A rica vida de João Falcão - Academia de Letras da Bahia
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A <strong>rica</strong> <strong>vi<strong>da</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong><br />
(Discurso proferido na Sessão Sau<strong>da</strong><strong>de</strong>, na Aca<strong>de</strong>mia, no dia 22 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 2011)<br />
É tão recente a posse <strong>de</strong> <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> nesta Aca<strong>de</strong>mia,<br />
ocorri<strong>da</strong> a 9 <strong>de</strong> setembro do ano passado, há um ano e treze dias,<br />
portanto, que fecho os olhos e o vejo, elegante como sempre,<br />
proferindo, <strong>de</strong>sta tribuna, o seu belo discurso, sem o recurso a<br />
óculos, a voz firme e pausa<strong>da</strong>, durante uma hora que produziu<br />
generalizado encanto, pela forma e pelo conteúdo, tão rico <strong>de</strong><br />
eventos que fizeram <strong>da</strong> sua uma biografia ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente<br />
rocambolesca. Entre fascina<strong>da</strong>s e incrédulas, as pessoas se<br />
perguntavam como era possível que alguém pu<strong>de</strong>sse preservar, já<br />
nonagenário, tantos traços <strong>de</strong> beleza <strong>da</strong> primeira juventu<strong>de</strong>. Explicase<br />
porque esse traço pessoal, tão valorizado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, tenha<br />
motivado, com freqüente apelo ao seu nome, a repetição, para seu<br />
divertimento, <strong>da</strong> velha história dos narcisos <strong>de</strong> todos os tempos,<br />
que, inebriados <strong>de</strong> si mesmos, in<strong>da</strong>gam diante <strong>da</strong> própria imagem:<br />
“Espelho meu, espelho meu: há no mundo quem seja tão belo<br />
quanto eu? E o espelho respon<strong>de</strong>u: Ué, e o <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> já morreu?”.<br />
Senhoras e senhores,<br />
Neste momento <strong>de</strong> solene e coletiva compunção, somos<br />
dominados pelo sentimento ambivalente <strong>de</strong> sau<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> regozijo,<br />
uma vez que, em face <strong>da</strong> inevitabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> morte, à<br />
inconformi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> per<strong>da</strong> do pranteado amigo se sobrepõe o<br />
reconhecimento <strong>de</strong> que sua <strong>vi<strong>da</strong></strong> plena foi coroa<strong>da</strong> com saudável<br />
longe<strong>vi<strong>da</strong></strong><strong>de</strong> e uma parti<strong>da</strong> suaviza<strong>da</strong> pelo conforto <strong>da</strong> família à<br />
volta <strong>de</strong> cujos membros mereceu a suprema felici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>spedir sem exceções e sem atropelos. Por tudo isso, viver a <strong>vi<strong>da</strong></strong><br />
que <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> viveu é uma glória e morrer, como ele morreu, uma<br />
bênção.<br />
Revendo o DVD <strong>de</strong> sua memorável posse, concluí que as<br />
palavras que pronunciei naquela oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, em nome <strong>da</strong><br />
Aca<strong>de</strong>mia, calhariam bem hoje, nesta sessão <strong>de</strong> sau<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>stina<strong>da</strong><br />
a memoriar os aspectos marcantes <strong>de</strong> sua instigante saga existencial.<br />
Embora a <strong>vi<strong>da</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> tenha alcançado notorie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
e prestígio em domínios tão distintos quanto a política, o jornalismo,<br />
e a ati<strong>vi<strong>da</strong></strong><strong>de</strong> empresarial, certamente, a literatura é a dimensão que<br />
assegura a perpetui<strong>da</strong><strong>de</strong> do seu nome, para gáudio <strong>da</strong> família, dos<br />
amigos, <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong> e, sobretudo, <strong>de</strong>sta Aca<strong>de</strong>mia.
