalho do julgado.<br />
Foi apenas para esclarecer, Senhor Presi<strong>de</strong>nte.
R.T.J. — <strong>204</strong> 803<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 91.487/RO — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: Evaldo <strong>de</strong><br />
Araújo. Impetrantes: Fernanda Trajano <strong>de</strong> Cristo e outros. Coator: Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: Por maioria <strong>de</strong> votos, a Turma in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus;<br />
vencido o Ministro Ricardo Lewandowski. Falaram: pelo Paciente, a Dra.<br />
Fernanda Trajano <strong>de</strong> Cristo e, pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, o Subprocurador-<br />
Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Menezes Direito e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
804<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
HABEAS CORPUS 91.767 — SP<br />
Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />
Paciente: Diego César Virgílio da Silva — Impetrante: Defensoria Pública<br />
da União — Coator: Superior Tribunal Militar<br />
Habeas corpus. Penal militar e processual penal. Crime <strong>de</strong><br />
porte <strong>de</strong> substância entorpecente para uso próprio previsto na<br />
Lei 11.343/06: lei mais benéfica. Não-aplicação em lugar sujeito à<br />
administração militar: art. 290 do Código Penal Militar. Princípio<br />
da especialida<strong>de</strong>. Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
1. O art. 290 do Código Penal Militar não sofreu alteração<br />
em razão da superveniência da Lei 11.343/06, por não ser o critério<br />
adotado, na espécie, o da retroativida<strong>de</strong> da lei penal mais benéfica,<br />
mas, sim, o da especialida<strong>de</strong>.<br />
O cuidado constitucional do crime militar – inclusive do<br />
crime militar impróprio <strong>de</strong> que aqui se trata – foi previsto no art.<br />
124, parágrafo único, da Constituição da República. Com base<br />
nesse dispositivo, legitima-se o tratamento diferenciado dado ao<br />
crime militar <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> entorpecente, <strong>de</strong>finido no art. 290 do<br />
Código Penal Militar.<br />
2. A jurisprudência predominante do Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral é no sentido <strong>de</strong> reverenciar a especialida<strong>de</strong> da legisla ção<br />
penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação<br />
penal comum do crime militar <strong>de</strong>vidamente caracterizado.<br />
3. Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Marco<br />
Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
Brasília, 4 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />
RELATÓRIO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Habeas corpus, com pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado pela Defensoria Pública da União em favor <strong>de</strong> Diego César Virgílio<br />
da Silva contra acórdão do Superior Tribunal Militar, que, em 6-3-07, nos autos<br />
da Apelação 2006.01.050278-5, Relator o Ministro Almirante-<strong>de</strong>-Esquadra José<br />
Alfredo Lourenço dos Santos, “negou provimento ao apelo <strong>de</strong>fensivo, mantendo<br />
íntegra a sentença hostilizada, que con<strong>de</strong>nou o ex-Sd Diego César Virgílio da<br />
Silva à pena <strong>de</strong> 1 (um) ano <strong>de</strong> reclusão, ‘ex vi’ do art. 290 c/c o art. 72, inciso I,<br />
ambos do CPM” (fls. 59-60).
R.T.J. — <strong>204</strong> 805<br />
De se enfatizar que a sentença penal con<strong>de</strong>natória conce<strong>de</strong>u ao Paciente o<br />
direito <strong>de</strong> apelar em liberda<strong>de</strong> e o benefício do sursis da pena pelo prazo <strong>de</strong> dois<br />
anos, nos termos do art. 84 do Código Penal Militar (fl. 15).<br />
2. Tem-se, nos autos, que o Paciente foi con<strong>de</strong>nado pelo Conselho Permanente<br />
<strong>de</strong> Justiça da Segunda Auditoria da Segunda Circunscrição Judiciária Militar<br />
à referida pena por estar, em 24-6-05, portando quarenta e sete miligramas <strong>de</strong><br />
cocaína no Quartel <strong>de</strong> Tiro-<strong>de</strong>-Guerra <strong>de</strong> Batatais/SP.<br />
3. Sustenta a Impetrante ser “<strong>de</strong>scabida a aplicação <strong>de</strong> pena privativa <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> no <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> porte <strong>de</strong> substância entorpecente, mesmo encontrando-se o<br />
paciente em estabelecimento militar”, pois “se a nova legislação (Lei 11.343/06)<br />
<strong>de</strong>termina, expressamente, a aplicação <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> pena <strong>de</strong> um sexto a dois<br />
terços para os <strong>de</strong>litos praticados nas <strong>de</strong>pendências ou imediações <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s<br />
militares ou policiais é porque quis o legislador, expressa e enfaticamente, que as<br />
regras da mencionada norma também se aplicassem àquelas Instituições” (fl. 6).<br />
Requer “a) a aplicação <strong>de</strong> pena alternativa ao paciente, nos termos do art. 28<br />
da citada lei (Lei 11.343/06), ou, b) a anulação da <strong>de</strong>cisão proferida pelo Superior<br />
Tribunal Militar, <strong>de</strong>terminando nova instrução do presente feito, respeitando o<br />
procedimento da Lei 11.343/2006” (fl. 7).<br />
4. Em 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007, solicitei informações ao Superior Tribunal Militar,<br />
dando vista à Procuradoria-Geral da República na seqüência (fl. 46).<br />
5. As informações foram prestadas pela autorida<strong>de</strong> coatora e recebidas neste<br />
Supremo Tribunal em 6-7-07 (fls. 51-52), tendo encaminhado os documentos<br />
<strong>de</strong> fls. 53-64.<br />
6. Em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2007, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo<br />
“in<strong>de</strong>ferimento do writ” (fl. 68).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Conforme relatado, a questão<br />
nuclear trazida neste habeas corpus está em saber se a Lei 11.343/06, que estabeleceu<br />
novos critérios para o processamento e punição do portador <strong>de</strong> substância<br />
entorpecente, <strong>de</strong>ve ser aplicada – por ser mais benéfica ao Paciente – também nos<br />
processos penais castrenses.<br />
2. A Impetrante afirma que o crime <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> substância entorpecente,<br />
em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em <strong>de</strong>sacordo com<br />
<strong>de</strong>terminação legal ou regulamentar (art. 290 do Código Penal Militar), rege-se<br />
pela Lei 11.343/06, que “prevê a punição da conduta tão somente com penas<br />
alternativas” (fl. 24).<br />
3. A Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, sustenta “que o art.<br />
290 do Código Penal Militar não sofreu alteração em razão da superveniência da<br />
Lei 11.343/06, porquanto o critério a ser adotado, in casu, não é o da retroativida<strong>de</strong><br />
da lei penal mais benéfica, mas sim o da especialida<strong>de</strong>” (fl. 66).
806<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
4. A <strong>de</strong>cisão do Superior Tribunal Militar, nos autos da Apelação 2006.01.<br />
050278-5, apresenta a ementa seguinte:<br />
Ementa: Substância entorpecente apreendida em po<strong>de</strong>r do apelante em área sujeita<br />
à administração militar. Infringência cristalina do art. 290 do CPM. Mantença da con<strong>de</strong>nação<br />
recorrida. Inquestionável e meridiana se verifica a sentença “a quo” hostilizada. Delito<br />
consi<strong>de</strong>rado “ratione loci” e em face do qual, em observância da jurisprudência do STM e do<br />
Pretório Excelso, não se aplica o princípio da insignificância. Hipótese <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> da<br />
Lei 11.343/06, que institui o Sistema Nacional <strong>de</strong> Políticas Públicas sobre Drogas, na esfera<br />
penal castrense. Não cabimento da “novatio legis” no âmbito especialíssimo da Justiça Militar.<br />
Improvimento do apelo <strong>de</strong>fensivo “sub examine”. Decisão unânime.<br />
(Fl. 28.)<br />
É contra essa <strong>de</strong>cisão que se insurge a Impetrante.<br />
5. Pelas razões apresentadas no parecer da Procuradoria-Geral da República<br />
e no acórdão do Superior Tribunal Militar, ora questionado, nota-se não se<br />
sustentarem, juridicamente, os argumentos apresentados pela Impetrante para<br />
assegurar o êxito do seu pleito, pois não se constatam fundamentos suficientes<br />
para <strong>de</strong>terminar a aplicação da Lei 11.343/06 aos crimes <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> substância<br />
entorpecente praticados nos termos <strong>de</strong>finidos pela Lei Castrense.<br />
6. O cuidado constitucional do crime militar – inclusive do crime militar<br />
impróprio <strong>de</strong> que aqui se trata – foi previsto no art. 124, parágrafo único, da<br />
Constituição do Brasil:<br />
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares <strong>de</strong>finidos<br />
em lei.<br />
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência<br />
da Justiça Militar.<br />
Com base nesse dispositivo legitima-se o tratamento diferenciado dado<br />
ao crime militar <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> entorpecente, <strong>de</strong>finido no art. 290 do Código Penal<br />
Militar, <strong>de</strong> 21-10-69.<br />
7. Novos critérios legais que passaram a reger com menor ou maior rigor o<br />
crime comum <strong>de</strong> porte ilegal <strong>de</strong> substância entorpecente não afastam a incidência<br />
integral das normas penais castrenses, que relevam circunstâncias especiais<br />
relativas aos agentes e objetos jurídicos protegidos para a aferição da tipicida<strong>de</strong><br />
dos crimes militares.<br />
8. A jurisprudência predominante <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é no<br />
sentido <strong>de</strong> reverenciar a especialida<strong>de</strong> da legislação penal militar e da Justiça<br />
castrense, sem a submissão do crime militar <strong>de</strong>vidamente caracterizado à legislação<br />
penal comum.<br />
Nesse sentido:<br />
Ementa: Habeas corpus. Crime militar <strong>de</strong> concussão (arts. 305 e 53 do CPM). Exigência<br />
<strong>de</strong> dinheiro para não-lavratura <strong>de</strong> autos <strong>de</strong> infração ambiental. Pena-base. Majoração.<br />
Pretendida aplicação aos crimes militares da regra da continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva, prevista no<br />
art. 71 do Código Penal Comum. Impossibilida<strong>de</strong>. Revela-se <strong>de</strong>vidamente fundamentada
R.T.J. — <strong>204</strong> 807<br />
a sentença que, para majorar em dois meses a pena-base do acusado, se louva na especial<br />
gravida<strong>de</strong> do crime e no seu modo <strong>de</strong> execução, tudo conforme o art. 69 do Código Penal<br />
Militar. Não se aplica aos crimes militares a regra <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva a que se reporta<br />
o art. 71 do Código Penal Comum. Isso porque, nos termos do art. 12 do CP, a inexistência<br />
<strong>de</strong> regramento específico em sentido contrário é premissa da aplicação subsidiária do Código<br />
Penal às legislações especiais. No caso, tal premissa não se faz presente. Bem ou mal, o Código<br />
Penal Militar cuidou <strong>de</strong> disciplinar os crimes continuados <strong>de</strong> forma distinta e mais severa<br />
do que o Código Penal Comum. Não se po<strong>de</strong> mesclar o regime penal comum e o castrense,<br />
<strong>de</strong> modo a selecionar o que cada um tem <strong>de</strong> mais favorável ao acusado. Tal proce<strong>de</strong>r geraria<br />
um “hibridismo” incompatível com o princípio da especialida<strong>de</strong> das leis. Sem contar que a<br />
disciplina mais rigorosa do Código Penal Castrense funda-se em razões <strong>de</strong> política legislativa<br />
que se voltam para o combate com maior rigor daquelas infrações <strong>de</strong>finidas como militares.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(HC 86.854/SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJ <strong>de</strong> 2-3-07.)<br />
9. De se ressaltar que, no presente caso, a substância entorpecente foi encontrada<br />
“durante uma revista pessoal levada a efeito nos atiradores da guarda<br />
do supracitado Tiro-<strong>de</strong>-Guerra (...) no bolso interno da japona do <strong>de</strong>nunciado<br />
(Paciente)” (fls. 8-9).<br />
Tem-se, assim, três elementos <strong>de</strong> conexão militar do fato: a) a condição<br />
funcional do Paciente – ex-atirador do Exército; b) o tempo do crime – revista da<br />
tropa; e c) o lugar do crime – Quartel <strong>de</strong> Tiro-<strong>de</strong>-Guerra <strong>de</strong> Batatais/SP.<br />
A especialida<strong>de</strong> do foro castrense para processar e julgar militares que portam<br />
substâncias entorpecentes em quartéis apresenta-se, portanto, incontroversa<br />
no caso em pauta, ao qual há <strong>de</strong> se aplicar a legislação específica, e não a penal<br />
comum.<br />
10. Pelo exposto, voto no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>negar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): A Lei 11.343/06 trouxe algo<br />
que não é comum: a revogação expressa em vez da tácita. E, então, somente<br />
revogou as Leis 6.368/76 e 10.409/02, que conviveram com o Código Penal<br />
Militar.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Baseando-me num voto <strong>de</strong> V. Exa.,<br />
do ano passado, conversava, há poucos dias, com a Ministra Elizabeth, sobre essa<br />
questão <strong>de</strong> porte <strong>de</strong> entorpecentes – porque aqui também se alegou, não para fundamento,<br />
a questão do princípio da insignificância –, e ela dizia que, em <strong>de</strong>terminados<br />
locais, o que po<strong>de</strong>ria parecer supérfluo, ou <strong>de</strong> menor importância, por exemplo, no<br />
caso comum, V. Exa. dizia que seria impossível manter disciplina e hierarquia se se<br />
pu<strong>de</strong>sse transigir com coisas que, às vezes, num espaço comum civil, po<strong>de</strong>-se fazer.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Sim. Fazermos na vida comum.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O princípio da especialida<strong>de</strong> opera na sua<br />
inteireza.
808<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 91.767/SP — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: Diego César<br />
Virgílio da Silva. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior<br />
Tribunal Militar.<br />
Decisão: A Turma in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus. Unânime. Ausente,<br />
justificadamente, o Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto e Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente, o Ministro Ricardo<br />
Lewandowski. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />
Brasília, 4 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 809<br />
HABEAS CORPUS 92.863 — BA<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Paciente e Impetrante: Ronaldo Bispo da Silva — Coator: Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça<br />
Habeas corpus. Pedido <strong>de</strong> extensão. Deficiência na instrução<br />
dos autos. Não-conhecimento da questão pela autorida<strong>de</strong> apontada<br />
como coatora. Supressão <strong>de</strong> instância não autorizada. Excesso <strong>de</strong><br />
prazo. Encerramento da instrução criminal. Princípio da razoabilida<strong>de</strong>.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes da Corte.<br />
1. Os pressupostos fáticos e jurídicos que po<strong>de</strong>riam conduzir<br />
ao <strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> extensão formulado pelo Paciente<br />
no habeas corpus impetrado ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça estadual não<br />
foram apreciados nem por aquela Corte nem pelo Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça no writ que se seguiu porque o Impetrante não<br />
colacionou os documentos necessários à análise <strong>de</strong> sua pretensão.<br />
O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nessa medida, não po<strong>de</strong> conhecer<br />
originariamente <strong>de</strong> questão não examinada pela autorida<strong>de</strong> apontada<br />
como coatora, sob pena <strong>de</strong> incorrer em supressão <strong>de</strong> instância<br />
não autorizada.<br />
2. A alegação <strong>de</strong> que o Paciente merece ser posto em liberda<strong>de</strong><br />
em virtu<strong>de</strong> do prazo excessivo da prisão cautelar fica prejudicada<br />
quando já encerrada a instrução criminal e quando as circunstâncias<br />
do caso concreto revelam que a dilatação do prazo não<br />
ofen<strong>de</strong> o princípio da razoabilida<strong>de</strong>.<br />
3. Habeas corpus conhecido em parte e, nesta parte, <strong>de</strong>negada<br />
a or<strong>de</strong>m.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, conhecer, em parte, do pedido <strong>de</strong> habeas corpus, mas in<strong>de</strong>feri-lo.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado por Ronaldo Bispo da Silva, em seu próprio favor, por petição inicial<br />
subscrita pelo advogado Abrahão Lincoln da Silva Monaco, buscando o relaxamento<br />
<strong>de</strong> sua prisão em flagrante.
810<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Aponta como órgão coator a Quinta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />
que <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m no HC 85.030/BA, impetrado àquela Corte com objetivo<br />
idêntico ao perseguido nesta oportunida<strong>de</strong>.<br />
Informa o Impetrante e Paciente ter sido preso em flagrante, juntamente<br />
com outros dois acusados, pelo crime <strong>de</strong> tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes (art. 33<br />
da Lei 11.343/06).<br />
Alega estar sofrendo constrangimento ilegal <strong>de</strong>corrente do excesso <strong>de</strong> prazo<br />
da sua prisão, ocorrida em 7-11-06, sem que tenha sido concluída a instrução<br />
criminal, e, ainda, porque o Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado da Bahia teria in<strong>de</strong>ferido<br />
o pedido <strong>de</strong> extensão da or<strong>de</strong>m concedida à Co-ré Sônia Tavares Barreto no<br />
habeas corpus impetrado por ela àquele Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
A autorida<strong>de</strong> apontada como coatora prestou informações às fls. 45 a 81. O<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário do Estado da Bahia esclareceu o atual andamento da ação penal<br />
em trâmite contra o Paciente (fl. 85).<br />
O ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Cláudio Lemos Fonteles<br />
manifestou-se pela “conversão dos autos em diligência para que o Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
do Estado Bahia envie o teor das <strong>de</strong>cisões dos <strong>de</strong>cretos constritivos e <strong>de</strong> eventuais<br />
<strong>de</strong>cisões que tenham mantido a custódia do acusado” (fl. 90).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O Paciente foi <strong>de</strong>nunciado,<br />
juntamente com Antônio An<strong>de</strong>rson Santos Barreto <strong>de</strong> Araújo e Sônia Tavares<br />
Barreto, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 33, c/c o art. 35, da Lei<br />
11.343/06.<br />
Narra a peça acusatória que:<br />
(...) na madrugada do dia 7 <strong>de</strong> novembro do ano em curso [2006], uma viatura padronizada<br />
da Polícia Militar, encontrava-se estacionada às margens da BR 116, nas proximida<strong>de</strong>s<br />
do posto Guanabara com o objetivo <strong>de</strong> realizar abordagens em veículos que trafegavam pela<br />
mencionada rodovia. Atentos, por volta <strong>de</strong> 1h20min, os policiais perceberam a aproximação<br />
<strong>de</strong> um carro Gol que trafegava no sentido contorno <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, cujo condutor ao avistar a<br />
viatura da polícia, parou e <strong>de</strong>u uma marcha ré, entrando em uma rua em cuja esquina fica localizada<br />
a pousada “Nova Vida”. Os policiais, suspeitando <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong>, foram no encalço do Gol,<br />
entraram por uma outra rua paralela, conseguindo interceptá-lo, e na abordagem, constataram<br />
que o mesmo era ocupado pelos <strong>de</strong>nunciados; e, como <strong>de</strong> praxe, revistaram o interior do carro,<br />
encontraram no banco traseiro duas sacolas contendo maconha. Em seguida, os policiais,<br />
solicitaram que o <strong>de</strong>nunciado Antonio An<strong>de</strong>rson, motorista e proprietário do carro, abrisse a<br />
mala, on<strong>de</strong> foi encontrada mais uma sacola contendo maconha, num total <strong>de</strong> 54 pacotes da<br />
cannabis sativa, conhecida pelo nome trivial <strong>de</strong> maconha, prensados, pesando cada pacote,<br />
1 quilograma, conforme laudo <strong>de</strong> constatação <strong>de</strong> fls (...) que os <strong>de</strong>nunciados trazia (sic) consigo<br />
e que estava sendo levada para Salvador, on<strong>de</strong> os três <strong>de</strong>nunciados pretendiam vendê-la.<br />
Consta mais ainda que os <strong>de</strong>nunciados Antonio An<strong>de</strong>rson, Sônia que é sua esposa e<br />
Ronaldo, previamente combinados, por volta das 11 horas do dia 3 <strong>de</strong> novembro, saíram <strong>de</strong><br />
Salvador com <strong>de</strong>stino a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Maria <strong>de</strong> Boa Vista, estado <strong>de</strong> Pernambuco no carro<br />
marca Gol, cor cinza, placa policial JPG ano 2001, que era dirigido pelo Primeiro Denunciado.
R.T.J. — <strong>204</strong> 811<br />
Nesse mesmo dia chegaram ao <strong>de</strong>stino, enquanto que Antonio An<strong>de</strong>rson levou o <strong>de</strong>nunciado<br />
Ronaldo à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cobrobó, on<strong>de</strong> este, no dia 4/11, adquiriu 30 pacotes <strong>de</strong> maconha, pesando<br />
30 Quilos, pelo preço <strong>de</strong> R$ 3.000,00 (três mil reais); enquanto que o primeiro <strong>de</strong>nunciado<br />
comprou o restante da droga, do total apreendido, totalizando a importância <strong>de</strong> seis mil reais,<br />
os 54 (cinqüenta e quatro) pacotes da erva.<br />
Como haviam combinado retornarem no dia 6. Antonio An<strong>de</strong>rson e Sônia foram à Cabrobó<br />
no dia seguinte, on<strong>de</strong> Ronaldo já estava a espera dos mesmos, retornando todos no mesmo<br />
carro, e com as três sacolas contendo a droga, saíram do estado <strong>de</strong> Pernambuco por volta das<br />
17 horas, e em torno da 1h20min foram presos em flagrante <strong>de</strong>lito, nesta cida<strong>de</strong>.<br />
Agindo assim, cometeram os <strong>de</strong>nunciados Antonio An<strong>de</strong>rson Santos Barreto <strong>de</strong> Araújo,<br />
Ronaldo Bispo da Silva, e Sônia Tavares Barreto <strong>de</strong> Araújo o crime previsto no art. 33 da<br />
Lei 11.343 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006 c/c o art. 35 do mesmo diploma.<br />
(Fls. 25/26.)<br />
Em seguida, a Co-ré Sonia Tavares Barreto impetrou o HC 57.849-5/06 ao<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça da Bahia, atacando <strong>de</strong>cisão do Juiz <strong>de</strong> 1º grau que lhe negara<br />
pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória.<br />
Esse writ foi <strong>de</strong>ferido pelo Tribunal em acórdão assim ementado:<br />
Habeas corpus. Prisão em flagrante. Tráfico <strong>de</strong> drogas. In<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
provisória. Ausência <strong>de</strong> concreta fundamentação. Necessida<strong>de</strong> da medida não-<strong>de</strong>monstrada.<br />
Motivação restrita a hedion<strong>de</strong>z do crime e garantia da or<strong>de</strong>m pública para prevenir a reprodução<br />
<strong>de</strong> fatos criminosos. Presença <strong>de</strong> condições pessoais favoráveis. Alegação <strong>de</strong> inocência.<br />
Inviável exame <strong>de</strong> provas nesta via estreita. Or<strong>de</strong>m concedida.<br />
(Fl. 15.)<br />
O Paciente impetrou, então, àquela mesma Corte o HC 18.823-6/07, buscando<br />
a extensão do benefício <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória <strong>de</strong>ferido à Co-ré.<br />
O Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m em acórdão assim fundamentado:<br />
O objetivo da impetração é a extensão <strong>de</strong> benefício <strong>de</strong>ferido à co-ré Sonia Tavares<br />
Barreto, que teve a or<strong>de</strong>m concedida no habeas corpus 57849-5/2006, em razão da ausência<br />
<strong>de</strong> fundamentação e <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> da prisão.<br />
Todavia, não tendo o impetrante colacionado aos autos cópia da <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>cretou a<br />
prisão preventiva do paciente, não há como verificar se ele se encontra em situação processual<br />
idêntica a da co-ré. Assim sendo, a suposta <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> da segregação cautelar, não po<strong>de</strong><br />
ser apreciada na estreita via <strong>de</strong> habeas corpus, em razão da inexistência nos autos <strong>de</strong> prova<br />
pré-constituída do quanto alegado pelo impetrante.<br />
(Fls. 59/60.)<br />
A Quinta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a seu turno, no julgamento<br />
do HC 85.030/BA, <strong>de</strong>cidiu que:<br />
Habeas corpus. Tráfico <strong>de</strong> entorpecentes. Liberda<strong>de</strong> provisória. Pedido <strong>de</strong> extensão<br />
dos efeitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m originariamente concedida à co-ré. Matéria não analisada pela Corte <strong>de</strong><br />
origem. Tema não conhecido por insuficiência da instrução do feito. Supressão <strong>de</strong> instância.<br />
Ausência dos <strong>de</strong>cretos constritivos e das <strong>de</strong>cisões que mantiveram as custódias cautelares.<br />
Óbice à análise da similitu<strong>de</strong> entre as situações processuais dos réus. Excesso <strong>de</strong> prazo na<br />
formação da culpa. Instrução encerrada. Súmula nº 52⁄STJ. Or<strong>de</strong>m parcialmente conhecida,<br />
e, nessa extensão, <strong>de</strong>negada.<br />
1. Hipótese em que a Corte a quo não analisou o pleito <strong>de</strong> extensão por não ter sido a<br />
or<strong>de</strong>m instruída com cópias dos <strong>de</strong>cretos prisionais e das <strong>de</strong>cisões que mantiveram as custódias<br />
dos réus.
812<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
2. Não evi<strong>de</strong>nciada a existência <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>cisum prolatado por órgão colegiado do<br />
Tribunal <strong>de</strong> 2º grau <strong>de</strong> jurisdição acerca da questão ora expendida, sobressai a incompetência<br />
<strong>de</strong>ste Tribunal para a análise do tema, sob pena <strong>de</strong> in<strong>de</strong>vida supressão <strong>de</strong> instância.<br />
3. Não tendo o impetrante acostado aos autos qualquer <strong>de</strong>cisão proferida pelo Magistrado<br />
<strong>de</strong> origem, pois apenas juntou cópias dos acórdãos prolatados pelo Colegiado Estadual,<br />
a verificação da procedência dos argumentos, no que tange à alegada semelhança entre as situações<br />
fático-processuais dos réus, resta obstada, pois seria imprescindível que a impetração<br />
viesse acompanhada <strong>de</strong> cópia integral dos éditos constritivos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que porventura<br />
tenham mantido as custódias dos acusados.<br />
4. Evi<strong>de</strong>nciado o encerramento da instrução criminal, resta superado o argumento <strong>de</strong><br />
excesso <strong>de</strong> prazo na formação da culpa, em aplicação do escólio da Súmula 52 <strong>de</strong>sta Corte<br />
Superior <strong>de</strong> Justiça.<br />
5. Nos termos da jurisprudência uníssona <strong>de</strong>sta Corte, é aceitável a dilação do prazo processual,<br />
<strong>de</strong>vido à observância <strong>de</strong> trâmites processuais complexos, sendo certo que o prazo para a<br />
conclusão da instrução criminal não é absoluto e o constrangimento ilegal por excesso <strong>de</strong> prazo<br />
só po<strong>de</strong> ser reconhecido quando a <strong>de</strong>mora for injustificada.<br />
6. Or<strong>de</strong>m parcialmente conhecida, e, nessa extensão, <strong>de</strong>negada.<br />
(Fls. 6/7.)<br />
Alega-se no presente writ que o Paciente está sofrendo constrangimento<br />
ilegal porque haveria excesso <strong>de</strong> prazo em sua prisão cautelar e porque o Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça do Estado da Bahia não po<strong>de</strong>ria ter in<strong>de</strong>ferido o pedido <strong>de</strong> extensão<br />
do benefício concedido à Co-ré Sonia Tavares Barreto.<br />
No que concerne à negativa do pedido <strong>de</strong> extensão, não há como o tema ser<br />
apreciado por esta Suprema Corte. É que as impetrações apresentadas em benefício<br />
do Paciente não foram <strong>de</strong>vidamente instruídas, <strong>de</strong> modo que nem o Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça estadual nem o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça examinaram o ponto. O<br />
enfrentamento da questão, nesta oportunida<strong>de</strong>, implicaria, portanto, in<strong>de</strong>vida<br />
supressão <strong>de</strong> instância, conforme se verifica a partir dos seguintes prece<strong>de</strong>ntes:<br />
I. STJ e <strong>STF</strong> – Habeas corpus – Competência originária. 1. Não po<strong>de</strong> o Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça conhecer <strong>de</strong> questão suscitada pelo impetrante – excesso <strong>de</strong> prazo – que<br />
não foi enfrentada pelo Tribunal <strong>de</strong> origem, ao qual, em conseqüência, não se po<strong>de</strong> atribuir<br />
a alegada coação. 2. Pelo mesmo fundamento – impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong> instância –,<br />
também não cabe ao Supremo Tribunal conhecer originariamente da questão. II – Denúncia:<br />
aptidão: <strong>de</strong>scrição suficiente do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> associação para o tráfico imputado aos pacientes. 1.<br />
É da jurisprudência do Tribunal, na linha do que se tem <strong>de</strong>cidido quanto ao crime <strong>de</strong> quadrilha<br />
ou bando (Código Penal, art. 288), que a configuração do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> associação para o tráfico<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> “da realização ulterior <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>lito compreendido no âmbito <strong>de</strong> suas projetadas<br />
ativida<strong>de</strong>s criminosas” (v.g., Ext 966, Plenário, 29-6-06, Pertence, DJ <strong>de</strong> 10-8-06). 2. Daí<br />
que, para a aptidão da <strong>de</strong>núncia, o que se “exige, sobretudo, é que a imputação <strong>de</strong>screva concretamente<br />
os elementos essenciais à realização do tipo cogitado” (v.g., HC 70.290, Plenário,<br />
30-6-93, Pertence, RTJ 162/559), o que, no caso, não foi <strong>de</strong>scumprido.<br />
(HC 90.654/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong><br />
25-5-07.)<br />
Habeas corpus. Prisão preventiva. Carência <strong>de</strong> fundamentação. Excesso <strong>de</strong> prazo<br />
para a prestação jurisdicional. Julgamento <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong>fensivo em sentido estrito. Supressão<br />
<strong>de</strong> instância. Decreto <strong>de</strong> prisão fundamentado na aplicação da Lei Penal. Fuga do paciente<br />
após a prática do <strong>de</strong>lito que lhe é imputado. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada. A tese do excesso <strong>de</strong> prazo<br />
para a prestação jurisdicional não foi suscitada nas instâncias inferiores, o que impe<strong>de</strong> o julgamento<br />
do feito diretamente pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob pena <strong>de</strong> in<strong>de</strong>vida supressão <strong>de</strong><br />
instância. Prece<strong>de</strong>ntes: HC 86.990, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 84.799, Rel. Min.<br />
Sepúlveda Pertence; HC 82.213, Rel. Min. Ellen Gracie; e o HC 83.842, Rel. Min. Celso <strong>de</strong><br />
Mello. Recurso <strong>de</strong>fensivo em sentido estrito já <strong>de</strong>negado pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado
R.T.J. — <strong>204</strong> 813<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Co-réu já julgado e con<strong>de</strong>nado pelo Tribunal do Júri. A gravida<strong>de</strong> (em<br />
abstrato) do <strong>de</strong>lito não se presta, ao ver <strong>de</strong>sta Suprema Corte, como fundamento idôneo para<br />
a prisão preventiva. Prece<strong>de</strong>ntes. A evasão após a prática <strong>de</strong>litiva é fundamento idôneo para a<br />
segregação cautelar para resguardar a aplicação da lei penal. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(HC 90.162/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJ <strong>de</strong> 29-6-07.)<br />
Habeas corpus. Processual penal. Prisão preventiva. Conveniência da instrução<br />
criminal. Paciente afastado do cargo <strong>de</strong> auditor fiscal após as impetrações <strong>de</strong> habeas corpus<br />
no TJPR e no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Alegação <strong>de</strong> que com o afastamento não mais<br />
remanesceria a necessida<strong>de</strong> da prisão cautelar. Fato superveniente não examinado nas instâncias<br />
prece<strong>de</strong>ntes. Supressões <strong>de</strong> instâncias. A prisão preventiva do paciente foi <strong>de</strong>cretada<br />
em 13-7-06, sob o fundamento <strong>de</strong> que ele, em liberda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ria, consi<strong>de</strong>rada sua condição<br />
funcional, influir na instrução do processo. Em 14-9-06, foi impetrado habeas corpus no STJ,<br />
sustentando o exaurimento da necessida<strong>de</strong> da constrição cautelar, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> o paciente<br />
ter sido afastado do cargo <strong>de</strong> Auditor Fiscal em 23-11-06. Essa or<strong>de</strong>m cronológica evi<strong>de</strong>ncia<br />
que a tese da cessação dos fundamentos da custódia cautelar não foi submetida ao Juízo <strong>de</strong><br />
primeiro grau, nem ao TJPR, muito menos ao STJ. O conhecimento da impetração, sem que a<br />
questão superveniente tenha sido posta a exame do Juízo <strong>de</strong> primeiro grau, do TJPR e do STJ,<br />
implica supressões <strong>de</strong> instâncias, em três níveis. Habeas corpus não conhecido.<br />
(HC 90.312/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 27-4-07.)<br />
Penal. Processual penal. Habeas corpus. Questão nova. I – Por conter questão nova,<br />
não apreciada pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o habeas corpus não po<strong>de</strong> ser conhecido, sob<br />
pena <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong> instância. II – Habeas corpus não conhecido.<br />
(HC 86.997/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ <strong>de</strong> 3-2-06.)<br />
Também não vejo aqui a margem para a concessão da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> ofício.<br />
É que neste habeas corpus o Impetrante mais uma vez <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> colacionar<br />
os documentos cujo exame po<strong>de</strong>ria indicar a existência <strong>de</strong> uma situação objetivamente<br />
análoga entre o Paciente e a Co-ré, apta a permitir a extensão do benefício.<br />
Vale lembrar, aqui, o parecer do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral que opinou<br />
pela conversão dos autos em diligência, a fim <strong>de</strong> que fossem apresentados os<br />
<strong>de</strong>cretos constritivos e eventuais <strong>de</strong>cisões relativas à custódia do Paciente e da<br />
Co-ré, para que pu<strong>de</strong>ssem ser confrontados.<br />
Com a <strong>de</strong>vida vênia, penso que, mesmo em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus, não<br />
cabe ao Tribunal diligenciar em substituição ao Impetrante, especialmente quando<br />
se trata <strong>de</strong> um advogado. Mais que isso, revela-se inconveniente a providência<br />
sugerida quando já existem <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> outros órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário indicando<br />
a <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> instrução e o referido advogado, em vez <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar<br />
a juntada dos documentos indicados como necessários, segue impetrando novos<br />
habeas corpus corrompidos com a mesma irregularida<strong>de</strong>.<br />
Além disso, a autorida<strong>de</strong> competente para apreciar o pedido <strong>de</strong> extensão é<br />
aquela que conce<strong>de</strong>u o benefício à Co-ré, <strong>de</strong>vendo referido pedido ser formulado<br />
nos autos do respectivo processo.<br />
Nesse sentido, os seguintes julgados:<br />
Habeas corpus. Processual penal. Pena-base. Anulada pelo STJ para que seja<br />
recalculada. Pedido <strong>de</strong> extensão da <strong>de</strong>cisão ao paciente. Matéria afeta ao Tribunal a quo.<br />
Não-conhecimento. Pedido <strong>de</strong> extensão da <strong>de</strong>cisão do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que anulou<br />
a sentença no ponto em que fixou a pena-base, por falta <strong>de</strong> fundamentação. Inviabilida<strong>de</strong> do
814<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
pleito, nesta Corte: a competência para julgar o pedido <strong>de</strong> extensão é do Tribunal a quo, a<br />
quem cabe analisar se o paciente está ou não na mesma situação processual dos <strong>de</strong>mais.<br />
Habeas corpus não conhecido.<br />
(HC 89.347/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ <strong>de</strong> 3-8-06 –<br />
Grifo nosso.)<br />
Recurso em habeas corpus. Liberda<strong>de</strong> provisória. Excesso <strong>de</strong> prazo. Conhecimento<br />
<strong>de</strong> ofício da matéria. Constrangimento ilegal. Extensão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória. O Tribunal<br />
tem admitido conhecer da questão do excesso <strong>de</strong> prazo quando esta se mostra gritante, mesmo<br />
que o tribunal recorrido não a tenha examinado. Demora na instrução em virtu<strong>de</strong> do não-cumprimento<br />
<strong>de</strong> carta precatória que visava à inquirição das testemunhas arroladas pela <strong>de</strong>fesa, a<br />
priori, não caracteriza constrangimento ilegal. Entretanto, esgotou-se o prazo <strong>de</strong> cumprimento<br />
da carta precatória. A competência para <strong>de</strong>cidir acerca do pedido <strong>de</strong> extensão da liberda<strong>de</strong><br />
provisória é do Juízo que conce<strong>de</strong>u o benefício ao co-réu. Recurso provido em parte. Habeas<br />
corpus concedido <strong>de</strong> ofício.<br />
(RHC 83.177/PI, Segunda Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ <strong>de</strong> 19-3-<br />
04 – Grifo nosso.)<br />
É preciso lembrar, ainda, que o <strong>de</strong>ferimento do pedido formulado implicaria,<br />
em última análise, a concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória para paciente que,<br />
em tese, cometeu tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes já na vigência da Lei 11.343/06.<br />
Sendo certo que o art. 44 <strong>de</strong>ssa norma veda expressamente a concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
provisória em casos como o da espécie.<br />
Dessa forma, a alegação <strong>de</strong> que estão presentes, atualmente, os requisitos<br />
para o relaxamento da prisão em flagrante do Paciente encontra obstáculo não apenas<br />
na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dilação probatória (inviável em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus),<br />
mas ainda no citado art. 44 da Lei 11.343/06.<br />
No que diz respeito ao segundo fundamento da impetração, relativo ao excesso<br />
<strong>de</strong> prazo da prisão cautelar, verifico que o acórdão do Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, ora impugnado, está em consonância com a jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte no<br />
sentido <strong>de</strong> que a ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>ssa circunstância fica prejudicada com<br />
o encerramento da instrução criminal.<br />
Anote-se, por exemplo:<br />
Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso <strong>de</strong> prazo. 1. Não tendo a inicial <strong>de</strong>monstrado<br />
inércia ou <strong>de</strong>sídia por parte da autorida<strong>de</strong> judiciária responsável pela tramitação da ação<br />
penal, não há cogitar <strong>de</strong> excesso <strong>de</strong> prazo, principalmente quando, como ocorre na hipótese, a<br />
instrução já está encerrada. 2. Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 86.298/PA, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong> 30-9-05.)<br />
(...)<br />
II – Prisão preventiva: excesso <strong>de</strong> prazo superado com o encerramento da instrução<br />
criminal e superveniência da pronúncia, esta ocorrida há pouco mais <strong>de</strong> um mês, intervalo que<br />
não sobrepuja os temperamentos admissíveis à luz do juízo <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong>, ao qual o Tribunal<br />
ten<strong>de</strong> a submeter a legitimida<strong>de</strong> da extensão temporal da prisão subseqüente à pronúncia,<br />
malgrado a lei não lhe pre<strong>de</strong>termine limites rígidos <strong>de</strong> duração.<br />
III – Prisão preventiva: fundamentação cautelar: garantia da or<strong>de</strong>m pública: idoneida<strong>de</strong>.<br />
(HC 86.529/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong><br />
2-12-05.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 815<br />
Prisão. Excesso <strong>de</strong> prazo. Quadrilha ou bando (CP, art. 288; Lei 8.072/90, art. 8º).<br />
1. Ação penal que já se encontra na fase do art. 500 do CPP. Alegação <strong>de</strong> <strong>de</strong>mora que ficou,<br />
em conseqüência, superada. Demora, aliás, justificada pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciados. 2.<br />
Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 86.217/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong> 28-10-05.)<br />
Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso <strong>de</strong> prazo. Inocorrência. Diligência requerida<br />
pela <strong>de</strong>fesa. Instrução encerrada. Presença dos requisitos do art. 312 do CPP. 1. Não<br />
constitui constrangimento ilícito a <strong>de</strong>mora resultante <strong>de</strong> ato que foi requerido pela <strong>de</strong>fesa.<br />
2. O encerramento da instrução criminal, inclusive com a apresentação <strong>de</strong> alegações<br />
finais pela acusação e pela <strong>de</strong>fesa, torna prejudicada a alegação <strong>de</strong> excesso <strong>de</strong> prazo da prisão<br />
preventiva.<br />
3. Presentes os pressupostos <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong> e indícios suficientes <strong>de</strong> autoria e ocorrendo<br />
uma ou mais hipóteses elencadas no art. 312 do CPP, como se evi<strong>de</strong>ncia no presente<br />
caso, não há falar em ilegalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>creto prisional preventivo.<br />
4. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(HC 86.618/MT, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong> 28-<br />
10-05.)<br />
Não <strong>de</strong>sconhece que essa orientação po<strong>de</strong> sofrer temperamento em casos excepcionais.<br />
Na hipótese dos autos, porém, o Paciente foi preso em flagrante no dia<br />
7-11-06, instaurando-se, em seguida, uma ação penal na qual são processados três<br />
réus pela prática dos crimes <strong>de</strong> tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e associação para o<br />
tráfico que já conta com a instrução encerrada e em fase <strong>de</strong> alegações finais (fl. 85).<br />
O feito parece, portanto, seguir trâmite regular, não sendo possível vislumbrar<br />
ofensa ao princípio da razoabilida<strong>de</strong> ou à garantia constitucional <strong>de</strong> duração<br />
razoável do processo.<br />
Por todo o exposto, conheço do habeas corpus apenas em parte e, nessa<br />
parte, <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Peço vênia para divergir. Entendo<br />
que o instituto do excesso <strong>de</strong> prazo <strong>de</strong>ve ser apreciado sob o ângulo objetivo. O<br />
prazo não é apenas para que a instrução esteja concluída. É para que se tenha<br />
julgamento em período razoável. O encerramento da instrução não é fator interruptivo<br />
do prazo alusivo à preventiva.<br />
Fico vencido, conce<strong>de</strong>ndo a or<strong>de</strong>m.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 92.863/BA — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente e Impetrante:<br />
Ronaldo Bispo da Silva (Advogado: Abrahão Lincoln da Silva Monaco).<br />
Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma, por unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, conheceu, em parte, do pedido<br />
<strong>de</strong> habeas corpus. Por maioria, na parte conhecida, o in<strong>de</strong>feriu; vencido o<br />
Ministro Marco Aurélio, Presi<strong>de</strong>nte.
816<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />
Brasília, 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 817<br />
HABEAS CORPUS 92.990 — RS<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Paciente: An<strong>de</strong>rson Barcellos Athai<strong>de</strong>s — Impetrante: Defensoria Pública<br />
da União — Coator: Superior Tribunal Militar<br />
Habeas corpus. Penal militar e processual penal militar. Crime<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. Erro na contagem do prazo para a consumação<br />
do crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renovação do procedimento<br />
administrativo militar. Constrangimento ilegal não configurado.<br />
Prece<strong>de</strong>nte. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
1. Tendo o Paciente permanecido ausente por período além<br />
do dia em que se consumou o crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, justifica-se a ressalva<br />
feita no acórdão questionado, que, ao trancar a ação penal<br />
por falta <strong>de</strong> justa causa, possibilitou à Justiça <strong>de</strong> 1º grau renovar<br />
o procedimento administrativo militar para punição <strong>de</strong>le, levandose<br />
em conta a data correta da consumação. Seria diferente o<br />
cenário se tivesse o Paciente retornado às suas funções antes <strong>de</strong><br />
consumado crime.<br />
2. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco<br />
Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, in<strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado pela Defensoria Pública da União em favor <strong>de</strong> An<strong>de</strong>rson Barcellos<br />
Athai<strong>de</strong>s, ex-soldado do Exército brasileiro, buscando o trancamento da Inspeção<br />
Provisória <strong>de</strong> Deserção (IPD) 265/05, em trâmite na 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição<br />
Judiciária Militar, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, por falta <strong>de</strong> justa causa.<br />
Aponta como autorida<strong>de</strong> coatora o Superior Tribunal Militar, que conce<strong>de</strong>u<br />
a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus ao Paciente (HC 2005.01.034011-4) para trancar a referida<br />
Inspeção Provisória <strong>de</strong> Deserção por falta <strong>de</strong> justa causa, contudo, teria, na<br />
parte final do acórdão, ressalvado “o direito [<strong>de</strong> a] Administração Militar renovar<br />
o Termo <strong>de</strong> Deserção e <strong>de</strong> exclusão do paciente” (fl. 8). Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse acórdão,<br />
o Superior Tribunal Militar <strong>de</strong>feriu a Correição Parcial 2006.01.001941-8, para<br />
<strong>de</strong>terminar o <strong>de</strong>sarquivamento da IPD movida contra o Paciente.