Ao propor o seu nome para integrar nosso so<strong>da</strong>lício,<br />
acentuei ser ele o maior memorialista vivo do país. Refletindo, mais<br />
a fundo, avancei para o entendimento <strong>de</strong> que <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> se afirma<br />
perante a posteri<strong>da</strong><strong>de</strong> como um dos maiores memorialistas<br />
brasileiros <strong>de</strong> todos os tempos. Sua fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> ao propósito <strong>de</strong><br />
transpor para o papel apenas as experiências que protagonizou ou<br />
testemunhou não comportou exceção por mínima que fosse. Tudo,<br />
absolutamente tudo sobre o que <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> escreveu foi por ele<br />
intensamente vivenciado.<br />
Surpreen<strong>de</strong>ntemente, este personagem que parece saído<br />
<strong>da</strong>s páginas <strong>de</strong> Ponson <strong>de</strong> Terrail começa a carreira <strong>de</strong> escritor já<br />
quase septuagenário, apesar <strong>de</strong> haver madrugado para as letras, na<br />
tenrura dos <strong>de</strong>zesseis anos, à frente do Jornal Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, órgão do<br />
grêmio Pedro Calmon, no Ginásio <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, ao lado <strong>de</strong> jovens do<br />
calibre <strong>de</strong> <strong>João</strong> Agripino <strong>da</strong> Costa Dória, Gerardo <strong>de</strong> Souza Alves e<br />
Luis Menezes Monteiro <strong>da</strong> Costa. A fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> revista Seiva, em<br />
1938, com a parceria <strong>de</strong> Virgil<strong>da</strong>l Sena, Emo Duarte, Eduardo<br />
Guimarães e o então foragido Armênio Gue<strong>de</strong>s, porque já<br />
i<strong>de</strong>ntificado pela ditadura do Estado Novo como comunista, foi um<br />
passo <strong>de</strong> rara ambição intelectual e audácia política, uma vez que<br />
Vargas, atropelando a Constituição <strong>de</strong> 1934, fechara o Congresso e<br />
dissolvera os partidos políticos, enquanto man<strong>da</strong>va para a ca<strong>de</strong>ia os<br />
críticos do seu governo fascista, inclusive parlamentares.<br />
Entre os <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong>tidos, encontrava-se nosso<br />
confra<strong>de</strong> e brasileiro muito ilustre, Otávio Mangabeira que foi<br />
forçado a exilar-se nos Estados Unidos, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> encetou <strong>rica</strong><br />
correspondência epistolar, torna<strong>da</strong> pública, recentemente, pelas<br />
mãos <strong>de</strong> Consuelo Novais Sampaio. A <strong>Bahia</strong> e esta Aca<strong>de</strong>mia<br />
esperam que nossa principal praça esportiva, a reconstruí<strong>da</strong> Arena<br />
Fonte Nova, continue a ostentar o nome <strong>de</strong>ste notável Varão <strong>de</strong><br />
Plutarco.<br />
<strong>João</strong> <strong>Falcão</strong>, ao fun<strong>da</strong>r Seiva, cursava o primeiro ano <strong>de</strong><br />
Direito, na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> dirigi<strong>da</strong> pelo seu conterrâneo <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong><br />
Santana, o octogenário Felinto Bastos, professor <strong>de</strong> Direito romano,<br />
membro fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ira 21 <strong>de</strong>sta Aca<strong>de</strong>mia. Na Escola <strong>de</strong><br />
Direito, pontificavam nomes como Aloísio <strong>de</strong> Carvalho Filho,<br />
Aliomar Baleeiro, Aloísio Henrique <strong>de</strong> Barros Porto, Augusto<br />
Alexandre Machado, Castro Rebelo, Demétrio Tourinho, Heitor<br />