818<br />
Alega que:<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
(...)<br />
Consta que a Corte Superior castrense, em sessão <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005, julgou o<br />
referido habeas corpus e conce<strong>de</strong>u a or<strong>de</strong>m, por unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, conforme à (fl. 60):<br />
“Determinar o trancamento da IPD nº 265/05, por falta <strong>de</strong> justa causa, ressalvando<br />
o direito da administração militar <strong>de</strong> renovar o termo <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção e <strong>de</strong> exclusão<br />
do Paciente.”<br />
Em face da <strong>de</strong>cisão do HC, acima mencionado, o MPM requereu vista, solicitando a<br />
extração das peças <strong>de</strong> fls. 53/59, para formação <strong>de</strong> uma nova IPD em <strong>de</strong>sfavor do Paciente,<br />
conforme (fl. 64v).<br />
O MPM foi atendido em sua solicitação, contudo o Juízo ressalvou que “não po<strong>de</strong><br />
restaurar o IPD <strong>de</strong> ofício” (fl. 65v).<br />
Em um novo <strong>de</strong>spacho, proferido no dia 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006, <strong>de</strong>terminou o Juiz-<br />
Auditor (fl. 82v):<br />
“Voltem os autos com vista ao MPM, para que neles se manifeste, no prazo<br />
legal, tendo em conta que o termo <strong>de</strong> fls. 09 indica exclusão do militar a 19 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 2005, sendo que o mesmo começou a faltar ao quartel em 11 do mesmo mês, ou<br />
seja, per<strong>de</strong>u a condição <strong>de</strong> militar antes <strong>de</strong> consumada a <strong>de</strong>serção, o que inviabiliza o<br />
prosseguimento <strong>de</strong>sta IPD, como <strong>de</strong>cidiu o eg. STM (fls. 71/77).”<br />
Diante do r.d., o órgão ministerial manifestou-se (fl. 83):<br />
“Requeiro o arquivamento do presente feito, tendo em vista que o próprio e.<br />
STM conce<strong>de</strong>u habeas corpus, para trancar o presente IPD, por enten<strong>de</strong>r que o fato<br />
não constitui crime militar”.<br />
Concordando com a postulação do MPM, assim <strong>de</strong>spachou o ilustre Juiz-Auditor<br />
(fl. 83v):<br />
“Porque An<strong>de</strong>rson Barcellos Athaí<strong>de</strong>s não chegou a consumar <strong>de</strong>serção como<br />
<strong>de</strong>monstrado às fls. 82v, acolho a petição ministerial <strong>de</strong> fls. 83 e <strong>de</strong>termino o arquivamento<br />
dos presentes autos da IPD nº 265/05, o que faço com suporte no artigo 397 do<br />
Código <strong>de</strong> Processo Penal Militar.<br />
Intime-se o MPM.<br />
Inexistindo recurso, sejam estes autos encaminhados a auditoria <strong>de</strong> correição<br />
da Justiça Militar da União, para fim <strong>de</strong> arquivamento, com as anotações e comunicações<br />
<strong>de</strong> estilo.”<br />
Registrando o feito como “autos findos”, foram os mesmos conclusos ao Juiz-Auditor<br />
Corregedor, em 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2006 (fl. 89).<br />
Inconformado com o r.d. <strong>de</strong> arquivamento, o ilustre magistrado promoveu a correição<br />
parcial para que a mesma fosse <strong>de</strong>sconstituída, eis que, <strong>de</strong> forma irregular, diante das peças<br />
existentes no feito, as quais não foram consi<strong>de</strong>radas.<br />
A Corte Superior Militar, por unanimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cidiu <strong>de</strong>ferir a presente correição<br />
parcial, para <strong>de</strong>terminar o <strong>de</strong>sarquivamento da IPD (Instrução Provisória <strong>de</strong> Deserção) nº<br />
265/05, oriunda da 1ª Auditoria da 3ª CJM, on<strong>de</strong> figura como <strong>de</strong>sertor o ex-sd do Exército<br />
An<strong>de</strong>rson Barcellos Athaí<strong>de</strong>s, com a remessa dos autos ao representante do MPM no Juízo a<br />
quo, para que, em cumprimento ao contido na parte final do HC nº 2005.01.034011-4, reexamine<br />
os novos documentos enviados aquela auditoria pelo comandante do referido soldado,<br />
constante <strong>de</strong> fl. 52 usque 58, a fim <strong>de</strong> adotar as providências legais cabíveis <strong>de</strong> sua alçada.<br />
(...)<br />
Ínclitos Ministros, ora julgadores, o que motivou o Paciente impetrar o HC junto ao<br />
STM se <strong>de</strong>u em razão <strong>de</strong> sua exclusão das fileiras do Exército, antes da consumação do <strong>de</strong>lito<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, art. 187 do CPM, face o <strong>de</strong>scumprimento da legislação militar no tocante a<br />
contagem dos dias <strong>de</strong> ausência pelo comando militar, que conseqüentemente lavrou o termo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, bem como o ato <strong>de</strong> exclusão, sem observar o art. 451, § 1º do CPPM, ou seja, o<br />
princípio da legalida<strong>de</strong>.<br />
(...)<br />
Todavia a pretensão do Paciente logrou êxito, quando liminarmente foi suspenso o<br />
inquérito que respondia, porém o mérito encontra-se nebuloso; merecendo reparo, a fim <strong>de</strong><br />
não causar prejuízo a parte.
R.T.J. — <strong>204</strong> 819<br />
Vale esclarecer que só através da correição parcial, interposta pelo Juiz-Auditor<br />
Corregedor, que tomamos ciência, que esta fora encaminhada ao Juízo a quo, para cumprir a<br />
<strong>de</strong>cisão na sua parte final do citado habeas corpus.<br />
Ora, ilustres Ministros da mais alta Corte, cumpre impedir que o acórdão prolatado<br />
pela Corte Superior castrense seja cumprido na parte final, valendo argüir a nulida<strong>de</strong> do<br />
mesmo. Assim vejamos:<br />
O acórdão hostilizado conce<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m, por unanimida<strong>de</strong>, trancando a instrução<br />
provisória do IPD nº 265/05 por falta <strong>de</strong> justa causa e, ao mesmo tempo ressalva o direito da<br />
administração militar <strong>de</strong> renovar o termo <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção e <strong>de</strong> exclusão do Paciente, <strong>de</strong>ixando<br />
<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que foi a administração militar que não cumpriu a norma jurídica contida na<br />
legislação processual penal militar, no que se refere a contagem dos dias <strong>de</strong> graça no tipo<br />
penal da <strong>de</strong>serção.<br />
A<strong>de</strong>mais, além <strong>de</strong> certo, o acórdão <strong>de</strong>ve ser preciso, ou seja, não po<strong>de</strong> exce<strong>de</strong>r aos<br />
limites dos pedidos feitos pelos litigantes. O acórdão não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ultra, extra petita,<br />
sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>.<br />
Vale argüir também a existência <strong>de</strong> contradição no acórdão em questão, eis que ao trancar<br />
o IPD nº 265/05 por falta <strong>de</strong> justa causa, conferiu também a administração militar o direito<br />
<strong>de</strong> renovar o termo <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção e <strong>de</strong> exclusão do paciente.<br />
O acórdão ao admitir esse prece<strong>de</strong>nte, ou seja, conce<strong>de</strong>r à administração militar o<br />
direito <strong>de</strong> corrigir as datas do termo <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção e da exclusão do paciente, comete ato arbitrário,<br />
resultando em prejuízo para a <strong>de</strong>fesa.<br />
(Fls. 4 a 8 – Grifos no original.)<br />
Ao final, requer, liminarmente, seja <strong>de</strong>terminado “ao Juízo da 1ª Auditoria<br />
da 3ª Circunscrição Judiciária Militar – Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, o recolhimento do<br />
mandado <strong>de</strong> captura domiciliar, que se abstenha <strong>de</strong> praticar quaisquer atos referentes<br />
ao IPD”; no mérito, a concessão em <strong>de</strong>finitivo da or<strong>de</strong>m, para: “a) Que<br />
seja cassada a <strong>de</strong>cisão do acórdão, ora hostilizado, visto a nulida<strong>de</strong> do mesmo.<br />
b) Trancar o IPD 265/05 por falta <strong>de</strong> justa causa” (fl. 9).<br />
O pedido <strong>de</strong> liminar foi in<strong>de</strong>ferido às fls. 24 a 28.<br />
As informações foram prestadas pela autorida<strong>de</strong> coatora às fls. 33 a 35,<br />
tendo sido encaminhadas cópias do inteiro teor do acórdão ora questionado (fls.<br />
47 a 55) e do acórdão prolatado na Correição Parcial (FE) 2006.01.001941-8/DF<br />
relacionada ao habeas corpus objeto <strong>de</strong>sta impetração (fls. 36 a 46).<br />
O ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Mario José Gisi opinou<br />
pela <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m (fls. 58 a 63).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Volta-se a Impetrante – Defensoria<br />
Pública da União – contra acórdão do Superior Tribunal Militar, que conce<strong>de</strong>u<br />
a or<strong>de</strong>m no HC 2005.01.034011-4 ao Paciente, para trancar a Inspeção Provisória<br />
<strong>de</strong> Deserção (IPD) 265/05, em trâmite na 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição<br />
Judiciária Militar, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, por falta <strong>de</strong> justa causa, contudo, teria, na<br />
parte final do acórdão, ressalvado “o direito [<strong>de</strong> a] Administração Militar renovar<br />
o Termo <strong>de</strong> Deserção e <strong>de</strong> exclusão do paciente” (fl. 8). Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse acórdão,<br />
o Superior Tribunal Militar <strong>de</strong>feriu a Correição Parcial 2006.01.001941-8<br />
para <strong>de</strong>terminar o <strong>de</strong>sarquivamento da IPD movida contra o Paciente.
820<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Não enxergo constrangimento ilegal flagrante a justificar a concessão da<br />
or<strong>de</strong>m, como pretendido pela Impetrante.<br />
Pelos documentos carreados aos autos, cópia aparentemente integral do feito<br />
que tramitou na Justiça Militar <strong>de</strong> 1º grau – Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e, posteriormente,<br />
no Superior Tribunal Militar, verifica-se ter havido sucessivos erros <strong>de</strong> procedimento<br />
quanto à contagem do prazo para a consumação do crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção pelo<br />
qual o Paciente está sendo processado, o que levou à concessão da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas<br />
corpus pelo Superior Tribunal Militar para trancar a Inspeção Provisória <strong>de</strong><br />
Deserção, ressalvando, todavia, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser renovado o procedimento<br />
pelo Juízo <strong>de</strong> 1º grau militar.<br />
Fato é que, após ter sido <strong>de</strong>terminado o arquivamento da referida Inspeção<br />
Provisória <strong>de</strong> Deserção, <strong>de</strong>vido a esse julgamento, o processo foi submetido ao<br />
Juiz-Auditor Corregedor, que enten<strong>de</strong>u por bem propor correição parcial, com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar seguimento à persecução criminal militar contra o Paciente, nos<br />
termos em que ressalvados no HC 2005.01.034011-4.<br />
Ao analisar a referida correição parcial, o Tribunal castrense, por unanimida<strong>de</strong>,<br />
a <strong>de</strong>feriu, para “<strong>de</strong>terminar o <strong>de</strong>sarquivamento da IPD 265/05, oriunda da<br />
1ª Auditoria da 3ª CJM, on<strong>de</strong> figura como <strong>de</strong>sertor o ex-Sd Ex An<strong>de</strong>rson Barcellos<br />
Athaí<strong>de</strong>s, com remessa dos autos ao Representante do Ministério Público<br />
Militar perante o Juízo ‘a quo’, para que, em cumprimento ao contido na parte<br />
final do Habeas Corpus nº 2005.01.034011-4, reexamine os novos documentos<br />
enviados àquela Auditoria pelo Comandante do referido Soldado, constantes <strong>de</strong><br />
fls. 52 ‘usque’ 58, a fim <strong>de</strong> adotar as providências legais cabíveis <strong>de</strong> sua alçada”<br />
(fl. 36).<br />
Assim, não me parece haver nulida<strong>de</strong> no acórdão ora questionado – HC<br />
2005.01.034011-4 –, só porque teria ressalvado a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a Administração<br />
Militar renovar o Termo <strong>de</strong> Deserção e exclusão do Paciente, com a data<br />
correta da ausência a ser consi<strong>de</strong>rada. Vejamos.<br />
Tem-se, nos autos, a seguinte situação:<br />
a) a ausência do Paciente foi constatada no dia 11/1/05;<br />
b) seguindo-se a regra do § 1º do art. 451 do Código <strong>de</strong> Processo Penal Militar (“A<br />
contagem dos dias <strong>de</strong> ausência, para efeito da lavratura do termo <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, iniciar-se-á à<br />
zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar”), o início<br />
da contagem dos dias <strong>de</strong> ausência para fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção é o dia 12/1/05;<br />
c) o art. 187 do Código Penal Militar <strong>de</strong>screve o crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção como a conduta<br />
do militar que se ausenta, “sem licença, da unida<strong>de</strong> em que serve, ou do lugar em que <strong>de</strong>ve<br />
permanecer, por mais <strong>de</strong> oito dias” (grifo nosso).<br />
d) incluindo-se o dia 12/1/05 no começo da contagem do prazo acima referido, a<br />
<strong>de</strong>serção ter-se-ia consumado à zero hora do dia 20/1/05, conforme ficou esclarecido no documento<br />
<strong>de</strong> fl. 52 do apenso.<br />
Foi por esse motivo que o Superior Tribunal Militar consi<strong>de</strong>rou ilegal a exclusão<br />
do Paciente das fileiras do Exército no dia 19-1-05, a dizer, antes da consumação<br />
do crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, e trancou a ação penal por falta <strong>de</strong> justa causa.<br />
Ocorre que, tendo o Paciente permanecido ausente por período além do<br />
dia 20-1-05, justifica-se a ressalva feita por aquele Tribunal para possibilitar à
R.T.J. — <strong>204</strong> 821<br />
Justiça <strong>de</strong> 1º grau renovar o procedimento para punição <strong>de</strong>le. Ao contrário seria<br />
se tivesse o Paciente retornado às suas funções antes <strong>de</strong> consumado crime. Mas<br />
não foi o que se <strong>de</strong>u.<br />
A questão foi esclarecida no acórdão ora questionado:<br />
Constatada a ausência em 11/01/2005, a contagem dos dias <strong>de</strong> ausência iniciou-se no dia<br />
12/01. Completaram-se os 8 (oito) dias, incluído o dia 12, no dia 19/01, <strong>de</strong> forma que à zero<br />
hora do dia 20 estaria consumado o crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção.<br />
Contudo, a exclusão do paciente das fileiras do Exército ocorreu no dia 19/01, antes<br />
da consumação do <strong>de</strong>lito, <strong>de</strong> forma que o paciente per<strong>de</strong>u sua condição <strong>de</strong> militar no prazo <strong>de</strong><br />
graça, o que suprime uma elementar do crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção.<br />
A condição <strong>de</strong> militar é uma elementar do crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção <strong>de</strong>finido no art. 187, do<br />
Código Penal Militar, da seguinte forma:<br />
“Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unida<strong>de</strong> em que serve, ou do<br />
lugar em que <strong>de</strong>ve permanecer, por mais <strong>de</strong> oito dias:<br />
Pena – <strong>de</strong>tenção, <strong>de</strong> seis meses a dois anos; (...)”<br />
Militar, no caso, é uma elementar normativa, já que é do próprio texto da lei que se<br />
extrai o seu conteúdo, nos termos do art. 22, do Código Penal Militar, in verbis:<br />
“Art. 22. É consi<strong>de</strong>rada militar, para efeito da aplicação <strong>de</strong>ste Código, qualquer<br />
pessoa que, em tempo <strong>de</strong> paz ou <strong>de</strong> guerra, seja incorporada às forças armadas, para<br />
nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar”.<br />
Sem maiores digressões, o ato administrativo que excluiu o paciente do serviço ativo<br />
rompeu sua incorporação ao Exército Brasileiro ou, em outras palavras, suprimiu-lhe a condição<br />
<strong>de</strong> militar.<br />
É certo que a lei adjetiva castrense <strong>de</strong>termina a exclusão do <strong>de</strong>sertor, mas apenas após<br />
a consumação do <strong>de</strong>lito, consoante art. 456, § 4º:<br />
“Art. 456 (...)<br />
§ 4º Consumada a <strong>de</strong>serção <strong>de</strong> praça especial ou praça sem estabilida<strong>de</strong>, será ela<br />
imediatamente excluída do serviço ativo. Se praça estável, será agregada, fazendo-se,<br />
em ambos os casos, publicação, em boletim ou documento equivalente, do termo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>serção e remetendo-se, em seguida, os autos à auditoria competente.”<br />
Para reforçar o argumento, recorre-se também à Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos militares)<br />
que, em seu artigo 128, estabelece:<br />
“Art. 128. A <strong>de</strong>serção do militar acarreta interrupção do serviço militar, com a<br />
conseqüente <strong>de</strong>missão ex officio, para o oficial, ou a exclusão do serviço ativo, para a<br />
praça.<br />
(...)<br />
§ 2º A praça sem estabilida<strong>de</strong> assegurada será automaticamente excluída após<br />
oficialmente <strong>de</strong>clarada <strong>de</strong>sertora.”<br />
A lei, assim, suprime qualquer dúvida <strong>de</strong> que a consumação da <strong>de</strong>serção antece<strong>de</strong> o ato<br />
administrativo <strong>de</strong> exclusão do serviço ativo.<br />
E nem po<strong>de</strong>ria ser diferente, uma vez que a condição <strong>de</strong> militar é elementar do tipo<br />
<strong>de</strong>finido no art. 187 do Código Penal Militar.<br />
A condição <strong>de</strong> militar, no crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, <strong>de</strong>sempenha duplo papel: é elementar<br />
normativa do tipo <strong>de</strong> requisito para o exercício da pretensão punitiva, já que a lei exige a<br />
incorporação do <strong>de</strong>sertor para a propositura da ação penal.<br />
(...)<br />
Ocorre que está documentado, tanto na Parte Acusatória (fl. 9), quanto no Termo <strong>de</strong><br />
Deserção (fl. 10), que a ausência ocorreu no dia 11 <strong>de</strong> Janeiro. Supor que ela teria ocorrido<br />
antes representaria imputar prática <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica às autorida<strong>de</strong>s que lavraram tais<br />
documentos.<br />
É certo, contudo, que o paciente permanece ausente, sem licença, <strong>de</strong> sua organização<br />
militar, como atestou o Dr. Alceu Alves dos Santos, Juiz-auditor, em suas informações (fl. 17).<br />
(Fls. 51 a 53.)
822<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Nesse sentido, por exemplo, o seguinte julgado:<br />
Habeas corpus. Crime militar. Deserção. Art. 187 do Código Penal Militar. Prazo <strong>de</strong><br />
graça. Contagem.<br />
Não proce<strong>de</strong> o argumento <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> justa causa para a lavratura do termo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>serção do paciente, uma vez esclarecida a correta contagem do prazo <strong>de</strong> graça, realizada, a<br />
princípio, equivocadamente nos autos da instrução provisória <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção.<br />
Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(HC 87.213/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ <strong>de</strong><br />
6-11-06.)<br />
Na hipótese vertente, não se verifica, portanto, haver plausibilida<strong>de</strong> jurídica<br />
suficiente nos fundamentos expostos na impetração <strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>sconstituir o<br />
julgado proferido pelo Tribunal a quo no HC 2005.01.034011-4.<br />
Ante o exposto, <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 92.990/RS — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: An<strong>de</strong>rson<br />
Barcellos Athai<strong>de</strong>s. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior<br />
Tribunal Militar.<br />
Decisão: A Turma in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus. Unânime. Não<br />
participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 823<br />
HABEAS CORPUS 93.071 — RS<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Paciente: Jorge Martins da Silva — Impetrante: Defensoria Pública da<br />
União — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Habeas corpus. Penal. Aplicação da pena. Circunstância<br />
atenuante. Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação da pena abaixo do mínimo<br />
legal. Aplicação analógica do critério <strong>de</strong> exasperação da pena<br />
previsto no roubo circunstanciado pelo concurso <strong>de</strong> agentes para<br />
o furto qualificado. Impossibilida<strong>de</strong>. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
1. Como assentado em prece<strong>de</strong>ntes da Suprema Corte, a<br />
presença <strong>de</strong> atenuantes não po<strong>de</strong> levar a pena a ficar abaixo do<br />
mínimo, e a <strong>de</strong> agravantes também não po<strong>de</strong> levar a pena a ficar<br />
acima do máximo previsto no tipo penal básico ou qualificado.<br />
2. Não é possível a aplicação, por analogia, do critério <strong>de</strong><br />
exasperação da pena previsto no roubo circunstanciado pelo concurso<br />
<strong>de</strong> agentes (1/3 sobre a pena do roubo simples) para o furto<br />
qualificado em razão da norma expressa no § 4º do art. 155 do<br />
Código Penal. A analogia pressupõe, para o seu uso, uma lacuna<br />
involuntária (art. 4º da LICC), ausente no caso.<br />
3. Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, in<strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado pela Defensoria Pública da União em favor <strong>de</strong> Jorge Martins da Silva,<br />
buscando seja fixada a pena-base em patamar inferior ao mínimo legal e, bem assim,<br />
seja aplicado ao furto qualificado pelo concurso <strong>de</strong> agentes o mesmo critério<br />
<strong>de</strong> exacerbação da pena previsto para o roubo circunstanciado pelo concurso <strong>de</strong><br />
agentes.<br />
Aponta como autorida<strong>de</strong> coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, que, no julgamento do REsp 916.977/RS, Relator o Ministro Carlos Fernando<br />
Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), não admitiu a fixação da<br />
pena aquém do mínimo legal em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstância atenuante e, além disso,
824<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
afirmou que o aumento da pena <strong>de</strong>corrente do concurso <strong>de</strong> agentes, no furto, não<br />
po<strong>de</strong>ria ser calculado, por analogia, <strong>de</strong> acordo com os parâmetros previstos para<br />
o roubo caracterizado pela mesma circunstância.<br />
Alega a Impetrante, no que se refere à fixação da pena abaixo do mínimo<br />
legal, que:<br />
(...) a jurisprudência em tela emprega o princípio da legalida<strong>de</strong> para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar, e<br />
por que não dizer restringir, o princípio da individualização da pena. Tal expediente se mostra<br />
completamente ina<strong>de</strong>quado, já que o princípio da legalida<strong>de</strong> encontra-se <strong>de</strong>ntro do Título referente<br />
aos Direitos e Garantias Fundamentais, não po<strong>de</strong>ndo se prestar a prejudicar o cidadão.<br />
Assim, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar circunstâncias atenuantes, sob o argumento da exigência <strong>de</strong> se<br />
obe<strong>de</strong>cer o mínimo previsto na lei, não encontra respaldo no princípio constitucional da legalida<strong>de</strong><br />
e, ao contrário, fere frontalmente o princípio da individualização da pena.<br />
No campo infraconstitucional, o art. 65 do Código Penal regula a matéria da seguinte<br />
forma (sem <strong>de</strong>staque no original):<br />
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:<br />
Como se vê, tal regra é imperativa, o que significa dizer que, uma vez presente qualquer<br />
das circunstâncias <strong>de</strong>scritas no referido artigo, a redução da pena-base fixada não é mera<br />
faculda<strong>de</strong>, é imposição.<br />
(...)<br />
A<strong>de</strong>mais, salienta-se que não há disposição constitucional ou legal que impeça a fixação<br />
da pena, na segunda etapa <strong>de</strong> sua aplicação, abaixo da cominação mínima, em razão da<br />
existência <strong>de</strong> circunstâncias atenuantes.<br />
Na verda<strong>de</strong>, o que tem justificado tal postura é a tradição <strong>de</strong> se aplicar, <strong>de</strong>ssa forma, o<br />
método trifásico <strong>de</strong> dosimetria da pena.<br />
Contudo, a restrição merece ser imediatamente extirpada <strong>de</strong> nossa jurisprudência, pois<br />
do contrário se estaria admitindo, em última análise, o costume como fonte do nosso direito<br />
penal e, por pior, na formulação <strong>de</strong> regras agravantes para os réus.<br />
Não se po<strong>de</strong> admitir, por exemplo, que co-réus tenham a pena base fixada no mínimo<br />
legal e, havendo um <strong>de</strong>les com atenuantes a seu favor, essas não sejam consi<strong>de</strong>radas na aplicação<br />
<strong>de</strong> sua pena. Ou ainda, que um dos co-réus tenha a pena-base fixada no mínimo legal e<br />
o outro um pouco acima e, havendo atenuantes para ambos, que sejam consi<strong>de</strong>radas apenas<br />
para um <strong>de</strong>les, com o fito <strong>de</strong> baixar-lhe a pena para o mínimo legal. E tudo isso sem que haja<br />
<strong>de</strong>terminação expressa da lei nesse sentido, mas apenas por que se costuma fazer assim.<br />
Hipóteses como essas mostram não só a falta <strong>de</strong> justiça da jurisprudência vigente,<br />
mas também a sua ilegalida<strong>de</strong> e inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
(Fls. 4 a 6.)<br />
No que diz respeito à pretendida analogia com o crime <strong>de</strong> roubo circunstanciado,<br />
a Impetrante, reproduzindo as alegações da Defensoria Pública do Estado<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, sustenta que:<br />
O roubo qualificado pelo concurso <strong>de</strong> agentes é apenado com o aumento expressivamente<br />
menor daquele previsto para o furto qualificado pela mesma circunstância legal. Ambos<br />
são <strong>de</strong>litos contra o patrimônio e a técnica legislativa não po<strong>de</strong> se sobrepor aos princípios da<br />
isonomia, da humanida<strong>de</strong> e da proporção da pena, todos imperativos frente ao sistema legal<br />
vigente.<br />
Se algum dispositivo legal represente menos gravame ao réu, especificamente em crimes<br />
assemelhados, sua aplicação é justificada. O aresto, em absoluta harmonia com o que já<br />
foi <strong>de</strong>cidido por esse Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, aplicou a lei <strong>de</strong> forma mais benigna, bem<br />
como estabeleceu cumprimento menos rigoroso à sanção carcerária imposta, <strong>de</strong>vendo assim<br />
incidir sem restrições.
R.T.J. — <strong>204</strong> 825<br />
O texto da Carta Magna não veda a interpretação dos dispositivos legais, ainda<br />
que <strong>de</strong> forma diversa da capitulação legal, quando em benefício da situação jurídica do réu,<br />
especialmente se este restar con<strong>de</strong>nado e a medida vier ao encontro da humanização da pena<br />
imposta.<br />
(Fl. 6/verso.)<br />
Ao final, requer “a concessão <strong>de</strong> medida liminar, que se requer seja ao<br />
final confirmada, para que seja reconhecida a possibilida<strong>de</strong> da redução da<br />
pena-base aquém do mínimo legal, bem como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação<br />
ao furto qualificado da majorante do roubo circunstanciado, anulando-se<br />
o acórdão proferido pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e restabelecendo-se, por<br />
conseqüência, o acórdão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.”<br />
A liminar foi in<strong>de</strong>ferida (fls. 79 a 85).<br />
As informações foram prestadas à fl. 97.<br />
O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Edson Oliveira <strong>de</strong> Almeida, opinou pelo in<strong>de</strong>ferimento do<br />
writ (fls. 101 a 104).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O Paciente foi con<strong>de</strong>nado pela<br />
5ª Vara Criminal da Comarca <strong>de</strong> Porto Alegre à pena <strong>de</strong> 1 ano <strong>de</strong> reclusão e 5<br />
dias-multa, em regime semi-aberto, pela prática do crime previsto no art. 155, § 4º,<br />
inciso IV (furto qualificado pelo concurso <strong>de</strong> agentes), na sua forma tentada (fls.<br />
67 a 71).<br />
O Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em apelação, reduziu a pena para 4 meses <strong>de</strong> reclusão,<br />
a ser cumprida em regime aberto, aos seguintes fundamentos:<br />
(...)<br />
Portanto, no mérito, é <strong>de</strong> ser mantida a con<strong>de</strong>nação.<br />
Quanto ao apenamento, reparos, com a <strong>de</strong>vida vênia do competente magistrado <strong>de</strong><br />
primeiro grau, vão feitos.<br />
Bem reconhecida a qualificadora do concurso <strong>de</strong> agentes, pela mesma carga informativa<br />
da prova produzida.<br />
Todavia, para efeito <strong>de</strong> fixação da pena, consi<strong>de</strong>ra-se a posição da Câmara a respeito da<br />
qualificação técnica em espécie, vez que, resumida no excerto abaixo, esta unida<strong>de</strong> mantém<br />
simetria sancionatória entre a qualificadora e a majorante do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> roubo, verbis:<br />
“(...) Em se tratando <strong>de</strong> furto qualificado pelo concurso <strong>de</strong> agentes a pena a<br />
ser aplicada, por entendimento <strong>de</strong>ssa Câmara, é a do furto com a majoração do roubo<br />
<strong>de</strong> 1/3 à meta<strong>de</strong>. Certo que o apenamento <strong>de</strong>ve a<strong>de</strong>quar-se ao princípio da isonomia<br />
e, por isto, fazer incidir apenas o valor da majoração prevista para o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> roubo”<br />
(Apelação Crime Nº 70012981163.)<br />
Deflui daí e mantida a simetria com a respeitável sentença, fixo a pena-base em um (1)<br />
ano <strong>de</strong> reclusão.<br />
Reconhecidas as atenuantes da menorida<strong>de</strong>, reduz-se a pena para seis (6) meses <strong>de</strong><br />
reclusão.
826<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Quanto a aplicação do efeito agravante reincidência é posição consolidada <strong>de</strong>sta Câmara<br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a reincidência como efeito agravante, transcrevo aqui ementa da AC n.º<br />
70002808780, on<strong>de</strong> assim me manifestei:<br />
“Ementa. Reincidência. Fracasso teleológico do Estado. Não reconhecimento<br />
da agravante. Refletir sobre a reincidência é remeter a questão para a discussão, sempre<br />
presente, a respeito da função da pena e, se assim fizermos, <strong>de</strong>vemos relacioná-la<br />
com o indivíduo, ou seja, àquele a quem a aplicação da sanção atinge. A pena tem como<br />
objetivo a recuperação do agente. Trata-se, em tese, <strong>de</strong> aplicar medidas orientadas para<br />
a ressocialização do <strong>de</strong>linqüente e, por óbvio, significa mais que evitar simplesmente<br />
a reincidência. O cumprimento da sanção, para realizar seu conteúdo teleológico,<br />
<strong>de</strong>veria, por exemplo, resultar em preparação profissional, ensinar a fazer uso do ócio<br />
<strong>de</strong> uma forma construtiva, educar, melhorar as relações pessoais e <strong>de</strong>spertar a consciência<br />
sócio-axiológico. Mas a pena é um mal-necessário. (...) Etiologicamente, então,<br />
i<strong>de</strong>ntifica-se, como <strong>de</strong>terminantes da reincidência fatores sociais ou endogenamente<br />
criminogênicos, que não são alcançados pela pena. E se a sanção não po<strong>de</strong> cumprir sua<br />
função, qual a razão do acréscimo pela reincidência? (...) A pena é um mal-necessário.<br />
A reincidência não. Sem função teleológica, sem aplicação a agravante. Nada a justifica.<br />
Recurso provido parcialmente para excluir do apenamento as parcelas da consumação<br />
e da reincidência.”<br />
Afasta-se a exasperante genérica.<br />
Presente a qualificadora do concurso <strong>de</strong> agentes, vai a pena exasperada – pelo critério<br />
supra referido –, em um terço, para alcançar 8 (oito) meses <strong>de</strong> reclusão.<br />
Reconhecida a tentativa, reduz-se na mesma proporção da sentença (meta<strong>de</strong>), para tornála<br />
<strong>de</strong>finitiva em quatro meses <strong>de</strong> reclusão. Sem razão a <strong>de</strong>fesa na busca <strong>de</strong> maior ampliação<br />
da redução, vez que compatível com o percurso do iter criminis, critério aceito pacificamente<br />
pela doutrina e jurisprudência.<br />
A pena pecuniária vai mantida, eis que não foi motivo <strong>de</strong> irresignação ministerial.<br />
Ressalta-se que a fixada está abaixo do mínimo legal, pois <strong>de</strong>terminada em cinco dias-multa.<br />
Fixo como regime carcerário inicial para o cumprimento <strong>de</strong> pena o inicialmente aberto.<br />
(Fls. 61 a 63.)<br />
O Ministério Público estadual interpôs, então, recurso especial perante o<br />
Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que foi provido para restabelecer a sentença monocrática,<br />
cuja ementa se <strong>de</strong>u nos seguintes termos:<br />
Penal. Processual. Recurso especial. Furto qualificado. Concurso <strong>de</strong> pessoas. Aplicação<br />
analógica da causa <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> pena prevista para o roubo. Não admissível. Circunstância<br />
atenuante. Redução da pena aquém do mínimo legal. Impossibilida<strong>de</strong>. Súmula 231/STJ.<br />
Recurso provido.<br />
Havendo previsão normativa <strong>de</strong> qualificação do crime <strong>de</strong> furto praticado em concurso<br />
<strong>de</strong> pessoas (CP, art. 155, § 4º, IV), não se revela possível a aplicação, por analogia, da norma<br />
do art. 157, § 2º, II, que trata da causa <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> pena no crime <strong>de</strong> roubo praticado em<br />
concurso <strong>de</strong> pessoas.<br />
De acordo com a Súmula n.º 231 do STJ não se tem admitido a redução da pena aquém<br />
do mínimo legal em face <strong>de</strong> circunstância atenuante.<br />
Recurso especial provido.<br />
(Fl. 17.)<br />
A pretensão <strong>de</strong>duzida no sentido <strong>de</strong> se autorizar a incidência <strong>de</strong> circunstâncias<br />
atenuantes para fixação da pena abaixo do mínimo legal não encontra<br />
amparo na jurisprudência predominante da Suprema Corte.<br />
Uma característica fundamental das circunstâncias judiciais, atenuantes e<br />
agravantes, é a <strong>de</strong> que sua aplicação <strong>de</strong>ve estar sempre <strong>de</strong>ntro dos limites mínimo
R.T.J. — <strong>204</strong> 827<br />
e máximo da pena abstratamente cominada. Assim, a presença <strong>de</strong> atenuantes não<br />
po<strong>de</strong> levar a pena a ficar abaixo do mínimo, e a <strong>de</strong> agravantes também não po<strong>de</strong><br />
levar a pena a ficar acima do máximo previsto no tipo penal básico ou qualificado.<br />
Nesse sentido, os seguintes prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Corte:<br />
Habeas corpus – Protesto por novo júri – Pena resultante do concurso material <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
– Inadmissibilida<strong>de</strong> – Circunstâncias atenuantes – Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução da pena<br />
abaixo do mínimo legal – Pedido in<strong>de</strong>ferido. (...) O juiz não po<strong>de</strong>, mesmo consi<strong>de</strong>rando as<br />
diversas circunstâncias atenuantes genéricas (a menorida<strong>de</strong> do réu, inclusive), fixar a sanção<br />
penal <strong>de</strong>finitiva em limite abaixo do mínimo legalmente autorizado. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
(HC 70.883/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 24-6-94.)<br />
Habeas corpus. Paciente con<strong>de</strong>nado em dois processos por roubo qualificado, não<br />
havendo as <strong>de</strong>cisões, consi<strong>de</strong>rada a circunstância <strong>de</strong> sua menorida<strong>de</strong> à data dos fatos.<br />
(...)<br />
3. Estabelecida a pena no mínimo correspon<strong>de</strong>nte à espécie, nenhum constrangimento<br />
reparável em habeas corpus cabe fazer à <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória, em face da menorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 21<br />
anos à data do crime. A atenuante, no caso, não po<strong>de</strong> ter o condão <strong>de</strong> reduzir a pena abaixo<br />
do mínimo.<br />
(HC 73.717/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ <strong>de</strong> 11-10-96.)<br />
(...) Pena – Circunstância legal – Menorida<strong>de</strong> – Limite. A consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> atenuante<br />
não po<strong>de</strong> conduzir a fixação da pena em quantitativo inferior ao mínimo previsto para o tipo,<br />
ao contrário do que ocorre com as causas <strong>de</strong> diminuição.<br />
(HC 73.924/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ <strong>de</strong> 20-9-96.)<br />
A<strong>de</strong>mais, o raciocínio da Impetrante, se fosse aplicado, teria <strong>de</strong> alcançar<br />
também as agravantes, que po<strong>de</strong>riam, então, levar à fixação da pena acima do<br />
máximo previsto no tipo penal básico ou qualificado, o que, a meu sentir, seria<br />
um absurdo.<br />
No que concerne à aplicação, por analogia, do critério <strong>de</strong> exasperação da<br />
pena previsto no roubo circunstanciado pelo concurso <strong>de</strong> agentes (1/3 sobre a pena<br />
do roubo simples) para o furto qualificado pelo concurso <strong>de</strong> agentes, verifico que<br />
também não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conce<strong>de</strong>r a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus. É que a<br />
pretensão formulada vai <strong>de</strong> encontro ao próprio texto do § 4º do art. 155 do Código<br />
Penal, que prevê pena mínima e máxima para o furto qualificado.<br />
Conforme ressaltou o Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson<br />
Oliveira <strong>de</strong> Almeida, em seu parecer, que ora adoto como razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir,<br />
“a qualificadora do § 4º, do art. 155, do CP, não se confun<strong>de</strong>, em seus efeitos,<br />
com a majorante do § 2º, do art. 157, do CP. Existindo na norma penal vigente<br />
dispositivo legal <strong>de</strong>finindo o quantum <strong>de</strong> pena a ser aplicado ao crime <strong>de</strong> furto<br />
qualificado pelo concurso <strong>de</strong> agentes, torna-se inviável a aplicação analógica do<br />
aumento <strong>de</strong> pena previsto no art. 157, § 2º, CP, sob pena <strong>de</strong> ofensa ao princípio da<br />
legalida<strong>de</strong>. A analogia pressupõe, para o seu uso, uma lacuna involuntária (art. 4º<br />
da LICC), o que não acorre no caso. Portanto, a plena incidência do art. 155, § 4º,<br />
do CP, não importa violação aos princípios da proporcionalida<strong>de</strong> e da isonomia,<br />
tendo em vista o tratamento diferenciado conferido pelo legislador ordinário ao
828<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
concurso <strong>de</strong> agentes, elevando-o à condição <strong>de</strong> qualificadora no furto e <strong>de</strong> majorante<br />
no roubo. Assim sendo, em obediência ao princípio da reserva legal, não<br />
cabe ao julgador criar figuras <strong>de</strong>litivas ou aplicar penas que o legislador não haja<br />
<strong>de</strong>terminado” (fl. 103).<br />
Ante o exposto, <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 93.071/RS — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Jorge Martins<br />
da Silva. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus. Unânime. Não<br />
participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 829<br />
HABEAS CORPUS 93.262 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Paciente: Alexandre Rockfeller Ferreira da Cruz — Impetrante: Geverson<br />
Freitas dos Santos — Coator: Relator do Habeas Corpus 95.318 do Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Habeas corpus. Impetração contra <strong>de</strong>cisão liminar do Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Ausência <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> flagrante.<br />
Incidência da Súmula 691/<strong>STF</strong>.<br />
1. Só se admite o abrandamento da Súmula 691/<strong>STF</strong> nas<br />
hipóteses excepcionais em que seja premente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento<br />
ilegal ou em que a negativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão concessiva <strong>de</strong><br />
medida liminar pelo Tribunal Superior importe a caracterização<br />
ou a manutenção <strong>de</strong> situação manifestamente contrária à jurisprudência<br />
da Suprema Corte.<br />
2. O <strong>de</strong>scontentamento pela falta <strong>de</strong> êxito no pleito submetido<br />
ao Tribunal a quo, sem julgamento <strong>de</strong>finitivo, não po<strong>de</strong> ensejar<br />
o conhecimento <strong>de</strong>sta ação, sob pena supressão <strong>de</strong> instância e<br />
<strong>de</strong> grave violação das regras <strong>de</strong> competência.<br />
3. Habeas corpus não conhecido.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco<br />
Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, não conhecer do pedido <strong>de</strong> habeas corpus.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado pelo advogado Geverson Freitas dos Santos em favor <strong>de</strong> Alexandre<br />
Rockfeller Ferreira Cruz, buscando o <strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> liminar para “conce<strong>de</strong>r liberda<strong>de</strong><br />
provisória, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> fiança expedindo-se o competente<br />
alvará <strong>de</strong> soltura”. No mérito, pe<strong>de</strong> “que seja tornada <strong>de</strong>finitiva essa medida<br />
até o trânsito em julgado da r. sentença (...)” (fl. 47 – grifos no original).<br />
Aponta como autorida<strong>de</strong> coatora o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,<br />
Relator do HC 95.318/SP, do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que in<strong>de</strong>feriu o pedido<br />
<strong>de</strong> liminar formulado no habeas corpus impetrado naquele Tribunal com idêntico<br />
objetivo ao do presente.
830<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Sustenta o Impetrante não ser a hipótese <strong>de</strong> incidência do verbete da Súmula<br />
691 do <strong>STF</strong>, em razão da “total falta <strong>de</strong> fundamentação para a manutenção<br />
da prisão cautelar, tendo em vista que os <strong>de</strong>spachos (...), o v. acórdão proferido<br />
pelo Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo (...), assim como o r. <strong>de</strong>spacho<br />
(...) que in<strong>de</strong>feriu a medida urgente requerida no habeas corpus 95.318/SP<br />
impetrado perante o Egrégio Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça não estão <strong>de</strong>vidamente<br />
fundamentados” (fl. 4 – grifo no original).<br />
No mais, alega, em síntese, a ausência <strong>de</strong> fundamentos concretos para a<br />
manutenção da prisão em flagrante do Paciente, <strong>de</strong>terminada na sentença <strong>de</strong><br />
pronúncia.<br />
O pedido <strong>de</strong> liminar foi in<strong>de</strong>ferido às fls. 134 a 136.<br />
A autorida<strong>de</strong> impetrada prestou informações (fl. 141).<br />
O Impetrante pediu reconsi<strong>de</strong>ração da <strong>de</strong>cisão in<strong>de</strong>feritória da liminar (fls.<br />
147 a 155). Em 7-2-08, in<strong>de</strong>feri o pedido e <strong>de</strong>terminei vista ao Ministério Público<br />
Fe<strong>de</strong>ral (fl. 156).<br />
O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira <strong>de</strong> Almeida,<br />
opinou pelo não-conhecimento do writ (fls. 158/159).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Consta, nos autos, ter o Paciente<br />
sido <strong>de</strong>nunciado pela prática <strong>de</strong> homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I e<br />
IV, do Código Penal) e por dupla tentativa <strong>de</strong> homicídio qualificado (art. 121, § 2º,<br />
inciso V, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal), conforme narra a <strong>de</strong>núncia às fls.<br />
64 a 69. A pronúncia se <strong>de</strong>u apenas quanto à dupla tentativa <strong>de</strong> homicídio.<br />
Alega o Impetrante ter pleiteado, durante a instrução criminal, a liberda<strong>de</strong><br />
provisória do Paciente, in<strong>de</strong>ferida apenas com base na gravida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito, o que<br />
foi confirmado com o in<strong>de</strong>ferimento na sentença <strong>de</strong> pronúncia (fl. 23).<br />
Contra o in<strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória, foi impetrado<br />
habeas corpus no Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong>negado, por unanimida<strong>de</strong>,<br />
pela 14ª Câmara do 7º Grupo da Seção Criminal daquele Tribunal (fls. 55 a 59).<br />
Com o mesmo objetivo, impetrou habeas corpus no Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, tendo a liminar sido in<strong>de</strong>ferida pelo Ministro Napoleão Nunes Maia<br />
Filho, em 19-11-07 (fl. 62).<br />
Alegando constrangimento ilegal <strong>de</strong>vido a prisão do Paciente, preso <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
11-11-06, não estar fundamentada em elementos concretos para tanto, impetrou<br />
o presente habeas corpus.<br />
Como se vê, trata-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão in<strong>de</strong>feritória <strong>de</strong> liminar, <strong>de</strong>vendo incidir,<br />
na espécie, a Súmula 691 <strong>de</strong>sta Corte, segundo a qual “não compete ao Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conhecer <strong>de</strong> habeas corpus impetrado contra <strong>de</strong>cisão do Relator<br />
que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, in<strong>de</strong>fere a liminar”.
R.T.J. — <strong>204</strong> 831<br />
É certo que a jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte tem admitido o abrandamento da<br />
súmula, para admitir a impetração <strong>de</strong> habeas corpus quando os autos <strong>de</strong>monstrarem<br />
ser hipótese <strong>de</strong> flagrante ilegalida<strong>de</strong>, abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou teratologia. Não<br />
é o que se tem na espécie.<br />
Efetivamente, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus não merece ser conhecida, consi<strong>de</strong>rada<br />
o verbete da Súmula 691 <strong>de</strong>sta Corte, cabendo reproduzir aqui as seguintes<br />
passagens das <strong>de</strong>cisões que in<strong>de</strong>feriram os pedidos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória e<br />
da sentença <strong>de</strong> pronúncia.<br />
O primeiro pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória foi assim in<strong>de</strong>ferido pela Juíza<br />
<strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> 1º grau:<br />
Não há que se falar, por ora, na concessão da benesse pretendida pela Defesa, pois,<br />
apesar das condições pessoais do acusado lhe serem favoráveis, é oportuno aguardar o início<br />
da instrução para que se possa, com a obtenção <strong>de</strong> mais elementos <strong>de</strong> convicção, fazer um<br />
análise mais <strong>de</strong>talhada sobre eventual participação do acusado no crime e qual o grau <strong>de</strong> risco<br />
efetivo o acusado representa para a or<strong>de</strong>m pública, se colocado em liberda<strong>de</strong>. Por ora, o que<br />
se tem, a par da negativa do acusado, é que ele conhecia a vítima, apesar <strong>de</strong> ter negado isso<br />
num primeiro momento; que ele não tinha dinheiro na carteira e que estava no veículo <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
partiram tiros contra os policiais civis que o perseguiam. Nenhuma notícia <strong>de</strong> que o réu tenha<br />
sido forçado a a<strong>de</strong>ntrar o automóvel foi ofertada, a não ser a apresentada pelo próprio acusado.<br />
Assim, mostra-se prematura a soltura do acusado neste momento processual, não só<br />
porque sua presença na audiência, para fins <strong>de</strong> reconhecimento pessoal, é extremamente relevante,<br />
mas também porque uma das testemunhas afirmou que um dos envolvidos no crime<br />
voltou rapidamente ao local dos fatos e disse “ninguém viu nada”, evi<strong>de</strong>nciando a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> retaliações contra aqueles que vierem a <strong>de</strong>por em juízo.<br />
Diante disso, in<strong>de</strong>firo o pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória <strong>de</strong> fls. 155/159 para garantia da<br />
or<strong>de</strong>m pública e conveniência da instrução criminal.<br />
(Fl. 51.)<br />
Reiterado o pedido, foi novamente in<strong>de</strong>ferido com o seguinte fundamento:<br />
(...)<br />
2. In<strong>de</strong>firo o pedido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória formulado às fls. 172/178, nos termos da<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fls. 169, já que nenhuma alteração fática ocorreu após a sua prolação.<br />
(Fl. 52.)<br />
Anoto que a sentença <strong>de</strong> pronúncia manteve a prisão cautelar do ora Paciente<br />
porque ainda caracterizados os fundamentos para tanto, ressaltando a Juíza<br />
<strong>de</strong> Direito, expressamente, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantia a or<strong>de</strong>m pública, não em<br />
razão da hedion<strong>de</strong>z do crime praticado, mas pela gravida<strong>de</strong> dos fatos narrados na<br />
<strong>de</strong>núncia, que bem <strong>de</strong>monstram a personalida<strong>de</strong> do Paciente e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mantê-lo segregado para que assim não volte a <strong>de</strong>linqüir. Outro fundamento foi<br />
a conveniência da instrução criminal, para assegurar a intimação do acusado da<br />
sentença <strong>de</strong> pronúncia e garantir a realização do julgamento perante o Tribunal<br />
do Júri, nos seguintes termos:<br />
(...) <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r ao acusado o direito <strong>de</strong> recorrer em liberda<strong>de</strong>, por estar evi<strong>de</strong>nciado<br />
cabalmente o risco à or<strong>de</strong>m pública, bem como a aplicação da lei penal, a ensejar a<br />
manutenção da prisão provisória do réu, razão pela qual me reporto às <strong>de</strong>cisões proferidas a<br />
fls. 169 e 185.