Praguer, Jayme Junqueira Aires, <strong>João</strong> Américo Garcez Fróes, Muniz
Sodré, Nelson <strong>de</strong> Souza Sampaio, Nestor Duarte, Luis Viana Filho e<br />
Orlando Gomes.<br />
A responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> editar Seiva, entre os anos <strong>de</strong> 1938 e<br />
1943, ensejou ao ain<strong>da</strong> adolescente <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
conviver com alguns dos mais brilhantes intelectuais brasileiros,<br />
como, além dos professores mencionados, os baianos Ay<strong>da</strong>no do<br />
Couto Ferraz, Almir Mattos, Afrânio Coutinho, Eugenio Gomes,<br />
Carlos Eduardo <strong>da</strong> Rocha, Carlos Vasconcelos Maia, Edison<br />
Carneiro, José Vala<strong>da</strong>res, Jorge Amado, Odorico Tavares, Walter <strong>da</strong><br />
Silveira, Wilson Lins e intelectuais <strong>de</strong> outros estados, a exemplo <strong>de</strong><br />
Carlos Lacer<strong>da</strong>, Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Joel Silveira,<br />
Rubem Braga e Samuel Wainer. À revelia do PC, que o consi<strong>de</strong>rava<br />
jejuno para o complexo temário <strong>da</strong> revista, <strong>João</strong> incluiu no primeiro<br />
número <strong>de</strong> Seiva artigo <strong>de</strong> sua autoria intitulado Eu os vi no campo,<br />
em que vergastava as condições <strong>de</strong> <strong>vi<strong>da</strong></strong> dos trabalhadores rurais <strong>da</strong><br />
<strong>Bahia</strong>.<br />
À frente <strong>de</strong> Seiva, o factótum <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> era responsável,<br />
também, pela obtenção dos anúncios para financiar a revista que <strong>de</strong><br />
tanto incomo<strong>da</strong>r a ditadura reinante, foi fecha<strong>da</strong> em 1943, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
circular com 19 números, quando foram presos, além do próprio<br />
<strong>João</strong>, os diretores Wilson <strong>Falcão</strong>, seu irmão, e Jacob Goren<strong>de</strong>r, que<br />
viria a ser o gran<strong>de</strong> historiador <strong>da</strong>s ações subterrâneas <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong><br />
brasileira.<br />
Dois anos mais tar<strong>de</strong>, em 1945, o inquieto <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong><br />
li<strong>de</strong>rava a fun<strong>da</strong>ção do jornal O Momento, <strong>de</strong>stinado a ser o veículo<br />
através do qual o Partido Comunista falaria diariamente às massas.<br />
O <strong>de</strong>safio agora era muito maior. Além <strong>de</strong> buscar as fontes<br />
<strong>de</strong> financiamento, era indispensável o concurso <strong>de</strong> gente talentosa e<br />
comprometi<strong>da</strong> com a causa do socialismo, encontrado em jornalistas<br />
do calibre <strong>de</strong> Arary Muricy, Alberto Vita, os irmãos Ariovaldo e<br />
Almir Mattos, Ariston Andra<strong>de</strong>, Inácio <strong>de</strong> Alencar, Jafé Borges, <strong>João</strong><br />
Batista <strong>de</strong> Lima e Silva, José Goren<strong>de</strong>r, José Marroco <strong>de</strong> Moraes<br />
Mario Alves <strong>de</strong> Souza, Nilo Pinto e Quintino <strong>de</strong> Carvalho que viria<br />
a ser o primeiro editor-chefe <strong>da</strong> Tribuna <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, no exercício <strong>de</strong><br />
cujas funções morreu. Entre os vivos encontravam-se os acadêmicos<br />
Luis Henrique Dias Tavares e James Amado, além <strong>de</strong> Alice<br />
Gonzalez, Aurélio Rocha Filho, Boris Tabacof, Carlos Aníbal<br />
Correia, Newton Sobral, Simão Schnitmann e o meu conterrâneo <strong>de</strong><br />
Ipirá, o brilhante Henrique Lima Santos. O Momento circularia entre<br />
1945 e 1957.