832<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A propósito da necessida<strong>de</strong> da prisão cautelar importa <strong>de</strong>stacar ter o réu sido preso em<br />
flagrante, existindo indícios suficientes <strong>de</strong> autoria a apontar a participação em crimes contra a<br />
vida <strong>de</strong> extrema gravida<strong>de</strong>, inclusive com atentados contra a vida <strong>de</strong> policiais civis no exercício<br />
<strong>de</strong> seu labor, a <strong>de</strong>notar a periculosida<strong>de</strong> do acusado.<br />
Destarte, prolatada a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> pronúncia, imperiosa se mostra a manutenção do acusado<br />
no cárcere, para garantia <strong>de</strong> sua intimação pessoal do <strong>de</strong>cisório, bem como para assegurar a realização<br />
do julgamento a fim <strong>de</strong> que o réu responda pela prática <strong>de</strong> crime hediondo.<br />
(Fl. 69.)<br />
Assim, legítimos os fundamentos apresentados nas sucessivas <strong>de</strong>cisões que<br />
antece<strong>de</strong>ram a sentença <strong>de</strong> pronúncia, <strong>de</strong>vendo aos fundamentos <strong>de</strong>sta se somar,<br />
justificando, <strong>de</strong>sse modo, a manutenção da prisão do Paciente. Nesse sentido, o<br />
seguinte julgado:<br />
Penal. Processual penal. Habeas corpus. Homícidio duplamente qualificado. Art. 121,<br />
§ 2º, I e IV, c/c os arts. 61, I e II, e 70, caput, todos do Código Penal. Prisão preventiva. Condições<br />
pessoais favoráveis. Art. 408, § 2º, do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Constrangimento<br />
inexistente. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada. I – A aplicação do art. 408, § 2º, do Código <strong>de</strong> Processo Penal<br />
ce<strong>de</strong> lugar em face da presença <strong>de</strong> pressupostos da prisão preventiva. II – A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> pronúncia<br />
que remete os argumentos que lastreiam a manutenção da segregação cautelar a outras<br />
<strong>de</strong>cisões não ofen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> fundamentação, mas vincula sua licitu<strong>de</strong> àquelas. III – Necessida<strong>de</strong><br />
da prisão preventiva concretamente <strong>de</strong>monstrada. IV – Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
(HC 91.590/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ <strong>de</strong><br />
19-10-07.)<br />
Dessa forma, não vejo como afastar a incidência da Súmula 691 <strong>de</strong>sta<br />
Suprema Corte no presente caso, pois não evi<strong>de</strong>nciado nos autos flagrante ilegalida<strong>de</strong>,<br />
abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou teratologia. Sobre esse entendimento, trago o seguinte<br />
julgado:<br />
Habeas corpus. Processual penal. Impetração contra <strong>de</strong>cisão que in<strong>de</strong>feriu liminar<br />
no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: supressão <strong>de</strong> instância: incidência da Súmula 691 do<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Excepcionalida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>monstrada. Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
1. Não vislumbrando manifesto constrangimento ilegal, inci<strong>de</strong>, na espécie, a Súmula 691<br />
<strong>de</strong>ste Supremo Tribunal (“Não compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conhecer <strong>de</strong> habeas<br />
corpus impetrado contra <strong>de</strong>cisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior,<br />
in<strong>de</strong>fere a liminar”). Prece<strong>de</strong>ntes. 2. No <strong>de</strong>creto da prisão preventiva se tem presente, <strong>de</strong><br />
forma fundamentada, circunstância grave e comprovada necessida<strong>de</strong> da segregação cautelar<br />
do Paciente, evi<strong>de</strong>nciando a conveniência da medida constritiva. 3. Há lesão à or<strong>de</strong>m pública<br />
quando os fatos noticiados nos autos são <strong>de</strong> extrema gravida<strong>de</strong> e causa insegurança jurídica à<br />
manutenção da liberda<strong>de</strong> do Paciente. 4. Habeas corpus <strong>de</strong>negado.<br />
(HC 90.515/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ <strong>de</strong> 10-<br />
8-07.)<br />
É certo que a gravida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito e a menção genérica dos requisitos do art.<br />
312 do Código <strong>de</strong> Processo Penal não servem, por si sós, <strong>de</strong> fundamentos para<br />
a <strong>de</strong>cretação da prisão preventiva, mas o que se tem nos autos não afasta os fundamentos<br />
expostos nas várias <strong>de</strong>cisões que in<strong>de</strong>feriram os pedidos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
provisória, os quais foram apontados também na sentença <strong>de</strong> pronúncia, como<br />
necessários à manutenção da prisão do Paciente.
R.T.J. — <strong>204</strong> 833<br />
O <strong>de</strong>scontentamento pela falta <strong>de</strong> êxito no pleito submetido ao Tribunal a<br />
quo, ainda sem julgamento <strong>de</strong>finitivo, não po<strong>de</strong> ensejar o conhecimento <strong>de</strong>sta ação,<br />
sob pena supressão <strong>de</strong> instância e <strong>de</strong> grave violação das regras <strong>de</strong> competência.<br />
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 93.262/SP — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Alexandre<br />
Rockfeller Ferreira da Cruz. Impetrante: Geverson Freitas dos Santos. Coator:<br />
Relator do Habeas Corpus 95.318 do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma não conheceu do pedido <strong>de</strong> habeas corpus. Unânime.<br />
Não participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
834<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
HABEAS CORPUS 93.415 — DF<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Paciente: José Eustáquio Meira da Silva — Impetrante: Francisco <strong>de</strong> Assis<br />
Evangelista — Coator: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
Habeas corpus. Processo penal. Citação por edital. Esgotamento<br />
dos outros meios <strong>de</strong> citação legalmente previstos. Revelia.<br />
Advogado constituído na fase do inquérito policial. Intimação<br />
da Defensoria Pública para atuar na <strong>de</strong>fesa do réu. Nulida<strong>de</strong>.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
1. A citação ocorrida por edital, após diligências para localizar<br />
o réu no en<strong>de</strong>reço fornecido por ele na fase do inquérito<br />
policial e nos presídios da respectiva unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração, não<br />
é nula.<br />
2. A interpretação ampliativa do art. 266 do Código <strong>de</strong> Processo<br />
Penal autoriza concluir que antes <strong>de</strong> se confiar à Defensoria<br />
Pública o ônus <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o réu, <strong>de</strong>ve ser intimado a fazê-lo o<br />
advogado que o acompanhou durante o inquérito policial.<br />
3. Concedida a or<strong>de</strong>m para anular o processo penal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
oferecimento da <strong>de</strong>fesa prévia.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>ferir o pedido <strong>de</strong> habeas corpus, para anular o processo-crime <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a <strong>de</strong>fesa prévia, nos termos do voto do Relator.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, sem pedido <strong>de</strong> liminar,<br />
impetrado pelo advogado Francisco <strong>de</strong> Assis Evangelista em favor <strong>de</strong> José Eustáquio<br />
Meira da Silva, buscando a nulida<strong>de</strong> da citação por edital e o reconhecimento<br />
<strong>de</strong> que não houve intimação da <strong>de</strong>fesa para apresentar alegações finais ou,<br />
alternativamente, a exclusão da qualificadora por motivo fútil. Pugna, ainda, pela<br />
revogação da prisão preventiva a fim <strong>de</strong> que o Paciente possa apresentar-se em<br />
juízo e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se da acusação (fl. 14).<br />
Aponta como autorida<strong>de</strong> coatora a Quinta Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, que, no julgamento do HC 91.570/DF, Relatora a Ministra Jane Silva<br />
(Desembargadora Convocada), impetrado àquela Corte com objetivo idêntico ao<br />
perseguido nesta oportunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m (fl. 313 – apenso 2).
R.T.J. — <strong>204</strong> 835<br />
Alega, inicialmente, a nulida<strong>de</strong> da citação por edital, com o seguinte argumento:<br />
Consta, à fl. 14, o nome e en<strong>de</strong>reço do advogado do acusado. A citação por edital não<br />
po<strong>de</strong>ria ter-se dado sem que antes este tivesse sido intimado para informar o en<strong>de</strong>reço do<br />
Paciente.<br />
A citação por edital é subsidiária e somente po<strong>de</strong>rá ocorrer se o Réu não é encontrado.<br />
Em princípio essa circunstância <strong>de</strong>ve ser certificada pelo oficial <strong>de</strong> justiça. O acusado, porém,<br />
para ser consi<strong>de</strong>rado em lugar incerto e não sabido, <strong>de</strong>ve ser procurado em todos os en<strong>de</strong>reços<br />
constantes nos autos, inclusive o <strong>de</strong> seu trabalho, e não apenas no que indicou no interrogatório.<br />
(...)<br />
Assim, a citação editalícia <strong>de</strong>ve ser reputada nula, eis que não foram esgotados os<br />
meios disponíveis para concretização da citação real.<br />
(Fl. 7.)<br />
No que concerne à não-intimação da <strong>de</strong>fesa para apresentar as alegações<br />
finais, assevera o Impetrante que:<br />
A <strong>de</strong>fesa técnica – Defensoria Pública – não fora intimada para a apresentação <strong>de</strong> alegações<br />
finais. A intimação, <strong>de</strong> forma equivocada, se direcionou ao núcleo <strong>de</strong> prática jurídica<br />
do Ceub, que, inadvertidamente, apresentou alegações finais.<br />
(...)<br />
A <strong>de</strong>fesa preliminar e a instrução foram acompanhadas pela Defensoria Pública. As<br />
alegações finais interpostas pelo núcleo <strong>de</strong> prática jurídica do Ceub, sem, é bom que se frise,<br />
que a Defensoria Pública tenha sido intimada para a realização do ato. Posteriormente, a Defensoria<br />
Pública foi intimada da sentença <strong>de</strong> pronúncia.<br />
(...)<br />
O processo <strong>de</strong>ve, pois, ser anulado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que a Defensoria Pública<br />
<strong>de</strong>veria ter sido intimada para apresentação das alegações finais, cassando, assim, a r.<br />
sentença <strong>de</strong> pronúncia e remetendo-se os autos à Defensoria Pública para que apresente<br />
alegações <strong>de</strong>fensivas.<br />
(Fls. 8/9 – Grifos no original.)<br />
Sustenta, ainda, que “há <strong>de</strong> ser revogado o mandado <strong>de</strong> prisão em <strong>de</strong>sfavor<br />
do Paciente, permitindo-se que este compareça e <strong>de</strong>fenda-se da acusação que lhe<br />
é en<strong>de</strong>reçada. Cumpre <strong>de</strong>stacar que só agora o Paciente teve ciência da acusação,<br />
eis que na simplicida<strong>de</strong> do homem humil<strong>de</strong> pensou que os autos haviam sido<br />
arquivados, eis que agiu em legítima <strong>de</strong>fesa” (fl. 10).<br />
Sobre o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificação do motivo fútil, o Impetrante ressalta que:<br />
O órgão persecutor diz, a <strong>de</strong>núncia, que o fato se <strong>de</strong>u porque teria ocorrido <strong>de</strong>sentendimento<br />
entre a vítima e acusado, este queria fechar o bar e o acusado queria beber<br />
mais. Por isso teria o acusado atirado na vítima, vê-se a futilida<strong>de</strong> do motivo. A r. sentença<br />
<strong>de</strong> pronúncia acolheu o entendimento ministerial.<br />
Vê-se, no interrogatório policial, que a situação era diferente. O acusado é quem trabalhava<br />
no bar e pretendia fechar o estabelecimento e a vítima (não o acusado) é quem pretendia<br />
beber mais.<br />
Também restou evi<strong>de</strong>nciado no interrogatório policial que a vítima, em data pretérita<br />
dos fatos, já havia agredido o acusado, tendo, inclusive, lhe ameaçado <strong>de</strong> morte. (fl. 15). A<br />
vítima foi quem iniciou a agressão ao acusado. A dinâmica dos fatos restou bem <strong>de</strong>lineada às<br />
fls. 14/16 e no relatório <strong>de</strong> fls. 21/23.<br />
(...)
836<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Note-se que a “<strong>de</strong>fesa” in<strong>de</strong>vidamente conjugada entre a Defensoria Pública e<br />
o Uniceub não indicou a confusão que aqui se aponta, po<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong> tal circunstância,<br />
extrair-se a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> prejuízo reclamada pelo ilustre Procurador Geral e pelos<br />
eminentes julgadores das impetrações perante as instâncias inferiores.<br />
(...)<br />
Assim, a qualificadora do motivo fútil <strong>de</strong>ve ser extirpada da sentença <strong>de</strong> pronúncia,<br />
caso as preliminares acima ventiladas não sejam acolhidas. Vale, por fim, mencionar que não<br />
se precisa, para a constatação do equívoco, incursão na prova.<br />
(Fls. 11 a 14 – Grifos no original.)<br />
A autorida<strong>de</strong> apontada como coatora prestou informações às fls. 25 a 27.<br />
O ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Wagner Gonçalves opinou<br />
pelo não-conhecimento da impetração e, subsidiariamente, pelo seu in<strong>de</strong>ferimento<br />
(fls. 32 a 35).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O Paciente foi <strong>de</strong>nunciado pela<br />
prática, em tese, <strong>de</strong> homicídio qualificado porque, no dia 6-12-87, por volta das<br />
12 horas, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taguatinga/DF, teria disparado arma <strong>de</strong> fogo contra Paulo<br />
Sérgio <strong>de</strong> Lima, causando-lhe a morte. Narra a inicial acusatória que “o fato se<br />
<strong>de</strong>u porque teria ocorrido um <strong>de</strong>sentendimento entre a vítima e o acusado, este<br />
queria fechar o Bar e o acusado queria beber mais” (fl. 28 – apenso 1).<br />
Recebida a <strong>de</strong>núncia em 1º-3-89 (fl. 28 – apenso 1) e <strong>de</strong>terminada a citação<br />
do Réu no en<strong>de</strong>reço constante do inquérito policial, ele não foi encontrado pelo<br />
oficial <strong>de</strong> justiça (fl. 108 – apenso 1).<br />
Realizou-se, então, a sua intimação por edital (fl. 110 – apenso 1), tentandose,<br />
ainda, a sua localização em estabelecimentos penais do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (fls.<br />
111 a 120 – apenso 1). Infrutíferas essas diligências, foi <strong>de</strong>cretada a prisão preventiva<br />
do Réu (fl. 121 a 123 – apenso 1). O processo prosseguiu à revelia até a<br />
sentença <strong>de</strong> pronúncia em 24-11-97 (fls. 159 a 161). Nessa fase do sumário da<br />
culpa, atuaram pela <strong>de</strong>fesa: a Defensoria Pública do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, a Assistência<br />
Jurídica da OAB no Distrito Fe<strong>de</strong>ral e o Escritório Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Assistência<br />
Judiciária do Ceub.<br />
Em 27-7-07, foi impetrado o HC 2007.00.2.008700-7, no qual se alegou:<br />
1) que a citação editalícia era inválida porque não esgotadas as diligências disponíveis<br />
para a realização da citação pessoal; 2) que houve quebra da “unida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fensiva” (fl. 20 – apenso 1), porque o órgão que ofereceu a <strong>de</strong>fesa prévia e<br />
acompanhou a instrução não foi o mesmo que apresentou as alegações finais; e<br />
3) que a inclusão da qualificadora, motivo fútil, na pronúncia, não condiz com o<br />
que apurado no inquérito (fls. 16 a 25 – apenso 1).<br />
O Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios <strong>de</strong>negou a or<strong>de</strong>m em<br />
acórdão assim ementado:
R.T.J. — <strong>204</strong> 837<br />
Habeas corpus – Paciente <strong>de</strong>nunciado por homicídio qualificado – Nulida<strong>de</strong> do processo<br />
por vício na citação editalícia e pela falta <strong>de</strong> intimação da Defensoria Pública para<br />
apresentação das alegações finais – Ausência <strong>de</strong> vício. Afastamento da qualificadora – Decisão<br />
<strong>de</strong> pronúncia transitada em julgado – Exame <strong>de</strong> provas – Inadmissibilida<strong>de</strong>. Denegação<br />
da or<strong>de</strong>m.<br />
1. Não há que se falar em nulida<strong>de</strong> da citação por edital se o Réu foi procurado no<br />
en<strong>de</strong>reço por ele fornecido quando <strong>de</strong> seu interrogatório policial e lá não foi encontrado pelo<br />
Meirinho, que certificou que o mesmo estava em lugar incerto e não sabido, tendo o juízo a<br />
quo observado, a seguir, todas as cautelas recomendadas para a realização da citação editalícia,<br />
inclusive a verificação junto às penitenciárias do Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />
2. A apresentação <strong>de</strong> alegações finais pelo núcleo <strong>de</strong> prática jurídica <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
direito, ao invés <strong>de</strong> sê-lo por meio da Defensoria Pública, sem a alegação e comprovação <strong>de</strong><br />
qualquer prejuízo para o Réu, não acarreta a nulida<strong>de</strong> do processo.<br />
3. A valoração da prova ten<strong>de</strong>nte à verificação da procedência ou não da qualificadora<br />
do motivo fútil é mister incabível na estreita via do habeas corpus, o qual não comporta o<br />
exame aprofundado da prova, notadamente quando se observa que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> pronúncia já<br />
restou alcançada pelo trânsito em julgado.<br />
(Fl. 254 – apenso 2.)<br />
Irresignado, impetrou novo habeas corpus, <strong>de</strong>sta feita ao Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça, HC 91.570/DF, no qual reprisou os mesmos argumentos (fls. 2 a 14). A<br />
or<strong>de</strong>m foi <strong>de</strong>negada em acórdão cuja ementa se apresenta nos seguintes termos,<br />
conforme se po<strong>de</strong> extrair do sítio eletrônico daquela Corte:<br />
Habeas corpus – Homicídio qualificado – Nulida<strong>de</strong> – Citação por edital – Possibilida<strong>de</strong><br />
– Apresentação <strong>de</strong> alegações finais por outro órgão que não a Defensoria Pública – Súmula<br />
523, <strong>STF</strong> – Possibilida<strong>de</strong> – Exclusão <strong>de</strong> qualificadora – Impossibilida<strong>de</strong> – Revogação da<br />
custódia cautelar – Paciente foragido – Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
1 – A citação ocorrida por edital, após diligências para localizar o paciente no en<strong>de</strong>reço<br />
fornecido e nos presídios do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, não é nula.<br />
2 – Conforme a súmula 523, do <strong>STF</strong>, no processo penal, a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa constitui<br />
nulida<strong>de</strong> absoluta, mas a sua <strong>de</strong>ficiência só o anulará se houver prova <strong>de</strong> prejuízo para o réu.<br />
3 – Não comprovado o prejuízo sofrido pela <strong>de</strong>fesa em função da alegada nulida<strong>de</strong>, não<br />
há que se acolher a preliminar.<br />
4 – Apenas se admite a exclusão da qualificadora, nesta fase do processo, quando <strong>de</strong>monstrada<br />
sua absoluta improcedência, sem qualquer suporte nos autos.<br />
5 – Não é possível, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus, a incursão profunda nas provas dos autos.<br />
6 – A prisão cautelar <strong>de</strong>ve ser mantida, quando o paciente se encontra foragido, tendo<br />
sido o crime cometido há mais <strong>de</strong> vinte anos, com expedição e inúmeras reiterações frustradas<br />
do mandado <strong>de</strong> prisão, ao longo <strong>de</strong>ste tempo.<br />
7 – Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada.<br />
Na presente impetração, conforme se verifica a partir do relatório, o Impetrante<br />
agita mais uma vez os mesmos argumentos já rechaçados nas instâncias<br />
<strong>de</strong> origem.<br />
No que diz com a valida<strong>de</strong> da citação por edital, verifico que o pressuposto<br />
fático previsto nos arts. 361 e 362 – “se o réu não for encontrado” – está <strong>de</strong>vidamente<br />
confirmado nos autos.<br />
Observe-se que a citação pessoal foi tentada pelo oficial <strong>de</strong> justiça precisamente<br />
no en<strong>de</strong>reço indicado pelo Paciente por ocasião das <strong>de</strong>clarações que<br />
prestou perante a autorida<strong>de</strong> policial (fls. 39 a 41 – apenso 1). Essa circunstância,<br />
nos termos da jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, já é suficiente para afastar a nulida<strong>de</strong><br />
apontada.
838<br />
Nesse sentido:<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Habeas corpus. Crime militar imputado a civil. Roubo <strong>de</strong> um fuzil do quartel militar<br />
<strong>de</strong> Imperatriz/MA. Revelia. Con<strong>de</strong>nação a nove anos e um mês <strong>de</strong> reclusão. Nulida<strong>de</strong> do processo-crime<br />
por vício <strong>de</strong> citação e pela Constituição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor dativo ao Acusado. Revela-se<br />
lícita a citação por edital quando o Acusado é procurado e não é encontrado no único en<strong>de</strong>reço<br />
por ele próprio fornecido.<br />
(HC 88.334/PA, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJ <strong>de</strong> 16-3-07.)<br />
Habeas corpus. Ação penal. Citação. Réu procurado no en<strong>de</strong>reço fornecido na fase<br />
policial e não encontrado. Certidão negativa do oficial <strong>de</strong> justiça. Fé pública. Citação por edital.<br />
Ausência <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>. Defesa prévia e alegações finais apresentadas por <strong>de</strong>fensora dativa.<br />
Defesa formulada <strong>de</strong> forma sucinta. Não <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> prejuízo. Ausência <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>.<br />
Súmula 523 do <strong>STF</strong>. Sustentação oral. Cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Advogado que, por petição,<br />
requer seja avisado da data do julgamento, para comparecer à sessão. Pedido que não ventilou<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazer sustentação oral. Ausência <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>. Art. 664 do CPP e Súmula 431 do <strong>STF</strong>.<br />
Julgamento citra petita. Não-apreciação <strong>de</strong> argumento relativo à <strong>de</strong>ficiência na instrução da<br />
carta precatória visando à citação do réu. Argumento que se afasta, pois o Réu foi procurado<br />
no en<strong>de</strong>reço fornecido por ele na fase policial. Alegação prejudicada diante da citação por<br />
edital e da nomeação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensora dativa, que apresentou <strong>de</strong>fesa e alegações finais, tendo tido,<br />
para isso, pleno acesso aos autos. Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 81.160/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong> 1º-2-02.)<br />
Habeas corpus. Processo penal. Citação editalícia. Nulida<strong>de</strong>. Ausência. Citação por<br />
edital. Nulida<strong>de</strong> em virtu<strong>de</strong> da não-realização <strong>de</strong> diligência para a citação do Réu no local em<br />
que apreendido o veículo objeto <strong>de</strong> receptação. Se o Réu não é encontrado no en<strong>de</strong>reço por ele<br />
<strong>de</strong>clinado no processo, válida é a citação por edital. Habeas corpus in<strong>de</strong>ferido.<br />
(HC 81.449/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ <strong>de</strong> 3-5-02.)<br />
Habeas corpus. Citação edital. Ausência <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>. Fixação da pena. Atenuante<br />
da menorida<strong>de</strong>. Método trifásico: inobservância. Or<strong>de</strong>m parcialmente concedida. I – Citação<br />
edital realizada já que o Réu não foi encontrado no en<strong>de</strong>reço por ele fornecido. Ausência <strong>de</strong><br />
ilegalida<strong>de</strong>. II – Método trifásico: o Supremo tem entendimento a dizer que ele é <strong>de</strong> necessária<br />
aplicação quando está presente na espécie, a par das circunstâncias judiciais do art. 59, alguma<br />
das circunstâncias legais – como suce<strong>de</strong> ser a menorida<strong>de</strong> (art. 65-I do CP). Or<strong>de</strong>m parcialmente<br />
concedida para anular a sentença tão-só na parte em que fixou a pena, outra <strong>de</strong>vendo ser<br />
proferida à luz das normas pertinentes.<br />
(HC 74.018/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ <strong>de</strong> 6-6-97.)<br />
No caso dos autos, <strong>de</strong>staque-se, ainda foi diligenciada junto aos presídios<br />
do Distrito Fe<strong>de</strong>ral a localização do Réu.<br />
De outra parte, o fato <strong>de</strong> as alegações finais terem sido apresentadas pelo<br />
Núcleo <strong>de</strong> Prática Jurídica do Ceub, e não pela Defensoria Pública do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral, não implica, necessariamente, nulida<strong>de</strong> alguma. Como bem <strong>de</strong>stacado<br />
no acórdão recorrido, a questão se põe sob o ângulo da Súmula 523/<strong>STF</strong> (“No<br />
processo penal, a falta da <strong>de</strong>fesa constitui nulida<strong>de</strong> absoluta, mas a sua <strong>de</strong>ficiência<br />
só o anulará se houver prova <strong>de</strong> prejuízo para o Réu”). Dessa forma, se a irregularida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stacada não reverteu em nenhum prejuízo para o Réu, não po<strong>de</strong>rá<br />
dar causa à nulida<strong>de</strong> do ato processual respectivo ou dos subseqüentes.<br />
Um exame mais atento dos documentos constantes dos autos revela, porém,<br />
uma outra questão, não levantada nas razões da impetração, mas que conduz à<br />
nulida<strong>de</strong> do processo.
R.T.J. — <strong>204</strong> 839<br />
É que o Paciente, na fase do inquérito policial, se fez acompanhar <strong>de</strong> advogado,<br />
e esse advogado não foi intimado para promover a sua <strong>de</strong>fesa na ação<br />
penal.<br />
O art. 266 do Código <strong>de</strong> Processo Penal estabelece que “a constituição <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fensor in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> mandato, se o acusado o indicar por<br />
ocasião do interrogatório”. No caso em análise, não houve interrogatório justamente<br />
porque o Réu não foi intimado. Conforme alertado, no entanto, ele se<br />
fez acompanhar <strong>de</strong> advogado quando esteve na <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia para prestar<br />
<strong>de</strong>clarações (fls. 39 a 41 – apenso 1).<br />
Uma interpretação ampliativa do dispositivo legal citado permite concluir,<br />
nessa medida, pelo menos, que o Juiz da causa <strong>de</strong>veria ter intimado esse advogado,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> mandato, para atuar na <strong>de</strong>fesa do Réu antes <strong>de</strong><br />
confiar tal tarefa a um advogado dativo ou a algum órgão <strong>de</strong> assistência judiciária<br />
gratuita.<br />
Anote-se, a propósito, os seguintes prece<strong>de</strong>ntes:<br />
Habeas corpus. Crime militar imputado a civil. Roubo <strong>de</strong> um fuzil do quartel militar<br />
<strong>de</strong> Imperatriz/MA. Revelia. Con<strong>de</strong>nação a nove anos e um mês <strong>de</strong> reclusão. Nulida<strong>de</strong> do<br />
processo-crime por vício <strong>de</strong> citação e pela Constituição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor dativo ao Acusado.<br />
(...)<br />
A jurisprudência <strong>de</strong>ste Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é no sentido <strong>de</strong> que o advogado que<br />
acompanhou o acusado na fase inquisitorial <strong>de</strong>ve ser intimado para a promoção da <strong>de</strong>fesa do<br />
réu, mesmo que este seja <strong>de</strong>clarado revel. Isso porque o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> revelia não retira do acusado<br />
o direito <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r.<br />
(...)<br />
(HC 88.334/PA, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJ <strong>de</strong> 16-3-07.)<br />
Habeas corpus. Paciente acusado <strong>de</strong> homicídio simples. Prisão preventiva fundada<br />
em revelia. Alegada nulida<strong>de</strong> da citação feita por edital e da nomeação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor dativo,<br />
dada a Constituição <strong>de</strong> advogado na fase do inquérito. Comprovado que não foram esgotados<br />
todos os meios disponíveis para localização do paciente, é nula a citação editalícia, não se<br />
po<strong>de</strong>ndo ter, por isso, por configurada a pretensa fuga que serviu <strong>de</strong> fundamento à prisão preventiva.<br />
A<strong>de</strong>mais, se havia advogado regularmente constituído na fase do inquérito, não podia<br />
o juiz nomear <strong>de</strong>fensor dativo ao paciente, cujo trabalho, <strong>de</strong> resto, se revelou manifestamente<br />
<strong>de</strong>ficiente. Habeas corpus <strong>de</strong>ferido para o fim <strong>de</strong> anular-se o processo, a partir da <strong>de</strong>núncia,<br />
revogada a prisão preventiva do Paciente.<br />
(HC 81.151/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ <strong>de</strong> 22-2-02.)<br />
Habeas corpus. Processo penal <strong>de</strong> rito sumário (arts. 531 a 538 do CPP). Revelia do<br />
réu ocorrida por ocasião do interrogatório em juízo. Defensor constituído no inquérito policial.<br />
Substituição por <strong>de</strong>fensor dativo. Em processos penais <strong>de</strong>ssa natureza, a constituição <strong>de</strong><br />
advogado, ocorrida no ato inicial do inquérito policial em que se exige a presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor<br />
para o Réu, prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> mandato, por aplicação analógica do art. 266 do<br />
CPP. No caso, o <strong>de</strong>fensor constituído, que não teve ciência da citação do Réu por omissão do<br />
oficial <strong>de</strong> justiça, não po<strong>de</strong>ria ser substituído por <strong>de</strong>fensor dativo, pelo simples fato <strong>de</strong> o Réu,<br />
por não haver comparecido a audiência <strong>de</strong> interrogatório, se haver tornado revel. Recurso<br />
ordinário a que se dá provimento.<br />
(RHC 61.083/PB, Segunda Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ <strong>de</strong> 30-9-83.)
840<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Na hipótese vertente, frustrada a intimação editalícia, o Juiz da causa houve<br />
por bem intimar, diretamente, a Defensoria Pública do Distrito Fe<strong>de</strong>ral para atuar<br />
na <strong>de</strong>fesa do Réu. Não foi intimado o advogado presente na fase do inquérito (fl.<br />
117 – apenso 1).<br />
Emerge, assim, nulida<strong>de</strong> que atinge o processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que<br />
<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser intimado o advogado constituído ao tempo do inquérito policial, ou<br />
seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa prévia porque apresentada já pela Defensoria Pública.<br />
Cumpre sublinhar que a nulida<strong>de</strong> em pauta inci<strong>de</strong> para <strong>de</strong>sconstituir, inclusive,<br />
o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> prisão preventiva e a sentença <strong>de</strong> pronúncia.<br />
Ante o exposto, <strong>de</strong>nego a or<strong>de</strong>m no que diz respeito às alegadas nulida<strong>de</strong> da<br />
citação e quebra da “unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensiva”, mas, <strong>de</strong> ofício, concedo-a para anular<br />
o processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fase da <strong>de</strong>fesa prévia, a fim <strong>de</strong> que seja intimado o advogado<br />
indicado pelo Réu na fase do inquérito policial. Prejudicado o exame das <strong>de</strong>mais<br />
questões suscitadas.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
HC 93.415/DF — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: José Eustáquio<br />
Meira da Silva. Impetrante: Francisco <strong>de</strong> Assis Evangelista. Coator: Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
Decisão: A Turma <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> habeas corpus para anular o processo-crime<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa prévia, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não<br />
participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral<br />
da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso Braz Lucas.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 841<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO <strong>204</strong>.889 — SP<br />
Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito<br />
Recorrente: Antonio Carlos Pannunzio — Recorrido: Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />
Prefeito. Subsídio. Art. 29, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Prece<strong>de</strong>nte<br />
da Suprema Corte.<br />
1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 29, V,<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral é auto-aplicável.<br />
2. O subsídio do prefeito é fixado pela câmara municipal até<br />
o final da legislatura para vigorar na subseqüente.<br />
3. Recurso extraordinário <strong>de</strong>sprovido.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria <strong>de</strong><br />
votos, conhecer do recurso extraordinário, mas negar-lhe provimento.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Menezes Direito, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito: Antonio Carlos Pannunzio interpõe recursos<br />
extraordinários, ambos com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.<br />
O primeiro apelo ataca o acórdão da Terceira Câmara Civil do Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo, assim ementado:<br />
Prefeito. Remuneração. Artigo 29, V, da CF/88. Dispositivos <strong>de</strong> eficácia plena.<br />
Aumento da verba <strong>de</strong> representação quando ainda em vigor a Lei Orgânica dos Municípios<br />
do Estado <strong>de</strong> São Paulo, na mesma legislatura. Inadmissibilida<strong>de</strong>, porquanto já se<br />
encontrava em vigor o artigo 29, V, da CF/88.<br />
A<strong>de</strong>mais, remuneração integra a totalida<strong>de</strong> dos valores percebidos pelo servidor, em<br />
pecúnia ou não (vencimentos, no plural, e outras quotas e vantagens variáveis).<br />
Sentença <strong>de</strong> improcedência da ação mantida. Apelação improvida.<br />
(Fl. 149.)<br />
O segundo recurso extraordinário, por sua vez, enfrenta o acórdão da<br />
Terceira Câmara Civil do Tribunal local que rejeitou os embargos infringentes<br />
opostos pelo ora Recorrente, assim fundamentado:<br />
(...)<br />
No caso em exame, portanto, a partir da promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988<br />
e enquanto não editada a nova Lei Orgânica do Município <strong>de</strong> Sorocaba, há que se aceitar a<br />
aplicação do or<strong>de</strong>namento jurídico então vigente, ou seja, da Lei Orgânica dos Municípios do<br />
Estado <strong>de</strong> São Paulo (Decreto-lei Complementar Estadual nº 9/69). Mas, ressalte-se, esta foi<br />
recepcionada pelo sistema jurídico inaugurado com a Carta <strong>de</strong> 1988 só naquilo em que com<br />
ele era compatível.
842<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Conseqüentemente, não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado recepcionado pelo sistema o Decreto-lei<br />
Complementar Estadual nº 9/69 na parte em que permitia à Câmara fixar, na mesma legislatura,<br />
a verba <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Prefeito. De rigor a observância do princípio previsto no<br />
inciso V do artigo 29 da Constituição, segundo o qual os valores a serem pagos a título <strong>de</strong><br />
remuneração ao prefeito <strong>de</strong>vem ser fixados no final <strong>de</strong> uma legislatura, para viger por toda a<br />
legislatura seguinte.<br />
Em conclusão, impossível, “data maxima venia”, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong><br />
do Decreto Legislativo nº 174/89, que alterou o valor correspon<strong>de</strong>nte à verba <strong>de</strong> representação,<br />
<strong>de</strong> 3 para 5 subsídios, na mesma legislatura, eis que editado quando já em vigor a nova<br />
or<strong>de</strong>m constitucional e com violação ao art. 29 inciso V da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
3. Pelo exposto, ficam os embargos rejeitados.<br />
(Fls. 217/218.)<br />
No primeiro apelo, o Recorrente sustenta violação do art. 29, inciso V, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral e do art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,<br />
sustentando que se fez necessário “cessar um estado <strong>de</strong> insegurança jurídica<br />
gerado por uma <strong>de</strong>cisão do Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado, relativa às contas do<br />
exercício <strong>de</strong> 1990, on<strong>de</strong> se teria apontado que a verba <strong>de</strong> representação recebida<br />
pelo então Prefeito, naquele ano (1990), não estava <strong>de</strong> acordo com a Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral (art. 29, inciso V, especificamente)” (fl. 177).<br />
Alega que a Lei Orgânica dos Municípios do Estado <strong>de</strong> São Paulo (Decreto-Lei<br />
Complementar estadual 9/69) teve sua vigência prorrogada até a edição<br />
das leis orgânicas próprias <strong>de</strong> cada um dos Municípios paulistas, ocorrendo,<br />
assim, a vacatio constitutionis.<br />
Argumenta ser “perfeita a regularida<strong>de</strong> do Decreto-Legislativo discutido e<br />
votado pela Câmara Municipal <strong>de</strong> Sorocaba, pois à época <strong>de</strong> sua edição valiam as<br />
disposições da Lei Orgânica dos Municípios do Estado <strong>de</strong> São Paulo, que autorizavam<br />
a fixação anual da verba <strong>de</strong> representação do Prefeito e que permaneceu<br />
regendo a ativida<strong>de</strong> dos Municípios até eles próprios editarem as suas leis <strong>de</strong><br />
organização (em abril <strong>de</strong> 1990)” (fls. 188/189).<br />
No segundo recurso extraordinário, por sua vez, o Recorrente aduz contrarieda<strong>de</strong><br />
aos arts. 29, inciso V; 37, inciso XI; 150, inciso II; e 153, inciso III e § 2º,<br />
inciso I; da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e ao art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais<br />
Transitórias, argumentando que:<br />
10º) A tese esposada pelo v. Acórdão recorrido, alicerça-se no argumento <strong>de</strong> que a Lei<br />
Orgânica dos Municípios do Estado <strong>de</strong> São Paulo editada em 1969 não foi recepcionada pela<br />
nova or<strong>de</strong>m constitucional;<br />
11º) Todavia, se a remuneração do Prefeito estava vinculada a disposição <strong>de</strong> lei orgânica<br />
referentemente a meio remuneração dos servidores públicos (art. 37, XI da própria<br />
Constituição), como po<strong>de</strong>ria ser fixada essa mesma remuneração se em 1989 sequer havia sido<br />
editada a Lei Orgânica, para ao <strong>de</strong>pois vir a lei ordinária fixando os limites?<br />
12º) Daí, o motivo da disposição do art. 11 da ADCT em estabelecer prazos para a<br />
edição das Constituições dos Estados e das Leis Orgânicas;<br />
13º) Aliás, porque estabelecer-se prazos para a elaboração das Constituições dos Estados<br />
e das Leis Orgânicas?<br />
14º) Portanto, a interpretação <strong>de</strong> que a Lei Orgânica dos Municípios do Estado <strong>de</strong> São<br />
Paulo, in casu, ultra-ativou-se é a melhor interpretação a ser dada, data venia, à espécie.<br />
(Fl. 234.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 843<br />
Foram apresentadas contra-razões (fls. 242 a 247).<br />
O 3º Vice-Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> origem, consi<strong>de</strong>rando tratar-se “<strong>de</strong><br />
recurso extraordinário (fls. 175/190), ratificado (fls. 230/236)” (fl. 249), concluiu<br />
por <strong>de</strong>ferir “o processamento do recurso” (fl. 250).<br />
Opina o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, com parecer do ilustrado Suprocurador-<br />
Geral da República Dr. Vicente <strong>de</strong> Paulo Saraiva, pelo não-conhecimento do<br />
recurso (fls. 256 a 258).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O Prefeito do Município <strong>de</strong><br />
Sorocaba ajuizou ação <strong>de</strong>claratória para obter <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> que a verba <strong>de</strong> representação<br />
não está inserida na remuneração a que alu<strong>de</strong> o art. 29, V, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral; <strong>de</strong> que o Decreto Legislativo da Câmara Municipal <strong>de</strong> Sorocaba<br />
é constitucional porque observou a Lei Orgânica do Município <strong>de</strong> São Paulo e <strong>de</strong><br />
que legítima a verba <strong>de</strong> representação recebida pelo autor em 1990.<br />
A sentença julgou improce<strong>de</strong>ntes os pedidos.<br />
Por maioria, o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo confirmou a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 1º<br />
grau. Os embargos infringentes foram rejeitados também por maioria. Segundo<br />
a maioria, “não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado recepcionado pelo sistema o Decreto-lei<br />
Complementar Estadual 9/69 na parte em que permitia à Câmara fixar, na mesma<br />
legislatura, a verba <strong>de</strong> representação do Prefeito. De rigor a observância do princípio<br />
previsto no inciso V do art. 29 da Constituição, segundo o qual os valores<br />
a serem pagos a título <strong>de</strong> remuneração do prefeito <strong>de</strong>vem ser fixados no final<br />
<strong>de</strong> uma legislatura, para viger por toda a legislatura seguinte” (fl. 217). Assim,<br />
concluiu o Tribunal, “impossível, data maxima venia, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong><br />
do Decerto Legislativo 174/89, que alterou o valor correspon<strong>de</strong>nte<br />
à verba <strong>de</strong> representação, <strong>de</strong> 3 para 5 subsídios, na mesma legislatura, eis que<br />
editado quando já em vigor a nova or<strong>de</strong>m constitucional e com violação do art.<br />
29 inciso V da Constituição Fe<strong>de</strong>ral” (fls. 217/218).<br />
Sem razão o Recorrente. Vejamos.<br />
Não tem sustentação a pretensão do Recorrente <strong>de</strong> não ser auto-aplicável<br />
a regra do art. 29, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, sendo fora <strong>de</strong> propósito o entendimento<br />
<strong>de</strong> que a regra do art. 11 do ADCT autoriza essa interpretação. Mas não<br />
é assim.<br />
Na minha avaliação, o art. 29 é plenamente auto-aplicável, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />
<strong>de</strong> nenhuma integração. Veja-se, a<strong>de</strong>mais, que a vonta<strong>de</strong> constituinte, a partir da<br />
promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, atribui competência à Câmara<br />
Municipal para fixar os subsídios com prazo até o final da legislatura para vigorar<br />
na subseqüente, <strong>de</strong> acordo com o disposto no art. 29, VI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Esta Suprema Corte já assentou que a fixação da remuneração dos vereadores<br />
é <strong>de</strong> competência da Câmara Municipal até o final da legislatura, para vigorar
844<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
na subseqüente (RE 122.521/MA, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ <strong>de</strong> 6-12-91). E na<br />
ocasião <strong>de</strong>stacou-se ser a regra do art. 29, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral “norma <strong>de</strong><br />
eficácia plena e auto-aplicável”.<br />
Destarte, nego provimento ao recurso extraordinário.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Senhor Presi<strong>de</strong>nte, em primeiro<br />
lugar <strong>de</strong>ixo bastante claro que o julgamento <strong>de</strong>ste recurso extraordinário em nada<br />
afeta nem a lisura, nem a boa-fé, nem a honra<strong>de</strong>z nem a dignida<strong>de</strong> do Recorrente,<br />
que são insuscetíveis <strong>de</strong> qualquer perscrutação nesse recurso extraordinário.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): S. Exa. diria que esse registro<br />
não é alvissareiro.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Exatamente. V. Exa. tem razão,<br />
mas isso não é aquele elogio que diz: está tudo ótimo, mas... É apenas um registro<br />
diante da preocupação do eminente advogado, no sentido <strong>de</strong> que seria indispensável<br />
consi<strong>de</strong>rar-se a boa-fé do Recorrente. Então, faço esse registro para que<br />
não reste qualquer dúvida no sentido <strong>de</strong> que este recurso extraordinário não tem<br />
nenhum alcance além da interpretação da disciplina constitucional.<br />
O que se está examinando aqui? Está-se examinando, concretamente, a<br />
interpretação do art. 29, inciso V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. No recurso extraordinário,<br />
muito bem lastreado, a preocupação é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que este art. 29,<br />
inciso V, não é auto-aplicável. Ao contrário, ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> regulamentação e,<br />
a meu sentir, essa é a questão fundamental que se tem <strong>de</strong> examinar, <strong>de</strong> fato, nesse<br />
recurso extraordinário.<br />
No Tribunal <strong>de</strong> origem, tanto no acórdão da apelação, mas basicamente<br />
no acórdão dos embargos infringentes, foi examinada a questão relativa a dois<br />
<strong>de</strong>cretos do Estado <strong>de</strong> São Paulo: o Decreto 9, que se enten<strong>de</strong>u não recepcionado<br />
pela Constituição, e o Decreto 679, que se enten<strong>de</strong>u impossível <strong>de</strong>clarar a sua<br />
constitucionalida<strong>de</strong> diante das circunstâncias que o próprio Tribunal <strong>de</strong> origem<br />
explicitou. Mas isso também não po<strong>de</strong> ser transplantado, como preten<strong>de</strong> o Recorrente,<br />
para o exame <strong>de</strong>ssa questão que, no meu enten<strong>de</strong>r, está focada exclusivamente<br />
na interpretação do art. 29, inciso V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Preten<strong>de</strong>-se, concretamente, que esta verba <strong>de</strong> interpretação, à luz do art. 29,<br />
inciso V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não integraria o subsídio do prefeito. Essa é a<br />
interpretação que se procura dar, ou seja, numa palavra, o subsídio do prefeito não<br />
incorporaria a verba <strong>de</strong> representação, que seria um plus. Essa é a argumentação.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Não é a aplicação da lei no<br />
tempo?<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não, pelo contrário. A verba<br />
<strong>de</strong> representação que se está questionando já é posterior. A tentativa é feita – e<br />
o eminente advogado participará conosco também dos <strong>de</strong>bates, se assim julgar<br />
necessário, tenho prazer em ouvi-lo, e o que aqui está sendo questionado já é fato
R.T.J. — <strong>204</strong> 845<br />
posterior à Constituição <strong>de</strong> 1988, mas a argumentação, montada com muita inteligência<br />
e luci<strong>de</strong>z, é exatamente esta: a <strong>de</strong> aproveitar a estrutura normativa anterior,<br />
como se ela tivesse sido recepcionada pela estrutura normativa posterior,<br />
mas os fatos, em si mesmos, a fixação do subsídio e a representação fixada, já foram<br />
posteriores à Constituição <strong>de</strong> 1988. Então, o que resta examinar? E, por isso,<br />
insisti. Resta examinar se o art. 29, V, é auto-aplicável. Se ele é auto-aplicável,<br />
como entendo que é, e esta Corte também, porque ele é suficientemente claro no<br />
comando que emite no que concerne ao subsídio, é evi<strong>de</strong>nte que ele tem <strong>de</strong> ser<br />
interpretado no sentido <strong>de</strong> examinar se a representação está ou não ao alcance do<br />
subsídio que ali foi <strong>de</strong>terminado. É só essa a questão jurídica examinada.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Quando houve a fixação da<br />
representação?<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Em 1989. É tudo posterior, como<br />
estou afirmando, mas o eminente advogado po<strong>de</strong> nos ajudar se necessário.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Ainda no período compreendido<br />
pelos 18 meses do art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Antes da Emenda 19.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Muito antes. A emenda é <strong>de</strong><br />
1998. V. Exa. nos permite a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogar.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Com muito prazer. Só para não<br />
per<strong>de</strong>r o raciocínio, senão a memória claudica, são tantos os processos.<br />
Aqui, no caso, concretamente, em primeiro lugar, dizia eu, temos <strong>de</strong> superar<br />
a questão da auto-aplicabilida<strong>de</strong> do art. 29, V? A minha resposta é positiva:<br />
supera-se. O art. 29, V, é auto-aplicável, não tenho a menor dúvida quanto a isso.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): À época em que se <strong>de</strong>liberou<br />
quanto à representação, não havia lei orgânica específica do Município.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Exatamente isso. A tentativa que<br />
se preten<strong>de</strong> não é a lei orgânica do Município.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Havia uma lei orgânica genérica<br />
dos Municípios do Estado.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): É um <strong>de</strong>creto. Exatamente isso.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Foi no interregno.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O que estou afirmando? Superado<br />
o problema relativo à auto-aplicabilida<strong>de</strong>, que eu supero, tem <strong>de</strong> se saber um<br />
segundo passo: a representação está incluída ou não na vedação a que se refere o<br />
art. 29, V, do subsídio?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Ministro, aí é que surge a preocupação:<br />
auto-aplicabilida<strong>de</strong> no que o preceito remete a uma lei inexistente?<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não remete a uma lei inexistente.