De quantas missões foram a <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> confia<strong>da</strong>s pelo<br />
Partido Comunista, certamente a <strong>de</strong> guar<strong>da</strong>r e proteger o gran<strong>de</strong><br />
lí<strong>de</strong>r Prestes, em 1947, foi a mais rocambolesca, responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
que cumpriu, acumulando as funções <strong>de</strong> caseiro, segurança e chofer<br />
do legendário Cavaleiro <strong>da</strong> Esperança, quando se viu compelido a<br />
adiar por algumas semanas o casamento já marcado com a eleita do<br />
seu coração, a menina Hyl<strong>de</strong>th, <strong>da</strong> melhor socie<strong>da</strong><strong>de</strong> soteropolitana.<br />
Imagine-se o constrangimento <strong>da</strong> noiva e <strong>da</strong> família, a quem <strong>João</strong>,<br />
por motivos <strong>de</strong> segurança, estava impedido <strong>de</strong> explicar as razões <strong>de</strong><br />
adiamento tão inopinado quanto inconveniente. Do casamento com<br />
Hyl<strong>de</strong>th, que lhe <strong>da</strong>ria régua e compasso, nasceriam os filhos Maria<br />
A<strong>de</strong>nil, Maria Luiza, <strong>João</strong>, Maria Célia, Antonio, o Ferreirinha,<br />
precocemente falecido, em 1971, Maria Helena e Wilson. Vinte e um<br />
netos e onze bisnetos, somados aos cônjuges <strong>de</strong>ssa magnífica prole,<br />
perfazem numeroso clã <strong>de</strong> que <strong>João</strong> muito e legitimamente se<br />
orgulhava.<br />
Como <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, entre 1955 e 58, <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> volta a<br />
conviver, na Câmara, com os <strong>de</strong>putados e membros <strong>de</strong>sta<br />
Aca<strong>de</strong>mia, as personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s tutelares <strong>de</strong> Luis Viana Filho, Nestor<br />
Duarte e Otávio Mangabeira que lhe ce<strong>de</strong>m o titulo do Jornal <strong>da</strong><br />
<strong>Bahia</strong>, a famosa chama que iluminou nossa terra, em momentos tão<br />
difíceis. Já <strong>de</strong>sligado do Partido Comunista, <strong>João</strong> fundou o JB, em<br />
parceria com alguns amigos diletos, entre os quais avulta o nome <strong>de</strong><br />
Zittelman José Santos <strong>de</strong> Oliva, leal e talentoso companheiro <strong>de</strong><br />
to<strong>da</strong>s as horas, cuja competência gerencial e proverbial vocação<br />
diplomática foram uma constante na repartição <strong>da</strong>s dores e alegrias<br />
ao longo <strong>da</strong> gloriosa jorna<strong>da</strong>.<br />
O JB inovou a linguagem <strong>da</strong> imprensa baiana.<br />
Nunca é <strong>de</strong>mais exaltar a digni<strong>da</strong><strong>de</strong> com que <strong>João</strong> <strong>de</strong>ixou o<br />
Partidão. Sua longamente amadureci<strong>da</strong> apostasia jamais <strong>de</strong>sbordou<br />
para o habitual expediente <strong>de</strong> enxovalhar o seu passado político,<br />
conquanto o magoasse o reconhecimento <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vir<br />
a ser aceito como um puro-sangue i<strong>de</strong>ológico, uma vez que<br />
in<strong>de</strong>levelmente maculado pela sua irremissível origem em família<br />
abasta<strong>da</strong>.<br />
<strong>João</strong> serviu ao governo Luís Viana Filho como presi<strong>de</strong>nte do<br />
Desembanco, para on<strong>de</strong> levou a experiência adquiri<strong>da</strong> na gestão do<br />
Banco Baiano <strong>da</strong> Produção, <strong>de</strong> que foi o principal fun<strong>da</strong>dor,<br />
acionista e dirigente.