846<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Remete. Vejam a cabeça do<br />
artigo:<br />
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica (...)<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Mas não no caso do subsídio.<br />
V. Exa. vai observar a redação do art. 29, V. Ele <strong>de</strong>termina que será constante do<br />
subsídio, observada a disciplina dos artigos.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Mas atendidos os princípios na<br />
lei orgânica específica.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Claro, mas é o subsídio.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Não há a menor dúvida.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Na minha compreensão, é claro,<br />
<strong>de</strong>sculpe-me pela veemência, o subsídio é composto <strong>de</strong> quê? Essa é que é a<br />
questão.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Com a Emenda 19, o subsídio é em parcela<br />
única.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não é a Emenda 19. Perdoe-me.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Perdoe-me V. Exa., mas, quanto<br />
ao art. 37, inciso XI, a regência do caso não é a <strong>de</strong>corrente da Emenda 19, mas a<br />
do texto primitivo. Se formos ao texto primitivo, quanto ao inciso XI, constataremos<br />
o seguinte teor:<br />
XI – a lei fixará o limite máximo e a relação <strong>de</strong> valores entre a maior e a menor remuneração<br />
dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos<br />
po<strong>de</strong>res, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros<br />
do Congresso Nacional, Ministros <strong>de</strong> Estado e Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e<br />
seus correspon<strong>de</strong>ntes nos Estados, no Distrito Fe<strong>de</strong>ral e nos Territórios, e, nos Municípios, os<br />
valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;<br />
Então, parece-me que não haveria um teto – já estou na segunda parte –<br />
como passou a haver com a nova redação <strong>de</strong>corrente da Emenda 19.<br />
Mas vamos ouvi-lo na conclusão.<br />
A matéria é interessante, pois há o problema da eficácia imediata do inciso<br />
V do art. 29, tal como veio à balha com a promulgação da Carta <strong>de</strong> 1988.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Posso prosseguir?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Po<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Tanto a sentença <strong>de</strong> 1º grau como<br />
o Tribunal <strong>de</strong> origem, nos dois órgãos julgadores, no julgamento da apelação e<br />
no julgamento dos embargos infringentes, <strong>de</strong>ixaram isso muito claro, os dois<br />
julgados. Porque a sentença feita, isso é importante <strong>de</strong>stacar, foi exatamente no<br />
sentido <strong>de</strong> tomar a legislação orgânica anterior e aplicar a legislação posterior.<br />
Por isso o Tribunal <strong>de</strong> São Paulo disse, em primeiro lugar, que o Decreto 9 não
R.T.J. — <strong>204</strong> 847<br />
se aplica, explicitamente rechaçou que autorizaria essa interpretação, e, por sua<br />
vez, que o Decreto 679, igualmente, não po<strong>de</strong>ria dar o alcance que foi pretendido<br />
diante da disciplina do art. 29, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Essa fundamentação é<br />
que torna inviável admitir-se, como preten<strong>de</strong> o Recorrente, pelo menos na minha<br />
compreensão, incorporar a representação nos subsídios, que é um limite posto<br />
pelo Tribunal <strong>de</strong> São Paulo. Se pudéssemos superar essa limitação posta pelo<br />
Tribunal <strong>de</strong> São Paulo, po<strong>de</strong>r-se-ia até imaginar que seria permitido continuar<br />
com o cascalho. No entanto, não foi isso que se admitiu, tanto que o questionamento<br />
feito, também o eminente advogado continuará nos ajudando, diz respeito<br />
à questão da fixação do subsídio na mesma legislatura, um dos pontos nucleares<br />
do questionamento que foi feito. E isso também foi rechaçado, porque não se<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> uma regulamentação posterior o fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar que essa fixação<br />
dos subsídios fosse <strong>de</strong> uma legislatura para outra.<br />
Então, na minha compreensão, todos esses pontos inviabilizam a pretensão<br />
<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que se somaria também à representação. Se nós enten<strong>de</strong>rmos assim,<br />
estaremos realmente enfrentando a disciplina anterior.<br />
Mantenho o acórdão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu queria participar do <strong>de</strong>bate. Ministro Marco<br />
Aurélio, V. Exa. vai pedir vista?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Não, vou votar, pois já sacrifiquei<br />
parte <strong>de</strong> minhas férias no mês <strong>de</strong> janeiro para colocar os pedidos <strong>de</strong> vista<br />
para fora.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Ministro Marco Aurélio, apenas<br />
para apresentar um dado que se faz necessário ao Ministro Carlos Ayres. No que<br />
concerne à questão do tempo da legislatura, <strong>de</strong> fixar <strong>de</strong> uma para outra, porque aqui<br />
foi fixado na mesma, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>ssa discussão no que concerne ao tempo<br />
da Emenda 19, existe outro aspecto, ou seja, o realçado pelo Tribunal <strong>de</strong> São Paulo<br />
quanto aos Decretos 9 e 679: a remuneração foi fixada na mesma legislatura para<br />
viger na mesma legislatura. E há um prece<strong>de</strong>nte específico, o <strong>de</strong> número 122.521,<br />
do Maranhão, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ <strong>de</strong> 6-12-91, em que expressamente<br />
se faz essa vedação. Isto é, conforme disse o eminente advogado, da tribuna,<br />
estamos diante <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> implicações que impe<strong>de</strong>m esse reconhecimento.<br />
A mais importante <strong>de</strong>las é a <strong>de</strong>tectada no Tribunal <strong>de</strong> São Paulo, qual seja, a <strong>de</strong> não<br />
ser possível se fixar a remuneração do prefeito na mesma legislatura para viger na<br />
mesma legislatura. Por isso é que se vincula à auto-aplicabilida<strong>de</strong> do art. 29, V.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: De uma legislatura para outra essa exigência<br />
já constava da Constituição originária.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Gostaria <strong>de</strong> lançar algumas idéias<br />
sobre essa premissa.
848<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Creio que estamos diante <strong>de</strong> um conflito <strong>de</strong> leis no tempo. O que tivemos<br />
com a promulgação da Carta <strong>de</strong> 1988? A previsão explícita quanto à especificida<strong>de</strong><br />
das leis orgânicas dos Municípios. Tanto assim que até então a lei orgânica era<br />
única para os Municípios do Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Na Constituição <strong>de</strong> 1967 era assim.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Era. Não tenho a menor dúvida<br />
<strong>de</strong> que a remuneração – vamos falar no gênero – do prefeito já estaria fixada<br />
quando em vigor a Carta <strong>de</strong> 1988. Mas essa Carta foi promulgada e, logicamente,<br />
não criou um vácuo legislativo, normativo. Houve a absorção, por algum tempo,<br />
é certo, da legislação pretérita. E, aí, ao dispor-se quanto aos princípios a serem<br />
observados pela lei orgânica do Município – refiro-me aqui à lei orgânica com<br />
especificida<strong>de</strong> –, previu-se, no inciso V, que os subsídios do prefeito – como<br />
vigorou até 1998, já que essa cláusula limitativa-temporal foi abolida – seriam<br />
fixados sempre em uma legislatura para a legislatura seguinte.<br />
Preten<strong>de</strong>u-se afastar o peso político da <strong>de</strong>liberação da casa legislativa do<br />
Município, consi<strong>de</strong>rada a figura do prefeito. Penso que a matéria foi colocada<br />
com extrema percuciência da tribuna.<br />
Indago: até a vinda à balha da lei orgânica específica, po<strong>de</strong>r-se-ia cogitar<br />
<strong>de</strong>sse princípio a que ficaram submetidas as leis orgânicas a serem elaboradas,<br />
<strong>de</strong> haver a fixação do subsídio em uma legislatura para a vigência na seguinte?<br />
Não. A resposta, para mim, é <strong>de</strong>senganadamente negativa. Torno a frisar: a regra,<br />
limitadora <strong>de</strong> fixação em legislatura para a vigência na seguinte, <strong>de</strong>veria constar<br />
da lei orgânica do próprio Município e não constava – creio que não constava,<br />
porque senão não teria havido a <strong>de</strong>liberação – daquela lei orgânica genérica, para<br />
todos os Municípios do Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): V. Exa. me permite uma observação?<br />
A dificulda<strong>de</strong>, e o advogado foi extremamente feliz na colocação <strong>de</strong>le, na<br />
sua sustentação muito clara, é exatamente esta: há um prece<strong>de</strong>nte específico da<br />
Corte que diz que o art. 29, V, é auto-aplicável. Qual é a auto-aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le?<br />
Não estou me referindo à questão do teto remuneratório, que vem com a Emenda<br />
19. Estou falando com relação à auto-aplicabilida<strong>de</strong> no que diz com a fixação da<br />
remuneração <strong>de</strong> uma legislatura para outra. A minha dificulda<strong>de</strong> é exatamente<br />
essa. Não é a questão do teto, é a da auto-aplicabilida<strong>de</strong> do art. 29, V. Se ele é autoaplicável,<br />
como esta Corte disse que é, não posso <strong>de</strong>ixar passar a idéia <strong>de</strong> que a<br />
regulamentação anterior, a que se refere à interposição do recurso extraordinário<br />
e também à ação quando foi ajuizada, supriria essa <strong>de</strong>ficiência, porque, aí, estaria<br />
retirando da Constituição a força que ela tem, <strong>de</strong> acordo com o nosso prece<strong>de</strong>nte,<br />
para dizer que ela é auto-aplicável, no que diz com a fixação da remuneração <strong>de</strong><br />
uma legislatura para outra. Isso não precisaria estar na lei orgânica do Município.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu entendo, Ministro Marco Aurélio, o seguinte:<br />
na redação originária da nossa Constituição, o art. 29, caput, prevê que os<br />
Municípios se regerão por lei orgânica. E essa lei orgânica, no parágrafo único
R.T.J. — <strong>204</strong> 849<br />
do art. 11 do ADCT, seria, como efetivamente foi, elaborada um ano e meio após<br />
a Constituição, <strong>de</strong>zoito meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> promulgada a Constituição originária.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Após a Constituição do Estado,<br />
tendo este um ano para elaborar a Constituição, e o Município seis meses para<br />
implementar a lei orgânica.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. O marco seria seis meses após a<br />
Constituição <strong>de</strong> cada Estado.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): A contagem dos seis meses po<strong>de</strong>ndo<br />
ser antecipada <strong>de</strong> acordo com a diligência do próprio Estado na elaboração<br />
da constituição.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito, muito bem observado. Então, a lei<br />
orgânica teve procrastinada a data <strong>de</strong> sua elaboração, porém, a Constituição, <strong>de</strong><br />
logo, avançou preceitos; não esperou pela lei orgânica para fazer cumprir os preceitos<br />
que ela, <strong>de</strong> logo, lista, arrola. Um <strong>de</strong>sses preceitos <strong>de</strong> auto-aplicabilida<strong>de</strong>,<br />
para mim também marcante, foi exatamente o inciso V do art. 29. Esse preceito<br />
que a Constituição <strong>de</strong> logo fixou, estabeleceu, é auto-aplicável, e nele se contém<br />
uma regra <strong>de</strong> fixação da remuneração, não subsídio, para viger <strong>de</strong> uma legislatura<br />
para outra, em homenagem à orçamentarieda<strong>de</strong>. Ou seja, exige-se que a oneração<br />
da <strong>de</strong>spesa se dê <strong>de</strong> uma legislatura para outra para racionalizar o orçamento. É<br />
preciso respeitar o orçamento, porque, no orçamento seguinte, haveria a previsão<br />
<strong>de</strong>sse acréscimo, <strong>de</strong>ssa elevação remuneratória.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): O orçamento é anual, Excelência,<br />
e aqui a alusão é à legislatura.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu sei, mas como se faz <strong>de</strong> uma legislatura<br />
para outra, seria possível, na outra legislatura, o orçamento já contemplar esse<br />
acréscimo. Parece-me que há uma cláusula <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> orçamentária.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Tão boa que foi expungida com<br />
a Emenda 19!<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não. De uma legislatura para outra prosseguiu<br />
com a Emenda 19.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Não, Excelência.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não prosseguiu? Será que estou equivocado?<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Tanto que, no exemplar atualizado,<br />
não há mais, no inciso V, essa projeção.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Do 29. É. Temos para o Legislativo, para a<br />
própria câmara <strong>de</strong> vereadores.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não tem, porque remete a um<br />
artigo que <strong>de</strong>termina isso. O artigo que fixa a remuneração, art. 39, § 4º.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, <strong>de</strong> uma legislatura para outra, só para os<br />
vereadores, com a Emenda 19.
850<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Deixe-me ver:<br />
Art. 39 (...)<br />
(...)<br />
§ 4º O membro <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r, o <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandato eletivo, os Ministros <strong>de</strong> Estado e os<br />
Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em<br />
parcela única, vedado o acréscimo <strong>de</strong> qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba<br />
<strong>de</strong> representação ou outra espécie remuneratória, obe<strong>de</strong>cido, em qualquer caso, o disposto no<br />
art. 37, X e XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, <strong>de</strong> 1998.)<br />
Não disciplina a época da fixação.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. Não tem para prefeito. De uma<br />
legislatura para outra caiu, permaneceu para os vereadores. Então, eu diria o seguinte:<br />
como o instituto era o da remuneração, e não do subsídio, e remuneração<br />
é gênero, é um continente, portanto, a comportar diversos conteúdos, seria possível,<br />
sim, acrescer ao subsídio do prefeito – vamos chamar assim – uma verba <strong>de</strong><br />
representação.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): V. Exa. já está na segunda parte,<br />
e estamos ainda na primeira.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Quero apenas mostrar o seguinte: remuneração<br />
comportava pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parcelas. Subsídio não; subsídio, com a Emenda<br />
19, é em parcela única.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): A primeira é prejudicial, porque<br />
se diz do <strong>de</strong>feito da representação, uma vez que fixada na mesma legislatura.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Então, num primeiro momento, como se tratava<br />
<strong>de</strong> remuneração, seria possível, sim, excluído o vencimento do prefeito a verba <strong>de</strong><br />
representação – seria. Nesse ponto não tenho dúvida. Não agora, com a Emenda<br />
19, porque o subsídio é fixado em parcela única. Mas como não havia a exigência<br />
<strong>de</strong> fixação em parcela única, po<strong>de</strong>ria haver parcelas plúrimas, <strong>de</strong> modo que a verba<br />
<strong>de</strong> representação po<strong>de</strong>ria, sim, ser agregada ao vencimento do prefeito para que as<br />
duas juntas compusessem esse gênero chamado remuneração. Até aí o eminente<br />
causídico me parece forrado <strong>de</strong> razão.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Vamos <strong>de</strong>ixar para a segunda<br />
parte?<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministro Menezes Direito traz à ribalta um<br />
elemento complicador para a tese do recurso extraordinário. Qual é o elemento<br />
complicador? É que havia mesmo a exigência <strong>de</strong> que a remuneração fosse fixada<br />
<strong>de</strong> uma legislatura para outra.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Eu sei, mas isso é um ponto <strong>de</strong><br />
vista. Por exemplo, comecei a <strong>de</strong>linear voto em sentido contrário.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, mas isso tem a ver com a auto-aplicabilida<strong>de</strong><br />
do inciso V do art. 29.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Veja bem: aqueles que realmente enten<strong>de</strong>rem<br />
que o preceito já seria auto-aplicável vão <strong>de</strong>sprover logicamente o recurso<br />
extraordinário, como o fez o Relator.
R.T.J. — <strong>204</strong> 851<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Por que seria auto-aplicável? Como chegar a<br />
essa conclusão da auto-aplicabilida<strong>de</strong>? Porque não existia lei orgânica e também<br />
não existia a lei. Esse preceito também não se aplicaria, qual seria a conseqüência?<br />
Estaríamos a admitir que a or<strong>de</strong>m constitucional anterior atravessasse a<br />
or<strong>de</strong>m constitucional nova, porque, senão, ficaríamos órfãos ou à míngua <strong>de</strong> normativida<strong>de</strong>.<br />
Não havia normativida<strong>de</strong> da lei orgânica e também não reconhecia a<br />
normativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse art. 5º.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Não é o meu ponto <strong>de</strong> vista,<br />
Excelência. Entendo que, até a vinda da lei orgânica específica, esteve em vigor<br />
a lei orgânica anterior que abrangia todos os Municípios. E como esse princípio<br />
não constava da Carta pretérita, passou a constar da atual, sinalizando ao elaborador<br />
da nova lei orgânica específica, não seria auto-aplicável. É a premissa no<br />
meu ponto <strong>de</strong> vista.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse art. 29, a Constituição é muito interessante.<br />
Primeiro, faz da lei orgânica uma constituição comunal, tanto que a lei<br />
orgânica não tem número. É igual à Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que é o único diploma<br />
normativo que não tem número.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): E há uma unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração<br />
regida por uma lei orgânica – o Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. O típico <strong>de</strong> uma Constituição é não<br />
ter número. Por quê? Porque ela é um diploma único. Se é único, não tem número.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Consi<strong>de</strong>rada a Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: A lei orgânica do Município não tem número,<br />
porque é uma Constituição comunal, municipal.<br />
E faz uma distinção também o art. 29 interessantíssima entre princípios e<br />
preceitos. Fala <strong>de</strong> princípios e <strong>de</strong> preceitos o art. 29, ou seja, uma norma principial<br />
e uma norma preceitual. A norma preceitual do inciso V do art. 29 é autoaplicável.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Uma curiosida<strong>de</strong>: quando da<br />
fixação da verba <strong>de</strong> representação, já havia a Constituição do Estado?<br />
O Sr. Advogado: Não. Aliás, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, pela or<strong>de</strong>m, só para esclarecer<br />
um aspecto.<br />
O recurso extraordinário – como bem salientou o ilustre Ministro Relator<br />
– versa sobre a questão da ultra-ativida<strong>de</strong> da Lei Orgânica dos Municípios<br />
do Estado <strong>de</strong> São Paulo, tendo em vista que o Município ainda estava no prazo<br />
dos <strong>de</strong>zoito meses; segundo, a questão <strong>de</strong> que o subsídio, em si, do Prefeito,<br />
do Recorrente, ele foi, sim, fixado, observando-se a regra ou princípio, melhor<br />
dizendo, da inalterabilida<strong>de</strong>. Por quê? Porque o subsídio foi fixado no final da<br />
legislatura para vigorar na subseqüente, exatamente quando ele foi prefeito.
852<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa cláusula foi obe<strong>de</strong>cida?<br />
O Sr. Advogado: A do subsídio foi. Da verba <strong>de</strong> representação...<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): A verba <strong>de</strong> representação foi<br />
majorada, não foi?<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): O que se está discutindo é exatamente<br />
isso, a verba <strong>de</strong> representação.<br />
Mas o Ministro Marco Aurélio disse muito bem. O que vai reger a rescisão<br />
é saber o seguinte: aqueles que consi<strong>de</strong>ram auto-aplicável o dispositivo, o recurso<br />
não po<strong>de</strong> ser conhecido, na linha até do prece<strong>de</strong>nte a que estou me referindo.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Pela nova nomenclatura, seria<br />
conhecimento e <strong>de</strong>sprovimento.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: É <strong>de</strong>sprovimento.<br />
O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Estou com a nomenclatura do<br />
STJ. Então seria negar provimento.<br />
Aqueles que enten<strong>de</strong>m que, ao contrário, ele não é auto-aplicável, porque<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação na lei orgânica, aí têm <strong>de</strong> conhecer e prover. A dificulda<strong>de</strong><br />
toda é saber o seguinte: ele é ou não auto-aplicável, porque, na redação<br />
original do art. 29, havia essa cláusula, completa. Se se enten<strong>de</strong> que ele é autoaplicável<br />
– que é o meu caso –, conheço e nego provimento na nomenclatura do<br />
Supremo, como disse o Ministro Marco Aurélio. Quem enten<strong>de</strong> não ser, não<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conhecer e prover.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Quando estou dizendo a V. Exa. – só para<br />
concluir – que o art. 29...<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Ministro, estou sendo compelido<br />
a aumentar a minha “autonomia”.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Está certo. Sendo assim cessa tudo que a antiga<br />
musa canta.<br />
VOTO<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, ouvi todas as observações.<br />
Para chegar a conclusão e acompanhar o nobre Relator, estou partindo <strong>de</strong><br />
um dado relativo <strong>de</strong> “consi<strong>de</strong>ração” <strong>de</strong> que a norma do art. 29, inciso V, é <strong>de</strong> eficácia<br />
plena – produz todos os seus efeitos na entrada em vigor –, na circunstância<br />
<strong>de</strong> que a Constituição mudou a fe<strong>de</strong>ração brasileira. Portanto, se começarmos a<br />
<strong>de</strong>cotar e <strong>de</strong>ixar que ela se planifique um ano e seis meses <strong>de</strong>pois – prazo máximo,<br />
pois alguns fizeram isso antes –, teríamos que recomeçar a interpretar <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o art. 1º, que incluiu pela primeira vez o Município como entida<strong>de</strong> da fe<strong>de</strong>ração<br />
dotada <strong>de</strong> autonomia e, portanto, exercendo essa autonomia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 1988. Em vários pontos, muitos dos princípios inerentes ou <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sse
R.T.J. — <strong>204</strong> 853<br />
art. 1º da Constituição, que incluiu o Município na fe<strong>de</strong>ração – e não mais como<br />
ente estadual –, já passaram a ter plenamente a sua eficácia, ou seja, a produzir<br />
efeito.<br />
Em segundo lugar, foram trazidos aqui, pelo nobre advogado, pareceres<br />
da lavra <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s juristas – ele citou, entre outros, Adilson Dallari – dizendo<br />
exatamente que havia uma norma anterior. Isso não me toca em nada, porque<br />
posso oferecer outro nome, Dalmo Dallari, com parecer em sentido contrário,<br />
afirmando que aquela lei orgânica dos Estados – <strong>de</strong> que todos os Estados falavam<br />
– já afrontaria o art. 15, aquele que se referia à autonomia municipal na<br />
vigência na Emenda 1, <strong>de</strong> 1969. O art. 15 dizia que os Municípios teriam normas<br />
que aten<strong>de</strong>ssem às peculiarida<strong>de</strong>s locais.<br />
O professor Dalmo dizia: Como é que uma lei, para todo um Estado, aten<strong>de</strong><br />
às peculiarida<strong>de</strong>s locais?<br />
Não vamos discutir a constitucionalida<strong>de</strong>, ou não <strong>de</strong>ssa norma, mas apenas<br />
registrar que havia realmente uma parcela da doutrina, a corrente administrativista,<br />
que pon<strong>de</strong>rava nesse sentido e havia outra, a constitucionalista, dizendo<br />
que aquela interpretação já não valia. Então, isso também não me toca. Por outro<br />
lado, só foi recepcionada a norma compatível com os princípios e, principalmente,<br />
com regras <strong>de</strong> competência.<br />
O que se põe no art. 29, inciso V, não é exatamente um princípio, mas uma<br />
regra <strong>de</strong> competência, e as competências foram estabelecidas <strong>de</strong> forma muito<br />
<strong>de</strong>finitiva e com vigência a partir <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988 também. A partir daí,<br />
tenho para mim que não po<strong>de</strong>ria mais uma norma, que já era questionada na vigência<br />
da emenda <strong>de</strong>caída, continuar a produzir efeitos, principalmente porque<br />
a autonomia do Município não se exerceria na sua organização completa, senão<br />
<strong>de</strong>pois do advento das constituições estaduais, que, por sua vez, não po<strong>de</strong>riam<br />
tratar do assunto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988, porque a competência tinha ficado<br />
com os Municípios e com o seu órgão específico, a saber, a Câmara Municipal.<br />
Por tudo isso, tenho para mim que não só produziu efeitos plenos, como<br />
uma norma superveniente a esta Constituição não po<strong>de</strong>ria ter tratado do assunto<br />
da forma como tratou.<br />
A observação do Ministro Marco Aurélio <strong>de</strong> que a remuneração tem uma<br />
parte fixa – o subsídio na vigência anterior à Emenda 19, a parte variável da<br />
representação – esbarra nessa prejudicial. Portanto, se superar isso, quero voltar<br />
ao assunto.<br />
Porém, o não-provimento <strong>de</strong>ste recurso <strong>de</strong>ve-se a esta circunstância: há<br />
um embaraço constitucional, ou seja, há uma norma fixadora <strong>de</strong> regra <strong>de</strong> competência<br />
que modificou quem po<strong>de</strong>ria tratar do assunto e que vigorou como regra<br />
<strong>de</strong> competência e, até para cumprir o art. 1º da Constituição, fixou o Município<br />
como entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988 e permitiu transcen<strong>de</strong>r os<br />
seus efeitos temporalmente para acolher uma situação que não estava inicialmente<br />
prevista.
854<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Deixo <strong>de</strong> fazer consi<strong>de</strong>rações sobre a questão da representação, que realmente,<br />
antes da Emenda 19, <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998, não falava na expressão horrorosa<br />
“parcela única”. Se é parcela, é parte; se é parte, é porque não é única. A<br />
remuneração é a totalida<strong>de</strong> daquilo que se aufere, havendo sempre uma parte <strong>de</strong><br />
vencimento <strong>de</strong> subsídio e uma parte variável. Aí se comportaria a representação,<br />
porém há o pressuposto.<br />
Por essas razões acompanho integralmente o voto do eminente Relator.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, também acompanho<br />
o bem lançado voto do eminente Ministro Relator em que pesem outros<br />
argumentos levantados nesta sessão.<br />
Assim o faço, além dos argumentos já explicitados no voto e em outros já<br />
levantados pelos Colegas – sobretudo pela eminente Ministra Cármen Lúcia –<br />
pelo fato <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que o art. 29, V, é auto-executável, tem eficácia plena e<br />
aplicabilida<strong>de</strong> imediata, até pela técnica redacional com que é vazado. Isso em<br />
primeiro lugar.<br />
Em segundo lugar, parece-me, com todo o respeito, não haver razão lógica,<br />
jurídica ou política para enten<strong>de</strong>r que a remuneração seja fixada <strong>de</strong> uma legislatura<br />
para outra e a verba <strong>de</strong> representação não. Afigura-se-me, conforme assentado<br />
muito bem pelo eminente Ministro Carlos Britto, que a verba <strong>de</strong> representação<br />
integra efetivamente o conceito <strong>de</strong> remuneração.<br />
Em terceiro lugar, há um prece<strong>de</strong>nte específico <strong>de</strong>sta Corte, o RE 122.521/91,<br />
relatado pelo eminente Ministro Ilmar Galvão.<br />
Por essas razões, acompanho o voto do Relator.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presi<strong>de</strong>nte, entendo que o art. 29,<br />
nesse inciso V, é uma norma – conforme eu propus, na companhia <strong>de</strong> Celso Bastos<br />
– <strong>de</strong> pronta aplicabilida<strong>de</strong>, está pronta, perfeita e acabada para ser aplicada.<br />
Agora, não só essa, mas todos os outros preceitos do art. 29 são também normas<br />
<strong>de</strong> pronta aplicabilida<strong>de</strong>, basta lembrar o seguinte:<br />
Art. 29. (...)<br />
VIII – inviolabilida<strong>de</strong> dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício<br />
do mandato e na circunscrição do Município; (Renumerado do inciso VI, pela Emenda Constitucional<br />
1, <strong>de</strong> 1992.)<br />
Isso ficaria no aguardo da lei orgânica a ser elaborada no prazo máximo <strong>de</strong><br />
18 meses? Claro que não.<br />
IX – proibições e incompatibilida<strong>de</strong>s, no exercício da vereança, similares, no que couber,<br />
ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição<br />
do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa; (Renumerado do inciso VII,<br />
pela Emenda Constitucional 1, <strong>de</strong> 1992.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 855<br />
X – julgamento do Prefeito perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça; (Renumerado do inciso VIII,<br />
pela Emenda Constitucional 1, <strong>de</strong> 1992.)<br />
Tudo isso é <strong>de</strong> pronta aplicabilida<strong>de</strong>. O que a Constituição quis, ao avançar<br />
preceitos, não esperando, portanto, pela lei orgânica dos Municípios, foi impedir<br />
que a or<strong>de</strong>m constitucional velha sobrevivesse, atravessasse incólume a or<strong>de</strong>m<br />
constitucional nova.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro Carlos Britto, apenas para lembrar<br />
que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro, por exemplo, os direitos dos cidadãos a ter o cumprimento<br />
<strong>de</strong>ssas normas estavam fixados <strong>de</strong> forma tão taxativa que é a única parte<br />
que contém a <strong>de</strong>terminação da participação direta do cidadão. A partir <strong>de</strong> então,<br />
todo cidadão tem direito ao acesso às contas públicas dos prefeitos.<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Muito bem. E o Ministro Ricardo Lewandowski<br />
acaba <strong>de</strong> lembrar, na linha do voto do Relator, que a remuneração é gênero, a verba<br />
<strong>de</strong> representação é espécie, e esse acessório segue a sorte do principal, ou seja, o<br />
conteúdo segue a sorte do continente no que tange a essa cláusula <strong>de</strong> vali<strong>de</strong>z <strong>de</strong> uma<br />
legislatura para outra.<br />
De maneira que, data venia <strong>de</strong> quem entenda diferentemente, acompanho o<br />
voto do Relator para também <strong>de</strong>sprover o recurso extraordinário.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presi<strong>de</strong>nte): Peço vênia aos Colegas, mas<br />
formei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, entendimento contrário ao que até aqui foi exteriorizado.<br />
O que tivemos com a Carta <strong>de</strong> 1988? Uma nova disciplina, sem dúvida<br />
alguma, constitucional. E caminhou-se para uma ênfase maior no tocante aos<br />
Municípios que, constituindo-se frações do próprio Estado, passaram a ser tidos –<br />
conforme já ressaltou a Ministra Cármen Lúcia – como formadores da República.<br />
É o que nos vem realmente do art. 1º da Lei Maior:<br />
Art. 1º A República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados<br />
e Municípios e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, constitui-se em Estado Democrático <strong>de</strong> Direito e tem como<br />
fundamentos:<br />
Sob a égi<strong>de</strong> da Constituição anterior, o tratamento era substancialmente diverso.<br />
Tanto assim que, se verificarmos, constataremos que havia capítulo único<br />
a versar Estados e Municípios. É certo que, no art. 15, previu-se que seria assegurada<br />
a autonomia municipal, e, então, revelou-se o mecanismo para tanto: pela<br />
eleição direta <strong>de</strong> prefeito, vice-prefeito e vereadores, pela administração própria<br />
no que respeite a peculiar interesse.<br />
Quando da vinda da Carta <strong>de</strong> 1988, havia, no Estado <strong>de</strong> São Paulo, uma<br />
lei orgânica abrangente, linear, que jamais foi impugnada, sob o ângulo da autonomia<br />
<strong>de</strong> cada Município, no Supremo, visando, portanto, ao que seria, sob tal<br />
ângulo, a eficácia da Carta pretérita. Foi promulgada a Constituição <strong>de</strong> 1988, e<br />
previu-se que cada assembléia legislativa, em preceito transitório, elaboraria a<br />
constituição do Estado no prazo <strong>de</strong> um ano, e os Municípios, cada qual, a lei<br />
orgânica respectiva <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seis meses a partir da promulgação da Constituição<br />
estadual.
856<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Verifica-se situação concreta residual que diz respeito a um espaço <strong>de</strong> tempo<br />
em que ainda se estava elaborando a lei maior do Estado e também se estava<br />
cogitando da lei orgânica <strong>de</strong> cada Município. A Carta Fe<strong>de</strong>ral trouxe regras básicas<br />
a serem observadas pelo legislador municipal na elaboração da lei orgânica<br />
do Município. Previu-se que, <strong>de</strong> forma inafastável, ter-se-ia que aten<strong>de</strong>r a princípios,<br />
constantes da Constituição, e a preceitos. Existe a dualida<strong>de</strong>. Não po<strong>de</strong>mos<br />
atribuir ao constituinte a inserção <strong>de</strong> regras ou <strong>de</strong> vocábulos sem sentido próprio.<br />
Há o direcionamento no sentido <strong>de</strong> levar-se em conta princípios da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral e preceitos, enumerados nos incisos do art. 29, que <strong>de</strong>veriam, portanto,<br />
ser transportados, visando à vigência no Município, para a lei orgânica municipal.<br />
Entre estes constou a fixação temporal dos subsídios.<br />
Sim, não há a menor dúvida <strong>de</strong> que, no inciso V, ao se versarem subsídios,<br />
vinculou-se a fixação na legislatura prece<strong>de</strong>nte para vigorarem – subsídios propriamente<br />
ditos, parcela única a qual a prática revela não ser bem única – na<br />
legislatura seguinte. Se estivéssemos diante <strong>de</strong> um princípio constitucional, haveria<br />
até uma cláusula pétrea, a partir da sinonímia, para mim, pelo menos, entre<br />
princípio e o que se enten<strong>de</strong> como cláusula pétrea. Mas não nos <strong>de</strong>frontamos com<br />
um princípio constitucional, mas com uma disposição – não vou falar em preceito<br />
– que <strong>de</strong>veria ser adotada pelo legislador na Câmara Municipal. E a Emenda<br />
Constitucional 19 expungiu essa limitação temporal para ter-se a vigência dos<br />
subsídios, e o fez ao afastar, do inciso V do art. 29, a referência à estipulação dos<br />
subsídios na legislatura, e não na sessão legislativa anterior. Creio que não pesa<br />
qualquer dúvida a respeito.<br />
Indago: teríamos, no inciso V, uma disposição auto-aplicável a afastar a<br />
atuação do legislador municipal? A resposta, para mim, é negativa, mesmo porque,<br />
se realmente tivéssemos essa disposição, não haveria remessa ao instrumental,<br />
que é a lei orgânica do Município. E, então, já se teria subsídios até mesmo fixados<br />
pela Carta <strong>de</strong> 1988.<br />
Em uma opção política normativa, sem a participação, ao menos direta, do<br />
chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, a Câmara Municipal – observada a lei orgânica que<br />
estava em vigor, porque ainda não havia sido elaborada a lei orgânica prevista<br />
na Carta <strong>de</strong> 1988 – estabeleceu vigência imediata <strong>de</strong> uma parcela remuneratória.<br />
No particular, em que pese o prece<strong>de</strong>nte da Turma – a homenagem que<br />
sempre presto ao Relator, Ministro Ilmar Galvão, e há uma curiosida<strong>de</strong>: somos<br />
compadres seis vezes –, não empresto ao inciso V do art. 29 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral eficácia a ponto <strong>de</strong> afastar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão na lei orgânica<br />
específica do Município.<br />
Peço vênia aos Colegas, portanto, para conhecer e prover o recurso.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE <strong>204</strong>.889/SP — Relator: Ministro Menezes Direito. Recorrente: Antonio<br />
Carlos Pannunzio (Advogado: Francisco Antônio Miranda Rodrigues). Recorrido:<br />
Estado <strong>de</strong> São Paulo (Advogada: Marilia Pereira Gonçalves Cardoso).
R.T.J. — <strong>204</strong> 857<br />
Decisão: A Turma, por maioria <strong>de</strong> votos, conheceu do recurso extraordinário,<br />
mas lhe negou provimento; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presi<strong>de</strong>nte.<br />
Falou o Dr. Francisco Antonio Miranda Rodrigues, pelo Recorrente.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceu<br />
o Ministro Cezar Peluso, a fim <strong>de</strong> julgar processos a ele vinculados,<br />
ocupando a ca<strong>de</strong>ira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República,<br />
Dr. Edson Oliveira <strong>de</strong> Almeida.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
858<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 229.096 — RS<br />
Relator: O Sr. Ministro Ilmar Galvão<br />
Relatora para o acórdão: A Sra. Ministra Cármen Lúcia (art. 38, IV, b, do<br />
RI<strong>STF</strong>)<br />
Recorrente: Central Riogran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Agroinsumos Ltda. — Recorrido:<br />
Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Direito tributário. Recepção pela Constituição da República<br />
<strong>de</strong> 1988 do Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio. Isenção <strong>de</strong><br />
tributo estadual prevista em tratado internacional firmado pela<br />
República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Art. 151, inciso III, da Constituição<br />
da República. Art. 98 do Código Tributário Nacional. Não-<br />
caracterização <strong>de</strong> isenção heterônoma. Recurso extraordinário<br />
conhecido e provido.<br />
1. A isenção <strong>de</strong> tributos estaduais prevista no Acordo Geral<br />
<strong>de</strong> Tarifas e Comércio para as mercadorias importadas dos países<br />
signatários quando o similar nacional tiver o mesmo benefício foi<br />
recepcionada pela Constituição da República <strong>de</strong> 1988.<br />
2. O art. 98 do Código Tributário Nacional “possui caráter<br />
nacional, com eficácia para a União, os Estados e os Municípios”<br />
(voto do eminente Ministro Ilmar Galvão).<br />
3. No direito internacional apenas a República Fe<strong>de</strong>rativa<br />
do Brasil tem competência para firmar tratados (art. 52, § 2º, da<br />
Constituição da República), <strong>de</strong>la não dispondo a União, os Estados-membros<br />
ou os Municípios. O Presi<strong>de</strong>nte da República não<br />
subscreve tratados como Chefe <strong>de</strong> Governo, mas como Chefe <strong>de</strong><br />
Estado, o que <strong>de</strong>scaracteriza a existência <strong>de</strong> uma isenção heterônoma,<br />
vedada pelo art. 151, inciso III, da Constituição.<br />
4. Recurso extraordinário conhecido e provido.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong>,<br />
conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário. Votou a Presi<strong>de</strong>nte.<br />
Não votou o Ministro Carlos Britto, por suce<strong>de</strong>r ao Ministro Ilmar Galvão, que<br />
já proferira voto.<br />
Brasília, 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Recurso que, na forma do art. 102, III, a e b,<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, foi interposto contra acórdão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do
R.T.J. — <strong>204</strong> 859<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, pelo qual foi consi<strong>de</strong>rada não recebida pela nova Constituição,<br />
que retirou da União o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> isentar tributo estadual, a isenção do ICMS<br />
que até então vigorava relativamente à mercadoria importada <strong>de</strong> País signatário<br />
do Gatt, quando isento o similar nacional; e pelo qual, ainda, foi tido por <strong>de</strong>vido<br />
o tributo no momento do <strong>de</strong>sembaraço aduaneiro da mercadoria importada.<br />
Alega a Recorrente haver a referida <strong>de</strong>cisão ofendido o art. 155, III e IX, da<br />
Constituição e o art. 34, § 8º, do ADCT. Sustenta, mais, a constitucionalida<strong>de</strong> do<br />
art. 1º, II, do Decreto-Lei 406/68 e do Tratado do Gatt.<br />
O recurso, regularmente processado, foi admitido na origem, simultaneamente<br />
com recurso especial, <strong>de</strong> que não conheceu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />
A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. Roberto Monteiro<br />
Gurgel Santos, opinou no sentido do provimento do recurso.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Ilmar Galvão (Relator): Proferiu o acórdão recorrido duas<br />
<strong>de</strong>cisões: primeiramente, afirmou a não-recepção, pela Carta <strong>de</strong> 1988, <strong>de</strong> tratados<br />
que estabeleceram isenção <strong>de</strong> tributos estaduais; assentando, em segundo lugar,<br />
que o fato gerador do ICMS relativo a importações ocorre no momento do <strong>de</strong>sembaraço<br />
aduaneiro da mercadoria.<br />
De examinar-se, inicialmente, por óbvio, se, em verda<strong>de</strong>, são incompatíveis<br />
com a norma do art. 151, III, da Constituição os tratados que estabelecem isenção<br />
<strong>de</strong> tributo <strong>de</strong> competência dos Estados.<br />
Esse, justamente, o campo em que se projeta o art. 98 do CTN, ao dispor, <strong>de</strong><br />
modo enfático, que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam<br />
a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhe sobrevenha”.<br />
Observe-se que a disposição em tela não fez qualquer ressalva ligada à<br />
proveniência da lei, se do legislador fe<strong>de</strong>ral, do estadual ou do municipal. Por um<br />
motivo <strong>de</strong> fácil intuição. É que o CTN, sabidamente, tem status reconhecido <strong>de</strong><br />
lei complementar, reunindo as normas gerais em matéria <strong>de</strong> legislação tributária,<br />
exigidas pelo art. 146, III, da Carta <strong>de</strong> 1988.<br />
Conseqüentemente, possui caráter nacional, com eficácia para a União, os<br />
Estados e os Municípios.<br />
Esse especial fenômeno jurídico-institucional mereceu do renomado e<br />
saudoso Geraldo Ataliba precioso estudo (in Estudos jurídicos em homenagem a<br />
Vicente Ráo, p. 131 e seguintes), <strong>de</strong> que, por sua percuciência, merecem transcrição<br />
os seguintes excertos:<br />
As normas gerais <strong>de</strong> direito financeiro e tributário são, por <strong>de</strong>finição e pela sistemática<br />
constitucional, leis nacionais; leis que não se circunscrevem ao âmbito <strong>de</strong> qualquer pessoa<br />
política, mas os transcen<strong>de</strong>m aos três. Não se confun<strong>de</strong>m com a lei fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal<br />
e têm seu campo próprio e específico, exclu<strong>de</strong>nte das outras três e reciprocamente.<br />
(...)
860<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
A distinção entre norma nacional (geral, global, total) e norma simplesmente fe<strong>de</strong>ral<br />
(parcial, central) é melhor compreendida da meditação sobre a argumentação <strong>de</strong> Kelsen contra<br />
a tese <strong>de</strong> que a supremacia da competência, no estado fe<strong>de</strong>ral, se radica na União.<br />
Ao <strong>de</strong>monstrar a insubsistência <strong>de</strong>ste pensamento, adverte, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lúcidas e oportunas<br />
consi<strong>de</strong>rações, que a supremacia da competência correspon<strong>de</strong> sempre à or<strong>de</strong>m total,<br />
jamais a qualquer das or<strong>de</strong>ns parciais. “Por isso, quando se fala que a União – pura e simplesmente<br />
– possui a supremacia da competência, <strong>de</strong>ve-se pensar na União como or<strong>de</strong>m total<br />
(global) e não como mera or<strong>de</strong>m central”.<br />
(...)<br />
Passamos a palavra a um dos mais autorizados publicistas brasileiros (C. A. Ban<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> Mello, “Natureza Jurídica do Estado Fe<strong>de</strong>ral”), para sintetizar, em poucas linhas, o pensamento<br />
kelseniano (...):<br />
“(...)<br />
A fe<strong>de</strong>ração compreen<strong>de</strong> três or<strong>de</strong>ns jurídicas distintas; a coletivida<strong>de</strong> central,<br />
as coletivida<strong>de</strong>s-membros e a comunida<strong>de</strong> total. As duas primeiras or<strong>de</strong>ns são juridicamente<br />
iguais, porque estão, na mesma medida, subordinadas à or<strong>de</strong>m jurídica superior<br />
– a comunida<strong>de</strong> total. Elas são or<strong>de</strong>ns jurídicas parciais, pois as suas competências<br />
se circunscrevem somente a certas matérias que lhes foram conferidas pela or<strong>de</strong>m<br />
jurídica total.<br />
As or<strong>de</strong>ns jurídicas parciais, ao passo que se acham subordinadas à or<strong>de</strong>m jurídica<br />
total – que possui a suprema competência – encontram-se entre si numa relação<br />
<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação. A coletivida<strong>de</strong> central e as coletivida<strong>de</strong>s-membros compreen<strong>de</strong>m dois<br />
sistemas harmônicos que se encerram na coletivida<strong>de</strong> total. Esta constitui verda<strong>de</strong>iramente<br />
o Estado fe<strong>de</strong>ral, pois, como or<strong>de</strong>m jurídica total, abarca as duas or<strong>de</strong>ns jurídicas<br />
parciais – União e membros – e surge na sua completa integrida<strong>de</strong>.<br />
A chamada ‘constituição fe<strong>de</strong>ral’ po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sdobrada em duas cartas distintas: a<br />
constituição total e a constituição da União. A constituição total compreen<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong>ira<br />
constituição fe<strong>de</strong>ral e regula, portanto, os po<strong>de</strong>res do Estado fe<strong>de</strong>ral. A constituição<br />
da União dispõe somente sobre as competências da coletivida<strong>de</strong> central, <strong>de</strong>legadas<br />
pela constituição total. Ela se encontra em plano idêntico ao das constituições dos<br />
Estados-membros, que regem as competências outorgadas pela Constituição total às<br />
coletivida<strong>de</strong>s parciais. Desse modo se evitam confusões como as que quotidianamente<br />
ocorrem entre a União – uma das coletivida<strong>de</strong>s parciais – e o Estado fe<strong>de</strong>ral – a comunida<strong>de</strong><br />
total.”<br />
(...)<br />
Em nada discrepa (...) a inteligência que sobre a questão manifesta Sampaio Doria;<br />
são suas palavras:<br />
“Nação se compõe da União, dos Estados, e, além <strong>de</strong>stes e daquela, o Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e os territórios. O continente não é a União, <strong>de</strong> que os estados fossem o conteúdo.<br />
O continente é a Nação soberana, e são conteúdos seus a União, os Estados e, mais,<br />
o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os territórios (Direito Constitucional, p. 483).<br />
(...)<br />
Idêntica compreensão da matéria tem a privilegiada inteligência <strong>de</strong> Vítor Nunes Leal,<br />
que ensina:<br />
A doutrina tradicional erroneamente i<strong>de</strong>ntifica a União com o Estado Fe<strong>de</strong>ral<br />
total. Cada uma das comunida<strong>de</strong>s parciais, tanto a União como os Estados-membros,<br />
baseia-se na sua própria Constituição – a Constituição da União e a Constituição do<br />
Estado-membro. Todavia, a Constituição da União, chamada ‘Constituição Fe<strong>de</strong>ral’, é,<br />
ao mesmo tempo, a Constituição do Estado Fe<strong>de</strong>ral total.<br />
Límpida e cristalinamente se vê que a constituição da União ‘dispõe somente<br />
sobre as competências da coletivida<strong>de</strong> central’ juridicamente parificada às constituições<br />
dos estados fe<strong>de</strong>rados.”<br />
(“Problemas <strong>de</strong> Direito Positivo”.)<br />
Desse modo, a regra do art. 98 do CTN estabeleceu, na forma prevista<br />
na Constituição, norma geral, para observância por todos os entes fe<strong>de</strong>rativos.<br />
Constitui, portanto, por igual, lei nacional.
R.T.J. — <strong>204</strong> 861<br />
Ulhoa Canto, um dos elaboradores do projeto que resultou no CTN, em<br />
<strong>de</strong>poimento que se acha na <strong>Revista</strong> dos Tribunais 267, p. 25, esclarece haver o<br />
dispositivo em questão sido inspirado na jurisprudência do <strong>STF</strong>, segundo a qual,<br />
as leis instituidoras dos tributos não eram po<strong>de</strong>rosas o bastante para tornar sem<br />
efeito as normas isentivas contidas nos tratados firmados pelo Brasil.<br />
Assinala, entretanto, que a partir do RE 80.004, julgado em 1977, esta Corte<br />
mudou <strong>de</strong> posição, ao <strong>de</strong>cidir, por ampla maioria, que o tratado não prepon<strong>de</strong>ra<br />
sobre a lei fe<strong>de</strong>ral.<br />
Analisando-se o mencionado acórdão, todavia, verifica-se ter ele versado<br />
controvérsia travada no campo do direito comercial (Convenção <strong>de</strong> Genebra<br />
acerca <strong>de</strong> uma Lei Uniforme sobre Letras <strong>de</strong> Câmbio e Notas Promissórias),<br />
havendo alguns votos afastado, <strong>de</strong> passagem, a incompatibilida<strong>de</strong> do art. 98 do<br />
CTN com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral justamente ao fundamento <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong><br />
norma restrita à legislação tributária.<br />
É certo que outras vozes se fizeram ouvir, durante o referido julgamento,<br />
no sentido <strong>de</strong> que refere o dispositivo não quaisquer tratados ou convenções,<br />
mas tão-somente os tratados-contratos, asserção que mereceu, <strong>de</strong> parte do Ministro<br />
Rodrigues Alkmin, escudado em Rousseau, a observação <strong>de</strong> que o tratado<br />
internacional, pela sua natureza e por seus caracteres formais, é irredutível a um<br />
contrato.<br />
Não é menos certo, porém, que, por meio <strong>de</strong> inúmeros pronunciamentos<br />
que se seguiram, o <strong>STF</strong>, embora sob a égi<strong>de</strong> da EC 1/69, reconheceu, ainda que<br />
implicitamente, a constitucionalida<strong>de</strong> da mencionada norma complementar, ao<br />
admitir a preeminência do Gatt sobre as leis tributárias dos Estados-membros<br />
(RE 113.150, Min. Carlos Ma<strong>de</strong>ira, e RE 113.701 e RE 114.950, Min. Moreira<br />
Alves).<br />
Em verda<strong>de</strong>, se lei <strong>de</strong> caráter nacional estabeleceu a proeminência dos tratados<br />
<strong>de</strong> natureza tributária sobre as leis, abstração feita <strong>de</strong> sua origem fe<strong>de</strong>ral,<br />
estadual ou municipal, neles reconheceu o caráter, por igual, <strong>de</strong> fonte normativa<br />
nacional, aliás, em consonância com o conceito <strong>de</strong> que o Estado Fe<strong>de</strong>ral, ou a<br />
Nação, é pessoa soberana <strong>de</strong> direito público internacional, que atua, juntamente<br />
com os <strong>de</strong>mais Estados soberanos, no palco do direito das gentes, categoria que,<br />
ainda no dizer <strong>de</strong> Geraldo Ataliba (op. e loc. cits.), “nenhuma relação guarda com<br />
as eventuais divisões políticas internas. (...) Para o direito das gentes – ou seja,<br />
para efeitos <strong>de</strong> direito internacional – há um só Estado. Para o direito interno, o<br />
Estado nacional (ou geral) e a União simples pessoa <strong>de</strong> direito público interno,<br />
em oposição aos Estados fe<strong>de</strong>rados”.<br />
Nesse mesmo sentido a lição <strong>de</strong> Paulo Bonavi<strong>de</strong>s (Ciência Política, 10. ed.,<br />
Malheiros, p. 182):<br />
O Estado fe<strong>de</strong>ral, se<strong>de</strong> da summa potestas, a saber, da soberania, aparece por único<br />
sujeito <strong>de</strong> direito na or<strong>de</strong>m internacional, toda a vez que se trate <strong>de</strong> atos que impliquem exteriorização<br />
originária da vonta<strong>de</strong> soberana.
862<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
É esse grau na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r que se move externamente com absoluta in<strong>de</strong>pendência<br />
o traço mais visível com que distinguir o Estado fe<strong>de</strong>ral das coletivida<strong>de</strong>s estatais<br />
associadas.<br />
(...)<br />
O monopólio da personalida<strong>de</strong> internacional por parte do Estado fe<strong>de</strong>ral – porquanto<br />
somente ele, segundo Kunz, comparece perante o forum do Direito das Gentes, tornando<br />
mediata e <strong>de</strong> segundo plano a ação internacional dos Estados fe<strong>de</strong>rados, <strong>de</strong> presença externa<br />
sempre acobertada ou afiançada pelo po<strong>de</strong>r soberano da organização fe<strong>de</strong>ral – induziu a<br />
Kelsen, Kunz e alguns internacionalistas da chamada Escola <strong>de</strong> Viena a tomarem o Estado<br />
fe<strong>de</strong>ral como dotado da mesma natureza ou estrutura do Estado unitário, havendo entre ambos<br />
tão-somente diferença <strong>de</strong> grau e não <strong>de</strong> fundamento.<br />
Diante <strong>de</strong> conceitos tão nítidos e incontestáveis, resulta possível a afirmação<br />
<strong>de</strong> que o referido art. 98 do CTN, ao proclamar a supremacia dos acordos<br />
internacionais, em torno <strong>de</strong> matéria tributária, sobre a lei, indistintamente, outra<br />
coisa não fez senão explicitar a realida<strong>de</strong> jurídica, ou seja, o caráter geral e, pois,<br />
nacional dos tratados em matéria tributária, assinalando que não expressam eles<br />
ato normativo emanado da União, como mera or<strong>de</strong>m central, mas da União, or<strong>de</strong>m<br />
total e, como tal, en<strong>de</strong>reçado a todos os brasileiros.<br />
A visualização do fenômeno jurídico dos tratados sob esse prisma conduz<br />
à conclusão, inafastável, <strong>de</strong> que o tratado que dispõe sobre isenção tributária,<br />
como o <strong>de</strong> que tratam os autos – o Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio (GATT) –,<br />
não ofen<strong>de</strong> a norma do art. 151, III, da Constituição, segundo a qual “é vedado à<br />
União: (...) III – instituir isenções <strong>de</strong> tributos da competência dos Estados, do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral ou dos Municípios.”<br />
Pelo singelo motivo <strong>de</strong> que se limita o dispositivo a vedar que, por meio <strong>de</strong><br />
lei ditada no âmbito da competência <strong>de</strong> ente central da fe<strong>de</strong>ração, venha a União<br />
a afastar a exigência <strong>de</strong> tributo estranho à sua competência constitucional, fato<br />
que, no caso, como <strong>de</strong>monstrado, não ocorre.<br />
Ao esposar entendimento em sentido adverso, portanto, é fora <strong>de</strong> dúvida<br />
haver o acórdão dado interpretação equivocada ao mencionado dispositivo,<br />
malferindo-o, razão pela qual, no ponto, não po<strong>de</strong> subsistir.<br />
Meu voto, conseqüentemente, é no sentido <strong>de</strong> conhecer do recurso e <strong>de</strong><br />
dar-lhe provimento.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 229.096/RS — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Recorrente: Central<br />
Riogran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Agroinsumos Ltda. (Advogados: Gustavo Nygaard e outros).<br />
Recorrido: Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Advogados: PGE/RS – Carlos Henrique<br />
Kaipper e outros).<br />
Decisão: Remetido ao Tribunal Pleno. Unânime. Presidiu o julgamento o<br />
Ministro Sydney Sanches na ausência, ocasional, do Ministro Moreira Alves.<br />
Primeira Turma, 14-12-98.<br />
Decisão: Após o voto do Ministro Ilmar Galvão (Relator), conhecendo e<br />
dando provimento ao recurso extraordinário, o julgamento foi suspenso em virtu<strong>de</strong><br />
do pedido <strong>de</strong> vista formulado pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Ausente,
R.T.J. — <strong>204</strong> 863<br />
justificadamente, o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (Presi<strong>de</strong>nte). Presidiu o julgamento<br />
o Ministro Carlos Velloso (Vice-Presi<strong>de</strong>nte).<br />
Presidência do Ministro Carlos Velloso, Vice-Presi<strong>de</strong>nte. Presentes à<br />
sessão os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio<br />
Gallotti, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e<br />
Nelson Jobim. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brin<strong>de</strong>iro.<br />
Brasília, 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1999 — Luiz Tomimatsu, Coor<strong>de</strong>nador.<br />
VOTO<br />
(Vista)<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence:<br />
I<br />
Discute-se o recebimento pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 do Acordo<br />
Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio (GATT), na parte em que conce<strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> tributo<br />
estadual ao produto importado quando seu similar nacional <strong>de</strong>la seja beneficiário,<br />
tendo em vista o disposto no art. 151, III, da Constituição.<br />
O em. Relator, Ministro Ilmar Galvão, após afirmar que o art. 98 do Código<br />
Tributário Nacional – segundo o qual “os tratados e as convenções internacionais<br />
revogam ou modificam a legislação interna e serão observados pela que<br />
lhe sobrevenha” – foi recebido pela Constituição com status <strong>de</strong> lei complementar<br />
e – com fundamento na doutrina <strong>de</strong> Geraldo Ataliba, Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Mello, Sampaio Doria e Paulo Bonavi<strong>de</strong>s – tem natureza <strong>de</strong> lei nacional, concluiu<br />
que:<br />
Em verda<strong>de</strong>, se lei <strong>de</strong> caráter nacional estabeleceu a proeminência dos tratados <strong>de</strong><br />
natureza tributária sobre as leis, abstração feita <strong>de</strong> sua origem fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal,<br />
neles reconheceu o caráter, por igual, <strong>de</strong> fonte normativa nacional, aliás, em consonância com<br />
o conceito <strong>de</strong> que o Estado Fe<strong>de</strong>ral, ou a Nação, é pessoa soberana <strong>de</strong> direito público internacional,<br />
que atua, juntamente com os <strong>de</strong>mais Estados soberanos, no palco do direito das gentes,<br />
categoria que, ainda no dizer <strong>de</strong> Geraldo Ataliba, “nenhuma relação guarda com as eventuais<br />
divisões políticas internas. (...) Para o direito das gentes – ou seja, para efeitos <strong>de</strong> direito internacional<br />
– há um só Estado. Para o direito interno, o Estado nacional (ou geral) e a União<br />
simples pessoa <strong>de</strong> direito público interno, em oposição aos Estados fe<strong>de</strong>rados”.<br />
Nesse mesmo sentido a lição <strong>de</strong> Paulo Bonavi<strong>de</strong>s (Ciência Política, 10. ed., Malheiros,<br />
p. 182):<br />
“O Estado fe<strong>de</strong>ral, se<strong>de</strong> da suma potestas, a saber, da soberania, aparece por único<br />
sujeito <strong>de</strong> direito na or<strong>de</strong>m internacional, toda a vez que se trate <strong>de</strong> atos que impliquem<br />
exteriorização originária da vonta<strong>de</strong> soberana.<br />
É esse grau na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r que se move externamente com absoluta<br />
in<strong>de</strong>pendência o traço mais visível com que distinguir o Estado fe<strong>de</strong>ral das coletivida<strong>de</strong>s<br />
estatais associadas.<br />
(...)<br />
O monopólio da personalida<strong>de</strong> internacional por parte do Estado fe<strong>de</strong>ral – porquanto<br />
somente ele, segundo Kunz, comparece perante o forum do Direito das Gentes,<br />
tornado mediata e <strong>de</strong> segundo plano a ação internacional dos Estados fe<strong>de</strong>rados, <strong>de</strong><br />
presença externa sempre acobertada ou afiançada pelo po<strong>de</strong>r soberano da organização<br />
fe<strong>de</strong>ral – induziu a Kelsen, Kunz e alguns internacionalistas da chamada Escola <strong>de</strong> Viena
864<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
a tomarem o Estado Fe<strong>de</strong>ral como dotado da mesma natureza ou estrutura do Estado<br />
unitário, havendo entre ambos tão-somente diferença <strong>de</strong> grau e não <strong>de</strong> fundamento.”<br />
Diante <strong>de</strong> conceitos tão nítidos e incontestáveis, resulta possível a afirmação <strong>de</strong> que o<br />
referido art. 98 do CTN, ao proclamar a supremacia dos acordos internacionais, em torno <strong>de</strong><br />
matéria tributária, sobre a lei, indistintamente, outra coisa não fez senão explicitar a realida<strong>de</strong><br />
jurídica, ou seja, o caráter geral e, pois, nacional dos tratados em matéria tributária, assinalando<br />
que não expressam eles ato normativo emanado da União, como mera or<strong>de</strong>m central, mas<br />
da União, or<strong>de</strong>m total e, como tal, en<strong>de</strong>reçado a todos os brasileiros.<br />
A visualização do fenômeno jurídico dos tratados sob esse prisma conduz à conclusão,<br />
inafastável, <strong>de</strong> que tratado dispõe sobre isenção tributária, como o <strong>de</strong> que tratam os autos – o<br />
Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio (GATT) – não ofen<strong>de</strong> a norma do art. 151, III, da Constituição,<br />
segundo a qual “é vedado à União: (...) III – instituir isenções <strong>de</strong> tributos da competência<br />
dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou dos Municípios.”<br />
Pelo singelo motivo <strong>de</strong> que se limita o dispositivo a vedar que, por meio <strong>de</strong> lei ditada<br />
no âmbito da competência <strong>de</strong> ente central da fe<strong>de</strong>ração, venha a União a afastar a exigência<br />
<strong>de</strong> tributo estranho à sua competência constitucional, fato que, no caso, como <strong>de</strong>monstrado,<br />
não ocorre.<br />
Após o voto do Relator, pedi vista dos autos.<br />
II<br />
A fundamentação do voto do em. Ministro Ilmar Galvão é irrefutável, e<br />
não pretendo ser redundante no meu voto.<br />
Exporei, apenas, dois pontos <strong>de</strong> vista diferentes sobre o tema, já me antecipando<br />
que me alinho à conclusão do Relator.<br />
Não basta dizer que por se tratar <strong>de</strong> lei nacional estaria a União autorizada<br />
a interferir nas competências legislativas reservadas ao Estados, ao Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios: é com esse argumento que Roque Antonio Carrazza 1<br />
não admite a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> isenções heterônomas previstas em tratados internacionais:<br />
Sabemos que a União costuma celebrar tratados internacionais sobre as mais variadas<br />
matérias, inclusive tributárias. A maioria dos tratados <strong>de</strong> conteúdo tributário tem por objeto o<br />
imposto sobre a renda (mais especificamente, a eliminação ou atenuação da dupla tributação<br />
da renda auferida por pessoas físicas ou jurídicas); alguns <strong>de</strong>stes tratados tributários, porém,<br />
alcançam tributos <strong>de</strong> competência estadual, municipal ou distrital.<br />
Pois bem, a pergunta que formulamos é a seguinte: po<strong>de</strong> a União, por meio <strong>de</strong> tratados<br />
internacionais, dispor sobre tributos estaduais, municipais ou distritais? Ou, se preferirmos,<br />
tratados internacionais que prevêem isenções <strong>de</strong> ICMS, ISS, IPTU etc. obrigam os Estados, os<br />
Municípios e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral?<br />
Enten<strong>de</strong>mos que não, porque a Constituição Fe<strong>de</strong>ral proíbe expressamente a União <strong>de</strong><br />
conce<strong>de</strong>r isenções <strong>de</strong> tributos estaduais, municipais ou distritais (art. 151, III).<br />
Ao argumento <strong>de</strong> que não é a União, enquanto or<strong>de</strong>m jurídica parcial central, que firma<br />
o tratado internacional, mas, sim, a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, enquanto or<strong>de</strong>m jurídica<br />
global (o Estado Brasileiro), contrapomos que, no plano interno, mesmo quando esta pessoa<br />
política representa a Fe<strong>de</strong>ração, não po<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r isenções heterônomas, com exceção das<br />
expressamente autorizadas nos arts. 155, § 2º, XII, “e”, e 156, § 3º, II, ambos da CF.<br />
Ora, se a União, como or<strong>de</strong>m jurídica global (nacional), está impedida <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r<br />
isenções heterônomas (tirantes as já apontadas exceções), nada autoriza concluir – à míngua<br />
<strong>de</strong> qualquer ressalva neste sentido – que lhe é permitido fazê-lo quando comparece no cenário<br />
internacional, firmando tratados.<br />
1 CARRAZA, Roque Antonio. Curso <strong>de</strong> direito constitucional tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros,<br />
2005. p. 829-830.
R.T.J. — <strong>204</strong> 865<br />
De fato, basta um breve confronto entre os arts. 146, III, a; 150, § 6º; e 151,<br />
III, da Constituição, para concluir que mesmo a lei complementar nacional que<br />
estabelece normas gerais em matéria <strong>de</strong> legislação tributária e <strong>de</strong>fine os tributos<br />
e suas espécies, assim como os fatos geradores, bases <strong>de</strong> cálculo e contribuintes,<br />
não está autorizada a disciplinar isenções <strong>de</strong> tributos da competência dos Estados,<br />
do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios (isenções heterônomas).<br />
O equívoco, no entanto, está em dizer que as isenções concedidas em tratados<br />
internacionais têm natureza jurídica <strong>de</strong> isenção heterônoma, como alerta José<br />
Souto Maior Borges 2 :<br />
A União é uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público interno. Por isso o exercício <strong>de</strong> sua<br />
competência, no direito interno, po<strong>de</strong> ser contrastado com o da competência estadual e municipal,<br />
dado que são or<strong>de</strong>ns jurídicas parciais, como visto. Daí a proibição <strong>de</strong> instituir da União<br />
isenções <strong>de</strong> impostos estaduais e municipais. Não se <strong>de</strong>ve confundir a República Fe<strong>de</strong>rativa<br />
do Brasil com uma entida<strong>de</strong> que a integra – a União, que não é sujeito <strong>de</strong> direito internacional.<br />
Muito menos os Estados-membros e Municípios. Nenhum <strong>de</strong>sses é em si mesmo dotado <strong>de</strong><br />
personalida<strong>de</strong> internacional.<br />
Constitui, porém, equivoco elementar transportar os critérios constitucionais <strong>de</strong> repartição<br />
das competências para o plano das relações interestatais. Essas reclamam paradigma<br />
diverso <strong>de</strong> análise. Nesse campo, como já o fizera dantes com as leis nacionais, a CF dá à<br />
União competência para vincular o Estado brasileiro em nome <strong>de</strong>la e também dos Estadosmembros<br />
e Municípios. A procedência <strong>de</strong>ssa pon<strong>de</strong>ração é corroborada pelo art. 5º, § 2º, da<br />
CF, in fine, ao referir expressamente os “tratados internacionais em que a República Fe<strong>de</strong>rativa<br />
do Brasil (sic: não a União Fe<strong>de</strong>ral) é parte”. São, pois, áreas diversas e autônomas <strong>de</strong><br />
vinculação jurídica.<br />
As isenções pela União <strong>de</strong> impostos estaduais e municipais constituem espécies <strong>de</strong><br />
exonerações fiscais que certa feita nomeei “limitações heterônomas <strong>de</strong> direito interno”, visando<br />
a distingui-las das isenções outorgadas pela própria pessoa constitucional competente para<br />
a instituição dos impostos <strong>de</strong> que ela mesma isenta. Isenções, essas últimas, que correspon<strong>de</strong>m<br />
a autolimitação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar, “limitações autônomas”, portanto (cf. Isenções Tributárias,<br />
1ª ed., 1969, p. 227). Suponho que, a partir daí, a dicotomia isenções autônomas/isenções<br />
heterônomas fez fortuna na doutrina brasileira.<br />
A doutrina tradicional vê na isenção contemplada em tratado internacional uma limitação<br />
heterônoma do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar, porque ela alcançaria, num ato celebrado pela União, os<br />
Estados-membros e Municípios. Daí a contestação <strong>de</strong> sua legitimida<strong>de</strong> constitucional.<br />
O equívoco é, no entanto, patente. Que um agente ou órgão da União, o Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República ou Ministro <strong>de</strong> Estado, subscreva um tratado não significa que os Estados e<br />
Municípios estejam pré-excluídos dos vínculos <strong>de</strong>correntes da celebração. Precisamente o<br />
contrário é o que ocorre na hipótese, como a CF, art. 5º, § 2º, in fine, <strong>de</strong>ixa claro. Insiste-se: é<br />
a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil (CF, arts. 1º e 18) que celebra o tratado e é por ele vinculada,<br />
e, portanto, também os Estados-membros e Municípios, e não apenas a União. A esse ato<br />
interestatal o Presi<strong>de</strong>nte da República comparece não como Chefe do Governo Fe<strong>de</strong>ral, mas<br />
como Chefe <strong>de</strong> Estado.<br />
Conseqüência: não é, a rigor, <strong>de</strong> isenção heterônoma, senão autônoma, que se trata.<br />
Autonomia da pessoa isentante – a Fe<strong>de</strong>ração – cuja única peculiarida<strong>de</strong> consiste no caráter<br />
plurilateral da instituição. Sob essa nova óptica, justifica-se o contraste (a) isenções unilaterais<br />
<strong>de</strong> direito interno (autônomas ou heterônomas, (b) isenções plurilateriais <strong>de</strong> direito interestatal<br />
(autônomas). As primeiras são sempre resultantes <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> direitos interno; as segundas, <strong>de</strong><br />
atos <strong>de</strong> direito interestatal. Que coerência terá, porém, sustenta-se que as pessoas constitucionais<br />
<strong>de</strong> direito interno União, Estados-membros, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios po<strong>de</strong>m isentar<br />
<strong>de</strong> tributos e a Fe<strong>de</strong>ração brasileira, que a todos conjuga, não o po<strong>de</strong>?<br />
2 BORGES, José Souto Maior. Isenções em tratados internacionais <strong>de</strong> impostos dos estados-membros<br />
e municípios. In: MELLO, Celso Antonio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> (Org.) Estudos em homenagem a Geraldo<br />
Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997. v. 1, p. 176-178.
866<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Em conclusão: colocar o problema <strong>de</strong> aplicação da CF, art. 151, III, no âmbito das<br />
relações externas é fazê-lo em lugar inapropriado. Aí esse dispositivo não tem a mínima aplicabilida<strong>de</strong>.<br />
Inteiramente consoante com a CF/88 será a disciplina do tratado internacional que<br />
envolva a isenção <strong>de</strong> impostos estaduais e municipais.<br />
Com essas breves consi<strong>de</strong>rações, acompanho o em. Ministro Ilmar Galvão,<br />
para conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento: é o meu voto.<br />
EXPLICAÇÃO<br />
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presi<strong>de</strong>nte, embora não vote na matéria,<br />
não po<strong>de</strong>ria per<strong>de</strong>r a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer ao Ministro Sepúlveda Pertence<br />
que, efetivamente, o art. 18 da Constituição endossa esse juízo <strong>de</strong> que há cinco<br />
pessoas públicas <strong>de</strong> base territorial: a Fe<strong>de</strong>ração, e mais as quatro internas: a<br />
União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presi<strong>de</strong>nte, no cenário internacional, somente<br />
a União goza <strong>de</strong> soberania. Daí a existência da Convenção, do Pacto sobre a<br />
isenção, afastando-se a cláusula constitucional que veda à União o implemento<br />
<strong>de</strong> benefícios quanto a tributos estaduais e municipais.<br />
Acompanho, no voto, o Relator, para conhecer e prover o extraordinário,<br />
com as explicitações e os fundamentos jurídicos consignados pelo Ministro Sepúlveda<br />
Pertence.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Indago ao eminente Ministro SEPÚLVEDA<br />
PERTENCE, se a discussão suscitada nesta causa tem como paradigma <strong>de</strong> confronto<br />
a Carta Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1969, vale dizer, se o <strong>de</strong>bate se instaurou em face da<br />
norma inscrita no art. 19, § 2º, <strong>de</strong>sse mesmo (e hoje revogado) estatuto constitucional.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, em face da Constituição atual, que<br />
tem essa proibição explícita.<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Cuida-se, portanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o alcance da<br />
cláusula vedatória inscrita no art. 151, inciso III, da Constituição <strong>de</strong> 1988.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim.<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: V. Exa., acompanhando o Ministro ILMAR<br />
GALVÃO, enten<strong>de</strong> que não é dado à União Fe<strong>de</strong>ral, enquanto comunida<strong>de</strong> jurídica<br />
meramente parcial, conce<strong>de</strong>r isenções em matéria tributária pertinente à<br />
esfera <strong>de</strong> competência dos Estados-membros, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios.<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, que é dada à União, compreendida<br />
como Estado fe<strong>de</strong>ral total.<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: V. Exa. reconhece, pois, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
a União Fe<strong>de</strong>ral, atuando como sujeito <strong>de</strong> direito internacional público...
R.T.J. — <strong>204</strong> 867<br />
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Convencionar, no plano internacional,<br />
isenção <strong>de</strong> tributos locais.<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Com os esclarecimentos que ora me foram<br />
prestados, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, passo a proferir o meu voto.<br />
O E. Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, no acórdão ora<br />
em exame, <strong>de</strong>cidiu que os tratados internacionais firmados pela União Fe<strong>de</strong>ral,<br />
porque veiculadores <strong>de</strong> exoneração tributária, em matéria <strong>de</strong> ICMS, são incompatíveis<br />
com o que prescreve, em cláusula vedatória, o art. 151, III, da vigente<br />
Constituição da República, que proíbe, à União Fe<strong>de</strong>ral, “instituir isenções <strong>de</strong><br />
tributos da competência dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou dos Municípios”.<br />
Em conseqüência <strong>de</strong>ssa orientação, o Tribunal <strong>de</strong> Justiça local proclamou<br />
a não-recepção, pela Constituição <strong>de</strong> 1988, do Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio<br />
(GATT), no ponto em que conce<strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> tributo estadual ao produto<br />
importado <strong>de</strong> país signatário <strong>de</strong> tal Acordo, quando o respectivo similar nacional<br />
for igualmente beneficiado por essa mesma isenção tributária.<br />
Daí o presente recurso extraordinário interposto pela empresa contribuinte,<br />
que passo a analisar.<br />
Entendo assistir plena razão à empresa ora Recorrente, pois não vislumbro<br />
qualquer eiva <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> na outorga <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> tributo<br />
estadual (ICMS, no caso) prevista no Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio<br />
(GATT), relativamente aos produtos importados dos países signatários <strong>de</strong>ssa<br />
convenção internacional, quando o similar nacional receber, ele próprio, como<br />
ocorre na espécie, idêntico benefício isencional.<br />
Com efeito, tenho para mim que o preceito normativo inscrito no art. 151,<br />
III, da vigente Constituição há <strong>de</strong> ser interpretado na perspectiva do mo<strong>de</strong>lo<br />
institucional que caracteriza o Estado Fe<strong>de</strong>ral brasileiro.<br />
Todos sabemos que a Constituição da República proclama, na complexa<br />
estrutura política que dá configuração ao mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Estado, a coexistência<br />
<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s jurídicas responsáveis pela pluralização <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns normativas<br />
próprias que se distribuem segundo critérios <strong>de</strong> discriminação material <strong>de</strong><br />
competências fixadas pelo texto constitucional.<br />
O relacionamento normativo entre essas instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r – União,<br />
Estados-membros, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios – encontra fundamento na<br />
Constituição da República, que representa, no contexto político-institucional<br />
do Estado brasileiro, a expressão formal do pacto fe<strong>de</strong>ral, consoante ressaltam,<br />
em autorizado magistério, eminentes doutrinadores (PINTO FERREIRA,<br />
“Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/374, 1989, Saraiva; MICHEL<br />
TEMER, “Elementos <strong>de</strong> Direito Constitucional”, p. 55/59, 5. ed., 1989, RT;<br />
CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à<br />
Constituição do Brasil”, vol. 1/216-221, 1988, Saraiva; JOSÉ CRETELLA<br />
JÚNIOR, “Comentários à Constituição Brasileira <strong>de</strong> 1988”, vol. I/131, item<br />
n. 38, 1989, Forense Universitária).
868<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
O estatuto constitucional, em que resi<strong>de</strong> a matriz do pacto fe<strong>de</strong>ral, estabelece,<br />
entre a União e as pessoas políticas locais, uma <strong>de</strong>licada relação <strong>de</strong> equilíbrio,<br />
consolidada num sistema <strong>de</strong> discriminação <strong>de</strong> competências estatais, <strong>de</strong> que resultam<br />
– consi<strong>de</strong>rada a complexida<strong>de</strong> estrutural do mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>rativo – or<strong>de</strong>ns jurídicas<br />
parciais e coor<strong>de</strong>nadas entre si, subordinadas à comunida<strong>de</strong> total, que é o<br />
próprio Estado Fe<strong>de</strong>ral (cf. HANS KELSEN, comentado por O. A. BANDEIRA<br />
DE MELLO, “Natureza Jurídica do Estado Fe<strong>de</strong>ral”, “apud” GERALDO ATA-<br />
LIBA, “Estudos e Pareceres <strong>de</strong> Direito Tributário”, vol. 3/24-25, 1980, RT).<br />
Na realida<strong>de</strong>, há uma relação <strong>de</strong> coalescência, na Fe<strong>de</strong>ração, entre uma<br />
or<strong>de</strong>m jurídica total (que emana do próprio Estado Fe<strong>de</strong>ral, enquanto comunida<strong>de</strong><br />
jurídica total, e que se expressa, formalmente, nas leis nacionais) e uma<br />
pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns jurídicas parciais, que resultam da União Fe<strong>de</strong>ral, dos<br />
Estados-membros, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios.<br />
Nesse contexto, as comunida<strong>de</strong>s jurídicas parciais são responsáveis pela<br />
instauração <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns normativas igualmente parciais, sendo algumas <strong>de</strong> natureza<br />
central, imputáveis, nessa hipótese, à União (enquanto pessoa política<br />
<strong>de</strong> caráter central e interno) e outras <strong>de</strong> natureza regional (Estados-membros/<br />
Distrito Fe<strong>de</strong>ral) ou <strong>de</strong> caráter local (Municípios), enquanto comunida<strong>de</strong>s periféricas<br />
revestidas <strong>de</strong> autonomia institucional.<br />
Cabe advertir, portanto, que o Estado Fe<strong>de</strong>ral brasileiro – expressão<br />
institucional da comunida<strong>de</strong> jurídica total, que <strong>de</strong>tém “o monopólio da personalida<strong>de</strong><br />
internacional” (PAULO BONAVIDES, “Ciência Política”, p. 197,<br />
item n. 3.1, 14ª. ed., 2007, Malheiros) – não se confun<strong>de</strong> com a União, pessoa<br />
jurídica <strong>de</strong> direito público interno, que se qualifica, nessa condição, como simples<br />
or<strong>de</strong>m ou comunida<strong>de</strong> meramente central, tal como assinala, em preciso<br />
magistério, o saudoso e eminente VICTOR NUNES LEAL (“Problemas <strong>de</strong><br />
Direito Público”, p. 160/161, item n. 1, 1960, Forense):<br />
Com aquela corrente se harmoniza a concepção <strong>de</strong> KELSEN, segundo a qual, nas<br />
fe<strong>de</strong>rações, existe uma or<strong>de</strong>m jurídica “total”, acima das or<strong>de</strong>ns jurídicas central e estadual,<br />
as quais serão, em face da primeira, or<strong>de</strong>ns jurídicas “parciais”. “As normas centrais – diz<br />
êle – formam uma or<strong>de</strong>m jurídica central, pela qual se acha constituída uma comunida<strong>de</strong><br />
jurídica parcial, compreen<strong>de</strong>ndo todos os indivíduos que resi<strong>de</strong>m em todo o território do<br />
Estado Fe<strong>de</strong>ral. Essa comunida<strong>de</strong> parcial, constituída pela or<strong>de</strong>m jurídica central, chama-se<br />
“União”. Ela é parte do Estado Fe<strong>de</strong>ral total, no sentido em que a or<strong>de</strong>m jurídica central é<br />
parte da or<strong>de</strong>m jurídica total do Estado Fe<strong>de</strong>ral. As normas locais, válidas apenas para <strong>de</strong>terminadas<br />
partes do território inteiro, formam or<strong>de</strong>ns jurídicas locais, pelas quais se acham<br />
constituídas comunida<strong>de</strong>s jurídicas parciais. Cada comunida<strong>de</strong> jurídica parcial compreen<strong>de</strong><br />
os indivíduos que resi<strong>de</strong>m num dêsses territórios parciais. Essas comunida<strong>de</strong>s jurídicas<br />
parciais são os “Estados-membros”. Cada indivíduo pertence, assim, simultâneamente, a<br />
um Estado-membro e à União. O Estado Fe<strong>de</strong>ral, ou a comunida<strong>de</strong> jurídica total, consiste<br />
assim da União, que é uma comunida<strong>de</strong> jurídica central, como dos Estados-membros, que<br />
são várias comunida<strong>de</strong>s jurídicas locais. A doutrina tradicional errôneamente i<strong>de</strong>ntifica a<br />
União com o Estado Fe<strong>de</strong>ral total. Cada uma das comunida<strong>de</strong>s parciais, tanto a União como<br />
os Estados-membros, baseia-se na sua própria constituição – a constituição da União e a<br />
constituição do Estado-membro. Todavia, a constituição da União, chamada “Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral”, é, ao mesmo tempo, a constituição do Estado Fe<strong>de</strong>ral total.<br />
(Grifei.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 869<br />
Estabelecidas tais premissas, torna-se possível constatar que a vedação<br />
constitucional em causa, fundada no art. 151, III, da Constituição, inci<strong>de</strong>, unicamente,<br />
sobre a União Fe<strong>de</strong>ral, enquanto pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público interno,<br />
responsável, nessa específica condição, pela instauração <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m normativa<br />
autônoma meramente parcial, inconfundível com a posição institucional<br />
<strong>de</strong> soberania do Estado Fe<strong>de</strong>ral brasileiro, que ostenta, este sim, a qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sujeito <strong>de</strong> direito internacional público e que constitui, no plano <strong>de</strong> nossa<br />
organização política, a expressão mesma <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> jurídica global,<br />
investida do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> gerar uma or<strong>de</strong>m normativa <strong>de</strong> dimensão nacional e total,<br />
essencialmente diversa, em autorida<strong>de</strong>, eficácia e aplicabilida<strong>de</strong>, daquela que<br />
se consubstancia nas leis e atos <strong>de</strong> caráter simplesmente fe<strong>de</strong>ral.<br />
Sob tal perspectiva, nada impe<strong>de</strong> que o Estado Fe<strong>de</strong>ral brasileiro celebre<br />
tratados internacionais que veiculem cláusulas <strong>de</strong> exoneração tributária, em<br />
matéria <strong>de</strong> ICMS, pois a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, ao exercer o seu treatymaking<br />
power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera <strong>de</strong> suas<br />
prerrogativas como pessoa jurídica <strong>de</strong> direito internacional público, que <strong>de</strong>tém<br />
– em face das unida<strong>de</strong>s meramente fe<strong>de</strong>radas – o monopólio da soberania e<br />
da personalida<strong>de</strong> internacional.<br />
Na realida<strong>de</strong>, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, a cláusula <strong>de</strong> vedação inscrita no art.<br />
151, III, da Constituição é inoponível ao Estado Fe<strong>de</strong>ral brasileiro (vale dizer,<br />
à República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações<br />
institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas <strong>de</strong> direito<br />
público interno.<br />
Por isso mesmo, entendo que se revela possível, à República Fe<strong>de</strong>rativa<br />
do Brasil, em sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeito <strong>de</strong> direito internacional público, conce<strong>de</strong>r<br />
isenção, em matéria <strong>de</strong> ICMS, mediante tratado internacional, sem que,<br />
ao assim proce<strong>de</strong>r, incida em transgressão ao que dispõe o art. 151, III, da<br />
Constituição, pois tal regra constitucional <strong>de</strong>stina-se, em sua eficácia, a vincular,<br />
unicamente, a União, enquanto entida<strong>de</strong> estatal <strong>de</strong> direito público interno,<br />
rigorosamente parificada, nessa específica condição institucional, às <strong>de</strong>mais<br />
comunida<strong>de</strong>s jurídicas parciais, <strong>de</strong> dimensão meramente regional e local, como<br />
o são os Estados-membros e os Municípios.<br />
Cabe referir, neste ponto, a valiosa lição expendida por JOSÉ SOUTO<br />
MAIOR BORGES (“Isenções em Tratados Internacionais <strong>de</strong> Impostos dos<br />
Estados-membros e Municípios”, “in” “Direito Tributário – Estudos em homenagem<br />
a Geraldo Ataliba”, vol. 1/166-178, 176-177, item n. 5, 1997, Malheiros),<br />
que assim se pronuncia a respeito do regime constitucional das isenções <strong>de</strong>correntes<br />
<strong>de</strong> tratados internacionais:<br />
5.1 A União é uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público interno. Por isso o exercício <strong>de</strong><br />
sua competência, no direito interno, po<strong>de</strong> ser contrastado com o da competência estadual e<br />
municipal, dado que são or<strong>de</strong>ns jurídicas parciais, como visto. Daí a proibição <strong>de</strong> instituir<br />
a União isenções <strong>de</strong> impostos estaduais e municipais. Não se <strong>de</strong>ve confundir a República<br />
Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil com uma entida<strong>de</strong> que a integra – a União, que não é sujeito <strong>de</strong> direito<br />
internacional. Muito menos os Estados-membros e Municípios. Nenhum <strong>de</strong>sses é em si mesmo<br />
dotado <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> internacional.
870<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
5.2 Constitui, porém, equívoco elementar transportar os critérios constitucionais<br />
<strong>de</strong> repartição das competências para o plano das relações interestatais. Essas reclamam<br />
paradigma diverso <strong>de</strong> análise. Nesse campo, como já o fizera dantes com as leis nacionais,<br />
a CF dá à União competência para vincular o Estado brasileiro em nome <strong>de</strong>la e também dos<br />
Estados-membros e Municípios. A procedência <strong>de</strong>ssa pon<strong>de</strong>ração é corroborada pelo art. 5º,<br />
§ 2º, da CF, in fine, ao referir expressamente os “tratados internacionais em que a República<br />
Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil [sic: não a União Fe<strong>de</strong>ral] é parte”. São, pois, áreas diversas e autônomas<br />
<strong>de</strong> vinculação jurídica.<br />
(...)<br />
(...) Que um agente ou órgão da União, o Presi<strong>de</strong>nte da República ou Ministro <strong>de</strong> Estado,<br />
subscreva um tratado não significa que os Estados e Municípios estejam pre-excluídos<br />
dos vínculos <strong>de</strong>correntes da sua celebração. Precisamente o contrário é o que ocorre na<br />
hipótese, como a CF, art. 5º, § 2º, in fine, <strong>de</strong>ixa claro. Insiste-se: é a República Fe<strong>de</strong>rativa do<br />
Brasil (CF, arts. 1º e 18) que celebra o tratado e é por ele vinculada, e, portanto, também os<br />
Estados-membros e Municípios, e não apenas a União. A esse ato interestatal, o Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República comparece, não como Chefe do Governo Fe<strong>de</strong>ral, mas como Chefe <strong>de</strong> Estado.<br />
(Grifei.)<br />
Essa mesma orientação é perfilhada por SACHA CALMON NAVARRO<br />
COÊLHO (“Curso <strong>de</strong> Direito Tributário Brasileiro”, p. 550/551, item 11.11,<br />
6. ed., 2001, Forense), cujo magistério – lúcido e irrepreensível – reconhece a<br />
possibilida<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong> tratado internacional, celebrado pela República<br />
Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, obrigar Estados-membros e Municípios, notadamente em<br />
matéria tributária:<br />
A proibição <strong>de</strong> isenção heterônoma na or<strong>de</strong>m interna não <strong>de</strong>ve ser utilizada como<br />
argumento para impedir que a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil disponha sobre o regime tributário<br />
<strong>de</strong> bens e serviços tributados pelo ICMS e ISS em encerros <strong>de</strong> tratado internacional.<br />
De tudo quanto vimos, sobraram as seguintes conclusões:<br />
A) a Constituição reconhece o tratado como fonte <strong>de</strong> direitos;<br />
B) o tratado, assinado pelo Presi<strong>de</strong>nte ou Ministro plenipotenciário e autorizado<br />
pelo Congresso, empenha a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os brasileiros, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
do estado em que residam;<br />
C) o CTN assegura a prevalência do tratado sobre as legislações da União,<br />
dos Estados e Municípios;<br />
D) a proibição <strong>de</strong> isenção heterônoma é restrição à competência tributária<br />
exonerativa da União como or<strong>de</strong>m jurídica parcial, e não como pessoa jurídica <strong>de</strong><br />
Direito Público externo. Procurou-se evitar a hipertrofia da União, e não a representação<br />
da Nação na or<strong>de</strong>m internacional;<br />
E) o interesse nacional sobreleva os interesses estaduais e municipais e orienta<br />
a exegese dos tratados;<br />
F) a competência da União para celebrar tratados em nome e no interesse da<br />
República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil não fere a teoria do fe<strong>de</strong>ralismo (se é que existe, ante<br />
as diversida<strong>de</strong>s históricas das fe<strong>de</strong>rações), nem arranha o fe<strong>de</strong>ralismo arrumado na<br />
Constituição do Brasil <strong>de</strong> 1988;<br />
G) o fe<strong>de</strong>ralismo brasileiro é concentracionário, <strong>de</strong>positando na União a condução<br />
dos princípios políticos <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação com os <strong>de</strong>mais países.<br />
(...)<br />
O fe<strong>de</strong>ralismo brasileiro é tal que centraliza na União a condução das políticas mais<br />
importantes, mormente no plano externo. Quem tem os fins <strong>de</strong>ve ter os meios. No âmbito da<br />
Organização Internacional do Comércio ou do Mercosul, a previsão, em tratado multilateral,<br />
<strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> produto ou serviço, vale juridicamente. Caso contrário, seria a inabilitação<br />
da União para as políticas <strong>de</strong> harmonização tributária, justamente ele que <strong>de</strong>tém a representação<br />
da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, embora sejam o ICMS e o ISS impostos <strong>de</strong><br />
competência estadual e municipal.<br />
(Grifei.)