Com o concurso intimorato e intemerato <strong>de</strong> <strong>João</strong> Carlos<br />
Teixeira Gomes, o Pena <strong>de</strong> Aço, o famoso Joca, também membro<br />
muito ilustre <strong>de</strong> nossa Companhia, <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> escreveu uma <strong>da</strong>s<br />
páginas mais bonitas na resistência para a preservar a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
imprensa em nosso país, ao enfrentar o guante <strong>da</strong> violência e <strong>da</strong><br />
impostura contra a <strong>de</strong>mocracia em nossa terra, sendo compelido a<br />
sacrificar parcela pon<strong>de</strong>rável do patrimônio familiar para sustentar<br />
a luta <strong>de</strong>sigual, que o cre<strong>de</strong>nciou, ain<strong>da</strong> mais, à reverência dos seus<br />
contemporâneos. Entre os re<strong>da</strong>tores do JB, além do aguerrido e culto<br />
Joca, encontravam-se, <strong>de</strong>ntre muitos outros nomes <strong>de</strong> valor, os<br />
acadêmicos Florisvaldo Mattos, Samuel Celestino e <strong>João</strong> Ubaldo<br />
Ribeiro.<br />
<strong>João</strong> dirigiu o JB ao longo <strong>de</strong> vinte e cinco dos trinta e seis anos<br />
<strong>da</strong> <strong>vi<strong>da</strong></strong> do jornal.<br />
Concluí<strong>da</strong>s as ati<strong>vi<strong>da</strong></strong><strong>de</strong>s políticas e jornalísticas, <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong><br />
dá início à sua vitoriosa carreira <strong>de</strong> escritor, publicando em 1988 seu<br />
prestigioso livro inaugural, O Partido Comunista que eu conheci -20<br />
anos <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong>, referência e fonte <strong>de</strong> consulta obrigatória<br />
para quem queira se <strong>de</strong>bruçar sobre os conflitos i<strong>de</strong>ológicos no<br />
Brasil do Século XX. Da revisitação que fez a <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> velhos<br />
companheiros, para entrevistá-los, inclusive o fun<strong>da</strong>dor do Partido<br />
Comunista <strong>da</strong> Argentina, Rodolpho Ghioldi, nasceu a i<strong>de</strong>ia que<br />
começava a executar quando foi colhido pela morte: escrever a<br />
biografia <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> Luís Carlos Prestes, último personagem a ser<br />
longamente entrevistado, na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua luci<strong>de</strong>z aos 88 anos,<br />
ao lado <strong>de</strong> Maria Prestes, a sucessora <strong>de</strong> Olga no seu leito nupcial.<br />
Em 1993, <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> publica duas biografias: A Vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>João</strong><br />
Marinho <strong>Falcão</strong> e Giocondo Dias – Vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um Revolucionário. O<br />
primeiro, para celebrar, a 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1993, o centenário do seu<br />
pai, ci<strong>da</strong>dão-estadista, o velho e bom Coronel <strong>João</strong> Marinho,<br />
representante máximo <strong>da</strong> elite <strong>de</strong> nosso patriciado rural. Ao<br />
biografar o próprio pai, <strong>João</strong> conseguiu manter o raro e necessário<br />
equilíbrio entre o amor que a ele <strong>de</strong>dicava e a objeti<strong>vi<strong>da</strong></strong><strong>de</strong> factual <strong>de</strong><br />
traçar o seu admirável perfil como uma <strong>da</strong>s personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais<br />
marcantes <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong> do seu tempo. O segundo, para expressar a<br />
gran<strong>de</strong> admiração que nutria pelo homem e pelo revolucionário<br />
Giocondo Dias, exemplar patriota, como poucos, e <strong>de</strong>svelado no<br />
amor que <strong>de</strong>dicava à mulher e aos cinco filhos.<br />
Giocondo Dias, que morreria aos 74 anos, em 1987, foi<br />
também entrevistado, três anos antes, como fonte <strong>de</strong> O Partido
comunista que eu conheci. Ao impedir, com pulso firme, que os seus<br />
subordinados executassem os sol<strong>da</strong>dos do quartel do 21° Batalhão<br />