R.T.J. — <strong>204</strong> 871<br />
Daí o inteiro acerto da tese daqueles que sustentam, com apoio em autorizado<br />
magistério doutrinário, que a Constituição da República não impe<strong>de</strong> que<br />
o Estado Fe<strong>de</strong>ral brasileiro (expressão da comunida<strong>de</strong> jurídica total) conceda,<br />
em se<strong>de</strong> convencional, mediante tratado internacional, isenção em tema <strong>de</strong> impostos<br />
sujeitos à competência dos Estados-membros e/ou dos Municípios, pois,<br />
consoante já se <strong>de</strong>cidiu na ADI 1.600/DF, no voto então proferido pelo eminente<br />
Ministro NELSON JOBIM, “O âmbito <strong>de</strong> aplicação do art. 151, da CF, em todos<br />
os seus incisos, é o das relações das entida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas, entre si. Não tem por<br />
objeto a União Fe<strong>de</strong>ral quando esta se apresenta como a República Fe<strong>de</strong>rativa<br />
do Brasil, na or<strong>de</strong>m externa” (grifei).<br />
Concluo o meu voto, Senhora Presi<strong>de</strong>nte. E, ao fazê-lo, acompanho o<br />
voto proferido pelo eminente Ministro Relator. Em conseqüência, conheço e<br />
dou provimento ao presente recurso extraordinário.<br />
É o meu voto.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 229.096/RS — Relator: Ministro Ilmar Galvão. Relatora para o acórdão:<br />
Ministra Cármen Lúcia (art. 38, IV, b, do RI<strong>STF</strong>). Recorrente: Central Riogran<strong>de</strong>nse<br />
<strong>de</strong> Agroinsumos Ltda. (Advogados: Gustavo Nygaard e outros). Recorrido:<br />
Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Advogados: PGE/RS – Carlos Henrique<br />
Kaipper e outros).<br />
Decisão: Renovado o pedido <strong>de</strong> vista do Ministro Sepúlveda Pertence, justificadamente,<br />
nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 2003. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.<br />
Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong> e nos termos do voto do Relator,<br />
conheceu e <strong>de</strong>u provimento ao recurso. Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen Gracie.<br />
Redigirá o acórdão a Ministra Cármen Lúcia. Não votou o Ministro Carlos Britto,<br />
por suce<strong>de</strong>r ao Ministro Ilmar Galvão (Relator).<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />
Pertence, Celso <strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso,<br />
Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen<br />
Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong><br />
Souza.<br />
Brasília, 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
872<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS<br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 365.994 — RJ<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Embargante: Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro — Embargados: Arthur Brito<br />
Bezerra <strong>de</strong> Mello e outros<br />
Recurso. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Decisão que não conhece<br />
<strong>de</strong> embargos anteriores. Suspensão ou interrupção do prazo<br />
para interposição <strong>de</strong> outro recurso. Não-ocorrência. Trânsito em<br />
julgado da <strong>de</strong>cisão embargada. Embargos não conhecidos. Não<br />
se conhece dos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração quando já transitada em<br />
julgado a <strong>de</strong>cisão embargada.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco<br />
Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, não conhecer dos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração nos embargos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo regimental no recurso extraordinário. Não participou,<br />
justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração contra<br />
julgado cuja ementa dispõe:<br />
Ementa: Recurso. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Multa aplicada em agravo regimental.<br />
Depósito não efetuado. Não-satisfação da condição para interposição <strong>de</strong> recurso. Embargos<br />
não conhecidos. Aplicação do art. 557, § 2º, do CPC. Não se conhece do recurso quando não<br />
satisfeita uma das condições para sua interposição.<br />
(Fl. 841.)<br />
O Embargante insiste no acolhimento dos embargos, para que seja aplicado<br />
efeito ex nunc à <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> norma municipal.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Incognoscíveis os embargos.<br />
Conforme assente jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração não<br />
conhecidos, porque inadmissíveis à falta <strong>de</strong> condição legal, não suspen<strong>de</strong>m nem
R.T.J. — <strong>204</strong> 873<br />
interrompem o prazo para a interposição <strong>de</strong> outro recurso (AI 530.539-AgR, Rel.<br />
Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong> 4-3-05; AI 418.285-AgR, Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />
DJ <strong>de</strong> 15-4-05; RE 239.421-ED-ED-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ <strong>de</strong><br />
2-5-03).<br />
De modo que, como os embargos <strong>de</strong>claratórios anteriormente opostos do<br />
acórdão proferido em agravo regimental não foram conhecidos, já ocorreu o<br />
trânsito em julgado da <strong>de</strong>cisão publicada em 19-8-05 (fl. 842).<br />
2. Isso posto, não conheço dos embargos <strong>de</strong>claratórios e <strong>de</strong>claro o trânsito<br />
em julgado da <strong>de</strong>cisão exarada nos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração e publicada em 19-8-<br />
05, <strong>de</strong>terminando a imediata baixa dos autos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da publicação<br />
<strong>de</strong>ste acórdão (cf. Inq 2.333-ED-AgR, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Pleno, DJ <strong>de</strong><br />
11-5-07).<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 365.994-AgR-ED-ED/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante:<br />
Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Advogada: Claudia Braga da Lafonte Bulcão).<br />
Embargados: Arthur Brito Bezerra <strong>de</strong> Mello e outros (Advogados: Henrique<br />
Rodrigues da Silva e outros e Cassiano Pereira Viana e outros).<br />
Decisão: A Turma não conheceu dos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração nos embargos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo regimental no recurso extraordinário. Unânime. Não<br />
participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceu<br />
o Ministro Cezar Peluso, a fim <strong>de</strong> julgar processos a ele vinculados, ocupando<br />
a ca<strong>de</strong>ira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr.<br />
Edson Oliveira <strong>de</strong> Almeida.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
874<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 455.024 — RS<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Embargantes: Mo<strong>de</strong>sto En<strong>de</strong>rle e outros — Embargada: União<br />
Recurso. Extraordinário. Execução contra a Fazenda Pública.<br />
Honorários advocatícios. Fixação no limiar do processo.<br />
Agravo interposto apenas pelos credores. Provimento para elevar<br />
a verba. Interposição <strong>de</strong> extraordinário pela <strong>de</strong>vedora, que,<br />
intimada, não agravara da interlocutória. Pretensão <strong>de</strong> exclusão<br />
da verba. Recurso inadmissível. Preclusão temporal consumada<br />
a respeito. Inadmissibilida<strong>de</strong> recursal cognoscível <strong>de</strong> ofício em<br />
embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Deve o tribunal <strong>de</strong> ofício pronunciar<br />
inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso que tenha por objeto questão coberta<br />
por preclusão temporal.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco<br />
Aurélio, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, dar provimento aos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo<br />
regimental no recurso extraordinário, com eficácia modificativa, nos termos do<br />
voto do Relator. Não participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento a Ministra<br />
Cármen Lúcia.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração contra<br />
julgado assim ementado:<br />
Ementa: Recurso. Extraordinário. Inadmissibilida<strong>de</strong>. Execução contra a Fazenda Pública.<br />
Honorários advocatícios. Obrigação <strong>de</strong> pequeno valor. Alegação não provada. Questão,<br />
a<strong>de</strong>mais, infraconstitucional. Agravo regimental não provido. Aplicação da Súmula 280. É<br />
infraconstitucional a questão <strong>de</strong> saber se, em execução <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong>finida em lei como<br />
<strong>de</strong> pequeno valor, contra a Fazenda Pública são, ou não, <strong>de</strong>vidos honorários advocatícios, e,<br />
como tal, não po<strong>de</strong> ser examinada nem reexaminada em recurso extraordinário.<br />
(Fl. 218.)<br />
Sustentam os ora Embargantes que, em se tratando <strong>de</strong> execução oriunda <strong>de</strong><br />
ação civil pública, <strong>de</strong>ve ser reconsi<strong>de</strong>rada a <strong>de</strong>cisão recorrida, porque inaplicável<br />
o art. 1º-D da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Medida Provisória 2.180-<br />
35/01, bem como por ter o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em recurso especial,<br />
acrescido fundamento autônomo à manutenção da con<strong>de</strong>nação em honorários<br />
(fls. 223-229).<br />
É o relatório.
R.T.J. — <strong>204</strong> 875<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O caso é <strong>de</strong> erro recognoscível<br />
<strong>de</strong> ofício.<br />
Revendo os autos, verifico que o Juízo <strong>de</strong> primeiro grau fixou, no limiar<br />
da execução contra a União Fe<strong>de</strong>ral, honorários advocatícios em favor dos credores,<br />
ora Embargantes, no valor <strong>de</strong> quatrocentos reais (fl. 33). Dessa <strong>de</strong>cisão<br />
tipicamente interlocutória (art. 162, § 2º, do Código <strong>de</strong> Processo Civil), apenas<br />
os credores agravaram, tendo-se limitado a União, após intimação regular, a respon<strong>de</strong>r<br />
ao agravo, a que requereu fosse negado provimento (cf. fls. 37-45). O<br />
Tribunal a quo <strong>de</strong>u provimento ao recurso, para elevar os honorários a <strong>de</strong>z por<br />
cento do valor da execução (fls. 50-53). Contra tal acórdão voltou-se o recurso<br />
extraordinário da União, que alegou constitucionalida<strong>de</strong> do art. 1º-D da Lei<br />
9.494/97 (fls. 88-93).<br />
Não obstante o acórdão objeto do extraordinário, <strong>de</strong>veras, tenha, para reforçar<br />
o juízo <strong>de</strong> exigibilida<strong>de</strong> dos honorários na execução, aludido a <strong>de</strong>cisão da<br />
Corte Especial que <strong>de</strong>u pela inconstitucionalida<strong>de</strong> do art. 1º-D da Lei 9.494/97<br />
(fls. 51 e 54), duas coisas são certas e indiscutíveis.<br />
A primeira, que, no recurso exclusivo dos credores, os quais pleiteavam<br />
elevação da honorária, não po<strong>de</strong>ria nunca o Tribunal a quo negar-lhes a verba,<br />
qualquer que fosse o fundamento invocável, salvo nulida<strong>de</strong> absoluta da <strong>de</strong>cisão<br />
agravada, o que implicaria sua mera cassação, e não reforma. Impedia-o a proibição<br />
<strong>de</strong> reformatio in peius. Daí toda irrelevância da questão da inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
reconhecida, pois, quando ainda o não fosse, isso em nada prejudicaria<br />
os então Agravantes.<br />
A segunda, e esta é <strong>de</strong>cisiva, é que a exigibilida<strong>de</strong> da verba à União, que,<br />
intimada, não agravou da interlocutória on<strong>de</strong> fora aquela <strong>de</strong>cidida, já estava coberta<br />
pela preclusão, ou coisa julgada formal, <strong>de</strong> modo que não podia, nem po<strong>de</strong><br />
ser rediscutida no âmbito <strong>de</strong> nenhum recurso, nem, portanto, do extraordinário.<br />
A única matéria que, constante do acórdão por esse impugnado, era, em tese, suscetível<br />
<strong>de</strong> revisão, respeitava ao aumento do valor dos honorários advocatícios,<br />
logrado com o provimento do agravo.<br />
A conclusão é imediata. O recurso extraordinário não era nem é admissível,<br />
porque ataca matéria coberta por preclusão temporal, “que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do subjetivismo<br />
do Juiz nem das incertezas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mora a proclamá-la”. 1 E isso <strong>de</strong>ve<br />
reconhecido ex officio 2 , ainda pela razão óbvia <strong>de</strong> que se trata da falta <strong>de</strong> requisito<br />
<strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> recursal, cujo controle, este, sim, não fica precluso ao órgão<br />
ad quem, que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar aquela <strong>de</strong> ofício. 3<br />
1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições <strong>de</strong> direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros.<br />
v. II, p. 554, n. 683.<br />
2 O reconhecimento da preclusão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> argüição da parte, porque sua atuação está ligada à<br />
estrutura mesma do processo e, como tal, é regida <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, cuja incidência <strong>de</strong>ve<br />
o juiz assegurar <strong>de</strong> ofício. Sobre este ponto, cf. BARBOSA, Antonio Alberto Alves. Da preclusão<br />
processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 1994. p. 88-89, n. 42, e p. 122, n. 55.<br />
3 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil. 13. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Forense, 2006. v. V, p. 264, n. 146.
876<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
2. Do exposto, acolho os embargos, para, <strong>de</strong> ofício, cassando o acórdão embargado<br />
e dando por prejudicado o agravo regimental, não conhecer do recurso<br />
extraordinário.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 455.024-AgR-ED/RS — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargantes:<br />
Mo<strong>de</strong>sto En<strong>de</strong>rle e outros (Advogados: Eryka Farias <strong>de</strong> Negri e outros e Denise<br />
Arantes Santos Vasconcelos). Embargada: União (Advogado: Advogado-Geral<br />
da União).<br />
Decisão: A Turma <strong>de</strong>u provimento aos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo<br />
regimental no recurso extraordinário, com eficácia modificativa, nos termos do<br />
voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, <strong>de</strong>ste julgamento a<br />
Ministra Cármen Lúcia.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceu<br />
o Ministro Cezar Peluso, a fim <strong>de</strong> julgar processos a ele vinculados, ocupando<br />
a ca<strong>de</strong>ira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson<br />
Oliveira <strong>de</strong> Almeida.<br />
Brasília, 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 877<br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO 467.924 — MA<br />
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto<br />
Embargantes: Santana Batista Silva e outros — Embargados: Empresa <strong>de</strong><br />
Processamento <strong>de</strong> Dados do Maranhão S.A. – PRODAMAR e Ministério Público<br />
do Trabalho da 16ª Região<br />
Embargos <strong>de</strong>claratórios contra acórdão que negou provimento<br />
a agravo regimental, no qual se discutiu acerca do cabimento<br />
<strong>de</strong> recurso trabalhista. A <strong>de</strong>cisão embargada, à luz da jurisprudência<br />
<strong>de</strong>sta colenda Corte, afirmou não ser caso <strong>de</strong> ofensa direta<br />
à Carta Magna. Alegação <strong>de</strong> omissão. Vício inexistente, explicitada<br />
que se acha no acórdão embargado a ausência dos aludidos<br />
pressupostos do recurso extraordinário.<br />
Pretensão <strong>de</strong> renovar o julgamento do regimental, não se<br />
mostrando, para isso, a<strong>de</strong>quada a via adotada.<br />
Embargos rejeitados.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />
na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, negar provimento ao agravo regimental no agravo <strong>de</strong> instrumento, nos<br />
termos do voto do Relator.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração opostos<br />
contra acórdão que negou provimento a agravo regimental, ao fundamento <strong>de</strong><br />
se restringir a questão ao âmbito infraconstitucional, não ensejando apreciação<br />
em recurso extraordinário.<br />
2. Pois bem, a parte embargante, sustentando que o julgado incidiu em<br />
omissão, reitera a alegação <strong>de</strong> ofensa direta aos incisos XXXV, LIV e LV do art.<br />
5º e ao inciso IX do art. 93, todos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />
por sua Primeira Turma, no julgamento do agravo regimental ora embargado,<br />
consignou, in verbis (fl. 366):
878<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Acórdão que se restringiu ao exame do cabimento <strong>de</strong> recurso trabalhista.<br />
Questão restrita ao âmbito infraconstitucional, que não enseja apreciação em recurso<br />
extraordinário.<br />
A<strong>de</strong>mais, foi conferida à parte agravante prestação jurisdicional a<strong>de</strong>quada, em <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong>vidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos seus interesses, não configurando<br />
cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />
Agravo <strong>de</strong>sprovido.<br />
5. Não há omissão a suprir. Em realida<strong>de</strong>, o que busca a parte recorrente<br />
com a interposição dos presentes embargos <strong>de</strong>claratórios é a inviável rediscussão,<br />
na estreita via dos <strong>de</strong>claratórios, <strong>de</strong> pretensão já repelida, por unanimida<strong>de</strong>, por<br />
esta Turma.<br />
6. No presente caso, o Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao<br />
agravo regimental em agravo <strong>de</strong> instrumento em recurso <strong>de</strong> revista por consi<strong>de</strong>rar<br />
ausentes os pressupostos <strong>de</strong> seu cabimento (Enunciado Sumular 297 do TST).<br />
7. Como se vê, esta colenda Corte não po<strong>de</strong>ria ter dado solução diferente<br />
à <strong>de</strong>manda, pois, como restou consignado, a <strong>de</strong>cisão atacada envolveu questões<br />
meramente processuais, atinentes aos critérios <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do recurso <strong>de</strong><br />
revista. Ora, é cediço que temas afetos ao cabimento e processamento <strong>de</strong> recurso<br />
não ensejam a abertura da via extraordinária, uma vez que a ofensa à Lei das Leis,<br />
se existente, dar-se-ia apenas <strong>de</strong> forma indireta ou reflexa.<br />
8. Este excelso Tribunal já proferiu inúmeras <strong>de</strong>cisões nesse sentido, ao<br />
examinar casos semelhantes, também oriundos do TST. A título <strong>de</strong> exemplo, cito<br />
as seguintes: AI 477.851-AgR, Rel. Min. Nelson Jobim; AI 401.196-AgR, Rel.<br />
Min. Ilmar Galvão; AI 395.294-AgR, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello; AI 416.824-AgR,<br />
Rel. Min. Cezar Peluso; AI 458.406-AgR e AI 461.978-AgR, <strong>de</strong> minha relatoria.<br />
9. Registre-se que não se configuraram as alegadas ofensas às normas<br />
insertas nos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º da Magna Carta, pois a parte<br />
se utilizou <strong>de</strong> todos os meios inerentes ao exercício do contraditório e da ampla<br />
<strong>de</strong>fesa, como <strong>de</strong>monstram, inclusive, os recursos aviados perante aquela Corte.<br />
10. Por fim, fundamentação houve, embora em sentido contrário aos interesses<br />
da Recorrente, não ocorrendo a alegada violação ao inciso IX do art. 93<br />
da Lei das Leis.<br />
11. Assim, sem nenhum esforço <strong>de</strong> interpretação, conclui-se que se está<br />
diante <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> efeitos manifestamente infringentes, dado que perseguem<br />
indisfarçavelmente, sob pretexto <strong>de</strong> omissão e obscurida<strong>de</strong>, o reexame da fundamentação<br />
do aresto que julgara o agravo regimental, juridicamente errônea, no<br />
enten<strong>de</strong>r da Embargante.<br />
12. Ora, a via <strong>de</strong> embargos não po<strong>de</strong> conduzir à renovação do julgamento<br />
que não se ressente da balda apontada e nem muito menos à pretensão, no caso,<br />
<strong>de</strong> efeito modificativo ao julgado.<br />
13. Ante o exposto, ausente a omissão apontada, rejeito os presentes embargos<br />
<strong>de</strong>claratórios.
R.T.J. — <strong>204</strong> 879<br />
EXTRATO DA ATA<br />
AI 467.924-AgR-ED/MA — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargantes:<br />
Santana Batista Silva e outros (Advogados: Francimarly <strong>de</strong> Oliveira Miranda<br />
Carvalho e outros). Embargados: Empresa <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Dados do Maranhão<br />
S.A. – PRODAMAR (Advogados: Lucycléa Gonçalves França e outros) e<br />
Ministério Público do Trabalho da 16ª Região.<br />
Decisão: A Turma negou provimento aos embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo<br />
regimental no agravo <strong>de</strong> instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime.<br />
Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participaram <strong>de</strong>ste julgamento<br />
os Ministros Sepúlveda Pertence e Eros Grau.<br />
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />
Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda<br />
Pertence e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo <strong>de</strong> Tarso<br />
Braz Lucas.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
880<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO 485.569 — PR<br />
Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto<br />
Embargantes: Anterio Manica e outros — Embargada: Agropastoril Miroca<br />
Ltda.<br />
Embargos <strong>de</strong>claratórios contra acórdão que negou provimento<br />
a agravo regimental, no qual se discutiu acerca do<br />
cabimento <strong>de</strong> recurso especial. A <strong>de</strong>cisão embargada, à luz da<br />
jurisprudência <strong>de</strong>sta colenda Corte, afirmou não ser caso <strong>de</strong><br />
ofensa direta à Carta Magna. Omissão. Inexistência. Pretensão<br />
meramente infringente.<br />
Inexistente o vício apontado, explicitada que se acha no acórdão<br />
embargado a ausência dos aludidos pressupostos do recurso<br />
extraordinário.<br />
Pretensão <strong>de</strong> renovar o julgamento do regimental, não se<br />
mostrando, para isso, a<strong>de</strong>quada a via adotada.<br />
Embargos rejeitados.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />
Pertence, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, rejeitar os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo regimental<br />
no agravo <strong>de</strong> instrumento.<br />
Brasília, 23 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração<br />
opostos contra acórdão que negou provimento a agravo regimental, sob o fundamento<br />
<strong>de</strong> se restringir a questão ao âmbito infraconstitucional, o que não enseja<br />
apreciação em recurso extraordinário.<br />
2. A parte embargante, sustentando que o julgado incidiu em omissão, reitera<br />
a alegação <strong>de</strong> ofensa direta ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />
por sua Primeira Turma, no julgamento do agravo regimental ora embargado,<br />
enten<strong>de</strong>u, in verbis (fl. 168):
R.T.J. — <strong>204</strong> 881<br />
Acórdão do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que, em face da ausência <strong>de</strong> pressupostos<br />
processuais, negou seguimento a agravo regimental interposto para subida do recurso especial.<br />
Questão restrita ao âmbito infraconstitucional, que não enseja apreciação em recurso<br />
extraordinário.<br />
Agravo <strong>de</strong>sprovido.<br />
5. Tenho que não há omissão a suprir. Na verda<strong>de</strong>, o que busca a parte<br />
recorrente com a interposição dos presentes embargos <strong>de</strong>claratórios é a inviável<br />
rediscussão, na estreita via dos <strong>de</strong>claratórios, <strong>de</strong> pretensão já repelida, por unanimida<strong>de</strong>,<br />
por esta Turma.<br />
6. No presente caso, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça negou provimento ao<br />
agravo regimental por consi<strong>de</strong>rar ausentes os pressupostos <strong>de</strong> cabimento do<br />
recurso especial (incidência do óbice das Súmulas 5 e 7 daquela egrégia Corte).<br />
7. Como se vê, esta colenda Corte não po<strong>de</strong>ria dar solução diferente à <strong>de</strong>manda,<br />
pois, segundo restou consignado, a <strong>de</strong>cisão atacada envolveu questões<br />
meramente processuais, atinentes aos critérios <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> recursal. Ora,<br />
é cediço que temas afetos ao cabimento e processamento <strong>de</strong> recurso não ensejam<br />
a abertura da via extraordinária, uma vez que a ofensa à Lei das Leis, se existente,<br />
dar-se-ia apenas <strong>de</strong> forma indireta ou reflexa.<br />
8. Observe-se que relativamente ao ponto central objeto do extraordinário – a<br />
improprieda<strong>de</strong> do julgamento antecipado da li<strong>de</strong>, por não haver sido oportunizado<br />
aos Recorrentes comprovar a má-fé da parte recorrida – o STJ afirmou ser<br />
inviável o reexame <strong>de</strong> matéria probatória naquela instância.<br />
9. Com efeito, colhe-se do acórdão prolatado por aquele egrégio Tribunal,<br />
in verbis (fls. 90/1):<br />
Sobre os vícios apontados nos aclaratórios opostos perante a instância <strong>de</strong> origem, que<br />
resultaram no pedido <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do aresto estadual por ofensa ao art. 535 do CPC, bem assim<br />
em relação à questão <strong>de</strong> fundo, inclusive no tema versado à fl. 247, inci<strong>de</strong>m, na espécie, as<br />
Súmulas ns. 5 e 7 do STJ, porquanto nada obsta a que as instâncias ordinárias, soberanas na<br />
apreciação do contexto probatório, dêem-se por satisfeitas em relação aos elementos fáticos<br />
já existentes nos autos para afastar a alegação <strong>de</strong> má-fé em julgamento antecipado da li<strong>de</strong>, o<br />
que, para chegar-se a conclusão contrária, exigiria o revolvimento da prova pelo STJ, obstada<br />
pelos aludidos enunciados.<br />
(...)<br />
E o aresto consi<strong>de</strong>rou, ainda proce<strong>de</strong>ndo ao exame da prova, que a má-fé antes reconhecida<br />
em relação à resilição contratual entre Agropastoril e Antério Mânica e Bernar<strong>de</strong>te<br />
Mânica, não po<strong>de</strong>ria alcançar os terceiros, em face <strong>de</strong> situação fática específica e <strong>de</strong> transação,<br />
o arrendamento e a dação em pagamento, avenças que criaram circunstâncias próprias (fls.<br />
211/212).<br />
De outra parte, o acórdão apreciou, no que era relevante, as questões suscitadas,<br />
repisando-as nos aclaratórios, no que não pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> omissão.<br />
Por fim, inobstante a insistência dos agravantes, o dissídio é insatisfatório, faltando-lhe<br />
o confronto analítico regimentalmente exigido, notadamente em face da especificida<strong>de</strong> na<br />
matéria fática em <strong>de</strong>bate.<br />
10. Muito bem. A Corte Suprema <strong>de</strong> Justiça não adotou tese explícita sobre<br />
o acerto ou <strong>de</strong>sacerto da <strong>de</strong>cisão recorrida. Apenas afirmou que não po<strong>de</strong>ria revêla,<br />
seja porque não fora comprovado o dissídio, seja porque inviável o reexame
882<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
probatório naquela instância. Logo, não há como, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso extraordinário,<br />
ignorar este pronunciamento para, a<strong>de</strong>ntrando o mérito da controvérsia,<br />
analisar questão <strong>de</strong> cunho nitidamente infraconstitucional.<br />
11. Por fim, conforme anotado no julgamento do agravo regimental, não<br />
se configurou a alegada negativa <strong>de</strong> prestação jurisdicional. Isso porque o aresto<br />
recorrido <strong>de</strong>cidiu, fundamentadamente, com base na orientação jurispru<strong>de</strong>ncial<br />
daquela colenda Corte quanto ao cabimento do recurso <strong>de</strong> sua competência.<br />
12. Assim, sem nenhum esforço <strong>de</strong> interpretação, conclui-se que se está<br />
diante <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> efeitos manifestamente infringentes, dado que perseguem<br />
indisfarçavelmente, sob pretexto <strong>de</strong> omissão e obscurida<strong>de</strong>, o reexame da fundamentação<br />
do aresto que julgara o agravo regimental, juridicamente errônea, no<br />
enten<strong>de</strong>r da Embargante.<br />
13. Anoto, por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, que a via <strong>de</strong> embargos não po<strong>de</strong> conduzir à renovação<br />
do julgamento que não se ressente da balda apontada, muito menos à pretensão,<br />
no caso configurada, <strong>de</strong> efeito modificativo ao julgado.<br />
14. Ante o exposto, ausente a omissão apontada, rejeito os presentes embargos<br />
<strong>de</strong>claratórios.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
AI 485.569-AgR-ED/PR — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargantes:<br />
Anterio Manica e outros (Advogados: Rodrigo Neiva Pinheiro e outros). Embargada:<br />
Agropastoril Miroca Ltda. (Advogados: Paulino Andreoli e outros).<br />
Decisão: A Turma rejeitou os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no agravo regimental<br />
no agravo <strong>de</strong> instrumento. Unânime. Não participou <strong>de</strong>ste julgamento o Ministro<br />
Marco Aurélio.<br />
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da<br />
República, Dr. Eitel Santiago <strong>de</strong> Brito Pereira.<br />
Brasília, 23 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 883<br />
AGRAVO REGIMENTAL NO<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO 553.873 — RJ<br />
Relator: O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello<br />
Agravante: Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro — Agravada: Maria Cristina Lopes<br />
da Silva<br />
Recurso extraordinário – Ausência <strong>de</strong> impugnação <strong>de</strong> todos<br />
os fundamentos em que se assentou o ato <strong>de</strong>cisório questionado –<br />
Subsistência autônoma da <strong>de</strong>cisão – Súmula 283/<strong>STF</strong> – Recurso<br />
improvido.<br />
– Assentando-se, o acórdão do Tribunal inferior, em vários<br />
fundamentos, impõe-se, ao recorrente, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> impugnar todos<br />
eles, <strong>de</strong> maneira necessariamente abrangente, sob pena <strong>de</strong>, em<br />
não o fazendo, sofrer a conseqüência processual da inadmissibilida<strong>de</strong><br />
do recurso extraordinário (Súmula 283/<strong>STF</strong>), eis que a<br />
existência <strong>de</strong> fundamento inatacado revela-se apta a conferir, à<br />
<strong>de</strong>cisão recorrida, condições suficientes para subsistir autonomamente.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Segunda Turma, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento<br />
e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, negar provimento ao recurso<br />
<strong>de</strong> agravo, nos termos do voto do Relator.<br />
Brasília, 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006 — Celso <strong>de</strong> Mello, Presi<strong>de</strong>nte e Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Trata-se <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong> agravo, tempestivamente<br />
interposto, contra <strong>de</strong>cisão que negou provimento ao agravo <strong>de</strong> instrumento<br />
<strong>de</strong>duzido pela parte ora recorrente.<br />
A <strong>de</strong>cisão agravada, com fundamento na Súmula 283 <strong>de</strong>sta Corte, reconheceu<br />
a inadmissibilida<strong>de</strong> do recurso extraordinário interposto pela parte<br />
ora agravante, porque, não obstante a existência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um fundamento<br />
suficiente, apto a sustentar, por si só, a <strong>de</strong>cisão recorrida, o apelo extremo não<br />
impugnou, <strong>de</strong> maneira necessariamente abrangente, todos eles.<br />
Inconformada com esse ato <strong>de</strong>cisório, a parte ora agravante interpõe o<br />
presente recurso, postulando, com o seu provimento, venha a ser processado<br />
o recurso extraordinário <strong>de</strong>negado pela Presidência do Tribunal <strong>de</strong> origem (fls.<br />
130/131).<br />
Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação <strong>de</strong>sta<br />
Colenda Turma, o presente recurso <strong>de</strong> agravo.<br />
É o relatório.
884<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora<br />
recorrente, eis que o acórdão objeto do recurso extraordinário em questão, ao resolver<br />
a controvérsia instaurada nesta causa, apoiou-se em vários fundamentos<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m constitucional (CF, art. 5º, inciso XXXVI – violação à coisa julgada –, c/c<br />
o art. 7º, IV), e a parte ora agravante, ao <strong>de</strong>duzir o apelo extremo em referência,<br />
limitou-se a sustentar que a <strong>de</strong>cisão em causa teria importado em transgressão<br />
ao art. 7º, IV, da Carta Política, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> questionar, no entanto, em se<strong>de</strong> recursal<br />
extraordinária, o outro fundamento jurídico pertinente ao tema versado<br />
no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.<br />
Isso significa – consi<strong>de</strong>rando-se o que enuncia a Súmula 283/<strong>STF</strong> –<br />
que o recurso extraordinário revela-se inadmissível, porque, não obstante a<br />
existência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um fundamento suficiente, apto a sustentar, por si só, a<br />
<strong>de</strong>cisão recorrida, o apelo extremo não impugnou, <strong>de</strong> maneira necessariamente<br />
abrangente, todos eles, abstendo-se <strong>de</strong> questionar o acórdão no ponto em que<br />
este examinou a controvérsia sob o ângulo do postulado da inviolabilida<strong>de</strong> da<br />
coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).<br />
Cabe enfatizar, neste ponto, que qualquer dos fundamentos jurídicos em<br />
que se apóia o acórdão recorrido revela-se bastante para viabilizar a subsistência<br />
autônoma da <strong>de</strong>cisão em causa, fazendo incidir, sobre o litígio ora em exame,<br />
a fórmula jurispru<strong>de</strong>ncial consubstanciada na Súmula 283/<strong>STF</strong>, segundo a qual<br />
“É inadmissível recurso extraordinário quando a <strong>de</strong>cisão recorrida assenta em<br />
mais <strong>de</strong> um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.<br />
Sendo assim, tendo em consi<strong>de</strong>ração as razões expostas, nego provimento<br />
ao presente recurso <strong>de</strong> agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios<br />
fundamentos, a <strong>de</strong>cisão ora agravada.<br />
É o meu voto.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
AI 553.873-AgR/RJ — Relator: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Agravante: Município<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Advogado: Gustavo Mota Gue<strong>de</strong>s). Agravada: Maria<br />
Cristina Lopes da Silva (Advogado: Deive Liao).<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso <strong>de</strong><br />
agravo, nos termos do voto do Relator.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão a Ministra<br />
Ellen Gracie e os Ministros Gilmar Men<strong>de</strong>s, Joaquim Barbosa e Eros Grau.<br />
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />
Brasília, 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
R.T.J. — <strong>204</strong> 885<br />
QUESTÃO DE ORDEM NO<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 556.664 — RS<br />
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s<br />
Recorrente: União — Recorrida: Novoquim Indústria Química Ltda.<br />
Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. 2. Inconstitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e<br />
46 da Lei 8.212/91 e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei<br />
1.569/77 <strong>de</strong>clarada pelo Plenário do TRF da 4ª Região. 3. Determinação<br />
<strong>de</strong> suspensão do envio ao <strong>STF</strong> dos recursos extraordinários<br />
e agravos <strong>de</strong> instrumento que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong><br />
dos referidos dispositivos.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen<br />
Gracie, na conformida<strong>de</strong> da ata <strong>de</strong> julgamento e das notas taquigráficas, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, resolver questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> comunicar aos<br />
Tribunais e Turmas <strong>de</strong> Juizados Especiais respectivos a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sobrestamento<br />
dos recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento que versem sobre<br />
a constitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, em face do art. 146, III, b,<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77,<br />
em face do art. 18, § 1º, da Constituição <strong>de</strong> 1967, com redação dada pela Emenda<br />
1/69 (art. 328, caput, do RI<strong>STF</strong>), como também no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver aos respectivos<br />
Tribunais <strong>de</strong> origem os recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento,<br />
ainda não distribuídos nesta Suprema Corte, que versem sobre o tema (art. 328,<br />
parágrafo único, do RI<strong>STF</strong>), sem prejuízo da eventual <strong>de</strong>volução, se assim enten<strong>de</strong>rem<br />
os Relatores, daqueles feitos que já estão a eles distribuídos. Diante disso,<br />
<strong>de</strong>liberar o Tribunal que se comunique, com urgência, aos Presi<strong>de</strong>ntes do Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça, dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e aos coor<strong>de</strong>nadores<br />
das Turmas Recursais, bem como ao Presi<strong>de</strong>nte da Turma Nacional <strong>de</strong> Uniformização<br />
da <strong>Jurisprudência</strong> dos Juizados Especiais Fe<strong>de</strong>rais, para que suspendam<br />
o envio ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral dos recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong><br />
instrumento que tratem da referida matéria, até que este Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />
aprecie a questão.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Gilmar Men<strong>de</strong>s, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s: Trago à apreciação <strong>de</strong>ste Plenário, em<br />
questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, Senhora Presi<strong>de</strong>nte, os RE 556.664-1/RS, 559.882-9/RS e<br />
560.626-1/RS, interpostos em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões proferidas pelo Tribunal Regional<br />
Fe<strong>de</strong>ral da 4ª Região que negaram provimento às apelações da União, por enten<strong>de</strong>r<br />
que, diante da inconstitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, bem como<br />
do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77, <strong>de</strong>veria ser reconhecida a<br />
prescrição da execução fiscal.
886<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Registre-se que, apesar <strong>de</strong> os referidos recursos extraordinários discutirem<br />
a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivos normativos distintos, quais sejam, o art. 45<br />
da Lei 8.212/91, que trata do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 10 anos para a constituição<br />
do crédito das contribuições previ<strong>de</strong>nciárias (RE 559.882-9/RS); o art. 46 da Lei<br />
8.212/91, que trata do prazo prescricional <strong>de</strong> 10 anos para a cobrança das contribuições<br />
previ<strong>de</strong>nciárias (RE 556.664-1/RS) e o art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei<br />
1.569/77, que cuida da suspensão da contagem do prazo prescricional<br />
para as causas <strong>de</strong> pequeno valor (RE 560.626-1/RS), em todos eles a discussão<br />
constitucional <strong>de</strong> fundo é a mesma, uma vez que tais dispositivos (arts. 45 e 46<br />
da Lei 8.212/91 e art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77) foram <strong>de</strong>clarados<br />
inconstitucionais pelo Plenário do Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 4ª Região<br />
pelo mesmo argumento: a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei complementar para cuidar <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cadência e prescrição <strong>de</strong> contribuições previ<strong>de</strong>nciárias, nos termos do art. 146,<br />
III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e do art. 18, § 1º, da CF 67/69.<br />
Ao final, postula-se provimento dos recursos extraordinários, a fim <strong>de</strong> que<br />
sejam <strong>de</strong>clarados constitucionais os arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e o art. 5º,<br />
parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77, <strong>de</strong>terminando-se, conseqüentemente,<br />
sejam retomadas as respectivas execuções fiscais, em virtu<strong>de</strong> da não-ocorrência<br />
<strong>de</strong> prescrição.<br />
Para os fins a que se refere o art. 21, IV, do RI<strong>STF</strong>, submeto, em questão <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m, à apreciação do Plenário <strong>de</strong>sta Corte, a presente <strong>de</strong>cisão (fundamentada<br />
no art. 328 do RI<strong>STF</strong>).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Os recursos extraordinários sob<br />
análise encontram-se submetidos ao regime inaugurado pela Lei 11.418/06 e<br />
Emenda Regimental 21/07 do <strong>STF</strong>, aten<strong>de</strong>ndo ao marco temporal que ficou<br />
estabelecido por ocasião do julgamento do AI 664.567-QO/RS, Rel. Min. Sepúlveda<br />
Pertence, DJ <strong>de</strong> 26-6-07 (qual seja, que o acórdão recorrido tenha sido<br />
publicado após 3-5-07, data <strong>de</strong> entrada em vigor da Emenda Regimental 21/07<br />
ao RI<strong>STF</strong>).<br />
A Lei 11.418/06 incluiu o art. 543-B no Código <strong>de</strong> Processo Civil, o qual<br />
estabeleceu as seguintes regras para o processamento dos recursos extraordinários:<br />
Art. 543-B. Quando houver multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos com fundamento em idêntica<br />
controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, observado o disposto neste artigo.<br />
§ 1º Caberá ao Tribunal <strong>de</strong> origem selecionar um ou mais recursos representativos<br />
da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sobrestando os <strong>de</strong>mais até o<br />
pronunciamento <strong>de</strong>finitivo da Corte.<br />
§ 2º Negada a existência <strong>de</strong> repercussão geral, os recursos sobrestados consi<strong>de</strong>rar-se-ão<br />
automaticamente não admitidos.<br />
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados<br />
pelos Tribunais, Turmas <strong>de</strong> Uniformização ou Turmas Recursais, que po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>clará-los<br />
prejudicados ou retratar-se.
R.T.J. — <strong>204</strong> 887<br />
§ 4º Mantida a <strong>de</strong>cisão e admitido o recurso, po<strong>de</strong>rá o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />
nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à<br />
orientação firmada.<br />
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral disporá sobre as atribuições<br />
dos Ministros, das Turmas e <strong>de</strong> outros órgãos, na análise da repercussão geral.<br />
A regulamentação do referido dispositivo ocorreu por meio da Emenda<br />
Regimental 21/07 do <strong>STF</strong>, a qual, especificamente em relação ao procedimento<br />
que <strong>de</strong>veria ser adotado em processos múltiplos, conferiu nova redação ao art.<br />
328 do RI<strong>STF</strong>, passando a assim dispor:<br />
Art. 328. Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível <strong>de</strong> reproduzirse<br />
em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), <strong>de</strong> ofício ou a requerimento<br />
da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas <strong>de</strong> juizado especial, a<br />
fim <strong>de</strong> que observem o disposto no art. 543-B do Código <strong>de</strong> Processo Civil, po<strong>de</strong>ndo pedirlhes<br />
informações, que <strong>de</strong>verão ser prestadas em 5 (cinco) dias, e sobrestar todas as <strong>de</strong>mais<br />
causas com questão idêntica.<br />
Parágrafo único. Quando se verificar subida ou distribuição <strong>de</strong> múltiplos recursos com<br />
fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a) selecionará<br />
um ou mais representativos da questão e <strong>de</strong>terminará a <strong>de</strong>volução dos <strong>de</strong>mais aos tribunais ou<br />
turmas <strong>de</strong> juizado especial <strong>de</strong> origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código<br />
<strong>de</strong> Processo Civil.<br />
Esse novo mo<strong>de</strong>lo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta<br />
que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ter caráter marcadamente subjetivo ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesse das partes, para<br />
assumir, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva, a função <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m constitucional objetiva.<br />
Trata-se <strong>de</strong> orientação que os mo<strong>de</strong>rnos sistemas <strong>de</strong> Corte Constitucional vêm<br />
conferindo ao recurso <strong>de</strong> amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwer<strong>de</strong>).<br />
Nesse sentido, <strong>de</strong>staca-se a observação <strong>de</strong> Häberle segundo a qual “a<br />
função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjectivos) é apenas<br />
uma faceta do recurso <strong>de</strong> amparo”, dotado <strong>de</strong> uma “dupla função”, subjetiva<br />
e objetiva, “consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo”<br />
(Häberle, Peter. O recurso <strong>de</strong> amparo no sistema germânico, Sub Judice<br />
20/21, 2001, p. 33 (49)).<br />
Essa orientação há muito mostra-se dominante também no direito americano.<br />
Já no primeiro quartel do século passado, afirmava Triepel que os processos<br />
<strong>de</strong> controle <strong>de</strong> normas <strong>de</strong>veriam ser concebidos como processos objetivos. Assim,<br />
sustentava ele, no conhecido Referat, sobre “a natureza e <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
jurisdição constitucional”, que, quanto mais políticas fossem as questões submetidas<br />
à jurisdição constitucional, tanto mais a<strong>de</strong>quada pareceria a adoção <strong>de</strong><br />
um processo judicial totalmente diferenciado dos processos ordinários. “Quanto<br />
menos se cogitar, nesse processo, <strong>de</strong> ação (...), <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação, <strong>de</strong> cassação <strong>de</strong><br />
atos estatais [dizia Triepel] mais facilmente po<strong>de</strong>rão ser resolvidas, sob a forma<br />
judicial, as questões políticas, que são, igualmente, questões jurídicas.” (Triepel,<br />
Heinrich, Wesen und Entwicklung <strong>de</strong>r Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL, Vol. 5<br />
(1929), p. 26). Triepel acrescentava, então, que “os americanos haviam <strong>de</strong>senvolvido<br />
o mais objetivo dos processos que se po<strong>de</strong>ria imaginar” (“Die Amerikaner<br />
haben für Verfassungsstreitigkeiten das objektivste Verfahren eingeführt, das<br />
sich <strong>de</strong>nken lässt”) (Triepel, op. cit., p. 26).
888<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Portanto, há muito resta evi<strong>de</strong>nte que a Corte Suprema americana não se<br />
ocupa da correção <strong>de</strong> eventuais interpretações divergentes das Cortes ordinárias.<br />
Em verda<strong>de</strong>, com o Judiciary Act <strong>de</strong> 1925, a Corte passou a exercer um pleno<br />
domínio sobre as matérias que <strong>de</strong>ve ou não apreciar (cf., a propósito, Griffin.<br />
Stephen M., The Age of Marbury, Theories of Judicial Review vs. Theories of<br />
Constitutional Interpretation, 1962-2002, Paper apresentado na reunião anual<br />
da “American Political Science Association”, 2002, p. 34). Ou, nas palavras do<br />
Chief Justice Vinson, “para permanecer efetiva, a Suprema Corte <strong>de</strong>ve continuar<br />
a <strong>de</strong>cidir apenas os casos que contenham questões cuja resolução haverá<br />
<strong>de</strong> ter importância imediata para além das situações particulares e das partes<br />
envolvidas” (“To remain effective, the Supreme Court must continue to <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />
only those cases which present questions whose resolutions will have immediate<br />
importance far beyond the particular facts and parties involved”) (Griffin, op.<br />
cit., p. 34).<br />
De forma análoga, essa é a orientação que a Lei 10.259/01 buscou dar<br />
ao regime dos recursos extraordinários (porém <strong>de</strong> forma restrita, pois somente<br />
incidia naqueles recursos interpostos contra as <strong>de</strong>cisões dos juizados especiais<br />
fe<strong>de</strong>rais). Indubitavelmente, a Lei 11.418, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, busca<br />
imprimir idêntico mo<strong>de</strong>lo aos recursos extraordinários convencionais, que se<br />
reproduzam em múltiplos feitos.<br />
Ora, a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que submeto ao Plenário <strong>de</strong>sta Corte não é,<br />
portanto, nova. A Lei 11.418/06 apenas esten<strong>de</strong>u o que era previsto <strong>de</strong> forma<br />
restritiva pela Lei 10.259/01. Assim sendo, muito embora a discussão encetada<br />
nestes autos seja inédita – por se tratar <strong>de</strong> recurso extraordinário com exigência<br />
<strong>de</strong> submissão à análise da preliminar <strong>de</strong> repercussão geral, tratando <strong>de</strong> questão<br />
ainda não <strong>de</strong>cidida pela Corte –, dois prece<strong>de</strong>ntes po<strong>de</strong>m ser mencionados para<br />
justificar o que ora se propõe: a AC 272-MC/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ <strong>de</strong><br />
25-2-04, em que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral aplicou o instituto da suspensão <strong>de</strong><br />
tramitação <strong>de</strong> processos nos tribunais <strong>de</strong> origem, nos termos da Lei 10.259/01,<br />
e o RE 519.394-2-MC, <strong>de</strong> minha relatoria, DJ <strong>de</strong> 8-3-07, em que <strong>de</strong>feri parcialmente<br />
a liminar requerida pelo INSS para “<strong>de</strong>terminar, ad referendum do Pleno,<br />
o sobrestamento, na origem, dos recursos extraordinários nos quais se discuta<br />
majoração <strong>de</strong> pensão por morte em face da aplicação da Lei 9.032/95, em relação<br />
a benefícios concedidos antes <strong>de</strong> sua edição”.<br />
O respaldo da Lei 11.418/06, que incluiu o art. 543-B no Código <strong>de</strong> Processo<br />
Civil, bem como a minuciosa regulamentação implementada pela Emenda Regimental<br />
21/07, que <strong>de</strong>u nova redação ao art. 328 do RI<strong>STF</strong>, são indicações seguras<br />
<strong>de</strong> que há mudanças importantes para o processamento do recurso extraordinário<br />
perante esta Corte, as quais <strong>de</strong>vem ser imediatamente implementadas.<br />
Não tenho dúvidas <strong>de</strong> que a questão discutida nestes autos – constitucionalida<strong>de</strong><br />
da regulação <strong>de</strong> prazos <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial e prescricional para cobrança das<br />
contribuições previ<strong>de</strong>nciárias, bem como <strong>de</strong> suspensão <strong>de</strong> prazo prescricional em<br />
execuções fiscais <strong>de</strong> pequeno valor por lei ordinária – está entre aquelas suscetíveis<br />
<strong>de</strong> reproduzirem-se em múltiplos feitos (o que, inclusive, se po<strong>de</strong> inferir <strong>de</strong>
R.T.J. — <strong>204</strong> 889<br />
dados que foram enviados pela Assessoria <strong>de</strong> Gestão Estratégica <strong>de</strong>ste Tribunal<br />
no sentido <strong>de</strong> que, dos recursos extraordinários distribuídos até 31-8-07, aproximadamente<br />
um terço daqueles que já estão submetidos ao regime da Lei 11.418/06,<br />
são sobre o tema dos recursos ora sob análise), <strong>de</strong> forma que se apresenta indubitavelmente<br />
pertinente a invocação da disciplina do art. 328 do RI<strong>STF</strong>.<br />
A referida regulamentação tem como objetivo principal frear a avalanche<br />
<strong>de</strong> processos que chega ao Supremo Tribunal, <strong>de</strong>terminando que os Tribunais <strong>de</strong><br />
origem selecionem um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhem<br />
tais recursos – e somente eles – ao <strong>STF</strong>, sobrestando os <strong>de</strong>mais. Não se<br />
po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r isso <strong>de</strong> vista.<br />
Uma vez sobrestados os recursos e negada a existência <strong>de</strong> repercussão geral,<br />
os recursos sobrestados consi<strong>de</strong>rar-se-ão automaticamente não admitidos. Por outro<br />
lado, <strong>de</strong>clarada a existência da repercussão geral e, assim, julgado o mérito do<br />
recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais<br />
<strong>de</strong> origem, que po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>clará-los prejudicados ou retratar-se (art. 543-B, § 2º<br />
e § 3º, do CPC).<br />
Assim sendo, proponho <strong>de</strong>liberação nesta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong>:<br />
a) comunicar aos Tribunais e Turmas <strong>de</strong> Juizados Especiais respectivos a<br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sobrestamento dos recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento<br />
que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91,<br />
em face do art. 146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo único,<br />
do Decreto-Lei 1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição <strong>de</strong> 1967, com<br />
redação dada pela Emenda 1/69 (art. 328, caput, do RI<strong>STF</strong>); e<br />
b) <strong>de</strong>volver aos respectivos Tribunais <strong>de</strong> origem os recursos extraordinários<br />
e agravos <strong>de</strong> instrumento, ainda não distribuídos nesta Suprema Corte, que versem<br />
sobre a constitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, em face do art.<br />
146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei<br />
1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição <strong>de</strong> 1967, com redação dada<br />
pela Emenda 1/69, sem prejuízo da eventual <strong>de</strong>volução, se assim enten<strong>de</strong>rem<br />
os Relatores, daqueles feitos que já estão a eles distribuídos (art. 328, parágrafo<br />
único, do RI<strong>STF</strong>).<br />
Diante do exposto, comunique-se, com urgência, aos Presi<strong>de</strong>ntes do Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça, dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e aos coor<strong>de</strong>nadores<br />
da Turmas Recursais, bem como ao Presi<strong>de</strong>nte da Turma Nacional <strong>de</strong> Uniformização<br />
da <strong>Jurisprudência</strong> dos Juizados Especiais Fe<strong>de</strong>rais, para que suspendam<br />
o envio ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral dos recursos extraordinários e agravos<br />
<strong>de</strong> instrumento que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong> do arts. 45 e 46 da Lei<br />
8.212/91, em face do art. 146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo<br />
único, do Decreto-Lei 1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição<br />
<strong>de</strong> 1967, com redação dada pela Emenda 1/69, até que este Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral aprecie a questão.<br />
É como voto.