<strong>de</strong> Cavalaria, que tomaram em Natal, no levante comunista <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1935, Giocondo criou o prece<strong>de</strong>nte para que o número<br />
<strong>de</strong> vítimas no Brasil, fosse o menor entre to<strong>da</strong>s as quartela<strong>da</strong>s sulame<strong>rica</strong>nas.<br />
De cabo do Exército, <strong>de</strong>sertor, Giocondo evoluiu para<br />
substituir Luís Carlos Prestes, em 1980, como secretário-geral do<br />
Partido Comunista.<br />
O Brasil e a Segun<strong>da</strong> Guerra – Testemunho e <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um<br />
sol<strong>da</strong>do convocado veio a lume em 1999. Como tive ocasião <strong>de</strong> dizer<br />
em artigo escrito ao tempo do lançamento do livro, trata-se <strong>de</strong><br />
notável obra <strong>de</strong> nossa historiografia. Ali, aprendi muito mais sobre o<br />
envolvimento do nosso País naquela hecatombe do que em outra<br />
fonte qualquer. O Brasil foi o único país que entrou na guerra por<br />
imposição popular.<br />
O ensino-aprendizado <strong>da</strong> História, como disciplina escolar,<br />
ganharia muito em eficiência se, ao invés <strong>de</strong> o fazermos, como <strong>de</strong><br />
praxe, do passado para o presente, passássemos a fazê-lo,<br />
inversamente, do presente para o passado. Este livro sobre a<br />
Segun<strong>da</strong> Gran<strong>de</strong> Guerra seria um bom começo, sobretudo porque,<br />
nele, apren<strong>de</strong>mos, como em nenhum outro, como se processou a<br />
participação <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong> e dos baianos naquele conflito, que não teria<br />
acontecido não fosse o tratado espúrio firmado entre a loucura <strong>de</strong><br />
Hitler e o oportunismo russo, para retalhar a Polônia. Sem o<br />
concurso <strong>de</strong>cisivo do povo brasileiro, em geral, e dos baianos, em<br />
particular, Vargas permaneceria em sua neutrali<strong>da</strong><strong>de</strong> muito<br />
conveniente às intenções e ações do Eixo. É ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que os<br />
cadáveres que juncaram as praias do litoral baiano levaram o povo<br />
às ruas, num clamor público ensur<strong>de</strong>cedor, hoje tão ausente <strong>da</strong><br />
agen<strong>da</strong> popular, omissa diante dos graves escân<strong>da</strong>los que<br />
infelicitam o povo brasileiro.<br />
É ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente empolgante ver que alguém sem a<br />
formação curricular do historiador haja produzido obra <strong>de</strong> tamanha<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Em 2006, saiu o longamente esperado Não Deixe Esta Chama<br />
Se Apagar – Historia do Jornal <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, resultado do propósito<br />
confessado do autor <strong>de</strong> registrar para a posteri<strong>da</strong><strong>de</strong> “este<br />
inominável atentado praticado contra a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa em<br />
nosso país.”
Em 2008 <strong>João</strong> autografou a Historia <strong>da</strong> Revista Seiva, aqui,<br />
nesta Aca<strong>de</strong>mia, a quem ofertou a coleção completa <strong>da</strong> inolvidável<br />
publicação, que exerceu papel do maior relevo na <strong>vi<strong>da</strong></strong> política<br />
nacional. Enriquece a obra a introdução antológica <strong>da</strong> lavra do<br />
incomparável <strong>João</strong> Eurico Mata, nosso confra<strong>de</strong>.<br />
Em 2009, ao ensejo <strong>da</strong> celebração dos seus noventa anos,<br />
<strong>João</strong> <strong>Falcão</strong> traz à luz seu magnum opus, Valeu a Pena – Desafios <strong>de</strong><br />
minha <strong>vi<strong>da</strong></strong>, em que <strong>de</strong>sfia os fastos <strong>de</strong> sua longa e frutuosa<br />
existência em ca<strong>da</strong> um dos diferentes domínios em que se<br />
<strong>de</strong>sdobrou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, em Feira <strong>de</strong> Santana, até a celebração<br />
dos seus noventa anos. Neste bem escrito cartapácio <strong>de</strong> quase 1000<br />
páginas, <strong>João</strong> passa a limpo, além do período escolar e dos vinte<br />