890<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
DEBATE<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, uma informação. Este processo<br />
está <strong>de</strong>vidamente aparelhado, passou pelo crivo do art. 557 do Código <strong>de</strong> Processo<br />
Civil, é isso?<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Penso que não, porque, a rigor,<br />
não houve nenhuma questão prece<strong>de</strong>nte em torno do art. 557.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Está <strong>de</strong>vidamente aparelhado para julgamento,<br />
não há intempestivida<strong>de</strong>, não há falta <strong>de</strong> prequestionamento ou outro <strong>de</strong>feito.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Sim, mas teria que passar pelo<br />
rito da repercussão geral.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim. É porque assentamos, pelo menos no<br />
Regimento Interno, que prece<strong>de</strong> à apreciação da relevância o exame do recurso<br />
sob o ângulo do art. 557 referido.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Este está <strong>de</strong>vidamente aparelhado.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Creio relevante a matéria, porque a repetição<br />
se dá em milhares <strong>de</strong> processos e, na origem, foi <strong>de</strong>clarada a inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
do preceito.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Neste caso, o Tribunal Regional<br />
Fe<strong>de</strong>ral da 4ª Região está <strong>de</strong>clarando a inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas pon<strong>de</strong>raria a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixarmos<br />
não só os processos que versem a matéria ainda não distribuídos, como<br />
também os distribuídos, que estão nos gabinetes aguardando apreciação.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): A Ministra Cármen Lúcia, até<br />
ontem, <strong>de</strong>spachou nesse sentido.<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Regimento é textual nesse sentido. O Relator<br />
tem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> selecionar dois ou três e mandar baixar todos os <strong>de</strong>mais.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: No meu caso, exatamente os artigos sobre a mesma<br />
matéria, só que eu peguei dois recursos extraordinários que tratam não apenas do<br />
art. 46 mas também do art. 45, por ser mais abrangente; lancei a <strong>de</strong>cisão sobre os dois<br />
e <strong>de</strong>volvi vinte outros que já estavam a mim distribuídos sobre a mesmíssima matéria.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Eu <strong>de</strong>cidi não <strong>de</strong>volver porque o<br />
processo já está no gabinete. Estou dando o comando, mas também po<strong>de</strong>ria me<br />
encaminhar nesse sentido sem nenhuma dificulda<strong>de</strong>.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A rigor, ressalta o Ministro Cezar Peluso –<br />
e subscrevo o que colocado por S. Exa. – que haveria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer ao<br />
Plenário, porque é o primeiro caso.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): É por isso que estou trazendo,<br />
para que estabeleçamos uma orientação.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Só haveria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer ao Plenário<br />
para a recusa da relevância.
R.T.J. — <strong>204</strong> 891<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, para suspen<strong>de</strong>r, V. Exa., como Relator,<br />
teria po<strong>de</strong>r regimental para fazê-lo.<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Hoje, inclusive, essa foi uma<br />
evolução da lei em relação à Lei 10.259/01. Mas é só para efeito <strong>de</strong> assentar uma<br />
orientação, porque é o primeiro caso.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Até porque, como esta matéria, os arts. 45 e<br />
46 da Lei 8.212/90, que foi objeto <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, já<br />
<strong>de</strong>vem ter chegado a vários gabinetes. No meu caso, chegaram vinte. Como não<br />
tinha sido argüida essa questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, selecionei dois dos mais abrangentes,<br />
<strong>de</strong>volvi os outros e até preparei uma manifestação que o serviço, então, disse que<br />
eu não po<strong>de</strong>ria ainda lançar. Mas é sobre a mesma matéria.<br />
O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Exa. está mais adiantada do que nós outros,<br />
pelo menos do que eu próprio.<br />
A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É só para não acumular.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 556.664-QO/RS — Relator: Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s. Recorrente:<br />
União (Advogada: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Recorrida: Novoquim<br />
Indústria Química Ltda.<br />
Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m suscitada<br />
pelo Relator, <strong>de</strong>cidiu no sentido <strong>de</strong> comunicar, com urgência, aos Presi<strong>de</strong>ntes<br />
do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e aos coor<strong>de</strong>nadores<br />
das Turmas Recursais, bem como ao Presi<strong>de</strong>nte da Turma Nacional<br />
<strong>de</strong> Uniformização da <strong>Jurisprudência</strong> dos Juizados Especiais Fe<strong>de</strong>rais, para que<br />
suspendam o envio ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral dos recursos extraordinários<br />
e agravos <strong>de</strong> instrumento que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong> do art. 46 da<br />
Lei 8.212/1991, em face do art. 146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, até que este<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral aprecie a questão, tudo nos termos do voto do Relator.<br />
Votou a Presi<strong>de</strong>nte, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, licenciado,<br />
o Ministro Eros Grau.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim<br />
Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-<br />
Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva <strong>de</strong> Souza.<br />
Brasília, 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />
VOTO<br />
(Adiantamento)<br />
O Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (Relator): Chamo o presente feito à or<strong>de</strong>m<br />
para propor seja adicionada à questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no RE 556.664/RS, apresentada<br />
e <strong>de</strong>liberada ontem neste Plenário, também os processos RE 559.882-9/RS e RE<br />
560.626-1/RS, pois, apesar <strong>de</strong> discutirem a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros disposi-
892<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
tivos normativos, quais sejam, o art. 45 da Lei 8.212/91 (que trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência<br />
da constituição do crédito das contribuições previ<strong>de</strong>nciárias) e o art. 5º, parágrafo<br />
único, do Decreto-Lei 1.569/77 (que cuida da suspensão da contagem do prazo<br />
prescricional para as causas <strong>de</strong> pequeno valor), respectivamente, neles a discussão<br />
constitucional <strong>de</strong> fundo apresenta-se idêntica à do RE 556.664/RS, uma vez que<br />
tais dispositivos (arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e art. 5º, parágrafo único, do Decreto-<br />
Lei 1.569/77) foram <strong>de</strong>clarados inconstitucionais pelo Plenário do Tribunal Regional<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> origem, todos pelo mesmo fundamento: obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei complementar<br />
para cuidar <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência e prescrição <strong>de</strong> contribuições previ<strong>de</strong>nciárias.<br />
Assim sendo, proponho que a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m seja <strong>de</strong>liberada no sentido <strong>de</strong>:<br />
a) comunicar aos Tribunais e Turmas <strong>de</strong> Juizados Especiais respectivos a<br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sobrestamento dos recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento<br />
que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91,<br />
em face do art. 146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo único,<br />
do Decreto-Lei 1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição <strong>de</strong> 1967, com<br />
redação dada pela Emenda 1/69 (art. 328, caput, do RI<strong>STF</strong>); e<br />
b) <strong>de</strong>volver aos respectivos tribunais <strong>de</strong> origem os recursos extraordinários<br />
e agravos <strong>de</strong> instrumento, ainda não distribuídos nesta Suprema Corte, que versem<br />
sobre a constitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, em face do art.<br />
146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei<br />
1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição <strong>de</strong> 1967, com redação dada<br />
pela Emenda 1/69, por tratarem <strong>de</strong> questão idêntica à dos processos referidos<br />
nesta questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m (art. 328, parágrafo único, do RI<strong>STF</strong>).<br />
Diante do exposto, comunique-se, com urgência, aos Presi<strong>de</strong>ntes do Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça, dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e aos coor<strong>de</strong>nadores<br />
das Turmas Recursais, bem como ao Presi<strong>de</strong>nte da Turma Nacional <strong>de</strong> Uniformização<br />
da <strong>Jurisprudência</strong> dos Juizados Especiais Fe<strong>de</strong>rais, para que suspendam<br />
o envio ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral dos recursos extraordinários e agravos<br />
<strong>de</strong> instrumento que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong> do arts. 45 e 46 da Lei<br />
8.212/91, em face do art. 146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo<br />
único, do Decreto-Lei 1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição<br />
<strong>de</strong> 1967, com redação dada pela Emenda 1/69, até que este Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral aprecie a questão.<br />
É como voto.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 556.664-QO/RS — Relator: Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s. Recorrente:<br />
União (Advogada: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Recorrida: Novoquim<br />
Indústria Química Ltda.<br />
Retificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, retificou a <strong>de</strong>cisão<br />
proclamada na assentada anterior para fazer constar que a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m foi<br />
resolvida no sentido <strong>de</strong> comunicar aos Tribunais e às Turmas <strong>de</strong> Juizados Especiais<br />
respectivos a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sobrestamento dos recursos extraordinários e
R.T.J. — <strong>204</strong> 893<br />
agravos <strong>de</strong> instrumento que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong> dos arts. 45 e 46<br />
da Lei 8.212/91, em face do art. 146, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º,<br />
parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77, em face do art. 18, § 1º, da Constituição<br />
<strong>de</strong> 1967, com redação dada pela Emenda 1/69 (art. 328, caput, do RI<strong>STF</strong>),<br />
como também no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver aos respectivos Tribunais <strong>de</strong> origem os<br />
recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento, ainda não distribuídos nesta<br />
Suprema Corte, que versem sobre o tema (art. 328, parágrafo único, do RI<strong>STF</strong>),<br />
sem prejuízo da eventual <strong>de</strong>volução, se assim enten<strong>de</strong>rem os Relatores, daqueles<br />
feitos que já estão a eles distribuídos. Diante disto, <strong>de</strong>liberou o Tribunal que se<br />
comunique, com urgência, aos Presi<strong>de</strong>ntes do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, dos<br />
Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e aos coor<strong>de</strong>nadores das Turmas Recursais, bem<br />
como ao Presi<strong>de</strong>nte da Turma Nacional <strong>de</strong> Uniformização da <strong>Jurisprudência</strong> dos<br />
Juizados Especiais Fe<strong>de</strong>rais, para que suspendam o envio ao Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral dos recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento que tratem da referida<br />
matéria, até que este Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral aprecie a questão. Ausentes,<br />
justificadamente, a Ministra Cármen Lucia e o Ministro Eros Grau. Presidiu o<br />
julgamento a Ministra Ellen Gracie. Plenário, 13-9-07.<br />
A<strong>de</strong>ndo à <strong>de</strong>cisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, acolheu proposta do Relator<br />
para constar que, à questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no RE 556.664-1/RS, apresentada e<br />
<strong>de</strong>liberada na assentada anterior, sejam adicionados o RE 559.882-9/RS e o RE<br />
560.626-1/RS, pois, apesar <strong>de</strong> discutirem a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros dispositivos<br />
normativos, quais sejam, o art. 45 da Lei 8.212/91 (que trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência<br />
da constituição do crédito das contribuições previ<strong>de</strong>nciárias) e o art. 5º, parágrafo<br />
único, do Decreto-Lei 1.569/77 (que cuida da suspensão da contagem do prazo<br />
prescricional para as causas <strong>de</strong> pequeno valor), respectivamente, neles a discussão<br />
constitucional <strong>de</strong> fundo apresenta-se idêntica à do RE 556.664-1/RS, uma<br />
vez que tais dispositivos (arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e art. 5º, parágrafo único,<br />
do Decreto-Lei 1.569/77) foram <strong>de</strong>clarados inconstitucionais pelo Plenário do<br />
Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> origem, todos pelo mesmo fundamento: obrigatorieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> lei complementar para cuidar <strong>de</strong> questões referentes à <strong>de</strong>cadência e<br />
prescrição <strong>de</strong> contribuições previ<strong>de</strong>nciárias. Em razão disso, o Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>,<br />
resolveu questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no sentido <strong>de</strong> comunicar aos Tribunais e às<br />
Turmas <strong>de</strong> Juizados Especiais respectivos a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sobrestamento dos<br />
recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento que versem sobre a constitucionalida<strong>de</strong><br />
dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, em face do art. 146, III, b, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77, em face do<br />
art. 18, § 1º, da Constituição <strong>de</strong> 1967, com redação dada pela Emenda 1/69 (art.<br />
328, caput, do RI<strong>STF</strong>), como também no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver aos respectivos Tribunais<br />
<strong>de</strong> origem os recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento, ainda não<br />
distribuídos nesta Suprema Corte, que versem sobre o tema (art. 328, parágrafo<br />
único, do RI<strong>STF</strong>), sem prejuízo da eventual <strong>de</strong>volução, se assim enten<strong>de</strong>rem os<br />
Relatores, daqueles feitos que já estão a eles distribuídos. Diante disso, <strong>de</strong>liberou<br />
o Tribunal que se comunique, com urgência, aos Presi<strong>de</strong>ntes do Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça, dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e aos coor<strong>de</strong>nadores das Turmas<br />
Recursais, bem como ao Presi<strong>de</strong>nte da Turma Nacional <strong>de</strong> Uniformização da
894<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
<strong>Jurisprudência</strong> dos Juizados Especiais Fe<strong>de</strong>rais, para que suspendam o envio ao<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral dos recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumento<br />
que tratem da referida matéria, até que este Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral aprecie a<br />
questão. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto, Joaquim Barbosa<br />
e Eros Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />
<strong>de</strong> Mello, Marco Aurélio, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski,<br />
Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.<br />
Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />
Brasília, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — <strong>204</strong> 895<br />
AGRAVO REGIMENTAL NO<br />
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 560.877 — BA<br />
Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />
Agravante: Telemar Norte Leste S.A. — Agravado: Albérico Sampaio do<br />
Lago Pereira<br />
Recurso. Agravo. Regimental. Deficiência na fundamentação<br />
do recurso. Súmula 284. Agravo regimental não provido. Há<br />
fundamentação <strong>de</strong>ficiente quando não existe correlação entre as<br />
razões recursais e os fundamentos da <strong>de</strong>cisão recorrida.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />
Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong><br />
Mello, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> votos, negar provimento ao recurso <strong>de</strong> agravo, nos termos do voto<br />
do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim<br />
Barbosa.<br />
Brasília, 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se <strong>de</strong> agravo regimental contra <strong>de</strong>cisão<br />
do teor seguinte:<br />
1. Trata-se <strong>de</strong> recurso extraordinário contra acórdão que con<strong>de</strong>nou a Recorrente a restituir<br />
em dobro os valores relativos aos pulsos telefônicos cobrados além da franquia.<br />
Opostos embargos <strong>de</strong>claratórios, foram rejeitados (fl. 238).<br />
A Recorrente sustenta, com base no art. 102, III, a, violação ao disposto nos arts. 5º, II,<br />
LIV e LV; 21, XI; 37, XXI; 98, I; e 109, I, da Constituição da República.<br />
2. Inviável o recurso.<br />
O acórdão impugnado invocou apenas fundamentação infraconstitucional, <strong>de</strong> modo<br />
que eventual ofensa à Constituição Fe<strong>de</strong>ral seria, aqui, apenas indireta. Ora, é pacífica a<br />
jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, no sentido <strong>de</strong> não tolerar, em recurso extraordinário, alegação <strong>de</strong><br />
ofensa que, irradiando-se <strong>de</strong> má interpretação, aplicação, ou, até, <strong>de</strong> inobservância <strong>de</strong> normas<br />
infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República, aplicando-se, ainda,<br />
quanto ao princípio da legalida<strong>de</strong>, a Súmula 636.<br />
De igual modo, suposta ofensa às garantias constitucionais do contraditório e da ampla<br />
<strong>de</strong>fesa configuraria, aqui, ofensa meramente reflexa à Constituição da República, porque<br />
sua eventual caracterização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> exame prévio <strong>de</strong> norma infraconstitucional, o que<br />
também é inadmissível, como já notou a Corte em caso análogo: “as alegações <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito<br />
aos postulados da legalida<strong>de</strong>, do <strong>de</strong>vido processo legal, da motivação dos atos <strong>de</strong>cisórios,<br />
do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional po<strong>de</strong>m configurar,<br />
quando muito, situações <strong>de</strong> ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância<br />
essa que impe<strong>de</strong> a utilização do recurso extraordinário” (AI 372.358-AgR, Rel. Min. Celso <strong>de</strong><br />
Mello, DJ <strong>de</strong> 11-6-02. Cf. ainda AI 360.265-AgR, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 20-9-02).<br />
Por fim, quanto à alegação <strong>de</strong> ofensa aos arts. 98, I, e 109, I, da Constituição da República,<br />
observo que o acórdão está <strong>de</strong> acordo com a jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, que <strong>de</strong>cidiu: “A<br />
jurisprudência do Tribunal é <strong>de</strong> que compete à Justiça estadual julgar litígio entre concessionária
896<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
<strong>de</strong> serviço público e particular, e <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>finição da competência dos juizados especiais<br />
em razão da complexida<strong>de</strong> da causa restringe-se ao plano normativo infraconstitucional” (AI<br />
596.563-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ <strong>de</strong> 16-2-07, Primeira Turma).<br />
3. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RI<strong>STF</strong>; art. 38 da Lei<br />
8.038, <strong>de</strong> 28-5-90; e art. 557 do CPC).<br />
(Fls. 277-278.)<br />
A Agravante sustenta violação à Constituição da República, porquanto o<br />
acórdão recorrido “manteve a sentença prolatada no Juízo a quo, a qual consi<strong>de</strong>rou<br />
abusiva a cobrança <strong>de</strong> Assinatura Resi<strong>de</strong>ncial” (grifos do original, fl. 283).<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inviável o recurso.<br />
É que a Agravante, ao insurgir-se contra acórdão que teria consi<strong>de</strong>rado<br />
abusiva a cobrança <strong>de</strong> assinatura resi<strong>de</strong>ncial, não atacou os reais fundamentos da<br />
<strong>de</strong>cisão recorrida, que dizem respeito à cobrança <strong>de</strong> pulsos telefônicos além da<br />
franquia mensal.<br />
De fato, há evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ficiência na fundamentação do agravo regimental,<br />
porque as razões <strong>de</strong>duzidas no recurso são <strong>de</strong>stoantes do real conteúdo da <strong>de</strong>cisão<br />
recorrida, o que atrai a aplicação da Súmula 284.<br />
Em caso semelhante, assim <strong>de</strong>cidiu esta Corte, como consta da seguinte<br />
ementa exemplar:<br />
(...) Divórcio i<strong>de</strong>ológico – Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coincidência entre o conteúdo do acórdão<br />
recorrido e o tema versado na petição recursal.<br />
– É inadmissível o recurso extraordinário, quando a fundamentação que lhe dá suporte<br />
não guarda qualquer relação <strong>de</strong> pertinência com o conteúdo do acórdão proferido pelo Tribunal<br />
inferior. A incoincidência entre as razões que fundamentam a petição recursal e a matéria<br />
efetivamente versada no acórdão constitui hipótese configuradora <strong>de</strong> divórcio i<strong>de</strong>ológico, que<br />
inviabiliza a exata compreensão da controvérsia jurídica, impedindo, <strong>de</strong>sse modo, o próprio<br />
conhecimento do recurso extraordinário (Súmula 284/<strong>STF</strong>). Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
(RE 177.927, Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJ <strong>de</strong> 4-11-96.)<br />
2. Ante o exposto, nego provimento ao agravo.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
RE 560.877-AgR/BA — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Telemar<br />
Norte Leste S.A. (Advogados: Antonio Augusto Cardoso Dórea e outros).<br />
Agravado: Albérico Sampaio do Lago Pereira (Advogada: Daniele da Hora<br />
Santana).<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso <strong>de</strong><br />
agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />
o Ministro Joaquim Barbosa.
R.T.J. — <strong>204</strong> 897<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />
Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />
Brasília, 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
898<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO 578.833 — GO<br />
Relator: O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello<br />
Embargante: Rápido Araguaia Ltda. — Embargado: Luiz Carlos <strong>de</strong> Castro<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração recebidos como recurso <strong>de</strong> agravo –<br />
Decisão da Presidência do Tribunal recorrido que não admitiu o<br />
recurso extraordinário – Interposição, contra esse ato <strong>de</strong>cisório,<br />
<strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> instrumento – Intempestivida<strong>de</strong> do agravo <strong>de</strong> instrumento<br />
– Não-conhecimento <strong>de</strong>sse recurso – Impossibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> complementação, no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> peça <strong>de</strong><br />
traslado obrigatório concernente à própria <strong>de</strong>finição da tempestivida<strong>de</strong><br />
do agravo <strong>de</strong> instrumento – Recurso <strong>de</strong> agravo improvido.<br />
– Incumbe, à parte agravante, quando da interposição do<br />
recurso perante o tribunal a quo, fazer constar, do traslado, peça<br />
comprobatória da suspensão do expediente forense na Comarca<br />
<strong>de</strong> origem, em or<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>monstrar a plena tempestivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
impugnação recursal, eis que não se presume a ocorrência do fato<br />
excepcional pertinente à suspensão temporária das ativida<strong>de</strong>s<br />
jurisdicionais.<br />
– A jurisprudência da Suprema Corte tem advertido revelar-se<br />
impossível suprir a omissão <strong>de</strong> peça essencial, como aquela<br />
que se <strong>de</strong>stina a <strong>de</strong>monstrar a tempestivida<strong>de</strong> do recurso, quando<br />
o agravo <strong>de</strong> instrumento já se achar em processamento no próprio<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
ACÓRDÃO<br />
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em Segunda Turma, na conformida<strong>de</strong> da ata do julgamento<br />
e das notas taquigráficas, preliminarmente, por votação unânime, conhecer dos<br />
embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração como recurso <strong>de</strong> agravo, a que, também por unanimida<strong>de</strong>,<br />
negam provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,<br />
neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />
Brasília, 18 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006 — Celso <strong>de</strong> Mello, Presi<strong>de</strong>nte e Relator.<br />
RELATÓRIO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: Trata-se <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração<br />
opostos a <strong>de</strong>cisão monocrática que não conheceu do agravo <strong>de</strong> instrumento<br />
interposto pela parte ora embargante, por intempestivo.<br />
Inconformada com esse ato <strong>de</strong>cisório, opõe, a parte ora recorrente, os presentes<br />
embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, alegando, em síntese, a ocorrência dos vícios a<br />
que se refere o art. 535 do CPC.
R.T.J. — <strong>204</strong> 899<br />
Submeto, à apreciação <strong>de</strong>sta Colenda Turma, os presentes embargos <strong>de</strong>claratórios.<br />
É o relatório.<br />
VOTO<br />
O Sr. Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (Relator): Conheço, preliminarmente, dos<br />
presentes embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração como recurso <strong>de</strong> agravo (RTJ 145/664 – RTJ<br />
153/834 – AI 243.159-ED/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – AI 243.832-ED/<br />
MG, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).<br />
E, ao fazê-lo, reconheço que não assiste razão à parte recorrente, eis<br />
que as alegações <strong>de</strong>duzidas, não obstante a superveniente comprovação da<br />
tempestivida<strong>de</strong> do agravo <strong>de</strong> instrumento interposto pela ora agravante, não<br />
infirmam as razões da <strong>de</strong>cisão agravada.<br />
A parte ora recorrente traz, somente agora, com a petição <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong><br />
agravo, certidão expedida pela Secretaria do E. Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado<br />
<strong>de</strong> Goiás <strong>de</strong>stinada a comprovar que o dia 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005, sexta-feira, foi<br />
<strong>de</strong>clarado ponto facultativo, na instância local, por força do Decreto Judiciário<br />
411/05 (fl. 216).<br />
A ausência <strong>de</strong>sse elemento informativo, que <strong>de</strong>veria ter integrado o<br />
traslado – consi<strong>de</strong>rada a inquestionável relevância <strong>de</strong>sse dado para a aferição<br />
da própria tempestivida<strong>de</strong> do agravo <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong>duzido pela parte ora agravante<br />
– levou-me, diante <strong>de</strong> tal omissão, a não conhecer do mencionado recurso.<br />
A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem reafirmado que o<br />
agravo <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong>ve ser instruído com todos os elementos necessários<br />
ao seu exame.<br />
Sem que a parte agravante promova a a<strong>de</strong>quada e integral formação do<br />
instrumento, com a apresentação <strong>de</strong> todas as peças que <strong>de</strong>le <strong>de</strong>vem constar obrigatoriamente,<br />
ou com qualquer outra que seja essencial à compreensão da controvérsia,<br />
ou, até mesmo, necessária à <strong>de</strong>finição da própria tempestivida<strong>de</strong> do<br />
agravo <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong>duzido ou do recurso extraordinário a que ele se refere,<br />
torna-se inviável conhecer do recurso <strong>de</strong> agravo (AI 214.562-AgR/SC, Rel. Min.<br />
MOREIRA ALVES), cabendo enfatizar, ainda, que a composição do traslado<br />
<strong>de</strong>ve sempre processar-se perante o Tribunal “a quo” (RTJ 144/948, Rel. Min.<br />
CELSO DE MELLO – AI 199.935-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA):<br />
A prova da oportuna interposição do agravo <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong>ve ser necessariamente<br />
produzida pelo agravante, quando da formação do traslado cujo processamento ocorre perante<br />
a instância judiciária a quo.<br />
A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem salientado revelar-se impossível<br />
suprir a omissão <strong>de</strong> peça essencial, quando o recurso <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> instrumento já se achar<br />
em processamento no próprio <strong>STF</strong>. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
(RTJ 165/681-682, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)
900<br />
R.T.J. — <strong>204</strong><br />
Vê-se, portanto – presente o contexto em exame – que incumbia, à parte<br />
ora agravante, quando da interposição do recurso perante o Tribunal “a quo”, fazer<br />
constar, do traslado, peça comprobatória <strong>de</strong> que não houve expediente forense<br />
na instância <strong>de</strong> origem, em or<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>monstrar a plena tempestivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
impugnação recursal, eis que não se presume a ocorrência do fato excepcional<br />
pertinente à suspensão temporária das ativida<strong>de</strong>s jurisdicionais.<br />
Sendo assim, tendo em consi<strong>de</strong>ração as razões expostas, nego provimento<br />
ao presente recurso <strong>de</strong> agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios<br />
fundamentos, a <strong>de</strong>cisão ora questionada.<br />
É o meu voto.<br />
EXTRATO DA ATA<br />
AI 578.833-ED/GO — Relator: Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Embargante:<br />
Rápido Araguaia Ltda. (Advogados: Varlei Alves Ribeiro e outros). Embargado:<br />
Luiz Carlos <strong>de</strong> Castro (Advogada: Cláudia Regina Telles).<br />
Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos<br />
embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração como recurso <strong>de</strong> agravo, <strong>de</strong> que, no entanto, não conheceu,<br />
por intempestivida<strong>de</strong>, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,<br />
neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa. Segunda Turma, 18-4-06.<br />
Decisão: A Turma, por votação unânime, <strong>de</strong>liberou retificar a <strong>de</strong>cisão<br />
proferida na 10ª Sessão Ordinária, <strong>de</strong> 18-4-06, para que tenha o seguinte teor:<br />
“A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos embargos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>claração como recurso <strong>de</strong> agravo, a que, também por unanimida<strong>de</strong>, negou<br />
provimento, nos termos do voto do Relator.” Ausentes, justificadamente, neste<br />
julgamento, os Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa.<br />
Presidência do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />
Gilmar Men<strong>de</strong>s, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />
Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.<br />
Brasília, 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006 — Carlos Alberto Cantanhe<strong>de</strong>, Coor<strong>de</strong>nador.
ÍNDICE ALFABÉTICO
A<br />
Pr<strong>STF</strong> Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. Cabimento. Ato <strong>de</strong> caráter<br />
normativo. Decreto estadual. ADI 3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
Pr<strong>STF</strong> Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração.<br />
ADI 3.582-ED RTJ <strong>204</strong>/669<br />
Pr<strong>STF</strong> Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. Ilegitimida<strong>de</strong> ativa. Confe<strong>de</strong>ração<br />
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Alteração<br />
posterior da jurisprudência do <strong>STF</strong>: irrelevância. Julgamento da<br />
preliminar: conclusão. Matéria: preclusão. CF/88, art. 103, IX. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pr<strong>STF</strong> Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. Legitimida<strong>de</strong> ativa. Partido<br />
dos Trabalhadores (PT). CF/88, art. 103, VIII. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Ação penal. Trancamento: <strong>de</strong>scabimento. Justa causa. Materialida<strong>de</strong><br />
do crime e indícios <strong>de</strong> autoria. Crime contra o sistema financeiro e<br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Apuração dos fatos: “Força-Tarefa CC-5”. HC<br />
91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Pr<strong>STF</strong> Ação penal originária. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>). Prerrogativa<br />
<strong>de</strong> função. Interrogatório: <strong>de</strong>legação a juiz fe<strong>de</strong>ral escolhido<br />
por sorteio. Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. Regimento<br />
Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RI<strong>STF</strong>), art. 239, § 1º. AP<br />
470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
Ct Aci<strong>de</strong>nte com a P-36 da Petrobras. (...) Competência originária.<br />
ACO 622-QO RTJ <strong>204</strong>/489<br />
PrPn Acórdão criminal: nulida<strong>de</strong>. (...) Intimação criminal. HC 90.709 RTJ<br />
<strong>204</strong>/773<br />
PrPn Acórdão da apelação: correção. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC<br />
87.071 RTJ <strong>204</strong>/746<br />
Pn Acórdão do STM. (...) Crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. HC 92.990 RTJ <strong>204</strong>/817
904 Aco-Aut — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
Trbt Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e Comércio (GATT): recepção pela CF/88.<br />
(...) Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS).<br />
RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
Adm Administração pública: discricionarieda<strong>de</strong>. (...) Licitação. ADI 3.583<br />
RTJ <strong>204</strong>/676<br />
PrPn Advogado constituído na fase do inquérito: ausência <strong>de</strong> intimação.<br />
(...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
Ct Agente político com prerrogativa <strong>de</strong> foro. (...) Competência originária.<br />
Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
PrCv Agravo <strong>de</strong> instrumento. Formação perante o juízo a quo. Juntada <strong>de</strong><br />
peça essencial no <strong>STF</strong>: inadmissibilida<strong>de</strong>. AI 578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrCv Agravo <strong>de</strong> instrumento. Traslado <strong>de</strong>ficiente. Suspensão do expediente<br />
forense: não-comprovação. Tempestivida<strong>de</strong>: ausência <strong>de</strong> prova. AI<br />
578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrPn Agravo regimental. Prejudicialida<strong>de</strong>. Objetos idênticos. AP 470-QO<br />
RTJ <strong>204</strong>/483<br />
PrCv Agravo regimental. Prejudicialida<strong>de</strong>. Perda superveniente do objeto.<br />
Rcl 2.828 RTJ <strong>204</strong>/665<br />
PrCv Agravo regimental. Razões. Decisão agravada: ausência <strong>de</strong> impugnação<br />
dos fundamentos. AI 553.873-AgR RTJ <strong>204</strong>/883 – RE 560.877-<br />
AgR RTJ <strong>204</strong>/895<br />
Pr<strong>STF</strong> Alteração posterior da jurisprudência do <strong>STF</strong>: irrelevância. (...) Ação<br />
direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pn Analogia: inaplicabilida<strong>de</strong>. (...) Pena. HC 93.071 RTJ <strong>204</strong>/823<br />
PrPn Apuração dos fatos: “Força-Tarefa CC-5”. (...) Ação penal. HC 91.158<br />
RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Adm Aquisição <strong>de</strong> veículo movido a <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> petróleo. (...) Licitação.<br />
ADI 3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Adm Aquisição <strong>de</strong> veículo para uso oficial. (...) Licitação. ADI 3.583 RTJ<br />
<strong>204</strong>/676<br />
Adm Ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão e entida<strong>de</strong> extintos: absorção. (...) Organização<br />
social. ADI 1.923-MC RTJ <strong>204</strong>/575<br />
Pr<strong>STF</strong> Ato <strong>de</strong> caráter normativo. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
ADI 3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
Adm Atuação como <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia. (...) Policial militar. ADI 3.614<br />
RTJ <strong>204</strong>/682<br />
Ct Autonomia universitária: observância. (...) Estado-membro. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cab-CF/<br />
C<br />
905<br />
Pr<strong>STF</strong> Cabimento. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI 3.614<br />
RTJ <strong>204</strong>/682<br />
PrPn Cabimento. (...) Habeas corpus. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
PrPn Cabimento: excepcionalida<strong>de</strong>. (...) Habeas corpus. HC 91.018 RTJ<br />
<strong>204</strong>/777<br />
PrPn Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral. (...) Competência criminal. HC 71.247<br />
RTJ <strong>204</strong>/729<br />
PrCv Caráter infringente. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. AI 467.924-AgR-<br />
ED RTJ <strong>204</strong>/877<br />
Pr<strong>STF</strong> Caráter infringente. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. ADI 3.582-ED<br />
RTJ <strong>204</strong>/669<br />
Adm Cargo público. Provimento e <strong>de</strong>sprovimento. Presi<strong>de</strong>nte da República:<br />
competência. Ministro <strong>de</strong> Estado: <strong>de</strong>legação. CF/88, art. 84,<br />
parágrafo único. RMS 25.736 RTJ <strong>204</strong>/695<br />
Int Causa interruptiva: inaplicabilida<strong>de</strong>. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/527<br />
PrPn Cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa: inocorrência. (...) Prova pericial. HC 87.071<br />
RTJ <strong>204</strong>/746<br />
Adm CF/88, arts. 5º, caput; 19, III; e 37, XXI: ofensa. (...) Licitação. ADI<br />
3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Int CF/88, art. 5º, § 2º. (...) Tratado internacional. RE 229.096 RTJ<br />
<strong>204</strong>/858<br />
Adm CF/88, art. 29, V: eficácia plena e aplicabilida<strong>de</strong> imediata. (...) Subsídio.<br />
RE <strong>204</strong>.889 RTJ <strong>204</strong>/841<br />
Adm CF/88, art. 39, caput, redação anterior à EC 19/98. (...) Servidor público<br />
estadual. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm CF/88, art. 84, parágrafo único. (...) Cargo público. RMS 25.736 RTJ<br />
<strong>204</strong>/695<br />
Ct CF/88, art. 102, I, b. (...) Competência originária. Inq 2.411-QO RTJ<br />
<strong>204</strong>/632<br />
Ct CF/88, art. 102, I, f. (...) Competência originária. ACO 622-QO RTJ<br />
<strong>204</strong>/489<br />
Pr<strong>STF</strong> CF/88, art. 103, VIII. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pr<strong>STF</strong> CF/88, art. 103, IX. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535
906 CF/-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
PrPn CF/88, art. 109, IV. (...) Competência criminal. HC 71.247 RTJ<br />
<strong>204</strong>/729<br />
Pn CF/88, art. 124, parágrafo único. (...) Crime militar. HC 91.767 RTJ<br />
<strong>204</strong>/804<br />
PrPn CF/88, art. 133: alcance. (...) Revisão criminal. HC 74.309 RTJ<br />
<strong>204</strong>/732<br />
Adm CF/88, art. 144, caput, IV, V e § 4º e § 5º: ofensa. (...) Policial militar.<br />
ADI 3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
Trbt CF/88, art. 150, VI, a. (...) Imunida<strong>de</strong> tributária recíproca. ACO<br />
959 RTJ <strong>204</strong>/518<br />
Trbt CF/88, art. 151, III: ofensa inocorrente. (...) Imposto sobre Circulação<br />
<strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
Ct CF/88, art. 205. (...) Estado-membro. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct CF/88, arts. 205 e 207: ofensa inocorrente. (...) Estado-membro. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pn Circunstância atenuante: inaplicabilida<strong>de</strong>. (...) Pena-base. HC 93.071<br />
RTJ <strong>204</strong>/823<br />
PrPn Citação por edital. Réu não encontrado. Nulida<strong>de</strong> inocorrente. HC<br />
93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
PrPn Competência criminal. Fixação por conexão. Incompetência rationi<br />
loci. Nulida<strong>de</strong> relativa. Preclusão. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Competência criminal. Justiça Fe<strong>de</strong>ral. Crime contra o patrimônio<br />
<strong>de</strong> empresa pública. Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral. Justiça estadual: incompetência<br />
absoluta. CF/88, art. 109, IV. HC 71.247 RTJ <strong>204</strong>/729<br />
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>). Agente<br />
político com prerrogativa <strong>de</strong> foro. Procedimento investigatório.<br />
Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral: iniciativa. Relator do <strong>STF</strong>: supervisão.<br />
Inquérito policial instaurado pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral. Indiciamento <strong>de</strong><br />
senador da República: anulação. Lei 8.038/90, art. 2º. Regimento Interno<br />
do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RI<strong>STF</strong>), arts. 230 a 234. CF/88,<br />
art. 102, I, b. Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>). Socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> economia mista fe<strong>de</strong>ral e Estado-membro. Conflito fe<strong>de</strong>rativo<br />
potencial. Aci<strong>de</strong>nte com a P-36 da Petrobras. Competência para apurar<br />
as causas. CF/88, art. 102, I, f. ACO 622-QO RTJ <strong>204</strong>/489<br />
Ct Competência para apurar as causas. (...) Competência originária.<br />
ACO 622-QO RTJ <strong>204</strong>/489<br />
Int Competência para firmar tratado. (...) Tratado internacional. RE<br />
229.096 RTJ <strong>204</strong>/858
ÍNDICE ALFABÉTICO — Com-CPM<br />
907<br />
Ct Compra <strong>de</strong> material e serviço: procedimento simplificado. (...) Estado-membro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Concessão <strong>de</strong> ofício: impossibilida<strong>de</strong>. (...) Habeas corpus. HC 92.863<br />
RTJ <strong>204</strong>/809<br />
Int Concordância do extraditando: irrelevância. (...) Extradição. Ext<br />
1.071 RTJ <strong>204</strong>/527<br />
Ct Concurso público: dispensa. (...) Estado-membro. ADI 1.864 RTJ<br />
<strong>204</strong>/535<br />
Pr<strong>STF</strong> Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). (...)<br />
Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Conflito fe<strong>de</strong>rativo potencial. (...) Competência originária. ACO<br />
622-QO RTJ <strong>204</strong>/489<br />
Pn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. HC<br />
92.990 RTJ <strong>204</strong>/817<br />
PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Habeas corpus. HC 93.262<br />
RTJ <strong>204</strong>/829<br />
Pn Consumação: erro na contagem do prazo. (...) Crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. HC<br />
92.990 RTJ <strong>204</strong>/817<br />
Ct Contratação <strong>de</strong> empregado pela CLT: possibilida<strong>de</strong>. (...) Estadomembro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm Contrato <strong>de</strong> gestão. (...) Organização social. ADI 1.923-MC RTJ<br />
<strong>204</strong>/575<br />
Int Controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>: exigibilida<strong>de</strong>. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/527<br />
Pr<strong>STF</strong> Controvérsia idêntica. (...) Recurso extraordinário. RE 556.664-QO<br />
RTJ <strong>204</strong>/885<br />
PrCv Conversão em agravo regimental. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. AI<br />
578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrPn CP/40, art. 32. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis<br />
processual. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
PrPn CP/40, arts. 59; 61, I; e 68. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 87.071<br />
RTJ <strong>204</strong>/746<br />
Pn CP/40, arts. 155, § 4º, e 157, § 2º. (...) Pena. HC 93.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/823<br />
Pr<strong>STF</strong> CPC/73, art. 543-B, redação da Lei 11.418/06. (...) Recurso extraordinário.<br />
RE 556.664-QO RTJ <strong>204</strong>/885<br />
Pn CPM/69, art. 290. (...) Crime militar. HC 91.767 RTJ <strong>204</strong>/804
908 CPP-CTN — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
PrPn CPP/41, art. 266: interpretação. (...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ<br />
<strong>204</strong>/834<br />
PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão cautelar. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão preventiva. HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777<br />
PrPn CPP/41, art. 370, § 4º. (...) Intimação criminal. HC 90.709 RTJ<br />
<strong>204</strong>/773<br />
PrPn CPP/41, art. 610, parágrafo único: inteligência. (...) Processo criminal.<br />
HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
PrPn CPP/41, art. 623: recepção pela CF/88. (...) Revisão criminal. HC<br />
74.309 RTJ <strong>204</strong>/732<br />
PrPn Crédito tributário não constituído: reconhecimento administrativo<br />
da extinção pela <strong>de</strong>cadência. (...) Inquérito policial. HC 84.555 RTJ<br />
<strong>204</strong>/741<br />
PrPn Crime contra as relações <strong>de</strong> consumo: colocação no mercado <strong>de</strong><br />
produto impróprio para o consumo. (...) Suspensão condicional do<br />
processo penal – sursis processual. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
PrPn Crime contra o patrimônio <strong>de</strong> empresa pública. (...) Competência<br />
criminal. HC 71.247 RTJ <strong>204</strong>/729<br />
PrPn Crime contra o sistema financeiro e lavagem <strong>de</strong> dinheiro. (...) Ação<br />
penal. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Pn Crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. Consumação: erro na contagem do prazo.<br />
Acórdão do STM. Inspeção Provisória <strong>de</strong> Deserção (IPD): trancamento.<br />
Procedimento administrativo militar: possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
renovação. Constrangimento ilegal inocorrente. HC 92.990 RTJ<br />
<strong>204</strong>/817<br />
PrPn Crime material contra a or<strong>de</strong>m tributária. (...) Inquérito policial. HC<br />
84.555 RTJ <strong>204</strong>/741<br />
Pn Crime militar. Porte <strong>de</strong> substância entorpecente para uso próprio.<br />
Local sob administração militar. Retroativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei penal benéfica:<br />
<strong>de</strong>scabimento. Princípio da especialida<strong>de</strong>. Lei 11.343/06: inaplicabilida<strong>de</strong>.<br />
CPM/69, art. 290. CF/88, art. 124, parágrafo único. HC<br />
91.767 RTJ <strong>204</strong>/804<br />
PrPn Critério trifásico: observância. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC<br />
87.071 RTJ <strong>204</strong>/746<br />
Trbt CTN/66, art. 98: norma <strong>de</strong> caráter nacional. (...) Imposto sobre<br />
Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 229.096 RTJ<br />
<strong>204</strong>/858
ÍNDICE ALFABÉTICO — Dec-Dup<br />
D<br />
909<br />
PrCv Decisão agravada: ausência <strong>de</strong> impugnação dos fundamentos. (...)<br />
Agravo regimental. AI 553.873-AgR RTJ <strong>204</strong>/883 – RE 560.877-<br />
AgR RTJ <strong>204</strong>/895<br />
PrCv Decisão <strong>de</strong> relator. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. AI 578.833-ED RTJ<br />
<strong>204</strong>/898<br />
PrCv Decisão embargada: questão processual. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração.<br />
AI 485.569-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/880<br />
PrCv Decisão embargada: trânsito em julgado. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração.<br />
RE 365.994-AgR-ED-ED RTJ <strong>204</strong>/872<br />
Ct Decisão na ADI 1.098: ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento. (...) Precatório.<br />
Rcl 2.828 RTJ <strong>204</strong>/665<br />
Pr<strong>STF</strong> Decreto estadual. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI<br />
3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
Adm Decreto estadual 1.557/03/PR: inconstitucionalida<strong>de</strong>. (...) Policial<br />
militar. ADI 3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
PrPn Defensor público. (...) Intimação criminal. HC 90.709 RTJ <strong>204</strong>/773<br />
PrPn Defensor público: nomeação. (...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
PrPn Defesa criminal. Defensor público: nomeação. Advogado constituído<br />