anos no PC, os 47 anos <strong>de</strong> jornalismo, 60 como empresário, 50 como<br />
rotariano e 63 <strong>de</strong> <strong>vi<strong>da</strong></strong> conjugal.<br />
É irresistível a tentação <strong>de</strong> concluir este breve necrológio<br />
com a citação com que encerrei a sau<strong>da</strong>ção que lhe fiz ao chegar a<br />
esta Aca<strong>de</strong>mia.<br />
Na avaliação crítica ao colossal Valeu a pena, na Tribuna <strong>da</strong><br />
<strong>Bahia</strong>, o amigo comum e advogado Carlos Sodré não po<strong>de</strong>ria ter<br />
sido mais feliz, ao sustentar, em inspira<strong>da</strong> síntese que “a obra<br />
autobiográfica com que celebra os seus 90 anos – é uma<br />
arrebatadora narrativa <strong>de</strong> sua saga. Nela, exsurgem em bela e<br />
concatena<strong>da</strong> linguagem, <strong>rica</strong>s revelações <strong>da</strong> origem interiorana do<br />
autor; <strong>da</strong> influência familiar hauri<strong>da</strong>, especialmente <strong>da</strong> figura<br />
marcante <strong>de</strong> seu pai; <strong>da</strong> sequiosa busca do saber e <strong>da</strong> avi<strong>de</strong>z por<br />
participar <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s lutas do seu tempo, don<strong>de</strong> refulge a intensa e<br />
obstina<strong>da</strong> atuação na <strong>vi<strong>da</strong></strong> estu<strong>da</strong>ntil, jornalística e cultural <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong><br />
<strong>de</strong> então; <strong>da</strong> imersão nos domínios <strong>da</strong> <strong>vi<strong>da</strong></strong> i<strong>de</strong>ológica, partidária e a<br />
epopéia <strong>da</strong> clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong>, suas prisões e o exílio; a passagem pelo<br />
Parlamento no tempo em que homens públicos dignos e brilhantes<br />
eram regra e não exceção, como hoje; as incursões na ati<strong>vi<strong>da</strong></strong><strong>de</strong><br />
empresarial <strong>da</strong> construção imobiliária e <strong>de</strong> banqueiro; a experiência<br />
<strong>da</strong> administração pública. Ao lado <strong>de</strong> tudo isso, <strong>de</strong> sua leitura se<br />
colhe que o autor, ain<strong>da</strong> que invariavelmente altivo e rígido no<br />
cotidiano cumprimento <strong>da</strong>s tarefas partidárias, nunca per<strong>de</strong>u o<br />
traço <strong>da</strong> sereni<strong>da</strong><strong>de</strong> que lhe assinala a personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sendo possível<br />
i<strong>de</strong>ntificar nele assim um quê guevariano pois, por mais que<br />
imprimisse, ao que fazia, uma postura intransigente e dura, aflora a<br />
percepção <strong>de</strong> que se exercia “sem per<strong>de</strong>r a ternura, jamais”.
Na<strong>da</strong> há que se possa dizer a respeito <strong>de</strong> <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong>, em<br />
tão poucas palavras, que seja tão abrangente e sintético <strong>de</strong> sua <strong>vi<strong>da</strong></strong>.<br />
Senhoras e senhores, naquele 9 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2010,<br />
encerrei meu pronunciamento, conclamando: -Confra<strong>de</strong> <strong>João</strong> <strong>da</strong><br />
Costa <strong>Falcão</strong>, a Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong> esten<strong>de</strong> sobre o vosso<br />
nome o manto <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Se<strong>de</strong> Bem-vindo!<br />
Agora, sinto-me convocado a dizer: -Confra<strong>de</strong> <strong>João</strong> <strong>Falcão</strong>,<br />
neste momento <strong>de</strong> sau<strong>da</strong><strong>de</strong>, falo em nome <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia, <strong>de</strong> vossa<br />
mulher, <strong>de</strong> vossos filhos, <strong>de</strong> vossos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a<br />
numerosa legião <strong>de</strong> vossos amigos e admiradores: -Até breve,<br />
querido amigo! Logo mais estaremos convosco, para o encontro<br />
permanente, sem interrupção e sem pressa <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong><strong>de</strong>!<br />
Joaci Góes