na fase do inquérito: ausência <strong>de</strong> intimação. Nulida<strong>de</strong> processual.<br />
CPP/41, art. 266: interpretação. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
PrPn Defesa criminal. Deficiência. Prejuízo não <strong>de</strong>monstrado. Súmula<br />
523. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
PrPn Deficiência. (...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
Adm Demissão. (...) Processo administrativo disciplinar. RMS 25.736 RTJ<br />
<strong>204</strong>/695<br />
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Descrição suficiente do fato. Direito<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa: exercício. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Descrição suficiente do fato. (...) Denúncia. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Adm Desvio <strong>de</strong> função. (...) Policial militar. ADI 3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
PrPn Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa: exercício. (...) Denúncia. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrCv Direito líquido e certo inexistente. (...) Mandado <strong>de</strong> segurança. RMS<br />
25.736 RTJ <strong>204</strong>/695<br />
Pn Droga apreendida: gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>. (...) Pena-base. HC 91.487 RTJ<br />
<strong>204</strong>/794<br />
Int Dupla tipicida<strong>de</strong>. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ <strong>204</strong>/527
910 Efe-Est — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
E<br />
PrCv Efeito modificativo. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. RE 455.024-AgR-<br />
ED RTJ <strong>204</strong>/874<br />
Pr<strong>STF</strong> Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. Erro<br />
material, obscurida<strong>de</strong>, contradição e omissão: não-<strong>de</strong>monstração.<br />
Caráter infringente. ADI 3.582-ED RTJ <strong>204</strong>/669<br />
Pr<strong>STF</strong> Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
Ilegitimida<strong>de</strong> para recorrer: pessoa jurídica estranha ao feito. Lei<br />
9.868/99, art. 7º, § 2º: interpretação. ADI 3.582-ED RTJ <strong>204</strong>/669<br />
PrCv Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Decisão <strong>de</strong> relator. Conversão em agravo<br />
regimental. AI 578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrCv Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Efeito modificativo. Recurso extraordinário:<br />
inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofício. Objeto: matéria preclusa.<br />
Execução contra a Fazenda Pública. Honorários advocatícios. RE<br />
455.024-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/874<br />
PrCv Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Não-conhecimento. Prazo recursal. Suspensão<br />
ou interrupção: ausência. Decisão embargada: trânsito em<br />
julgado. RE 365.994-AgR-ED-ED RTJ <strong>204</strong>/872<br />
PrCv Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Omissão inocorrente. Decisão embargada:<br />
questão processual. Recurso especial: pressupostos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>.<br />
AI 485.569-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/880<br />
PrCv Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. Pressupostos inocorrentes. Caráter infringente.<br />
AI 467.924-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/877<br />
Trbt Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos (ECT). (...) Imunida<strong>de</strong><br />
tributária recíproca. ACO 959 RTJ <strong>204</strong>/518<br />
Trbt Empresa pública prestadora <strong>de</strong> serviço público. (...) Imunida<strong>de</strong> tributária<br />
recíproca. ACO 959 RTJ <strong>204</strong>/518<br />
Adm Engenheiro da Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento da Amazônia<br />
(SUDAM). (...) Processo administrativo disciplinar. RMS 25.736<br />
RTJ <strong>204</strong>/695<br />
Adm Ensino, pesquisa científica, <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, proteção<br />
e preservação do meio ambiente, cultura e saú<strong>de</strong>. (...) Organização<br />
social. ADI 1.923-MC RTJ <strong>204</strong>/575<br />
Pr<strong>STF</strong> Erro material, obscurida<strong>de</strong>, contradição e omissão: não-<strong>de</strong>monstração.<br />
(...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. ADI 3.582-ED RTJ<br />
<strong>204</strong>/669<br />
Ct Estado-membro. Serviço social autônomo: criação. Paranaeducação:<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado. Compra <strong>de</strong> material e<br />
serviço: procedimento simplificado. Princípio da obrigatorieda<strong>de</strong>
ÍNDICE ALFABÉTICO — Est-Ext<br />
911<br />
<strong>de</strong> licitação: ofensa inocorrente. Princípios gerais da administração<br />
pública: previsão <strong>de</strong> atendimento. Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual: controle<br />
<strong>de</strong> contas. Lei estadual 11.970/97/PR, art. 15, § 1º e III. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Estado-membro. Serviço social autônomo: criação. Paranaeducação:<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado. Contratação <strong>de</strong> empregado<br />
pela CLT: possibilida<strong>de</strong>. Concurso público: dispensa. Lei estadual<br />
11.970/97/PR, art. 18. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Estado-membro. Serviço social autônomo: criação. Paranaeducação:<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado. Finalida<strong>de</strong>: auxiliar na gestão do<br />
sistema <strong>de</strong> educação. Função do Estado: ausência <strong>de</strong> substituição.<br />
Autonomia universitária: observância. Universida<strong>de</strong>: ausência <strong>de</strong><br />
vínculo com a Secretaria <strong>de</strong> Educação. CF/88, arts. 205 e 207: ofensa<br />
inocorrente. Lei estadual 11.970/97/PR, arts. 1º; 3º, II, IV e V; 6º; e 7º.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Estado-membro. Serviço social autônomo: criação. Paranaeducação:<br />
pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado. Recursos financeiros <strong>de</strong>stinados à<br />
educação: gestão ampla e ilimitada. Po<strong>de</strong>r público: impossibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver constitucional. CF/88, art. 205. Lei estadual<br />
11.970/97/PR, arts. 3º, I; e 11, IV e VII: interpretação conforme à<br />
Constituição. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito: in<strong>de</strong>ferimento. (...) Prova pericial. HC<br />
87.071 RTJ <strong>204</strong>/746<br />
PrPn Excesso <strong>de</strong> prazo: não-configuração. (...) Prisão cautelar. HC 92.863<br />
RTJ <strong>204</strong>/809<br />
PrCv Execução contra a Fazenda Pública. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração.<br />
RE 455.024-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/874<br />
Adm Exercício <strong>de</strong> 2005. (...) Proventos. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
PrPn Extensão a co-réu. (...) Habeas corpus. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
PrPn Extinção da punibilida<strong>de</strong>. (...) Habeas corpus. HC 87.926 RTJ<br />
<strong>204</strong>/751<br />
PrPn Extinção da punibilida<strong>de</strong>. (...) Intimação criminal. HC 90.709 RTJ<br />
<strong>204</strong>/773<br />
Int Extradição. Concordância do extraditando: irrelevância. Controle <strong>de</strong><br />
legalida<strong>de</strong>: exigibilida<strong>de</strong>. Ext 1.071 RTJ <strong>204</strong>/527<br />
Int Extradição. Dupla tipicida<strong>de</strong>. Quadrilha ou bando, moeda falsa e<br />
receptação. Prescrição inocorrente. Ext 1.071 RTJ <strong>204</strong>/527<br />
Int Extradição. Prescrição da pretensão executória. Causa interruptiva:<br />
inaplicabilida<strong>de</strong>. Fato criminoso anterior ao tratado. Tratado Brasil–<br />
França, art. 4º, e. Ext 1.071 RTJ <strong>204</strong>/527
912 Fas-Fur — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
F<br />
PrPn Fase judicial. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 91.487 RTJ<br />
<strong>204</strong>/794<br />
PrPn Fato concreto: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 91.018 RTJ<br />
<strong>204</strong>/777<br />
Int Fato criminoso anterior ao tratado. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/527<br />
PrPn Fato <strong>de</strong>monstrado. (...) Prova pericial. HC 87.071 RTJ <strong>204</strong>/746<br />
Ct Finalida<strong>de</strong>: auxiliar na gestão do sistema <strong>de</strong> educação. (...) Estadomembro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pn Fixação. (...) Pena. HC 93.071 RTJ <strong>204</strong>/823<br />
Pn Fixação abaixo do mínimo legal: impossibilida<strong>de</strong>. (...) Pena-base.<br />
HC 93.071 RTJ <strong>204</strong>/823<br />
Pn Fixação acima do mínimo legal. (...) Pena-base. HC 91.487 RTJ<br />
<strong>204</strong>/794<br />
Adm Fixação: Câmara Municipal. (...) Subsídio. RE <strong>204</strong>.889 RTJ<br />
<strong>204</strong>/841<br />
PrPn Fixação por conexão. (...) Competência criminal. HC 91.158 RTJ<br />
<strong>204</strong>/783<br />
PrPn Flagrante ilegalida<strong>de</strong>, abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou teratologia: inocorrência.<br />
(...) Habeas corpus. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrCv Formação perante o juízo a quo. (...) Agravo <strong>de</strong> instrumento. AI<br />
578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
Ct Função do Estado: ausência <strong>de</strong> substituição. (...) Estado-membro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão preventiva. HC 90.471 RTJ<br />
<strong>204</strong>/769 – HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777<br />
PrPn Fundamentação sucinta. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 87.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/746<br />
Pn Fundamentação suficiente. (...) Pena-base. HC 91.487 RTJ <strong>204</strong>/794<br />
PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão cautelar. HC 93.262 RTJ<br />
<strong>204</strong>/829<br />
PrPn Fundamentação suficiente. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 91.487<br />
RTJ <strong>204</strong>/794<br />
Pn Furto qualificado. (...) Pena. HC 93.071 RTJ <strong>204</strong>/823
ÍNDICE ALFABÉTICO — Gar-Ile<br />
G<br />
913<br />
PrPn Garantia da or<strong>de</strong>m pública e conveniência da instrução criminal. (...)<br />
Prisão cautelar. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Gravida<strong>de</strong> do crime, personalida<strong>de</strong> do paciente e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segregação.<br />
(...) Prisão cautelar. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
H<br />
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Ministério Público: proposta <strong>de</strong> sursis<br />
processual. Requisitos: verificação. Extensão a co-réu. Lei 9.099/95,<br />
art. 89. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
PrPn Habeas corpus. Cabimento: excepcionalida<strong>de</strong>. Medida liminar in<strong>de</strong>ferida<br />
por relator do STJ. Súmula 691: abrandamento. HC 91.018 RTJ<br />
<strong>204</strong>/777<br />
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Medida liminar in<strong>de</strong>ferida por relator<br />
do STJ. Situação excepcional: ausência. Constrangimento ilegal<br />
inocorrente. Flagrante ilegalida<strong>de</strong>, abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou teratologia:<br />
inocorrência. Súmula 691: inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrandamento. HC<br />
93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Habeas corpus. Matéria <strong>de</strong> prova. Inocência do paciente. HC 91.158<br />
RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Habeas corpus. Prejudicialida<strong>de</strong> do pedido <strong>de</strong> um dos pacientes.<br />
Extinção da punibilida<strong>de</strong>. Prescrição. HC 87.926 RTJ<br />
<strong>204</strong>/751<br />
PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo tribunal a quo. Supressão<br />
<strong>de</strong> instância. Julgamento <strong>de</strong>finitivo: inocorrência. HC 93.262 RTJ<br />
<strong>204</strong>/829<br />
PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo tribunal a quo. Supressão<br />
<strong>de</strong> instância. Pedido <strong>de</strong> extensão. Concessão <strong>de</strong> ofício: impossibilida<strong>de</strong>.<br />
Instrução <strong>de</strong>ficiente. HC 92.863 RTJ <strong>204</strong>/809<br />
PrCv Honorários advocatícios. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. RE<br />
455.024-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/874<br />
I<br />
Pr<strong>STF</strong> Ilegitimida<strong>de</strong> ativa. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pr<strong>STF</strong> Ilegitimida<strong>de</strong> para recorrer: pessoa jurídica estranha ao feito. (...)<br />
Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. ADI 3.582-ED RTJ <strong>204</strong>/669
914 Imp-Ise — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
Trbt Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS). Isenção.<br />
Produto importado. Similar nacional isento. Acordo Geral <strong>de</strong><br />
Tarifas e Comércio (GATT): recepção pela CF/88. CTN/66, art. 98:<br />
norma <strong>de</strong> caráter nacional. CF/88, art. 151, III: ofensa inocorrente.<br />
RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
Trbt Imunida<strong>de</strong> tributária recíproca. Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e<br />
Telégrafos (ECT). Empresa pública prestadora <strong>de</strong> serviço público.<br />
Serviço postal. CF/88, art. 150, VI, a. ACO 959 RTJ <strong>204</strong>/518<br />
PrPn Incompetência rationi loci. (...) Competência criminal. HC 91.158<br />
RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Adm Índice aplicado aos benefícios do Regime Geral <strong>de</strong> Previdência Social<br />
(RGPS): adoção. (...) Proventos. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
Ct Indiciamento <strong>de</strong> senador da República: anulação. (...) Competência<br />
originária. Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Inocência do paciente. (...) Habeas corpus. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Inquérito policial. Trancamento. Justa causa: ausência. Crime material<br />
contra a or<strong>de</strong>m tributária. Crédito tributário não constituído:<br />
reconhecimento administrativo da extinção pela <strong>de</strong>cadência. Lei<br />
8.137/90, art. 1º. HC 84.555 RTJ <strong>204</strong>/741<br />
Ct Inquérito policial instaurado pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral. (...) Competência<br />
originária. Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
Pn Inspeção Provisória <strong>de</strong> Deserção (IPD): trancamento. (...) Crime <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>serção. HC 92.990 RTJ <strong>204</strong>/817<br />
PrPn Instrução criminal encerrada. (...) Prisão cautelar. HC 92.863 RTJ<br />
<strong>204</strong>/809<br />
PrPn Instrução <strong>de</strong>ficiente. (...) Habeas corpus. HC 92.863 RTJ <strong>204</strong>/809<br />
Pr<strong>STF</strong> Interrogatório: <strong>de</strong>legação a juiz fe<strong>de</strong>ral escolhido por sorteio. (...)<br />
Ação penal originária. AP 470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
PrPn Intimação criminal. Defensor público. Intimação pessoal: ausência.<br />
Acórdão criminal: nulida<strong>de</strong>. Renovação dos atos processuais: inexigibilida<strong>de</strong>.<br />
Extinção da punibilida<strong>de</strong>. Prescrição retroativa da pretensão<br />
punitiva. Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º. Lei Complementar 80/94, art.<br />
128, I. CPP/41, art. 370, § 4º. HC 90.709 RTJ <strong>204</strong>/773<br />
PrPn Intimação pessoal: ausência. (...) Intimação criminal. HC 90.709<br />
RTJ <strong>204</strong>/773<br />
Trbt Isenção. (...) Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços<br />
(ICMS). RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858
ÍNDICE ALFABÉTICO — Jul-Lei<br />
J<br />
915<br />
Pr<strong>STF</strong> Julgamento da preliminar: conclusão. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Julgamento <strong>de</strong>finitivo: inocorrência. (...) Habeas corpus. HC 93.262<br />
RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrCv Juntada <strong>de</strong> peça essencial no <strong>STF</strong>: inadmissibilida<strong>de</strong>. (...) Agravo <strong>de</strong><br />
instrumento. AI 578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Justa causa: ausência. (...) Inquérito policial. HC 84.555 RTJ<br />
<strong>204</strong>/741<br />
PrPn Justiça estadual: incompetência absoluta. (...) Competência criminal.<br />
HC 71.247 RTJ <strong>204</strong>/729<br />
PrPn Justiça Fe<strong>de</strong>ral. (...) Competência criminal. HC 71.247 RTJ <strong>204</strong>/729<br />
L<br />
Pr<strong>STF</strong> Legitimida<strong>de</strong> ativa. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Legitimida<strong>de</strong> ativa. (...) Revisão criminal. HC 74.309 RTJ <strong>204</strong>/732<br />
PrCv Legitimida<strong>de</strong> passiva do TCU. (...) Mandado <strong>de</strong> segurança. MS<br />
25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
PrPn Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º. (...) Intimação criminal. HC 90.709 RTJ<br />
<strong>204</strong>/773<br />
Ct Lei 8.038/90, art. 2º. (...) Competência originária. Inq 2.411-QO RTJ<br />
<strong>204</strong>/632<br />
PrCv Lei 8.112/90, art. 185, § 1º. (...) Mandado <strong>de</strong> segurança. MS 25.871<br />
RTJ <strong>204</strong>/718<br />
PrPn Lei 8.137/90, art. 1º. (...) Inquérito policial. HC 84.555 RTJ <strong>204</strong>/741<br />
PrPn Lei 8.137/90, art. 7º, IX. (...) Suspensão condicional do processo<br />
penal – sursis processual. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
Pr<strong>STF</strong> Lei 8.212/91, arts. 45 e 46, e Decreto-Lei 1.569/77, art. 5º, parágrafo<br />
único: inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarada pelo Plenário do TRF da 4ª<br />
Região. (...) Recurso extraordinário. RE 556.664-QO RTJ <strong>204</strong>/885<br />
PrPn Lei 9.099/95, art. 89. (...) Habeas corpus. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
Pr<strong>STF</strong> Lei 9.868/99, art. 7º, § 2º: interpretação. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração.<br />
ADI 3.582-ED RTJ <strong>204</strong>/669
916 Lei-Loc — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
Pn Lei 11.343/06: inaplicabilida<strong>de</strong>. (...) Crime militar. HC 91.767 RTJ<br />
<strong>204</strong>/804<br />
PrPn Lei 11.343/06, art. 44. (...) Prisão em flagrante. HC 92.863 RTJ<br />
<strong>204</strong>/809<br />
PrPn Lei Complementar 80/94, art. 128, I. (...) Intimação criminal. HC<br />
90.709 RTJ <strong>204</strong>/773<br />
Ct Lei estadual 11.970/97/PR, arts. 1º; 3º, II, IV e V; 6º; e 7º. (...) Estadomembro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Lei estadual 11.970/97/PR, arts. 3º, I; e 11, IV e VII: interpretação<br />
conforme à Constituição. (...) Estado-membro. ADI 1.864 RTJ<br />
<strong>204</strong>/535<br />
Ct Lei estadual 11.970/97/PR, art. 15, § 1º e III. (...) Estado-membro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Lei estadual 11.970/97/PR, art. 18. (...) Estado-membro. ADI 1.864<br />
RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm Lei estadual 11.970/97/PR, art. 19, § 3º: inconstitucionalida<strong>de</strong>. (...)<br />
Servidor público estadual. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm Lei estadual 12.<strong>204</strong>/98/PR, art. 1º, caput e parágrafo único, expressões,<br />
redação da Lei estadual 13.571/02/PR. (...) Licitação. ADI<br />
3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Adm Lei estadual 12.<strong>204</strong>/98/PR, art. 1º, caput e parágrafo único, expressões,<br />
redação da Lei estadual 13.571/02/PR: inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
(...) Licitação. ADI 3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
PrPn Liberda<strong>de</strong> provisória: <strong>de</strong>scabimento. (...) Prisão em flagrante. HC<br />
92.863 RTJ <strong>204</strong>/809<br />
Adm Licitação. Aquisição <strong>de</strong> veículo movido a <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> petróleo. Administração<br />
pública: discricionarieda<strong>de</strong>. Princípio da concorrência.<br />
Lei estadual 12.<strong>204</strong>/98/PR, art. 1º, caput e parágrafo único, expressões,<br />
redação da Lei estadual 13.571/02/PR. ADI 3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Adm Licitação. Aquisição <strong>de</strong> veículo para uso oficial. Preferência em<br />
razão do local <strong>de</strong> produção. Princípio da não-discriminação entre<br />
Estados-membros. CF/88, arts. 5º, caput; 19, III; e 37, XXI: ofensa.<br />
Lei estadual 12.<strong>204</strong>/98/PR, art. 1º, caput e parágrafo único, expressões,<br />
redação da Lei estadual 13.571/02/PR: inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
ADI 3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Adm Licitação: dispensa. (...) Organização social. ADI 1.923-MC RTJ<br />
<strong>204</strong>/575<br />
Pn Local sob administração militar. (...) Crime militar. HC 91.767 RTJ<br />
<strong>204</strong>/804
ÍNDICE ALFABÉTICO — Man-Nul<br />
M<br />
917<br />
PrCv Mandado <strong>de</strong> segurança. Legitimida<strong>de</strong> passiva do TCU. Servidor público<br />
vinculado ao tribunal: aposentadoria. Proventos: reajuste anual.<br />
Lei 8.112/90, art. 185, § 1º. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
PrCv Mandado <strong>de</strong> segurança. Matéria <strong>de</strong> fato controvertida. Prova préconstituída:<br />
ausência. Direito líquido e certo inexistente. RMS 25.736<br />
RTJ <strong>204</strong>/695<br />
PrPn Manutenção. (...) Prisão cautelar. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Manutenção. (...) Prisão em flagrante. HC 92.863 RTJ <strong>204</strong>/809<br />
PrCv Matéria <strong>de</strong> fato controvertida. (...) Mandado <strong>de</strong> segurança. RMS<br />
25.736 RTJ <strong>204</strong>/695<br />
PrPn Matéria <strong>de</strong> prova. (...) Habeas corpus. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Pr<strong>STF</strong> Matéria: preclusão. (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI<br />
1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Matéria reapreciada no acórdão do recurso da <strong>de</strong>fesa. (...) Sentença<br />
con<strong>de</strong>natória. HC 87.071 RTJ <strong>204</strong>/746<br />
PrPn Materialida<strong>de</strong> do crime e indícios <strong>de</strong> autoria. (...) Ação penal. HC<br />
91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrPn Medida liminar in<strong>de</strong>ferida por relator do STJ. (...) Habeas corpus.<br />
HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777 – HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
Ct Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral: iniciativa. (...) Competência originária.<br />
Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
PrPn Ministério Público: proposta <strong>de</strong> sursis processual. (...) Habeas corpus.<br />
HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
Adm Ministro <strong>de</strong> Estado: <strong>de</strong>legação. (...) Cargo público. RMS 25.736 RTJ<br />
<strong>204</strong>/695<br />
Adm Motivação: adoção do parecer da Consultoria Jurídica do Ministério<br />
do Planejamento, Orçamento e Gestão. (...) Processo administrativo<br />
disciplinar. RMS 25.736 RTJ <strong>204</strong>/695<br />
Pr<strong>STF</strong> Multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos. (...) Recurso extraordinário. RE 556.664-<br />
QO RTJ <strong>204</strong>/885<br />
N<br />
PrCv Não-conhecimento. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. RE 365.994-AgR-<br />
ED-ED RTJ <strong>204</strong>/872<br />
PrPn Nulida<strong>de</strong>. (...) Processo criminal. HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751
918 Nul-Pen — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
PrPn Nulida<strong>de</strong> inocorrente. (...) Citação por edital. HC 93.415 RTJ<br />
<strong>204</strong>/834<br />
PrPn Nulida<strong>de</strong> inocorrente. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 87.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/746 – HC 91.487 RTJ <strong>204</strong>/794<br />
PrPn Nulida<strong>de</strong> processual. (...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
PrPn Nulida<strong>de</strong> relativa. (...) Competência criminal. HC 91.158 RTJ<br />
<strong>204</strong>/783<br />
O<br />
PrCv Objeto: matéria preclusa. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. RE<br />
455.024-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/874<br />
PrPn Objetos idênticos. (...) Agravo regimental. AP 470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
PrCv Omissão inocorrente. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. AI 485.569-AgR-<br />
ED RTJ <strong>204</strong>/880<br />
Ct Or<strong>de</strong>m cronológica: quebra. (...) Precatório. Rcl 2.828 RTJ <strong>204</strong>/665<br />
Adm Organização social. Qualificação: entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado sem<br />
fins lucrativos. Contrato <strong>de</strong> gestão. Ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão e entida<strong>de</strong><br />
extintos: absorção. Ensino, pesquisa científica, <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saú<strong>de</strong>.<br />
Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização (PNP): previsão <strong>de</strong> criação. Licitação:<br />
dispensa. ADI 1.923-MC RTJ <strong>204</strong>/575<br />
P<br />
Adm Paranaeducação: ingresso. (...) Servidor público estadual. ADI 1.864<br />
RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Paranaeducação: pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado. (...) Estadomembro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Pr<strong>STF</strong> Partido dos Trabalhadores (PT). (...) Ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Pedido <strong>de</strong> extensão. (...) Habeas corpus. HC 92.863 RTJ <strong>204</strong>/809<br />
Pn Pena. Fixação. Furto qualificado. Quantum <strong>de</strong> pena: existência <strong>de</strong><br />
norma penal. Analogia: inaplicabilida<strong>de</strong>. Princípio da legalida<strong>de</strong>: observância.<br />
CP/40, arts. 155, § 4º, e 157, § 2º. HC 93.071 RTJ <strong>204</strong>/823<br />
PrPn Pena alternativa <strong>de</strong> multa. (...) Suspensão condicional do processo<br />
penal – sursis processual. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
Pn Pena-base. Fixação abaixo do mínimo legal: impossibilida<strong>de</strong>. Circunstância<br />
atenuante: inaplicabilida<strong>de</strong>. HC 93.071 RTJ <strong>204</strong>/823
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pen-Pre<br />
919<br />
Pn Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Fundamentação suficiente.<br />
Tráfico <strong>de</strong> entorpecente e associação para o tráfico. Droga<br />
apreendida: gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>. HC 91.487 RTJ <strong>204</strong>/794<br />
PrPn Pena-base: vício. (...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 87.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/746<br />
PrCv Perda superveniente do objeto. (...) Agravo regimental. Rcl 2.828<br />
RTJ <strong>204</strong>/665<br />
PrPn Periculosida<strong>de</strong> do réu. (...) Prisão preventiva. HC 90.471 RTJ<br />
<strong>204</strong>/769<br />
Ct Po<strong>de</strong>r público: impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver constitucional.<br />
(...) Estado-membro. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm Policial militar. Atuação como <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia. Desvio <strong>de</strong> função.<br />
CF/88, art. 144, caput, IV, V e § 4º e § 5º: ofensa. Decreto estadual<br />
1.557/03/PR: inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI 3.614 RTJ <strong>204</strong>/682<br />
Pn Porte <strong>de</strong> substância entorpecente para uso próprio. (...) Crime militar.<br />
HC 91.767 RTJ <strong>204</strong>/804<br />
PrPn Possibilida<strong>de</strong>. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis<br />
processual. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
PrCv Prazo recursal. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. RE 365.994-AgR-ED-<br />
ED RTJ <strong>204</strong>/872<br />
Ct Precatório. Seqüestro <strong>de</strong> verba pública. Or<strong>de</strong>m cronológica: quebra.<br />
Decisão na ADI 1.098: ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento. Rcl 2.828 RTJ<br />
<strong>204</strong>/665<br />
PrPn Preclusão. (...) Competência criminal. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
Adm Prefeito. (...) Subsídio. RE <strong>204</strong>.889 RTJ <strong>204</strong>/841<br />
Adm Preferência em razão do local <strong>de</strong> produção. (...) Licitação. ADI 3.583<br />
RTJ <strong>204</strong>/676<br />
PrCv Prejudicialida<strong>de</strong>. (...) Agravo regimental. Rcl 2.828 RTJ <strong>204</strong>/665<br />
PrPn Prejudicialida<strong>de</strong>. (...) Agravo regimental. AP 470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
PrPn Prejudicialida<strong>de</strong> do pedido <strong>de</strong> um dos pacientes. (...) Habeas corpus.<br />
HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
PrPn Prejuízo à <strong>de</strong>fesa. (...) Processo criminal. HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
PrPn Prejuízo não <strong>de</strong>monstrado. (...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ<br />
<strong>204</strong>/834<br />
Pr<strong>STF</strong> Prerrogativa <strong>de</strong> função. (...) Ação penal originária. AP 470-QO RTJ<br />
<strong>204</strong>/483<br />
PrPn Prescrição. (...) Habeas corpus. HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751
920 Pre-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
Int Prescrição da pretensão executória. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/527<br />
Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ <strong>204</strong>/527<br />
PrPn Prescrição retroativa da pretensão punitiva. (...) Intimação criminal.<br />
HC 90.709 RTJ <strong>204</strong>/773<br />
Adm Presi<strong>de</strong>nte da República: competência. (...) Cargo público. RMS<br />
25.736 RTJ <strong>204</strong>/695<br />
Int Presi<strong>de</strong>nte da República: subscrição como chefe <strong>de</strong> Estado. (...) Tratado<br />
internacional. RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
PrCv Pressupostos inocorrentes. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. AI<br />
467.924-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/877<br />
Adm Princípio da concorrência. (...) Licitação. ADI 3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Pn Princípio da especialida<strong>de</strong>. (...) Crime militar. HC 91.767 RTJ<br />
<strong>204</strong>/804<br />
Pn Princípio da legalida<strong>de</strong>: observância. (...) Pena. HC 93.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/823<br />
PrPn Princípio da não-culpabilida<strong>de</strong>. (...) Prisão preventiva. HC 90.471<br />
RTJ <strong>204</strong>/769 – HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777<br />
Adm Princípio da não-discriminação entre Estados-membros. (...) Licitação.<br />
ADI 3.583 RTJ <strong>204</strong>/676<br />
Ct Princípio da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação: ofensa inocorrente. (...)<br />
Estado-membro. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Princípio do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa: ofensa. (...) Processo<br />
criminal. HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
Pr<strong>STF</strong> Princípio do juiz natural: ofensa inocorrente. (...) Ação penal originária.<br />
AP 470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
Ct Princípios gerais da administração pública: previsão <strong>de</strong> atendimento.<br />
(...) Estado-membro. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Prisão cautelar. Excesso <strong>de</strong> prazo: não-configuração. Instrução criminal<br />
encerrada. HC 92.863 RTJ <strong>204</strong>/809<br />
PrPn Prisão cautelar. Manutenção. Pronúncia. Fundamentação suficiente.<br />
Garantia da or<strong>de</strong>m pública e conveniência da instrução criminal.<br />
Gravida<strong>de</strong> do crime, personalida<strong>de</strong> do paciente e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
segregação. CPP/41, art. 312. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Prisão em flagrante. Manutenção. Tráfico <strong>de</strong> entorpecente. Liberda<strong>de</strong><br />
provisória: <strong>de</strong>scabimento. Lei 11.343/06, art. 44. HC 92.863 RTJ<br />
<strong>204</strong>/809
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pri-Pro<br />
921<br />
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Periculosida<strong>de</strong> do<br />
réu. Princípio da não-culpabilida<strong>de</strong>. HC 90.471 RTJ <strong>204</strong>/769<br />
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Repercussão social,<br />
gravida<strong>de</strong> do crime e credibilida<strong>de</strong> da justiça e da polícia. Fato concreto:<br />
ausência. Tráfico <strong>de</strong> entorpecente. Princípio da não-culpabilida<strong>de</strong>.<br />
CPP/41, art. 312. HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777<br />
Pn Procedimento administrativo militar: possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renovação. (...)<br />
Crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. HC 92.990 RTJ <strong>204</strong>/817<br />
Ct Procedimento investigatório. (...) Competência originária. Inq<br />
2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
Adm Processo administrativo disciplinar. Engenheiro da Superintendência<br />
<strong>de</strong> Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Demissão.<br />
Motivação: adoção do parecer da Consultoria Jurídica do Ministério<br />
do Planejamento, Orçamento e Gestão. RMS 25.736 RTJ<br />
<strong>204</strong>/695<br />
PrPn Processo criminal. Nulida<strong>de</strong>. Recurso exclusivo do Ministério Público.<br />
Sustentação oral: inversão da or<strong>de</strong>m. Prejuízo à <strong>de</strong>fesa. Princípio<br />
do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa: ofensa. Regimento Interno<br />
do TRF da 3ª Região, art. 143, § 2º: inteligência. CPP/41, art. 610,<br />
parágrafo único: inteligência. HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
Trbt Produto importado. (...) Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e<br />
Serviços (ICMS). RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
Adm Programa Nacional <strong>de</strong> Publicização (PNP): previsão <strong>de</strong> criação. (...)<br />
Organização social. ADI 1.923-MC RTJ <strong>204</strong>/575<br />
PrPn Pronúncia. (...) Prisão cautelar. HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Prova pericial. Exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito: in<strong>de</strong>ferimento. Fato <strong>de</strong>monstrado.<br />
Cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa: inocorrência. HC 87.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/746<br />
PrCv Prova pré-constituída: ausência. (...) Mandado <strong>de</strong> segurança. RMS<br />
25.736 RTJ <strong>204</strong>/695<br />
Adm Proventos. Servidor público do TCU. Reajuste. Exercício <strong>de</strong> 2005.<br />
Índice aplicado aos benefícios do Regime Geral <strong>de</strong> Previdência Social<br />
(RGPS): adoção. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
PrCv Proventos: reajuste anual. (...) Mandado <strong>de</strong> segurança. MS 25.871<br />
RTJ <strong>204</strong>/718<br />
Adm Provimento e <strong>de</strong>sprovimento. (...) Cargo público. RMS 25.736 RTJ<br />
<strong>204</strong>/695
922 Qua-Reg — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
Q<br />
Int Quadrilha ou bando, moeda falsa e receptação. (...) Extradição. Ext<br />
1.071 RTJ <strong>204</strong>/527<br />
Adm Qualificação: entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito privado sem fins lucrativos. (...)<br />
Organização social. ADI 1.923-MC RTJ <strong>204</strong>/575<br />
Pn Quantum <strong>de</strong> pena: existência <strong>de</strong> norma penal. (...) Pena. HC 93.071<br />
RTJ <strong>204</strong>/823<br />
PrPn Questão não apreciada pelo tribunal a quo. (...) Habeas corpus. HC<br />
92.863 RTJ <strong>204</strong>/809 – HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
R<br />
PrCv Razões. (...) Agravo regimental. AI 553.873-AgR RTJ <strong>204</strong>/883 – RE<br />
560.877-AgR RTJ <strong>204</strong>/895<br />
Adm Reajuste. (...) Proventos. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
PrCv Recurso especial: pressupostos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>. (...) Embargos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>claração. AI 485.569-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/880<br />
PrPn Recurso exclusivo do Ministério Público. (...) Processo criminal. HC<br />
87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
Pr<strong>STF</strong> Recurso extraordinário. Repercussão geral: análise. Multiplicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> recursos. Controvérsia idêntica. Lei 8.212/91, arts. 45 e 46, e<br />
Decreto-Lei 1.569/77, art. 5º, parágrafo único: inconstitucionalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>clarada pelo Plenário do TRF da 4ª Região. CPC/73, art. 543-B,<br />
redação da Lei 11.418/06. Regimento Interno do Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral (RI<strong>STF</strong>), art. 328, redação da Emenda Regimental 21/07. RE<br />
556.664-QO RTJ <strong>204</strong>/885<br />
PrCv Recurso extraordinário: inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofício. (...) Embargos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração. RE 455.024-AgR-ED RTJ <strong>204</strong>/874<br />
Ct Recursos financeiros <strong>de</strong>stinados à educação: gestão ampla e ilimitada.<br />
(...) Estado-membro. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
PrPn Recusa <strong>de</strong> proposta pelo MP: constrangimento ilegal. (...) Suspensão<br />
condicional do processo penal – sursis processual. HC 83.926 RTJ<br />
<strong>204</strong>/737<br />
Adm Regime da CLT: impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção. (...) Servidor público<br />
estadual. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm Regime jurídico único: obrigatorieda<strong>de</strong>. (...) Servidor público estadual.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Ct Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RI<strong>STF</strong>), arts. 230<br />
a 234. (...) Competência originária. Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632
ÍNDICE ALFABÉTICO — Reg-Sen<br />
923<br />
Pr<strong>STF</strong> Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RI<strong>STF</strong>), art. 239,<br />
§ 1º. (...) Ação penal originária. AP 470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
Pr<strong>STF</strong> Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RI<strong>STF</strong>), art. 328,<br />
redação da Emenda Regimental 21/07. (...) Recurso extraordinário.<br />
RE 556.664-QO RTJ <strong>204</strong>/885<br />
PrPn Regimento Interno do TRF da 3ª Região, art. 143, § 2º: inteligência.<br />
(...) Processo criminal. HC 87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
Ct Relator do <strong>STF</strong>: supervisão. (...) Competência originária. Inq 2.411-<br />
QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
PrPn Renovação dos atos processuais: inexigibilida<strong>de</strong>. (...) Intimação criminal.<br />
HC 90.709 RTJ <strong>204</strong>/773<br />
Pr<strong>STF</strong> Repercussão geral: análise. (...) Recurso extraordinário. RE 556.664-<br />
QO RTJ <strong>204</strong>/885<br />
PrPn Repercussão social, gravida<strong>de</strong> do crime e credibilida<strong>de</strong> da justiça e<br />
da polícia. (...) Prisão preventiva. HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777<br />
Int República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. (...) Tratado internacional. RE<br />
229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
PrPn Requisitos: verificação. (...) Habeas corpus. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737<br />
Pn Retroativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei penal benéfica: <strong>de</strong>scabimento. (...) Crime militar.<br />
HC 91.767 RTJ <strong>204</strong>/804<br />
PrPn Réu: capacida<strong>de</strong> postulatória. (...) Revisão criminal. HC 74.309 RTJ<br />
<strong>204</strong>/732<br />
PrPn Réu não encontrado. (...) Citação por edital. HC 93.415 RTJ<br />
<strong>204</strong>/834<br />
PrPn Revisão criminal. Legitimida<strong>de</strong> ativa. Réu: capacida<strong>de</strong> postulatória.<br />
CPP/41, art. 623: recepção pela CF/88. CF/88, art. 133: alcance. HC<br />
74.309 RTJ <strong>204</strong>/732<br />
S<br />
PrPn Sentença con<strong>de</strong>natória. Nulida<strong>de</strong> inocorrente. Fundamentação<br />
sucinta. Matéria reapreciada no acórdão do recurso da <strong>de</strong>fesa. HC<br />
87.071 RTJ <strong>204</strong>/746<br />
PrPn Sentença con<strong>de</strong>natória. Nulida<strong>de</strong> inocorrente. Fundamentação suficiente.<br />
Fase judicial. Testemunha: policial participante <strong>de</strong> diligência<br />
na fase inquisitorial. HC 91.487 RTJ <strong>204</strong>/794<br />
PrPn Sentença con<strong>de</strong>natória. Nulida<strong>de</strong> inocorrente. Pena-base: vício.<br />
Acórdão da apelação: correção. Critério trifásico: observância.<br />
CP/40, arts. 59; 61, I; e 68. HC 87.071 RTJ <strong>204</strong>/746
924 Seq-Sus — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />
Ct Seqüestro <strong>de</strong> verba pública. (...) Precatório. Rcl 2.828 RTJ <strong>204</strong>/665<br />
Trbt Serviço postal. (...) Imunida<strong>de</strong> tributária recíproca. ACO 959 RTJ<br />
<strong>204</strong>/518<br />
Ct Serviço social autônomo: criação. (...) Estado-membro. ADI 1.864<br />
RTJ <strong>204</strong>/535<br />
Adm Servidor público do TCU. (...) Proventos. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
Adm Servidor público estadual. Regime jurídico único: obrigatorieda<strong>de</strong>.<br />
Paranaeducação: ingresso. Regime da CLT: impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção.<br />
CF/88, art. 39, caput, redação anterior à EC 19/98. Lei estadual<br />
11.970/97/PR, art. 19, § 3º: inconstitucionalida<strong>de</strong>. ADI 1.864 RTJ<br />
<strong>204</strong>/535<br />
PrCv Servidor público vinculado ao tribunal: aposentadoria. (...) Mandado<br />
<strong>de</strong> segurança. MS 25.871 RTJ <strong>204</strong>/718<br />
Trbt Similar nacional isento. (...) Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias<br />
e Serviços (ICMS). RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
PrPn Situação excepcional: ausência. (...) Habeas corpus. HC 93.262 RTJ<br />
<strong>204</strong>/829<br />
Ct Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista fe<strong>de</strong>ral e Estado-membro. (...) Competência<br />
originária. ACO 622-QO RTJ <strong>204</strong>/489<br />
Adm Subsídio. Prefeito. Fixação: Câmara Municipal. Vigência: legislatura<br />
subseqüente. CF/88, art. 29, V: eficácia plena e aplicabilida<strong>de</strong> imediata.<br />
RE <strong>204</strong>.889 RTJ <strong>204</strong>/841<br />
PrPn Súmula 523. (...) Defesa criminal. HC 93.415 RTJ <strong>204</strong>/834<br />
PrPn Súmula 691: abrandamento. (...) Habeas corpus. HC 91.018 RTJ<br />
<strong>204</strong>/777<br />
PrPn Súmula 691: inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrandamento. (...) Habeas corpus.<br />
HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
Pr<strong>STF</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>). (...) Ação penal originária. AP<br />
470-QO RTJ <strong>204</strong>/483<br />
Ct Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (<strong>STF</strong>). (...) Competência originária. ACO<br />
622-QO RTJ <strong>204</strong>/489 – Inq 2.411-QO RTJ <strong>204</strong>/632<br />
PrPn Supressão <strong>de</strong> instância. (...) Habeas corpus. HC 92.863 RTJ<br />
<strong>204</strong>/809 – HC 93.262 RTJ <strong>204</strong>/829<br />
PrPn Suspensão condicional do processo penal – sursis processual.<br />
Possibilida<strong>de</strong>. Crime contra as relações <strong>de</strong> consumo: colocação no<br />
mercado <strong>de</strong> produto impróprio para o consumo. Pena alternativa<br />
<strong>de</strong> multa. Recusa <strong>de</strong> proposta pelo MP: constrangimento ilegal. Lei<br />
8.137/90, art. 7º, IX. CP/40, art. 32. HC 83.926 RTJ <strong>204</strong>/737
ÍNDICE ALFABÉTICO — Sus-Vig<br />
925<br />
PrCv Suspensão do expediente forense: não-comprovação. (...) Agravo <strong>de</strong><br />
instrumento. AI 578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrCv Suspensão ou interrupção: ausência. (...) Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração.<br />
RE 365.994-AgR-ED-ED RTJ <strong>204</strong>/872<br />
PrPn Sustentação oral: inversão da or<strong>de</strong>m. (...) Processo criminal. HC<br />
87.926 RTJ <strong>204</strong>/751<br />
T<br />
PrCv Tempestivida<strong>de</strong>: ausência <strong>de</strong> prova. (...) Agravo <strong>de</strong> instrumento. AI<br />
578.833-ED RTJ <strong>204</strong>/898<br />
PrPn Testemunha: policial participante <strong>de</strong> diligência na fase inquisitorial.<br />
(...) Sentença con<strong>de</strong>natória. HC 91.487 RTJ <strong>204</strong>/794<br />
PrPn Tráfico <strong>de</strong> entorpecente. (...) Prisão em flagrante. HC 92.863 RTJ<br />
<strong>204</strong>/809<br />
PrPn Tráfico <strong>de</strong> entorpecente. (...) Prisão preventiva. HC 91.018 RTJ <strong>204</strong>/777<br />
Pn Tráfico <strong>de</strong> entorpecente e associação para o tráfico. (...) Pena-base.<br />
HC 91.487 RTJ <strong>204</strong>/794<br />
PrPn Trancamento. (...) Inquérito policial. HC 84.555 RTJ <strong>204</strong>/741<br />
PrPn Trancamento: <strong>de</strong>scabimento. (...) Ação penal. HC 91.158 RTJ <strong>204</strong>/783<br />
PrCv Traslado <strong>de</strong>ficiente. (...) Agravo <strong>de</strong> instrumento. AI 578.833-ED RTJ<br />
<strong>204</strong>/898<br />
Int Tratado Brasil–França, art. 4º, e. (...) Extradição. Ext 1.071 RTJ<br />
<strong>204</strong>/527<br />
Int Tratado internacional. Competência para firmar tratado. República<br />
Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Presi<strong>de</strong>nte da República: subscrição como chefe<br />
<strong>de</strong> Estado. CF/88, art. 5º, § 2º. RE 229.096 RTJ <strong>204</strong>/858<br />
Ct Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual: controle <strong>de</strong> contas. (...) Estado-membro.<br />
ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
U<br />
Ct Universida<strong>de</strong>: ausência <strong>de</strong> vínculo com a Secretaria <strong>de</strong> Educação. (...)<br />
Estado-membro. ADI 1.864 RTJ <strong>204</strong>/535<br />
V<br />
Adm Vigência: legislatura subseqüente. (...) Subsídio. RE <strong>204</strong>.889 RTJ<br />
<strong>204</strong>/841
ÍNDICE NUMÉRICO
ACÓRDÃOS<br />
470 (AP-QO) Rel.: Min. Joaquim Barbosa ................. <strong>204</strong>/483<br />
622 (ACO-QO) Rel. p/ o ac.: Min. Ricardo<br />
Lewandowski ....................................... <strong>204</strong>/489<br />
959 (ACO) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/518<br />
1.071 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/527<br />
1.864 (ADI) Rel. p/ o ac.: Min. Joaquim Barbosa ..... <strong>204</strong>/535<br />
1.923 (ADI-MC) Rel. p/ o ac.: Min. Eros Grau ................ <strong>204</strong>/575<br />
2.411 (Inq-QO) Rel.: Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s .................... <strong>204</strong>/632<br />
2.828 (Rcl) Rel.: Min. Carlos Britto ........................ <strong>204</strong>/665<br />
3.582 (ADI-ED) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/669<br />
3.583 (ADI) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/676<br />
3.614 (ADI) Rel. p/ o ac.: Min. Cármen Lúcia .......... <strong>204</strong>/682<br />
25.736 (RMS) Rel. p/ o ac.: Min. Ricardo<br />
Lewandowski ....................................... <strong>204</strong>/695<br />
25.871 (MS) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/718<br />
71.247 (HC) Rel.: Min. Celso <strong>de</strong> Mello ..................... <strong>204</strong>/729<br />
74.309 (HC) Rel.: Min. Celso <strong>de</strong> Mello ..................... <strong>204</strong>/732<br />
83.926 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/737<br />
84.555 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/741<br />
87.071 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/746<br />
87.926 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/751<br />
90.471 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/769<br />
90.709 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/773<br />
91.018 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio ..................... <strong>204</strong>/777<br />
91.158 (HC) Rel.: Min. Cármen Lúcia ...................... <strong>204</strong>/783<br />
91.487 (HC) Rel.: Min. Cármen Lúcia ...................... <strong>204</strong>/794<br />
91.767 (HC) Rel.: Min. Cármen Lúcia ...................... <strong>204</strong>/804
930<br />
ÍNDICE NUMÉRICO<br />
92.863 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/809<br />
92.990 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/817<br />
93.071 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/823<br />
93.262 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/829<br />
93.415 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/834<br />
<strong>204</strong>.889 (RE) Rel.: Min. Menezes Direito .................. <strong>204</strong>/841<br />
229.096 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Cármen Lúcia .......... <strong>204</strong>/858<br />
365.994 (RE-AgR-ED-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/872<br />
455.024 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/874<br />
467.924 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Carlos Britto ........................ <strong>204</strong>/877<br />
485.569 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Carlos Britto ........................ <strong>204</strong>/880<br />
553.873 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso <strong>de</strong> Mello ..................... <strong>204</strong>/883<br />
556.664 (RE-QO) Rel.: Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s .................... <strong>204</strong>/885<br />
560.877 (RE-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ........................ <strong>204</strong>/895<br />
578.833 (AI-ED) Rel.: Min. Celso <strong>de</strong> Mello ..................... <strong>204</strong>/898